Cartilha PATENTES 2004 - enefar.files.wordpress.com · para os profissionais e a propaganda...

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Índice Pirataria moderna ........................................................................ 1 Um caso exemplar ...................................................................... 4 Defesa dos profissionais e pacientes ........................................... 6 O lobby dos laboratórios ............................................................. 8 Carro e remédio: a mesma função ............................................ 10 Patentear o sol ........................................................................... 13 Patentes são o crime legalizado ................................................ 16 Notas ......................................................................................... 21

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Índice Pirataria moderna........................................................................ 1

Um caso exemplar ...................................................................... 4

Defesa dos profissionais e pacientes........................................... 6

O lobby dos laboratórios............................................................. 8

Carro e remédio: a mesma função ............................................ 10

Patentear o sol ........................................................................... 13

Patentes são o crime legalizado ................................................ 16

Notas ......................................................................................... 21

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EDITORIAL

Pirataria moderna

física e filósofa indiana Vandana Shiva lembra que, em 17 de abril de 1492, os monarcas católicos Isabel de Castilha e Fer-

nando de Aragão concederam a Cristóvão Colombo os privilégios da “descoberta e conquista”. Um ano depois, em 4 de maio de 1493, o Papa Alexandre VI, por meio de sua “Bula de Doação”, concedeu à rainha Isabel e ao rei Fernando todas as ilhas e territórios firmes “des-cobertos e por descobrir, cem léguas a oeste e ao sul dos Açores, em direção à Índia e ainda não ocupadas ou controladas por qualquer rei ou príncipe cristão até o Natal de 1492”. 1

Essa lembrança é muito importante, pois mostra que, na história do mundo, sempre parece ter havido alguém decidindo o futuro dos ou-tros, sem sequer ouvir aqueles que terão o seu destino e sorte modifi-cados. Atos e cartas de Isabéis, Fernandos e Papas definiam de quem eram as partes do mundo, transformando assim “atos de pirataria em vontade divina”2 (Vandana Shiva). Assim se deram as decisões de quem colonizaria determinada parte do mundo.

“Quinhentos anos depois de Colombo, uma versão secular do mesmo projeto de colonização está em andamento por meio das paten-tes e dos Direitos de Propriedade Intelectual (DPI). [...] Os títulos de terra emitidos pelo Papa por intermédio dos reis e rainhas europeus foram as primeiras patentes. A liberdade do colonizador foi construída sobre a escravidão e subjugação dos povos detentores do direito origi-nal à terra” (Shiva).

Tal “apropriação de recursos nativos durante a colonização foi jus-tificada pela alegação de que os povos indígenas não ‘melhoravam’

1 SHIVA, V. Biopirataria, a pilhagem da natureza e do conhecimento. Ed. Vozes, Petrópolis, 2001. 2 Idem.

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sua terra [...] A mesma lógica é agora utilizada para tomar a biodiver-sidade dos proprietários e inovadores originais, definindo suas semen-tes, plantas medicinais e conhecimento médico como parte da nature-za, como não-ciência, e tratando as ferramentas da engenharia genéti-ca como o padrão de ‘melhoramento’”. 3 (Shiva)

Nessa lógica, as gran-des empresas —com o apoio de governos, prin-cipalmente o norte-americano— patenteiam células de seres vivos. Com base em tal lógica do capital, a Monsanto e outras empresas fazem o seu lobby dentro dos parlamentos para obter a sua “legalidade” de ação. Só para lembrar: após a aprovação da Lei de Cul-tivares, que instituiu o monopólio privado da propriedade das varieda-des vegetais no Brasil, a

Monsanto adquiriu as principais empresas de semente, entre as quais a Agroceres e a FT Sementes.

O objetivo desta cartilha é convidar para uma reflexão sobre a Lei de Patentes e a de Direitos de Propriedade Intelectual (DPI), tão pron-tamente defendidas pelos países ricos, grandes empresas e os seus lobistas. Uma das alegações para tal defesa seria o fato de que, sem

3 Ibd. Idem.

A “Bula de Doação” do Papa Alexandre VI

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patentes, os laboratórios diminuiriam seus investimentos em pesquisa, o que provocaria uma estagnação da ciência.

No artigo “Patentes são o crime legalizado” e nas “Notas”, procuro demonstrar que o alto valor investido em pesquisa, conforme alegam os laboratórios, não são tão altos assim. Estão lado a lado, ou mesmo sendo superados, pelos gastos em publicidade, propaganda e lobby.

Demonstramos ainda que o interesse das grandes empresas é so-mente o lucro, uma vez que os investimentos em pesquisar os remé-dios que venham a combater as doenças dos pobres é muito pequeno ou até inexistente.

Dr. Rosinha, médico pediatra, deputado federal (PT-PR)

e presidente da Comissão do Mercosul.

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Um caso exemplar

s grandes empresas de medicamentos fazem no mundo a dispu-ta das patentes e do mercado, às vezes, quase que como se fos-

se uma guerra. Nessa guerra, vale tudo: espionagem industrial, roubo de pesquisas, não informar às ‘cobaias’4 o que pode acontecer quando submetidas a determinadas pesquisas, pagamento de viagens (inclusi-ve de turismo) para cientistas e médicos, organização e pagamentos de congressos para debate específico de suas drogas, etc.

E muitos crimes são cometidos nessa área. Um exemplo: a empresa Glaxosmithkline (GSK), que na Itália “é objeto de investigações poli-ciais envolvendo 2.900 médicos (37 empregados da GSK na Itália). Desse total, 35 médicos já foram indiciados por corrupção; 80 visita-dores médicos foram acusados de entrega ilegal de dinheiro para mé-dicos, para que estes receitassem os produtos de sua empresa e não os equivalentes genéricos”. 5

4 São as pessoas que tomam remédios experimentais. 5 RIVIÈRE, P., Bajo el sol de “Big Pharma" Le Monde diplomatique, edição de outubro de 2003, Argentina.

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Essa prática não é só da GSK, e não restrita apenas à Itália, mas faz parte da rotina da maioria das empresas farmacêuticas. Na Alemanha e nos Estados Unidos também foram descobertos casos semelhantes.

Os laboratórios fazem dos médicos, principalmente os recém-formados —que na ânsia de vencer ou de ser ver partícipes de pesqui-sas— instrumentos de seus experimentos, enquanto os pacientes são verdadeiras cobaias. Infelizmente, a maioria destes médicos, por ra-zões várias, deixam de enfrentar os laboratórios. Uma exceção é a Drª Nancy Olivieri.

“Em abril de 1993, a Drª Nancy Olivieri, do Hospital de Crianças de Toronto, assina com a sociedade Apotex Research Inc. um protoco-lo de pesquisa com uma nova molécula, a deferiprona, que promete ajudar os enfermos que sofrem de talassemia a não terem acidentes cardíacos pela sobrecarga de ferro.” 6

Dois anos depois da “pesquisa” ter iniciado, a doutora suspeitou que esse medicamento agravava a fibrose hepática de alguns dos do-entes. Decide então comunicar seus pacientes e solicitar uma outra carta de consentimento. Passa a ser ameaçada pelos seus superiores.

O laboratório rompe o contrato e ameaça processá-la caso seja in-fligida a confidencialidade. Ela ignora as pressões e apresenta os re-sultados num encontro de médicos. Por esta razão, é alvo de processo judicial. No transcurso da ação, recebe apoio somente da Associação Canadense de Professores (as) Universitários (ACPPU).

A Drª Nancy Olivieri é um caso exemplar, pois teve a coragem de denunciar e enfrentar as empresas farmacêuticas.

A doutora Olivieri conseguiu ganhar a causa e ser reintegrada ao seu serviço. Conseguiu também que a Comissão Européia anulasse a autorização que permitia o ingresso da deferiprona no mercado.

6 Idem.

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Defesa dos profissionais e pacientes

s universidades, muitas vezes públicas, formam os médicos e outros profissionais de saúde e deixa-os à mercê de um traba-

lho solitário, praticamente sem meios independentes para continuar sua formação e manter em dia seus conhecimentos.

Por outro lado, os laboratórios mantêm um poderoso lobby (leia na seqüência o artigo “O lobby dos laboratórios”) que não vacila a recor-rer a todos os meios para manter o profissional como sua presa, ou preso às suas ‘novidades’ terapêuticas. 7

Também os pacientes não dispõem de nenhum meio para ter uma opinião própria. Pelo contrário, ficam à mercê da propaganda engano-sa dos meios de comunicação, que, aliás, mereceria uma legislação própria. 8

Não é impossível a organização dos pacientes para lutarem pelos seus direitos na questão dos medicamentos. Basta ver o exemplo dos portadores do HIV-AIDS, que conseguem participar e influenciar o setor de saúde pública sobre os seus direitos de tratamento.

Os Estados também possuem um papel importante, que é enfrentar o lobby dos laboratórios divulgando uma outra verdade que não a do fabricante de remédios. Nem todo remédio novo é o melhor. Às vezes, o antigo tem menos efeitos colaterais e melhor ação terapêutica. Mas como ele já é vendido como genérico, os laboratórios negam seus efeitos positivos e às vezes reforçam e até acrescentam efeitos negati-vos (que, aliás, todo remédio tem).

7 RIVIÈRE, P. Bajo el sol de “Big Pharma”. Le Monde Diplomatique, Argentina, outubro de 2003. 8 Há um Projeto de Lei (PL nº 1739/1999) de autoria do deputado Dr. Rosinha que disciplina a publicidade para os profissionais e a propaganda através dos meios de comunicação. O projeto enfrenta muita dificul-dade de tramitação graças ao lobby dos laboratórios farmacêuticos.

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As indústrias farmacêuticas têm fabulosas reservas de caixa para impor no mundo um policialesco pensamento9 único. Em alguns ca-sos, esse pensamento é inclusive respaldado pela Organização Mundi-al da Saúde.

Faço esses registros para demonstrar a necessidade de maior en-frentamento por parte do Estado, da sociedade civil e dos profissionais de saúde em relação aos laboratórios produtores de medicamentos. Algumas organizações, como ‘Os Médicos Sem Fronteiras’, têm en-frentado os laboratórios. É importante que outras mais o façam.

9 RIVIÈRE, P. Bajo el sol de “Big Pharma”. Le Monde Diplomatique, Argentina, outubro de 2003.

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O lobby dos laboratórios

azer lobby10 pode não ser crime, mas o resultado deles, em geral, mesmo que com uma certa áurea de legalidade, é moralmente

condenável. Os laboratórios farmacêuticos são especialistas em fazer lobby, e o fazem em todos os segmentos da sociedade. Vão dos lobbi-es com estudantes de medicina, meios de comunicação, parlamentos, até os altos escalões dos governos.

O lobby vai desde as publicações —financiadas pelos laborató-rios— saturadas de propaganda e pretensamente científicas, pagamen-to de viagens (inclusive de turismo) para cientistas e médicos, organi-zação e pagamentos de congressos até os mais altos escalões de go-vernos, como, por exemplo, a contribuição para campanhas políticas.

Já foi denunciada a atuação de lobistas nos corredores do Congres-so Nacional do nosso país e também a ação de empresas como a Coca-Cola e a Monsanto, que pagaram viagens de parlamentares aos Esta-dos Unidos. Fazem isso para que os mesmos, sob sua influência, vo-tem legislação favorável aos seus interesses comerciais e/ou patentá-rios.

As grandes empresas, principalmente americanas, financiam a campanha de deputados e presidentes para que estes venham a agir em seu favor. Um exemplo: em 23 de julho de 2003, em Washington (EUA), a Câmara de Representantes votou um projeto de lei que auto-rizava, levando em consideração o preço, a importação de medica-mentos da Europa, pois alguns medicamentos custavam três vezes menos que nos Estados Unidos. A aprovação deste projeto significaria um desafio para os laboratórios americanos. Por isso, a votação foi acompanhada com muito interesse.

10 Palavra em inglês que significa ‘defender interesses de um grupo junto à legisladores’. Usarei a palavra lobby num sentido mais amplo.

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Steven Weiss, editor de um boletim (CapitalEye.org) especializado em analisar as contribuições eleitorais, fez a relação entre os votos dados a esse projeto e as contribuições eleitorais. Segundo Weiss, os deputados que votaram ‘não’, ou seja, em favor dos laboratórios far-macêuticos, receberam três vezes mais recursos financeiros para suas respectivas campanhas que aqueles que votaram ‘sim’.

Em 2002, se observarmos somente pelo lado dos democratas, os que votaram ‘não’ receberam cinco vezes mais. 11

Segundo Emir Sader, na primeira campanha de Bush, os “laborató-rios farmacêuticos doaram quatro milhões de dólares, e gastaram mais de 40 milhões de dólares em campanhas temáticas a favor de Bush. E se reivindicam no direito de assumir o controle dos planos de saúde para os idosos. Para compensar —o e$forço—, Bush nomeou um dirigente do laboratório farmacêutico Eli Lilly & Co. (fabricante do Viagra) para dirigir a oficina do Orçamento na Casa Branca”. 12

A influência do laboratório Eli Lilly não para por aí, pois George Bush também nomeou Randall Tobias, ex-presidente deste laborató-rio, para dirigir o Fundo Norte-americano de Luta contra a Aids (15 bilhões de dólares em cinco anos). Esta indicação suscita várias per-guntas, mas uma delas se sobrepõe: ele irá comprar remédios genéri-cos, mais baratos, ou medicamentos patenteados, protegendo, assim, os interesses das grandes empresas americanas? 13

A resposta a essa pergunta é fácil. Ele não irá contrariar os interes-ses das grandes empresas. Portanto, os medicamentos a serem com-prados serão os patenteados, fazendo com que o Estado gaste mais, o tratamento seja mais caro e o lucro dos laboratórios, maior.

11 RIVIÈRE, P. Lê Monde Diplomatique, Cone Sur. Outubro 2003. 12 SADER, E. Rev. Fórum, Outro Mundo em Debate, 2001. 13 RIVIÈRE, P. Lê Monde Diplomatique, Cone Sur. Outubro 2003.

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Carro e remédio: a mesma função

declaração de Bernard Lemoine, diretor-geral do Sindicato Nacional da Indústria Farmacêutica da França, de que “nin-

guém pede a Renault que dê de presente carros para quem não tem”14, diz tudo o que pensam os executivos da indústria farmacêutica a nível mundial: o que manda é o lucro e o mercado e não a questão humani-tária. Para eles, remédio é mercadoria, assim como é o carro, e o obje-tivo é garantir o lucro para seus acionistas, nem que para tanto sejam cometidas imoralidades, ilegalidades e desumanidades.

Todo mecanismo para o lucro e sua ampliação vale, e, no atual modelo econômico (globalização), a constituição de monopólios é imprescindível. Eis aí a razão das fusões e demissões no setor (a Wel-lcome, por exemplo, demitiu quase a totalidade de seus empregados quando se fundiu com a Glaxo).

As fusões fizeram com que 10 grupos farmacêuticos, que parecem não conhecer seus limites, possuam hoje 50% do mercado mundial.

Todos os meios para sustentarem ou aumentarem seus lucros são usados —um deles é o direito de patente. Patente não só para os medi-camentos novos, mas ampliá-las para todos os países do mundo e prorrogar o prazo das atuais patentes. Ou ainda a exploração, manten-do o monopólio, do seu próprio genérico. Fazem isso porque, quando aparece um genérico no mercado, o medicamento protegido sob paten-te perde, em média, 75% de suas vendas.

Os laboratórios têm buscado a prorrogação da patente. Por exem-plo, “a Schering-Plough, pede o adiamento do vencimento de patente

14 BULARD, M. “Las empresas farmacéuticas montan el apartheid sanitário”, Le Monde diplomatiqye, janeiro de 2000.

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por três anos do antialérgico Clarityne —que lhe rende dois milhões de dólares por ano— cujos direitos se expiraram em 2002”. Para con-seguir seus objetivos, a gigante americana contribuiu para a campanha eleitoral e aumentou suas despesas em lobby, saltando de 1,9 milhão de dólares em 1996 para 4,3 milhões em 2000. 15

Alegação dos laboratórios para as patentes: são necessárias para continuarem pesquisando, pois sem as mesmas não teriam o retorno econômico necessário. Porém, vários autores (leia mais à frente o artigo “Patentes são o crime legalizado”) têm estudado essa relação e demonstrado que estes dados são questionáveis.

Segundo Bouguerra, englobando “os custos administrativos, as despesas em marketing e venda, estima-se em média 35% do volume de negócios dos laboratórios, isto é, o dobro dos gastos em investiga-ção e desenvolvimento”. 16

As próprias empresas francesas, produtoras de medicamentos, têm negado crise no setor, como ocorreu em julho de 2003.

15 BOUGUERRA, M. L. “Em la jungla farmacêutica”,Le Monde diplomatique, edição espanhola, março de 2001. 16 idem

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“O médico clínico e escritor Martin Winckler tem um programa de rádio na France Inter. Neste programa, aborda vários temas. No dia 15 de maio de 2003, fez referências ao último livro de Philippe Pignare, ex-diretor da indústria farmacêutica, que descreve uma crise vivida, segundo ele, pelos laboratórios: suas perspectivas de desenvolvimento de novidades terapêuticas importantes diminuem, comprometendo a rentabilidade financeira —até então excepcional— do setor” 17. Esta informação não cai bem na emissora estatal que recebe, por prestar serviços publicitários, recursos do Sindicato Patronal das Empresas de Medicamentos.

No dia 4 de julho, o programa é substituído, sem explicação algu-ma, por um programa musical, e por um direito de resposta do sindica-to dos laboratórios contra “as acusações sem fundamentos” de Win-cler18. Rebatem afirmando que as empresas não passam por ‘crise’ nenhuma.

A ‘crise’ financeira, alegada em alguns momentos pelo setor, varia de acordo com os interesses —de maior lucro— das empresas. Não é também por outro objetivo, que não o lucro, a defesa das patentes.

Segundo Bouguerra e outros autores, as despesas com propaganda e publicidade é superior aos gastos com pesquisa, o que demonstra que o objetivo de tais empresas é mesmo o lucro e não o atendimento humano e a defesa da vida.

Caso fosse esse o objetivo, os medicamentos seriam insumos e não mercadorias, e as despesas com propaganda seriam desnecessárias, pois o consumo seria dentro do estritamente necessário, ético e moral.

17 RIVIÈRE. P. Lê Monde Diplomatique, Cone Sur. Outubro 2003. 18 Idem.

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Patentear o sol

Dr. Jonas Salk, inventor da primeira vacina contra a poliomie-lite, questionado em 1955 a respeito de quem pertencia a paten-

te relativa à sua descoberta, respondeu: “Bem... ao povo. Não tem patente. Poderia você patentear o sol?” 19

Ao dar essa resposta, Salk não imaginava o que viria a ser a luta, a defesa e até mesmo a vilania de alguns Estados e grandes empresas no mundo pelas patentes. Esse conluio entre Estados e grandes empresas conquistou o direito de patentear, inclusive, seres vivos (fauna e flora) em detrimento ao direito da humanidade.

Com a atual legislação (sabemos como foram feitas essas leis: cor-rupção, manobras, etc.) em vigor na maior parte dos países, o conhe-cimento e a cultura de um povo passa a ser explorado como proprie-dade de empresas. E o povo, que, através de sua cultura e conheci-mentos centenários, às vezes milenar, usava uma planta para o trata-mento de alguma(s) patologia(s), passa a ter que pagar patentes para ter acesso àquilo que é seu.

Podemos citar inúmeros exemplos, como é o caso da Blumea bal-samifera (sambog), usado pelos povos da Índia para a cura da hiper-tensão e de cálculos renais, que passou a ser vendida em forma de pílulas.

Outro caso é o da Mostarda índia (Brassica campestris), que acu-mula, por si só, 16 patentes20 registradas por Calgene Inc (Estados Unidos) e por Rhone Poulenc (França)”. Ela é milenarmente conheci-da por suas virtudes anti-hemorrágicas, contra a perda do apetite, im-petigo, reumatismo, bronquite e outras doenças mais. 21

19 RIVIÈRE, P. “Sida: la solidariedad internacional en quiebra”, Le Monde diplomatique, edição española, julho de 2001. 20 DEMENET, P. “Estrategias mundiales para una sanidad popular”, Le Monde diplomatique, edição española, março de 2001. 21 Idem.

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As patentes significam a volta do colonialismo. Novamente o mundo “desenvolvido”, através dos laboratórios farmacêuticos, avan-ça sobre os povos “atrasados” do terceiro mundo, e roubam deles co-nhecimentos antigos. A Hoechst, por exemplo, realiza investigações sobre os povos da Amazônia e ilhas do Pacífico sem fornecer a eles qualquer reparo.

“A lei norte-americana e a Organização Mundial do Comércio não reconhecem como válida a ciência não ocidental”, deplora a senhora Mira Shiva, da Associação Índia de Voluntários. Há milênios, os ín-dios aplicam açafrão em pó, ou em pasta, sobre as feridas e os cortes. Em 28 de março de 1995, o escritório norte-americano de Patentes concedeu a propriedade exclusiva do método para promover a cura de uma ferida (mediante a aplicação de açafrão), a dois investigadores da universidade de Mississipi. 22

Felizmente, dois anos depois, o Conselho Índio de Investigação Científica e Técnica (Índia) conseguiu derrubar esse direito de paten-tes nos EUA.

É necessário proteger o saber ancestral. Por isso, é importante —e Kenia já está tentando— introduzir o conceito de “conhecimento indí-gena”, ou “conhecimento público prévio” na legislação de patentes.

Na Índia, por exemplo, onde “existe um censo de 7.500 plantas medicinais, há um movimento para que o governo reconheça o conhe-cimento público prévio. Alguns trabalhadores e militantes da saúde comunitária também tomaram a iniciativa de estabelecer registros de propriedade comunitária, assim já registraram 220 ervas medici-nais.”23

Atualmente, quem manda no mundo são as grandes empresas, que exercem esse poder de uma maneira direta, por seu poderio econômi-co, ou indireta, através da ação política de alguns países, como é o caso dos Estados Unidos, Alemanha, Japão, etc. Um dos mecanismos

23 Ibd. Idem

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do exercício deste poder é através da legislação. Leis são sugeridas ou impostas por esses países e essas empresas, para serem adotadas nos países pobres ou do chamado terceiro mundo.

Outro mecanismo de imposição são os acordos e/ou tratados inter-nacionais, que ganham cada vez mais o caráter de lei, não a ser cum-prida por um Estado, mas sim a ser cumprida individualmente pelo simples cidadão.

O enfrentamento a estas imposições só será possível com organiza-ção, pois muitas vezes o governante não tem força suficiente para enfrentar essas imposições, outras o governante se submete, aceita ou até corrobora —como era o caso de Collor e FHC— com tal situação.

Caso não haja resistência popular, corremos o risco de ver a per-gunta do Dr. Jonas Salk respondida, e ter o sol patenteado por alguma grande empresa de medicamentos. Afinal, sabemos que, com uso ade-quado, os raios solares também são terapêuticos.

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Patentes são o crime legalizado

á pouco tempo atrás, em Salysbury (Estados Unidos), morreu, aos 90 anos de idade, Anne Sheafe Miller, o primeiro ser hu-

mano a se salvar, em março de 1942, de uma infecção por estreptoco-cos —graças ao produto milagroso de Ale-xander Fleming, a penicilina.

Naquela ocasião, não havia patentes. Se as tivéssemos, Anne S. Miller, bem como tantas outras pessoas, posteriormente, seriam salvas?

Sempre há dúvidas e questionamentos, pois o patenteamento de produtos, no caso medicamentos, faz com que os preços sejam maiores, conseqüentemente limitando o seu uso.

No atual modelo político e econômico (globalização neoliberal), a situação se agra-va, pois o que manda são as leis do mercado: competitividade e lucros. E, para a obtenção de ambos, acirra-se a disputa por patentea-mento de substâncias (e agora genes); prioriza-se a produção de medi-camentos de fácil retorno econômico, e não pelas necessidades da população; elevam-se os preços; aumenta-se a fusão e demissão no setor de medicamentos; cometem-se ilegalidades e desumanidades.

Muitos medicamentos têm preços proibitivos para a grande maioria da população. Para justificá-los, os laboratórios alegam altos investi-mentos em pesquisas. E, para mostrarem que o lucro é sadio, argu-mentam que não são estatais nem filantrópicas. Ocorre que nem toda

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Frasco antigo de Penicilina

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pesquisa é feita pelo laboratório, e, mesmo quando feita, parte de um acúmulo histórico de conhecimento da humanidade.

Além disso, as pesquisas são em grande parte financiadas por re-cursos públicos. Segundo o MIT (Massachusetts Institute of Techno-logy), de Boston, em 1995, dos 14 medicamentos mais prometedores (US$) do ponto de vista da indústria para o último quarto de século, 11 tinham sua origem em trabalhos financiados pelo Estado. 24

Apesar das pesquisas terem sido financiadas pelo Estado, esses medicamentos são patenteados por um ou outro laboratório, o que acaba por contribuir para o elevado preço dos mesmos.

Muitas das ilegalidades estão no fato de apregoar efeitos —não comprovados— de determinados remédios. Ao contrário do esperado, que seria a retirada desses medicamentos dos mercados, outros são acrescidos. Só para se ter uma idéia, a revista Prescrive estimou, “de-pois de haver estudado 223 novos medicamentos postos no mercado, que apenas 9 aportavam alguma coisa”. 25

Na lei do mercado, não se conta o número de vidas ou de mortes, mas sim a distribuição do lucro entre os acionistas da empresa. Portan-to, remédios que não se traduzem em retorno econômico não são colo-cados à disposição dos necessitados e nem do mercado, caso os doen-tes sejam pobres.

Há uma relação grande de moléculas (remédios) descobertas que não estão sendo produzidas por não dar o retorno financeiro para os laboratórios. 26

Sobre outras tantas doenças, sequer medicamentos e/ou vacinas são pesquisados. Ficaremos com alguns exemplos:

1) A doença do sono transmitida pela mosca tse-tsé mata cerca de 150 mil pessoas por ano, principalmente na África. É tratada por um

24 Mohamed Larbi Bouguerra, “Em la jungla farmacêutica”, Le Monde diplomatique, edição espanhola, março de 2001 25 Idem. 26 Martine Bulard, “Las empresas farmacéuticas montan el apartheid sanitário”, Le Monde diplomatique, janeiro de 2000

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medicamento —a eflornitina (Ornidyl)—, descoberto em 1985 pela norte-americana Merrel Dow. No início, esse medicamento era vendi-do a preço de ouro, portanto inacessível à população que dele necessi-ta. Em função disso, foi abandonada a sua fabricação.

Hoje, a patente desse medicamento pertence a Hoechst Marion Russel, que de início negou-se a produzi-lo e a autorizar a sua fabrica-ção. Aceitou, após muita pressão, a ceder os direitos de comercializa-ção à Organização Mundial da Saúde (OMS), porém esta não dispõe de meios para produzi-lo. Assim, o povo pobre continua a morrer.

2) O cloranfenicol oleaginoso, medicamento útil contra a meningi-

te bacteriana, fácil de utilizar e barato, deixou de ser fabricado em 1995 pela Roussel Uclaf (que se fundiu com a Hoechst em 1997), cedendo o direito de fabricação a um laboratório de Malta, que por falta de financiamento não o produz. 27

3) Também não é rentável a produção do medicamento contra a

leischimaniose (doença presente nos países tropicais, ao sul do equa-dor, portanto pobres), que produz graves lesões cutâneas e intestinais, inclusive a morte.

4) Na Tailândia, para fazer frente a uma epidemia de meningite por

criptococos, existia, até meados de 1998, apenas um medicamento, o fluconazole, produzido pela Pfizer (americana). Eficaz, porém de pre-ço inalcançável.

Duas empresas tailandesas conseguiram comercializar o produto mais barato. Seis meses depois, esse medicamento teve sua venda proibida, pois o governo dos Estados Unidos, alertado pela Pfizer,

27 Martine Bulard, “Las empresas farmacéuticas montan el apartheid sanitário”, Le Monde diplomatique, janeiro de 2000.

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ameaçou aumentar as taxas de seus principais produtos de exportação (madeira, jóias, microcomputadores, etc.).

5) Segundo o doutor Bernard Pécoul, coordenador do projeto de

medicamentos dos “Médicos Sem Fronteiras”, das 1.223 moléculas postas no mercado entre 1975 e 1997, somente 13 são dirigidas espe-cificamente contra enfermidades tropicais. E somente cinco delas são resultado de investigação veterinária. 28

Os países atrasados convivem com doenças próprias, como é o ca-

so da malária, que acomete 40% da população mundial (400 mil casos no Brasil) por ano. No entanto, não podemos contar com as gigantes da indústria farmacêutica para desenvolver vacinas ou remédios contra essa doença e outras que acometem os pobres.

Não há interesse dos grandes laboratórios e/ou dos países ricos in-vestirem em pesquisas dessas doenças. Para se chegar a tal conclusão, basta comparar as despesas feitas em 1990, quando os gastos totais dedicados aos estudos sobre a malária representaram 65 dólares por vítima, 789 dólares no caso da asma e 3.274 na Aids. 29

E a malária mata mais em um ano —2 a 3 milhões de pessoas— que a Aids matou em 15 anos.

Recentemente a organização Médicos Sem Fronteiras divulgou um relatório chamado “Desequilíbrio Fatal”, em que mostra as atividades do onze maiores laboratórios do mundo.

Segundo o estudo, as doenças tropicais (malária, leishmaniose, do-ença do sono, etc.) tiveram suas pesquisas abandonadas. Dos 1.393

28 Martine Bulard, “Las empresas farmacéuticas montan el apartheid sanitário”, Le Monde diplomatique, janeiro de 2000 29 Mohamed Larbi Bouguerra, “El paludismo, uma plaga que podría evitarse”, Le Monde diplomatique, edición española, junho de 1998

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remédios desenvolvidos entre 1975 e 1999, somente 13 (menos de 1%) destinam-se ao tratamento das doenças tropicais. 30

A indústria farmacêutica mundial movimenta mais de US$ 300 bi-lhões por ano31 e tem os EUA como seu principal mercado, onde estão localizadas 40% de suas vendas. Portanto, a prioridade das pesquisas é para as doenças —câncer, cardíacas, obesidade e dermatologia (calví-cie)— que afetam essa população, e cujo retorno financeiro é alto e fácil.

Não há como esperar ‘fraternidade e/ou solidariedade’ dos labora-tórios produtores de medicamentos, para com o povo pobre do terceiro mundo. Ao raiar de um novo —século e governo— tempo precisamos urgentemente criar uma política —da pesquisa, produção e distribui-ção— para o setor de medicamentos.

Não pode um país viver na dependência das grandes empresas e do mercado. Se quisermos alcançar nossa soberania, faz-se necessário ainda uma política de enfrentamento na questão das patentes. Buncan-do-se inclusive aliados a nível internacional.

Afinal de contas, os medicamentos devem ser tratados como insumo básico para a vida e não como mercadoria.

30 Glauco Faria e Nicolau Soares, “Doenças que não valem nada”, Fórum, outro mundo em debate, nº3, 2002 31 Glauco Faria e Nicolau Soares, “Doenças que não valem nada”, Fórum, outro mundo em debate, nº3, 2002

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Notas

• Estados Unidos, União Européia e Japão, que repre-sentam 88% do consumo mundial de medicamentos32, impu-seram, nas vésperas da reunião da Organização Mundial do Comércio, em Cancún, maiores restrições ao comércio de ge-néricos.

• Há anos as enfermidades tropicais não figuram mais

na lista de pesquisa dos grandes laboratórios para a descoberta de novos medicamentos. Segundo eles, não há mercado para o retorno do investimento. Neste caso, podemos citar como e-xemplo a malária, que mata de 2 a 3 milhões de pessoas por ano no mundo. No entanto, nenhum laboratório trabalha com afinco com o objetivo de descobrir alguma vacina e/ou algum medicamento novo (existem cinco medicamentos e estão ul-trapassados). Trata-se de uma das principais causas de morte no mundo, porém não recebe a atenção da indústria farmacêu-tica.

• “As mudanças nas regras do comércio mundial come-çaram a mudar a partir da criação da OMC. Até 1994, cada nação podia definir sua política de saúde e produzir medica-mentos genéricos sem esperar que a patente passasse ao do-mínio público. Por isso, Índia, Egito e Argentina, por exem-

32 RIVIÈRE, P., B a j o e l s o l d e “ B i g P h a r m a " L e M o n d e d i p l o m a t i q u e , e d i ç ã o d e o u t u b r o d e 2 0 0 3 , A r g e n t i n a

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plo, puderam por em prática uma política de substituição das importações e criar uma indústria farmacêutica local.” 33

• Os laboratórios que estão estabelecidos na França de-dicam quase o mesmo montante na publicidade e promoção quanto na investigação: 11,3% e 14% dos volumes de negó-cios, respectivamente. 34

• Dois terços do mercado mundial estão nas mãos de cerca de 20 laboratórios, e as fusões continuam acontecendo. Dos 25 medicamentos mais vendidos, 20 são norte-americanos. Existe quase que um preço mundial único. 35

• “Uma leitura muito restrita dos acordos internacionais sobre a propriedade industrial proíbe de fato a produção de medicamentos genéricos nos países do Sul, ou a importação nos países mais pobres, de genéricos produzidos em outras partes, com menor custo.” 36

• As grandes empresas fabricantes de medicamentos (multinacionais) produzem 72% dos medicamentos vendidos no arquipélago filipino, por isso impõem seus preços. A amo-xicilina, que figura entre os 10 medicamentos básicos reporta-

33 BULARD, M. “Las empresas farmacéuticas montan el apartheid sanitário Le Monde diplomatiqye, janeiro de 2001). 34 Idem. 35 Ibd. Idem. 36 RIVIÈRE, P. “Sida: la solidariedad internacional en quiebra”, Le Monde diplomatique, edição española, julho de 2001.

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dos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), custa 22 dó-lares cada cem cápsulas, enquanto no Canadá custa 8 dólares. 37

• “O doutor Bernard Pécoul, coordenador do projeto de medicamentos de Médicos Sem Fronteiras, destaca que, das 1.223 moléculas postas no mercado entre 1975 e 1997, so-mente 13 são dirigidas especificamente contra enfermidades tropicais. Somente 5 delas são resultado de investigação vete-rinária”. 38

• A Índia, onde apenas um terço da população tem aces-

so à medicação, sofre uma pressão espantosa para abandonar o controle de preços dos medicamentos e a produção de gené-ricos. O AZT made in Índia (sem patentes), por exemplo, custa cinco vezes menos que nos Estados Unidos.

• A indústria farmacêutica não só faz pressão em defesa das patentes como trabalha com afinco para obter, gratuita-mente e sem obrigações, a patente das plantas —genoma— dos países subdesenvolvidos.

• Segundo a OMS, em quatro anos, os preços de medi-camento subiram 44% no México, 24% no Brasil e 16,6% na Argentina.

37 BOUGUERRA, M. L. “Em la jungla farmacêutica”,Le Monde diplomatique, edição espanhola, março de 2001. 38 BULARD, M. “Las empresas farmacéuticas montan el apartheid sanitário”, Le Monde diplomatiqye, janeiro de 2000.

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• O mundo corre o risco de ver surgir uma espécie de

G8 dos medicamentos “que decida tudo, desde o nível de in-vestigação até o lançamento, ou não, deste ou daquele produ-to. Isto aumentaria ainda mais os desequilíbrios: os países de-senvolvidos teriam terapia de ponta, muito cara e protegidas pelo direito de propriedade intelectual; os outros desfrutariam desse produto depois que estivesse vencido o direito de paten-te... vinte anos depois e alguns milhares de mortos” 39.

• Para a comercialização dos medicamentos, importa é o mercado —mais doentes com poder aquisitivo— e não pro-gramas de saúde. E assim é visto pelos laboratórios, ao trata-rem remédio como carro, pois segundo Bernard Lemoine, di-retor geral do Sindicato Nacional da Indústria Farmacêutica da França, não há razão para esforços específicos da indústria farmacêutica, pois “ninguém pede a Renault que dê de presen-te carros para quem não tem”. 40

39 Idem. 40 Ibd. Idem.

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