CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

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© 1992 C. Timothy Carriker

1ª edição: 1992

Reimpressão: 1999

Publicado com a devida autorização e com todos os direitos reservados por

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA, Caixa Postal 21486, São

Paulo- SP

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Coordenação de produção • Robinson Malkomes

Revisões • Eber Cocareli

Capa • Melody Pieratt

Digitalizado por: MissionAR

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CONTEÚDO

Prefácio dos editores ....................................................................... 4

Agradecimentos ............................................................................... 5

Introdução......................................................................................... 6

1. A Base de Missões no Relato da Criação...................................... 8

2. A Responsabilidade Missionária de Israel..................................... 11

3. A Perspectiva de Missões no Ministério de Jesus......................... 19

4. Missões no Ministério do Espírito por meio da Igreja................... 28

5. Paulo e Missões............................................................................. 39

6. A Volta de Jesus e a Urgência Missionária................................... 46

Apêndice A........................................................................................ 50

Apêndice B........................................................................................ 54

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PREFÁCIO DOS EDITORES

O teólogo holandês J. H. Bavinck afirmava que a base da grande

comissão evangélica teria que ser Gênesis 1.1. O autor deste livro, renomado

professor da cadeira de Missões do Centro Evangélico de Missões, em Viçosa-

MG, vai além para demonstrar que não somente o primeiro versículo, mas toda

a Bíblia, trata da questão missionária.

Com o crescimento, nos últimos anos, do interesse das igrejas brasileiras

por missões, tornou-se fundamental a busca de uma base bíblica abrangente

para a tarefa missionária. A grande comissão — isolada — hoje não é mais

suficiente para sustentar o intenso debate que tem sido travado sobre os

diversos aspectos que envolvem a ação missionária transcultural.

Queremos desafiar o leitor a buscar conosco, nas páginas de toda a

Escritura, o conhecimento amplo e seguro das bases divinas da missão. Nossa

oração é para que o Deus, que no princípio criou os céus e a terra (Gn 1.1), pela

graça do Senhor Jesus Cristo (Ap 22.21) encontre no leitor a atitude de pronto

engajamento na sublime tarefa de abreviar o fim da história.

Eber Cocareli

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer especialmente ao Rev. Elben Magalhães Lenz César a

demonstração de amizade e confiança em mim e a publicação, por meio da

revista Ultimato (entre 1983 e 1986), dos capítulos contidos neste livro.

Também reconheço minha dívida de gratidão ao Centro Evangélico de

Missões, à sua diretoria, a seu corpo docente e a seus alunos pelo privilégio de

participar com eles de um sonho tão antigo quanto a promessa de Deus a Abraão

no sentido de abençoar todas as nações do mundo, mediante a salvação

oferecida em Jesus Cristo e anunciada por nós!

INTRODUÇÃO

Sentado em nossa sala, um jovem engenheiro agrônomo refletia a

respeito de sua vida de estudante universitário cristão e zeloso pela

evangelização: "Naquela época, eu viajava de ônibus entre a cidade e o compus

e poucos foram os colegas que não ouviram do evangelho por meio de meu

testemunho. Mas, hoje — sei lá — tenho amadurecido na fé e já não reajo com

as pessoas como um recém-convertido..."

Fiquei pensando em quantos cristãos cometem o mesmo engano:

relacionar a evangelização ardente e fiel apenas com os primeiros passos, com

o entusiasmo do estágio inicial da vida cristã, deixando que ela se transforme,

em seguida, num respeitoso silêncio, fruto de um "amadurecimento" na fé. Tal

atitude reflete falta de conhecimento da perspectiva bíblica sobre a missão da

igreja e sua tarefa evangelística.

Por alguma razão, que acredito ser diabólica, a questão missionária

frequentemente não preocupa muito a igreja, se não na teologia, pelo menos na

prática. Para alguns, a vocação missionária cabe mais aos ministros de menor

preparo e experiência. Assim, a rica palavra missões torna-se nada mais que um

degrau na ascensão da carreira profissional ou mesmo um meio pelo qual a

igreja se livra dos ministros não tão bem sucedidos. Claro, isto acontece muito

menos no pensamento e muito mais na prática. É um contraste com a igreja

primitiva, que formou sua primeira equipe missionária com o influente e bem

instruído Paulo e com o grande expositor da Palavra de Deus, Barnabé.

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A matéria é tratada como se fosse apenas uma pequena parte do preparo

bíblico e teológico. Certamente, a grande comissão (Mt 28.18-20) é citada, com

certa frequência, com zelo e ardor. Todavia, poucas vezes ela é vista e exposta

como o clímax e o ápice de uma longa série de teologia missionária que se irradia

das páginas da Bíblia, desde Gênesis 1.1 até Apocalipse 22.21, ou seja, do

primeiro ao último versículo da Palavra de Deus.

A Bíblia, então, é essencialmente um livro missionário, visto que sua

inspiração deriva de um Deus missionário. O termo missionário vem do latim,

que, por sua vez, traduz a palavra grega apóstolos, a qual significa o enviado.

Jesus usou este termo para destacar o relacionamento entre Deus Pai, Deus

Filho e seus discípulos, quando disse: "Assim como o Pai me enviou, eu também

vos envio" (Jo 20.21). O próprio caráter de nosso Senhor é missionário. Portanto,

não é de surpreender que sua Palavra também manifeste esta característica. É

à luz desta revelação de Deus que a igreja enfrenta o maior desafio do

cristianismo — a tarefa missionária inacabada, cujo âmago é a evangelização.

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1. A BASE DE MISSÕES NO RELATO DA CRIAÇÃO

Um dos maiores teólogos de missões, o holandês J. H. Bavinck, observou

que Gênesis l. l é, obviamente, a base necessária da grande comissão dada nos

evangelhos. De fato, ele tinha razão. O versículo tão conhecido diz: "No princípio

criou Deus os céus e a terra".

A CRIAÇÃO DO MUNDO

Destaca-se aí a amplitude da preocupação de Deus e, por conseguinte, o

palco de missões. Nada menos que o mundo inteiro pertence à esfera do

interesse de Deus. Antes de ser uma preocupação mais restrita, a preocupação

é basicamente universal. Antes de ser o Deus de Israel, ele é o Deus do universo.

Antes de ser o Deus da igreja, é o Senhor de tudo. (Mesmo o título usado no

Antigo Testamento, Adonai, tem o sentido de "Senhor de tudo" ou "Senhor

absoluto", em vez de Adonî, forma esta que significa "meu Senhor",

representando, por exemplo, um deus particular de um indivíduo ou de uma

nação.).

"Pois Deus amou o mundo de tal maneira..." (Jo 3.16). O escopo de Deus

é o mundo criado. Nele, a mira de Deus está fixada. Ele tem um plano mestre

para todas as coisas (l Co 15.28). Claro que o meio de alcançar este alvo é mais

estreito: a igreja. Se o alvo da mira de Deus é o universo, certamente, a partir do

NT, a espingarda carregada é a igreja, assim como foi Israel no AT. Embora a

igreja continue sendo o centro do plano de Deus, não é, de maneira alguma, sua

totalidade, seu limite e sua circunscrição.

A esfera da preocupação de Deus é universal. Por isso, disse Jesus: "...

toda autoridade me foi dada no céu e na terra" (Mt 28.18). O mesmo Deus que

tudo criou, sobre tudo possui toda autoridade (Cl 1.16-17) e de tudo receberá

toda a glória e honra, "para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos

céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus é Senhor

para a glória de Deus Pai (Fp 2.10-11. Aqui, Paulo traduz o termo hebraico

Adonai, "Senhor de tudo", pelo equivalente grego kyrios e aplica-o à pessoa de

Jesus, indicando que este Deus de toda criação, Jeová, é de fato o próprio Jesus

de Nazaré!Portanto, quando Jesus disse a seus discípulos que fossem a todas

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as nações, a toda criatura e a toda parte do mundo, ele se baseava no fato de

que o mundo todo pertence, por direito, a Deus, por ser sua criação.

A CRIAÇÃO DO SER HUMANO

O fato de que a preocupação de Deus é universal confirma-se no relato

da criação do ser humano e no propósito de Deus designado para ele.

"Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem

e mulher os criou. E Deus os abençoou, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-

vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves

dos céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra" (Gn 1.27-28).

Confirmamos que o objeto do domínio dado à humanidade é o mundo

inteiro. Tanto os céus quanto a terra mais uma vez são mencionados na

passagem. Entretanto, a esta altura, já há outra dimensão relacionada às

missões, isto é, o papel do homem. Sua tarefa será dominar e sujeitar o mundo

que Deus criou. Assim, ele recebe uma certa realeza delegada por Deus. Esta

capacidade aparentemente (segundo a passagem) define a imagem de Deus no

ser humano, a capacidade (e ordem!) de dominar, sujeitar e ordenar. Assim

como Deus domina, governa e reina como Rei, o homem, sendo seu embaixador

e enviado, também deve reinar como um rei sobre a criação de Deus. Foi com o

fim de promover o reino de Deus que ao homem se imputou a imagem de Deus.

É por isso mesmo que, depois da queda, houve tanta desordem e abuso de

domínio do ser humano afastado de Deus. Somente uma restauração, uma

recriação e um renascimento dos homens e das mulheres, por meio da redenção

conseguida na cruz do Calvário, podem recapacitar o homem a participar do

reino de Deus e a anunciar a todas as nações a chegada deste glorioso reino.

Portanto, o relato bíblico da criação já estabelece o palco de missões com

escopo e foco universais. Destaca também o papel do homem como um

embaixador que promove o domínio do Rei-Criador por todo o mundo.

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2. A RESPONSABILIDADE MISSIONÁRIA DE ISRAEL

No primeiro capítulo, destacamos dois aspectos de missões no relato

bíblico da criação. Em primeiro lugar, observamos, através do relato da criação

do mundo, que nada menos do que o universo inteiro objetiva a preocupação de

Deus com o alvo da redenção, e, como consequência, o mundo é definido como

o palco de missões. Em segundo lugar, observamos, através do relato da criação

do homem, seu papel como embaixador-missionário, isto é, como representante

(rei, com r minúsculo) de Deus (Rei, com R maiúsculo) e seu enviado (este é o

significado da palavra missionário) para anunciar o reino de Deus e até participar

da ordenação e do domínio deste reinado em todo o mundo. Reparamos ainda

que, depois da queda, esta imagem de Deus no homem corrompeu-se, restando

a salvação de Cristo Jesus a fim de restaurar o homem ao estado pretendido por

Deus desde o início.

Entretanto, pode-se pensar que, se Deus tem, desde o início, uma

preocupação universal, por que o Antigo Testamento dá tanta ênfase somente a

uma nação — Israel?

Vejamos os capítulos 3-12 de Gênesis. A partir de Adão, o relacionamento

entre Deus e o homem piorou. Neste trecho das Escrituras lemos a respeito de

queda e rebelião. Por fim, Deus diz: "Chega! Vou acabar com toda a raça

humana e começar tudo de novo com uma só família". Deus efetivamente fez

isto, destruindo a humanidade toda com exceção da família de Noé.

Ora, são fascinantes as palavras de Deus a Noé e seus filhos, depois do

dilúvio: "Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra" (Gn 9.1). O

mandamento de Deus para Adão continua o mesmo para Noé e sua família. Eles

deveriam ser os novos embaixadores-missionários de Deus por todo o mundo.

Enfatizamos, de acordo com Gênesis, que esta aliança se fez entre Deus, Noé

e seus filhos. Somente um dos filhos de Noé, Sem, seria o antecedente dos

povos semitas, como Israel, por exemplo. Todos os filhos, porém, representavam

toda a humanidade de novo.

Infelizmente a história continuou inalterada. Mais uma vez houve rebelião

e tudo piorou e se agravou até a construção da torre de Babel:

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"Ora em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de

falar. Sucedeu que, partindo eles do oriente, deram com uma planície na

terra de Sinear; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Vinde,

façamos tijolos, e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra,

e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma

cidade, e uma torre cujo topo chegue até aos céus e tornemos célebre o

nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra" (Gn

11.1-4).

A torre de Babel foi construída para ser um símbolo de unidade, um lugar

onde as pessoas pudessem se reunir. Buscava-se segurança com essa união,

tendo em vista os perigos desconhecidos da terra despovoada. Eles disseram:

"Não queremos nos espalhar por toda a terra. Não vamos obedecer ao primeiro

mandamento de Deus e espalhar seu domínio por todo o mundo".

Mas Deus os forçou a isto, confundindo-lhes as línguas, exigindo, assim,

a separação entre povos e nações. Mais tarde, quando Deus teve um povo

remido pelo sangue de Jesus, ele reverteu o processo de confundir as línguas

para dar expansão à obra missionária da igreja (At 1.8). Ao mesmo tempo,

continuou a permitir a dispersão forçada de seu povo, a fim de promover seu

reino por todo o mundo (At 8.1,4).

Até este ponto do relato de Gênesis, vemos como Deus quis usar a

humanidade, a fim de promover a ordem e seu domínio. Observamos que o foco

manteve-se universal. Gênesis 1-11 conta a história do mundo e de toda a

humanidade.

A partir do capítulo 12, contudo, e até o final do Antigo Testamento, a

ênfase recai na história não universal, mas particular do povo de Israel. Esta

nação seria o instrumento de Deus para atingir seu alvo, que continuaria a ser o

mundo todo.

Veremos agora que no período dos patriarcas, como no dos reis e dos

profetas, embora muito se relate sobre um povo só, Israel, o propósito de Deus

alcança todas as nações.

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NO PERÍODO DOS PATRIARCAS

Quando Deus chamou Abraão, concentrou-se em um só homem, por meio

de quem constituiria uma família e, depois, uma nação, cuja influência atingiria

todos os povos do mundo: "Em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn

12.3). Esta passagem chave influenciou todo o resto da Bíblia!

Abraão tornou-se um grande missionário. Deus o chamou, e ele

respondeu com fé. Deixou sua vida anterior e iniciou sua peregrinação. Foi

chamado pai da fé. Entretanto, sua fé serviu como meio para alcançar um fim,

sendo este uma missão. A fé sozinha não tem conteúdo. Na vida de Abraão, a

fé lhe foi exigida, porque em sua missão encontrou, muitas vezes, dificuldades

que seriam vencidas apenas pela fé em Deus, que dá origem à missão.

Este chamado de Abraão repetiu-se para seus descendentes: "... a tua

descendência possuirá a cidade dos seus inimigos, nela serão benditas todas as

nações da terra" (Gn 22.17-18). Esta "descendência" refere-se a três entidades.

Em primeiro lugar, ao povo de Israel. A missão de Abraão passou também a

seus descendentes, pois o chamado à missão repetiu-se tanto para Isaque (Gn

26.2-4) quanto para Jacó (Gn 28.13-14) e José (Gn 49.22).

Em segundo lugar, a descendência refere-se a Jesus. Todas as bênçãos

de Deus nos vêm por meio de Jesus Cristo (Ef 1.3), tanto que Abraão era apenas

um tipo de Cristo, apontando para frente, junto com os profetas e reis, para o

Messias, através de quem Deus cumpriu cabalmente as promessas feitas a seus

tipos.

Em terceiro lugar, assim como o chamado passou para os descendentes

de Abraão, também passou para os "descendentes" de Jesus, aqueles que

renascem em Cristo, os verdadeiros e atuais descendentes de Abraão (Gl 3.29).

Os cristãos são chamados para serem missionários-embaixadores.

Resumindo: desde o início, o chamado de Israel como nação foi feito a

fim de alcançar todas as famílias, ou seja, todas as nações da terra. O propósito

de Deus no levantamento de Israel era mostrar ao mundo, mediante sua história,

o caminho da salvação, e assim levar todos os povos a gozar esta bênção. O

foco no mundo uma vez mais se destacou. Esta ênfase nunca se perdeu no

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Antigo Testamento, embora, às vezes, tenha sido obscurecida. A história de

Israel é uma história de missões.

NA HISTÓRIA DE ISRAEL

Na história de Israel, a atuação de Deus para com seu povo visava a um

propósito maior — alcançar as nações. Por exemplo, após atravessar o Mar

Vermelho e o Rio Jordão, Josué afirmou:

"Porque o Senhor vosso Deus fez secar as águas do Jordão diante de vós, até

que passásseis, como o Senhor vosso Deus fez ao Mar Vermelho, ao qual secou

perante nós, até que passamos. Para que todos os povos da terra conheçam

que a mão do Senhor é forte: a fim de que temais ao Senhor vosso Deus todos

os dias" (Js 4.23-24).

Os milagres de Deus não objetivavam algo para Israel, mas eram uma

forma de conduzir as nações à salvação. (Observe-se que "temer", para o

hebreu, significava a aliança que tinha quanto à sua fé, assim como, hoje em

dia, o termo popularmente usado é "religião".)

Davi compreendeu este propósito maior de Deus, quando se confrontou

com Golias:

"Davi, porém, disse ao filisteu: Tu vens contra mim com espada, e com lança, e

com escudo; eu, porém, vou contra ti em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus

dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado. Hoje mesmo o Senhor te

entregará na minha mão; ferir-te-ei, tirar-te-ei a cabeça, e os cadáveres do arraial

dos filisteus darei hoje mesmo às aves dos céus e às bestas-feras da terra; e

toda a terra saberá que há Deus em Israel" (l Sm 17.45-46).

Esta consciência missionária de Davi chegou a marcar significativamente

seus salmos:

"Aclamai a Deus, toda a terra... prostra-se toda a terra perante ti... os seus olhos

vigiam as noções... bendizei, ó povos, o nosso Deus" (66.1, 4, 7, 8).

"E todos os reis se prostrem perante ele; todas as nações o sirvam... nele sejam

abençoados todos os homens, e as nações lhe chamem bem-aventurado"

(72.11, 17).

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"Todas as nações que fizeste virão, prostrar-se-ão diante de ti, senhor, e

glorificarão o teu nome" (86.9).

"Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os povos as suas maravilhas"

(96.3).

"O Senhor fez notória a sua salvação; manifestou a sua justiça perante os olhos

das nações... celebrai com júbilo ao Senhor, todos os confins da terra" (98.2, 4).

"Louvai ao Senhor vós todos os gentios, louvai-o todos os povos" (117.1).

Esta visão missionária também foi evidenciada pelo filho de Davi,

Salomão, quando dedicou o templo a Deus, orando:

"... ouve tu nos céus, lugar da tua habitação, e faze tudo o que o estrangeiro te

pedir, a fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, para te

temerem como o teu povo Israel, e para saberem que esta casa, que eu edifiquei,

é chamada pelo teu nome" (l Rs 8.43; ver também Is 56.6-8).

NOS PROFETAS

Os profetas chamavam o povo de Israel para voltar a essa visão universal

de Deus, pois Israel tendia a ter uma perspectiva nacional e exclusivista. Jeová

seria o Deus da salvação de todos: "Olhai para mim, e sede salvos, vós, todos

os termos da terra" (Is 45.22); "diante de mim se dobrará todo joelho" (Is 45.23).

O profeta Sofonias reconhecia esta perspectiva: "Então darei lábios puros aos

povos, para que todos invoquem o nome do Senhor, e o sirvam de comum

acordo". Assim também Malaquias: "Mas desde o nascente do sol até o poente

é grande entre as nações o meu nome..." (Ml 1.11). Aos estrangeiros é dado o

título "povo de Deus" (Os 2.23). O anúncio do Messias que vem tem caráter

universal, concretizando a promessa de Deus a Abraão de abençoar todas as

nações e cumprindo a responsabilidade dada ao homem de dominar a terra.

"Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde

o Eufrates até as extremidades da terra" (Zc 9.10).

Assim, conforme o Antigo Testamento, desde a criação do mundo,

alcançando a história de Israel e as profecias dos antigos profetas, Deus tem

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preparado seu povo para a grande missão de levar seu domínio a todo canto e

a todos os povos da terra. Estejamos preparados dispostos!

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3. A PERSPECTIVA DE MISSÕES NO MINISTÉRIO DE JESUS

Nos últimos capítulos, confirmamos que o mandato missionário baseia-se

no Antigo Testamento, como um fio que entrelaça toda a história de Israel. O

escopo de missões sempre foi e sempre será universal, já que procura anunciar

e promover o reino de Deus por todo o mundo. Na própria história de Israel, a

mão forte e poderosa de Deus se estendeu ao povo, não somente para seu

benefício, mas também como testemunho às nações, a fim de levá-las a

conhecerem o Senhor dos Exércitos.

No Novo Testamento, essa preocupação universal de Deus intensifica-se

a partir do ministério de Jesus. O Evangelho Segundo Lucas, mais que todos os

outros, enfatiza o significado universal da vinda de Jesus. Dos quatro

evangelhos, apenas Mateus e Lucas traçam a ascendência de Jesus através de

sua genealogia. Mateus começa a partir de Abraão a fim de destacar aos leitores

judeus e aos gentios, inquisidores da fé judaica, que Jesus, sendo filho de

Abraão, é o Rei prometido de Israel. Lucas, entretanto, começa a genealogia de

Jesus a partir de Adão, destacando-o como filho do pai de toda a humanidade.

Assim, Jesus identifica-se com o plano mestre e universal de Deus na história

da criação, ou seja, ter domínio sobre todas as coisas e não somente sobre

Israel. Em Lucas vemos Cristo como o missionário de Deus, enquanto em

Mateus ele é visto mais como o Messias prometido de Israel.

Lucas enfatiza o significado do ministério de Jesus, tanto em termos

geográficos quanto em termos sociais e culturais. Consideremos estes três

aspectos de seu ministério.

ROMPENDO AS BARREIRAS GEOGRÁFICAS

Em Lucas 4, Jesus estava em Cafarnaum, onde centralizou seu ministério

no início. Foi lá que ele começou a pregar, ensinar e curar com autoridade. Foi

até a casa de Simão e curou sua sogra. Nas altas horas da noite, o povo lhe

trazia os doentes, e ele os curava, devendo ter ficado um tanto sobrecarregado

com este ministério, pois lemos: "Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as

multidões o procuravam e foram até junto dele, e instavam para que não os

deixasse" (Lc 4.42).

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Aparentemente, o povo percebia que Jesus estava prestes a deixá-lo, e

isto quando ele mal começara seu ministério lá! Imagine a reação das pessoas

— angustiadas como se tivessem estado na fila do INPS durante a noite toda e,

de repente, o médico de plantão tivesse saído de férias.

"Espere aí! Não diga que já vai! O Senhor apenas começou seu ministério

aqui. Esta cidade está cheia de corrupção e pobreza, pecado e doença. O

Senhor ainda não pode nos deixar!"

Qual foi a resposta de Jesus?

"É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às

outras cidades, pois para isso é que fui enviado."

O evangelho deve se espalhar. Não pode ficar parado em lugar algum! Já

que o evangelho é do reino, isto tem dimensões as mais amplas e universais

possíveis. Fica, portanto, implícita sua divulgação por toda parte, atravessando

todas as barreiras geográficas. Tem que estar sempre em movimento, até que

todos recebam as boas novas. O ministério de Jesus demonstra uma

preocupação missionária que cruza as fronteiras geográficas, convocando a

todos em todos os lugares a assumirem a vida do reino.

ROMPENDO AS BARREIRAS SOCIAIS

A missão de Jesus, contudo, não se resumiu a cruzar barreiras

geográficas. Jesus também rompeu barreiras sociais, pois ministrou a grupos

sociais outrora negligenciados.

Por exemplo, observamos que três vezes Jesus foi à casa de um fariseu

para jantar (Lc 7.36; 11.37; 14.1). Ele, portanto, não deixou de ministrar até

mesmo à classe religiosa que mais se opunha a ele. Em outra ocasião, uma

mulher pecadora ungiu os pés de Jesus com perfume (Lc 7.36-50). Jesus não

se preocupava com o estigma social que poderia receber por causa de sua

simpatia e disponibilidade para ministrar a todos igualmente, tanto àqueles que

deveriam ser seus maiores inimigos quanto aos que poderiam causar o maior

escândalo para seu ministério. Aliás, pelo menos segundo Lucas, havia,

aparentemente, até uma ênfase — se não preferência — neste tipo de gente,

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embora Jesus também tenha atendido à alta classe de líderes religiosos. Ele

ministrou ao desterrado, ao aflito e ao pecador.

Até os publicamos foram objetos de seu amor e atenção. Eles eram as

pessoas mais odiadas pelo povo, consideradas exploradoras, em virtude dos

altos impostos que cobravam, e traidoras, por ajudarem a enriquecer o Estado

romano. Jesus, apesar deste forte preconceito social, foi jantar na casa de Levi

(Lc 5.27-32). Mais ainda, ele se convidou à casa de Zaqueu, outro coletor de

impostos (Lc 19.1-10). Dessa forma, Jesus demonstrou concretamente que sua

missão implicava em cruzar todas as barreiras sociais, dando atenção especial

para os grupos mais rejeitados da sociedade.

Por isso mesmo, Lucas revela enfaticamente o alcance que Jesus teve

entre os pobres e oprimidos, desde o princípio de seu ministério: ele veio para

evangelizar os pobres, libertar os cativos e oprimidos e restaurar a vista aos

cegos (Lc 4.18). Nas bem-aventuranças pregadas na planície, o contraste

proposital entre a pobreza e a riqueza exemplifica esta preocupação especial de

Jesus com os pobres, famintos, desesperados e oprimidos. Exemplifica-se

também nas ilustrações dos dois devedores (Lc 7.41-43; observe a quem Jesus

mais ama), do amigo da meia-noite (Lc 11.5-8), do rico e seus celeiros (Lc 12.13-

21, veja o último versículo), da moeda perdida (Lc 15.8-10), do administrador

esperto (Lc 16.1-13; repare novamente o último versículo) e do juiz iníquo e a

viúva (Lc 18.1-8).

Achamos necessário dar duas explicações a esta altura de nossa

abordagem do ministério de Jesus. Em primeiro lugar, quando afirmamos sua

preocupação com os pobres e oprimidos, não temos por base nem estamos

propagando qualquer teologia contemporânea de libertação. Pretendemos

apenas obter uma rigorosa, não obstante abreviada, base com interpretação

bíblica coerente (julgue você mesmo!). Em segundo lugar, bem sabemos que

muito se tem falado sobre uma opção preferencial pêlos pobres. Afirmo que a

própria evidência bíblica leva a esta conclusão. Se não, Jesus poderia dizer: "O

Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os

ricos..." ou, ainda mais, "bem-aven-turados os ricos...", e Paulo poderia

descrever a composição da igreja coríntia como sendo de "não muitos

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analfabetos, nem muitos oprimidos, nem muitos de nascimento humilde" (l Co

1.26).

Portanto, para o intérprete espiritual, digo que há sim certa preferência

bíblica pelo pobre e oprimido. Não é por acaso que nenhum dos textos citados

descreve o pobre como alguém que não seja social e economicamente pobre.

Por outro lado, para o intérprete liberacionista em termos apenas sócio-políticos,

digo que essa preocupação com o pobre não existe por causa da pobreza em

si, mas sempre em relação à justiça e à glória de Deus. O pobre é

preferencialmente bem-aventurado porque ele não tem de quem depender para

defendê-lo, a não ser o próprio Deus, se deste, de fato, ele depende. Assim, o

pobre bem-aventurado é uma pessoa política e economicamente pobre. Mas, é

um pobre não só injustiçado pelos homens como também justo diante de Deus.

Esta ideia do pobre injustiçado e também justo deriva da palavra áni, no Antigo

Testamento, que se traduz tanto como "pobre" quanto como "humilde" e também

"piedoso" (Am 2.6 e Is 2.6-12). Portanto, a postura do pobre dificilmente é

conhecida pelo rico, e a sua posição diante de Deus tem preferência pela maior

propensão à dependência dele, a qual, assim, vai além de dimensões espirituais,

emocionais e de relacionamentos, incluindo também as crises cotidianas,

financeiras, profissionais e até políticas, crises estas que o rico enfrenta bem

menos. Entretanto, quando o rico consegue assumir essa mesma postura (não

é este o sentido da exortação ao jovem rico, em Lc 18.18-23?), pode também

gozar a bênção de Deus (como no caso da bem-aventurança para o "humilde"

ou "pobre de espírito", em Mt 5.3). Detivemo-nos nessa questão pela

necessidade de esclarecimento bíblico e por ser tão pertinente no Brasil, cuja

população, em grande parte, é pobre (e cada vez mais, proporcionalmente!).

Decerto ele ministrou também aos ricos, pois, provavelmente, Zaqueu e

José de Arimatéia tinham bons recursos financeiros. (Todavia, a forma de

dirigirem suas riquezas tinha de mudar diante do compromisso com Jesus!)

Assim, reparemos que, se Jesus fez uma opção preferencial pelos pobres,

certamente esta opção não era exclusiva. O essencial era um compromisso com

o Senhor, não deixando isto de ter manifestações concretas na vida de devoção

e também nas relações humanas.

Page 20: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

Outro grupo desprezado pela sociedade, que recebeu a atenção e a

preocupação de Jesus, foi o das mulheres. Lucas faz menção desta dimensão

do ministério de Cristo quarenta e três vezes, enquanto Marcos e Mateus juntos

a fazem apenas quarenta e nove vezes. Além disso, Lucas dá ênfase especial

ao fato de os primeiros missionários (quem testifica da ressurreição de Jesus)

serem todas mulheres (23.55-24.12). Num mundo onde o papel da mulher não

possuía prestígio nenhum, este fato é significativo e revelador. Além disso, só

Lucas destaca as mulheres que acompanhavam e sustentavam nosso Senhor

em sua missão (8.1-3).

A soma destas observações assinala convincentemente que o ministério

de Jesus rompeu barreiras sociais. Sua missão atingiu todos os grupos sociais,

especialmente os mais desprezados e oprimidos. Neste sentido, tendemos a

esquecer o modelo de Jesus e nos acomodar à mobilidade ascendente que

nossa fé propicia. Não que a ascendência seja negativa, mas apenas a

acomodação e injustiças cometidas contra os outros (não é este o sentido da

Parábola do Rico e Lázaro? Lc 16.19-31).

ROMPENDO AS BARREIRAS CULTURAIS E RELIGIOSAS

Jesus alcançou até os samaritanos, aqueles meio-judeus desprezados e

marginalizados pelos judeus. Mas não só os alcançou como também fez deles

heróis quando contou a história do bom samaritano (Lc 10.29-37). Imagine o

aborrecimento dos fariseus quando ouviram essa história! Interessante é que,

dos dez leprosos que Jesus curou, o único que voltou para agradecer era

samaritano (Lc 17.11-19).

Outro escândalo cultural e religioso que Jesus causou foi seu tratamento

para com o centurião romano. Os judeus colocavam os gentios fora da esfera do

amor e atividade de Deus (a não ser que se tornassem judeus). Contudo, quando

esse soldado romano, que mantinha a lei e a ordem na região, pediu que Jesus

curasse seu servo, confiando apenas na palavra afirmativa de fazê-lo, Jesus

afirmou: "... nem mesmo em Israel achei fé como esta" (Lc 7.9).

Page 21: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

RESUMO

Jesus, sendo filho de Adão (que significa "homem"), cumpre a imagem de

Deus no homem Adão, realizando o domínio de Deus e rompendo todas as

barreiras que limitam esse domínio, geográficas, sociais e culturais. Desta forma,

o plano divino e salvador continua, sendo Jesus nosso precursor, modelo,

autoridade e poder. É um plano para o universo que temos de cumprir. O peso

de nossa responsabilidade no cumprimento da missão de Deus aparece bem

nítido, quando Jesus diz: "Vós sois testemunhas destas coisas" (Lc 24.48).

A mesma passagem define este evangelho como tendo no centro a morte

e a ressurreição de Jesus. A fé baseia-se num evento concreto de nossa história.

Não é o misticismo das religiões orientais nem a magia das religiões animistas

nem a força mental das crenças do alto espiritismo. Nossa fé surge da atuação

concreta de Deus em nossa história e resulta na transformação integral do

homem em todos os seus relacionamentos.

O evangelho também exige o arrependimento como pré-requisito para a

entrada no reino e anuncia o perdão como promessa e dom de seu ingresso.

Onde ele deve ser pregado? — "a todas as nações" (Lc 24.47). Assim

como, no início de seu ministério, Jesus não foi detido ou atrasado por barreiras

geográficas, mas teve de ir às outras cidades, semelhantemente, no final desse

ministério, ele exorta seus discípulos a irem a todas as nações. Esta exortação

nos pertence hoje. A responsabilidade é nossa. Esperemos apenas até que do

alto sejamos revestidos do poder (Lc 24.49).

Em síntese, Lucas fornece ampla base para a obra missionária, por meio

do modelo do ministério de Jesus. Aliás, nestes estudos, temos destacado que

as Escrituras todas fornecem o extenso alicerce que apoia e prepara, pela

elucidação desta obra, a grande comissão. A obra missionária da igreja não é

uma pirâmide feita de cabeça para baixo, com seu vértice num texto isolado do

Novo Testamento, onde elaboramos uma grande estrutura conhecida como

"missões". Ao contrário, a obra missionária é uma pirâmide de cabeça para cima,

com sua base estendendo-se de Gênesis l até Apocalipse 22. Toda a Escritura

forma, então, o alicerce para que o evangelho alcance o mundo todo. A grande

comissão seria assim a maior explicação desta obra e poderia ser considerada

Page 22: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

o ápice da revelação divina quanto a ela, visando o lançamento da igreja nesta

missão. Salientamos que a obra missionária não parte só de um texto bíblico,

senão da Bíblia toda.

Além disso, observemos que a dimensão da grande comissão é tão

extensa quanto a humanidade, isto é, abarca todas as áreas geográficas,

classes sociais e culturas.

Finalmente, a responsabilidade está sobre nossos ombros. "Vós sois

testemunhas destas coisas" é uma afirmação que inclui todos os cristãos. É

nossa responsabilidade levar o evangelho a todas as nações. Se não o fizermos,

deixaremos até de ser igreja, pois este envio para o mundo faz parte de sua

essência.

Page 23: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

4. MISSÕES NO MINISTÉRIO DO ESPÍRITO POR MEIO DA IGREJA

No capítulo anterior discutimos o ministério de Jesus como modelo para

missões. Fizemos isto através do Evangelho de Lucas. Neste estudo queremos

continuar nosso exame de Lucas, mas utilizando seu segundo livro — Atos dos

Apóstolos. Enquanto o primeiro focaliza o ministério de Jesus em nossa história,

o segundo centraliza-se no ministério do Jesus ressurreto, atuando por meio do

Espírito Santo na igreja. No final do primeiro volume, Jesus exortou seus

discípulos a que esperassem pelo poder do alto, o poder do Espírito Santo. No

início do segundo, eles o recebem, e a expansão missionária da igreja começa.

Não podemos subestimar a necessidade do poder do Espírito Santo na

realização da grande comissão. Harry Boer, em seu livro Pentecost and Missions

("Pentecoste e Missões"), argumenta bíblica e irrefutavelmente que a vinda do

Espírito Santo — a experiência do Pentecoste — dá vida e sentido à grande

comissão, tanto que esta, sem o Pentecoste, não teria poder algum nem poderia

ser cumprida. Sim, a vinda do Espírito possibilita a realização do mandamento.

É uma experiência animadora ver homens e mulheres responderem a esse

mandamento com oração e, revestidos do poder do alto, pregarem o evangelho

porque tiveram um encontro inesquecível com o Senhor. Mesmo não

entendendo perfeitamente a grande comissão, pregam com convicção e

resultados, pois, quando o Espírito se apodera deles, há um impulso irresistível

de testemunhar.

Acredito que exista força satânica por trás do medo do poder do Espírito

Santo em muitas igrejas tradicionais hoje. É claro que, algumas vezes, o medo

baseia-se nos abusos que vemos ao nosso redor. Entretanto, mais

frequentemente, é medo daquilo que o Espírito fará e exigirá de nós. A este

respeito, Richard Lovelace observa em seu livro Dynamics of Spiritual Life ("A

Dinâmica da Vida Espiritual"):

"Há uma estranha incapacidade entre os cristãos modernos de levar a sério essa

informação (sobre a realidade de Satanás) e até uma insegurança nos

evangélicos (conservadores) em dar muita atenção a isto. Sugiro que esta

relutância exista não porque o assunto seja trivial, mórbido ou perigoso, mas

porque estas forças têm acesso às nossas mentes e são aptas para nos cegar

em relação à sua presença e esconder o evangelho do mundo. O inferno é uma

Page 24: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

conspiração, e o primeiro pré-requisito de uma conspiração é que ela permaneça

clandestina".

Por que Satanás criaria em nós esse medo da atuação do Espírito de

Deus e a dúvida da presença e do poder do próprio inimigo? Porque assim ele

pode cortar o nervo principal do cumprimento de missões (quando se recua do

poder do Espírito) e, ao mesmo tempo, esconder seu próprio papel conspirador.

O ESPÍRITO SANTO COMO AUTOR E REALIZADOR DE MISSÕES

A igreja, então, necessita do poder de Deus para cumprir sua missão, pois

"nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e

potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças

espirituais do mal, nas regiões celestes" (Ef 6.12). Portanto, o pré-requisito para

o cumprimento da tarefa missionária é o poder do Espírito Santo (At 1.8).

Precisamos de um poder sobrenatural para lutar contra um inimigo sobrenatural.

Com a vinda do Espírito, a igreja compreendeu as palavras de Jesus: "Em

verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, fará também as

obras que eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai" (Jo

14.12). No discurso que contém esse versículo, o Espírito Santo é central (Jo

14.16), e os discípulos devem esperá-lo, tendo já recebido a grande comissão.

O Espírito, portanto, é o autor de missões, pois a obra parte de sua capacitação.

Ele não é apenas o autor, mas também o realizador de missões. Com sua

vinda sobre os primeiros discípulos houve o sinal sobrenatural de "línguas", que

indicava claramente que o evangelho deveria ser pregado a todas as raças e

nações. Podemos dizer que o Espírito garante o sucesso missionário no mundo.

O ESPÍRITO COMO PROMOTOR DE MISSÕES

O Espírito Santo está por trás de todos os acontecimentos em Atos. Ele é

quem atuava quando:

a igreja se iniciou com 3.000 e depois 5.000 convertidos (2.41, 4.4);

Page 25: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

Pedro e os outros discípulos testemunharam ousadamente frente à

perseguição (3.11-26);

os primeiros seguidores venceram o egoísmo e deram liberalmente à obra

do Senhor (4.32-37);

morreu o primeiro mártir, mostrando vitória gloriosa sobre a perseguição

e vingança (6.8-7.60);

o evangelho da salvação alcançou o primeiro lar gentio (11.12);

a mensagem de perdão espalhou-se pela Etiópia e África (8.27-29);

as igrejas na Judéia, Galiléia e Samaria vieram a se estabelecer

firmemente (9.31);

a maravilhosa igreja missionária de Antioquia começou a prosperar em

preparação para seu envio de missionários (l 1.22-26);

o amor mútuo das primeiras comunidades cristãs manifestou-se através

da coleta incentivada pela profecia de Ágabo (l1.28-29);

a igreja de Antioquia lançou seu programa missionário (13.2);

Paulo venceu seu primeiro inimigo, Elimas, em Chipre (13.9);

os apóstolos alegraram-se na perseguição em Antioquia da Pisídia

(13.50-52);

os apóstolos reconheceram a obra entre os gentios e pronunciaram

liberdade da lei para os cristãos gentios (15.28);

Paulo foi impedido de continuar na Ásia, sendo dirigido à Europa; um

marco missionário significante (16.6-10);

os líderes foram escolhidos para tomar conta da igreja local em Éfeso

(20.28).

Assim, o Espírito Santo acompanhava todos os passos decisivos na

expansão missionária da igreja.

O ESPÍRITO COMO PODER PARA MISSÕES

Há uma diferença entre alguém ser cheio do Espírito Santo e o Espírito

ser derramado sobre as pessoas. O primeiro caso refere-se mais à qualidade,

ao caráter espiritual de alguém e ao poder para servir. O segundo refere-se mais

Page 26: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

à introdução decisiva de uma nova era ou do início de um novo movimento ou

expansão.

O Espírito Santo foi derramado apenas quatro vezes em Atos. Cada uma

das conquistas na expansão missionária foi acompanhada por sinais milagrosos.

A primeira vez foi a vinda do Espírito no Pentecoste (2.1-13); a segunda, quando

o evangelho alcançou a Samaria, a primeira cidade não judia (8.14-17); a

terceira, quando Pedro pregou à primeira família gentia, a de Cornélio, em

Cesaréia (10.44-45) e, finalmente, a quarta, quando Paulo conseguiu demonstrar

a diferença entre o evangelho de Jesus e a pregação de João Batista (l9. l-6).

Todas as vezes o próprio Espírito Santo marcou, milagrosamente, a introdução

de uma nova fase na tarefa missionária a nós confiada.

O resultado destes despertamentos, onde o Espírito é derramado sobre

as pessoas, é fruto permanente. Os 3.000 convertidos da pregação de Pedro

perseveravam (2.42, veja 11.24)! A história confirma a permanência do fruto

destas atuações excepcionais do Espírito. Por exemplo, durante os primeiros 96

anos de evangelização na Polinésia ocidental (a partir de 1811), houve mais de

um milhão de conversões. Hoje, esta região possui uma percentagem de cristãos

praticantes maior do que qualquer outra área comparável no mundo! Nos

primeiros 80 anos de trabalho missionário na Birmânia, uma pessoa a cada três

horas, em média, era batizada, e 10% delas tornaram-se obreiras ativas do

Senhor. Quando o primeiro missionário cristão chegou às ilhas Fiji, assistiu ao

enterro de 80 vítimas de uma festa canibal. Ele viveu, porém, para ver multidões

de convertidos tomando a ceia do Senhor. Depois de 50 anos, em 1885, havia

1.300 igrejas. Os casos nem sempre são assim. Não seria justo, por exemplo,

comparar o resultado nos países muçulmanos. Apenas enfatizamos que, quando

o Espírito é derramado sobre as pessoas, há fruto permanente.

O ESPÍRITO SANTO COMO ESTRATEGISTA DE MISSÕES

Em Atos l.8 encontramos uma estratégia geral que, de fato, corresponde

ao desdobramento da expansão missionária da igreja. Isto é, começa em

Jerusalém, o lar dos primeiros discípulos; penetra a Judéia, lugar árido e difícil

para a evangelização, embora geografïcamente próximo a Jerusalém; encontra

Page 27: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

o primeiro desafio cultural em Samaria, em preparação final para os confins da

terra. Desta maneira, aprendemos que a expansão missionária e geográfica é

cada vez mais abrangente, tendo uma penetração cada vez maior.

Em Atos, encontramos também uma estratégia urbana. As cidades

chaves devem ser alcançadas. A ideia de missões urbanas, então, não é uma

novidade. Felipe foi dirigido à Samaria, Pedro a Cesaréia e Paulo às cidades

chaves do Oriente Próximo e Europa. Diante da marcante urbanização mundial

(população urbana em 1900 = 14%; 40% em 1980 e 50% no ano 2000) e

brasileira (31% em 1940; 68% em 1980, e a ONU prevê que até o ano 2025 entre

80% e 90% da população latino-americana será urbana!), a tarefa missionária

não pode ser ingênua. Na década de 80, aproximadamente um bilhão de

pessoas migraram para os centros metropolitanos do Terceiro Mundo. Cidades

como Bogotá, São Paulo e a Cidade do México têm um aumento diário de 4.000

a 6.000 habitantes. No Brasil, a migração para os centros urbanos,

especialmente os do litoral, é bem destacada desde o período colonial. Viana

Moog, em seu livro Bandeirantes e Pioneiros, documenta como sempre houve

uma tendência de retorno às grandes cidades do litoral por maior que fosse a

penetração rural e para o oeste. Tudo isto tem grande importância para missões.

Outra estratégia envolve pessoas e classes chaves. Quando Paulo foi a

Chipre, tratou com o procônsul do país. Em Atenas (outro centro metropolitano),

tratou com os filósofos, e alguns se converteram, entre os quais um certo

Dionísio (At 17.18, 34). Em Éfeso, trabalhou entre os estudiosos, na escola de

Tirano, durante dois anos. Resultado? Todos os habitantes da Ásia ouviram a

palavra do Senhor, tanto judeus como gregos (At 19.10). Que relatório! Outro

exemplo é o de Felipe, que, ao falar com o eunuco da Etiópia, dirigia-se a um

líder do país, sendo este o primeiro passo do evangelho naquela nação.

Em Atos, notamos uma preocupação constante de fundar igrejas em

áreas ainda não atingidas. Paulo até fez disso uma regra pessoal (Rm 15.20).

Entretanto, atualmente, a metade da população mundial está na Ásia, onde,

embora apenas 5% professem a fé cristã, somente 5% da força missionária

mundial ministra. Vendo a situação por outro angulo, teremos 99% da força

missionária mundial ministrando entre os 42% da população mundial, onde já

existem igrejas cristãs que podem alcançar os não cristãos. O outro 1% da força

Page 28: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

missionária trabalha entre os 58% da população mundial, onde os não cristãos

só podem ser alcançados por meio do ministério transcultural. Quanto

precisamos hoje da conscientização paulina de ministrar onde Cristo ainda não

foi pregado!

O Espírito Santo dirige as igrejas recém-fundadas para que sejam igrejas

autóctones (At 20.28). O primeiro passo, e o mais crucial, para se alcançar uma

boa medida de autoctonia é o treinamento de liderança capacitada tanto para a

ofensiva quanto para a defesa da igreja frente aos desafios e ameaças do mundo

(At 20.29-31). Muito se fala hoje de três objetivos práticos e concretos para se

alcançar o alvo de autoctonia: auto-governo, auto-sustento e auto-propagação;

isto é, nenhuma igreja local (muito menos a denominação) pode ficar satisfeita,

enquanto depender de outra igreja para financiar seus obreiros e fazer sua

evangelização. Por outro lado, isto não quer dizer que as igrejas não devam

ajudar umas às outras, testemunhando juntas na comunidade. Ajudar e cooperar

são coisas não só positivas como também evangelisticamente essenciais (Jo

17.20-21). Contudo, a dependência que ultrapassa esses três objetivos faz

definhar a Igreja e prejudica a eficiência e integridade de seu testemunho na

sociedade. Os três objetivos são importantes, mas podemos dizer que os dois

primeiros, em geral, concorrem para o máximo empenho do terceiro, o alcance

evangelístico e missionário de cada comunidade cristã. Temos destacado em

todos esses estudos que esta é a essência da igreja. A igreja que não é

missionária não é igreja em nenhum sentido bíblico; aliás, logo se torna, ela

mesma, um campo missionário. Ao contrário, um bom exemplo seria a igreja de

Tessalônica, à qual Paulo escreve:

"Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor, não só na Macedônia e Acaia,

mas por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não

termos necessidade de acrescentar coisa alguma..." (l Ts 1.8).

Portanto, as igrejas fundadas em cada lugar devem ter como alvo a

independência, procurando o desenvolvimento de sua própria liderança, de seu

sustento e de seu programa de evangelização e obra missionária.

Uma qualificação, entretanto, é necessária quanto a autoctonia. Os três

objetivos mencionados acima não garantem a conquista da autoctonia, embora

Page 29: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

sejam bons passos nessa direção. Conheço igrejas que se sustentam, se

dirigem e evangelizam, mas que, mesmo assim, permanecem dependentes de

suas igrejas-mães num sentido mais profundo. Seus conceitos e aplicações do

evangelho dentro de seu ambiente são diretamente determinados pelas

conceituações de sua igreja-mãe, mesmo quando esta, em grande medida,

desconhece o contexto cultural e social da igreja fundada e é alheia a este. Não

estou sugerindo que cada nova igreja tenha que começar da estaca zero para a

elaboração de todas as suas doutrinas e ideias. Longe disso! Acredito que o

Espírito Santo não morreu depois do Novo Testamento e que através da história

lidera a igreja de Cristo na expressão de sua fé. Contudo, a aplicação do

evangelho em situações culturais, sociais e históricas pode variar. Os problemas

brasileiros não são sempre iguais aos norte-americanos ou europeus, tampouco

os nigerianos ou indianos. As igrejas-mães podem — e devem — ajudar-nos a

entender aquilo que Deus falou em sua revelação. Contudo, cabe muito mais às

igrejas fundadas sua interpretação e aplicação em seus próprios contextos.

Quando as igrejas fundadas conseguem assumir seu sacerdócio dos santos e

ouvir a voz de Deus, mediante as Escrituras, para sua própria situação, estão

ainda mais no caminho da autoctonia (e, por exemplo, podem ajudar as igrejas-

mães a contextualizarem melhor o evangelho em suas próprias culturas

também!).

Já mencionamos o papel da união dos cristãos no sucesso da obra

missionária. Resta apenas ressaltá-la como uma estratégia essencial do Espírito

Santo para o desempenho missionário eficaz. Creio que esta união seja um

assunto um pouco negligenciado, se não desprezado em nosso meio, já que

podemos reconhecer seu significado bíblico para missões sem praticá-la.

Reparemos que a união dos fiéis (At 4.24, 32; 2.44, 46) leva a intrepidez

diante dos homens (At 4.29-31; 2.37-41) e temor diante de Deus (At 4.31; 2.43).

Por conseguinte, Deus operava milagres por meio do Espírito Santo (At 4.22, 30;

2.43), a igreja evangelizava com resultado (4.29, 31, 33; 2.40, 41, 47) e atendia

às necessidades físicas das pessoas (At 4.32, 34, 35; 2.45). Que receita para a

igreja missionária: união, intrepidez, temor, milagres, evangelização e ação

social! E eu pergunto: quais destes itens não constituem um ponto fraco em

Page 30: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

nossas igrejas? Imagine a combinação de todos! Por onde começamos? Sugiro

a união.

A união da igreja não é apenas algo bonito e romântico que ocorre

automática e facilmente. É preciso esforçar-se para alcançá-la e preservá-la (Ef

4.3). Exige sacrifício e até certo sofrimento, mas como resultado a união fornece

alimento para o combate pela fé evangélica (Fp 1.27-30). Implica não só numa

união teórica ("nós somos irmãos, embora não concordemos..."), mas numa

unanimidade de pensamento, amor e humildade (Fp 2.1-4). Só a alcançamos à

medida que seguimos o exemplo de Jesus Cristo (Fp 2.5-11). Sem dúvida, a

união do povo de Deus é uma das estratégias mais críticas na obra missionária

que o Senhor nos deu e que o Espírito Santo viabilizou.

Poderíamos abordar outros aspectos estratégicos da atuação do Espírito

Santo na expansão missionária da igreja. Talvez aqueles já mencionados

incentivem o caro leitor a pesquisar outros, procurando a direção do Espírito

nessa pesquisa. De nossa parte, queremos apenas acentuar que o desafio

missionário exigia e exige nada menos que o poder do Espírito Santo. Nada do

triunfalismo de planos e esquemas que dependam da perícia e técnica humanas

que ultrapassam a direção do Espírito, mas somente a humildade e o temor com

discernimento e ação, tomados como fruto da vida dependente do Espírito.

Tenhamos cuidado com nossas ideias "brilhantes" e "seguras", pois, quando o

esforço missionário permanece sob o controle do Espírito de Deus, ele é o autor,

realizador, promotor, a fonte de poder e o estrategista de missões.

Urge um novo chamado a um despertamento para dependência total do

Espírito Santo, sem medo da maneira como seremos entendidos e vistos. Urge

a busca diligente da plenitude do Espírito de Deus em nossa vida pessoal,

igrejas, agências e juntas missionárias. Então haverá um verdadeiro

despertamento missionário!

Page 31: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

5. PAULO E MISSÕES

As igrejas da África, Ásia e América Latina estão passando por um

despertamento em relação a seu desempenho na evangelização mundial.

Depois de um século de tremendo impulso evangelístico promovido entre estes

povos, ora pelos habitantes naturais do lugar, ora pela assistência de

missionários estrangeiros, nos últimos anos estas igrejas estão reconhecendo

que o propósito de Deus não é que elas apenas recebam missionários, mas que

também os enviem. Por certo, as igrejas na América do Norte e na Europa

aprenderão e se beneficiarão com novos modelos e ênfases missionárias que

suas igrejas irmãs estão empregando em obediência à direção do Espírito Santo

na missão de Deus.

Segundo Larry Patê (From Every People, 1989), até o ano 2.000, as

agências missionárias do Terceiro Mundo deverão enviar 162.000 missionários.

Comparados aos 136.000 que deverão ser enviados pelas agências

missionárias protestantes do Primeiro Mundo (Europa, América do Norte,

Austrália e Nova Zelândia), a influência deles já se tornou uma força muito

significativa na evangelização mundial.

Já existem centros de treinamento missionário na Coréia, Índia, Costa

Rica, Singapura, Peru e Brasil. Há inúmeras conferências missionárias regionais

(só para mencionar alguns grupos: VINDE [Visão Nacional de Evangelização],

Visão Mundial, SEPAL [Serviço de Evangelização para a América Latina],

Instituto Haggai, Missão Antioquia, CEM [Centro Evangélico de Missões] e cada

vez mais igrejas locais, incluindo a Primeira Igreja Batista em Santo André e a

Igreja Batista do Morumbi, em São Paulo). Por isso, digo que estamos passando

por um despertamento nesta área, o que é muito animador. Sigamos a direção

de Deus!

Por outro lado, há muita confusão sobre missões, tanto no nível popular,

quanto no acadêmico. Algumas questões, às vezes fundamentais, continuam de

lado na hora do debate:

Ir ou ficar; qual é nosso critério?

O que é um missionário?

O que são missões?

Page 32: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

Não há bastante a fazer no Brasil?

Até que ponto devemos ou não usar modelos "importados"?

Não penso que possamos resolver de uma vez estas questões que a

igreja ao redor do mundo debate há séculos, mas discutí-las certamente faz

parte da tarefa da igreja brasileira em sua busca de fidelidade e autenticidade à

missão de Deus. Aqui, posso apenas traçar e sugerir algumas ideias. Em última

análise, somente nos arraigando às Escrituras encontraremos respostas ou

indicações que nos orientarão nesta obra tão importante.

Sugerimos Romanos 15.14-21 como uma passagem que nos dá tais

perspectivas na vida e no ministério de Paulo. É bom lembrar que Paulo a

escreveu quase no fim de sua carreira missionária e que a carta toda é uma

análise das polêmicas missionárias que ele enfrentou. Nesta passagem, em

poucas palavras, Paulo resume sua experiência missionária até aquela altura.

O AGENTE MISSIONÁRIO: O MELHOR, MAS AO MESMO TEMPO, UM

SERVO

Nesta passagem, o agente missionário é o apóstolo Paulo (ou, em última

análise, o próprio Deus — v. 15). Embora, logicamente, Paulo mesmo não diga

aqui que ele representa o melhor da liderança da igreja, sabemos disso pelo

testemunho de Lucas. Paulo já tivera seu ministério aprovado como um dos

mestres e profetas em uma igreja local altamente comprometida com missões

— a igreja de Antioquia (At 13.1-3). Que contraste com alguns missionários de

menor preparo e talento que, como consequência, em quase todos os sentidos,

recebem apoio inferior ao apoio dado ao pastorado! O trabalho missionário exige

o melhor da liderança de nossas igrejas.

Ao mesmo tempo, representando o melhor da liderança, o agente

missionário entende seu papel não como superior, mas como servo. Paulo, em

sua missão entre os gentios, considera-se ministro (leitourgos) ou servo (v. 16)

que, à semelhança dos sacerdotes, apresenta uma oferta no altar de Deus.

Neste caso, a oferta é a obediência dos gentios a Deus (v. 18). A missão de

Paulo é um culto prestado ao Senhor para sua aceitação e santificação. Não há

Page 33: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

lugar, na presença do Altíssimo, para atitudes de superioridade ou domínio

missionário.

O melhor líder possui uma atitude de servo e entende seu serviço

missionário como culto e sacrifício prestados a Deus.

O OBJETIVO MISSIONÁRIO: A OBEDIÊNCIA

Paulo descreve o objetivo de seu trabalho missionário com a expressão

"conduzir os gentios à obediência" (v. 18). Isto é muito mais do que uma decisão

inicial de "aceitar a Cristo". Inclui o discipulado da igreja até o ponto de

obediência por fé (16.26).

Alguns fazem separação entre "conversão" e "discipulado", sendo o

primeiro elemento tarefa de "missões" e o segundo, da "edificação da igreja".

Paulo não fazia tal distinção. Seu objetivo não era levar as pessoas a uma

decisão inicial, mas conduzí-las à obediência. Não é este também o objetivo da

grande comissão, em Mateus 28.18-20?

OS INSTRUMENTOS DO TRABALHO MISSIONÁRIO:

DECLARAÇÃO E DEMONSTRAÇÃO

Como Paulo realizou seu trabalho missionário? No final do v. 18, ele diz

literalmente: "... por palavra e por obras". É evidente que Paulo não estabelecia

prioridade entre a proclamação do evangelho e sua demonstração por obras. As

duas coisas faziam parte integral e inseparável de sua maneira de testemunhar.

O OBJETO MISSIONÁRIO: AS NAÇÕES

Tanto "gentios" quanto "nações" traduzem uma única palavra grega,

ethnos. A ideia de ethnos está muito mais próxima da ideia de povos ou grupos

étnicos do que países. O objeto com o qual as missões lidam são as diversas

etnias. Paulo teve ideia semelhante, e isto se percebe pelo fato de ele ter atuado

dentro dos limites de um só governo, o Império Romano, enquanto fazia

distinção entre os povos deste império.

Page 34: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

Há quarenta anos, alguns líderes eclesiásticos achavam que quase já

havíamos evangelizado o mundo, pois apenas quatro países ainda não tinham

uma igreja cristã — Nepal, Tibete, Afeganistão e Bangladcsh. Mas aquela

observação falhava por entender mal ethnos como país em vez de etnia.

Por isso se fala muito em missões transculturais, em vez de missões

estrangeiras, pois as missões não lidam com nações como países, mas como

etnias.

A ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA: OS NÃO-ALCANÇADOS

Veja bem o lema de Paulo: não onde Cristo já fora anunciado (v. 20).

Paulo dava prioridade para os povos que não haviam recebido o anúncio do

evangelho. Sua estratégia de trabalho não era tanto geográfica quanto humana

ou cultural, no sentido de etnias. Mesmo existindo igrejas fortes numa

determinada região geográfica, Paulo "cumpria" o evangelho (tradução literal de

"divulgar o evangelho" no v. 19), atingindo lugares onde existiam povos ainda

não-alcançados.

Hoje, nosso lema não deveria ser "uma igreja em cada região", mas "uma

igreja entre cada povo".

O DESEMPENHO MISSIONÁRIO: TUDO DE NÓS, TUDO DE DEUS

Paulo enfatizava a necessidade de todo esforço e resolução para o

desempenho de seu serviço. Era seu dever ou encargo (v. 16), seu serviço ou

ministério (v. 16), sua ambição e edificação (v. 20), realizados por suas palavras

e obras (v. 18). Contudo, este serviço não se resumia a mero esforço humano.

O apóstolo afirmou que o poder do Espírito saturava cada etapa (v. 19) e que

era Cristo o realizador da obra (v. 18).

Com tal perspectiva, não temos base para a afirmação falsamente

"teológica" de que só Deus faz a obra nem para a afirmação falsamente "prática"

de que apenas nossas estratégias e esforços realizarão a obra. De novo, o que

Deus ajuntou, não o separe o homem! Veja a colocação de Paulo em outro lugar:

Page 35: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

"... para isso é que também eu me afadigo, esforçando-m e o mais possível,

segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1.29).

O APOIO MISSIONÁRIO: A IGREJA LOCAL

Ao escrever esta carta, Paulo está cultivando um relacionamento com a

igreja de Roma (fundada por outrem) com o objetivo de torná-la sua segunda

base missionária para a evangelização da região entre a capital do império e a

Espanha (15.23-24).

A igreja de Antioquia já fora sua primeira base para a evangelização da

região entre Jerusalém e o Ilírico (v. 19), e agora Paulo quer ligação semelhante

com a igreja de Roma. É importante ressaltar este ponto, pois, hoje, há muitas

organizações missionárias que não procuram uma ligação com as igrejas locais.

Não quero dizer que a única organização missionária legítima seja a junta

denominacional. Aliás, esta também, frequentemente, não possui uma boa

ligação com as igrejas locais!

Tanto as circunstâncias históricas quanto os dados bíblicos não permitem,

a meu ver, uma analogia entre a organização missionária flexível e móvel de

Paulo com as juntas denominacionais ou com as agências missionárias

independentes. Não podemos deduzir isto. Contudo, é possível concluir que

Paulo via a importância de ligar seu ministério missionário à igreja local, mesmo

quando esta não era fundada por ele. A obra missionária foi estabelecida por

Deus, que vocaciona indivíduos no contexto do testemunho da igreja toda. Um

trabalho desse tamanho necessita de apoio e direção da igreja.

A RAZÃO MISSIONÁRIA: QUE TODOS OUÇAM ANTES DO FIM

Paulo inicia e conclui esta passagem com citações do Antigo Testamento

que prevêem a entrada futura de muitos povos no reino de Deus (w. 9-12, 21).

Ele tem consciência de que estas referências estão sendo cumpridas em seu

próprio ministério, mas, ao mesmo tempo, reconhece nossa necessidade de

esperança na realização final (v. 13). Como Jesus mesmo afirmou, o evangelho

deve ser anunciado até o fim (Mc 13.10; Mt 24.14). Esta é a razão missionária

Page 36: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

da igreja, a pregação do evangelho a todos, antes da chegada do juiz (2 Pe 3.9).

A convicção de que Cristo voltaria e a necessidade subseqüente de anunciá-lo

a quem ainda não ouvira eram motivações para Paulo, como devem ser hoje

para nós, no desempenho da missão de Deus. Sejamos fiéis à sua missão.

Page 37: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

6. A VOLTA DE JESUS E A URGÊNCIA MISSIONÁRIA

Grande parte dos ensinos de Jesus trata do reino de Deus. O assunto

marcou o ministério de Jesus do início (Mc l. 15) ao fim (At l .3). As parábolas,

sua maneira popular de ensinar, focalizam tanto o assunto que, frequentemente,

são chamadas de "parábolas do reino". De fato, nos evangelhos há mais de 70

referências de Jesus ao reino.

Já vimos, logo no início deste estudo sobre missões, que a ideia tem muito

a ver com a imagem de Deus no homem, isto é, sua capacidade de reinar,

dominar e ordenar a criação de Deus. Isto tem a ver com missões: espalhar o

domínio e a ordem de Deus por todo o mundo.

O ensino de Jesus sobre o reino também tem a ver com missões, pois foi

justamente este assunto que ele abordou com os discípulos no período entre a

ressurreição e a ascensão, preparando-os para o Pentecoste e a explosiva

expansão missionária da Igreja. Durante quarenta dias nosso Senhor, já

ressurreto, ministrou um "curso intensivo de missões" a seus discípulos. O

tópico? O reino de Deus!

Por isso, o assunto é de muitíssima importância para missões. O reino de

Deus possui dois aspectos temporais. Por um lado, já está presente, pois o

próprio ministério de Jesus, em sua primeira vinda, o inaugurou (Lc 11.20; Mt

12.28). Por outro lado, seu cumprimento ainda não se deu, porque aguarda a

volta de Jesus (Mt 13.40-41). Os dois lados são importantes. Neste capítulo,

contudo, queremos destacar a volta de Jesus e o cumprimento de seu reino em

relação a missões.

O ESCOPO DO REINO É UNIVERSAL

Jesus confirma a perspectiva missionária universal do Antigo Testamento.

Ensina que, no último dia, muita gente virá do Oriente e do Ocidente, do Norte e

do Sul, e tomará lugar à mesa no reino de Deus (Lc 13.29). As bênçãos do reino

de Deus são para todos os povos do mundo. É muito preciosa esta descrição do

reino como uma festa. Mas, antes de sua realização, um convite deve ser

enviado às nações, a fim de que os convidados venham à festa. Este é o trabalho

de "missões". Aqueles que estavam longe se aproximam, os estranhos tornam-

Page 38: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

se filhos, e quem antes não tinha esperança, agora festeja no reino de Deus (Ef

2.11-13)!

OS QUE FESTEJAM HERDAM O REINO

Jesus ensina que os gentios estarão não apenas entre os que festejam,

mas também herdarão o reino de Deus com os judeus crentes (Mt 21.43 e At

26.16-18). Assim como Jesus enviou a Paulo como missionário para colher os

gentios para o reino de Deus, hoje também nos envia a fim de colher as nações

para seu domínio.

O SINAL DE SUA VOLTA: MISSÃO CUMPRIDA

Quando os discípulos perguntaram qual seria o sinal (no singular) de sua

volta e da consumação deste período intermediário (Mt 24.3), Jesus fez uma lista

dos sinais (no plural) do período histórico que precederia sua volta (Mt 24.4-12)

e depois respondeu à pergunta deles (de novo no singular) quanto a este sinal:

"E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para

testemunho a todas as nações. Então virá o fim" (Mt 24.14).

Isto deixa claro que o evangelho será pregado em todas as partes do

mundo, até bem pouco antes de sua volta. Quem fará isso? Seus enviados, seus

missionários (tanto "missionário", que vem do latim, quanto "apóstolo", que vem

do grego, significam "o enviado").

Nós somos os precursores de sua vinda. Quando você e eu tivermos

respondido em obediência, levando o evangelho até os confins da terra, então

este mesmo Jesus voltará.

"Missões", portanto, entram em penúltimo lugar na história divina de

salvação. Esperamos a gloriosa volta de Cristo e a consumação dos séculos -

por último. Contudo, não de braços cruzados, pois o último elemento virá só

depois do penúltimo — a pregação do reino por todo o mundo. Por isso, quando,

em outro lugar, os discípulos perguntaram quando seria a restauração do reino,

a resposta foi a mesma - missões (At 1.6-8). Não nos preocupemos com sinais

Page 39: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

(épocas, tempos ctc.) e, sim, com um sinal: a pregação do reino a todas as

nações.

Assim como Deus planejou perfeitamente a primeira vinda de Jesus, ele

também acompanha todos os passos que visam sua volta, que é a esperança

da igreja. Tudo se dirige para este glorioso clímax da história. Os profetas

predisseram-no; o próprio Senhor o confirmou; os apóstolos proclamaram-no, e

todos os sinais apontam naquela direção. Resta, então, o cumprimento do sinal,

tarefa que é nossa. Evangelização e "missões" são baseados na Bíblia e cheios

de significado e sentido para a volta do Senhor.

Por que tanta importância para missões em relação à sua volta? Porque

o alcance universal do amor de Deus será definitivamente demonstrado e a

glória e o louvor a Deus serão reconhecidos por todos os povos da terra.

"Depois destas coisas vi, e eis grande multidão que ninguém podia

enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e

diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e

clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus que se assenta no trono, e

ao Cordeiro, pertence a salvação" (Ap 7.9-10).

"... e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-

lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os

que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, e para o nosso Deus os

constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra" (Ap 5.9-10).

"O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele

reinará pelos séculos dos séculos" (Ap 11.15b).

Observamos este alcance e preocupação universais nos primeiros

capítulos deste estudo sobre missões. Assim como a Bíblia começa com um

escopo universal, com Deus criando os céus e a terra, preparando o palco mais

amplo possível de "missões", ela também termina com o mesmo tom, dando-nos

nada menos do que a visão gloriosa do reino, lembrando-nos de que a salvação

pela graça se destina a ser oferecida a todos, universalmente: "A graça do

Senhor Jesus seja com todos" (Ap 22.21).

Page 40: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

APÊNDICE A

O POVO IBERO-AMERICANO NO PLANO DE DEUS

Talvez o leitor não saiba do grande destaque que a Península Ibérica

(constituída por Espanha e Portugal) tem na Bíblia. Ela possui um papel de

importância última no plano de Deus para a evangelização do mundo. Embora

quase desconhecidas, estas observações são relevantes, especialmente frente

ao Congresso Missionário Ibero-Americano realizado em novembro de 1987, em

São Paulo (COMIBAM 87).

A PENÍNSULA IBÉRICA NO MUNDO DO ANTIGO TESTAMENTO

Há várias referências, no mundo antigo, a um lugar chamado Társis ou

Tártissus. Era uma cidade fenícia e mercantil conhecida desde o século XI a.C.

Situava-se ao sul da Espanha, na foz do rio Guadalquivir, do lado atlântico do

Estreito de Gibraltar. Em todo o Antigo Testamento, Társis é considerada "os

confins da terra" ou extremis terris.

Por isso, Jonas, querendo fugir da presença de Deus, embarcou num

navio que ia para Társis — o lugar mais distante de que se tinha notícia na época

(Jn 1.3).

Este é, também, o sentido do Salmo 72. Aqui, o rei messiânico dominará

"... desde o rio..." (o Eufrates, no extremo leste) "... até aos confins da terra"

(72.8). A explicação vem dois versículos depois, na referência a Társis e às ilhas

no extremo oeste (72.10). A ideia é semelhante à de Mateus 24.14, Apocalipse

5.8-10 e 7.9-10, onde se lê que, antes do fim, o evangelho do reino deverá ser

pregado entre todos os povos da terra para que estes prestem culto ao Messias.

Assim se esclarece Isaías 66, que também relata a adoração prestada ao

Senhor por parte de todos os povos, anterior ao estabelecimento de novos céus

e nova terra e antes do fim (66.15-24). Segundo esta passagem, o Senhor

enviará alguns "salvos" para falar dele até as mais remotas terras do mar, que

jamais ouviram falar do Senhor nem viram sua glória (66.19). Ora, estas terras

incluem Társis, Lude e Tubal, na Ásia Menor, Javã, na Grécia, e Pui,

Page 41: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

provavelmente na Líbia ou em Cirene. Povos destas nações irão a Jerusalém

como oferta para o culto mundial que inaugurará o fim. Mas não são somente

alvos missionários, pois alguns deles se tornarão sacerdotes e levitas, isto é,

estes também trarão ofertas, a oferta da evangelização (66.20s.). Portanto, a

Península Ibérica será alvo e instrumento missionário.

A PENÍNSULA IBÉRICA NA ESTRATÉGIA EVANGELÍSTICA DE PAULO

Certamente, esse pano de fundo contribuiu para a visão missionária do

apóstolo Paulo. Por isso ele queria tanto chegar à Península Ibérica (Rm 15.24).

Três documentos do primeiro e segundo séculos alegam que Paulo, de fato,

chegou à Espanha, mas o Novo Testamento não nos diz nada sobre isso. Em

1963, a cidade de Tarragona, antiga Társis, ergueu uma estátua do apóstolo

comemorando sua ida até lá.

Como apóstolo dos gentios, e à luz de Isaías 66, Paulo queria chegar aos

confins da terra — a Península Ibérica. Ele desejava levar para Jerusalém povos

não só da região que já havia evangelizado (desde Jerusalém até o Ilírico,

conforme Rm 15.19 — as nações, de Isaías 66) como também da Península

Ibérica (Társis), antes do fim. E estes ibéricos, por sua vez, dariam testemunho

lá, como instrumentos missionários.

Isto não quer dizer que Paulo entendia que a volta de Cristo dependia

unicamente dele. Ele não se via como o único apóstolo entre os gentios (nem o

último), mas como um apóstolo único, no sentido de ser precursor e exemplo

para todos os demais. Assim, sua dupla estratégia evangelística (até os confins

geográficos da terra e entre os povos não-evangelizados) seria precursora e

exemplar para a obra de evangelização até hoje.

O POVO IBÉRICO NA EVANGELIZAÇÃO MUNDIAL

Os povos de origem luso-hispânica — quer sejam europeus, americanos,

africanos ou asiáticos — ocupam um papel crucial nas últimas fases do alcance

final dos povos ainda não-evangelizados. Não são apenas alvos missionários

Page 42: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

vindos das extremidades da terra para a adoração do Senhor, mas, como Paulo,

irão até os confins da terra pregar aos povos não-evangelizados (Rm 15.20).

Mas aqui se faz necessária uma advertência. Muitos missionários norte-

americanos tiveram, durante o último século (e alguns têm, infelizmente, até

hoje!), um sentimento de destino divino, não só por trás de seu chamado

missionário, mas também de sua cultura. O resultado trágico tem sido a

transmissão do evangelho com uma atitude de superioridade e paternalismo.

Qual o líder cristão ibero-americano que não encontrou isto?

No meio de tanta conversa boa sobre o grande potencial missionário dos

povos ibéricos — suas características de mobilidade, personalismo, profunda

espiritualidade, laços históricos etc., há uma perigosíssima tendência de

negligenciar as falhas e pontos fracos dos missionários norte-americanos.

Precisamos aprender com nosso próprio contexto missionário.

A vez dos povos ibéricos não surgiu agora. Desde o início, Deus tinha um

papel crucial reservado para eles. Sigamos os admiráveis exemplos da história,

enquanto permanecemos bem conscientes daqueles que não o são.

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APÊNDICE B

UMA TAREFA ENORME: LEVAR O EVANGELHO A TODAS AS ETNIAS

Neste capítulo, examinaremos a situação atual do avanço missionário no

mundo e como podemos enfrentá-la. Uma vez que nos sentimos chamados ou

vocacionados, então o que fazer e como nos preparar? Não podemos responder

a estas perguntas de modo pessoal. Isto exige a direção do Espírito, que vem

sob medida para o seguidor de Jesus. Entretanto, parte do processo de perceber

tal direção é a informação e conscientização da necessidade e da situação

evangelística do mundo. É a isto que nos propomos.

Comecemos com nossa conceituação e linguagem sobre missões.

MISSÕES ESTRANGEIRAS OU TRANSCULTURAIS?

Durante muitas décadas, a igreja distinguiu metodicamente entre missões

nacionais e missões estrangeiras. Era uma distinção geográfico-política, isto é,

por país. Aliás, por trás de cada um destes conceitos havia uma estratégia

missionária predominantemente geográfica. Assim sendo, as juntas missionárias

estrangeiras procuravam distribuir seu trabalho entre alguns países, às vezes

igualmente, apesar do tamanho da população e diversidade cultural de cada um.

De forma semelhante, o alvo das juntas missionárias nacionais era distribuir

geograficamente seu trabalho em cada região ou município do país, apesar da

frequente diferenciação populacional ou saturação por outras denominações.

Com grande entusiasmo e convicção citávamos Atos 1.8 como base de nossa

estratégia geográfica: "... e sereis minhas testemunhas... até aos confins da

terra". Frequentemente a impressão dada era a de que quanto mais longe fosse,

mais nobre seria o trabalho missionário.

Então, se entendêssemos isto literalmente, para o brasileiro, os confins

da terra corresponderiam à Micronésia, no Oceano Pacífico. É a região mais

distante do Brasil. Entretanto, é também a região (proporcionalmente) mais cristã

do mundo! A população professa é de 90%, enquanto os praticantes são mais

de 65% da população total! Agora, pense no significado de Atos 1.8 para os

Page 44: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

micronésios. Entendido apenas geograficamente, ele indica que a região mais

carente do evangelho para eles é o Brasil! Afinal de contas, qual região é mais

carente diante de Deus? Tudo isto indica que, hoje, já não podemos mais

entender "os confins da terra" como o alvo geográfico de missões. Os "confins

da terra", geograficamente, só faziam sentido para a igreja primitiva, quando o

evangelho ainda estava, em termos geográficos, restrito a uma pequena parte

do Oriente Médio. Aliás, mesmo para a igreja primitiva, a ideia não era de

simplesmente ir cada vez mais longe, mas de ir longe porque lá os povos ainda

não haviam recebido o evangelho. Hoje, precisamos alcançar os não-alcançados

onde quer que estejam, seja geograficamente longe ou perto.

ALCANÇANDO OS NÃO-ALCANÇADOS

Nosso alvo missionário é alcançar aqueles que não receberam o

evangelho de Cristo. Isto está implícito em Atos 1.8, apesar da interpretação

apenas geográfica que frequentemente lhe é dada. O que Atos 1.8 deixa

implícito, Romanos 15.19-21 deixa explícito:

"... completei a pregação do Evangelho de Cristo. E me empenhei por

anunciar o Evangelho onde ainda não havia sido anunciado o nome de Cristo,

pois não queria edificar sobre fundamento alheio. Fiz bem assim, como está

escrito: Hão de vê-lo aqueles a quem não foi anunciado e os que não ouviram

entenderão" (Bíblia Vozes).

Quando Paulo diz "completei a pregação...", ele está dizendo,

literalmente, no texto original, "eu cumpri" ou "preenchi", como os versículos

seguintes confirmam. Ele fez isto dentro de uma região geograficamente já

alcançada por outros evangelistas — "desde Jerusalém circulando até ao Ilírico"

(tradução minha). Paulo "preenchia" com o evangelho aquela região geográfica

já alcançada, pregando aos povos que ainda não haviam recebido o evangelho.

Tudo isso indica que nossa estratégia missionária deve dar prioridade aos

povos não-alcançados pelo evangelho. É uma estratégia que não é

simplesmente geográfica, mas fundamentalmente cultural. Com "cultural"

queremos dizer que os povos culturalmente definidos são nosso alvo, não

regiões geográficas em si. A grande comissão manda fazer discípulos de todas

Page 45: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

as nações, etnias, segundo o texto original (Mt 28.19). A tradução "nações" é um

tanto infeliz, porque dá a ideia de países politicamente definidos, em vez de

grupos étnicos ou povos culturalmente definidos. O mandamento é no sentido

de discipular as etnias.

Este conceito está mais próximo da idéia bíblica e ilumina imensamente a

tarefa missionária atual. No Brasil, há inúmeros grupos culturalmente distintos

(veja o excelente filme da Visão Mundial sobre estes povos). Somente em São

Paulo há um milhão de japoneses, 430.000 portugueses, 400.000 italianos,

200.000 chineses, 180.000 espanhóis e não poucos coreanos, ciganos,

alemães, sírios e outros. No país há centenas de tribos indígenas.

Mas, vamos pensar em termos mundiais. Os missiólogos dizem que há

aproximadamente 24.000 povos culturalmente definidos no mundo. Metade

destes ainda não possui uma igreja cristã que possa continuar o trabalho de

evangelização. Ora, se atualmente a evangelização destes povos não pode ser

realizada por eles mesmos, isto exige alguém de outra cultura para evangelizá-

los. Precisa-se, então, de missionários transculturais, pois cristãos têm que

cruzar barreiras culturais para alcançá-los.

Por isso, alguns falam de missões monoculturais e transculturais, em vez

de missões nacionais e estrangeiras. Cremos que a primeira distinção é mais

precisa e relevante para a situação evangelística do mundo.

MISSÕES DO TERCEIRO MUNDO

Alguns pensam que, até o ano 2000, mais da metade dos missionários

cristãos será do Terceiro Mundo. Isto poderá representar um tremendo avanço

na obra missionária. Por quê? Em primeiro lugar, a maioria dos 12.000 povos

não-alcançados, que constituem 60% da população mundial, faz parte de cinco

blocos principais da humanidade: muçulmanos (860 milhões em 4.000 etnias),

hindus (550 milhões em 2.000 etnias), budistas (275 milhões em 1.000 etnias),

chineses han (150 milhões em 1.000 etnias) e religiões tribais (140 milhões em

3.000 etnias). Em segundo lugar, a maioria destes povos vive em países que,

por razões históricas e sócio-políticas, não são simpáticos aos europeus ou

norte-americanos. Em terceiro lugar, muitos destes países (por exemplo, os

Page 46: CARRIKER, Timóteo - Missões na Bíblia, Princípios Gerais

países muçulmanos e comunistas) não permitem a entrada de "religiosos

profissionais", caso, geralmente, do missionário tradicional. Em quarto lugar, já

que, em sua maioria, estes países estão procurando rápido desenvolvimento

tecnológico e econômico, favorecem a entrada de profissionais; às vezes, até o

próprio governo os emprega.

Somando estes fatores, ficamos diante da necessidade aguda de

missionários transculturais do Terceiro Mundo. E para alcançar os não-

alcançados em países fechados aos missionários tradicionais, urge enviar,

principalmente, profissionais com treinamento missionário. Na Arábia Saudita,

por exemplo, há mais de 20.000 sul-coreanos empregados na construção civil

por aquele governo muçulmano. E, pelo testemunho de cristãos sul-coreanos, lá

também existem igrejas cristãs, apesar de muito sofrimento e perseguição.

Mas a situação evangelística mundial não é a única razão da necessidade

de missionários do Terceiro Mundo, nem mesmo a principal. O propósito dos

seis primeiros capítulos deste livro era ressaltar que a Bíblia deixa claro que é

da própria essência da igreja o ser missionária. O surgimento dos missionários

do Terceiro Mundo nada mais é que o testemunho e a evidência dessa verdade.

Quero terminar, fazendo um convite pessoal para que o prezado leitor

procure servir ao Senhor sem nenhuma restrição de onde, como e quando serví-

lo. Convido-o a considerar em oração a possibilidade de receber treinamento

missionário transcultural adequado. O desafio foge de nossa compreensão. O

preparo deve ser o melhor.