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CARTOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: PARA LER ALÉM DAS CONVENÇÕES Tielle Soares Dias/Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected] O ENSINO DE GEOGRAFIA As indefinições teórico-metodológicas da Geografia põem seus professores, principalmente os iniciantes, frente à crise da Geografia Escolar (STRAFORINI, 2004). Em meio às necessidades de se fortalecer uma Geografia Crítica, que utilizasse os conteúdos geográficos para formação de cidadãos com um posicionamento reflexivo sobre as desigualdades sociais identificadas na realidade concreta da criança, e a diversidade de teorias e metodologias pedagógicas, ocasionaram uma série de leituras equivocadas no ensino de Geografia. Substituíram-se aulas que eram apenas reprodução de listagem de conteúdos por aulas que, baseadas nos princípios do Construtivismo e da Geografia Crítica, trabalhavam com o entorno do aluno, com o conhecido, com notícias, no entanto, a metodologia continuava sendo meramente informativa, sem a reflexão dos alunos. O maior desafio nos tempos atuais é justamente trabalhar essa geografia, imensa em seus conteúdos, de forma que o aluno possa sair da sala de aula com mais dúvidas sobre os temas trabalhados, sobre a sociedade do que aquelas que tinha no início. A geografia deve largar seu papel informativo e partir para a formação de pessoas através da dúvida, dos questionamentos. Para que serve a Geografia informativa? Para alienar como dizia LACOSTE (1988)? Pois então devemos seguir o posicionamento do mesmo autor e lembrar que o conhecimento do território é o ponto fundamental para dominá-lo, organizar-se sobre ele e organizar os que o desconhecem. O MUNDO DOS MAPAS NO ENSINO DA GEOGRAFIA

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CARTOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:

PARA LER ALÉM DAS CONVENÇÕES

Tielle Soares Dias/Universidade Federal do Rio Grande do Sul

[email protected]

O ENSINO DE GEOGRAFIA

As indefinições teórico-metodológicas da Geografia põem seus professores,

principalmente os iniciantes, frente à crise da Geografia Escolar (STRAFORINI, 2004).

Em meio às necessidades de se fortalecer uma Geografia Crítica, que utilizasse os

conteúdos geográficos para formação de cidadãos com um posicionamento reflexivo

sobre as desigualdades sociais identificadas na realidade concreta da criança, e a

diversidade de teorias e metodologias pedagógicas, ocasionaram uma série de leituras

equivocadas no ensino de Geografia.

Substituíram-se aulas que eram apenas reprodução de listagem de conteúdos por

aulas que, baseadas nos princípios do Construtivismo e da Geografia Crítica,

trabalhavam com o entorno do aluno, com o conhecido, com notícias, no entanto, a

metodologia continuava sendo meramente informativa, sem a reflexão dos alunos. O

maior desafio nos tempos atuais é justamente trabalhar essa geografia, imensa em seus

conteúdos, de forma que o aluno possa sair da sala de aula com mais dúvidas sobre os

temas trabalhados, sobre a sociedade do que aquelas que tinha no início.

A geografia deve largar seu papel informativo e partir para a formação de

pessoas através da dúvida, dos questionamentos. Para que serve a Geografia

informativa? Para alienar como dizia LACOSTE (1988)? Pois então devemos seguir o

posicionamento do mesmo autor e lembrar que o conhecimento do território é o ponto

fundamental para dominá-lo, organizar-se sobre ele e organizar os que o desconhecem.

O MUNDO DOS MAPAS NO ENSINO DA GEOGRAFIA

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O objetivo principal de estudo da Geografia continua sendo o espaço geográfico

(CASTROGIOVANNI, 2000). Espaço entendido como um produto histórico, o reflexo

das ações sociais ao longo do tempo sobre um espaço físico, revelando as práticas

sociais dos diferentes grupos que vivem num determinado lugar, interagindo e

construindo. Para então proporcionar um estudo de qualidade em Geografia devem ser

propostas situações de aprendizagem que interajam o conteúdo formal da disciplina

(necessário para estabelecer relações entre os fenômenos) e os conhecimentos do espaço

vivido dos alunos.

É necessário, segundo Castrogiovanni (2000) que:

“os professores criem condições de trabalho que favoreçam as diferentes

estratégias cognitivas e ritmos de aprendizagem, para que o aluno aprenda de

forma ativa, participativa, evoluindo dos conceitos prévios aos raciocínios mais

complexos e assumindo uma postura ética, de comprometimento coletivo”.

Para isso, deve-se trabalhar os conteúdos próprios da Geografia, visando

abranger aos conceitos fundamentais como: localização, orientação, representação,

paisagem, lugar e território. Neste sentido a cartografia torna-se, segundo

CASTROGIOVANNI (2000), um importante instrumento, para que o aluno possa ser

um leitor e um mapeador ativo, consciente da perspectiva subjetiva na escolha do fato

cartografado, marcado por escolhas e objetivos pessoais de quem o faz.

Para trabalhar cartografia no ensino de Geografia necessita-se trabalhar um dos

temas próprios dos estudos geográficos: a noção de espaço. Esta é, segundo HEIDRICH

(1991), uma habilidade do ser humano, a qual se desenvolve através da relação do

sujeito com o meio. A assimilação dessa noção constitui tendência natural de que sem

relaciona com o meio e com os demais, no entanto isso não significa que este tema não

deva ser trabalhado e desenvolvido na sala de aula. A noção de espaço é composta por

um conjunto de idéias e imagens que se internalizam no indivíduo através da vivência

no espaço, que permite criar representações.

Porque então ensinar cartografia na escola? A escola interage na maneira de

criar as representações instrumentalizando o indivíduo através do trabalho com mapas e

da aprendizagem do mapa e da sua linguagem. O conhecimento das relações que

conduzem à criança a construção da noção de espaço, denominadas topológicas,

projetivas e euclidianas, permitiu criar estratégias para que o ensino da cartografia fosse

realizado visando o melhor aproveitamento desta ferramenta pelos alunos.

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As primeiras relações que a criança constrói e utiliza são elementares chamadas

topológicas tais como: vizinhança, separação, ordem, envolvimento e continuidade.

Essas relações permitem que a criança distinga figuras abertas e fechadas, mas não

permitem que ela faça distinção entre um círculo e um quadrado.

As relações que permitem a coordenação dos objetos entre si a partir de um

ponto de vista são as projetivas. Mas inicialmente estas não conservam as distâncias e

as dimensões como um sistema de coordenadas, já que consideram seu ponto de vista

como único. Citamos como exemplo, uma criança que não consegue reproduzir em

desenhos vários brinquedos existentes no interior de uma caixa, pois ela, do seu ponto

de vista só enxerga a tampa aberta e a frente da mesma, (comprimento e altura), estando

perpendicular ao objeto. Quando possuir a coordenação dos pontos de vista passará a

enxergar nos objetos, os elementos não acessíveis à visão, mas que permitem à criança

concluir que se trata do mesmo objeto em diferentes posições.

As relações euclidianas são simultâneas às projetivas e nelas se apóiam.

Apreendem os deslocamentos, as relações métricas e a colocação dos objetos

coordenados entre si num sistema de coordenadas (Scortegagna, 2004). Na

fundamentação e na organização da prática pedagógica o professor deve ter em mente

as etapas da construção do espaço para o aluno bem como seus objetivos ao ensinar

cartografia.

O QUE É CARTOGRAFIA?

Cartografia é o conjunto de estudos e operações lógico-matemáticas, técnicas e

artes que constrói mapas, carta, plantas e outras formas de representação, através de

observações diretas, investigações de documentos e levantamento de dados. Sendo

assim a cartografia é considerada uma ciência, pela representação precisa e utilização

dos seus produtos como documentos sobre o espaço representado; uma técnica, por

combinar metodologias e ferramentas para elaboração das representações e; uma arte

por utilizar diferentes formas de desenho e manifestações gráficas.

A representação cartográfica é utilizada no cotidiano através de guias turísticos,

material de divulgação de empreendimentos imobiliários, ilustração de locais de

notícias em mídia impressa, ou seja, os mapas estão abrangendo um grande público. No

uso científico o mapa é um instrumento de síntese, que algumas ciências (não só a

Geografia) utilizam para a compreensão espacial do fenômeno. Embora pareçam

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atuações distintas o mapa como uso cotidiano e como uso científico tem o objetivo

semelhante de conhecer, controlar e dominar o espaço representado.

A construção de um mapa envolve características técnicas, conhecimento sobre a

área, e fundamentalmente, decisão. O mapa não exprime o que se observa no local, mas

sim, elege pontos de maior relevância que serão demonstrados. A escolha desses pontos

torna o mapa vulnerável, uma vez que é realizada em função dos objetivos que quem o

fez. Um dos exemplos mais claros são os mapas relacionados a empreendimentos

imobiliários, nos quais os acessos a equipamentos urbanos são ponto importante para

venda e que nas representações gráficas aparecem normalmente mais próximos do que

realmente o são, um artifício que se justifica pela constante ausência de escala nessas

ilustrações.

Dessa forma, possibilitar ao aluno o entendimento do mapa como instrumento,

fundamental para o estudo da Geografia, deve passar pela construção teórica dos seus

objetivos enquanto representação do espaço. Trabalhar com cartografia na escola não

inclui apenas contornar e delimitar, reconhecer projeções e calcular escala, trabalhar

com mapas exige a compreensão dos símbolos e das suas escolhas, exige reconhecer

projeções e saber por qual motivo uma é mais utilizada que outra e principalmente,

exige saber que o mapa não é uma fotografia do recorte espacial em questão e sim uma

escolha de quem o fez baseado em um conjunto de convenções previamente

estabelecidas.

ALFABETIZAÇÃO CARTOGRÁFICA

Alfabetizar não é apenas repetir, copiar, escrever, alfabetizado é aquele que se

apropria do símbolo e o utiliza para fazer as suas criações, a sua cultura. Estar

alfabetizado na geografia é, segundo CASTROGIOVANNI (1998), relacionar espaço

com natureza, natureza com sociedade, é perceber a interação entre os aspectos sociais,

econômicos, políticos, culturais. É saber situar-se e posicionar-se frente às questões do

mundo, é perceber que o espaço é disputa de poder e ter um posicionamento com

relação às desigualdades sociais-espaciais.

Quando se fala em alfabetizar entende-se a interpretação e domínio de símbolos

que possam ser utilizados em outras dimensões. A alfabetização cartográfica refere-se

ao processo de domínio e aprendizagem de uma linguagem constituída de símbolos, de

uma linguagem gráfica (a cartografia possui códigos e símbolos definidos - convenções

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cartográficas). No entanto, não basta à criança desvendar o universo simbólico dos

mapas; é necessário criar condições para que o aluno seja leitor crítico de mapas ou um

mapeador consciente. O processo de alfabetização cartográfica compõe essa apropriação

e interpretação dos símbolos cartográficos, que podem oportunizar ao aluno a

aplicabilidade posterior em leituras de mapas e contextos espaços-temporais.

UMA ALTERNATIVA POSSÍVEL...

As práticas realizadas nesta temática referem-se à experiência docente realizada

durante a disciplina de Estágio em Docência em Geografia I: Ensino Fundamental,

realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob orientação do Professor

Dr. Nestor André Kaercher. A prática foi realizada durante dez semanas em uma escola

da rede Estadual de ensino, tendo como público uma quinta série do Ensino

Fundamental.

A cartografia na quinta série do Ensino Fundamental corresponde aos primeiros

conteúdos programáticos para o ano letivo, segundos a maioria dos livros didáticos. Os

conteúdos programados para essa série correspondem aproximadamente a toda

Geografia Física, o que gera a reflexão de que alguns não podem ser trabalhados

exatamente como consta no livro. A própria cartografia, tratada através de cálculos e de

cópias de mapas tornar-se um tema vazio de significado. Exatamente para justificar a

importância do estudo da cartografia na escola é que o trabalho com esse tema foi

realizado de forma diferencial, buscando atividades alternativas para que os alunos

refletissem sobre o que lhes estava sendo apresentado.

Os conteúdos foram divididos em etapas sendo elas: a representação do Espaço,

a orientação no Espaço e a localização no Espaço. Os desdobramentos dessas etapas nos

assuntos trabalhados em aula foram os seguintes: A representação do Espaço (Escala,

Localização espacial, Tamanho real e tamanho gráfico, Perspectivas de representação,

Tipos de mapas e Localização em mapas); A orientação no Espaço (Pontos cardeais,

Orientação através de pontos cardeais, Convenções cartográficas) e A localização no

Espaço (Coordenadas geográficas, Fuso horário).

Com um conteúdo de extrema abstração que é a interpretação de mapas, foram

utilizados recursos didáticos que permitissem a manipulação concreta desses conteúdos,

portanto a primeira parte “a representação do espaço’’ foi trabalhada de forma mais

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minuciosa, levando mais tempo para sua conclusão, de forma que os alunos através de

desenhos partindo de si mesmos até o caminho que fazem para chegar a escola

pudessem compreender o que é um mapa. Nesta etapa foram utilizadas muitas

representações feitas pelos alunos, o livro didático como um auxiliar nas ilustrações,

nos mapas e na fixação de alguns conceitos.

A representação do Espaço foi trabalhada individualmente durante as duas

primeiras semanas, mas seus assuntos seguiram por todo o período, já que os conceitos

de escala e a localização espacial, principalmente, eram freqüentemente necessários

para os demais assuntos. As atividades desenvolvidas incluíram: desenhos; análise de

mapas; localização em mapas (planta de Porto Alegre, mapa do Rio Grande do Sul e do

Brasil) nestas atividades os alunos utilizaram tanto mapas de parede como guias

telefônicos, priorizando localizar locais conhecidos como o endereço, a escola, e os

arredores da escola; manuseio de imagens de satélite e interpretação de informações dos

mapas.

Um dos pontos mais significativos dessa parte inicial foi a compreensão do

conceito de escala. Inicialmente foi proposto aos alunos que se desenhassem em

quadrados predeterminados, em um com o corpo todo, em outro só a cabeça (Figura 1).

Após as reflexões sobre a identidade, foi

pedido que os alunos observassem a sua

criação e pensassem em quais dois havia

mais detalhe? E em qual deles havia mais

informações representadas. Algumas

dificuldades como desenhos que na área

reservada para todo o corpo a cabeça não

estava, já que na compreensão do aluno ela

já havia sido representada, demonstravam

as diferentes fazes de desenvolvimento de cada um, porém no geral a atividade foi bem

aceita e compreendida.

O globo serviu de auxílio nesta hora, questionando também o que é o globo e o

Figura 1: representação realizada por um aluno da quinta série do Ensino Fundamental

Figura 2: representação do seu quarto realizada por um aluno da quinta série do Ensino Fundamental

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que ele objetiva (representar o nosso planeta, responderam alguns), mas nele dá para

perceber a rua da casa onde tu moras? (não responderam alguns: não porque o globo

não é de verdade; outros: não porque não caberiam todas as ruas do mundo aí,

professora).

Partir dessa idéia inicial de escala e representar o próprio quarto foi algo ótimo,

o conhecimento do espaço a ser representado permitia um domínio do seu mapa, que

pode ser usado para discutir as preferências: o que representar? Por que representar isso

e não aquilo? A visão inicial para o desenho do quarto do aluno foi a horizontal,

partindo de uma situação hipotética: imagina-te agora sentado na tua cama, o que vês.

Agora imagina-te pendurado no teto! (Figura 2)

A preparação para essa atividade foi feita através do desenho de diferente

objetos conhecidos, como caneta, borracha. A caneta foi onde a visão vertical foi

compreendida pela maioria: “ah, sora não dá pra desenhar a caneta vista de cima! [...]

vista de cima ela é só uma bolinha!” Perfeito, a partir daí a discussão sobre as diferentes

formas de ver um objeto começaram para tudo o que se via. Desenhar o quarto como se

estivessem pendurado no teto foi uma pesquisa para imaginar que forma os objetos tão

conhecidos, daquele espaço tão próximo, teriam.

Alguns alunos apresentaram

muitas dificuldades, desde não

conseguir representar todas as

informações que gostaria, ter que

apagar várias vezes para melhor

utilizar o espaço destinado, até mesmo

não conseguir formalizar a idéia da

visão vertical, fazendo uma mistura

das duas formas de representação:

vertical e horizontal. Geralmente a

visão horizontal permanecia em objetos

como cadeiras (Figura 3), nos quais os

alunos tentavam desenhar as pernas,

ignorando que vistas de cima essas não

apareceriam, no entanto na concepção de

Figura 3: representação realizada por um aluno da quinta série do Ensino Fundamental

Figura 4: representação realizada por um aluno da quinta série do Ensino Fundamental

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alguns, as cadeiras não seria entendidas como cadeiras se estivessem se as pernas.

Questão que originou a discussão sobre as legendas.

Voltando à escala, a mesma perspectiva sugerida para o desenho do quarto foi

solicitado para se desenhar o percurso casa-escola, com um detalhe de ser no mesmo

tamanho de papel. A representação feita por eles, ora do quarto visto verticalmente, ora

do percurso também na vertical (Figura 4), fez com que alguns parassem para refletir

que eles tinham feito “caber” no mesmo espaço lugares que na realidade tem tamanhos

muito diferentes. A discussão da escolha, do detalhe e finalmente do conceito de escala,

veio à tona. Neste momento os mapas do Brasil, Rio Grande do Sul, a planta de Porto

Alegre, o guia telefônico, o planisfério, e qualquer outra representação, trazida pela

professora ou pelos alunos, passaram a ser analisadas sob essa ótica.

Alunos que na representação do quarto não tinham encontrado dificuldades, na

representação do percurso apresentaram conflitos entre a visão vertical e horizontal

(Figura 5). Um ponto interessante é que alunos mais jovens apresentavam muito mais

dificuldades, do que os alunos de maior idade (muitos deles repetentes, o fato de

desenvolverem bem as atividades, e

auxiliarem os colegas com maior

dificuldade, os trazia para a aula,

aumentando o interesse).

O tema da orientação no Espaço

foi trabalhado durante praticamente duas

semanas, foram realizadas nesse período

muitas atividades práticas já que esse

assunto propunha uma ação: orientar-se.

Foram propostas várias situações nas

quais os alunos deveriam utilizar os recursos geográficos para se localizar na sala de

aula, em um mapa do livro didático, em um mapa dado pela professora ou nas plantas

de Porto Alegre. Nesta etapa os alunos tiveram contato com uma bússola e diversas

vezes orientaram a sala de aula de acordo com o Sol.

A criação de mapas da sala de aula com a orientação correta em relação ao Sol e

com a verificação na bússola permitiu aos alunos construírem a idéia de que a

orientação dependerá do ponto onde tu observas (Figura 6), isso foi possível perceber

através da desconstrução do Norte para frente, como é habitual, assim como do Norte

para cima, uma vez que os alunos tiveram que em vários momentos orientarem as

Figura 5: representação realizada por um aluno da quinta série do Ensino Fundamental com aparentes confusões.

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plantas de Porto Alegre e o mapa do Rio Grande do Sul não com o título para cima, mas

segundo a rosa dos ventos localizada nos mapas.

Assim todos os mapas trabalhados foram vistos na posição horizontal,

reforçando que o norte não é para cima, mas sim uma direção. Reforçando também que

uma vez o mapa orientado é possível indicar para que lado fica cada objeto nele

representado, com a Planta de Porto Alegre foi interessante que, como muitos alunos

iam caminhando para a escola eles

conheciam o caminho e com o mapa

orientado eles localizavam a posição da

escola e confirmavam ou discordavam (o

que gerava grande discussão) se o que

estava sendo representado ficava realmente

para aquele lado.

A localização no Espaço foi um dos

temas mais trabalhados chegando quase há

quatro semanas, pois encerrava e revisava os

assuntos anteriormente trabalhados além de acrescentar alguns tópicos novos como fuso

horário e coordenadas geográficas que exigem um trabalho mais prático para sua

compreensão.

Foram revisadas as atividades

que permitiam ao aluno compreender

que as coordenadas geográficas e o

fuso horário são convenções e que por

isso precisam ser compreendidas como

uma atitude humana para se localizar

no Espaço, por isso muitas das

atividades partiram da sala de aula:

criar uma rede de coordenadas que

permitiria ao aluno encontrar o

posicionamento dos colegas na sala (Figura 7); criar um registro de rotina individual, o

que fazem em cada horário do dia, possibilitando a visualização de que quando estamos

sob um mesmo horário tendemos a fazer as nossas atividades de forma sincronizada

(Figura 8). Nesta etapa foram utilizados muitos recursos escritos também, como o livro

Figura 7: Trabalho com Coordenadas Geográficas, realizado por um aluno da quinta série do Ensino Fundamental

Figura 6: representação da sala de aula, devidamente orientada, realizada por um aluno da quinta série do Ensino Fundamental

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didático, textos que se referiam a mapas, mapas, além do globo que foi utilizado em

muitas aulas.

Os pontos mais marcantes dessas construções com os alunos foram algumas

atividades nas quais se aplicavam esses conhecimentos de maneira prática. Uma das

atividades mais significativas foi a localização das casas dos alunos na planta de Porto

Alegre, separados por bairros, os alunos tinham que colocar etiquetas com seu nome no

local do mapa onde estaria sua casa. Além da localização das suas casas os alunos

podiam observar o agrupamento formado pela maioria nos arredores da escola,

interessante observar que muitos não sabiam que moravam tão próximos uns dos outros.

Figura 8: Trabalho de registro de rotina, permitindo perceber a semelhança entre horários e atividades na vida de diferentes alunos da quinta série do Ensino Fundamental.

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Outra atividade muito bem aproveitada foi uma avaliação, na qual os alunos

deveriam buscar em revistas e jornais um mapa qualquer, de livre escolha, e a partir

dele responder questões gerais propostas pela professora.

Ao procurar o mapa os alunos observaram a aplicabilidade dos símbolos e sua

importância para o reconhecimento do que estava sendo representado, juntamente com a

reportagem eles deveriam interpretar qual a função dos mapas naquela notícia (Figura

9). Algumas dificuldades ficaram ainda na confusão entre diferentes formas de

representações, muitos alunos escolheram imagens de satélite e denominaram como

mapas, outros selecionaram blocos esquemáticos, vistos em perspectiva, como se

fossem mapas, resquícios das confusões causadas pela diferenciação do ponto de vista.

Figura 9: Análise de reportagens de jornais feita pelos alunos da quinta série do Ensino Fundamental

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REFLETINDO A PRÁTICA

Cartografar é uma atividade comum para o indivíduo na sociedade, ao longo da

nossa existência vamos desenvolvendo as representações sobre o espaço habitado e

mais tarde as relações sobre locais distantes. Todos precisam se localizar, conhecer,

descobrir e viver o espaço, seja para atividades cotidianas, viagens ou pelo sentido

existencial de pertencimento.

Ensinar cartografia é, portanto fornecer ferramentas para que a construção que

faz parte do convívio social não seja lembrada como cópia de mapas com alguma

informação, para não associar o uso de escala com aula de matemática, para que os

mapas não sejam apenas figuras desconexas trabalhadas na aula de Geografia.

Alfabetizar um aluno na leitura desse tipo de forma de comunicação é um trabalho

social, é possibilitar a ele a compreensão de um instrumento de síntese do espaço. É

instrumentalizar para a leitura de algo que visa representar um recorte espacial e que,

muitas vezes, é mais forte em seus estereótipos, na segregação, na reafirmação das

desigualdades sociais-espaciais do que textos com palavras.

Os mapas podem generalizar situações, marcar domínios e por sua face técnica e

científica pode ser tomado de credibilidade, sem ser submetido às críticas habituais de

um texto. As atividades práticas aqui pensadas visam atribuir significado à utilização de

mapas, visa manifestar-se favorável ao desenvolvimento de habilidades necessárias à

leitura desses, sem afastar-se do objetivo primordial que é fazer a leitura e apropriar-se

desse meio como forma de expressão e de crítica.

Para isso foram pensadas as vivências, aprender a partir da percepção e análise

do seu entorno. Partir do conhecido, das relações imediatas, do espanto por verificar que

o colega mora praticamente do lado da sua casa, para então relacionar lugares nos

mapas, para então apropriar-se dessa forma de representação. De acordo com

Castrogiovanni (2006):

“[...]não é possível aprendermos sobre o espaço somente com figuras penduradas em

sala de aula e com livros didáticos que apresentam conotações de locais específicos.

A análise da realidade social através da escola só é possível quando respeitamos o

imaginário, a fantasia, a identidade, a origem, as particularidades, inclusive as

subjetividades de quem aprende”.

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Assim, o estudo da cartografia para ler o mundo que nos cerca, está fundamenta

na apropriação dos símbolos cartográficos, mas para a leitura além deles, além da mera

decodificação é necessário criar, recriar, brincar e explorar os mapas, os mapas prontos,

os mapas realizados pelos próprios alunos. A noção de espaço começa a ser construída

pelas relações mais próximas, quando estas estão aprendidas e bem fundamentadas,

passa-se com mais tranquilidade às mais complexas. Um aluno bem alfabetizado

cartograficamente é como um aluno bem alfabetizado na linguagem escrita: apropria-se

dela e interpreta qualquer forma de texto. Uma alfabetização cartográfica bem feita

fornece ao aluno instrumento para uma sua vida social enquanto indivíduo que interage

no espaço.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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fundamental. In: SHÄFFER, N. O (org). Ensinar e aprender Geografia. Porto Alegre: Associação dos

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CASTROGIOVANNI, A. C. (org). Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotidiano. Porto

Alegre: Mediação, 2000

CASTROGIOVANNI, A. C. & COSTELLA, R. Z. Brincar e cartografar com os diferentes mundos

geográficos: a alfabetização espacial. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. 126P.

HEIDRICH, A. L. Cartografia no ensino de 1º Grau. In: CALLAI, H. C. (org). O ensino em estudos

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KAERCHER, N. A. Ler e escrever a geografia para dizer a sua palavra e construir o seu espaço. In:

SHÄFFER, N. O (org). Ensinar e aprender Geografia. Porto Alegre: Associação dos Geógrafos

Brasileiros – Seção Porto Alegre, 1998.

LACOSTE, Y. A geografia, isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Campinas: Ed. Papirus,

1988

SCORTEGAGNA, G. M. & BRANDT, C. F. O professor e seu papel na construção do espaço pela

criança. Disponível em: < > Acessado em 08/06/2009

STRAFORINI, R. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. São Paulo:

Annablume, 2004