CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO...

220
CÁTIA ALVISI CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADO CAMPINAS 2015

Transcript of CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO...

Page 1: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

CÁTIA ALVISI

CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO

ENCARCERADO

CAMPINAS

2015

Page 2: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

ii

Page 3: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

iii

Page 4: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

iv

Page 5: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

v

Page 6: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

vi

Page 7: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

vii

RESUMO

Busca-se nessa pesquisa compreender a configuração do currículo dentro de UMA escola num

modelo de unidade prisional denominado: Centro de Ressocialização. A partir de uma incursão

etnográfica foi possível viver o cotidiano prisional pesquisado por oito meses e participar de

outras situações para além da rotina da escola. Essa experiência somada às dezoito entrevistas

realizadas com os alunos em situação de privação de liberdade evidenciou que a questão do

direito humano à educação não se consolida dentro das prisões, mesmo com avanços

significativos no campo normativo. É possível afirmar também que a sobreposição de duas

instituições em funcionamento (prisão/escola) dentro do mesmo espaço colide quando o assunto é

a oferta educativa. Reproduz-se um modelo de ensino que não agrega como fator de acesso aos

bens culturais recriados constantemente pela humanidade e assim se reforça a ideia de escola

apenas como certificação ou para fins de remição de pena. Enfim, problematiza-se a configuração

curricular da escola pesquisada a partir de discursos entendidos como construções que se

naturalizam e produzem efeitos de Verdade nas práticas curriculares encarceradas.

Palavras-chave: Educação Prisional, currículo, Educação de Jovens e Adultos.

Page 8: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

viii

Page 9: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

ix

ABSTRACT

The aim of this research is to understand the configuration of the curriculum in a school in a

prison unit model called: Resocialization Center. From an ethnographic incursion it was possible

to live the daily prison routine researched for eight months and participate in other situations

beyond the school routine. This experience in addition to the eighteen interviews with students in

a situation of deprivation of liberty showed that the issue of human right to education is not

consolidated within the prisons, despite significant advances in the normative field.It is also

possible to say that the overlap of two institutions in operation (prison / school) within the same

space collides when it comes to educational provision. It reproduces a teaching model that does

not add as a factor of access to cultural goods constantly recreated by mankind and thus

reinforces the idea of school just as certification or for the purpose of redemption penalty.

Finally, discusses setting up the curriculum of the school searched from speeches understood as

constructions that are naturalized and produce effects of truth in incarcerated curricular practices.

Keywords: Prison Education, curriculum, Youth and Adult Education.

Page 10: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

x

Page 11: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xi

ITINERÁRIOS............................................................................................................................1

VISITA NA CASA....................................................................................................................11

Navegar é preciso...............................................................................................................17

O ato de escrever no balanço do barco..............................................................................22

Na proa do barco...............................................................................................................32

O içar da vela.....................................................................................................................44

Quando o espaço educativo se insere na lógica disciplinar?.................................44

Segurança e Educação: uma parceria que dá certo?...............................................45

Tudo junto e misturado..........................................................................................46

Contagem...............................................................................................................47

A tripulação da navegação.....................................................................................47

DEPOIS DOS NAVIOS NEGREIROS... OUTRAS CORRENTEZAS...............................59

Polícia para quem precisa..................................................................................................62

A rota da navegação: O Centro de Ressocialização de Bragança Paulista........................70

O CALEIDOSCÓPIO CURRICULAR DA EDUCAÇÃO PRISIONAL: ENTRE GIROS

E NOVOS DESENHOS............................................................................................................83

Não existe transição e sim ruptura.....................................................................................95

O espaço educativo prisional...........................................................................................103

E afinal, o que acontece aqui?..........................................................................................112

Um giro no caleidoscópio: produção de documentos normativos como dispositivos de

poder................................................................................................................................117

FACES DO CALEIDOSCÓPIO: MOVIMENTOS, CORES, IMAGENS...................... 121

Olho de águia, boca de siri e orelha de elefante..............................................................123

SUMÁRIO

Page 12: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xii

Vovó, o Juquinha está chorando?/E por quê?/Porque eu mostrei como se fazia para comer o

pedaço de torta dele.”...............................................................................................................126

Outros livros, outras leituras....................................................................................................130

Resumindo a escola a duas matérias: português e matemática... sempre foi assim, né?”

..................................................................................................................................................133

O trabalho dignifica o homem?................................................................................................138

Porque de grão de em grão a galinha enche o papo, não é verdade?.......................................145

FAÇO PAISAGENS COM O QUE SINTO..................................................................................153

LANÇAR A ÂNCORA ..................................................................................................................177

INTERLOCUTORES PARA A ESCRITA DO TEXTO............................................................181

ANEXOS .........................................................................................................................................187

Page 13: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xiii

AGRADECIMENTOS

Dirce, pela presença atenta e valiosa em todos os momentos do trabalho. Pela aposta no projeto,

pela liberdade concedida para navegar... Às professoras Áurea M. Guimarães e Maria do Carmo

Martins pela atenção concedida na primeira leitura do trabalho na banca de qualificação e as

proveitosas ideias para continuar. A todos os queridos amigos do grupo VIOLAR (Laboratório de

Estudos sobre Violência, Juventude e Imaginário) pelos encontros que ajudaram a pensar a

pesquisa. Karina, Claudio e Fernando parceiros para além mar...almoços e boas risadas durante as

disciplinas cursadas. Eunice, encontro mágico nesse processo, super obrigada por tudo! Erika,

minha parceira de Massa Crítica e da máscara contra o desinfetante. Gi, minha grande parceira

para todas as guerras deste mundo: é coisa demais pra te agradecer. Às minhas queridas amigas

que compõem o grupo da salvação de fim de tese para que o trabalho se pusesse na formatação

adequada: Cássia, Ju Pirola, Sá Forato e Baisi...aquele abraço.

Mazzolinha que mesmo de longe vibrando pelas minhas conquistas. À Célia Russi Lang, por

interceder com todas as forças para que meu afastamento da Prefeitura Municipal de Bragança

Paulista fosse autorizado. A CAPES que possibilitou a bolsa de outubro de 2011 a fevereiro de

2015 para a dedicação total à pesquisa. Quero agradecer também ao Biu que por um ano inteiro

me hospedou em seu apartamento para que pudesse cursar as disciplinas. A todos os funcionários

do Centro de Ressocialização com os quais convivi e aprendi muito. Em especial, à Diretora

Solange. Agradeço ainda a Leão e Robinson que com muita paciência e atenção me apresentaram

os corredores e o “proceder” do cotidiano prisional. Aos de casa: minha mãe, fortaleza de 3ª

idade em constante apoio em todos os sentidos. Ao Otávio, coautor da pesquisa que me

acompanhou durante o campo umbilicalmente ligado a mim e que depois me deu força para

terminar a empreitada. Ao Daniel, pela paciência de escutar o mesmo assunto e ler meus esboços

durante esses quatro anos. Meu companheiro de existir!

Page 14: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xiv

Page 15: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xv

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTAÇÃO DESCRIÇÃO

Ilustração 1 Seu Francisco

Ilustração 2 Rubrica do aluno Edmilson

Ilustração 3 Lejla Bulja – Sarajevo

Ilustração 4 Takaaki Fujimoto – Japão

Ilustração 5 Joram Rozorov - Israel

Ilustração 6 Lex Drawinski - Alemanha

Ilustração 7 Centro de Ressocialização “Enfermeiro Ângelo Fernando Baratella”

Ilustração 8 Trabalho I - oferecido no Centro de Ressocialização “Enfermeiro Ângelo

Fernando Baratella”

Ilustração 9 Trabalho II - oferecido no Centro de Ressocialização “Enfermeiro Ângelo

Fernando Baratella”

Ilustração 10 Sala de Aula do Centro de Ressocialização “Enfermeiro Ângelo Fernando

Baratella”

Page 16: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xvi

Page 17: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xvii

LISTA DE TABELAS

TABELAS DESCRIÇÃO

Tabela 1 Registro das aulas (Ensino Fundamental)

Tabela 2 Registro das aulas (Ensino Médio)

Tabela 3 Frases, músicas, versos e produções dos colaboradores

Tabela 4 Diversão do trabalho oferecido dentro dos estabelecimentos penais do

Estado de São Paulo

Tabela 5 Organização das unidades prisionais do Estado de São Paulo

Page 18: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xviii

Page 19: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xix

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICOS DESCRIÇÃO

Gráfico1 Perfil de idade dos colaboradores

Gráfico 2 Perfil de escolaridade dos colaboradores

Gráfico 3 Expectativas que a escola deve atender

Page 20: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xx

Page 21: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xxi

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APAC - Associação de Proteção e Assistência Carcerária

CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

CR - Centro de Ressocialização “Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel”

EAD - Educação a Distância

EJA - Educação de Jovens e Adultos

ENCEJA - Exame Nacional para Certificação de Competências para Jovens e Adultos

ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio

FUNPEN - Fundo Penitenciário Nacional

INFOPEN - Sistema Integrado de Informações Penitenciárias

LEP - Lei de Execução Penal

MP - Monitor preso

OFA - Ocupação Função Atividade

PEP - Programa de Educação nas Prisões

SAP - Secretaria de Administração Penitenciária

SEE - Secretaria Estadual de Educação

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SSP - Secretaria de Segurança Pública

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Page 22: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

xxii

Page 23: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

1

ITINERÁRIOS

i.ti.ne.rá.rio adj (lat itinerariu)1 1 Relativo a caminhos. 2 Diz-se das medidas indicadoras

da distância de um lugar a outro. sm 1 Indicação ou projeto de caminho a seguir. 2 O respectivo

percurso. 3 Viagem. 4 Roteiro. 5 Descrição de viagem. 6 Programa. 7 Livro com informações

necessárias ou úteis para viajantes e turistas; guia.

O itinerário do tema desta pesquisa foi construído a partir de minha prática docente em

escolas públicas. Assim sendo, a opção para descrever esse caminho será revisitar cenas e

pessoas que marcaram minha trajetória profissional contribuindo para que pudesse problematizar

questões vividas pela Educação de Jovens e Adultos e que puderam ser sistematizadas através

desse trabalho de pesquisa.

Como professora da rede municipal do fundamental I (há 16 anos) da cidade de Bragança

Paulista, trabalhava meio período e, ansiosamente, esperava todo início de fevereiro para

completar carga com possibilidades de salas das quais os professores se encontravam afastados

por múltiplos motivos (doenças, ocupação de outros cargos, tais como coordenadores, diretores,

supervisores...). Assim, ainda verificamos a vida dos professores: em sua maioria, ocupam-se

com diferentes escolas, diferentes realidades, pulando da manhã para a tarde e fechando o dia

com a escola noturna, muitas vezes como única opção para melhorar o orçamento financeiro da

casa. Este era meu caso.

Dia de atribuição: escola tal, horário x. Ao chegar, uma grande movimentação de

professores para verificar as possibilidades, distâncias de suas casas para possíveis escolas e a

pontuação geral na listagem para que pudessem completar a carga de trabalho.

Dentro de uma sala de aula, carteiras enfileiradas, cartazes e a lousa ocupada neste dia

com outro tipo de inscrição. Estava dividida em três partes: na primeira, as salas a serem

atribuídas da Educação Infantil, no meio, as do Ensino Fundamental, e por último (como quase

sempre se configura em todos os sentidos!), as salas da Educação de Jovens e Adultos.

Entrávamos de três em três. Chegada a minha vez da escolha estavam na bancada a

Secretária de Educação e algumas supervisoras. Eu era conhecida por todas, visto que havia

1 Dicionário de Português on line Michaelis. www.michaelis.com.br (acesso em 16/01/2015)

Page 24: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

2

desempenhado junto a uma equipe de professoras, a função de Coordenadora Pedagógica da rede

municipal de Bragança Paulista (2002-2004).

Observei a lousa e as duas primeiras partes já tinham quase que se esgotado. Como na

época trabalhava pela manhã, só poderia acumular cargo a tarde ou à noite. Foi quando uma ex-

diretora, que exercia a função de supervisora na época, me disse:

“Tem uma sala aí de EJA que tem que ser pra você. Ninguém vai topar ir

pra lá, mas tenho certeza que você topa.”

Tratava-se de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação e uma Construtora

Civil. A sala era majoritariamente masculina, pois os alunos eram operários da construção civil

de um condomínio de prédios que se iniciava chamado “Colinas da Mantiqueira”. Pedi maiores

informações sobre a parceria e assim entendi que a Secretaria da Educação ficaria incumbida de

colocar o professor e a Construtora forneceria a “sala de aula”, a qual conheci depois e tratava-se

do refeitório dos alunos trabalhadores.

A distância do Condomínio para minha casa era algo motivador: nada que meu fusca 79

não realizasse em menos de 20 minutos. Nada de estrada de terra, experiência totalmente nova...

o que sempre me motivou.

Assinei a atribuição e recebi os votos de boa sorte. Comece amanhã a noite, às 19:00 h.

Boa noite.

“Colinas da Mantiqueira”

Saí de casa mais cedo. Afinal, precisava desbravar meu novo cotidiano noturno. Com meu

fusca 79, parei na recepção do condomínio para a identificação e me apresentei como a

professora. O porteiro intrigado perguntou: “Ah, é a senhora que vai dar aulas pros

“home” da construção? Mas vai ser aonde? No refeitório?”

Diante de tantas perguntas ainda sem respostas, dirigi-me para o fundo do condomínio

conforme indicação do porteiro.

O cheiro de mato, uma luzinha acesa e o galpão com a porta aberta. Parei o fusca 79 e

com o barulho começaram a aparecer meus novos alunos que dormiam em alojamentos

improvisados ao lado do galpão. Muito respeitosamente me receberam e me contaram que

Page 25: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

3

haviam pintado a lousa há algumas horas atrás e que, portanto não poderíamos utilizá-la naquela

noite.

O galpão era composto por mesas de refeitório com os bancos grudados, a novíssima

lousa e as telhas de amianto cinza que faltavam levantar voo em pleno mês de fevereiro. (Fiquei

pensando em como seria no inverno...)

Naquela primeira noite de contato com os “home” da construção mil coisas se passaram

na minha cabeça: O que seleciono para ensinar? Que conhecimento é válido para eles? Qual é a

história de cada um? Qual é o sentido da escola para eles? O que significa a docência na

Educação de Jovens e Adultos?

Quando vi, já estava na garagem de casa guardando meu fusca 79 para me preparar para

as crianças na manhã do dia seguinte.

A questão da formação dos professores da EJA ainda é considerada um “lote vago”

(SOARES, 2008, p.95), já que em sua maioria, os professores que assumem tais salas não tem

formação específica para a modalidade, o que de certa forma, torna-se um grande entrave para a

qualidade de ensino, já que os professores reproduzem práticas da Educação Infantil ou do

Ensino Fundamental generalizando a categoria “alunos”, o que esvazia as potencialidades de

trabalho pedagógico com os alunos trabalhadores.

Quanto à parte pedagógica, tínhamos uma sede da EJA, com uma diretora e uma

supervisora. Semanalmente, o grupo de professores da EJA se reunia para o horário de trabalho

pedagógico, também conhecido como horário de trabalho perdido. Sentia-me uma estranha no

ninho: enquanto minhas colegas resolviam questões de vale transporte, merenda e solicitações

diversas, nada se encaixava na minha realidade. Muito menos as discussões: os professores

reclamavam da dificuldade em “transmitir os conteúdos Verdadeiros”, pois argumentavam que os

alunos não acompanhavam o livro (do Ensino Fundamental) e que faltavam muito...

Ao lado dessas lamentações, a cada dia aprendia mais com os alunos. Assuntos como o

garimpo no Norte, a diversidade da flora e fauna do Nordeste esquentavam nossas noites no

galpão iluminado.

Mal podia imaginar que as questões iniciais do meu primeiro dia de aula na EJA “Colinas

da Mantiqueira” me perseguiriam no projeto de pesquisa do mestrado que objetivou compreender

como se configuram os desenhos curriculares da Educação de Jovens e Adultos nos segmentos I e

Page 26: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

4

II através dos discursos que atravessam as falas de um grupo de professores que atuavam na

modalidade. Os meses se passaram e...

Seu Francisco e Luis

Sim. O inverno chegou e com ele muito vento gelado e uma garoa que transpassava as

telhas de amianto. A saída foi pedir à diretora que me arrumasse chocolate e leite em pó para

tomarmos um chocolate quente durante a aula. A cozinha era colada ao galpão e era nela que

eram feitas as refeições para eles durante o dia. O único problema é que para entrarmos na

cozinha, Luis (um dos alunos) tinha que espantar os ratos e só depois eu entrava pra colaborar

com o chocolate quente, dando uma mexida na panela e não desgrudando os olhos do chão...

Instigada pelas leituras do mestrado, meu foco no currículo, numa perspectiva pós-

estruturalista, possibilitava teorizar minha prática numa sala multisseriada com alunos em

processo de alfabetização ao lado de outros que já produziam textos.

A experiência (LARROSA, 2002) numa sala multisseriada me colocava possibilidades

incríveis: discutíamos assuntos da atualidade, levantávamos problemáticas sobre saúde e

encarávamos pesquisas com uma tranquilidade que foi possível romper com a linearidade dos

ditos Conteúdos-Verdade dos livros e materiais pensados para as gavetas-série.

Seu Francisco, homem dos grandes desenhos da fauna brasileira sempre deixava desenhos

na lousa com uma precisão de detalhes incríveis. Luis, o homem dos versos sempre nos alegrava

com uns “par de rima” conforme anunciava.

Resolvemos então organizar um Sarau de Poesias e chamar convidados. A noite foi um

sucesso: o engenheiro da obra com sua família, supervisora, diretora, minha mãe, amigos

próximos e alunos de uma escola municipal que também atendia EJA que ficava perto da nossa.

Essa foi a saída para cumprir com a cobrança dos alunos da necessidade de conhecer umas

moças, já que nossa sala era majoritariamente masculina.

Ao final do Sarau, tínhamos uma proposta: pintar as paredes do galpão e a frente. Tintas

espalhadas, pincéis e os convidados pintando nossas paredes de cal. A frente do galpão

reservamos para Seu Francisco que feliz da vida explicava aos convidados sobre sua técnica de

desenho e pintura e sua escolha por retratar bichos.

Page 27: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

5

Todos recitaram. A escolha dos poemas foi aleatória. Apresentei alguns autores e poesias

e eles se identificaram com uma delas. Após a récita individual, os alunos encerraram o Sarau

“Colinas da Mantiqueira”, com uma poesia recitada coletivamente, de Adélia Prado:

Ensinamento

Minha mãe achava estudo

A coisa mais fina do mundo

Não é.

A coisa mais fina do mundo

É o sentimento.

Aquele dia de noite,

O pai fazendo serão,

Ela falou comigo:

“Coitado, até essa hora no serviço pesado.”

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.

Não me falou em amor. Essa palavra de luxo. (1991)

Peguei meu fusca 79 e divaguei por um bom tempo depois do Sarau pelas ruas tranquilas

de Bragança.

Momentos de paz, momentos de felicidade.

Marcos, Laudicéia, Seu Idalino, Dani e muitos outros Severinos...

Figura 1 - Seu Francisco

Page 28: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

6

A docência na modalidade EJA possibilitou-me aproximar de temáticas que a cada ano

iam formando redes e conexões em minha vida de forma que eu não conseguiria sair dessa

vereda, mas sim desbravar novos atalhos e descobrir outros lugares para olhar e compreender

outros problemas.

Após a experiência com a sala multisseriada masculina desenvolvi juntamente aos

professores da EJA de Bragança Paulista a função de coordenadora pedagógica de salas

espalhadas pela cidade e campo. Porém, após dois anos com a aprovação por concurso público na

rede estadual de ensino (2006), abandonei o trabalho de Coordenação Pedagógica do grupo de

professores municipais para atuar como professora estadual de Língua Portuguesa. Na

atribuição... primeiro impasse: a Legislação Estadual restringia ao professor efetivo realizar a

escolha de sua carga completa na modalidade EJA, podendo apenas completá-la com algumas

aulas. Isso também foi um dos focos de análise no mestrado, pois sendo restrito ao professor

efetivo, as aulas deveriam ficar aos OFAS (Ocupação Função Atividade), também conhecidos

como eventuais. Obviamente que existem excelentes profissionais que não são concursados, mas

o que se evidenciava era o descaso para com a EJA. Os anos se passaram e hoje a Legislação

modificou-se possibilitando ao efetivo a escolha completa de sua carga na modalidade e nas

escolas da rua, porém para a Educação Prisional essa é uma questão de retrocesso, já que as aulas

são oferecidas apenas aos OFAS.

A possibilidade de conhecer a engenhoca de funcionamento da rede estadual, o entra e sai

de professores a cada quarenta e cinco minutos (o tempo da noite de cada aula), os alunos abrindo

e fechando suas gavetas-caderno e o peso das gavetas- disciplinas me fizeram debruçar ainda

mais na concepção tradicional do currículo na escola, o conhecimento como “coisa” a ser

transmitida (SILVA, 2006).

A Escola Estadual na qual tenho meu cargo tem grande proximidade geográfica bastante

próxima com a Fundação Casa2 do município, tornando-se assim um lugar fácil para encaminhar

egressos ou mesmo os jovens com liberdade assistida. Soma-se a isso, a falta de planejamento em

que cresce o bairro tendo a droga como fonte de sustento e meio fácil de diversão.

2 Fundação Centro de Atendimento SocioEducativo ao Adolescente (CASA), instituição vinculada à Secretaria de

Estado de Justiça e da Defesa da Cidadania presta assistência aos jovens de 12 a 21 anos incompletos em todo o

Estado de São Paulo. Tem a missão primordial de aplicar medidas socioeducativas. (www.fundacaocasa.sp.gov.br).

Acesso em 30/03/2015.

Page 29: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

7

Foi possível conhecer de perto e participar das sinas das mães com filhos usuários de

drogas, as quais saíam da escola noturna e perambulavam pelo bairro à procura de seus meninos.

Foi possível aproximar-me do cárcere, mesmo estando longe dele, com os relatos dos egressos da

Fundação Casa e também de alunos egressos do Sistema Penitenciário Paulista.

Com a Legislação modificada para a atribuição de aulas, passei a escolher minha carga

completa noturna na Educação de Jovens e Adultos na rede estadual e passei durante o dia a

coordenar o Núcleo de Apoio ao Professor e ao Aluno que é o espaço de formação dos

professores municipais de Bragança Paulista.

Procuro dizer que meu olhar de cruzamento de fronteiras da esfera municipal (na qual

ainda atuo) para a estadual ampliou meu campo de visão. Diante das particularidades de uma

esfera para outra, me interessou no mestrado compreender as falas que atravessam os discursos e

que perpassam os muros do município para o Estado, fabricando sujeitos através de seus

discursos. Interessou-me compreender o que faz com que discursos se tornem Verdadeiros e

outros não, principalmente quando o assunto é currículo. É possível ainda, a partir deste tema

problematizar de maneira não dicotômica (política/prática) processos que envolvem a seleção dos

conhecimentos, e de que forma a representação de aluno e Ciência definem essas escolhas.

A cada semestre letivo, novos alunos chegavam para compor as turmas e a temática dos

jovens ex institucionalizados sempre rondava minha sala. Muitos vinham discretamente verificar

se a chamada havia sido feita corretamente, já que deveriam encaminhar para o juiz o relatório

dos estudos porque ainda havia pendências com a Justiça.

O tempo foi organizando minhas ideias que apontavam para a vontade de compreender a

escola dentro da prisão e mais especificamente as marcas de seu currículo. Sensibilizada por

essas questões, no ano de 2010 apresentei o projeto de pesquisa na Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas para o Grupo VIOLAR (Laboratório de Estudos sobre

Violência, Juventude e Imaginário) e iniciei a pesquisa aqui apresentada no início de 2011.

O objetivo central da pesquisa é o de compreender como se configura o currículo de

uma escola dentro de uma instituição prisional. E sendo assim: busco compreender as

práticas cotidianas do ambiente escolar prisional e seu impacto no currículo, identificar

possíveis sentidos dados ao conhecimento pelos sujeitos em situação de privação de

liberdade e também analisar as demandas desses sujeitos no que se refere ao que deve ou

não ser ensinado na escola.

Page 30: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

8

Para que pudesse então compreender a configuração curricular no contexto prisional

precisei num primeiro momento mapear o campo. Isto significou um mergulho sobre os trabalhos

de pesquisa produzidos até então através do banco de teses e dissertações da CAPES3 e também a

literatura da área. Sobre as pesquisas produzidas, o banco de teses e dissertações localiza as

pesquisas do ano de 2010 até o momento. Em minha busca, utilizei a palavra prisão e obtive

cento e oitenta e três registros, sendo que a maioria dos trabalhos está dentro da área do Direito e

apenas oito na área de Educação. Essa lacuna nas pesquisas na área educacional pode ser

explicada pela dificuldade de acesso às unidades prisionais para a realização do trabalho de

campo e mais ainda a extrema burocracia para se conseguir a entrada do gravador para realização

de entrevistas. Após longa espera para acesso ao campo como detalharei logo no início do

trabalho e tendo conseguido a autorização para a gravação das entrevistas debrucei-me então ao

estudo da etnografia como possibilidade de descrever o cotidiano prisional.

Nesta pesquisa priorizei o trabalho de campo como o fio narrativo de toda a escrita. Optei

por não transformar a experiência riquíssima do campo em apenas um capítulo metodológico

com a intenção de contextualizar a pesquisa. Deste modo sua estrutura carrega ao longo dos

capítulos as análises decorrentes da “vida no campo”. Sobre a não separação da descrição dos

fatos e sua interpretação Silva (2006, p. 123) argumenta que a própria descrição já é em si mesma

uma interpretação circunstanciada pelas condições de observação. Outra razão em priorizar uma

estrutura narrativa não linear de texto foi a possibilidade que os dezoito colaboradores desta

pesquisa trouxeram em seus relatos, os quais me permitiram eleger os capítulos e suas temáticas

apoiada na literatura da área.

Utilizei a metáfora da pesquisa como uma navegação. E nessa navegação, a questão

problema que deu origem à “viagem” tem a pretensão de ser respondida por cada parada

(capítulo) deste texto que segue organizado desta forma: Visita na Casa!! procura evidenciar os

caminhos para a pré-inserção no campo e também a construção do percurso metodológico: as

opções realizadas, os recuos e as formas de inserção no cotidiano prisional. Depois dos navios

negreiros, outras correntezas... pretende situar o leitor na perspectiva da engenhoca

penitenciária e também a organização do sistema prisional estadual paulista, já que a pesquisa se

realizou dentro de um modelo proposto de unidade prisional chamado: Centro de

Ressocialização. O caleidoscópio curricular da educação prisional: entre giros e novos

3 www.capes.gov.br (Acesso em 15/05/2013)

Page 31: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

9

desenhos problematiza os discursos que atravessam documentos normativos e seus efeitos nas

práticas da Educação Prisional. Faces do caleidoscópio: movimentos, cores e imagens realiza

miradas pelos sentidos dados ao conhecimento dentro da escola na prisão, bem como aponta as

demandas dos presos para o processo educativo encarcerado. Faço paisagens com o que sinto!

congrega diferentes formas de expressão reunidas ao longo desses anos de estudo do tema para

somar às temáticas trazidas pelos capítulos. Lançar a âncora busca reconstruir o universo da

pesquisa evidenciando como a questão que originou este texto pode ser momentaneamente

respondida.

Page 32: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

10

Page 33: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

11

VISITA NA CASA

As pesquisas na área da Educação vêm desde a década de 80 procurando encontrar suas

formas próprias de conhecer as demandas e problemáticas atuais da escola brasileira e desta

forma escolhendo caminhos metodológicos que procurem compreender o universo instigante de

um cotidiano escolar. Mostram também que não se dá mais importância em tecer debates

divisórios entre aspectos vistos como dicotômicos: ou se faz uma pesquisa qualitativa ou se faz

uma pesquisa quantitativa. Procuro nesta pesquisa entender a palavra “método” como uma ação

que se dá a cada movimento ao longo do desenvolvimento deste projeto. Assim sendo, o método

enquanto experiência foi o (s) caminho (s), o (s) atalho(s) e o(s) esconderijo(s) que me propiciou

vivenciar o cotidiano de uma unidade prisional.

Como professora de rede pública me encantei pelo cotidiano das escolas que como bem

salienta Pais (2003) é o lugar de inovação, já que sua peculiaridade encontra-se justamente no

fato de ali interagirem seres humanos nas suas mais diversas subjetividades e expressões. Assim,

essa afinidade com a escola e com seu cotidiano entre mil aspas me levaram à escola do cárcere.

Pensar o funcionamento de uma escola dentro do cárcere requer a elaboração de fios que se

entrelaçam formando uma rede complexa de significados e ritos e faz com que o cotidiano

assuma formas muito particulares. É neste contexto que a escola se insere e é neste contexto que

eu me inseri. E sendo assim, mais instigante ainda se tornou esse cotidiano escolar e encarcerado.

Mal imaginava quando elaborei o projeto de doutorado que fazer pesquisa dentro de uma

instituição total no sentido goffminiano para o qual suas marcas centrais podem ser consideradas

como: uma ruptura com a sociedade por um período determinado de tempo, uma rotina fechada e

altamente administrada com um grupo de seres na mesma condição, iria me conduzir por

caminhos burocráticos sem fins. Para conseguir adentrar no campo a ser investigado, iniciei uma

longa trajetória burocrática: precisei tramitar a apreciação do projeto por dois Comitês de Ética

em Pesquisa, (Plataforma Brasil e Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria de Administração

Penitenciária) somados aos meses de espera por autorizações e pareceres, pedidos inúmeros para

refazer esta ou aquela parte do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) ou mesmo

justificar partes do projeto de pesquisa. Após esse tempo longo de ansiedade e expectativa, assim

que recebi o parecer de APROVADO de ambos os comitês decidi que narraria esse processo de

Page 34: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

12

pré-inserção ao campo pesquisado como forma de evidenciar as dificuldades que se colocam para

pesquisadores da área, a entrada aos “feudos” das unidades prisionais e a necessidade de entender

esse processo de pré-inserção como forma de dizer muito sobre o funcionamento e a lógica

dessas instituições. Umberto Eco (2007) diria que no desenvolvimento de uma tese nada é

movimento perdido, até as esperas sinalizam olhares para o pesquisador. Quando a tempestade

burocrática dos papéis passou procurei entender o quão importante se faz ao pesquisador se

atentar para essa “pré-inserção” ao campo como uma forma de análise. Além de perceber como

tudo isso nos traz indicadores para saber em que terreno chegamos como seremos vistos aos

olhos da comunidade pesquisada e a necessidade de aproximação a “conta gotas” para o

estabelecimento dos vínculos e afinidades.

Bragança Paulista, 13 de janeiro de 2012.

Como iniciar um diário de campo? De que forma elaborar impressões,

informações e sensações? Assim, resolvo por situar os bastidores desta semana

(9 a 13/01/2012), intitulada por mim como “Amanhã vai ser outro dia”4. Digo

isso porque na segunda- feira fui até a Delegacia da cidade para que o

investigador (conhecido de uma amiga) ligasse para a diretora do Centro de

Ressocialização, meu futuro campo... para agendar uma conversa comigo.

Percebi que na conversa ao telefone em minha frente entre os dois, a Diretora já

se adiantou que precisaria enviar o projeto para o Comitê de Ética da Secretaria

de Administração Penitenciária (SAP) para que eles autorizassem a

pesquisa,mas agendou a conversa para o dia seguinte (terça-feira), às

14h30min. Desse modo, me dirigi ao Centro de Ressocialização e ao interfonar,

aparece um Agente de Segurança perguntando, de longe, o que eu queria.

Quando disse que tinha horário com a diretora, ele logo adiantou que ela não

estava e que tinha ido a uma reunião em Campinas. Terminou, de longe,

dizendo que amanhã (quarta-feira) eu a encontraria.

4 Música de Chico Buarque “Apesar de você”, lançada em 1978.

Page 35: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

13

Virando as costas, frustrada, pois estava com muita expectativa, esperei

pelo dia seguinte. Logo pela manhã telefonei para ela que me disse não

conseguir me atender naquele dia. Estava com muito serviço, mas que amanhã

(quinta-feira) poderia. Novamente, ainda cedo ligo para ela e, rapidamente, me

diz que não poderia falar comigo naquele momento, que estava em reunião e

que ligasse depois do almoço. As horas pareciam não passar e quando o relógio

apontou 14:00h, telefonei... Novamente a negativa: “Hoje não consigo te

atender... Pode ser amanhã às 10:00 h?” Nisso, a semana já chegava ao fim e

afinal de contas, era sexta-feira 13... Sim... sexta-feira 13. Confesso que a

noite que antecedeu a sexta-feira 13 foi uma noite bem mal dormida: creio que

a expectativa se mistura mais uma vez com a negativa da entrada a campo. Nas

duas vezes presenciais que estive por lá essa semana estacionei o carro na rua

atrás do Centro de Ressocialização, em frente à casa da mãe de um amigo da

faculdade. A rua do CR5 possui alertas indicando se tratar de “Área de

Segurança” e sendo assim entram apenas os carros oficiais e os caminhões de

entrega. (ao longo da pesquisa de campo, meu carro também pôde ficar lá!).

Quando caminhava pela calçada de acesso, notei o barulho daquelas máquinas

“VAP”6 de limpeza e a água que escorria pela calçada. Toquei o interfone e logo

apareceu um Agente de Segurança que apertou o botão de controle do portão

liberando a passagem para a área externa. Entrei e subi umas escadas que dão

acesso à portaria e fui cordialmente recebida por Marcelo que vestia o uniforme

da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). Eu disse que tinha horário

com a diretora e deste modo, do telefone da portaria informou-a sobre minha

presença. Logo que desligou me disse: “Ela pediu para eu ficar conversando

com você enquanto ela não pode te atender”. Pediu minha identidade que

permaneceu na portaria durante o tempo em que estive lá dentro. Logo,

Marcelo me pergunta: “Vai trabalhar com a gente?” Expliquei rapidamente o

que pretendia fazer e passei a receber dele uma série de informações

interessantes, enquanto me servia o café. Marcelo trabalha no CR desde 2003, 5 A partir deste momento utilizarei ao longo do trabalho a abreviação CR para Centro de Ressocialização.

6 São máquinas de alta pressão utilizadas para lavar espaços diversos.

Page 36: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

14

quando implodiram o Carandiru, local em que trabalhava. Segundo ele: “saí

junto com a poeira”. Disse também que ali no CR todos eram obrigados a

trabalhar e estudar. Comentou que em dois mil e nove o CR já chegou a ter

quatrocentos presos e hoje, pega o formulário da parede: 13/01/2012 está com

duzentos e vinte e um. O papo segue enquanto tomamos o café adocicado.

Conta também que atualmente existem apenas duas oficinas

profissionalizantes e corre pegar as embalagens plásticas descartáveis para

festa (garfos e colheres). Os presos tem que contar e embalar. E a segunda

atividade é da empresa TYCO7, locada também em Bragança Paulista e o

serviço oferecido é o de passar óleo numas peças. Conclui: “esse tipo de

trabalho só atrofia mais o cérebro”.

Ainda na portaria, tomando o café na caneca de plástico com Marcelo, ele

diz que a FUNAP- Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel abre

cadastro para monitores da Educação. Explica que podem ser alunos que estão

cursando a Universidade, mas que ninguém para. Disse também que o

monitor-preso é quem mais ajuda os alunos. “Um ajuda o outro!” Nas suas

conversas pelos corredores com os presos, o agente diz escutar reclamações dos

alunos de que “ou o monitor-preso só lê ou só escreve.” Puxa um livro que

estava por perto, que é usado pelos alunos e finaliza: “Não tem um programa,

algo que estimule a usar a biblioteca, por exemplo”.

Em meio a essa enxurrada de informações sobre a escola e o trabalho

oferecido pelas empresas ali dentro, alguns presos passavam com papéis na

mão ou descarregavam o caminhão dos tais garfinhos que seriam embalados.

O tempo ia passando e nada da Diretora me chamar... será que esqueceu

que eu estava ali à sua espera? Marcelo puxa uma cadeira e sento. Na portaria,

o detector de metais (Raio-X), sulfites impressas em computador com avisos

para manter a porta fechada e com a contagem em número dos talheres da

cozinha. Um mural repleto de ofícios, autorizações de entrada (quando será que

7 Tyco é uma empresa com sede nos E.U.A e seus negócios abrangem diversos setores dentre os quais: óleo e gás,

mineração, siderurgia, infraestrutura entre outros. (www.tyco.com.br) Acesso em 20/12/1014.

Page 37: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

15

a minha estaria lá pregada também!!!) e cópias para ciência dos funcionários de

atenção redobrada com certos objetos em dia de visita.

O telefone da portaria toca. É a diretora avisando que posso me dirigir à

sua sala. Cruzei a área externa em direção ao outro prédio, possivelmente o

local em que funciona a parte administrativa do CR. Na sala da frente, Solange

me aguardava. A conversa foi rápida. Apresentei-me e falei do projeto. Mais

uma vez ela frisou sobre o Comitê de Ética da Secretaria de Administração

Penitenciária e de que precisaria esperar pelo resultado para iniciar a pesquisa.

Pediu que eu a mantivesse informada sobre os trâmites, já que nunca havia

vivido uma situação de pesquisa ali dentro. Despedi-me com o compromisso de

avisá-la sobre os próximos passos com o Comitê. Na saída de sua sala passo

pelo lugar em que os garfinhos e colheres eram descarregados pelos presos.

Pelo caminho cumprimento um e outro e a resposta sempre padronizada: “Bom

dia senhora!”.

Aceno de longe para Marcelo. Ele abre o portão da saída. Mal consigo

imaginar que consegui estabelecer meus primeiros vínculos com o lugar em que

passaria semanalmente por oito meses.

De janeiro a agosto de 2012...

Os meses que antecederam minha inserção à instituição penal pesquisada foram marcados

pelas demandas solicitadas aos dois Comitês de Ética em Pesquisa citados anteriormente.

Dividia-me entre as exigências do Comitê de Ética em Pesquisa da Plataforma Brasil, o qual se

vincula ao Ministério da Saúde. Para se ter ideia, em um dos itens solicitados pela Plataforma

Brasil tínhamos que colocar como instituição proponente a Faculdade de Ciências Médicas da

UNICAMP e não havia opção para a Faculdade de Educação, local em que a pesquisa está

associada. No preenchimento dos formulários online muitas vezes itens que mostravam um

desencaixe entre o que era solicitado e os objetivos desta pesquisa na área de Ciências Humanas.

Ao mesmo tempo, o Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Administração Penitenciária

(SAP) que não estava vinculado na época ao da Plataforma Brasil e sendo assim exigia outras

solicitações e demandas. Neste comitê as reuniões eram mensais e, portanto as devolutivas eram

Page 38: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

16

realizadas por email entre uma reunião e outra. A entrada dos documentos foi realizada em

fevereiro de 2012, mas como a reunião mensal já havia sido realizada foi dada a entrada do

projeto no Comitê somente em abril. Depois da entrada, aguardava o trâmite mensal das

devolutivas, ora solicitando alguma modificação no projeto, ora solicitando um novo reenvio dos

documentos, já que o timbre da folha do documento havia sido mudado e, portanto, eu teria

também que mudar e reenviar novamente. A cada parecer aumentava a sensação de que seria

impossível o acesso ao campo e a realização da pesquisa. Os meses se passavam e havia a

preocupação com o tempo de realização do trabalho... Solicitações como as que seguem abaixo

foram retiradas dos emails nos meses em que o projeto tramitava no comitê da SAP:

- Você NÃO usou o modelo de TCLE disponível no site. Caso queira manter seu modelo -

e esta é uma opção sua, garanta que todos os itens - exigidos estejam presentes em seu TCLE. A

indicação é que siga o modelo do CEPSAP.

- Detalhamento nos procedimentos do tempo médio das entrevistas a serem realizadas

com os participantes e uma estimativa do número total delas ao longo do tempo da pesquisa.

- Informar como procederá para realizar a atividade de observação e se existirem

aspectos específicos a serem observados, quais seriam eles. (mantive os negritos do email

recebido)

Quando consegui a aprovação do parecer da SAP (19 de julho de 2012) outra questão se

colocava: não poderia me inserir no campo antes que o juiz da Vara de Execuções Penais de

Bragança Paulista assinasse sua autorização para minha entrada. Deveria aguardar essa assinatura

para o inicio do trabalho de campo. Como não recebia a devolutiva e o mês de agosto já se

iniciava, liguei para o Comitê da SAP para saber o que estava acontecendo. Uma das funcionárias

que cuidava dos trâmites burocráticos do comitê havia me informado que a folha para a

autorização do juiz já se encontrava na Vara de Execuções Criminais. Ligo para a Vara de

Execuções Criminais e converso com a Secretária do juiz que me diz que não havia recebido

folha nenhuma para autorização de pesquisa.

O que fazer? Afinal, onde estava a folha de autorização? Decido ligar novamente para o

Comitê da SAP e informar o ocorrido. Diante do fato, a funcionária se dispôs a ligar diretamente

para a Vara de Execuções Penais para resolver a situação. Recebi seu retorno por telefone

dizendo que a folha havia sido perdida no meio do mundo dos papéis e que poderia ligar para lá

Page 39: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

17

direto para saber quando o juiz iria assinar sendo que a responsabilidade pelo envio da

autorização para a Diretora do CR seria da Vara de Execuções Penais. Sendo assim, meu último

procedimento era ligar para a Diretora do CR para saber se havia recebido a folha de autorização

do juiz e combinar minha entrada no campo.

Entre a autorização da SAP, a folha perdida e o recebimento da autorização pela diretora

mais um mês se passou. Deste modo, meu primeiro dia de pesquisa de campo foi 24/08/2012.

Finalizou-se a tempestade burocrática e iniciou-se outra tempestade... bem mais interessante e

curiosa... a de encarar a tempestade num mar aberto e desconhecido...

Navegar é preciso8

Lançar-se em mar aberto... essa foi a sensação de pisar pela primeira vez dentro de uma

instituição penal. Afinal, o que sabemos nós sobre o que acontece atrás das muralhas?

Somos informados pela mídia sobre essa outra sociedade quando são disparados “choques

imagéticos” (TURCKE, 2010) que produzem um imaginário coletivo de que o modo de vida

intramuros deve ser cada vez mais objeto de repressão por parte da polícia porque se trata de uma

população não civilizada para a qual a palavra “direitos” não está associada.

E agora, lá estava eu... com meu caderno de campo, na sala da diretora geral do CR para

participar da formatura da primeira turma do curso de salgadeiro9. A diretora esperava as

responsáveis pelo convênio do SENAI para que a formatura tivesse início. Telefonaram da

portaria da sua sala avisando que as responsáveis já se encontravam por lá. Dirigimos-nos até a

entrada e neste dia por estar com a diretora não passamos pelo raio-X10

, o que ia se tornar minha

rotina obrigatória e me fazer aprender com que roupa ir para não apitar.

Após o raio-x, o primeiro portão de ferro é aberto pelo agente da portaria. Ficamos entre

dois portões e assim quando o primeiro foi fechado, o segundo foi aberto por um preso

responsável pela “tranca”. Essa função é chamada de “galeria”11

. Logo, o terceiro portão se abre

8 PESSOA, Fernando. Navegar é preciso. L&PM Editores, 2000.

9 O convênio para a realização do curso fora realizado entre CR e SENAI (Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial) para um grupo pequeno de reeducandos. (esse é o nome utilizado dentro do

Centro de Ressocialização). 10

Aparelho que faz a detecção de metais. 11

Galerias são presos escolhidos geralmente pelo Diretor de Segurança e Disciplina e realizam diversas atividades

para além da “tranca”. A função representa algumas vantagens, tais como: a circulação irrestrita pela Unidade inteira,

Page 40: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

18

e descemos umas escadas para sair no refeitório... sem janelas... Continuamos a caminhada e

passamos por mais um portão que também é aberto por mais uma “galeria”. Subimos mais um

lance de escadas e chegamos a um corredor com três salas, duas em que funcionam salas de aula

e dentro de uma delas a biblioteca também e a outra vazia à espera da Sala de Leitura.

Ao chegarmos à sala maior em que funciona a biblioteca, as cadeiras estavam arrumadas

em fileiras com uma mesa à frente. A diretora pede a um dos presos para chamar o restante para

dar início à formatura porque está cheia de coisa pra fazer. Enquanto os presos não chegam,

outros funcionários aparecem e a diretora me apresenta para o Diretor de Segurança e Disciplina

e o Diretor Administrativo: “Olha gente, ela vem fazer pesquisa aqui com a gente,

mas tá tudo certo, viu! Ela já falou até com Deus pra conseguir a autorização”.

Eles me cumprimentam e sento na última fileira das cadeiras. Minutos depois a fila

indiana com os formandos do curso... calça bege, camiseta branca e mãos pra trás... a cada

entrada na sala: “Licença, senhora!”, mãos pra trás e cabeça baixa. Foram sentando nas

últimas fileiras e deixando a primeira livre. Foi quando o diretor de Segurança e Disciplina disse:

“Essas cadeiras são pra vocês sentarem. Venham pra frente”.

Feita a nova disposição, a diretora faz a abertura e fala sobre o curso enfatizando o

privilégio que tiveram ao realizarem o curso e o quanto o SENAI tinha restrição em realizar o

convênio. Ao que indicava sua fala a restrição era por ser a primeira vez que o SENAI na cidade

de Bragança Paulista iria colocar o curso em funcionamento dentro de uma unidade prisional e

com isso teria que levar a professora do curso de salgadeiro para lá. A diretora aponta para a

professora que estava ali presente e relembra: “Lembra o primeiro dia que você entrou

aqui pra dar aulas pra eles... tremia igual vara verde”. A professora sem graça

concorda e diz que depois que entrou ali e conheceu o ambiente mudou a visão que tinha sobre

eles. Terminada a abertura da diretora, quem toma a palavra é o diretor de Segurança e

Disciplina: “Errar é humano, mas a oportunidade chega. Eu quero que cada um

de vocês se levante e venha até aqui à frente e diga o que este curso

representou para vocês”.

Os formandos se mexem nas cadeiras... tímidos... nervosos... e assim cada um dos oito

se levanta e dá uma palavra... geralmente olhando para o chão. As palavras giraram em torno do

acesso ao “corpo dirigente” sem necessidade de ofícios e automaticamente uma posição assimétrica perante os outros

presos. Redigi essa nota com base em “conversa de corredor” com um deles.

Page 41: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

19

aumento da autoestima, de que nem tudo está perdido e agradecimentos à equipe do CR. Antes da

entrega dos certificados notei que a máquina fotográfica estava parada em cima da mesa e

perguntei à diretora se ela gostaria que cuidasse dessa parte. Ela adorou a ideia e me entregou a

máquina. Feita a entrega dos certificados (registradas por mim) ...chegam os salgados em

bandejas e são colocados na mesa da frente. Entre eles começaram as brincadeiras, do tipo:

“Quem fez o bolinho de queijo?” “e a esfiha”?

A diretora experimenta um salgado de cada, se despede dizendo que tinha muitos afazeres

e os outros dois diretores também. A professora do curso e a responsável pelo convênio também

se vão.

Fico ali meio sem rumo, no mar ainda desconhecido... comendo os salgados que por sinal

estavam deliciosos. Alguns agentes aparecem pra saborear os salgados e sempre permanecia um

ali como que o responsável pelo grupo de presos reunidos. O agente chama alguns presos pelo

nome e pede que comecem a organizar e limpar o espaço que fora utilizado para a entrega dos

certificados. Rapidamente, o espaço já retoma a sua forma de sempre: uma sala de aula com

carteiras enfileiradas, a mesa do monitor-preso à frente da lousa e uma cadeira. Logo que

finalizam a arrumação, a boia (almoço) que começa a ser servida a partir das 11:00 h da manhã

dentro do CR, com o grito lá debaixo por um dos galerias: “Olha a boiaaaaaaaaaaa!” e

sendo assim, o agente desce com a fila indiana.

Depois que todos saíram me preparo para descer também pensando que não saberia sair

dali sozinha...quando, aparece Lúcia, a Assistente Social. Sorridente, chega perguntando se ainda

sobraram salgados. Me apresento a ela e iniciamos um bate-papo. Enquanto isso faço a segunda

rodada de salgados. Sentamos ao lado da mesa e ela me conta que é funcionária da Prefeitura

Municipal de Bragança Paulista, da Secretaria de Saúde, desde 1995. Trabalhou na Secretaria de

Desenvolvimento Social até 2009 quando foi “emprestada” para o CR. Pergunto a ela sobre seu

trabalho e logo me responde com inúmeras perguntas: “Serviço Social é política pública,

mas me colocaram aqui e aí? Qual o papel da Secretaria de Administração

Penitenciária (SAP)? Cadê o serviço social da SAP? Onde está a equipe técnica

da SAP? Eu aqui fico como menina de recados porque meu papel tem sido fazer

o contato com a família do preso quando ele chega, mas muitos não querem.

Faço uma triagem que se você visse as cinco folhas que eram... resumi em

uma folha só... são perguntas pra saber de onde veio, família e outros dados.

Page 42: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

20

Aqui eles tem que fazer ofício pra falar comigo quando querem e eu quando

sinto necessidade chamo também.”

Olhou para o relógio. Eram 11:50 h. “Vamos embora?” Lúcia me guia por entre os

corredores e chegamos à saída.

Quando piso na rua e o portão de saída se fecha, entro no carro e fico minutos em silêncio,

sem pensar em nada. Quando dei por mim, o estômago me trouxe à realidade: Como diriam os

galerias: “Olha a boiaaaaaaaaaaaa!”.

A navegação...

A elaboração dos mapas, que conduziram o caminho da navegação pelo mar aberto da

pesquisa, tinha desde o início a ideia de que a etnografia enquanto um modo de produzir

conhecimento me daria sustentação para ancorar em terra firme. Nesse sentido, me lancei a mar

aberto com a seguinte pergunta: “Como se configura o currículo de uma escola dentro de uma

instituição penal?” E parti com essa indagação na mala, disposta a acompanhar o percurso da

viagem, estabelecendo conexões pelos lugares em que a navegação me conduzia. Sendo assim,

busco compreender as práticas cotidianas do ambiente escolar prisional e seu impacto no

currículo, identificar possíveis sentidos dados ao conhecimento pelos sujeitos em situação de

privação de liberdade e também analisar as demandas desses sujeitos no que se refere ao

que deve ou não ser ensinado na escola. Assim, durante a navegação, a construção dos mapas

da realidade pesquisada foram me mostrando o sentido de seus contornos e linhas. A realidade

prisional me afastava cada vez mais de se mostrar apenas como rotina e me alertava que tudo

“não passa de um concentrado de significação, de saber e de poder.” (PASSOS et al, 2009, p. 10)

A entrada em campo num primeiro momento me fez imergir em uma realidade muito

pouco conhecida e muito peculiar por se tratar de uma instituição em que a disciplina no sentido

foucaultiano (dos saberes e corpos) opera num curto circuito que mantém a instituição penal em

funcionamento. Poderíamos entender que a disciplina é naturalizada e exercida não em polos

dicotômicos (corpo dirigente/ condenados), mas numa relação muito mais complexa e rizomática.

Logo, eu também fazia parte desse rizoma, dessa rede em que as pistas que ia encontrando pelo

caminho produziam sentidos para a produção dos dados da pesquisa.

Page 43: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

21

No início do processo de vivência do campo deixei-me levar pelo balanço do barco

usando ferramentas para cuidar de meu olhar. Assim, fui tomando com documentos que estavam

sempre sobre a mesa da escola. Prontuários criminais, tabelas de registro da frequência dos

presos à escola e da biblioteca. Precisei deixar de olhar para o campo com o olhar de professora e

aprimorar o olhar da pesquisadora. Digo isso, pois a presença semanal em campo inicialmente

produzia em mim um turbilhão de experiências pessoais e me abriam para um leque de

observações que pareciam a princípio desconexas. Esse primeiro impacto e esse “gesto de deixar

vir” (letting go) (KASTRUP, 2009, p. 21) foi essencial para que pudesse no momento das

entrevistas proceder à seleção dos colaboradores. E ainda, embrenhar-me no emaranhado de

significados, gestos, olhares, palavras e silêncios para que o problema da pesquisa se tornasse

mais concreto.

Para que pudesse compreender o funcionamento da escola no cárcere e mais precisamente

a configuração de um currículo neste ambiente propus-me a participar12

das aulas por oito meses.

Assim, logo após a formatura do curso de salgadeiro, voltei na semana seguinte para rastrear o

funcionamento da escola, horários e antes de participar das aulas, realizar contato e estabelecer

vínculo com os monitores-presos (professores). Relatarei mais da especificidade da escola no

cárcere numa próxima parada do barco. Por enquanto, meu foco é mostrar como o mapa da

pesquisa se constituiu, seus contornos, pontos e paradas já que acredito que mostrar o modo como

a pesquisa se constituiu e emergiu colabora para o entendimento de como a análise vai

aparecendo gradualmente ao longo do texto.

31/08/201213

Tentativa do 2º dia de campo

Ao chegar pela manhã, estranhei o silêncio na parte de fora do prédio.

Não havia presos trabalhando como tinha presenciado nos dias de “pré-

inserção” ao campo. Uma funcionária abriu o portão, porém me comunicou que

12

Uso a palavra “participar” por entender que a minha presença constante nas aulas não foi a de mera

observadora e fui requisitada em muitas situações a intervir manifestando minha opinião sobre o assunto,

tirando dúvidas e mesmo assumindo algum direcionamento de atividades realizadas. 13

Selecionei algumas datas do diário de campo para compor o texto. Estas datas não seguem a sequência

da minha presença. Foram escolhidas com o propósito definido para a montagem do sentido discursivo

deste capítulo.

Page 44: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

22

“hoje era dia de Blitz”. (possui o objetivo de revistar as celas buscando objetos e

materiais considerados ilegais) Isto significa que ninguém pode entrar e sair do

prédio até o horário em que a operação é terminada. Pedi então para conversar

com a diretora e permaneci sentada na parte de fora a aguardando. Ela me

recebeu, sem graça, pedindo desculpas por não ter me avisado. Explicou que

resolveram fazer isso pela manhã de hoje por conta de uns “probleminhas” que

tiveram. Disse-me que este era um procedimento mensal ou quando há a

necessidade.

Hoje o campo foi “interceptado” por questões próprias da lógica de

funcionamento da instituição. Logo, as aulas também foram suspensas.

Escrevo no diário de campo dentro do carro e termino assim: E o calendário

escolar proposto? Como fazê-lo funcionar num espaço educativo tão peculiar?

O ato de escrever no balanço do barco

A escrita do diário de campo durante a pesquisa se deu de forma bastante produtiva. Mas

cabe ressaltar que desenvolver uma técnica de escrita que procurasse não perder foi uma

construção gradativa. De acordo com Weber (2009) é através do diário de campo que se exerce

plenamente a “disciplina” etnográfica. Para o autor, o diário de campo é a oportunidade do

pesquisador estabelecer as conexões entre as práticas vividas pelo grupo pesquisado. Além do

mais circunscrever a escrita do diário de campo num ambiente penal requer elucidar a relação de

poder que esta possui na vida dos presos, que é desempenhada por toda a aparelhagem judicial.

Nesse sentido, tive que ter bastante cautela quando introduzi essa ferramenta no meu cotidiano

para conquistar a confiança dos colaboradores e de certo modo uma familiaridade com minha

presença atrelada ao diário.

Foram poucas as vezes em que deixei para registrar as experiências vividas depois de

deixar o Centro de Ressocialização. Quando sentia que não era o momento de escrever procurava

uma brecha para o registro. Na parte externa do CR em que funciona a parte burocrática há um

sofá e nos intervalos entre a aula da tarde (17:30 às 19:00 h) no 2º semestre de 2012, quando não

saía para a rua para depois retornar, sentava por lá e redigia o que achava interessante. O sofá me

Page 45: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

23

rendeu muitos insights e nas pausas me ajudava a construir o caminho metodológico mais

adequado para lidar com as mais diferentes situações. A entrada em campo ainda não estava livre

como imaginei. Após o dia da Blitz volto para o 3º dia de campo:

Ao chegar e interfonar me reapresentei do portão e solicitei a Direção. Ela

não se encontrava e então os dois funcionários da portaria iniciaram uma

discussão entre eles e eu continuava do lado de fora. A funcionária dizia: “Ela

não pode entrar”. O outro retrucava: “Deixe-a entrar”. Ela continuava: “Mas não

tem lugar pra ela ficar aqui.” Resolvi intervir dizendo que o diretor

administrativo sabia da pesquisa (pois havia sido apresentada a ele no curso de

salgadeiro).

Percebi que o funcionário saiu à procura do diretor administrativo.

Enquanto isso, debaixo de um sol (e que sol!) permaneci em frente ao muro de

entrada. Passados uns dez minutos, o diretor administrativo abre o portão e

pede para eu entrar. Na recepção estava ainda a funcionária que não queria

minha entrada. Me apresentei a ela dizendo da minha frequência semanal por

conta da pesquisa. Entreguei o RG e fui levada para a antessala da diretora que

não havia chegado. Foi nesse dia em que descobri o sofá preto... companheiro

de escrita, angústia, insights e divagações... Infelizmente mais um dia em que

não consigo entrar para a área interna do CR. Fico imaginando que a pesquisa

acontece num ambiente com duzentos e quarenta pessoas presas e a própria

estrutura (são apenas dois anexos) parece ser mais dinâmica, pois mesmo

tendo que esperar, foi possível localizar o diretor administrativo para me

permitir a entrada. A diretora chega e ao me encontrar pede que eu a aguarde,

pois tem que mandar um relatório até às 9:00h da manhã. Estou esperando!

(mais uma vez!)

Após ser chamada pela diretora solicito a ela a possibilidade de fazer uma

autorização permanente para que possa iniciar minha participação nas aulas

semanalmente, e para que quando ela não esteja por lá, todos os funcionários

saibam quem sou e o que faço no espaço. Ela me pediu uns dias pra fazer

porque estava muito atarefada pelo fato de que “tenho poucos funcionários

Page 46: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

24

para realizar todas as questões daqui”. Fiquei de ligar antes pra assegurar que

a autorização estivesse lá no mural junto com todos os outros infinitos

informativos, plantões, contagens e etc...

Numa perspectiva etnográfica a produção dos dados através do diário de campo ganha

muita importância, pois ao descrevermos o que vimos, ouvimos e observamos colocamos na

escrita muitas das vozes presentes no campo. Essas outras vozes fazem com que o diário de

campo seja entendido como um texto polifônico no sentido atribuído por Bezerra (2005, p. 194)

para o qual “o que caracteriza a polifonia é a posição do autor como regente do grande coro de

vozes que participam do processo dialógico”. Sendo assim, a produção dos diários de campo

durante os oito meses da pesquisa procuraram trazer essas vozes como partes fundamentais no

processo de descoberta do território.

Conforme apontei acima, a escrita como forma de uso e abuso do poder pela aparelhagem

judicial se faz presente nas mínimas ações de um estabelecimento penal. E obviamente o fato de

ter uma pesquisadora dentro do ambiente trouxe, de início, para os funcionários e presos uma

desconfiança sobre minhas intenções e ações elucidadas num trecho do diário de campo que

transcrevo abaixo:

O quarto dia de pesquisa de campo foi diferente, pois havia ligado

anteriormente para confirmar a minha autorização de entrada no mural da

unidade. Cheguei mais animada e confiante de que a entrada hoje seria

possível e estaria resolvida quanto aos impasses de acesso. Desta forma, ao

chegar e interfonar entrei para a portaria. O agente de plantão pegou meu

documento e apontou a autorização da minha entrada fixada no mural. E

pergunta: “Mas essa sua pesquisa é sobre o tratamento com presos?” Expliquei

que se tratava de uma pesquisa na escola. Que meu objetivo não era entender o

modelo do Centro de Ressocialização, mas sim compreender o funcionamento

da escola e seu currículo. A resposta que obtive foi: “Eu não sou uma pessoa

boa pra você conversar. Não acredito em ressocialização de preso”.

Pela primeira vez faria o procedimento padrão para entrar na unidade:

passar pelo raio-X. Logo quando passei, o equipamento apitou. O agente já me

olhou com um ar de reprovação... Pediu para eu voltar e passar novamente e

me perguntou se não tinha nada no bolso da calça ou mesmo se a calça não

Page 47: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

25

tinha botão de ferro. E não tinha nada! Até os brincos eu já havia tirado

pensando nisso. Voltei e apitou novamente... Foi quando o agente me diz: “É

melhor pra nós dois você tirar a sandália. Porque se aparece um celular lá

dentro, já viu, né? Não tem mais pesquisa, não!!!”

Segui as recomendações. Tirei as sandálias e passei descalça pelo

equipamento. Desta vez não apitou. Provavelmente a sandália tivesse no solado

algo de ferro que fazia com que o raio-x apitasse.

Depois que passei no raio-x, os percursos e procedimentos vividos

quando entrei junto com a diretora geral para a formatura do curso de

salgadeiro, se repetiu. Porém com algumas diferenças: a primeira delas que

permanece até hoje é que quando o agente abre o primeiro portão e entro num

primeiro espaço, permaneço fechada e o segundo portão só é aberto por um

galeria quando o outro é fechado pelo agente. Esse é um procedimento padrão

de entrada na unidade. A segunda diferença é que quando qualquer pessoa que

não seja funcionário da unidade chega para entrar no anexo, inicia o telefone

sem fio. O galeria que abre o segundo portão grita alto para o anexo inteiro

ouvir: “VISITA NA CASA!!!” e após o grito abre o portão para eu entrar. Passo

pelo terceiro portão aberto também por outro galeria e desço as escadas rumo

ao refeitório. Quando passo pelo refeitório, o próximo portão de

responsabilidade de outro galeria quando me avista continua o telefone sem fio:

“VISITA NA CASA!!!”. Deste último portão tenho acesso às escadas em que

funcionam as duas salas de aula deste anexo.

O objetivo do telefone sem fio é para o anexo todo escutar de que há visita

na casa e evitar que presos circulem sem camisa pelos corredores e se lembrem

de que quando a visita vai passar é preciso colocar as mãos pra trás, abaixar a

cabeça e esperar a visita passar. Caso a visita pare para conversar com alguém

no corredor, o preso deve ter o mesmo procedimento para passar pela visita e

acrescentar: Licença, senhor (a).

E assim, de repente lá estava eu, sozinha, na sala de aula em que

funciona também a biblioteca. Esta sala, por ser maior comporta no seu fundo,

Page 48: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

26

separada pelas prateleiras dos livros da biblioteca, um pequeno espaço com um

computador (obviamente sem internet), um pequeno mural e uma mesa com

duas cadeiras. Ali ficam os monitores-presos (professores) no intervalo entre as

aulas e é também o espaço em que o “Setor da Educação” (como é chamado

pelos presos) da unidade funciona. Neste computador são atualizadas

diariamente as tabelas com a população prisional (que muda praticamente todo

dia) por conta da entrada e saída constantes, o número de presos estudando e

a remição por estudo14 que é mandada para o Juiz da Vara de Execução

Criminal. Tudo isso vim a saber com o tempo... porque como dizia antes de

descrever o espaço do “Setor da Educação”, estava sozinha e teria que me

apresentar para os monitores-presos, os quais foram parceiros fundamentais

para a minha livre inserção no campo. Muito mais importante do que a

autorização fixada na entrada da portaria, foram eles que me ajudaram a ser

aceita entre os outros presos. Dessa forma, quando cheguei encontrei os dois

monitores-presos (Robinson e Leão) sentados em frente ao computador

realizando a demanda de documentos citados acima. Logo que apareci os dois

se levantaram como o “proceder” manda e o “Bom dia senhora” de praxe.

Cumprimentei-os e eles permaneciam em pé com as mãos para trás... e eu

incomodada pedi que ficassem à vontade e se sentassem.

Iniciei a conversa perguntando a eles se já estavam sabendo da pesquisa

e da minha presença ali. Disseram que o diretor de disciplina havia

comunicado de uma pesquisa de uma moça, mas sem detalhes. Brevemente

expliquei qual era o meu foco, mas dei mais importância nesse primeiro contato

em posicionar-me como uma professora de Educação de Jovens e Adultos,

interessada em conhecer o currículo de uma escola situada dentro de um

estabelecimento prisional. Contei da minha pesquisa de mestrado com

operários de uma construção civil e descrevi para eles o que pretendia fazer ali

por oito meses. Os dois me olhavam atentos e extremamente solícitos. Desde

esse nosso primeiro contato firmamos uma parceria incrível e uma relação de

14

Elucidarei a questão da remição da pena por estudo em outro momento do texto.

Page 49: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

27

confiança. Tanto que combinei com eles que antes de participar das aulas

gostaria de conversar individualmente com eles para que me contassem como

“viraram professores”, suas dificuldades na docência e sobre o que achassem

interessante me falar. Além do mais, aprendi rapidamente que minha aceitação

no ambiente pesquisado dependia muito mais das relações sociais que ia

estabelecendo do que qualquer explicação que pudesse me desdobrar a dar.

Nesse sentido, foi fundamental esse elo estabelecido com esses dois

monitores-presos desde o primeiro dia. Foram eles que me ensinaram como

“proceder”, a perceber ritos, sinais e desvendaram para mim códigos específicos

daquela comunidade.

Quando o grito do galeria chegou: Olha a boiaaaaaaaaaaa!!!

Interrompemos a conversa e descemos conversando. Perguntei qual era o

melhor horário no período da tarde para que pudesse voltar para conversarmos.

Eles me acompanharam até o penúltimo portão, porém antes de chegar até lá

passei pelo refeitório fechado, a boia sendo servida e uma fila imensa de calças

bege e camisetas branca. Passo acompanhada pelos monitores-presos e atraio

olhares baixos e tímidos para observar quem é a estranha no ninho. O cheiro

do refeitório impregna minha roupa desde esse dia até o último em que estive

no CR. O cheiro da comida misturado ao da população reunida em ambiente

fechado aparece no meu nariz mesmo quando passo pelo refeitório e não é hora

da boia. A prisão provoca experiências olfativas, visuais e auditivas bem

específicas... cheiro de gente reunida, cigarro, liquidificador, radio ligado, calça

bege, camiseta branca, cabeça rapada, mãos para trás, com licença senhora,

ferro que bate, cadeado fechando, vozes reunidas no pátio, o esporte com

garrafas PET cheias de água em forma de barra de academia de ginástica,

barulho de dominó, os gritos dos galerias, do telefone sem fio e também o

barulho incessante durante o dia da contagem dos garfinhos para serem

embalados pelos presos. Na saída, pego meu documento na portaria e aviso ao

agente que voltarei à tarde.

Page 50: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

28

Quando entro no carro para ir para a minha boia me coloco a pensar sobre o processo da

investigação num ambiente tão marcado por rituais, rotinas e tempos tão demarcados. De modo

que a etnografia defendida por Geertz (1978, p. 15) colabora para o entendimento de “processo”

ao colocar que: “praticar etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever

textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário de campo, e assim por diante”.

A escolha pela etnografia me permitiu acompanhar a processualidade de ações tão

peculiares e próprias da comunidade pesquisada. E o mais interessante e instigador é que essas

experiências vividas iam configurando o método, revelando em que deveria apostar e o que

deveria deixar de lado para compor o estudo.

Sendo assim, a questão da escrita do diário de campo é uma ferramenta central para a

prática da etnografia, já que possibilita registrar as “teias de significado” com os quais os grupos

se “prendem” à sua cultura. (ibid, p. 15) Desta forma, o registro escrito objetivou traçar o

caminho da navegação dos lugares por onde nunca havia passado, mas que já existiam e eram

habitados.

Uma preocupação, conforme apontei acima, era com a maneira com que os monitores-

presos, os quais foram os primeiros a fazer parte da rede de contatos ali dentro, iam “aceitar” o

diário de campo por conta do peso que a escrita tem neste espaço. Afinal, o diário de campo

estaria sempre comigo e sendo assim, toda informação escrita poderia ser vista por eles como

uma forma de incriminá-los frente aos diretores da unidade. Esse “peso da escrita” como forma

de abuso de poder é muito comum dentro dos estabelecimentos penais, já que tudo o que aparece

escrito no prontuário do preso pode ser usado contra ele pelo juiz no momento de sua condenação

final. Foucault (2010) já sinaliza esse “poder da escrita” como fundamento para o funcionamento

das técnicas disciplinares. Preocupada com essa questão, procedi da seguinte maneira. Marquei

com eles, individualmente, uma primeira conversa para que me contassem como “viraram

professores” ali dentro e sobre outras coisas que julgassem conveniente me falar. Logo de início

coloquei que ia escrever rapidamente no diário de campo, tomando notas do que eles me falassem

e no final gostaria de ler as notas para que me ajudassem a revisar o que havia escrito. Foi desta

forma que iniciei a primeira conversa com Leão. E ele resolveu me contar um pouco da sua

trajetória de estudos e profissional para depois entrar na questão da prisão e da seleção para se

tornar um monitor-preso. Procedi da maneira como combinamos e ao final de minha leitura

revisamos alguns termos e palavras que foram sugeridas por ele. Esses fragmentos soltos de uma

Page 51: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

29

conversa, inicialmente poderiam provocar um sentimento de desconexão e uma atitude entendida

como um “estar às cegas no campo”. Porém, pouco a pouco as notas redigidas e revisadas após

diversas conversas “mais formais”15

com os outros monitores-presos ganharam os primeiros

pontos de referência num mapa que começava a ser desenrolado.

Para as conversas “mais formais” individuais que aconteceram nos momentos

disponibilizados pelos monitores-presos, o mesmo procedimento aconteceu: ia tomando notas de

suas falas e ao final lado-a-lado líamos as notas e revisávamos juntos, trocávamos palavras,

expressões e em alguns momentos eram acrescidas informações adicionais.

O foco neste momento era estabelecer um vínculo com eles antes que passasse a participar

de suas aulas com o diário de campo em mãos, e não a busca de informações. Estava preocupada

em “dar língua para afetos que pedem passagem” (ROLNIK, 1989, p. 15) Considerei muito

produtiva essa primeira aproximação individual com os colaboradores e a possibilidade de tentar

desmistificar o poder que a escrita tem naquele contexto, mas não tinha a pretensão de achar

possível quebrar as relações assimétricas da minha posição de pesquisadora e minha neutralidade

no campo. Permaneci um mês conversando individualmente com os monitores-presos,

semanalmente. Todas as conversas se deram em forma de tomada de notas que eram revisadas

por eles.

Em uma das últimas conversas com o monitor-preso Robinson ele me pergunta se na

semana que vem eu não gostaria de acompanhar sua aula. Uma sala multisseriada de

alfabetização até o 5º ano, que até o momento estava reunida, iria ser desmembrada e ele

assumiria a turma de 4º e 5º ano. Era o convite que esperava.

21/09/2012

Logo pela manhã chego à portaria junto com o café. O preso que é

responsável por essa função traz a garrafa e sou convidada a “estrear” uma

caneca de plástico nova. O funcionário do Setor da Produção (local em que

funcionam as oficinas de trabalho) me acompanhou no café e logo passei pelo

15

Me refiro a conversas “mais formais” porque foram planejadas anteriormente com os monitores-presos, com

horários e temática já informada. Porque as notas se seguiram ao longo do campo nos diferentes momentos em que

estava ao lado deles e que me informavam coisas interessantes.

Page 52: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

30

raio-x que apitou hoje novamente. O funcionário era o mesmo da outra vez em

que tive que tirar as sandálias. Ele me fez voltar e passar novamente. Desta vez

perguntou: “O seu sutiã tem ferro?” Respondi que sim e ele me mandou entrar.

Depois desse dia providenciei algumas combinações próprias para minha

entrada no raio-x. Nada de sutiã com ferro. Troquei pelo top de ginástica. Não

fui mais com a sandália que deveria ter algo de ferro no solado. Os brincos eu

os tirava antes de passar pelo raio-x, deixava-os na mesa e depois pegava de

volta. Passei pelos portões abertos pelos galerias e, automaticamente, o

telefone sem fio: Visita na casa!!! E subi para o Setor da Educação. Robinson

estava se preparando para voltar para a sala, pois cheguei no momento do

intervalo para cigarro e banheiro de quinze minutos. Ainda do lado de fora da

sala pegou o livro didático16 que estava utilizando com os alunos. Perguntei

sobre a atividade que estava sendo realizada. Ele abre a página 11 e 12 do livro

e me aponta uma atividade sobre ordem alfabética. A atividade pedia que

organizassem uma lista com nomes e sobrenomes. Quando o último aluno

entrou, ele me convidou para entrar também. Entrei na sala com sete alunos de

idades variadas e me apresentei a eles. Expliquei o que faria ali e que gostaria

de participar de algumas atividades em sala com eles. Após minha explicação,

um dos alunos chamado Francisco disse: “Seja bem vinda!”. Puxei uma cadeira

e ganhei um livro também. Esse era um procedimento que mantive em todas as

aulas de que participei: sempre estava com o livro utilizado em todas as outras

séries em que estive presente também. Era uma forma de não ficar somente

escrevendo no diário de campo. Estava ali junto para acompanhar a atividade e

os momentos que resultavam daquele determinado tempo e espaço em que as

práticas aconteciam. Desta forma, o livro tornou-me um álibi perfeito para que

pudesse registrar as falas e situações quando em muitas das vezes parecia que

estava passando para o “meu caderno” a atividade realizada.

16

VÓVIO, Claudia L. (coord). Coleção Viver e Aprender. São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC,

1998.

Page 53: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

31

A cada nome organizado na lista alfabética proposta pela atividade do

livro, o monitor-preso (MP)17 pedia que os alunos recitassem o alfabeto.

Terminada a lista com os nomes passaram para outra atividade: o uso do

dicionário. Os dicionários foram entregues aos alunos e o (MP) explicou a

função de um dicionário e disse que era impossível alguém saber todas as

palavras e referindo-se a mim comenta: “Nem a doutora que está estudando pra

ser doutora sabe todas as palavras”.

Os alunos com os dicionários em mãos foram instruídos a procurar pela

palavra concurso. O MP pediu que encontrassem a letra “C” e ajudou

individualmente a achar a palavra. Era nítido que se tratava da primeira

experiência para a maioria ali presente o manuseio do dicionário. Um dos

alunos ainda em sua busca começa a ler em voz alta: “cloro, clorofila...

concurso. gente!!! Tá na página 185! 185!” E mostra ao aluno ao seu lado.

“Ih! (decepcionado) o seu é outro dicionário. É diferente!”

O MP senta em sua mesa e pede para que os alunos leiam o significado

em voz alta. E finaliza: “A gente pega o que é mais fácil. Porque o conhecimento

serve para impor respeito, mesmo a gente estando preso”.

Robinson!!! (grita o galeria!) Ele sai. Este MP é muito requisitado para a

realização de serviços burocráticos por ter um grande conhecimento de

informática. Os alunos permanecem com os dicionários quando o outro MP

entra na sala e diz: “Subiu!”

Os alunos respondem: “Subiu, subiu!”, deixam os dicionários sobre a

mesa do MP e saem da sala.

A palavra “subiu” neste contexto significa que a aula acabou, mas em

termos do funcionamento do CR o “subiu” significa que as atividades se

encerram às 22:00h. A partir desse horário não é permitido que ninguém de

fora da casa, esteja dentro da unidade. Quando estava na fase de realização

17

Utilizarei as siglas MP para monitor preso a fim de evitar a repetição da palavra que será usada

constantemente no texto.

Page 54: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

32

das entrevistas tinha que ter esse cuidado com o horário. Quando davam quase

dez horas da noite eu já deveria estar na portaria porque “Subiu”!

Na proa do barco...

A construção dos modos de olhar para as experiências vividas em campo me trouxe outro

desafio: como estar inserida nas aulas, sentada junto aos alunos, com o diário de campo sem ser

confundida com funcionária da Segurança Pública ou agente Penitenciária? Assim, em todas as

aulas de que participei, na minha primeira entrada após a apresentação pude contar com o apoio

dos monitores-presos com a seguinte fala: “Olha gente, ela não é agente e nem funcionária da

SAP! Ela é professora e está aqui pra ajudar”.

Essa relação de confiança e de vínculos que estabeleci foi construída processualmente ao

longo dos oito meses que vivi o Centro de Ressocialização para além do espaço educativo.

Porém, a construção de um modo de olhar para a escola para compor o mapa do currículo desse

ambiente constituía-se numa tarefa complicada, pois afinal já me alertava Leão (MP): “Somos

todos vigiados e observados constantemente” ou nas palavras do galeria Cláudio: “Aqui um olha

todos e todos olham um.”

Sendo assim, chegava mais uma para observar constantemente? Como iria resolver essa

questão?

Como descrevi acima, o fato de ter sempre o livro didático como “álibi” sendo apoio

durante as aulas permitiu que, de certa maneira, estivesse mais livre para observar. Muitas foram

às vezes em que não havia livros disponíveis para todos, e então seguia junto com outro aluno. Ia

dessa forma me inserindo e sendo inserida por eles. Nesse sentido, como disse anteriormente,

utilizo o termo “participar” para minha presença nas aulas. Assim, o livro didático servia de mais

uma ferramenta metodológica para me aproximar dos alunos, já que o dividir o mesmo material

possibilitava tecer conversas e realizar a atividade em conjunto. E é nesse sentido que, da mesma

forma que observamos e intervimos no território pesquisado, os habitantes desse território

também intervém e observam esse estranho que chega. Foi assim que durante uma das aulas de

Ensino Médio sobre “Sociologia”, às 15:30h da tarde, com vinte e quatro alunos presentes,

recebo um toque no braço e um caderno me é entregue com a seguinte escrita:

Page 55: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

33

“Tivemos visita de uma professora por 2º dia seguido, pois ela escreve

muitoooooo e analiza cada tema, opina às vezes, acho que analiza nosso

comportamento entre outras coisas. Isso está sendo ótimo pois os reenducando

estão de parabéns estão se comportando muito”.

Ao terminar de ler, olho para ele e devolvo o caderno rindo. Ele ri também. Mal entrego o

caderno, puxo de novo e peço licença pra copiar o trecho no meu caderno. Ele termina rindo e

completa: “Eu sabia!”

Penso que a partir desse dia me coloquei mais relaxada com essa preocupação que tinha

em criar modos de observação que não causassem desconforto e embaraço nas pessoas com as

quais convivia. Impossível essa tarefa como me apontou o aluno Andrei acima com sua nota

escrita em seu caderno. Sobre isso, Geertz (2001) nos propõe que ao passo que precisamos da

familiaridade com o grupo pesquisado, é importante que aprendamos a viver “com” os

interlocutores e não “como” eles. E que é através desse diálogo propiciado através de diferentes

episódios (como o acima) que o “campo” se transforma em texto etnográfico.

Conforme sinalizei acima, a construção de modos de olhar para as experiências vividas

dentro do estabelecimento penal me reafirmou ao longo da trajetória percorrida que eu estava

habitando um território já habitado. E que, portanto meu aprendizado para um “fazer

metodológico” não poderia se circunscrever antecipadamente a procedimentos ou técnicas, mas

serem construídos ao longo da pesquisa.

E foi durante o processo da pesquisa, a cada dia em que pisava no Centro de

Ressocialização que a construção da metodologia desta pesquisa aconteceu. Tinha a principio a

ingenuidade de que ficaria restrita ao espaço educativo para entender a configuração do currículo,

entretanto, a paisagem que observava da “proa do barco” me mostrava uma imensidão de modos

de olhar que não poderiam ser desconsiderados. Afinal, precisava habitar aquele território de

diferentes modos para que pudesse entender a escola dentro do todo.

Aos poucos minha entrada e a passagem com mais frequência pelo anexo II (em que

ficam as salas de aula) possibilitou-me conversas com funcionários que por ali circulavam. Essas

conversas de corredor junto a eles me ajudaram a compor a paisagem que ia sendo povoada por

encontros e experiências nesse território. Território entendido aqui como “lugar de passagem”.

(DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 132)

Page 56: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

34

O agente Marcelo

01/10/2012

Marcelo foi o funcionário que me recebeu no primeiro dia em que

consegui entrar para me apresentar para a diretora geral e falar do projeto da

pesquisa. Numa de minhas passagens pelos corredores que me levavam a sala

de aula encontrei com ele que logo me reconheceu. Parou-me e disse que estava

de licença prêmio até então e por isso não havíamos nos encontrado ainda.

Enquanto fumava me contava de sua larga experiência no Carandiru

evidenciando os problemas do sistema penitenciário e a questão da formação

dos funcionários: “Um funcionário que sai da academia e já cai no sistema,

chama o preso só de ladrão. Porque na sua formação aprendeu que se é ladrão

é pra ir pra cima mesmo”. Em sua opinião ressalta a importância da formação

dos funcionários como um todo. “Não pode ser só da Educação. Mas será que

dá?”

Não tivemos tempo de debater sobre a questão. Um outro funcionário o

chama pelo rádio e ele pede licença. Diz que conversaremos mais em outra

oportunidade.

Ainda no corredor, antes mesmo de chegar à sala de aula do MP

Robinson (4º e 5º ano/manhã) fui laçada pela Assistente Social, que conheci no

dia do curso de salgadeiro. Convida-me para entrar em sua sala e tomar um

café fresco... o cheiro estava exalando, mas junto ao cheiro de café fresco, um

cheiro de peixe que se espalhava por tudo também. Logo cedo. Provável que o

almoço seria peixe.

Enquanto tomávamos café, me mostra os prontuários e a necessidade de

estabelecer um contato maior com a direção geral para solicitar documentos,

tais como RG e CPF. Lamenta mais uma vez o trabalho truncado do Serviço

Social baseado apenas em estabelecer contato com as famílias e atender os

presos através de ofício. Termino o café e peço licença, afinal... a aula estava

por recomeçar do intervalo.

Page 57: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

35

A circulação pelos corredores e o encontro com os habitantes do território

ouvindo seus anseios, experiências e inquietações mostravam que era preciso

abrir-me e engajar-me nessas escutas que se traduziam numa receptividade ao

campo e a tudo o que nele acontece. Habitar o território aberto ao desconhecido

(se embrenhando por todas as partes) pode soar como uma falta de rigor

metodológico, mas para mim interessava-me neste momento da navegação

entender o lugar que a escola ocupava para os diferentes membros da

tripulação.

Depois dos encontros pelos corredores subi para a sala de aula e os

alunos ainda estavam no intervalo. Dirigi-me para a biblioteca e encontrei os

dois monitores-presos. Tomei mais um café com eles num copo de requeijão.

Robinson (MP) estava organizando a atualização da remição de pena dos alunos

no computador. A remição é realizada e computada de acordo com a chamada

diária realizada por eles na aula. Fomos para a sala e o MP me mostra o

caderno de planejamento da turma contendo: a data diária, tema, atividade,

conteúdo, objetivo, material e avaliação. Enquanto isso, os alunos estavam

organizando sequências numéricas do livro18. A sala já estava novamente

configurada: um aluno saiu de liberdade, outro parou de estudar porque foi

chamado para trabalhar na cozinha do CR. Tirando essa rotatividade intensa

de pensar que a sala de aula não se configura da mesma maneira quanto ao

número de alunos na mesma semana, acontecem situações parecidas com a

“escola da rua” (como os presos dizem). Uma dessas situações é a do

professor19 (monitor-preso) que tem muita dificuldade em aceitar os diferentes

ritmos dos alunos. Enquanto uns realizam a atividade, outros já terminaram e

pedem para continuar os exercícios do livro. Um aluno novo que começou nesta

18

VÓVIO, Claudia L. (coord). Coleção Viver e Aprender. São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC,

1998 ( p. 23 e 24) 19

Neste caso, função exercida pelo monitor-preso que após passar por um processo de seleção da FUNAP

(Fundação Profº Doutor Manoel Pedro Pimentel) é designado para a função. Em sua maioria são pessoas

que tem a conclusão do Ensino Médio. Detalharemos mais sobre essa função no decorrer do trabalho.

Page 58: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

36

sala aproveita que já terminou e está sem nada para fazer e comenta: “Eu não

gostava de estudar antes, agora to gostando”.

O MP diz que não devem continuar os exercícios do livro. Pede para

esperarem para todos seguirem juntos. Outra questão encontrada também de

similaridade com a “escola da rua” é o fato do professor (MP) falar das

dificuldades dos alunos na frente deles.

Em meio aos comentários a aula segue. Os números são colocados na

lousa e os alunos são chamados para falar os números em voz alta. O aluno

mais velho da sala, Marcolino, encontra dificuldade em colocar os números na

ordem crescente e como na sala de aula da “rua”, os outros alunos impacientes

falam a resposta e dão risada em volume baixo, emitem cochichos quando ele

acerta do tipo: Ufa!!!. O MP quando vê que ele consegue acertar diz: “1000

graus Marcolino!! (essa é uma gíria neste contexto que significou “parabéns”.)

Subiu! O monitor-preso comunica. A aula termina sem a conclusão da

atividade.

O grito do galeria vem em seguida: A boiaaaaaa!!!

Passo pelo refeitório e a fila está aumentando...os presos vão chegando

aos poucos e formando a fila. O refeitório fechado e o cheiro de peixe toma

conta de tudo. Ao passar já reconheço alguns alunos que me cumprimentam,

outros ainda não conhecidos olham discretamente ainda não reconhecendo

minha presença. Na saída (12:05h) converso e me apresento para o agente

Márcio. Ele está no CR há dois anos e pediu transferência de Franco da Rocha.

Lembra que lá tinha espaço para acontecer aula, mas estudava quem queria.

Perguntei se isso tinha a ver com a direção da prisão e ele afirma que sim, que

é uma questão de posicionamento do diretor e completa: “Se o diretor diz que

vai estudar, vai estudar e pronto. E complementa: É... mas lá eram mil e

novecentos presos e aqui... hoje... olha só a grade... estamos com 236. É uma

grande diferença né!”

Saí do CR e mesmo não tendo comido o peixe sentia em mim o cheiro

impregnado.

Page 59: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

37

Considero que a rede de contatos que ia estabelecendo pelas passagens

aos corredores, na entrada e saída dos diferentes horários produziam a

sensação de que estava mais ambientada e que as pessoas também se

acostumavam com minha presença.

02/10/2012

A entrada ao CR e a passagem pelo raio-x já estão resolvidas. Depois que

montei um uniforme para não apitar e a minha presença semanal já fazia com

que logo que interfonasse, o agente de plantão me abrisse o portão. Costumava

entrar somente com a caneta, o caderno de campo e um bloco de postite. Neste

dia ao entrar, os agentes presentes na portaria procuravam na internet, o

endereço do presídio de Caraguá. Maura, uma das agentes comenta que tem

alma cigana e que cansa de todos os lugares e que pretendia pedir

transferência para lá. Enquanto isso, outro agente na função de motorista

olhava a escala de escolta no mural e lamenta: “Vixi! São Paulo hoje! Olha só o

horário! 17:45h! No fórum da Barra Funda. Passo pelos corredores e encontro

com Luís, agente penitenciário que cuida do Setor da Produção (local de

trabalho dos presos).

Chego à sala de aula junto com um jovem preso que pede ao MP-

Robinson o livro intitulado: “Só por hoje”. Ele entrega o livro ao rapaz que senta

em uma cadeira e lê rapidamente. Logo devolve o livro e sai. Robinson me

explica que este é um livro muito utilizado por usuários de drogas e

frequentadores de programas como os Narcóticos Anônimos. E segue me

contando que ele preside a reunião todos os sábados das 15:00h às 17:00h.

Chamou-me a atenção a cena do jovem procurar o livro nos seus minutos

de café. Este jovem está alojado no Anexo 1 e o Setor da Educação fica no

Anexo 2. Isto significa que tem que passar por uma série de “galerias”, os quais

tentam impedir ou atrapalhar questionando o porquê quer ir para o outro

anexo. O jovem manifesta sua preocupação para o MP Robinson quando

entrega o livro de que os galerias não o deixem mais frequentar a biblioteca no

Page 60: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

38

horário do café. Robinson promete avisar o galeria sobre esse “proceder” para

permitir e autorizar sua vinda nesse horário. Quando o jovem sai volta-se para

mim e exclama: “Os galerias incorporam os pit-bulls”.

O intervalo chega ao fim e hoje vou participar da aula do outro monitor-

preso: Leão.

É uma sala de alfabetização com quatorze alunos (no dia de hoje!). A sala

é a mesma onde estamos. Desse modo os alunos vão chegando e retomando

seus lugares. Apresento-me a eles e sento numa carteira vazia. Ganho um

livro20 e Leão pede que abra na página 65.

Leão começa fixando um calendário na lousa e explicando o porquê serve

o calendário. Coloca os dias da semana na lousa e alguns alunos acompanham

em voz alta. Pede depois que os alunos digam os meses do ano. Um aluno diz:

“Vixi!” E tenta seguir o coro dos colegas. O mesmo aluno comenta: “Eu sei que

tem um que tem 28 dias.”.

O MP solicita que um aluno leia em voz alta um texto sobre o

“Calendário” (p.66 do livro). A sala de alfabetização se compõe por adultos de

meia idade e senhores de cabelo branco. Ao meu lado, um senhor com o livro

fechado, esfrega os olhos sobre o caderno e encontra-se num mundo a parte.

Escreve sobre as linhas, para, esfrega os olhos e apaga com a borracha.

Averiguarei depois sobre sua dificuldade. Consegui enxergar o que ele escreve

repetidas vezes: C L A U D I O N O R. Percebo outro aluno escrevendo e

desenhando na capa do caderno a marca americana: “HOLLISTER”. Sinto que o

movimento do aluno desenhando é discreto para que o MP não veja. Termina o

desenho e fecha o caderno. Seus pés impacientemente não param de se mexer

no chão. Leão pede para os alunos socializarem as datas de nascimento. Os

alunos falam, porém quando chega a vez de um dos alunos (provável que o

mais novo da sala) dizer a sua data, silencia e após um tempo: “1983. Não sei

mais não”. O MP segue explicando: “Olha gente, a data não pode ser esquecida

porque é muito comum gente ser presa por conta de ter o mesmo nome e aí o

20

Coleção Viver e Aprender (EJA 1) módulos 1 e 2

Page 61: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

39

que o juiz precisa é provar através dos dados”. O MP pede a atenção para a

pergunta do livro: Você sabe qual a relação que existe entre a data de seu

nascimento e seu aniversário? Explique.

Silêncio na sala. Um deles fala: “É a festa de aniversário!”.

Leão somente escuta a resposta do aluno sem emitir expressão. Vira-se

para o aluno que não soube responder sobre a data de seu nascimento e diz

que depois verá em seu prontuário e passará para ele.

A aula é interrompida por um galeria que chega pedindo uma assinatura

de um aluno. Isso é bem comum acontecer durante a aula. Por conta do

andamento do processo judicial, visita de advogado e etc... solicita-se sempre

que saiam durante a aula ou mesmo ela é interrompida para colher a

assinatura de algum documento.

Enquanto os alunos se arriscam no caderno a pedido do MP para

escreverem os meses do ano, o MP puxa uma cadeira e senta a meu lado.

Começa a me contar a situação do Seu Claudionor (descrita acima). Ele não

possui nenhum comprometimento e está escrevendo seu nome repetidas vezes

como tarefa solicitada por Leão. “Chegou aqui esta semana e tem que treinar a

mão”. Comento da possível dificuldade visual do aluno por esfregar os olhos

constantemente. O MP diz que essa é uma questão difícil, pois são vários os

casos de dificuldade visual, já foram feitos diversos pedidos para a direção, mas

sem retorno. Leão pede para seu Claudionor parar um pouco e o aluno diz que

está preocupado com a diabetes que está alta.

O MP vai à lousa e os alunos são escolhidos para escrever os meses do

ano. A cada escrita Leão diz: “Tá certo lá, rapaziada?” e chama: “Antonio Alves”.

O aluno responde: “Logo eu, meu Deus!!!”

A última atividade pedia que no próprio livro, os alunos escrevessem os

meses formados por 28, 30 e 31 dias.

O MP percebe o horário e pede: “Vamos recolher os livros rapaziada e no

último minutinho fazer uma brincadeira de forca.”

Page 62: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

40

Leão monta a forca na lousa. Os alunos vão soletrando as letras e se

divertem. A palavra montada foi CALENDÁRIO.

Subiu!

Ao sair os alunos, em sua maioria, me cumprimentam com um aperto de

mão. Uns dizem: “Até amanhã, senhora!”, “Fica com Deus” ou mesmo

“Obrigada!”.

A pesquisa de campo me envolvia cada vez mais. E concordando com

Alvarez e Passos (2009, p. 148) minha sensação era a de que “Conhecer, agir e

habitar um território não são mais experiências distantes umas das outras”.

03/10/2012

“Faz a corrente, maloqueiro”

15:00h Hoje senti a entrada alvoroçada. Na mesa da portaria, o diretor de

Segurança e Disciplina estava ao telefone e um pouco irritado conversava

paralelamente com o agente responsável pelo Setor de Produção. Parecia

resolver questões administrativas de transferências de presos. Enquanto estava

ao telefone, o agente José Luís, o qual por coincidência estava sempre quando

algo apitava comigo no raio-x, me diz que o agente que trabalha no período da

noite me viu na internet. Buscou meu currículo e imagens de um encontro de

coordenadores que organizei na Secretaria de Educação de Bragança Paulista.

Comentou que como o agente da noite não me conhecia e tinha visto minha

autorização quis saber quem eu era. Descreveu a foto na qual eu aparecia de

cabelo comprido e blusa azul. Brinquei com ele que não tinha nenhuma rede

social, mas pelo visto isto não tinha adiantado. Perguntou-me sobre o que era a

pesquisa e já se adiantou com a resposta: “É sobre o tratamento com os presos,

não é?” (já havia escutado essa pergunta de outro agente). Fui contando pra ele

sobre o projeto da pesquisa e juntos fomos caminhando para o portão de acesso

à área dos anexos. Continuou curioso: “Mas a pesquisa é em todos os

Page 63: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

41

presídios?” Expliquei para ele a dificuldade em conseguir a autorização da

Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) para a realização em uma

unidade e a impossibilidade de ter a autorização para mais de uma. Ele finaliza:

“Não é bom ter gente de fora aqui não! Eles não gostam! Mas precisa ir pra

Penitenciária. Algumas poucas tem escola e lá tem fortes emoções.” Disse a ele

que gostaria de escutá-lo e ele completa: “Eu não! Qualquer coisa que eu fale

pode virar contra mim” e rindo me fechou entre os portões para que o próximo

pudesse ser aberto. Segui para o Setor da Educação e encontro os dois

monitores-presos reunidos. Um deles comenta comigo que não está bem que

“aqui dentro tem que administrar muitas coisas: coisas do trabalho e coisas da

cadeia”. E termina: “Hoje não to bom!” Logo seus alunos começam a chegar e a

turma é de Ensino Médio (eu ainda não havia participado dessa aula) e o MP é

chamado pelo diretor de Segurança e Disciplina. Antes de sair, ele comenta

com seus alunos: “Boa tarde! Apesar de ter gente querendo tirar as “boas” da

gente.”

Hoje iria acompanhar a outra turma de Leão, que é Ensino Fundamental

(8º e 9º ano) e a sala fica no outro Anexo, em que ficam alojados os presos em

regime fechado. Enquanto caminhávamos de um anexo a outro, Leão também

divide sua sensação de que ali dentro é difícil manter tudo em ordem. “Afinal,

somos todos vigiados. E o que impera é a disciplina”.

A aula começa às 16:00h. Este anexo é o mais antigo da unidade. Uma

escada em espiral nos leva à sala de aula em formato ovalado. As paredes são

descascadas, não existe janela e em uma das paredes uma imagem de Cristo

segurando um livro com óculos. O que não poderia deixar de ter também é o

alfabeto colado em cima da lousa feito com letras de EVA. Sem a janela, mas

com um ventilador e a mesa do professor à frente. As carteiras são de braço. O

calor é infernal!!! Existe uma fresta que dá para a parte das oficinas de

trabalho.

Os alunos vão chegando e me estranhando quando se deparam comigo

sentada em uma das carteiras. Alguns vão cumprimentando com uma

Page 64: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

42

levantada de sobrancelha e vão ocupando seus lugares. Leão separa os livros21

em sua mesa que serão utilizados organizando-os em pilhas. Um dos alunos se

levanta, pega uma pilha de livros e ao deixar na primeira carteira de uma das

fileiras diz: “Faz a corrente maloqueiro!” (significando que era para o primeiro

aluno passar o livro para o restante da fileira.) E assim, na corrente, os livros

foram entregues. Eu também recebo um e aguardo o comando do MP. “Vamos

lá rapaziada, p. 184 do livro é a continuidade”. O tema da aula é sobre a

relação entre índios e portugueses. Hoje a sala está com trinta alunos e as

idades são bem variadas. Jovens que acabaram de completar a maioridade

junto aos mais velhos. Ao abrir o livro e localizarem a atividade, um dos alunos

questiona a pergunta que o livro propõe dizendo que o próprio livro acentua o

preconceito na relação entre o índio e o português. A discussão segue entre o

professor e o aluno. O professor tenta dizer que hoje existem leis que

asseguram mais as condições trabalhistas. O aluno termina: “A guerra

continua”. E o MP mostra-se impaciente com a postura do aluno e solicita:

“Vamos voltar para o livro”.

A sala cheia, o calor infernal e a conversa paralela dos mais jovens. O MP

pede silêncio e repreende: “Olha rapaziada, um funcionário me chamou

pedindo para saber do desenvolvimento de vocês aqui na sala.” Consegue o

silêncio com esta ameaça.

O MP lê a pergunta novamente em voz alta e lê a resposta do livro do

professor. Neste livro do professor as respostas são dadas a cada atividade que

o livro propõe. Durante a aula, diversos alunos são chamados pelos galerias por

diferentes razões já vivenciadas em outras aulas. Os alunos quando são

chamados, se levantam e pedem licença ao MP para sair. E a aula continua.

Interessante notar que abaixo do questionário apareciam duas atividades

(p.185, exercício 1 e 2) e foram puladas na seleção do MP. Uma delas pedia que

os alunos realizassem pesquisa em jornais e revistas e a outra sugeria a

21

Coleção Tempo de Aprender. vol 3. Multidisciplinar EJA- 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Ed.

IBEP e Base Editorial. 2ª ed.2012.

Page 65: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

43

formação de grupos de trabalho. Fiquei com a hipótese de que essas atividades

seriam interditadas, pois fugiria da lógica disciplinar e por talvez “inflamarem o

ambiente”.

As perguntas seguem e um aluno lê sua resposta para o MP. Como o MP

não lhe dá uma devolutiva, o aluno se vira para os lados e pergunta aos

colegas: “Será que o meu tá certo?” Ninguém responde e vejo-o apagar sua

resposta.

Outro aluno em tom alto de voz: “Deixa eu ir no boi (banheiro) Leão.

Tomei muita água”

O MP: “Não! Falta só meia hora para acabar.” Aproveita e pede para esse

mesmo aluno ler uma legenda de uma imagem do livro (p.186)

O aluno se recusa a ler e o MP insiste. O aluno continua firme na recusa:

“Não vou ler não! To rachando aqui pra ir no banheiro. To tranquilo, não vou

ler”

Leão finaliza: “Não vai ler não? Então depois a gente conversa”.

Sinto que o MP fica muito irritado, mas tem que seguir a aula. Segue

lendo a legenda da imagem que traz a palavra “clero”. Um aluno pergunta: “O

que é clero?”, mas não obteve a resposta do significado da palavra, entretanto,

o MP encerra o assunto: “Gente, não vamos discutir questão religiosa”.

O calor misturado ao cheiro de queimadas invade a sala. O cheiro de

humanidade também. No meio dessa miscelânea de odores, um dos alunos

observa o mapa do livro e fala: “Vamos dar um pião?” (dar um giro por outra

região).

17:30h. A aula para porque é hora do jantar (da boia), mas retornamos às

19:00h. Saio da sala acompanhada por Leão e espero na saída alguém que

venha me abrir o último portão. Espero...espero... quando aparece o agente.

Entendo o porquê da demora. Neste horário retornam os presos que estão no

regime semiaberto e, portanto trabalham durante o dia na rua. Existe um

procedimento para o retorno deles da rua: passam pelo raio-x, entregam a

carteirinha de identificação e o aparelho que monitora a tornozeleira, a qual

Page 66: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

44

permite serem vigiados no percurso que fazem do CR para o trabalho da rua.

Quando chego à rua, um por do sol incrível, com cores radiantes que

contrastavam com as cores opacas que ficaram para trás. E na saída: “Já era?”

(o agente me pergunta) Respondo que já era!

O içar da vela...

Quando o espaço educativo se insere na lógica disciplinar?

Cena 1

Com a participação frequente nas aulas foi possível vivenciar situações em que a lógica

disciplinar de uma instituição penal atravessava as ações do espaço educativo reafirmando e

estendendo a condição de serem punidos. A primeira situação que presenciei foi a da última aula

descrita do Ensino Fundamental em que houve a recusa do aluno para a leitura solicitada do MP.

No dia seguinte quando voltei para o CR, Leão (MP) me conta o que havia acontecido de

“rebarba” da situação do aluno que se recusou a ler. Disse que no intervalo do jantar, procurou

um funcionário e passou o acontecido. No mesmo dia, o funcionário chamou o aluno e “falou um

monte”, “pegou pesado” porque segundo o MP o menino faltou em duas coisas: “o desrespeito

comigo, que sou autoridade quando estou ali na frente” e também porque

desrespeitou a visita, no caso, a senhora que estava lá.” Continua dizendo que um

descuido desse não é permitido pelos funcionários porque ali “eles tem que passar pra

gente a imagem de que estão ressocializados”. “Porque aqui dona Cátia é o

seguinte: quando os presos chegam e olha... esse menino não é novo aqui e

sabe das regras da casa, não é permitido falar “boi” e sim banheiro e também

não pode me afrontar. Aí o funcionário fez ele pedir desculpas para mim no

mesmo dia e se você estivesse aqui iria dizer pra pedir pra você também. Fez

ocorrência no livro do plantão da noite e pediu que eu não cobrasse dele as

desculpas que obrigou ele a pedir para a sala toda no dia seguinte. Disse que

ele deveria fazer por si só. Mas acontece que ontem ele não pediu e o

funcionário já me perguntou...sabe o que ele ganhou como castigo? Irá limpar

as carteiras e o chão por quatorze dias”.

Page 67: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

45

Cena 2

Em meio à aula do Ensino Fundamental que se tratava da realização de operações

envolvendo divisão os alunos eram chamados à lousa para resolverem as operações:

a) 8452/ 4

b) 9042/2

c) 36963/3

d) 7925/5

e) 4380/25

f) 8640/30

g) 21192/12

Um dos alunos resistiu ao chamado...disse que não sabia. Os outros alunos tentavam

estimular para que fosse (talvez já pensando no possível desdobramento). A pressão

continuava por parte do MP que falava em tom mais alto e os alunos dizendo: “vai, vai”.

O aluno se recusou.

O MP avança: “Olha! Você sabe qual é o procedimento... funcionário não

quer entender se você não sabe ou não... não vai vir mesmo?”

O aluno sentado na primeira carteira balança a cabeça negativamente.

Sendo assim, o MP chama o funcionário que sobe e pede para o aluno acompanhá-lo.

Depois me conta que durante a boia, o aluno “escutou” do funcionário na frente dos outros

porque se recusou a aprender e isso precisa ser repreendido na frente dos outros.

Segurança e Educação: uma parceria que dá certo?

Cena 3

Numa das conversas individuais, o MP me explica como resolvem a demanda por vagas22

e a falta de espaço físico para atender a todos: “Neste caso quem decide quem fica

estudando é a parte disciplinar. O diretor da parte de Segurança e Disciplina

22

Me refiro ainda ao 2º semestre do ano de 2012 em que a responsabilidade pela oferta educativa prisional

era da FUNAP, pois a partir do 1º semestre de 2013 quando a Secretaria Estadual de Educação assume

essa responsabilidade, os problemas com a demanda e a falta de espaço continuam. Entretanto, o corte dos

alunos foi realizado por conta da exigência de documentos (que muitos não tem) e a SEE só realiza a

matrícula daqueles que possuem os documentos necessários.

Page 68: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

46

resolveu que quem tinha alguma falta, advertência e tenha ficado no castigo iria

ficar sem estudar até arrumar mais sala”.

Tudo junto e misturado

Cena 4

O espaço educativo em funcionamento dentro de uma instituição penal é algo que sofre

alterações a todo momento, bem como altera também a lógica de funcionamento da instituição

altamente administrada em seus espaços e tempos. Dessa forma em um dos dias de campo tento

subir para o Setor da Educação e a escada que já é estreita normalmente, está mais estreita ainda

para passar. Uma fila imensa na escada dá reviravoltas quase chegando ao refeitório. Tento ir

passando por eles e descubro o motivo: DIA DE VACINA. Quando passo por uma sala de aula

vejo que está vazia e a outra bem cheia. As duas salas que funcionavam pela manhã

(alfabetização e 4º e 5º anos) estão reunidas assistindo ao filme: VOO 93. Na sala ao lado,

profissionais da área da Saúde fazem a aplicação da vacina. Ao passar, um agente me pergunta se

não quero tomar também. Dentro da sala, o filme passando e os alunos chamados vão saindo aos

poucos para serem vacinados. São vacinados e voltam, outros saem e o filme continua passando.

Fico sentada junto aos monitores-presos que estão no computador realizando a parte burocrática

diária: atualização da grade com a população prisional, a remição por estudo e trabalho e etc...

Enquanto isso, o MP que está há mais tempo no CR comenta que nunca tomou tanta vacina no

tempo que está lá, que sua carteirinha ficou cheia em um ano.

O horário da aula chega ao fim, mas o filme não termina. Fica pela metade. Os alunos

saem para a boia.

Tudo junto e misturado. Dia da vacina, Blitz, a aula interrompida para atendimento

jurídico, assinatura de papéis e outras questões são resolvidas em meio à rotina diária de uma

vida intramuros.

Page 69: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

47

Contagem

Cena 5

Pela manhã as aulas da turma da alfabetização e 4º e 5º ano iniciavam às 7:00 da manhã.

Parada das 9:00 às 9:15h. Retorno das 9:15 às 10:50 h e as aulas do Ensino Fundamental de 8º e

9º ano da sala sem janela com Jesus Cristo de óculos pintado na parede aconteciam em termos de

horário da seguinte maneira: início: 16:00h até as 17:30h. Parada para a boia. Retorno das 19:00

às 21:00h. Duas turmas de Ensino Médio funcionavam em horário corrido: a da tarde com início

às 15:30 às 17:30 h e a da noite das 19: 00 às 21:00h. Este era o horário até o final do 2º semestre

de 2012. A questão é que existe o procedimento da “contagem dos presos” que ocorre

normalmente duas vezes ao dia na troca dos plantões (quando dá início o plantão da noite e

quando entram os funcionários do plantão do dia). Logo, o horário de início dessas turmas (com

exceção a da tarde do Ensino Médio) nunca acontecia como deveria ser. Muitas vezes tive que

aguardar na portaria o término da contagem para o início das aulas. Um dos MP ilustrou-me o

porquê da demora em um dia que a aula da noite teve início quase 19:50h “Pra você ter uma

ideia, dona Cátia, hoje o problema na contagem foi por mudança de pedra

(cama) que não foi trocada na pasta de controle.”

A tripulação da navegação

A escrita até então dos procedimentos envolvidos na pesquisa procuram se ancorar nas

contribuições da antropologia pós-moderna (GEERTZ, 1978) que tem investido em formas

alternativas de produção do texto etnográfico e para a não separação da relação sujeito/objeto.

Dessa forma, a escrita do texto busca trazer muitas das vozes da tripulação envolvida na

produção dos dados da pesquisa. Vale ressaltar que a produção dos dados é aqui entendida de

forma que não se faça a separação das etapas da pesquisa: coleta, análise e discussão dos dados

como se fossem passos lineares a serem percorridos ou capítulos separados. Concordando com

Alvarez; Passos (2009, p. 135) que elucidam que o processo de aprendizado numa pesquisa

qualitativa:

Page 70: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

48

Não será aqui pensado como uma série de etapas de um desenvolvimento, mas

como um trabalho de cultivo e refinamento. Aprendizado no duplo sentido de

processo e de transformação qualitativa nesse processo. Movimento em

transformação. Tal aprendizado não pode ser enquadrado numa técnica e em um

conjunto de procedimentos a seguir, mas deve ser construído no próprio

processo de pesquisa.

Com a participação nas aulas foi possível estabelecer mais de perto contato com os

alunos, os quais me perguntavam sempre sobre a pesquisa. Quando chegavam novos alunos a

pergunta era: “Ah! Você é a pesquisadora?” ou mesmo: “Nossa! Mas aqui na

cadeia?” “Quanto tempo dura a pesquisa?” e assim já ia pré selecionando os possíveis

colaboradores23

para as entrevistas. Se a princípio me coloquei insegura quanto à utilização do

diário de campo agora teria mais um desafio: o uso do gravador dentro da instituição penal. A sua

entrada já havia sido autorizada pelo Comitê de Ética da SAP, porém faltava agora a nova

autorização no mural da portaria do CR com as descrições do gravador.

Semanas antes de iniciar as entrevistas solicitei para a diretora geral a autorização e

também a comuniquei que como os alunos durante o dia estão estudando ou trabalhando,

precisaria entrar na unidade à noite após o procedimento diário da contagem dos presos.

Após uma semana a autorização estava pronta e colocada junto aos outros infinitos papéis

do mural. Não só os alunos, mas os funcionários também se interessavam pelo processo da

pesquisa. Quando disse a eles que iria iniciar as entrevistas gravadas, muitas foram as indicações

de presos que eles achavam que deveria entrevistar. Porém, as indicações vindas dos funcionários

eram de presos que segundo eles “tinham vivido parte da vida na cadeia” ou os que “tem

boas histórias no crime”. Já os monitores-presos apostavam em nomes que tivessem

estudado em outras unidades prisionais (algo raro) ou os jovens que tivessem vivido por um

tempo na Fundação CASA. Sendo assim, meus maiores aliados foram os monitores-presos, os

que leram meu projeto inicial para a seleção do doutorado e eram parceiros na discussão das

ideias e novos direcionamentos. Sempre procurei dividir com eles minhas dúvidas no

encaminhamento da pesquisa. Como estava me organizando para o início das entrevistas no

período das festas de fim de ano por conta da finalização do semestre letivo, Leão (MP) era meu

relógio: “Olha dona Cátia, veja quem a senhora já tem ideia de entrevistar

23

Utilizo o termo colaboradores sugerido pela História Oral. “Colaboradores são seres que ao narrar

modulam expressões e subjetividades e a transparência disso é relevante aos exames decorrentes do texto

estabelecido em análise com os demais.” ( MEIHY; HOLANDA, 2008)

Page 71: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

49

porque agora tem a saidinha de final de ano e sabe como é, pode ser que tenha

gente que vá e não volte, ou mesmo que chegando o juiz já libere. Tem muita

gente esperando a liberdade”.

Antes de estabelecer contato com os primeiros alunos a serem entrevistados voltei para os

registros das aulas de que participei, os quais se encontram abaixo e também retomei o registro

dos grupos de que estive presente juntamente com a psicóloga e assistente social. Nas duas vezes

em que o grupo aconteceu, este tinha como objetivo reunir os presos que iriam ter o benefício da

saída temporária24

pela primeira vez. E isto significava encontrar “o mundão” após anos de

reclusão. Mais uma vez é oportuno salientar como a ferramenta do diário de campo é

fundamental numa pesquisa etnográfica. Quando no momento de retomar os registros para poder

avançar nas entrevistas, encontrei nas folhas do diário, descrições inúmeras e pormenorizadas de

situações vivenciadas ao longo das aulas acompanhadas que colaboravam para pensar as

perguntas das entrevistas.

Monitor- preso: Leão

Alfabetização: 7:30 às 9:00h / 9:15 às 10:50h

Ensino Fundamental 16:00 às 17:30 / 19:00 às 20:50h

Data: Nível Assunto da aula

02/10 Alfabetização Contando o tempo

03/10 E.F 7ª e 8ª Índios e Portugueses

05/10 Alfabetização Idades- Tempo para tudo

09/10 E.F 7ª e 8ª Herdeiros de nossa terra

16/10 E.F 7ª e 8ª Correção de simulado para Cesu

25/10 E.F 7ª e 8ª Calcule as multiplicações

06/11 E.F 7ª e 8ª Divisão

07/11 Alfabetização Ditado e pontuação

23/11 Alfabetização + 3ª e 4ª série Contas (adição)

28/11 E.F 7ª e 8ª Ciências (O fogo)

24

As saídas temporárias, ou saidões, como conhecidos popularmente, estão fundamentados na Lei de

Execução Penal (Lei n° 7.210/84). Geralmente, ocorrem em datas comemorativas específicas, como Natal,

Páscoa e Dia das Mães, para confraternização e visita aos familiares. Somente os detentos que cumprem

pena no regime semiaberto e que tiveram autorização de trabalho externo, ou que já saíram nos outros

anos, podem sair para as festas de fim de ano.(www.justica.gov.br) Acesso em 28/07/2014

Page 72: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

50

29/11 E.F 7ª e 8ª Ciências (O fogo)

10/11 Alfabetização + 3ª e 4ª série Filme: Lutero

06/12 E.F 7ª e 8ª Arte- Cultura Antropofágica

07/12 Alfabetização + 3ª e 4ª Matemática (multiplicação)

Tabela 1 - Registro das aulas (EF)

Monitor-preso: Robinson

3ª e 4ª série: 7:30 ás 9:00h/ 9:15 às 10:50h

Ensino Médio (tarde) 15:30 às 17:30h

Ensino Médio (noite) 19:00 às 21:00h

Data: Nível Assunto da Aula

21/9 3ª e 4ª série Ordem Alfabética

01/10 3ª e 4ª série Sequencia Numérica

09/10 3ª e 4ª série Oxítona/paroxítona e proparoxítona

07/11 3ª e 4ª série A alimentação do brasileiro

07/11 E. Médio tarde DVD- Cultura, cidadania, desigualdade

08/11 E.Médio tarde DVD- Cultura, cidadania, desigualdade

20/11 3ª e 4ª série O que acontece com os alimentos que comemos?

20/11 E. Médio tarde Química- DVD +exercícios no caderno

20/11 E. Médio noite Química- DVD +exercícios no caderno

21/11 E. Médio tarde Química DVD sobre Petróleo + exercícios no

caderno

21/11 E. Médio noite Química DVD sobre Petróleo

22/11 3ª e 4ª série Os povos africanos

22/11 E. Médio tarde Correção de exercícios no caderno

23/11 E. Médio tarde Filme: Lutero

29/11 3ª e 4ª série Contas de adição e subtração

29/11 E. Médio noite Química (Fenômenos)

07/12 E. Médio noite Filme: Voo 93

Tabela 2 - Registro das atividades (EM)

Conforme sinalizei acima, esperei com que as aulas do semestre terminassem para que

pudesse iniciar as entrevistas. Quem seria o primeiro colaborador? Como realizar uma entrevista

num ambiente em que os colaboradores possuem uma representação sobre o que significa

responder a perguntas? Como criar um clima que não se parecesse com mais um interrogatório

policial? Iriam apenas responder com “Sim, senhora! ou “Não, senhora”? Essas eram questões

que me preocupavam muito no momento em que pensava as entrevistas. Mesmo após meses de

campo contínuos, tinha o receio de que nas entrevistas reproduzissem o padrão a que estão

Page 73: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

51

submetidos dentro da instância penal e de que tudo o que dissessem para mim poderia incriminá-

los como diria o agente penitenciário em ocasião já relatada. A essa altura da pesquisa de campo

já tinha também afastado de mim a ideia de que criaria uma relação assimétrica durante as

entrevistas. Tive a clareza que apesar da riqueza dos momentos nos diálogos tecidos estabelecia-

se uma relação assimétrica, afinal, era eu quem estava com um gravador na mão.

Estava ansiosa e com muita expectativa com relação a esse trilhar da pesquisa. O gravador

desde o primeiro dia já levantou brincadeiras dos agentes: “Ih! Não fala nada não que ela

está gravando!” “Cuidado!” “É aqui o que a gente falar pode virar contra nós!”

A minha primeira entrevista aconteceu no dia 27/12/2012. Cheguei à noite ao CR após o

procedimento da contagem dos presos. Expliquei ao agente do plantão noturno que iria precisar

da chave da biblioteca para a gravação. Pude contar com essa gentileza em todas as dezoito

entrevistas realizadas com os alunos, mais as três que envolveram os monitores-presos.

Nesse sentido, mais uma vez o tempo de espera para a realização das entrevistas

possibilitou que também criasse nos agentes a confiança em me liberar uma sala para que pudesse

contar com uma qualidade do áudio. Digo isto, porque todas as noites, sem exceção, o CR recebe

voluntários das mais diversas igrejas. Assim, as atividades são realizadas no refeitório e o som

advindo dos cantos, orações e cultos invade todo o anexo em que realizava as entrevistas. Sendo

assim, o fato de poder estar numa sala com a porta de vidro encostada fez com que o momento

das transcrições não perdesse a contribuição dos colaboradores.

Por mais que pudesse pensar que os colaboradores da pesquisa estão circunscritos a uma

mesma geografia (a instituição penal), cada um iria trazer sua singularidade para o momento da

entrevista. A elaboração de um roteiro para as entrevistas (em anexo) partiu do interesse de

compreender o funcionamento do currículo dentro da escola no cárcere. Mas colocando em jogo

o peso do gravador, do ambiente prisional e a própria lógica de pergunta e resposta tão bem

conhecida pelos que vivem este ambiente, procurei no início de todas elas demarcar meu objetivo

com as perguntas realizadas e o porquê da gravação. Líamos juntos o TCLE (Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido) e eu levava o original para xerocar, trazendo para eles a

cópia. Este era um momento em que, na maioria das entrevistas, já havia descontração pelo fato

do documento pedir que primeiro assinassem por extenso e em seguida realizassem uma rubrica.

Pronto! Aqui era o momento da criação, pois muitos deles jamais haviam realizado uma rubrica

do próprio nome. Aliás, muitos enfatizavam o tempo em que não assinavam o próprio nome. O

Page 74: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

52

terceiro colaborador pediu meu caderno de campo para treinar uma rubrica antes de passar para o

papel, envolvido que esteve na ação da criação.

Segue abaixo o movimento realizado por Edmilson antes da entrevista:

A primeira entrevista foi realizada com Lenival, aluno da turma de alfabetização. Ele era

galeria do anexo do “Setor da Educação” e desenvolvemos uma ótima convivência, já que

praticamente por oito meses era ela quem me abria o portão. Durante as aulas, ele me mostrava

seu caderno, levava doces para mim toda vez em que estava na cadeia e dividia o que estava

lendo de material de leitura de sua igreja. Quando disse a ele que gostaria de conversar a respeito

de escolas em que tinha passado no ambiente prisional, se mostrou tímido, mas topou. O MP, no

dia seguinte em que fiz o contato com Lenival, comentou que ele foi procurá-lo preocupado

contando que eu gostaria de conversar com ele e disparou a falar com o MP por meia hora,

ansioso para que chegasse o dia da conversa e que ele conseguisse falar na hora sem ficar

nervoso. O MP tentou tranquilizá-lo dizendo que era um momento em que ele poderia falar o que

quisesse e que eu estava interessada em saber de “coisas de escola”.

Figura 2 - Rubrica do aluno Edmilson

Page 75: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

53

Chega o dia da entrevista. Estava já na sala quando chega Lenival com seus doces para me

entregar, cabelo lavado, o uniforme da cadeia, mas a camisa branca extremamente “alva”.

Senta à minha frente um tanto nervoso e procuro distraí-lo perguntando da boia do dia e

ele me pergunta se era verdade que eu não comia carne. Conversamos um pouco sobre isso

quando introduzi o assunto: “Olha Lenival, essa é a primeira conversa que tenho de

muitas outras que farei com os outros alunos. Mas escolhi você nesta primeira

para me ajudar a ver se o que estou perguntando está bom, se acha que devo

mudar algo para as próximas conversas”. Depois dessa fala senti nele um alívio e um

certo conforto por mostrar minha confiança e a importância que ele teria pra mim neste momento.

Mostrei a ele meu gravador e ele se encantou com o tamanho. A entrevista foi ótima!

Conversamos por cinquenta e seis minutos e dezesseis segundos (56:16) e ao final de toda

entrevista perguntava aos colaboradores uma música de que gostavam, frase ou poema, algo que

os identificasse quando fosse transcrever a entrevista. Esse procedimento também foi bem

produtivo. Alguns cantavam e embalavam no ritmo da música, outros mais tímidos me pediam o

diário de campo e queriam escrever eles próprios e outros ainda ficavam um tempo em silêncio

como se tivessem perdido o gosto por essas coisas. Esse procedimento adotado inspirou-se no

documentário de Eduardo Coutinho chamado “Canções” (2011). Nele, o cineasta parte da

seguinte pergunta aos seus protagonistas: “Qual a música que marcou a sua vida?” E sendo

assim, quando perguntei ao Lenival sobre isso ele me respondeu: “Olha, música do mundão

eu não gosto. Só gosto do louvor. Anota aí uma música que chama: “Meu

advogado está no céu.”

Quando a entrevista terminou perguntei a ele o que tinha achado das perguntas, se ele

considerava importante que colocasse mais coisa ou tirasse algo pensando na escola da cadeia.

Foi quando em sua simplicidade me disse que não me preocupasse em fazer as mesmas perguntas

sempre, pois cada um teria uma história pra contar e que então eu poderia ir mudando de um

entrevistado para outro. Essa dica que Lenival me deu na primeira entrevista, também foi

reafirmada por uma das pesquisadoras da equipe de Eduardo Coutinho, que participou da

produção do documentário Edifício Master (2002) e trouxe em sua análise a difícil tarefa de

perguntar nas entrevistas:

Page 76: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

54

Conversar, orientar uma conversa, “desprogramar”, atrapalhar o menos possível,

mas intervir de alguma forma, estas são questões que não se resolvem de uma

vez por todas. Não há como fazer um “manual” das perguntas corretas. A cada

vez que acontece uma entrevista, surgem resoluções diferentes, com seus

erros e acertos. (LINS, 2004, p. 146)

A cada entrevista realizada sentia que seu desenrolar trazia a singularidade dos sujeitos ali

presentes nas suas formas de produzir o discurso que entendiam como suas verdades. Deste

modo, busquei olhar para as entrevistas não com uma lupa em mãos procurando identificar

minuciosamente o que era verdade e o que era mentira. A questão foi olhar para como cada

colaborador construiu a sua narrativa a partir do que lhe era significativo elucidar no momento

em que estivemos juntos. Por exemplo, em todas elas a experiência do cotidiano prisional

apareceu livremente, sem minha intervenção. Uma necessidade ávida por falar e trazer essa

experiência que variava em anos de prisão. Estrategicamente a questão dos crimes praticados

foram trazidos por poucos deles no momento da gravação das entrevistas. Interessante notar que

em várias situações, os colaboradores ao final, me perguntavam se ainda estava gravando.

Quando dizia que não, traziam as infrações cometidas. Sou 121 (homicídio simples), sou 157

(latrocínio) e etc... No início procurava trazê-los para as experiências escolares, mas fui

percebendo o inverso. Na verdade,

Quando as pessoas contam suas vidas, quando se narram a partir de experiências

pessoais, aumentam consideravelmente as chances de se obter uma fala viva, e

as opiniões que podem surgir emergem misturadas a essas experiências,

portanto, mais vigorosas. (LINS, 2004, p. 148)

Procurei antes, durante e depois da gravação tomar notas de expressões, comentários que

me permitiram reconstruir o contexto em que cada uma das entrevistas aconteceu e também por

ajudar a perceber certas regularidades enunciativas nos discursos. Nesse sentido, procuro olhar

para as palavras e expressões como modos de dizer e fazer o currículo da instituição penal

pesquisada. Quanto ao procedimento produtivo ao final das entrevistas realizadas que comentei,

segue abaixo na tabela, o nome dos colaboradores e suas indicações de frases, músicas, versos e

produções que os identificam:

Page 77: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

55

Antonio Pereira (64 anos) Eta mulher chorona! (Teodoro e Sampaio)

Claudio (20 anos) Gatinha assanhada, ce tá querendo o que? Gustavo Lima

Celso (45 anos)

Gratidão e alegria são duas dádivas preciosas que

proporcionam o brilho de nossa existência.

O ingrato e o insatisfeito são apenas perturbadores do

mundo. ( Essa fui eu.)

Edmilson (38 anos)

Não sei se vou acertar... ce assistiu os 2 filhos de

Francisco... “o dia em que eu sai de casa, minha mãe me

disse, meu filho, vem cá”. Pode mais uma?

“É o amor... que mexe com minha cabeça e me deixa

assim...”

Ernesto (20 anos) Tem uma frase que diz: Unidos venceremos, divididos

cairemos. (Bob Marley)

Jhonatas (19 anos)

Música que eu gosto... eu sou um cara muito

melancólico... eu gosto de música romântica: gosto da

Whitney Wiston, tem aquela Mariah Carey...

Brasileira que eu curto é Legião Urbana: Um dia desses o

tal João de Santo Cristo... (Faroeste Caboclo) eu gosto

porque fala um pouco da minha infância... gosto também

do Charlie Brown Junior.

Lenival (46 anos)

Olha, música do mundão eu não curto... eu curto assim de

louvor... tem uma assim que é aquela que fala assim “meu

advogado está no céu”.

Maicon (21 anos) Deus livra de todo o mal... cedo e a tarde... porque aqui

você tem que viver o dia.

Manoel (26 anos)

Frase de Albert Einstein: é mais fácil desfazer um átomo

do que desfazer um preconceito... ele fez essa frase em

memória do filho dele.

Marcolino (72 anos)

Poesia: Quando eu tava no hospital eu fiz essa:

O meu quarto

Não é meu

É de todo mundo

E não é de ninguém

Minha casa

Não tem porta

Nem janela

Mas tenho medo

De acostumar nela

(é a cadeia! Tudo trancado, não tem porta, nem janela)

Porque ficar preso não é bom não!

Moises (33 anos)

(risadas) Música que eu gosto: “Silêncio da noite”...

Às vezes no silêncio da noite... acho que é Peninha... sei

lá...

Rafael Darwin (30 anos)

Música: Dias de luta, dias de glória (Charlie Brown)

“Pode me tirar tudo o que tenho, só não podem me tirar as

coisas boas que eu fiz pra quem eu amo”

Page 78: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

56

Observação: Me procurou no dia seguinte com uma frase

que fez enquanto ficou no castigo:

Todos os dias mordo as correntes dos grilhões que me

prendem e mesmo que elas não se partam continuarei a

afiar meus dentes.

Tiago (22 anos)

Música: Tem várias...tem uma que é aquela evangélica:

“Como Zaqueu, eu quero subir, o mais alto que eu

puder”...

Tiago (24 anos)

Frase: Nossa! Que branco! É... Isso daí foi uma frase em

que eu ouvi dentro da FEBEM... era grito de guerra...

pode ser pra apologia ou pro bem ...Eu to usando ela pro

bem... porque o mal não compensa.

Desistir jamais, lutar sempre, vencer às vezes e desistir

jamais.

Wellington (22 anos)

Música: Charlie Brown Junior

“Eu não sou senhor do tempo, mas sei que vai chover

Eu só sei que me sinto muito bem quando estou com você

Eu gosto das músicas deles porque ele cita a realidade de

hoje, do sistema que tá errado... ele fala a verdade... coisa

que muita gente não quer ver e tá ali.

Willian (21anos)

Música: Tenho andando tão sozinho ultimamente que nem

vejo em minha frente nada que me dê prazer... essa

música tocou no velório da minha avó... ela gostava dessa

música...

Robinson Passei a vida inteira tentando provar para as pessoas que

eu não preciso provar nada pra ninguém.

Leão (47 anos) O único passo entre o sonho e a realidade é a atitude.

Marcos Vinicius (20 anos)

Poema: Faxina da alma- O recomeçar

Não importa em que ponto da vida você parou

Ou em que ponto cansou

Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo.

Paulo Pra ser sincero não espero de você, mais do que educação.

Engenheiros do Hawai.

Silvio (31 anos)

“Estou aqui porque finalmente não posso mais me

refugiar de mim mesmo, até que sofra o partilhar dos meus

segredos não me libertarei deles. Temeroso de ser

conhecido não poderei me conhecer e nem ao outro estarei

só. Onde senão em meu companheiro poderei encontrar

este espelho. Neste solo poderei criar raízes e crescer não

mais isolado como a morte, mas como alguém parte de um

todo compartilhando seus propósitos.”

Tabela 3 - Frases, Músicas, versos e produções dos colaboradores

Conforme salientei em outro momento, a escolha dos colaboradores aconteceu através das

minhas participações nos mais diversos momentos da instituição penal, mas, sobretudo por

Page 79: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

57

indicação dos dois monitores-presos atendendo, aos critérios lançados por mim: que tivessem tido

experiência em outra instituição total (no sentido goffminiano) ou que já tivessem tido

experiência escolar em outro estabelecimento prisional. Não houve negativa por parte de nenhum

possível colaborador para o convite da entrevista.

Após realizar as entrevistas, busquei traçar um perfil de idade dos entrevistados (alunos),

pois esse não foi um critério utilizado para selecioná-los, mas que de certa forma propiciou um

universo heterogêneo tratando-se de faixa etária:

Gráfico 1 - Perfil de idade dos colaboradores

Busquei traçar até o momento os movimentos da navegação da pesquisa, a forma de

produção de dados e os processos envolvidos na construção do conhecimento apoiados na

experiência de minha inserção num campo tão peculiar como o de uma instituição penal. Assim a

própria organização do texto partiu do que os elementos do campo evidenciaram e também da

riqueza das entrevistas. Deste modo priorizo nesta pesquisa o trabalho de campo ao longo dos

capítulos. A experiência do “campo” deve ser entendida como o fio narrativo que na escolha das

temáticas tratadas em cada capítulo procura elucidar a pergunta da pesquisa: Como se configura

o currículo de uma escola dentro de uma instituição penal?

Page 80: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

58

Foi possível assim, construir o roteiro da navegação...suas paradas...mirantes...avanços e

recuos. Para a próxima parada do barco escolhi por situar a temática prisional no contexto do

Estado de São Paulo e suas formas de governar populações consideradas excedentes.

Page 81: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

59

DEPOIS DOS NAVIOS NEGREIROS... OUTRAS CORRENTEZAS25

Antes mesmo da escolha do local de “aportar” o barco (o Centro de Ressocialização de

Bragança Paulista) foi necessário realizar um estudo do roteiro da navegação numa escala maior.

Com esse olhar panorâmico foi possível averiguar o contexto prisional brasileiro e o paulista,

bem como a dinâmica que rege esse universo.

Podemos afirmar que em nosso país, a contradição criada entre a elaboração da nova

Constituição Federal de 1988, que buscou trazer uma concepção de democracia participativa, não

se coaduna com as mudanças que se seguiram na década de 90, as quais demarcam uma postura

caracterizada pela eficiência e redução de gastos na administração pública. Essas mudanças tem

impactos no funcionamento do sistema prisional com a produção de políticas focadas no

gerenciamento do crime. Além disso, a mídia possui papel fundamental para que se sustente a

necessidade da adoção de medidas implacáveis, as quais como disse anteriormente não

condizentes com as ideias democráticas expressas no texto constitucional. As medidas marcadas

pela lógica gerencial de grupos identificados como de “difícil controle” (FEELEY; SIMON,

2012, p.25) refletem as taxas de encarceramento no Brasil, que só perdem para os Estados

Unidos, China e Rússia, o que se verifica no último relatório disponibilizado pelo Sistema

Integrado de Informações Penitenciárias26

(INFOPEN), de dezembro de 2012 onde se revela que

a população prisional do Brasil é de 548.003. Ao realizarmos um recorte para o grau de instrução

apontado pelos dados temos 231,429 pessoas presas que possuem o Ensino Fundamental

incompleto. E mais: o indicador trazido com relação a faixa etária é alarmante: o perfil do preso

brasileiro é composto por jovens entre 18 e 24 anos representando 143, 47 da população prisional

e 25 a 29 anos representando 122,767. Assim, ao colocarmos a população prisional de 18 a 29

anos temos 266.237 jovens encarcerados. O Brasil tem se mostrado resistente aos modelos

alternativos de cumprimento de pena e sendo assim o tempo médio de pena em regime fechado

fica entre mais de 4 até 8 anos. (85,784).

25

Cazuza. Um trem para as estrelas. Álbum: O tempo não para. Lançada em 1989. Universal Music

Brasil. 26

www.mj.gov.br (acesso em 06/05/2013)

Page 82: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

60

De acordo com o relatório da UNESCO27

de 2009 sobre a Educação em prisões na

América Latina, observou-se que 95% da população prisional da América Latina não precisaria

de regime fechado e neste caso, 30% da população prisional poderia estar cumprindo penas

alternativas. Sendo que no Brasil, a aplicação de penas alternativas permanece em torno de 10%

dos casos comparados aos 70% utilizados na Europa.

Vale ressaltar que a partir da criação do INFOPEN os dados nacionais gerados puderam

ser sistematizados a partir do seu lançamento em 2004, em Brasília. Sendo assim, um manual de

orientação fora criado para os gestores da Administração Penitenciária em outubro de 2005 e de

acordo com o material: “todo mês, até o dia 05 (cinco), o Estado deve preencher os valores de

indicadores referentes ao mês anterior, de cada estabelecimento e da Secretaria”28

. (p. 34)

Segundo Julião (2009) e Adorno (1991) há que se olhar com ressalvas para os dados

disponíveis uma vez que “cada Estado utiliza-se de mecanismos muitas vezes antiquados,

irracionais e ultrapassados” (JULIÃO, 2009, p. 80). Por esta razão esses dados precisam ser

considerados com cautela por estudos científicos. Entende da mesma forma Adorno (1991, p. 9)

que coloca questões ainda mais alarmantes. Para este autor, a questão não perpassa apenas por

“ausência de recursos humanos qualificados ou da falta de métodos racionais de trabalho” [...].

Destaca que essas confusões parecem dispor de certa intencionalidade. E quando a tarefa chega

aos gestores da administração penitenciária nota-se a alta demanda burocrática do trabalho

prisional e a falta de funcionários conforme o relato da gestora do Centro de Ressocialização: “eu

preciso mandar o relatório deste mês que era dia 05 e hoje já é 23...” Nota-se assim que olhar

para a realidade do sistema prisional somente através dos números como fonte de “verdade” para

a elaboração de políticas públicas é demasiado contrassenso.

As opções pelo modelo de sistema prisional brasileiro nos levam a entender que o Estado

penal se fortalece através do encarceramento de diferenciação. Isto significa que este tipo de

encarceramento destina-se a excluir da circulação os miseráveis e, portanto é preciso contê-los,

abarrotá-los e tirá-los de nossa visão porque são sujos, pobres e não produtivos. Para autores

como Feeley; Simon (2012, p. 467)

um segmento da sociedade que é visto como permanentemente excluído da

mobilidade social e integração econômica [...] e não formam um exército de

27

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 28

www.mj.gov.br (Acesso em 06/05/2013)

Page 83: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

61

reserva para o mercado” deve ser colocado como foco de uma vigilância

permanente sendo um tipo de função de gerenciamento do lixo.

.

No Brasil, com a desfederalização do Direito Penal, a implantação de políticas públicas de

execução penal fica a cargo de cada Estado, que tem autonomia para legislar. Com essa medida,

objetivou-se que cada Estado da federação atuasse sobre sua heterogeneidade prisional. A

desfederalização proposta pela Lei de Execução Penal (LEP- nº 7.210/84), considerada uma das

mais avançadas do mundo por juristas da área, tem como função propor as condições em que o

encarcerado cumprirá sua pena. Para esboçar a estrutura federal29

temos o primeiro dos órgãos

quando nos referimos à Execução Penal, que é o Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária (CNPCP) instalado em junho de 1980 que busca implementar políticas criminais e

penitenciárias e executar planos nacionais com metas e prioridades. O CNPCP está subordinado

ao Ministério da Justiça. A saber, a Lei de Execução Penal (LEP) foi elaborada em 1984 e sua

nova redação encontra-se sob o número de Lei 12.245/2010. Dez anos depois da primeira versão

da LEP cria-se o Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) pela Lei Complementar nº 79, de 7 de

janeiro de 1994 que dentre outras funções é o responsável por proporcionar recursos e meios para

a modernização do Sistema Penitenciário Brasileiro. Sendo assim, o Departamento Penitenciário

Nacional (DEPEN) deve gerir os recursos do FUNPEN e também apoiar o CNPCP relativas às

questões administrativas e financeiras. Entretanto, essa estrutura não encontra ecos e articulações

dentro dos Estados brasileiros por contarmos com a desfederalização do Direito Penal. Nesse

sentido, a autonomia que os estados possuem nas formas de realizar sua própria Execução Penal

nem sempre leva em conta os passos dados do governo federal para o sistema prisional e no caso

desta pesquisa, evidenciamos esta lacuna entre o governo federal e o governo estadual de São

Paulo quando o assunto tratado é a Educação, como poderemos verificar ao longo da escrita do

texto.

29

www.mj.gov.br (acesso em 06/05/2013)

Page 84: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

62

Polícia para quem precisa

Polícia para quem precisa de polícia

Dizem que ela existe pra ajudar

Dizem que ela existe pra proteger

Eu sei que ela pode te parar

Eu sei que ela pode te prender30

...

O site oficial do Estado de São Paulo31

declara ser este o Estado “motor econômico” e

“mais rico” dentre as unidades federativas. Enumera ainda outras qualidades tais como:

responsável por 31% do PIB do país e detentor da melhor infraestrutura e mão de obra

qualificada. Entretanto, o que não é motivo de orgulho e não aparece em nenhum link do site são

os dados de sua realidade carcerária. A população prisional de São Paulo estampada pelo

INFOPEN (dezembro de 2012) é de 195.695 presos, o que representa 40% da população

carcerária do país. Mais uma vez a informação soa como eco da realidade brasileira e também em

São Paulo, já que o relatório evidencia uma população jovem encarcerada entre 18 e 24 anos

(49.404). A predominância no modo de cumprimento da pena conforme sinalizamos na realidade

nacional é o regime fechado, e São Paulo é responsável por 59.591 dos encarcerados. Mas situar

o “motor econômico” do Brasil requer estampar também que 71.634 possuem o Ensino

Fundamental incompleto. Quando fazemos o zoom para o item dos presos envolvidos em

atividades educacionais, temos dos 195.695 presos do Estado de São Paulo, 11.326 estudando, ou

seja, apenas 8%.

A questão da trajetória escolar interrompida e o grau de escolaridade evidenciado nesta

pesquisa acerca dos colaboradores se afina com as estatísticas nacionais e estaduais. Vejamos

abaixo a trajetória escolar dos entrevistados anterior ao momento em que chegaram à prisão. Vale

ressaltar que a série por eles relatada não constituiu uma trajetória linear, sem evasão e

repetência, com exceção de dois alunos presos que tiveram sua trajetória linear até a série por eles

30

Titãs, 1986. 31

www.saopaulo.sp.gov.br (Acesso em 15/05/2012)

Page 85: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

63

frequentada. Trata-se de um aluno que seguiu até o primeiro ano do Ensino Médio e o outro até o

Segundo Ano.

O gráfico mostra que o Ensino Fundamental incompleto é o que configura a realidade

pesquisada e que a marca da evasão e da repetência foi algo constante nas suas histórias de vida.

Outra questão central é que mesmo os mais jovens tendo acesso à escola em idade esperada pela

legislação, percebe-se ao longo da trajetória escolar, que a repetência e a evasão constituem a

trajetória de exclusão configurando a idade-defasagem como mais uma marca da população

entrevistada nesta pesquisa.

Gráfico 2 - Perfil de escolaridade dos colaboradores

O que foi possível perceber nas entrevistas é que a questão da repetência e evasão escolar

possuem explicações das mais diversas, conforme seguem os relatos abaixo: “Olha pra falar a

verdade, minha vida de escola não foi muito boa não...porque tipo assim..só na

creche eu repeti umas par de vez...pra falar a verdade...até perdi as

contas...repetia...repetia e nada. Aí depois da quarta série...larguei mão...não

quis mais” . (Edmilson, 38 a).

Já, para Manoel (26 a) a questão do trabalho se sobrepôs à escola: “Eu reprovava por

faltas, por causa do serviço, mas era um excelente aluno.”

Page 86: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

64

A rotatividade por diferentes cidades foi trazida por Tiago, (24 a): “Eu repetia porque

minha mãe ficava mudando muito de cidade e eu perdia tempo, porque eu

chegava nas escolas e eles não matriculavam... Depois também eu trabalhava

com serviço pesado durante o dia e aí depois à noite pra ir pra escola...eu

desanimava.”

Olhar para as falas trazidas por esses alunos presos e a relação truncada que vivenciaram

ao longo do processo de escolarização pode explicar porque o Ensino Fundamental incompleto

compõe o perfil do preso brasileiro evidenciando que já tiveram seus direitos negados antes

mesmo da chegada à prisão.

Com a estamparia de “baixa escolaridade”, os presos são considerados pelas políticas

penais como uma população “marginal, sem alfabetização, sem habilidades especiais e sem

esperança; um segmento patológico da sociedade que se perpetua a si mesmo e que não é

integrável ao todo, nem mesmo como uma bolsa de reserva laboral”. (WILSON apud FELLEY;

SIMON, 2012, p. 40)

As ideias dos autores citados acima se assemelham à maneira como Bauman (2007)

também aborda o problema, ou seja, como parte das estratégias da administração da pobreza

através da segregação e penalização como formas de se esconder os problemas maiores de

desigualdade social. Enfatiza que a quantidade de seres humanos tornada excessiva pelo triunfo

do capitalismo global produz um “lixo humano” que precisa ser destinado aos aterros. A retração

de serviços sociais e o endurecimento das penas promovem consequências na maneira de focar o

problema da segurança pública: é preciso expandir os aterros para receber o “lixo humano”,

porém seu tratamento inviabiliza sua “reciclagem social”. Portanto, para o autor:

Os criminosos [...] não são mais vistos como temporariamente expulsos da vida

social normal e destinados a serem “reeducados, reabilitados e reenviados” à

comunidade na primeira oportunidade- mas como permanentemente

marginalizados, inadequados para a “reciclagem social” e designados a serem

mantidos permanentemente fora, longe da comunidade de cidadãos cumpridores

da lei. (id, p.76)

O discurso da punição encontra solo fértil e aceitação da sociedade que clama por mais

segurança. Sendo assim, a prisão da maneira como foi pensada no século XVIII ainda se

apresenta como a melhor maneira de afastar as categorias sociais indesejáveis dos cidadãos de

bem(ns!). A Secretaria de Segurança Pública, do “motor econômico” do país, estampa em seu site

Page 87: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

65

seu plano de expansão das unidades prisionais em pleno andamento e encontramos também a

seguinte afirmação: São Paulo conta hoje com a polícia que mais prende no Brasil, fruto da

política séria adotada pelo governador Geraldo Alckmin.

Entretanto o que é necessário evidenciar é que não basta acreditar somente que investir na

construção de novas unidades para conter os imorais resolverá o problema de gerir a pobreza e a

miséria tão acentuadas em nosso país. Ainda por informações disponibilizadas no site32

destaca-

se São Paulo também por ser o estado que possui o maior número de estabelecimentos prisionais

(149). Godoi33

(2014) aponta como a estratégia de expandir as unidades prisionais para cidades

do interior do Estado é uma forma de usar a população carcerária e suas famílias como projeção

de renda para as cidades em que os presídios são construídos. E conclui: “regiões distantes dos

grandes centros comerciais que careciam de atividades encontraram no encarceramento um nicho

econômico pra se sustentar, se desenvolver e aumentar suas arrecadações.” É interessante notar

como os enunciados (FOUCAULT, 2006) dispostos em redes discursivas operam de maneira

interligada aos choques imagéticos (TURCKE, 2010) disparados para a população. Logo, veem-

se ao vivo cenas horripilantes de terror, medo e violência na mídia televisiva produzindo a

necessidade de nos sentirmos seguros das classes perigosas como já enunciado acima. É preciso

conter os pobres, sujos, não produtivos e não consumidores do mercado. Deste modo, a estratégia

de lucrar com o medo, evidenciada por BAUMAN (2007, p.23) “está lá, saturando diariamente a

existência humana enquanto a desregulamentação penetra profundamente nos seus alicerces e os

bastiões da defesa civil da sociedade desabam.”

Nota-se que a escolha política do estado de São Paulo é o investimento no controle e

repressão assemelhando-se ao modelo americano de punição. Wacquant (2008) conceitua esse

modelo de “penalidade neoliberal” que nada mais é do que o enfraquecimento de investimentos

por parte do Estado em políticas sociais. O autor também observa em sua análise sobre países da

América Latina, a réplica de modelo de punição do “made in USA” que tem sido importada ao

atacado e ressalta que a opção pelo fortalecimento do Estado Penal está atrelada ao modo como:

Esse novo governo [...] assenta-se por um lado, no disciplinamento do mercado

de trabalho desqualificado e desregulado, e por outro, em um aparato intrusivo e

32

www.ssp.gov.br 33

GODOI, Rafael. A estratégia de interiorização dos presídios. São Paulo, 04/10/2012. www.brasildefato.com.br

(acesso em 15/12/2012)

Page 88: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

66

onipresente. Em países onde a ideologia neoliberal de submissão ao “livre

mercado” se implantou, observamos um espetacular crescimento do número de

pessoas colocadas atrás das grades, enquanto o Estado depende cada vez mais da

polícia e das instituições penais para conter a ordem produzida pelo desemprego

em massa, a imposição do trabalho precário e o encolhimento da proteção social.

(WACQUANT, 2008, p.96)

Não é aqui intenção da pesquisa problematizar a questão do trabalho oferecido nas

unidades prisionais e sua relação com a Execução Penal. Julião (2009) cuidou dessa relação com

propriedade e analisou também os impactos dos programas laborativos na reinserção social do

encarcerado. Porém o que podemos afirmar é que ainda existe uma estreita relação entre as

atividades laborativas oferecidas em penitenciárias em meados do século XIX com relação às

desenvolvidas em pleno século XXI. Numa das aulas em que participei um rapaz jovem, com

seus 19 anos, recém-chegado ao CR analisa essa questão do serviço oferecido ali dentro

reafirmando a ideia de Marcelo/ agente: “Esse tipo de trabalho só atrofia mais o

cérebro” e fala com o monitor- preso: “Por que não colocam mais empresas aqui? Só

contar garfinhos?” O monitor- preso argumenta: “Mas tem muita família aqui que é

sustentada pelos garfinhos”. Apesar da distância temporal (século XIX- XXI) o uso do

trabalho dentro de instituições totais como a prisão desde sempre dá a ilusão aos presos de que

estão recebendo a oportunidade de trabalho e algum dinheiro, mas por outro lado é um local

privilegiado para empresários e o campo privado se beneficiarem de uma mão-de-obra barata e

desqualificada. Essa lógica ainda serve de vitrine de marketing conforme o exemplo disparado no

site da Secretaria da Administração Penitenciária com a seguinte manchete34

: “Futebol para o

bem- Bolas produzidas pelos reeducandos da Penitenciária Nilton Silva, de Franco da Rocha

serão utilizadas pela ONG “Spirit of Football”, numa jornada pelo mundo.” O projeto, realizado

desde 2004 naquela unidade prisional, oferece trabalho remunerado em média a 220 presos, que

fabricam bolas e redes para a prática de futebol de campo, futsal, voleibol, handebol e basquete,

além de agasalhos, camisetas e bermudas que serão destinados a projetos sociais.

Na tabela reproduzida abaixo do relatório do INFOPEN35

é possível observar como se dá

a divisão do trabalho oferecido dentro dos estabelecimentos penais do Estado de São Paulo. E

34

Acesso em 06/06/2012 www.sap.sp.gov.br 35

Acesso em 09/05/2013

Page 89: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

67

obviamente, as parcerias que envolvem a iniciativa privada estão em primeiro lugar e em seguida

o item apoio ao estabelecimento penal. Vejamos:

Parceria com iniciativa privada 18.401

Parceria com órgãos do Estado 1.918

Parceria com paraestatais (Sistema “S” e ONG) 115

Apoio ao estabelecimento penal 15.074

Atividade desenvolvida- artesanato 2.786

Atividade desenvolvida- rural 286

Atividade desenvolvida- industrial 2.827

Tabela 4 - Diversão do trabalho oferecido dentro dos estabeleciemntos do Estado de SP

É interessante notar como a questão do trabalho acontece dentro de uma prisão. Conforme

já relatado acima, as práticas tidas como “trabalho” não se diferem das atividades oferecidas

como a costura de bolas, produção de carteiras escolares, embalar garfinhos e etc... Este é um

modo bastante eficiente de gerir a economia, já que as empresas privadas se beneficiam com a

mão-de-obra barata ao oferecerem os serviços aos presos pagando 3/4 do salário mínimo, além da

redução de pena por trabalho que se dá pelo seguinte cálculo: a cada três dias trabalhados, se

reduz um dia de pena. Este cálculo é previsto pela Lei de Execução Penal desde 1.984. Além

desse trabalho desqualificado oferecido aos presos dentro das prisões através da iniciativa

privada, que desconsidera as leis trabalhistas, outro modo de manter a prisão em funcionamento e

reduzir os gastos com funcionários é a busca por “apoio ao estabelecimento penal” que aparece

em segundo lugar na tabela acima. Durante as entrevistas, alguns relatos dos colaboradores

trouxeram experiências de como vivenciaram a possibilidade de reduzir pena por trabalho através

de diferentes funções. No primeiro capítulo descrevi a função dos “galerias” exercidas por presos

do Centro de Ressocialização. Eles ilustram essa contagem de apoio para manter a casa em pé.

Page 90: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

68

Antes de vir para o CR, Lenival divide sua experiência vivida no Centro de Detenção Provisória

(CDP) de Sorocaba:

“Tinha remição do setor do raio onde você estava preso ali, tinha 16

barracos... o 1 é a entrada do raio aqui quando ce vem preso ce vem pra gaiola

e os caras (presos) vem do seu lado trocar ideia do que você fazia o que ce fez,

os caras do setor... os Jet, o Cabeça, quando o diretor vinha ele conversava

com o Jet, o piloto do raio porque o polícia só mandava da gaiola pra trás pra

dentro era o piloto, o polícia só entrava no dia da blitz entrava arregaçando..se

o jet falava se não vai entrar não entrava, e o Jet falava pra eles vocês mandam

da gaiola pra trás, aqui dentro é nois.Quem escolhe o Jet é o diretor, chega e

fala assim ce vai ficar pra piloto da cadeia dali você vai escolher mais 8

pessoas, faxina e paga boia entendeu e você escolhe 8 pessoas, 4 pra faxina e 4

pra pagar boia... A remição lá você ganhava, que nem eu ganhava remição

porque eu tava no setor, eu fiquei 1 ano e 7 meses, eu fazia faxina, depois eu

pegava e ia pra barraca servir comida pra eles, lavava roupa pra eles no X,

perto do boi... (explica na mesa), aí tinha o chuveiro e a torneira, eu colocava a

roupa de molho e lavava... lavava a roupa dos jet e dos faxina... mas aí eu

ganhava cigarro que é outra moeda... e rolava outras coisas... entendeu... O

CDP é grande só o raio cabe 370 pessoas, o do comando cabe 500 pessoas ala

tal e tal... cada raio

Silvio, outro colaborador finaliza: “Porque é difícil... tudo é difícil... não tem

funcionário pra todo mundo, a maioria dos serviços quem faz é o preso”.

Nesse sentido nota-se o uso da remição de pena por trabalho de um duplo sentido: os

presos mantém em funcionamento a instituição penal realizando diferentes funções e com isso

reduzem seu tempo de pena ao serem “beneficiados” pela remição de pena por trabalho. As

estatísticas de desemprego não consideram a população encarcerada, pois neste caso o “motor

econômico” teria que lidar com um aumento considerável desse índice. Premê já diria: São Paulo

é grana, São Paulo engana.36

36

Música: São Paulo, São Paulo. Álbum: Premeditando o breque, 1982.

Page 91: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

69

Importante situar a questão do trabalho dentro das unidades prisionais já que ela se

relaciona com a experiência educacional desses sujeitos e que será problematizada neste trabalho.

Antonio, um colaborador da pesquisa que “trabalhava” como monitor da biblioteca do Centro de

Ressocialização nos adianta: “A cadeia investe mais no trabalho. Quem opta por

escola é quem tem visita, quem não tem vai pro trabalho.” Ainda sobre esse assunto,

Lenival complementa: “Eu cheguei lá na Penita37 e queria estudar, mas pra estudar

se você fosse estudar você não ia não trabalhar e se fosse trabalhar não ia

estudar você tinha que escolher ou trabalho ou escola, aí como lá é, era um

buracão, longe, não tinha visita, não tinha nada, fui trabalhar... ou uma coisa

ou outra, você escolhe... se você for trabalhar não vai estudar.”

De modo que a gestão da pobreza intramuros é operada pela docilização dos corpos e suas

máquinas-corpo produzem o necessário para a não-vida de seu cotidiano. Do lado de fora, a

mídia televisiva ostenta seu fascismo, apoiando a expansão vertical dos números que a cada

minuto não param de crescer: mais máquinas-corpo sendo despejadas nos aterros, bem como a

expansão horizontal dos planos de intensificação de construção de novas unidades prisionais de

despejo dos corpos pobres, vindo de um mercado informal e desqualificado. É da trama dessas

relações que sobrevive o sistema penal. Garland (2012, p. 58) complementaria destacando que:

a atenção está sendo deslocada para o tratamento dos efeitos do crime-custos,

vítimas e cidadãos amedrontados- mais do que para suas causas. Sobretudo, há

um explícito reconhecimento da necessidade de se repensar o problema do crime

e as estratégias para gerenciá-lo.

De fato, não quero aqui desconsiderar o fato da potência do Estado de São Paulo, mas

apontar que apesar de toda a (s) sua(s) “riqueza” (s), contraditoriamente realiza escolhas no

gerenciamento de sua (s) “pobreza (s)”. Mas enquanto isso... a Avenida Paulista continua a

brilhar com seus prédios e o andar desenfreado dos executivos que correm do mundo infame

encarcerado.

37

Abreviação de Penitenciária

Page 92: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

70

A rota da navegação: O Centro de Ressocialização de Bragança Paulista

A escolha pelo local em que a pesquisa aconteceu se justifica por ser o Centro de

Ressocialização de Bragança Paulista, a primeira experiência do Estado de São Paulo a implantar

este modelo de unidade prisional baseado no projeto estadual “Cidadania no Cárcere” a partir dos

anos 2000. São Paulo possui em sua organização tipos diferenciados de unidades prisionais38

sendo divididas de acordo com a tabela abaixo:

Penitenciária

Capacidade: 768 presos

• Regime fechado;

• Oferece mais condições de recuperação;

• Possui oficinas e salas de aula;

• Parlatório;

• Cozinha e ambulatório médico;

• Local adequado para banho de sol;

• Abriga presos condenados.

Centro de Detenção Provisória (CDP)

Capacidade: 768 presos

• Oferece segurança à população e dignidade

ao preso;

• Atendimento médico e odontológico;

• Parlatório e sala de audiência;

• Celas reforçadas com chapas de aço;

• Detector de metais, sistema de alarme e TV;

• Construído para abrigar a população dos DPs

e cadeias;

• Presos provisórios (regime fechado);

• Estabelecimentos para presos que aguardam

julgamento.

38

www.sap.gov.br (acesso em 10/05/2013)

Page 93: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

71

Centro de Progressão Penitenciária

Capacidade: 1.048 presos

• Regime semiaberto;

• Mais facilidade de ressocialização;

• Oficinas de trabalho;

• Salas de aula.

Centro de Readaptação Penitenciária

Capacidade: 160 presos

• Celas individuais (segurança máxima);

• Segurança: sistema interno de TV e

detectores de metais;

• Equipamento de alarme e bloqueador de

celular;

• RDD - Regime Disciplinar Diferenciado;

• Cozinha e ambulatório médico.

Centro de Ressocialização

Capacidade: 210 presos

• Unidade mista (regimes fechado, semiaberto

e provisório);

• Administrado em parceria com ONG;

• Participação efetiva da comunidade;

• Serviços assistenciais, saúde, odontológico,

psicológico, jurídico, social, educativo,

religioso,laborterápico.etc.

• Manutenção do reeducando: custo reduzido;

• Baixo índice de reincidência.

Ala de Progressão Penitenciária

Capacidade: 108 presos

•Regime semiaberto;

• Unidades construídas junto a

estabelecimentos de regime fechado.

Tabela 5 - Organização das unidades prisionais do Estado de SP

Page 94: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

72

É preciso salientar que esta tabela está no site oficial da Secretaria de Administração

Penitenciária (SAP) e, portanto números e características esboçadas não podem deixar de ser

lidos dentro do contexto de produção deste discurso oficial. Com isto quero dizer que se trata de

divulgar e projetar a imagem ideal das unidades prisionais quando ainda estão no papel, ou ainda

durante a discussão do projeto arquitetônico e não quando a unidade passa a ser habitada.

Durante as entrevistas os colaboradores que viveram experiências em outro modelo prisional

também contribuíram para desenhar outra tabela, que não a divulgada no site oficial do SAP.

Com as entrevistas foi possível notar a contradição existente entre esse site oficial e as condições

de sobrevivência dentro dos modelos de unidades prisionais. Uma primeira contradição se refere

à capacidade que a unidade prisional comporta. Em segundo lugar, aparece a falta de condições

para a realização de atividades, sejam elas laborativas ou educacionais. Por fim, evidencia-se

também a falta de funcionários para atuar no tão sonhado processo de ressocialização dentro das

prisões. William coloca: “Por exemplo, no CDP sem chance, sem escola, sem

serviço, sem nada...”, “O CDP é grande, só o raio cabe 370 pessoas, o do

comando cabe 500 pessoas ala tal e tal... cada raio..” Aqui é preciso ilustrar que o

Centro de Detenção Provisória (CDP) é composto por oito raios. Então é possível multiplicar a

quantidade que o colaborador traz e imaginar a capacidade oferecida (ideal) e a da vida como ela

é. Silvio aponta: “O que é ressocializar? Se é socialização e eu tenho que voltar,

então poxa? Eu preciso de uma equipe multidisciplinar, preciso de alguns

fatores pra eu poder voltar pra sociedade”. Para situar o modelo de unidade prisional

(CR) é preciso entender o modelo de co-gestão instalado. Nesse modelo buscava-se uma co-

gestão entre ONG e Segurança Pública. Sendo assim, através do Decreto nº 45.403/2000 a cadeia

pública de Bragança Paulista é transformada no Centro de Ressocialização. Pelo relato de Celso,

a estrutura da cadeia pública antes de se tornar um CR era bem confusa: “Eu era menor e fui

pego aqui...(Bragança) e na época era o Doutor Nagashi e Pedro Oscar... eu fui

preso pela primeira vez aos onze anos e ele me deixou preso aqui (se refere a

antiga cadeia pública) uma semana, numa cela especial e depois ele me

transferiu pra lá (FEBEM/SP). A gente tinha uma cela especial por ser menor e

já de maior de idade, responsável pelos meus atos acabei sendo preso ali na

Nove de Julho (avenida da cidade) e vim preso aqui... vim pra Cadeia Pública

de Bragança antes de ser Centro de Ressocialização (CR) era cadeia pública...aí

Page 95: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

73

fiquei aqui 9, 10 anos e depois me mandaram pra São Paulo eu sai daqui, fui

de bonde já tinha virado CR ... foi em 2000, eles vieram ai... doutora Gizelda,

doutor Marcos Libanês ...eles vieram pra cá e eu lembro que ela falou assim na

época: dona Gizelda falou assim: “ a gente veio lá de Presidente Prudente e veio

trazer o nosso melhor de lá, vamos pegar o que vocês tem de melhor aqui,

espremer dois limões, fazer uma limonada e beber junto...ela fez isso... pegou o

bom de lá com o melhor daqui... pegou os que não queriam ficar aqui que não

aceitaram as normas... e mandou de bonde... mesmo assim não tinha escola

não... não existia o anexo II, só existia as celas 1,2,3,4 e 5, o 8 era cela das

mulheres, o 9 de menores e o 10 do cabo que fazia ronda em volta da cadeia... o

alojamento dos polícia... eles dormiam aqui também... a escola veio um pouco

antes de construírem o anexo II, foi em...bom... eu fui de bonde em 1993

daqui... quando mataram uns três ali e até 1993 não tinha, a escola aqui

começou mais ou menos em 1997... que começou as “aula” aqui...” Celso faz

referência ao Doutor Nagashi Furukawa que nos anos 2000 foi o responsável pela implementação

da proposta de co-gestão dos Centros de Ressocialização e era Secretário da Segurança Pública

de São Paulo. Observa-se também que Celso faz referência a mortes ocorridas quando o prédio

ainda era denominado de “cadeia pública”. Foi após esse acontecimento que membros da

sociedade bragantina foram à Tribuna Livre na Câmara Municipal e relataram as dificuldades que

a cadeia pública passava. O juíz de Execução Penal da cidade na época era o Doutor Nagashi

Furukawa, o qual organizou uma reunião no dia 16 de maio de 1994, no Fórum de Bragança

Paulista, propondo a reativação da APAC- Associação de Proteção e Assistência Carcerária que

já havia funcionado por três anos na cadeia pública,tendo sido extinta. Porém, a primeira

experiência desenvolvida pela ONG APAC aconteceu no ano de mil novecentos e setenta e dois

(1972), na cidade de São José dos Campos, quando um grupo de voluntários cristãos liderados

pelo advogado Mario Ottoboni resolveu intervir nas condições vividas por internos da cadeia

instalada na cidade. Assim, a atuação da ONG voltava-se ao trabalho de orientação religiosa e

assistência material. Este grupo era responsável pela evangelização dos presos e também visava

garantir os direitos básicos previstos pela Lei de Execução Penal. Dois anos após iniciar suas

atividades ganha legitimidade jurídica e passa a administrar a cadeia de São José dos Campos em

parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária. Essa primeira tentativa na cidade de

Page 96: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

74

São José dos Campos é que inspirou o governo do Estado a difundir a ideia de co-gestão39

e o

novo modelo de penitenciária. O método APAC40

é adotado em outros países como Equador,

Argentina, Peru, Estados Unidos, África do Sul, Nova Zelândia e Escócia.

De volta à cidade de Bragança Paulista... após a reunião do juíz e a reativação da APAC

iniciaram-se os trabalhos da ONG no Centro de Ressocialização que sobreviveu de doações e

contribuições dos associados entre 1994 e 1996. No ano 2000, inauguração do novo modelo de

unidade prisional e de co-gestão, o convênio com a APAC foi renovado não mais pela Secretaria

de Segurança Pública, mas sim pela Secretaria de Administração Penitenciária administrada pelo

então Doutor Nagashi Furukawa.

Não podemos deixar de inserir este investimento no novo modelo de administração

penitenciária fora da onda neoliberal, que se intensifica a partir dos anos 90. Com isso, fica claro

a retração do Estado e a abertura para novas formas, mais viáveis economicamente, de “gerenciar

uma população permanentemente perigosa, enquanto se mantém o funcionamento do sistema

penal com um custo mínimo”. (FELLEY; SIMON, 2012, p. 35.) Foram implantados vinte e dois

Centros de Ressocialização no Estado de São Paulo a partir da experiência inicial de Bragança

Paulista, sendo esse modelo de gestão prisional que envolvia ONG e Estado na época retratado

pela mídia local como o “grande milagre econômico”. Abaixo a transcrição do jornal Diário de

Bragança Paulista, de 24 de fevereiro de 1996 (apud COSTA 2006, p.72) quando a ONG havia

sido reativada, mas o convênio ainda não tinha sido institucionalizado:

Convênio com a Secretaria de Segurança Pública, uma associação de moradores

de Bragança Paulista propõe-se a gerir durante um ano a cadeia do município,

recebendo do governo do Estado a quantia que seria paga à empresa privada que

fornece apenas refeições aos presos.Segundo os munícipes, a alimentação

absorveria somente a metade da verba, e o restante seria aplicado a programas de

recuperação de detentos e ampliação das instalações do presídio. Este convênio é

inédito em todo o país, transformando Bragança num modelo que deve ser

seguido por outros municípios.

39

Decreto nº 47.849 de 29/05/2003 institui o modelo de co-gestão. 40

A metodologia APAC é composta por 12 elementos: participação da comunidade, ajuda mútua entre

recuperandos, trabalho, religião, assistência jurídica, assistência à saúde, valorização humana, família,

formação de voluntários, implantação de centros de reintegração social, observação minuciosa do

comportamento do recuperando, para fins de progressão do regime penal e a Jornada de Libertação com

Cristo, considerada o ponto alto da metodologia e que consiste em palestras, meditações e testemunho dos

recuperandos. (www.cnj.jus.br)

Page 97: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

75

A redução dos custos com os presos foi a bandeira hasteada na inovação de administrar

uma unidade prisional. Todavia, além da redução do custo do preso, houve redução também de

toda a sua estrutura organizacional como descreve Graciano (2005, p. 179):

Houve a redução de 18 mil funcionários da Secretaria de Administração

Penitenciária de São Paulo entre 1999 e 2006, durante a gestão de Nagashi

Furukawa, pela busca de redução de gastos. E ainda o aumento da proporção

entre o número de presos e o número de funcionários foi louvada pela SAP, por

ter significado, entre 1999 e 2002, redução de 23% no custo mensal de

manutenção dos internos, passando de R$ 1.000, 00 em 1999, para R$ 767, 00

em 2003.

Com a redução dos funcionários, principalmente neste caso, o de Centros de

Ressocialização, as funções são exercidas pelos próprios presos. Manoel lembra que esse modelo

pauta-se na possibilidade de oferecer remição. “Se tirasse a remição muitos não iam

ficar aqui no CR, ficariam por consideração à família, por amor à família,

muitos estão aqui porque o CR tem muita remição... tem remição de

representante de cela, de trabalhar na cozinha, nas outras cadeias tem isso,

mas não tem remição pra galeria e nem de representante de cela... se for

analisar de um outro ponto de vista... um galeria faz o trabalho de

funcionário... não é discriminação de pegar na chave... mas é um trabalho de

polícia... ele que tem que fazer...é um polícia que tem que trabalhar com isso e

não um preso...mas é uma forma de economizar verba... eu não tenho esse

conhecimento amplo dessa parte... eles podem economizar aqui, mas e lá na

frente?” Silvio também concorda com essa lógica quando comenta: “ Aqui não, tudo

depende do preso, se não tiver preso aqui, o CR não funciona. (risos)... é algo

muito produtivo, mas a montagem disso aqui... é a privatização...(risos) aqui

você tem uma mão de obra muito barata e uma produção muito grande..A ideia

do CR é muito interessante, mas acredito que no decorrer do tempo houve

algumas mudanças na sociedade até que...a questão do estilo do preso que vem

pra cá... tudo isso muda o andamento aqui dentro... então assim... se não tiver

pessoas preparadas aqui dentro pra lidar com tudo isso vai continuar a mesma

coisa... o sistema funciona... sim, funciona, mas não sai disso.”

Page 98: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

76

O convênio entre SAP e a ONG APAC chega ao fim em janeiro de 2006 por problemas de

desvio de dinheiro. Atualmente, o CR é administrado totalmente pelo Estado e tudo é resolvido

através das lentas licitações.

Martineli (2005) em sua tese de doutorado analisa as mudanças do fim da APAC e a volta

da centralidade administrativa para o Estado. Dentre as questões destacadas pontua que para

voluntários e presos a preocupação com a ressocialização havia sido descartada em função de

normas mais acirradas em nome da segurança. Deste modo, o momento em que o ideário dos

Centros de Ressocialização foram criados emergiu de discussões na Secretaria de Administração

Penitenciária que procurou criar modelos diferentes de unidades prisionais para diferentes tipos

de prisioneiros (tipos de crimes, tempo da pena a ser cumprida...). O fato da ressocialização ser

deixada de lado como apontaram os entrevistados de Martineli encontra ecos no argumento dos

autores como Feeley e Simon (2012, p. 21) que utilizam o conceito de “nova penalogia” para

explicar certas mudanças estratégicas no discurso jurídico. Assim, a nova penalogia:

está menos preocupada com a responsabilidade, culpabilidade, sensibilidade

moral, diagnóstico ou intervenção e tratamento do ofensor individual. Preocupa-

se com técnicas para identificar, classificar ou gerenciar agrupamentos

distinguidos por sua periculosidade. A tarefa é gerencial, não transformativa.

Essas mudanças discursivas estratégicas no discurso jurídico, fazem palavras tão próprias

do universo prisional, tais como: ressocialização, reintegração, reincidência e reabilitação do

indivíduo, assumirem uma nova reconceitualização. Vejamos: se onde se coloca ênfase são nos

processos de gerenciamento de custos e não de transformação, instaura-se um novo foco. Sendo

assim, a palavra reincidência passa a conotar sucesso efetivo do sistema, já que os presos voltam

a para cadeia. Isto significa que os sistemas de punição estão cada vez mais eficientes. Os outros

(R)s anulam a condição de indivíduos, pois com o que se opera são grupos e categorias ordenadas

de infratores e seus possíveis riscos.

Encontramos semelhança na proliferação desses discursos sobre a organização da unidade

penal pesquisada. Quanto à volta da centralidade para a esfera estatal, o CR permaneceu com a

mesma estrutura em quantidade de funcionários e, portanto vale a pena reiterar a fala de Manoel

acima de que tudo é realizado pelos próprios presos: desde a limpeza, cozinha e parte

administrativa da unidade prisional. Como o objetivo era a redução em todos os aspectos, outra

situação encontrada é com relação a espaços físicos, a qual pode ser ilustrada através da Equipe

Técnica que atualmente é composta por uma Assistente Social que pertence à Secretaria de Saúde

Page 99: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

77

da cidade e uma Psicóloga não formada. Elas dividem a mesma sala e sendo assim para que

consigam trabalhar precisam se revezar quanto ao horário de trabalho. Evidencia-se assim uma

fragmentação do trabalho que deixa de ser conjunto por falta de condições de espaço físico.

Não é objetivo da pesquisa fazer um detalhamento do modelo prisional nomeado “Centro

de Ressocialização”. Contudo, fez-se necessário situar a unidade prisional dentre o emaranhado

das cento e quarenta e nove unidades prisionais espalhadas por todo o Estado de São Paulo.

Sem dúvida, o fato de ser um modelo menor em quantidade de presos recolhidos

possibilita uma dinâmica da vida prisional mais ágil e esse eco ressoa na questão do

funcionamento do “espaço educativo” dentro do CR, o que detalharei no próximo capítulo.

Entretanto, estamos falando de uma prisão e logo as palavras disciplina e controle estão em sua

existência. Não podemos esquecer-nos disso. Portanto, é preciso alertar para o que Costa (2006,

p. 84) coloca:

O controle é quase total das atividades, dos indivíduos e das situações

cotidianas, por causa do baixo número de presos [...] reproduzindo assim, as

mesmas rotinas das prisões tradicionais. [...] Não foi criado regimento interno

específico para os Centros de Ressocialização, sendo utilizado o regimento

interno padrão do sistema penitenciário do Estado de São Paulo4142

. Apresenta-

se com isso, uma contradição crucial: busca-se ideologicamente mediante

processos técnicos operativos construir um “novo modelo de gestão prisional”,

contudo, usam-se os mesmos métodos de regras disciplinadoras das prisões

tradicionais, haja vista que no momento de punir o indivíduo, por qualquer ato

infracional dentro do CR, utiliza-se o instrumento disciplinador do regimento

interno padrão dos estabelecimentos penais do Estado de São Paulo.

A questão disciplinar dentro do CR apareceu em vários momentos durante as entrevistas

com os colaboradores, o que pode ser percebido pela fala de Celso: “Aqui, a coisa da mão

pra trás... isso não é uma forma de educar uma pessoa... é uma coisa chata,

colocar a mão pra trás pra tudo, mas a gente respeita, é disciplina, é ordem...

então a gente respeita...aqui a gente tem que andar com a mão pra trás... pra

tudo... se passa pelo funcionário... dá licença senhor! Vai e pega uma

água...volta, dá licença senhor... daqui a pouco: Dá licença senhor! Pra que

41

Disponível no Diário Oficial- Poder Executivo- Seção I Quarta-feira (30/06/2010). Administração

Penitenciária (Resolução SAP- 144).

Page 100: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

78

tanto assim...tantas e tantas vezes...não é tanta necessidade assim... a gente

não é bicho pra ficar andando com a mão pra trás...agora vai passar uma

senhora aqui... abaixa a cabeça... pra que abaixar a cabeça se eu não vou olhar

com má intenção...não to com má intenção na minha mente... se tiver um

funcionário do lado, vão ficar olhando se eu estou reparando... e vai me

chamar...” Ou mesmo através das palavras de Silvio: “Se você falar pro funcionário: “o

rapaz me xingou, aqui dentro gera outra consequência... vai pro castigo, pode

gerar uma falta disciplinar e até... pode acontecer muita coisa... então o CR ele

foi preparado pra disciplinar, em questão de disciplina aqui não tem o que

reclamar (risos)” Leão observa a semelhança do modelo CR e compara “a um quartel ou

colégio interno. Tem horário pra tudo, ordem e disciplina.”

Considerando os aspectos que diferenciam o modelo Centro de Ressocialização de outros

modelos prisionais, apontados na tabela da página 68 e 69, podemos afirmar que as contradições

entre uma ideologia sugerida pelo seu projeto inicial e o cotidiano em que se concretiza, guardam

as marcas seculares de uma instituição total. Vale ressaltar que certamente a questão de ser um

modelo que privilegie uma menor quantidade de presos sai à frente nas questões mínimas de

sobrevivência que não são observadas em outros modelos prisionais. Cama, armário individual,

chuveiro quente ilustram algumas dessas vantagens do modelo aqui situado. Entretanto, é

interessante notar como a relação entre presos e funcionários são instituídas para que a ordem e a

disciplina garantam o bom funcionamento da instituição. E que fique claro: são regras próprias

para o funcionamento interno, já que preso bom é aquele que sabe “tirar cadeia numa boa”, é

aquele que se adapta e é visto com bons olhos pelos funcionários. Essa lógica é inicialmente

percebida pelos que chegam e passa a ser este o investimento do preso numa construção de corpo

e saberes que lhe garantam a sobrevivência. Essa relação de construção de um corpo adaptado

para a sobrevivência é demarcada pelo agente que me diz: “Guarde uma coisa que eu vou

falar e nunca mais esqueça: aqui é mundo irreal. Eles representam papéis. Vem

aqui no dia 20 de dezembro (indulto de Natal) e fique observando como eles

saem daqui... da porta pra fora... eles são diferentes”.

Após um dia inteiro de campo participando das aulas, já eram 21h00 da noite e encontro

com os agentes que fariam o plantão noturno. A cena que se passa me chama a atenção: sobre a

mesa, cartas que chegam para os presos e cartas que saem. Os agentes abrem todas as cartas e

Page 101: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

79

leem. Ao notarem que chego próxima à mesa exclamam: “Aqui é leitura dinâmica!”, “Já vi

cada coisa nestas cartas... que depois passei a mexer nelas com luvas”(risos).

Eles escolhem duas cartas que são lidas para mim em voz alta. O agente coloca

entonação e enfatiza: “Olha, mas sou eu que to colocando o plural... porque o

negócio aqui é feio.” Discutem entre eles alguns significados de palavras e explicam que os

anos de sistema apuram os olhos e eles já sabem quando é armação ou recado pra realizar alguma

“função” na rua.

A cena das cartas me fez recordar do conceito goffminiano de “carreira moral”. Para o

autor, o funcionamento da instituição total, desde o ingresso do preso é marcado por rituais de

despersonificação e despojamento do “eu”. Nesse sentido, a vida a partir da entrada na unidade

prisional está exposta e administrada por todos, sua história, seus problemas, suas emoções. Ou

ainda ousaríamos dizer que esses sujeitos já foram despersonificados mesmo antes de chegarem à

prisão. O que suas trajetórias marcam são vidas em que os direitos foram negados, em que a luta

pela sobrevivência é diária e que estabelece um processo de invisibilidade social.

O telefone toca. Recado de visita de preso que não vem no próximo final de semana.

“Aqui a gente até dá o recado porque é pequeno...mas nos outros lugares... o

povo liga e a gente diz: pode deixar... mas não dá o recado. O problema aqui é

que você vira “babá” de preso, enquanto que nos outros lugares, os presos

resolvem todos os B.Os43 entre eles. Eles se viram. Agora eu te digo: pra

trabalhar aqui (se referindo ao sistema prisional) precisa de coragem e necessidade.

Nunca saio de casa sem estar armado. Se um carro encosta, eu atiro e depois

pergunto o porquê queria me pegar. Em outra cadeia que eu trabalhava eu

morava em hotel e quando saía do trabalho enchia a cara no bar. Olha, tem que

ter coragem. Eu já bati muito, mas também já apanhei muito.”

A agente que estava junto no plantão cruza a conversa e complementa: “O fato da

gente ficar fechada junto com os presos, pega esse esquema de isolamento e

funcionário do sistema prisional vive assim: trabalha e dorme. Eu não tenho

mais amigos, antes eu era tão comunicativa... aqui é muito negativo, tem que

se proteger de alguma forma”.

43

B.O- Boletim de Ocorrência e na gíria prisional pode significar algum problema ou situação delicada.

Page 102: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

80

Desses relatos depreende-se que o ambiente prisional é constituído de saberes/poderes

específicos em que é preciso estar imerso para perceber sua rede em funcionamento, tornar-se

parte dela de maneira intencional para escapar à sua lógica. Parece contraditória a afirmação, mas

é sabendo operar nessa rede de saberes/poderes que as possibilidades de sobrevivência se abrem

dentro desse universo e é possível resistir tendo como alvo a liberdade, “o mundão”.

A polícia precisa do preso para existir. E a criminalidade é diretamente associada à

pobreza. Constrói-se o imaginário de que pobres praticam crimes e como consequência imediata

dessa relação é que precisam ser controlados e contidos. No Brasil a história de nosso

encarceramento na Época Colonial tinha como objetivo a contenção de indivíduos que não

estivessem de acordo com os costumes europeus trazidos pelos portugueses. Atualmente nossa

senzala e nossos porões atualizaram-se com estratégias para continuar contendo aqueles que não

se enquadram nos bons costumes da globalização. Portanto, vivemos numa democracia e sendo

assim possuímos escolhas, somos livres! Deste modo, opera-se com o discurso da

responsabilidade dos indivíduos por suas escolhas, desviando o foco da responsabilidade do

Estado na promoção de políticas sociais e acentua-se o fortalecimento de políticas penais.

Silvio durante a entrevista faz um contraponto a essa visão liberal em que as

oportunidades estão para todos: “Acho que hoje pro sistema penitenciário a

ressocialização é individual (risos)... O nome é muito bonito... porque ela

realmente existe, mas pra se encontrar uma ressocialização ela é um trabalho

árduo que não depende só de você.”

A questão penitenciária enquanto política de Estado paulista não pode ser lida fora de uma

constelação discursiva. Com isso pretendo sinalizar que a onda discursiva de controle, punição e

repressão precisa ser entendida como um jogo de linguagem constitutivo de saberes que instituem

“verdades” que organizam a sociedade de que fazemos parte.

Nesse sentido, toda a produção do discurso sobre a prisão, a pena, o preso, a lei, a ordem,

a disciplina, o crime, o pobre, são estratégias de tecnologias de poder operadas para produzir e

conter os indesejáveis que nos cercam.

Wellington em uma das entrevistas faz sua leitura e diz: “O governo não criou aqui

pensando em colocar a gente aqui pra ressocializar ...pra eles voltar na

sociedade... pensou assim: vou colocar lá dentro e deixar o tempo que o juíz

determinar e pronto..ninguém pensou em mudar a nossa mente...é só

Page 103: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

81

pensando no risco da sociedade... tipo tranca eles ali e depois de um tempo

solta... mas isso não muda até hoje e não ajudou a abaixar os índices... só tá

piorando...eles não pensou em ensinar, educar... o que realmente vale a pena

pra eles... não! Deixa assim do jeito que tá... todo mundo com pouco

conhecimento, não sabe nada pra poder reclamar...e a população acaba

achando bom..uma imagem que não existe...é criado uma imagem de filme, de

seriado americano...da “prison break”... precisa o sistema mudar... investir

mais... parar de só prender e pronto... deixar lá pra quando der a hora...”

Para Fonseca (2012) a questão da punição e controle do crime perpassa por um

contingente de população que não consegue a mobilidade social e integração econômica. E

continua:

Já que eles (os presos) não formam um exército de reserva para o mercado,

reintegração e reabilitação não são consideradas nem possíveis, nem desejáveis,

porque essas barreiras econômicas são tomadas como inevitáveis e esse grupo

não consegue mais compartilhar a estrutura normativa das classes médias.

(FONSECA, 2012, p. 307)

Na saída do CR, o agente Rodrigo me pergunta como anda a pesquisa e sugere: “Já leu

Michel Foucault?”.

Feita a aposta de que a sugestão de Rodrigo iria me render ferramentas analíticas para

entender o currículo da escola, procedo agora à emergência dos discursos sobre a escola, o

currículo e o cárcere.

Page 104: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

82

Page 105: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

83

O CALEIDOSCÓPIO CURRICULAR DA EDUCAÇÃO PRISIONAL:

ENTRE GIROS E NOVOS DESENHOS

Muito se pesquisa sobre a escola, entretanto a escola na prisão não ocupa os debates e a

cena pública. Afinal, a história da educação brasileira está intimamente relacionada à história do

desenvolvimento desigual do país, estrutura, por muitas vezes, a partir de um modelo dual: uma

escola para os mais ricos e outra que é ofertada para a maioria da população. Desta forma,

quando me proponho a situar a temática da educação prisional através de sua configuração

curricular é preciso de início salientar que essa é uma discussão que não passa com muita leveza

para ampla parcela conservadora da sociedade, já que a relação entre “educação e direitos” parece

não combinar com a população encarcerada. Embora privados de sua liberdade, outros direitos

devem ser assegurados, e dentre eles o direito à educação. Porém, quando observamos como

estão distribuídos os dados referentes à renda, escolarização e trabalho podemos inferir que a

história dos sujeitos pesquisados me permite considerar que o processo de exclusão e negação de

direitos se dá anteriormente ao ingresso em atos ilícitos ou criminosos.

Realizando uma busca44

na biblioteca digital da Faculdade de Educação da UNICAMP foi

possível averiguar a lacuna na esfera acadêmica quanto ao assunto da “Educação na prisão”.

Encontrei apenas um trabalho de conclusão de curso e uma tese de doutorado: MONTEIRO,

Marcia Regina. A educação prisional: uma visão histórica do descaso. (2010) 60 f. Trabalho

de conclusão de curso. Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,

SP, 2010. E a tese de: PREVE, Ana Maria Hoepers. Mapas, prisão e fugas: cartografias

intensivas em Educação. (2010) 347 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação,

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2010.

No portal de teses e dissertações da CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Nível Superior, dos cento e oitenta e três registros (183) a partir da palavra “prisão”, apenas

nove (9) são trabalhos da área da Educação. No restante, são pesquisas em sua maioria

provenientes da área de Saúde, Direito, Serviço Social e Psicologia. Sem, portanto realizar um

estudo profundo sobre cada uma das pesquisas nestas áreas foi possível observar que em muitas

44

Acesso em 15/05/2013

Page 106: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

84

vezes, essas pesquisas foram produzidas por pessoas que realizavam trabalhos voluntários ou

mesmo funcionários públicos da instituição penal. No Estado de São Paulo, anteriormente à

constituição do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Administração Penitenciária

(SAP), era possível conseguir a autorização para realização da pesquisa diretamente com o

Diretor da Unidade Prisional pretendida. Assim, minha hipótese é que para as pessoas que já

trabalhavam dentro da unidade esse processo era mais horizontal, o que talvez justifique um

número grande de pesquisas nestas áreas e poucas na área educacional. A lacuna de estudos sobre

a prisão brasileira está em consonância com o que Foucault (2008) encontrou em outros países e

expôs numa entrevista concedida a Magazine Littéraire, em 1979. Todavia, o autor fazia um

alerta para os que se interessassem em estudar o tema: propunha que o trabalho de pesquisa se

constituísse “em deixar aparecer os discursos em suas conexões estratégicas”. ( FOUCAULT,

p.130)

Nesse sentido, quando me proponho a investigar a configuração do currículo dentro de

uma unidade prisional pretendo compreendê-lo como uma construção social, imerso em uma rede

de discursos que se movimentam e produzem efeitos de sentido sobre as práticas curriculares

tecidas no espaço. Portanto, nesta pesquisa me afasto da concepção de discurso como um signo

(SAUSSURE, 2000) que representa a fala, mas sim como produtor e instituinte de regimes de

verdade que controlam e moldam nossas maneiras de fazer funcionar o mundo.

Ainda procurando circunscrever a maneira pela qual opero com a noção de discurso, e

aqui, o de um discurso curricular que configura uma escola prisional, recorro às palavras de

Foucault (2008):

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral da verdade”, isto

é, os tipos de discurso que ela aceita e faz funcionar como verdadeiros; os

mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros

dos falsos, a maneira como se sancionam uns e outros; as técnicas e os

procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade, o estatuto

daqueles que tem a função de dizer o que funciona como verdadeiro.

(FOUCAULT, 2008, p. 12)

No Brasil, a publicação de recentes documentos sobre a oferta de Educação nas Prisões

coloca esta temática tão opaca e sombria como um tema que deve ser tratado. E colabora também

para que esses documentos entendidos como dispositivos discursivos façam “funcionar” a

educação prisional. Desta maneira, documentos como as “Diretrizes Nacionais para a oferta de

Page 107: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

85

educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos

penais”45

(maio /2010), a Resolução nº 3 de 11/03/2009 e Resolução nº 2 de 19/05/2010 que

dispõe sobre as Diretrizes acima citadas corroboram para trazer para a responsabilidade

governamental a oferta educativa dentro de um ambiente não pensado para tal função. Além dos

documentos acima descritos houve também uma mudança na Lei de Execução Penal (LEP) que

permite a redução da pena do encarcerado com base nas horas de estudo. Apesar dos avanços

normativos para o campo prisional e sabendo que a educação é considerada um “direito humano”

instituído pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), percebe-se uma notável

distância entre o que se coloca enquanto “lei” e o cotidiano das instituições educacionais. Um

destaque ainda deve ser posto enquanto distância quando o assunto é a oferta educativa dentro de

estabelecimentos penais.

Nesse sentido, não há como concordar com a afirmação do documento referência

(MEC/CNE) produzido durante o Seminário “Educação nas Prisões” que destaca que o Brasil “já

ultrapassou a etapa em que discute o direito à educação dentro do cárcere” (p.4) e que deve

investir na consolidação das práticas e programas. Já em outro documento46

produzido pelo MEC

(2013), a questão foi colocada de maneira mais real:

Ainda estamos vivenciando uma etapa introdutória, ou seja, o início de um

processo de institucionalização da oferta de educação em âmbito nacional,

mobilizando estudiosos, gestores e o poder público em geral a pensar sobre o

tema, colocando-o na ordem do dia no país, porém ainda falta um grande

investimento, principalmente no campo normativo. (BRASIL, 2013, p.305)

Ao menos no Estado de São Paulo essa etapa ainda precisa estar no “front” dos debates.

Lenival em uma das entrevistas ressalta que: “Lá na Penita (Penitenciária) outros pouco

estudava... quem estudava é quem tinha visita quem não tinha visita tinha que

trabalhar porque precisa de dinheiro pra se manter lá dentro entendeu. Então

... pra você ir pra escola você tem que fazer um pipa (bilhete) e entregar pro

funcionário, pro guarda ele leva e deixa na mesa do... ( esquece... pensa...) do

cara que (bate na mesa)... que tem a firma lá dentro ele pega as pessoas pra

trabalhar e estudar tipo encarregado... ce dá o nome pra ele e quando ele vinha

45

Em anexo. 46

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica, Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização, Diversidade e Inclusão, Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais da

Educação Básica. (2013).

Page 108: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

86

e você pergunta ele falava aguarda aí que eu to vendo, mas nem aí. E o tempo

passando. aí ce falava com o diretor com um, com outro aí o que acontece

daqueles nomes ... vinha sorteado... fulano de tal vai estudar e fulano de tal

também... O resto não... aí tem que fazer prova... tem que fazer prova.”

De fato, apesar de todas as dificuldades é preciso salientar a importância da temática

sendo colocada em pauta e problematizada, pois torna o tema menos sombrio e atrai olhares com

diferentes perspectivas e interesses, os quais possibilitam pensar sobre suas condições de

emergência no contexto atual brasileiro. Entretanto, quando se observa a viabilidade de acesso

para a escola é interessante notar pela fala de Lenival como a questão da relação entre

trabalho/escola é problemática também dentro dos muros da prisão. Quando ele aponta que quem

não tem visita e precisa de dinheiro vai pro trabalho e deixando a escola para segundo plano.

Além da relação entre a escola/trabalho nota-se também que a demanda pela escola é maior do

que a quantidade de vagas oferecidas. Por isso, estamos ainda no passo de pensar o acesso para a

escola e suas implicações no cotidiano da prisão.

Há que se fazer, portanto, um esclarecimento: não pretendo colocar as iniciativas e

avanços da educação prisional como algo a ser desconsiderado. O que pretendo é colocar a

emergência dos discursos através de documentos publicados sobre a temática em que olhar para

as produções normativas “é tomar o texto menos por aquilo que o compõe por dentro, e mais

pelos contatos de superfície que ele mantém com aquilo que o cerca.” (VEIGA-NETO, 2007, p.

105)

Ciavatta e Ramos (2012) sugere atenção à produção de documentos normativos, que são

movimentos de disputas para se orientar ações e consensos. No caso da temática prisional, é

preciso circunscrever a discussão atrelada ao modo como o Direito Penal é exercido no país. É

preciso salientar que tratar da Educação Prisional é estabelecer conexão com outras áreas e neste

caso, o Direito. Conforme apontado em outras situações deste trabalho, a desfederalização do

Direito Penal pensada para garantir a autonomia dos Estados frente à sua Execução Penal traz

algumas dificuldades e distâncias entre o governo federal e o estadual, por exemplo. Como a

pesquisa acontece no Estado de São Paulo focamos nossa análise sobre as problemáticas dessa

desfederalização no que se refere à questão educacional e curricular neste Estado. Assim sendo, a

Lei de Execução Penal (LEP) de âmbito federal prevê que (apenas) o Ensino Fundamental seja

obrigatório constituindo-se como uma das formas de assistência do Estado ao recluso. Nesse

Page 109: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

87

sentido, há uma restrição de oferecimento do Ensino Médio e Superior aos reclusos e mesmo a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96), publicada posteriormente à LEP, não

contemplou a educação prisional. Essa lacuna foi de certa forma resolvida quando o Plano

Nacional de Educação (PNE/ 10.172, de 9/01/2001), em sua meta 17ª defende o oferecimento do

Ensino Médio e Educação Profissional.

Na seção V da LEP, trata-se da Assistência Educacional e aponta para que o Ensino

Fundamental obrigatório esteja integrado ao sistema escolar da unidade federativa. Descreve

também que cada estabelecimento deve conter uma biblioteca com acervo de qualidade.

Vejamos: a data de criação da LEP é de 1984. Interessante notar uma contradição entre as datas

que tratam da questão da responsabilidade pelo oferecimento da educação dentro dos

estabelecimentos penais. Se a LEP (1984) prioriza a responsabilidade do sistema escolar pela

unidade federativa (Secretaria de Estado da Educação) temos informação pelas pesquisas de

Santos (2007) e Português (2001) que a educação prisional até o início da década de 80 foi tarefa

da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e os professores transferiam o exercício da

docência para os estabelecimentos penais. Além disso, cada unidade prisional estava vinculada a

uma escola da rede estadual de ensino, denominadas escolas vinculadoras. Não há, portanto

registro de quando a Secretaria Estadual de Educação, criada no início da década de 1930, iniciou

os serviços educacionais dentro dos estabelecimentos penais.

Passos (2012) em sua dissertação de mestrado ao realizar uma pesquisa histórica sobre a

educação prisional em São Paulo apresenta que a retração da Secretaria Estadual de Educação foi

realizada por força de ato político administrativo, no fim do ano de 1978, pelo então governador

paulista Paulo Egydio Martins (1975-1979). Ora, isto significa que a LEP previu algo que não se

estabeleceu. Com a retirada de campo da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e de seus

professores das escolas em estabelecimentos penais, transfere-se para a FUNAP- Fundação Profº

Doutor Manoel Pedro Pimentel a responsabilidade pela educação no sistema prisional.

Sendo assim, a FUNAP que é um órgão executivo da Secretaria de Administração

Penitenciária inicia sua história oficialmente no ano de 1976 com o objetivo de oferecer trabalho

remunerado aos encarcerados. Recebe este nome após o apoio do juiz Manoel Pedro Pimentel

que na época da sua criação era então Secretario de Justiça do governo paulista. Porém, ao que

parecia ser seu foco apenas o projeto de profissionalização dos encarcerados, nota-se que com a

crise dos anos noventa, seus ecos nas novas formas de administração e a mudança do papel do

Page 110: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

88

Estado fizeram com que a FUNAP perdesse em recursos econômicos, mas ganhasse novas

atribuições: a responsabilidade pelas atividades educacionais nas instituições penais paulistas.

Isso ocorreu no ano de 1987.

Conforme apontado, o foco da FUNAP era a profissionalização dos encarcerados.

Entretanto, desde 1987 tem realizado com recursos próprios, a responsabilidade pela oferta de

atividades educacionais de diferentes naturezas.

Deste modo, é neste pântano de ausências escancarado pela retração do investimento

público e descaso para com a população carcerária que a FUNAP busca alternativas para a

questão educacional: entra em cena a figura do monitor- preso. Na página trinta e quatro deste

trabalho relatei como se dá o processo de seleção para que um preso “vire” monitor-preso, isto é

exerça a docência. Assim, para que realize a função recebe ¾ do salário mínimo e a redução de

sua pena por trabalho. Logo, para cada três dias de docência, se reduz um dia de sua pena. (o

mesmo cálculo de remição pelo trabalho)

Nas conversas individuais com os monitores-presos solicitava que me contassem como foi

o “virar” professor, como buscaram nortear sua postura em sala de aula, já que dos três

monitores-presos, apenas um na rua tinha tido experiência com a docência através de aulas de

informática. Robinson, representante deste último caso explica que: “A minha postura, eu

primeiro eu tive que tirar da minha cabeça que eu era um preso... porque eu

escutava de funcionário que dizia: como eu ia ser exemplo se eu era preso? Aí

nisso me bloqueou de vir pra educação... eu já estava aqui há um ano e

naquele momento eu não tava com o psicológico bom pra mostrar nada pra

ninguém... porque eu acho que pro professor funcionar bem, ele tem que ser

exemplo e na rua eu percebia isso também. Aqui eu tive que primeiro construir

meu espaço dentro da cadeia por isso eu demorei pra vir pro Setor da

Educação, fazer a entrevista...” E relembra que o que fez dele “professor” foi a influência

de pessoas do Centro Paula Souza47

que entendiam que educação era transformação. “Meu

diretor (se referindo aos tempos que trabalhou com informática no Centro Paula

Souza) amava Paulo Freire e tinha uma relação bem horizontal com os alunos...

47

Robinson trabalhou como Técnico em Informática no Centro Paula Souza.

Page 111: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

89

levava em casa, em churrasco e essa forma horizontal eu procuro manter aqui

com os alunos do CR”.

Já, para Leão, sua principal influência é a esposa que é professora: “(risos) Ela é

publicitária, mestra e dá aula em faculdade, professora universitária. Então,

como eu acompanhei muito ela em todos os períodos com ela... e quando ela

entrou na área acadêmica eu peguei ela como referência... foi ela que eu me

espelhei para que eu conseguisse desenvolver essa atividade... e modestamente

acho que to fazendo bem... o começo foi difícil, mas a referência central foi

minha esposa. Eu só nunca falei isso pra ela (risos)”. E Paulo, o último monitor-preso

a chegar também mostra que foi influenciado por um professor: “Eu tirei por base um

professor de Química que eu tinha e ele era muito calmo, a gente podia estar

colando, fazendo tudo errado e ele conversando na classe não chamava a sua

atenção... ele ficava olhando pra você e então você se sentia errado e você

parava com aquilo. E aqui eu fazia isso... eu parava e ficava olhando pra eles...

e no final da aula tinha até uns que vinha pedir desculpa”.

Pude acompanhar a rotina dos monitores-presos bem de perto. É incrível a semelhança

das condições para se exercer a docência “na rua”48

e dentro do cárcere, em especial, no que se

refere à burocracia. Além de ministrar as aulas diariamente, são os monitores-presos responsáveis

por toda a vida burocrática escolar dos alunos. Essa centralidade pela parte burocrática se

assemelha às escolas do campo consideradas isoladas. Nestas escolas, normalmente são os

professores os responsáveis por organizar a vida burocrática dos alunos.

Assim, os monitores-presos diariamente atualizam a quantidade de presos estudando, já

que a rotatividade é diária, incluem os presos que chegam ao CR, formam as turmas e organizam

o prontuário penitenciário escolar dentre outras diversas atribuições que vem a pedido da Diretora

Geral. Normalmente, elaboram relatórios como, por exemplo, quando as empresas que oferecem

trabalho para o CR marcam reuniões para ter acesso aos relatórios, ou mesmo os que seguem para

a Vara de Execuções Criminais com a quantidade de presos estudando/ trabalhando, as

transferências ou os chamados “bondes” e etc...

48

Com isso me refiro ao exercício da docência em escolas fora do ambiente prisional. Essa é uma gíria

prisional para evidenciar a diferença do mundo da prisão e o mundo da rua.

Page 112: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

90

Foram várias as situações durante a aula em que os galerias49

gritavam pelo nome de um

dos monitores-presos e estes tinham que sair da sala e deixar os alunos para correr com algum

documento ou dado que estivesse no computador do Setor da Educação.

O acúmulo de funções intensifica-se no ambiente escolar prisional. Para além dos

assuntos de organização burocrática, o problema que assola a vida do professor “da rua” e

também do monitor-preso no cárcere: a falta de tempo para o estudo. Leão aponta o problema:

“Eu tenho muito pouco tempo para estudar antes da aula, mas depois que to

usando o livro ficou mais fácil. É só seguir.”

Como Robinson apontou no trecho de sua entrevista, o monitor-preso ali dentro funciona

como um apoio ao preso. Lembro- me que na saída de uma das aulas, um aluno que se ausentara

durante a aula, por chamado dos galerias para resolver assunto no Setor Jurídico, volta para pegar

o material. Chega à sala de aula, com um papel na mão e nervoso diz que seu coração está

disparado. Pede para Robinson ler o papel que recebeu do jurídico da instituição e complementa:

“Eu não entendo nada disso... e to tão nervoso... o que fala? Me diz, é que eu

não vou sair daqui... meu coração tá disparado.”

Robinson lê o papel e explica com suas palavras a situação que ocorre: o aluno não poderá

receber a visita de sua mulher no CR. O monitor-preso termina a conversa e se vira para mim

dizendo: “Aqui é assim, senhora... o dia todo... de psicólogo a ... o psicológico

da gente fica...” (e não completa). Utilizando os termos de Ginzburg (1989) essa fala

incompleta do monitor-preso pode ser lida como um sinal, um indício de que ali dentro a sua

função extrapola a de monitor-preso passando a exercer múltiplas funções pela falta de uma

equipe multidisciplinar que trabalhe nesse sentido de assistência ao preso.

A FUNAP50

semestralmente abria para a contratação de um monitor que atua fazendo a

ponte entre a Gerência Regional e a unidade prisional. No caso do CR o monitor da FUNAP era

um estudante do curso de História, do último ano. A Gerência Regional responsável pelo CR de

Bragança se localiza em Campinas e de acordo com o monitor a comunicação “é mais via

email, fica difícil ir para as reuniões.” A função do monitor da FUNAP é subsidiar os

49

Conforme já descrito na página 15 deste trabalho, a função “galeria” é desempenhada por um preso que

recebe remição por trabalho para realizar a “tranca” dos portões internos.

50

Essa contratação para esse tipo de monitor que se assemelha a um Coordenador Pedagógico foi extinta no CR

quando no início de 2013 a Secretaria Estadual de Educação assumiu o “Setor de Educação”.

Page 113: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

91

monitores-presos com materiais e acompanhar as atividades educacionais. Estabelecendo um

paralelo possível, é como se esse monitor realizasse o papel de Coordenador Pedagógico que

existe nas escolas da “rua”.

Com relação a materiais de apoio, estes seguem a lógica do semestre. Sendo assim, a cada

início de semestre letivo, a FUNAP envia um email para a Diretora Geral da unidade com o tema

que deve ser abordado pelos monitores-presos durante as aulas. Para se ter uma ideia, no primeiro

semestre de 2012, o tema enviado foi “Trabalho” e no 2º semestre “Sustentabilidade”.

Mas Leão reforça que esses temas ficam difíceis de serem trabalhados quando ilustra que

“se a gente tivesse mais recursos, mas é só o livro mesmo”. Durante a participação

nas aulas, muitas vezes, principalmente no 2º semestre do ano de 2012, quando a pesquisa de

campo iniciou-se, procurava colaborar com materiais que pudessem ajudar no tema da

Sustentabilidade. Porém, a entrada destes materiais não é algo tão simples assim: tudo é revistado

e passado pelo Raio-X. Quando não há alguém disponível para fazê-lo a entrada dos materiais

demora mais. Nesse sentido, diante de algumas investidas, Leão me diz: “Olha, eu agradeço,

mas até conseguir entrar o documentário que a senhora sugeriu... já acabou o

ano. Porque a diretora tá de férias, aí vai passar pra um, pra outro... até chegar

na mão do Diretor de Segurança e Disciplina...”

É nesse emaranhado de dificuldades que o cotidiano escolar prisional acontece. E isso é

percebido pelos alunos entrevistados quando observam que: “Eu acredito que em todo o

sistema penitenciário de São Paulo quem toma conta da educação é o sistema

da FUNAP. Então pelo pouco que eu sei a FUNAP recruta aqueles que

concluíram o Ensino Médio, que tem uma capacidade de interagir ali e “vocês

são os responsáveis” “vocês se virem ai!”... e o povo tem que se virar...Então

assim, acho que a estrutura que tem na escola pra lidar com pessoas que não

tem o hábito, de entender o que é educação e escola é muito precária... então

não é nem culpa da FUNAP, do preso ou da penitenciaria... eu acredito que o

que falte é um projeto do Estado, né... que prepare aí uma estrutura, não digo

da Psicologia, a questão do vídeo, mas a questão da interação... então assim

preparar as pessoas pra lidar com isso, é só com um projeto... acho que o

governo precisa começar a rever essa questão.” (Silvio)

Page 114: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

92

Em outra entrevista, Celso aponta outras questões que envolvem relações de poder

exercidas pelos monitores-presos: “O preso em si dando aula não é igual o educador

da rua, ele não tem aquela preparação... e isso é TOTALMENTE diferente...

porque o professor da rua ele é culto, ele estudou, se formou pra “quilo” dali...

ele tem uma paciência de jó com os alunos... independente do pré-primário,

fundamental... ele tem uma preparação pra encarar aquela situação... já dentro

do cárcere... o preso que está ali na frente... ele está ali, mas prepara o

conteúdo que só interessa pra ele porque ele não tem a formação pra poder

estar dialogando... e outra, ele está ali na frente... mas ele é preso igual eu, eu

tenho que respeitar ele porque ele está ali... ele senta lá e se sente superior a

nós que somos preso igual ele... e até mesmo às vezes ele tá ali... às vezes o

professor da rua erra... todo mundo é humano... mas quando eles erra eles não

admite e quer debater com a gente e se a gente fala com eles... eles querem

mandar a gente pro castigo... tentar punir a gente de uma forma ou de outra...

eles trabalham com a gente, mas é em cima do psicológico... por exemplo..se

eles me dão uma redação pra eu fazer até o final da aula... mas eu to com uma

dificuldade pra fazer... se tiver o título ou tema a gente aborda ali...a gente faz

e acabou...digamos que eu sei fazer, mas o meu companheiro do lado não

sabe... eu não posso ajudar... e se eu ajudar... ele fala: “Desce... pode descer...

se não descer vou chamar o guarda” E aí a gente desce já sabendo do castigo”.

Para além das questões que aparecem nestes dois trechos, uma grande problemática

instalada é o fato da FUNAP não ter autonomia de certificar os alunos quanto à conclusão das

séries.

Assim, os alunos estudam e para conseguir a certificação de conclusão de algum

segmento (Ensino Fundamental I ou II/ Ensino Médio) tem que realizar as provas de certificação

nacionais (ENCEJA/ENEM51

). E se não passam? Continuam tentando, tentando e tentando...

Então vejamos: até o início de 2013, os alunos de instituições prisionais realizavam os

exames nacionais descritos acima para obterem a regularização de sua vida escolar após serem

aprovados nos mesmos.

51

Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos/ Exame Nacional do Ensino Médio.

Page 115: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

93

Manoel divide sua experiência: “Eu não tenho o papel que eu terminei a

8ª...mas em 2007 eu fiz a eliminação de matérias da EJA, mas não tenho

nenhum papel que comprove que eu passei de ano... nada... se for... precisa

procurar nos arquivos morto da unidade e tem que procurar bem pra achar

meu nome... mas não tem nadinha que comprove (risos). O ENEM dá o

certificado... mas agora..porque eu não tenho o certificado e pra fazer o ENEM

eu preciso correr atrás do certificado da 8ª. Eu terminei da 5ª até 8ª e fiz

ENCEJA... to desde 2008...4 anos no primeiro colegial sem ter um

conhecimento... e a unidade também não passava um estudo decente pra gente

estar desenvolvendo...e os livros aqui são do tempo da minha avó... Vou ter que

correr atrás... entrando nesse ponto nem sei o que vou fazer..eu tenho o papel

da 4ª que eu conclui. O tempo que eu tive aqui estudando praticamente não

valeu pra nada... porque não tenho nada que comprove... estudei, estudei e

estudei e...” (risos). Mais uma vez ressalta-se o descuido para com esses sujeitos, pois a

questão da vida escolar regularizada através dos certificados e o histórico escolar é condição

básica para qualquer estudante.

O que a FUNAP propõe aos estabelecimentos penais é a cada fim de semestre a realização

de uma prova enviada pela própria Fundação para verificar quem passa de uma série para outra,

apenas para efeitos de formação das novas turmas. As provas são aplicadas e corrigidas pelos

próprios monitores-presos que e a partir do resultado elaboram a formação das turmas para o

próximo semestre. Quanto à formação das turmas existiam também outros critérios que definiam

se o aluno permanecia na série em que obteve resultado satisfatório na prova da FUNAP ou não.

Em conversas com os monitores-presos, esses critérios também levavam em conta a relação do

preso com o monitor-preso da série pretendida. Caso não houvesse “compatibilidade de humor”

entre eles, transferiam o aluno para outra série, mesmo que não correspondesse à que deveria

estar frequentando.

Vale ressaltar que a mudança na Lei de Execução Penal que atribui a cada 12 horas de

estudo a possibilidade de se reduzir 1 dia (Lei nº 12.433/2011) de pena também trouxe seus

impactos para o cotidiano escolar prisional. Vejamos um exemplo: o Ensino Fundamental previa

a duração de quatro horas aula. Portanto, em três dias de estudo, se reduz um dia de pena. Já, o

Ensino Médio previa a duração de duas horas de aula. Logo, para se reduzir um dia da pena, era

Page 116: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

94

preciso estudar seis dias. Deste modo, o que alguns alunos do Ensino Fundamental trouxeram na

entrevista é que realizavam a prova de fim de semestre da FUNAP já pensando em não passar

para o Ensino Médio por conta da remição que é maior no Ensino Fundamental conforme explica

Maicon: “Nossa eu viajei aqui...porque se eu passasse na prova eu terminaria a

7ª e 8ª , mas como preciso de remição pra eu ter a saidinha... aí fiz a prova de

um jeito pra eu repetir...porque se eu fosse pro Ensino Médio são menos horas

de remição”.

Silva (2011) faz um alerta para a recente lei da remição por estudo. Ressalta que no Brasil

não há sequer uma avaliação da remição de pena por trabalho, fato já instituído a mais de 24 anos

e nesse sentido, a maneira como a lei da remição por estudo está posta pode tornar-se mais um

mecanismo de “moeda de troca e barganha” 52

, ações tão triviais na cultura prisional.

Edmilson ilustra essa relação da escola no CR e a obrigatoriedade para estudar da

seguinte forma: “Olha eu vou falar pra você... o pessoal vem porque é obrigado

porque tem que estudar, a maioria do pessoal só vem porque é obrigado, não

quer estudar... e falam: “eu só vou pra escola porque tem que ir... se pudesse

não ia... eu mesmo não ia... escola e estudar é ruim... (risos) sei lá...olha pra

falar a verdade escola pra mim não faz diferença... aqui só to vindo porque é

obrigado querendo ou não tem que vir... então to vindo e tem remição também e

ajuda senão não viria não...”

Como dentro do CR o estudo se faz obrigatório, como regra de permanência imposta pela

Direção, os colaboradores da pesquisa frisam muito essa relação da obrigatoriedade, e Jhonatan já

coloca outra questão: “Eu falo pra você aí mano... se chegá a dizer uma coisa

dessas... que Seu Célio (diretor de Segurança e Disciplina) liberou e que não é

mais obrigado... eu garanto pra você que 1 ou 2 venham por vontade própria...

eu sinceramente... não viria... já to preso... cheio de problema na cabeça...

sobre a remição... ajuda... porque o cara tá preso e tá precisando de ir embora e

vamos supor... cada mês de aula é 4,5 dias de cadeia a menos pra você tirar...

então isso é um benefício tão grande que não tem como explicar...porque por

vontade própria eu mesmo não viria...eu penso dessa forma no meu caso

52

Detalharei essa questão no próximo capítulo.

Page 117: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

95

mesmo... nossa esqueci o que ia falar... ah! Se não tivesse a remição e não

fosse obrigatório estudar...”

No Brasil, conforme já salientei anteriormente, a desfederalização do Direito Penal fez

com que a Lei de Execução Penal fosse interpretada de muitas maneiras. Nos estados do Rio de

Janeiro e Rio Grande do Sul, por exemplo, assumiu-se a frequência à escola no interior dos

presídios, como contribuição para a remição da pena. O estado do Rio de Janeiro foi pioneiro

com propostas educacionais para o cárcere, mesmo antes da LEP (1984). Suas atividades

educacionais delinearam-se desde 1967. Isto significa que para o restante dos estados brasileiros

a remição de pena por estudo era praticada dentre divergências no Sistema Judiciário, já que cada

juiz interpretava a seu modo.

Portanto, podemos afirmar que a inserção da discussão da remição de pena por estudo

dentro do sistema prisional com a recente Lei Federal abre um campo discursivo que produz ecos

no currículo da escola da unidade prisional. E seus efeitos de sentido são sempre imprevisíveis e

são constantemente criados e re(criados) por quem vive esse cotidiano, conforme os relatos dos

alunos nos indicaram.

“Não existe transição e sim ruptura” (Leão 13/03/2013)

No início do capítulo destaquei alguns avanços no campo normativo para a educação

prisional no Brasil. Neste sentido, faço salientar para efeitos do foco de minha pesquisa a

publicação do documento intitulado: “Diretrizes nacionais para a oferta da Educação de Jovens

e Adultos em situação de privação de liberdade em estabelecimentos penais”, pelo Brasil (2010),

após um conjunto de debates realizados entre pesquisadores, representantes das Secretarias de

Educação, órgãos responsáveis pela administração penitenciária e organizações não

governamentais através dos Seminários Regionais envolvendo treze estados brasileiros. Sendo

assim, as discussões trazidas através destes seminários culminaram no Seminário Nacional, com

representantes de todas as unidades da Federação. Com isso, foram produzidas sugestões para

que o Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias (CNPCP) elaborasse o

documento aqui destacado. O objetivo desta Diretriz é “apresentar elementos para a definição de

uma política macro e não para particularidades regionais e/ou institucionais que deverão ser

Page 118: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

96

resolvidas localmente à luz das orientações contidas no Parecer e na Resolução” (nº2

19/05/2010). A Diretriz se preocupa em delinear ações macro porque como já descrito é função

de cada Estado organizar sua política. E sendo assim, mesmo com os avanços constitucionais

para o campo da educação prisional, o que temos no Brasil são experiências estaduais dispersas,

fragmentadas com desenhos de todos os tipos quanto ao tipo de educação oferecida. No recente

texto intitulado: Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica

(MEC/SEB/DICEI/2013)53

, a questão da diversidade de alternativas educacionais para o cárcere é

sistematizada da seguinte maneira:

O Brasil ainda não possui uma diretriz nacional para a política de educação em espaço

de privação de liberdade. Portanto, cada Estado apresenta uma proposta para a

implementação de suas ações. Muitos sequer possuem uma política regulamentada para

estas ações no cárcere, evidenciando-se, em várias unidades, projetos isolados, sem

fundamentação teórico-metodológica, sem qualquer continuidade administrativa,

beirando o total improviso de espaço, gestão, material didático e atendimento

profissional. (BRASIL, 2013, p.310)

O documento recentemente publicado incorpora ao seu texto introdutório as duas

Resoluções (nº 2 e nº 3) que acompanhavam a publicação das Diretrizes Nacionais para a

Educação em prisões. (2010). Observa-se que os documentos não assumem uma compreensão

estrita de currículo prescritivo visto como grade curricular, lista de conteúdos sequenciais e

rompe com a ideia de que todos os Estados deveriam receber o currículo da mesma maneira.

Ainda sobre a organização do texto da Diretriz (2010), optou-se por organizá-la priorizando três

eixos, quais sejam:

Eixo A - gestão, articulação e mobilização

Eixo B - formação e valorização dos profissionais envolvidos na oferta da educação

prisional

Eixo C - aspectos pedagógicos

Torna-se importante então problematizar sobre as políticas de currículo enquanto

resultantes de processos de lutas pela definição de qual conhecimento é valido ou não dentro de

um espaço educativo. Nesse sentido, não defendo a separação binária de que o Estado seja visto

como produtor de políticas cabendo às escolas implementá-las, porém não descarto também a

53

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização

Diversidade e Inclusão e Conselho Nacional da Educação.

Page 119: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

97

relação de que toda política curricular está imbricada em processos sociais, econômicos e

culturais que são intermediados pelo Estado (LOPES, 2006). Ao não conceber essa relação como

binária aponto para a prática das escolas como locais de lutas para significação das políticas

curriculares afastando a ideia de encará-las como o lugar subordinado da implementação dessas

políticas curriculares, mas sim ocupando centralidade na produção de novos sentidos para essas

políticas. Assim sendo, procuro olhar para esta diretriz curricular para a educação prisional na

busca por compreender as teias de significações e colocá-la num jogo discursivo que “está

imbricado em instituições, processos econômicos e culturais, normas e técnicas que constituem as

relações sociais” (LOPES, 2006, p. 8).

Desta forma, os itens que serão sinalizados no texto da diretriz devem ser lidos como

terrenos de areia movediça, já que procuram instaurar direcionamentos que por onde passam

serão recontextualizados. Aqui a opção pela palavra recontextualização se aproxima a um

“telefone sem fio”. Esta é uma brincadeira em que uma palavra é dita pela primeira pessoa de

uma fila no ouvido da segunda e ao terminar de ser repassada às pessoas presentes na brincadeira,

a palavra original, primeira a ser pensada, muitas vezes torna-se uma nova palavra quando a

última pessoa da fila diz em voz alta qual é a palavra que ouviu. É com este sentido que vejo as

políticas de currículo.

Assim sendo, conforme a própria diretriz sinaliza, seu objetivo é orientar ações nacionais

a fim de garantir a oferta da educação prisional. Salienta-se, portanto, mais uma vez que a diretriz

precisa encontrar uma estrutura em cada Estado, tornando-a política de Estado e não ação pontual

e dispersa dentro da heterogeneidade do sistema prisional.

A questão que se coloca a partir desse ponto é a seguinte: após o Governo Federal, pela

primeira vez elaborar um documento que busque apresentar elementos e definição para uma

política macro, convoca para ações de uma política curricular de Estado. E neste caso, quais as

ações da política de Estado paulista para garantir a oferta da educação prisional?

A resolução nº2 de 19/05/2010 assegura em seu art.3º que a oferta da Educação de Jovens

e Adultos em estabelecimentos penais deve obedecer “às seguintes orientações”:

I- É atribuição do órgão responsável pela educação nos

Estados [...] (Secretaria de Educação ou órgão equivalente) e deverá ser

realizada em articulação com os órgãos responsáveis pela sua

Administração Penitenciária [...] p.29

Page 120: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

98

Dois anos se passaram da publicação das diretrizes e em São Paulo a situação da oferta da

educação prisional permanecia sendo mantida pela FUNAP através dos monitores-presos. A

omissão para com a oferta de ensino dentro das prisões pelo Estado de São Paulo também foi

alvo de comentários dentro de um documento da UNESCO (2009), intitulado: Educação em

Prisões na América Latina: direito, liberdade e cidadania. Neste documento, se situa o Projeto

Educando para a Liberdade, o qual envolveu no ano 2005, diferentes secretarias54

e ministérios

para sua implantação. Foram convidados num primeiro momento, a comparecerem em Brasília,

representantes da Secretaria da Educação e da Administração Penitenciária dos Estados que

apresentavam um alto índice de população carcerária. O objetivo para esta etapa previa a

mobilização dos gestores acima citados para a realização do convênio de implantação do projeto

do governo federal. São Paulo obviamente foi convidado por sua representação nos altos índices

de população carcerária, entretanto transcrevo da nota de rodapé do documento o seguinte

comentário: Tocantins não estava na primeira oficina, mas se identificou com o projeto e

apresentou proposta que foi aprovada pelo MEC. O Estado de São Paulo, por sua vez, não se

interessou em realizar convênio, tampouco seminário regional (UNESCO, 2009, p. 28).

Gostaria de ilustrar essa blindagem do Estado de São Paulo com relação à articulação

entre esferas governamentais e como tem resistido à divulgação de informações sobre seu modelo

educativo prisional. Interessados nesta temática, a ONG Ação Educativa e outras organizações

lançaram uma nota pública (21/06/2012) sobre a falta de transparência da Secretaria Estadual de

Educação de São Paulo, já que a diretriz já havia sido publicada há dois anos. Segue abaixo um

recorte da nota pública retirado do site55

da ONG Ação Educativa:

[...] vêm por meio desta NOTA PÚBLICA manifestar profunda insatisfação e

indignação com a reiterada ausência de resposta por parte da Secretaria de

Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) quanto ao pedido de informações

sobre política de educação no sistema prisional paulista a ser implementada com

base nas Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos

privados de liberdade em estabelecimentos penais (Resolução CNE/CEB nº

2/2010). Já foram solicitadas – sem sucesso – informações detalhadas acerca do

plano de implementação de educação de jovens e adultos no sistema prisional do

Estado de São Paulo em cinco ocasiões formais: (i) em reunião com o Sr.

Secretário de Educação do Estado de São Paulo, no dia 1º de setembro de 2011;

(ii) em reuniões públicas realizadas junto à Comissão de Educação e Cultura da

54

MEC- Ministério da Educação e Cultura/ SECADI- Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão, MJ- Ministério da Justiça/ DEPEN- Departamento Penitenciário Nacional. 55

www.acaoeducativa.org.br (Acesso em 23/06/2012)

Page 121: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

99

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), nos dias 21 de

setembro e 09 de novembro de 2011; (iii) em petições que solicitavam

informações protocoladas junto à Secretaria de Educação nos dias18 de outubro

de 2011 e 18 de abril de 2012. Repudiamos publicamente, assim, o segredo que

paira sobre a política que vem sendo desenvolvida e discutida no âmbito da

Secretaria. Política da qual sabemos apenas informações genéricas, prestadas

informalmente, porque nunca foi nos encaminhado um documento em que

estivesse explícito o arranjo institucional proposto para a adequação do Estado

de São Paulo às diretrizes nacionais. Na última reunião que tivemos com a

Secretaria Estadual de Educação, fomos informados de que o modelo de

educação a ser seguidos nas unidades prisionais do estado seria através de

convênio com a FUNAP, com a contratação de novos monitores para

desenvolver as atividades educacionais. Tal modelo já vem sendo desenvolvido

no estado e afronta a legislação pertinente ao tema, de tal sorte que nos

mostramos integralmente contrários a perpetuação –e a ampliação- desta forma

de tratar a educação no sistema prisional. Contudo, como já afirmado, tal

informação não nos foi comunicada de modo oficial.Nesse contexto,

REQUEREMOS PUBLICAMENTE, uma vez mais, que a Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo, órgão responsável por elaborar e implementar uma política

de educação no sistema prisional paulista:m1. Torne pública imediatamente sua

proposta de política de educação no sistema prisional paulista a ser

implementada a partir das Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para

jovens e adultos privados de liberdade em estabelecimentos penais (Resolução CNE/CEB nº 2/2010). 2. Informe imediatamente como realizará a chamada pública para identificar as pessoas privadas de liberdade interessadas em estudar em 2012-2013. 3. Realize audiência pública para discutir com organizações, pesquisadores e interessados no tema o arranjo institucional e as diretrizes pedagógicas que visa a implementar na nova proposta de educação para pessoas privadas de liberdade.

Interessante notar que em 17/08/2011 no diário oficial de São Paulo através do Decreto

57.238, o governador do Estado Geraldo Alckmin institui o Programa de Educação nas prisões

(em anexo) conhecido como PEP, o qual permaneceu mais de um ano e meio sem ser

operacionalizado. Com isto quero dizer que o ano de 2011 e o de 2012 seguiram com a educação

sendo oferecida pela FUNAP através dos monitores-presos. No final do ano de 2012 ouvi

rumores, durante o trabalho de campo dentro do CR, de que o “Setor da Educação” seria

assumido pela Secretaria da Educação.

E assim aconteceu. No final do ano de 2012 encontrei no site das Diretorias de Ensino

(Guarulhos Norte e Bragança Paulista) a seguinte chamada: “Abertas inscrições para professores

interessados em atuar nas unidades prisionais em 201356

e nesse período publica-se a Resolução

conjunta entre Secretaria Estadual da Educação e Secretaria de Administração Penitenciária

56

www.derbp.com.br (Acesso em 27/12/2013)

Page 122: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

100

nº1 de 16/01/2013.” Vale ressaltar como parte dos discursos que instauram práticas e

significações é preciso olhar com atenção sobre a maneira com que as inscrições para docentes e

os critérios são expostos no site. Nesse sentido, os critérios evidenciam os contratos temporários

exercidos por professores OFAS (Ocupação Função Atividade) contrariando o que a diretriz

enfatiza em seu art. 11 parágrafo primeiro: os docentes que atuam nos espaços penais deverão

ser profissionais do magistério devidamente habilitados e com remuneração condizente com as

especificidades da função. (p.30) Percebe-se que o critério utilizado para a contratação

temporária se assenta na possibilidade de redução de gastos por parte do Estado. Essa alternativa

tem sido realizada não só pela escola intramuros, como também na rua. A seleção temporária é

uma saída econômica viável, já que é muito mais barato para a administração pública manter o

professor por um tempo determinado do que mantê-lo regularmente contratado, pagando os

encargos e cumprindo com todas as obrigações da lei trabalhista. O que não é levado em conta

nesse tipo de seleção do docente são as desvantagens para o processo educativo que é

comprometido com a rotatividade dos professores o que compromete a construção do projeto

pedagógico em seis meses.

Durante parte das entrevistas que realizei em janeiro de 2013, o monitor-preso Leão me

contava o que estava se passando sobre o “Setor da Educação”. Ele estava preocupado porque o

outro monitor-preso Robinson conseguiu a liberdade e ele logo mais iria também. Deste modo,

preocupava-se em como seria a transição da FUNAP para a Secretaria de Educação e me mostrou

a Resolução conjunta (16/01/2013) entre Secretaria de Administração Penitenciária e Secretaria

de Educação para a organização do ano letivo de 2013 (em anexo). Foi quando Leão disse a frase

com a qual iniciei essa discussão: “Não existe transição e sim ruptura.” O que Leão

queria evidenciar é que a FUNAP encerraria sua parte na Educação e ficaria tudo para a

Secretaria da Educação resolver. Conta também que o CR havia recebido a visita da Diretora e

Supervisora da escola vinculadora estadual para conhecer o espaço e que a primeira orientação

foi a de que para efetivar matrícula e ser certificado ao final do semestre letivo, o aluno deveria

ter obrigatoriamente os seguintes documentos: RG, certidão de nascimento ou casamento,

histórico escolar. Alerta também que esses documentos devem estar legíveis para serem aceitos.

Essa foi a primeira indignação por parte de Leão que coloca: “Olha, eu to achando bom a

Secretaria da Educação assumir... mas espera aí... aqui é diferente de uma

escola da rua nesse sentido da documentação. A maior parte aqui não tem

Page 123: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

101

esses documentos, tem gente que nem recebe visita de família, gente de outro

Estado... eu vou começar agora a fazer um levantamento da documentação

deles pra começar a pedir. Mas não podemos matricular sem ter esses

documentos.” Pude comprovar esta informação pela publicação da Resolução nº 64

(13/06/2012) quando adverte que:

Artigo 3º - Caberá à unidade escolar, vinculadora das classes de alunos dos

estabelecimentos penais, a incumbência de acompanhar, avaliar e regularizar os

atos escolares praticados, bem como expedir certificação de conclusão de

estudos ou de curso. Parágrafo único – Para expedição de certificação, a que se

refere o caput deste artigo, a unidade escolar vinculadora deverá: 1 – requerer do

estabelecimento penal cópia das avaliações semestrais realizadas pelos alunos,

cópia da carteira de identidade (RG), fichas de matrícula, históricos escolares e

demais documentos comprobatórios dos estudos efetuados, para fins de

verificação de autenticidade e posterior arquivamento.

A questão da documentação é algo bastante problemática para os presos. Em várias das

entrevistas que antecederam a “virada” da FUNAP para SEE foi apontado como uma

preocupação a regularização dos documentos que se perderam desde a entrada na prisão. Quem

explica esse processo é Silvio (31 a) “Engraçado... o Estado não te dá condições... ele

pede pra um aleijado andar... olha... você quer estudar... estuda... só que

precisa do RG... Acho que poucas pessoas sabem, mas todo mundo que vai

preso, a maioria dos documentos é tudo extraviado, entendeu... meu exemplo:

eu fui preso aqui em Bragança e na saidinha temporária eu fui até a delegacia

em que fui preso procurar meus documentos e fui fazer um Boletim de

Ocorrência... né... e no boletim, a mulher digitando e tal e eu falei: olha eu fui

preso pelo doutor tal e meus documentos ficou com ele no dia e meus

documentos extraviaram no dia então to fazendo o boletim. Na hora do

delegado assinar, ele não assinou... falou que não poderia fazer um boletim

desse... então assim pra mim conseguir tirar meus documentos agora... vou

precisar de tempo... não é numa saída temporária que consigo resolver isso.”

A fala de Silvio evidencia um desconhecimento da SEE em lidar com a questão da

Educação Prisional. Criam-se as regras e não se discutem maneiras de resolver a questão. Silvio

conclui: “o que falta aqui é aquele cara interessado nessa melhoria né... porque

Page 124: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

102

nós temos a Delegacia Seccional, se tem uma pessoa que vai lá e fala: nós

temos tantos presos aqui sem RG, e tantos presos que estão no semiaberto

perto de voltar pra rua e precisam acertar seus documentos... Pô... a intenção

não é ressocializar?”

Outro momento que pude vivenciar é quando chegou para o CR o calendário escolar. Os

monitores- presos se divertiam com a informação que constava: “Reunião de Pais”.

A fala de Leão nos indica que pensar o funcionamento da escola na prisão não pode

passar pela simples “cópia” do modelo educativo oferecido na rua, apagando todas as questões

que significam a privação da liberdade. Por exemplo, a problemática da documentação acabou

por impedir muitos alunos de iniciarem o semestre letivo. Deste modo, tive acesso aos relatórios

que disponibilizam a quantidade de presos estudando e os que estavam aguardando vaga. No item

aguardando vaga podemos considerar esses casos de documentação incompleta. Assim temos no

início de 2013 (fevereiro), oitenta e oito (88) presos estudando (entre Ensino Fundamental e

Médio) e noventa e dois (92) aguardando vaga. Três meses depois, em outro relatório temos uma

população prisional com duzentos e quarenta e um (241), dos quais noventa e dois (92)

estudando e noventa e cinco (95) aguardando vaga. Os números evidenciam os casos que não

possuem a documentação completa. Outra situação vivenciada neste início de semestre letivo foi

quanto ao processo de atribuição de aulas aos professores (OFAS), os quais foram chegando

devagar e o horário ficou preenchido somente no começo de abril. Em conversa com a professora

da Área de Linguagens e Códigos ela explica o porquê da demora na atribuição das aulas de

forma completa: “O Estado está com uma demanda enorme de aulas e não tem

professor, ainda mais prá cá que tem a resistência”.

As turmas foram montadas com os alunos que possuíam os documentos necessários para

frequentar as aulas. Num segundo momento, a partir de 7/2/2013 iniciou-se o seguinte processo:

o Diretor de Segurança e Disciplina fez uma fala com os alunos sobre “segurança e disciplina”.

No mesmo dia, houve uma reunião com os professores e a Diretora Geral do CR. No dia 8/2/2013

as aulas iniciaram-se e como “abertura”, um dos agentes fez uma fala sobre a questão da

“disciplina” (novamente), mas desta vez na frente dos professores. O monitor-preso Leão foi

orientado a “observar” alunos que não se comportam e passar para o funcionário. Mesmo com a

mudança da assistência educacional para a Secretaria Estadual de Educação perpetua-se o fio

condutor do estabelecimento penal na lógica educacional, como Claudio, (26 a) explica: “O

Page 125: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

103

lugar aqui é complicado... pra falar em mudança assim... meio difícil né... não

dá pra ficar sonhando alto... esse ano tá legal... o pessoal tá gostando... Agora

com a mudança da FUNAP para o Estado... a parte do certificado anima a

pessoa porque até o ano passado a gente tava estudando, mas não sabia do

certificado... desanima... a turma sai e sem o certificado... vai ser válido lá

fora... a pessoa quer o certificado... isso animou bastante o pessoal... eu acho

que continua a questão da disciplina... não mudou muita coisa nesse sentido...

a gente vê que muitos tão mais interessado em estudar... eu por exemplo,

quase nem falo na aula... mas a gente vê uns e outros... porque sou galeria e

trabalho lá perto dos funcionários... mesmo sendo o professor da rua... a gente

continua como galeria tendo que observar o comportamento na aula... teve um

outro dia que foi pro castigo... essas coisinhas assim acontece... diariamente a

gente tem um probleminha... na cadeia... é assim... acho que tem gente que

falta parafuso... sempre tem os engraçadinhos... Eu acho que continua a

mesma coisa... a questão da disciplina... tem um ou outro que dependendo do

que falar... vai seguir adiante... e aí eles tem medo... porque aqui é assim... um

vendo todos e todos vendo um... continua assim... e depende muito de como a

pessoa escuta (galeria) e leva pra frente o que o cara falou.

Lembro-me que na semana em que as aulas começaram, lá estava eu no CR para

acompanhar essa mudança com relação à nova organização. Na entrada, encontro seu Manoel,

agente de longa data, com muitos anos de trabalho em unidades prisionais enormes, como o

Carandiru. Pergunto a ele se as aulas já haviam começado. Ele me responde: “Eu nem quero

saber disso! Isso é sua parte!” A fala de seu Manoel mostra o isolamento da escola dentro

da unidade prisional. É reafirmada assim a gênese da instituição penal perpassando por todos os

setores da prisão.

O espaço educativo prisional

“Sabe... quando eu vi que ia mudar da FUNAP pra Secretaria de

Educação e ia aumentar o número de horas de aula eu pensei assim: Será que

Page 126: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

104

realmente eles fizeram isso pra realmente ensinar a gente ou só pra soltar mais

logo e desocupar o espaço que tá lotado... não tem mais espaço... onde eu tava

em Hortolândia não tinha espaço pra dormir não... eu já vim pra cá pensando

nisso... Pensar em colocar uma escola lá dentro? Como? Sem condições? Mas

eu penso que se é pra ensinar a gente realmente pra tentar mudar ou pra

soltar?” (Wellington)

A fala de Wellington (22 anos) coloca mais uma vez os jogos discursivos presentes na

configuração de um currículo para a escola do cárcere. Com isso quero dizer que a instituição

prisional demarca práticas discursivas sobre quem a habita e nesse sentido, o que entende por

conhecimento e como significá-lo. Desta forma também quando olhamos para o edital que

seleciona professores para a função da docência no cárcere vemos o quanto a Educação de Jovens

e Adultos não é levada à sério em nosso país e sobrevive de programas pontuais, dispersos e sem

conexão com a especificidade desta modalidade57

. E ainda, como a utilização de conceitos tais

como “ler, escrever e contar” defendidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (5.692/71)

continuam a produzir efeitos nas práticas do cotidiano da escola de jovens e adultos até os dias de

hoje. Mesmo com a mudança na nomenclatura com a nova LDB (9.9394/96) para Educação de

Jovens e Adultos, verifica-se que as marcas do Ensino Supletivo preconizado pela antiga lei,

guardam enunciados como o “suprir”, “reparar” um tempo perdido e mesmo a seleção de um

conteúdo “básico” a ser ensinado são eixos que perpassam as (poucas) investidas na modalidade.

Escolhi a fala de Wellington que problematiza a possibilidade de haver uma escola dentro

de uma unidade prisional e tenho a concordar com ele que uma escola em funcionamento dentro

das unidades prisionais paulistas é algo complexo. Complexo porque se trata da maior

locomotiva de produção de população prisional e sendo assim, a dimensão de sua organização

penitenciária é imensa. Abriga, conforme vimos no capítulo anterior diferentes tipos de unidades

prisionais58

, para diferentes tipos de regime de pena a serem cumpridas. Mesmo na unidade

prisional pesquisada, com sua estrutura menor, já foi difícil acomodar as (três) salas de aula para

a demanda dos alunos. Quando descrevi uma das salas em que as aulas aconteciam, evidenciei

que uma delas não havia janela. Lembro-me na época da pesquisa de campo, verão intenso

57

ALVISI, Cátia. Desenhos curriculares na educação de jovens e adultos: desafios plurais.

Universidade São Francisco, 2009. 58

De acordo com o site www.sap.gov.br o Estado de São Paulo contém cento e sessenta (160) unidades prisionais

divididas em diferentes modelos. (acesso em 17/09/2014)

Page 127: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

105

(dezembro), aqueles homens reunidos num espaço pequeno, resolviam a sede com uma garrafa

pet coletiva cheia de água que rodava de boca em boca. Torna-se inviável por questões de

segurança, que os alunos saiam para beber água quando queiram. Desta maneira, quando

chegavam para a aula, já traziam as garrafas cheias. Ao calor insuportável, juntavam-se os ruídos

entre eles como que numa contagem regressiva para a aula terminar: “ai, falta 15’.” (se

referindo aos minutos). O que se verifica é que a prisão da maneira como foi pensada no século

XVIII cumpre seu objetivo de contenção e para isso foi pensada sua arquitetura e modos de

fabricar e disciplinar os corpos ali presentes.

Como inserir uma escola dentro dessa arquitetura? Quando dizemos a palavra escola

pensamos logo numa estrutura composta por gestores, funcionários, corpo docente, discente,

espaços físicos diversos (sala de professores, sala de leitura, secretaria e etc...), entretanto toda a

estrutura organizacional de uma prisão (sua rotina, seus tempos e espaços e a própria arquitetura)

não dialogam tranquilamente com aspectos do trabalho educativo. Ou melhor, podemos inferir

que a arquitetura da prisão tem sim uma proposta educativa, a qual viabiliza as relações de

disciplinamento que ali se estabelecem e que se assenta na marca do controle. O controle aqui

entendido como uma rede de micropoderes que não é apenas horizontal (do corpo dirigente para

os presos), mas também dos presos para a equipe dirigente e entre os próprios presos.

A questão arquitetônica dos estabelecimentos penais foi revisitada numa Resolução nº 3,

de setembro de 2005, que propõe editar e revogar uma antiga Resolução nº 16 de dezembro de

1994. Na Resolução de 2005, o Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária teve como objetivo “consolidar um novo marco na relação de cooperação entre o

Ministério da Justiça e as Unidades da Federação, no tocante às iniciativas de construção,

ampliação ou reforma dos estabelecimentos penais (p.2)”. De acordo com o documento, a

classificação das unidades penais baseia-se no que a Lei de Execução Penal dispõe em seu texto.

Portanto, não abrange todas as conceituações feitas pelo Estado de São Paulo.

Interessante notar que em seu Anexo V “Elaboração de Projetos Arquitetônicos” (p.23), o

texto pressupõe o seguinte:

A criatividade deve ser estimulada na elaboração de um projeto para

estabelecimento penal, porém há alguns aspectos que devem ser considerados

para que atinja o objetivo a que se propõe a edificação. (grifo meu) Deve-se ter

consciência da importância que tem a definição de uma linha de projeto que

poderá vir a facilitar a administração e manutenção do edifício proposto e,

Page 128: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

106

consequentemente, influir no comportamento das pessoas que dele fazem uso. É

fundamental favorecer as instalações com um mínimo de conforto, procurando

soluções viáveis que permitam um grau de segurança necessário. (grifo

meu)[...] A princípio, todos os partidos são aceitáveis, mas terá que ser

comprovada sua eficácia quanto à funcionalidade e segurança. (grifo meu)

O texto discorre sobre as possibilidades de inovação arquitetônica, mas ao mesmo tempo,

deixa claro a todo momento que o objetivo final da contenção e segurança não devem se perder.

Por fim, finaliza que se houver quebra dos padrões arquitetônicos, estes devem ser comprovados

quanto à sua eficácia.

Mesmo não adotando a nomenclatura utilizada no Estado de São Paulo para a

classificação das unidades prisionais, é possível verificar a atenção dada pelo documento no que

se refere a prever a construção de salas de aula no que atende ao item das Diretrizes Básicas

Arquitetônicas intitulado como “módulo de ensino”. O módulo de ensino é caracterizado como

“espaço destinado às atividades de ensino formal, informal e profissionalizante e atividades da

comunidade com as pessoas presas” (BRASIL, 2005, p.66)

Sugere-se então que o módulo de ensino contenha: biblioteca, sala de aula, instalação

sanitária (pessoa presa), sala dos professores, sala de informática e sala de encontro com a

sociedade. No item sala de aula faz-se uma observação de área mínima de 1,50 m por aluno e que

a quantidade dimensionada seja para atender a 100% dos presos nos três turnos. As salas devem

ter capacidade para atender 30 alunos. E a observação realizada para a sala de informática é a de

que deve ser dimensionada para atender a 3% do número total de pessoas presas.

E isto tudo pode configurar o currículo? Defendo que sim, pois ao considerarmos todas

essas marcas colocamos numa rede questões que configuram modos de se fazer currículo e neste

caso demarcado pelas práticas de funcionamento do espaço da prisão.

Deste modo, olhar para a arquitetura não apenas como espaço construído a partir de

regras formais, mas como expressão de determinados discursos é o que propõe autores como

Viñao Frago e Escolano (2001). Para eles, é preciso olhar para a arquitetura escolar como “um

programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como

os de ordem, disciplina e vigilância [...]” (VIÑAO FRAGO e ESCOLANO, 2001, p.26).

Se pensarmos a prisão em sua estrutura panóptica e a construção da escola dentro dessa

instituição, é possível perceber que a “espacialização” (ESCOLANO, 2001, p. 27) tanto de uma,

como de outra organizam e facilitam uma economia do tempo e da rotatividade das tarefas. Por

Page 129: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

107

exemplo, no Centro de Ressocialização as duas salas de aula ficam no mesmo corredor e para

acessá-las só há uma opção. Não existem possibilidades de criar novos itinerários a partir do

momento em que os presos estão no Anexo I. Da mesma maneira que para sair das salas, o

corredor nos leva sem saída ao portão em que os “galerias” são responsáveis pela tranca. Um

outro exemplo é a disposição que ocupa a cela do castigo (praticamente ao lado da portaria) e a

cela da triagem, a qual recebe os presos que chegam para serem observados antes de serem

colocados no convívio com os outros presos.

Circunscrever o currículo de forma ampla ultrapassando a ideia de guia curricular é uma

possibilidade de colocá-lo em meio a discursos que se adéquam para atender determinadas

demandas, urgências e modos de governar. Nessa perspectiva, a linguagem ocupa um lugar

central, já que a produção dos discursos sobre o currículo pode evidenciar suas conexões e

estratégias para fazer valer como Verdade este ou aquele tipo de conhecimento.

Nesse sentido, entendo o currículo como texto e como discurso dentro da escola prisional

como um dispositivo de governamentalidade. A governamentalidade é definida por Foucault

(2008) como:

O conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, os

cálculos e táticas que permitem exercer essa forma bastante específica, embora

muito complexa de poder que tem por alvo principal a população, por principal

forma de saber a economia política e por instrumento técnico essencial os

dispositivos de segurança. Em segundo lugar, por “governamentalidade”

entendo a tendência, a linha de força que, em todo o Ocidente, não parou de

conduzir, e desde há muito, para a preeminência desse tipo de poder que

podemos chamar de “governo” sobre todos os outros- soberania, disciplina- e

que trouxe, por um lado [e por outro lado], o desenvolvimento de toda uma série

de saberes. Enfim, por “governamentalidade” creio que se deveria entender o

processo, ou antes, o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da

Idade Média, que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado administrativo, viu-

se pouco a pouco “governamentalizado”. (FOUCAULT, 2008, p. 144)

Tomando como ferramenta o conceito de governamentalidade, é possível entender como o

Estado desde sempre procurou meios de controlar e corrigir condutas da população. Ao longo da

década de 70, Michel Foucault passa a usar o conceito apontando como um dos modos de agir

politicamente com alvo nos conjuntos populacionais. Essa preocupação também é o foco da

emergência dos novos discursos criminológicos conceituados como “nova penalogia” sinalizados

no capítulo anterior. (FEELEY; SIMON, 2012).

Page 130: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

108

Logo vê-se maquinarias de poder que apontam novas maneiras de governar. E nesse

sentido, quando penso na emergência das Diretrizes Curriculares para a Educação Prisional

circunscrevo este documento como uma possibilidade de atuar sobre a população atendida,

controlando-a. E tendo controle sobre os corpos, automaticamente controla também seus modos

de ser e estar no mundo.

Outros pontos a que a Diretriz se refere também merecem ser destacados para que

possamos compreender como se instaura e se organiza uma política da Verdade para a

modalidade da Educação de Jovens e Adultos e como esses discursos que se organizam como

Verdadeiros compõem um currículo traiçoeiro. Traiçoeiro porque permite a construção da ideia

de que a Educação está sendo oferecida enquanto um Direito até para cidadãos presos, mas não

há preocupação com a qualidade do currículo desta oferta educativa. A qualidade do currículo

como possibilidade de problematizar os espaços, tempos, significados do conhecimento e acima

de tudo constitua um projeto que faça sentido à comunidade educacional. Entretanto, enquanto

esse projeto não é construído, pouco importa o que lá dentro se faz, e nos alerta Maeyer (2013,

p.42) que investir na educação prisional “não se trata de ajudar a passar o tempo ou fornecer uma

educação pobre às pessoas pobres.” E como para todo desenvolvimento de uma educação pública

e de qualidade passa por recursos destinados a ela, temos a EJA como o “primo pobre da

Educação”.

Vejamos a questão do financiamento:

Art. 3º (par. II) Será financiada com as fontes de recursos públicos vinculados à

manutenção e desenvolvimento do ensino, entre os quais o FUNDEB (Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação, destinados à modalidade de EJA e, de forma

complementar, com outras fontes estaduais e federais. (p.29)

Todavia é preciso destacar que o valor-aluno da Educação de Jovens e Adultos é 36%

menor do que o valor-aluno do Ensino Médio regular. De acordo com a Portaria interministerial

nº19, de 27/12/2013, é previsto para um aluno do Ensino Médio regular/ano o valor de R$

3.792,36 e já para o aluno da EJA/ ano é 2.427,11. Outra questão séria quanto ao destino da

verba do financiamento da EJA é que normalmente os Estados e municípios acabam oferecendo o

Ensino Regular noturno por razões mercantis. Como o aluno da EJA “vale menos”, assumir a

modalidade EJA é uma perda quando se considera o repasse do FUNDEB. E ainda organizam-se

Page 131: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

109

salas em período diurno que não são distinguidas como salas da Educação de Jovens e Adultos

(para fins de repasse) e com isso compromete-se o envio de material e possíveis recursos para a

modalidade.

Quanto aos materiais e modo de oferecer a educação:

Art. 5º Os Estados, o Distrito Federal e a União, levando em consideração as

especificidades da educação em espaços de privação de liberdade, deverão

incentivar a promoção de novas estratégias pedagógicas, produção de materiais

didáticos e a implementação de novas metodologias e tecnologias educacionais,

assim como de programas educativos na modalidade Educação a Distância

(EAD), a serem empregados no âmbito do sistema prisional.

Em conversa com os professores foi possível perceber que utilizam o mesmo livro

didático que já estava no CR, do semestre passado (2º semestre/2012). Trata-se do mesmo livro

em que os monitores-presos se apoiavam para suas aulas e trazem o seguinte comentário: “Eu

uso o livro da EJA do 9º ano para o Ensino Médio, não forço muito eles não”. E

me mostra uma cruzadinha que daria naquela aula e termina: “É meio infantil,

mas foi o que achei pra hoje”. Já para outra professora a seleção é feita com base no

critério considerado “o básico para cada série”. Os alunos durante as entrevistas também

trouxeram suas questões sobre o livro didático utilizado. Vejamos: “as questão do livro lá

...só por Deus... ce ficava fritando a cabeça num barato que nem vai usar no

seu dia a dia... não vai ampliar seu ritmo de vida” (Jhonatas) ou mesmo: “Pra falar a

verdade dos livros que eu uso, só uso um livro que é o não lembro o nome, o

verde59 lá... você chegou a ver... eu tava olhando ali e tem coisa interessante, só

que tem muito mais Português ali... Matemática tem muito pouco, e no caso

aquelas contas de Matemática ali é da primeira série e eu to na quarta série.”

(Edmilson)

Para Silvio, sua percepção é a de que os livros didáticos: “são muito fraco,

nossa! o conteúdo...acho que as próprias pessoas que fazem isso elas acham, já

acredita que nois não sabemos nada... sabe... tem umas perguntas muito

repetitivas, muito igual e são matérias de História... a gente estudou sobre os 59

Coleção Tempo de Aprender. vol 3. Multidisciplinar EJA- 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Ed.

IBEP e Base Editorial. 2ª ed.2012.

Page 132: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

110

índios... tem coisa que dá pra ir muito mais a fundo do que simplesmente dizer

que eles fazem artesanato... quando entrou na questão dos mamelucos, aquilo

ali é coisa de muita profundidade, tem muita História aquilo ali e o livro te dá

pouco conhecimento, é muito básico, se você realmente precisa do conteúdo

deixa a desejar...”

Quanto a EAD- Educação a Distância, não pretendo me estender aqui sobre o assunto.

Porém, o que nos indica é que essa possibilidade seria a mais “fácil” pensando na complexidade

de colocar a escola em funcionamento dentro do cárcere. Digo isto considerando o entra e sai de

professores e a própria frequência de pessoas de fora na unidade. Então, analisando dessa

maneira, a do ponto de vista da rotina prisional, a EAD é muito bem vinda. Todavia, ao

considerarmos o foco nos aspectos pedagógicos, centralizar o oferecimento do atendimento

educacional nessa perspectiva (EAD) é contar com a autonomia e independência do aluno na sua

própria relação no processo de gerir sua aprendizagem. Desta maneira adotar a EAD como

possibilidade pedagógica central dentro da prisão é desconsiderar o perfil da população atendida

que possui uma história fragmentada de frequência à escola, cheia de idas, vindas e abandonos

para os quais as características exigidas não se coadunam.

Gostaria também de salientar o art.3º par. VII que prevê que a oferta do ensino seja

oferecida em todos os turnos. Em outras oportunidades do trabalho foi possível destacar o quanto

o peso de uma rotina dentro da instituição penal é a chave para o controle e seu funcionamento.

Assim, no 2º semestre letivo do ano de 2012, quando a responsabilidade da oferta educativa era

da FUNAP, a organização das aulas previa uma duração mais curta para o Ensino Médio (duas

horas). Desta forma, o Ensino Médio iniciava suas atividades depois do horário da contagem dos

presos (19:00) e troca do plantão dos funcionários que iniciariam o turno da noite. Como o

horário de “subir o ar”60

é às 22:00h, as aulas encerravam-se às 21:00h e não havia problemas

com a organização da rotina da unidade prisional. Com a mudança para as normas estaduais

(início de 2013), as aulas obrigatoriamente tem a duração de quatro horas e com isso alguns

impasses surgiram e até o momento ainda não foram resolvidos. Como consequência, os presos

que estão no regime semiaberto, isto é, trabalham fora da unidade prisional e retornam para

dormir, não tem como estudar no horário em que as aulas acontecem. (7:00h às 11:00h ou 14:00h

60

É o horário limite para pessoas de fora da unidade estarem lá dentro. E também é o horário em que os presos são

trancados nas celas.

Page 133: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

111

ás 18h). Sendo assim, muitos dos alunos que frequentavam as aulas no semestre passado e que

trabalham na rua não podem frequentar a escola, já que mexer na rotina da noite numa unidade

prisional é algo que dificulta o trabalho dos funcionários, que são em menor número e assim... a

vigilância e o controle podem escapar aos dedos. Digo isto porque com a mudança das quatro

horas de aula, o horário provável para a aula da noite seria as 19:00h (depois da contagem dos

presos e troca de plantão de funcionários) e teria como término, o horário de 23h. Como já dito

anteriormente, no CR “sobe o ar” às 22:00h e com isso haveria ruptura com a rotina já muito bem

estabelecida com o foco na Disciplina e Segurança.

No final de abril de 2013, o monitor-preso Paulo, que ainda continua no CR, me mostrou

a nova iniciativa que foi proposta para resolver a sala de alfabetização que também não estava

funcionando, já que a responsabilidade pela oferta do Ensino Fundamental I é do município. Foi

montada uma sala com vinte e cinco alunos, na fase inicial da alfabetização e um monitor-preso,

que na rua cursava o terceiro ano em Pedagogia e demonstrou interesse em ministrar as aulas das

19:00h às 21:00h, na mesma lógica em que acontecia pela FUNAP. Internamente o nome do

projeto foi chamado de “Projeto Aprendizagem e Vida”. Tive a oportunidade de conhecer o

monitor-preso no dia em que estava organizando seu caderno de planejamento. No caderno,

colava atividades infantis para escrita do nome das figuras. Pergunto se ele consegue entregar a

atividade que está colando no caderno para que cada aluno tenha a sua. Ele diz que não. Comenta

o projeto em questão e que os alunos possuem muita dificuldade, além de achar que o tempo é

pouco. “Eles vem só pra remição, mas a gente não pode comentar se não fica

ruim. Olha esses cadernos aqui (aponta para o caderno de planejamento).

Ninguém olha, não tem acompanhamento. Deveria ter. A Dra. (se refere a

diretora geral) e o diretor de segurança e disciplina deveriam ver o que acontece

aqui.”

Quando voltei para o CR no final do ano de 2013 para dar uma devolutiva da pesquisa

para os presos que ainda estavam lá, notei que o Projeto Aprendizagem e Vida havia sido

interrompido.

Page 134: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

112

E afinal, o que acontece aqui?

Inicialmente pensava encontrar muitas diferenças entre a escola da prisão e a escola “da

rua”. Porém ao longo da participação nas aulas e o convívio com os alunos, notei muitas

semelhanças principalmente no que tange à questão da cultura escolar. Tomo o conceito de

cultura escolar de Viñao Frago (1995) para a qual é preciso considerar todo o conjunto de

normas, práticas, ideias e procedimentos que se expressam nos modos de pensar e fazer o

cotidiano da escola. Nesse sentido, uma das questões que mais me chamaram a atenção foi o

formato da aula. Independentemente de quando acompanhei os monitores-presos e agora, com os

professores estaduais, a estreita semelhança no padrão da aula ministrada.

Quando buscamos compreender essa formatação da aula, vale ressaltar o impacto dos

métodos introduzidos e aperfeiçoados pelos jesuítas já na Idade Média. Um deles mais conhecido

como “modus parisiensis” foi um método próprio da Universidade de Paris que se centrava no

aluno e em sua atividade. Assim, “a partir da lectio ou expositio se suscitavam, por parte do

professor e dos alunos, as quaestiones e como um desenvolvimento delas, origina-se um diálogo

ou discussão-disputatio.” (NOGUERA-RAMIREZ, 2011, p. 74) Ernesto, 20 anos atualiza o

“modus parisiensis” com suas próprias palavras durante uma entrevista: “Primeiramente a

gente entra e está todo mundo conversando...aí entra o professor e dá “bom dia,

boa tarde ou boa noite”, aí faz a chamada... todo mundo responde...olha hoje a

gente vai falar sobre tal assunto..se tem livro pega o livro, se não tem passa na

lousa... agora eu vou explicar e já era... mais ou menos... e chega... chamada...

exemplos... corrige o exercício”.

Selecionei alguns trechos de aulas de que participei, não enfatizando diferenças ou

semelhanças se foi uma aula dada por um monitor-preso ou um professor estadual por não estar

preocupada em analisar a prática docente, mas sim socializar o (s) movimento (s) complexo e

singular vivido dentro das salas de aula em que estive presente. O registro aqui apresentado das

aulas constitui-se em mais um desdobramento curricular que ao ser organizado narrativamente

provoca sentidos e ilustra dinâmicas do que se entende por conhecimento na escola da prisão.

Aula de Inglês- Ensino Médio (14:00h)

Page 135: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

113

Ao entrar na sala, a professora cumprimenta os alunos e diz que hoje a aula será de Inglês.

Faz uma breve introdução de palavras cognatas e passa na lousa uma lista de palavras em inglês

com o significado em Português. Lê as palavras em voz alta e pede para os alunos

acompanharem. Eles ficam tímidos e alguns se arriscam... Após, algumas frases são colocadas na

lousa com espaços faltando para que os alunos completem com as palavras anteriormente

dispostas na lousa. Ela circula pelos cadernos dos alunos e finaliza a aula com a correção coletiva

na lousa.

Aula de Língua Portuguesa- Ensino Fundamental I (7:00 h)

As palavras estavam na lousa desde o dia anterior. TORÓ/ MILHO/ QUILOMBO. O

monitor-preso pede para os alunos falarem para ele a sílaba mais forte para que possa grifar na

lousa. Os alunos têm dúvidas e se divertem com os erros. Um dos alunos comenta: “Ih! to

desligado”. O MP segue falando da acentuação, da nova ortografia e um dos alunos tenta

repetir: “Ah! Todas as proparoxítonas são acentuadas”. O MP pergunta: “O que quer

dizer QUILOMBO?” Um dos alunos responde de imediato: “Ah! É do tempo antigo!” Já,

um outro diz: “Tem a ver com quilômetro?”

O MP repreende e diz: “Nãoooo! Para!!! É o seguinte... e explica. Na lousa, outras

palavras: CAJU/ ARATU/ TATU.

O aluno mais novo ao meu lado que diz encontrar-se “meio desligado” olha para as

palavras na lousa com um olhar vago, distante. Passa os olhos pelas paredes da sala e nada

escreve. Enquanto isso, outro aluno com o dicionário na mão, busca o significado da palavra

“quilombo” e lê: “Refúgio de escravos”.

A aula segue: “CAJU... qual a sílaba mais forte? E Aratu? Francisco responda você:”

“TU”- responde o aluno.

De repente, sinto que o MP se irrita e entra no assunto: “Sandro, abre sua cabeça ae

participa da aula. Você tem problema e eu também tenho. Se você não mudar

aqui e não transformar essa experiência... já era! Sabe o que vai acontecer?

Você chegou agora... está se adaptando... vamos lá... para o exercício!! Próxima

palavra: “Torresmo”.

Page 136: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

114

Os alunos em coro: “Ai que vontade de comer torresmo. Faz quatro anos que

não como um torresmo... nossa!!! Fala um deles.”

A próxima atividade do livro é proposta para ser realizada em duplas. Porém, isso é

interditado pelo MP e pede que os alunos realizem individualmente. E completa: “Olha gente,

se vocês ficarem bonzinhos, eu vou passar filme pra vocês.”

Os alunos guardam o material, já que “SUBIU” e saem.

Aula de História- 8º e 9º ano (16:00 h)

“Pessoal, hoje temos visita novamente. Vamos manter a disciplina.” Com

esta frase, o MP inicia a aula. A partir do grito do galeria “AULA!!!”, os alunos vão chegando e

pegando os livros em forma de corrente. Eu também recebo o livro.

“Vamos abrir na página 200 – tema: Os herdeiros da nossa terra. Vamos

seguir o exercício que é um questionário a partir da tela de Candido Portinari.”

O MP pede que um a um leiam as respostas já realizadas em voz alta. Uns não fizeram e outros

repetem a resposta do amigo da frente. O MP comenta: “Ele acha que me engana.”

Começa a conversa paralela na sala quando são interrompidos em voz de

repreensão: “A conversa subiu ae rapaziada”.

As perguntas que se seguem envolvem a resposta pessoal dos alunos. Um dos alunos é

chamado a responder quando diz: “Olha, eu posso até falar, mas é que eu penso de

outro modo. Não tem a ver com o estudo. Eu acredito que é porque Deus quis”.

O MP escuta e diz: “A resposta é o seguinte: estaríamos em situação melhor

se não tivéssemos sido colonizados pelos portugueses. Coloquem aí”.

A próxima atividade sugere que a sala se divida em grupos para apresentar uma

dramatização com os seguintes papéis: júri, promotor público, advogado e réu. A atividade é

pulada.

Tive a oportunidade depois de comentar com Leão sobre as atividades puladas e

interditadas por eles. Ele me explica que: “Você não consegue segurar, controlar.

Depois não dá pra continuar com a aula. Eu preciso controlar até o que eles

comentam sobre alguma atividade do livro. Eu tenho que ter uma autoavaliação

muito séria do que eu preciso e posso falar. Porque aqui dentro não tenho

Page 137: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

115

amigos e alguém pode usar isso contra mim. Certa vez, logo que comecei a dar

aula aqui eu li uma história que tinha palavrão. Na hora que li, já me arrependi

e fiquei tenso pensando no que poderia acontecer. Assim, numa atividade que

pede “discuta com seu colega”, numa sala de aula “normal”, com outros

estudantes, tudo bem... mas aqui pulo e peço pra escrever (por escrito). Se

funcionário escuta barulho, não quer saber da didática da minha aula, quer

saber do livro e resposta no caderno. Outra que aconteceu também: no Dia

Internacional da Mulher, combinou-se que cada um leria sua poesia e ao final

bateríamos palmas aqui na sala mesmo. Com o barulho das palmas, o

funcionário veio aqui e ficou perguntando o porquê do barulho. Eu expliquei a

razão e ele responde: “Nunca vi isso acontecer.”

Aula de Ciências- 3ª e 4ª série (7:00 h)

Já de início, a primeira atividade pede que os alunos estejam em grupo para discutir o

tema da alimentação. A atividade é pulada.

O MP explica sobre a diversidade das dietas entre diferentes faixas etárias. A seguir, a

atividade pede que observem duas fotografias que ilustram uma família reunida e feliz, a típica

família Doriana!! Sentada à mesa, tranquilos saboreando os alimentos e a outra fotografia com

uma pessoa caminhando pela Avenida Paulista e comendo um sanduiche enquanto caminha.

A seguir, pede que os alunos respondam as seguintes questões no caderno:

a) Quais desses tipos de refeições você costuma fazer?

b) De quais dessas refeições você gosta mais? E qual é a mais barata?

c) Na sua opinião, qual das formas de fazer as refeições é melhor para sua saúde?

De repente, um grito do galeria para que o MP fosse terminar o relatório para a Diretora

Geral. Quando o MP sai, o aluno ao meu lado começa a conversar comigo contando de seu

processo de escolarização, que tinha dificuldade e que a professora batia nele com a régua. Que

depois que entrou pro mundo do crime, chegou até a roubar a própria escola em que estudou. E

finaliza: “aqui na cadeia, o ambiente é pesado. Para sobreviver aqui, precisa ter:

olho de águia, boca de siri e orelha de elefante.”

Page 138: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

116

O MP retorna e inicia a correção com os alunos das questões e solicita a Edmilson que

responda. Sinto o aluno sem graça... faz uma pausa e responde: “Ah! Eu não fazia refeição,

era do jeito que dava, não tinha dia e nem hora”.

Mal o aluno termina de responder, dá o horário. Eles se retiram e o MP comenta: “Nossa,

eu pedi pro Edmilson refazer essa questão porque ele tinha escrito isso que ele

falou. Mas agora que lembrei que ele era morador de rua”.

Aula de Matemática- Ensino Médio (14:00 h)

A professora coloca contas de divisão na lousa e pede que realizem no caderno. Enquanto

isso me diz que tem uns livros na escola vinculadora que gostaria de trazer, mas eles tem espiral e

não é permitido entrar na unidade. Então, enquanto isso vai passando na lousa mesmo.

Dá um tempo para que realizem e percebe que alguns não estão fazendo. “Olha gente,

não é só prova que avalia. Eu avalio quem faz atividade aqui, que troca ideia e

participa.”

Inicia a correção na lousa das contas. Um dos alunos diverge do resultado e teima em

dizer que o jeito dele está certo. A professora comenta: “Olha eu já te disse pra fazer do

meu jeito. Mas se está fazendo do seu jeito, colega... então pelo menos faça

certo.”

A professora se irrita com o aluno visivelmente pela sua expressão facial. Vira-se para a

lousa e termina a correção.

A participação nas aulas contribuiu para que se afirmasse a convicção de que o conceito

de currículo neste trabalho procura ir além da relação entre técnica, eficiência e de uma cultura

comum que deve ser transmitida através de uma perspectiva de conhecimento universal. Assim

sendo, penso que o currículo é configurado por práticas discursivas que instituem o que pode e o

que não poder ser dito, o que deve ser trabalhado e o que deve ser interditado no espaço escolar

perpassando por representações do aluno ali institucionalizado.

Page 139: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

117

Um giro no caleidoscópio: produção de documentos normativos como

dispositivos de poder

Se tomarmos como referência as sinalizações que Foucault aponta no livro: A ordem do

discurso (2006) é possível compreender que em toda sociedade a forma como se organizam os

discursos e como são distribuídos apontam para a constituição de modos de se dizer a Verdade

sobre o saber, e neste caso, sobre a educação prisional e seu currículo. A construção dos textos

normativos é imbricada em “poderes e perigos” (FOUCAULT, 2006, p.9) desejosos de dizer a

Verdade sobre a educação prisional e suas formas de funcionamento. Além disso, a escrita de

textos constitucionais e, portanto normativos são dispositivos imersos em relações de força que

recebem suporte institucional (Secretaria da Administração Penitenciária/ Secretaria de

Educação) para sua distribuição. A escrita desses documentos que produzem formas de falar e de

ver a educação prisional possibilitam criar e tecer pontos numa rede discursiva em que, elaboram-

se sentidos sobre o tipo de educação oferecida, para quem e como. Provoca-nos Foucault (2006,

p. 8): “mas o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos

proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?”.

O perigo neste caso é o de compreender qual o (não) lugar ocupado pela modalidade da

Educação de Jovens e Adultos dentro da Secretaria de Estado de Educação de São Paulo. Se a

educação prisional será oferecida dentro dessa modalidade é possível estabelecer algumas

semelhanças com a maneira em que é realizada nas escolas estaduais da “rua”.

Em relatórios61

que abordam a demanda pela Educação de Jovens e Adultos é destacada a

queda de matrículas nos últimos oito anos nas redes estaduais. Para a pesquisadora da área Di

Pierro (2014) é assustadora a demanda e dramática a oferta oferecida. Vejamos: 16,5 milhões de

paulistas não possuem o Ensino Médio completo e 11 milhões não tem o Ensino Fundamental.

Nesse sentido, a autora destaca que a cobertura é muito reduzida, atingindo cerca de 1,6 milhões

de pessoas.

Ao assumir a responsabilidade pela oferta educativa prisional em 2013, a Secretaria

Estadual juntamente com a Secretaria de Administração Penitenciária publica em Diário Oficial

(17/01/2013) (em anexo) uma resolução conjunta orientando o início das atividades educativas

61

www.acaoeducativa.org.br (acesso em 30 de junho de 2014.). Com cobertura de apenas 10% da demanda,

Educação de Jovens e Adultos continua registrando queda de matrículas no Estado de São Paulo.

Page 140: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

118

prisionais. As classes formadas nos níveis Fundamental e Ensino Médio são multisseriadas e

organizadas em semestres letivos que são denominados termos. Assim, temos classes formadas

por termos iniciais do Ensino Fundamental (6º e 7º anos) e termos finais (8º e 9º anos). E classes

multisseriadas compostas pelo Ensino Médio. Na unidade prisional pesquisada, as aulas do

Ensino Fundamental ocorrem no período da manhã e as do Ensino Médio ocorrem no período da

tarde. Temos aqui um primeiro ponto: um dos critérios de atendimento priorizados pela Diretriz

Nacional é que a oferta aconteça nos três turnos para que haja cobertura da demanda, já que

muitos dos alunos encontram-se no regime semiaberto e passam o dia fora da unidade,

trabalhando.

Quanto à organização curricular, a Resolução SEE/SAP prevê no art. 2º: IV- o

desenvolvimento de um currículo acadêmico centrado, fundamentalmente, na superação da

fragmentação de disciplinas, mediante a utilização de eixos temáticos. Porém, logo abaixo, no

parágrafo 1º se contrapõe apresentando uma divisão com aulas de 50 minutos de segunda a sexta

feira.

Dois anos antes da publicação conjunta que orienta o funcionamento da educação

prisional no Estado de São Paulo, foi publicado em Diário Oficial (17/08/2011), o decreto nº

57.238 (em anexo) que institui o Programa de Educação nas Prisões (PEP). Até o momento da

pesquisa de campo (início do 2º semestre de 2013), os professores colocavam que não havia nada

de diferente que não fosse a nomenclatura utilizada (PEP) nos documentos burocráticos entregues

à escola vinculadora.

No Diário Oficial, artigo 1º é colocado que o programa tem por finalidade oferecer ensino

fundamental, médio, profissionalizante e superior aos presos nos estabelecimentos penais.

Percebe-se, portanto apenas uma preocupação em diferenciar a nomenclatura (Programa) para

assegurar que o Estado está cumprindo seu dever de oferecer educação dentro da prisão,

entretanto, utiliza-se dos mesmos moldes da EJA oferecida nas escolas da rua. Destaco também a

nomenclatura utilizada “Programa de Educação nas Prisões” por acreditar que é problemático

inserir a educação prisional como um programa e não como uma política pública que atenda às

necessidades dos alunos privados de liberdade. Programas podem ser descartados a qualquer

momento e neste caso evidencia-se apenas a distinção de que algo diferente acontece no interior

das prisões, quando na verdade, o que temos é a réplica da Educação de Jovens e Adultos da

“rua”, já carregada de problemas desde as concepções de que seu sentido seja apenas alfabetizar

Page 141: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

119

ou garantir o básico, até mesmo passando pela dificuldade financeira em investir qualitativamente

na modalidade.

Em conversa informal com a coordenadora da escola vinculadora pude confirmar que a

questão do Programa instituído é apenas a preocupação com a nomenclatura, pois de acordo com

ela, tudo é igual à EJA da rua.

Outra problemática da questão curricular é que a Resolução conjunta prevê no seu artigo

4º que o Ensino Fundamental e Médio sejam organizados por áreas e não por disciplinas.

Exemplo disso seria no Ensino Fundamental a área de Linguagens compreender as disciplinas de

Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna (Inglês ou Espanhol), Arte (com todas as

expressões artísticas) e Educação Física. Quando observamos a proposta da divisão do currículo

por áreas nota-se um avanço no desenho curricular proposto. Entretanto, a coordenadora me

explicou que isso é apenas para organizar a atribuição das aulas, mas o diário de classe é

preenchido pelos docentes separadamente para cada disciplina.

Formas de se dizer e constituir um desenho para a educação prisional através da produção

de documentos aqui entendidos como dispositivos de poder. Assim, (FOUCAULT, 2000)

entende dispositivo:

Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,

organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas

administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,

filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O

dispositivo é a rede que se pode tecer entre esses elementos. (FOUCAULT,

2000, p. 244)

Ao longo da escrita desse capítulo fizemos usos então dessa heterogeneidade que nos

apontou o autor. Se de fato, a concepção de currículo não é estancada aqui como repertório de

conhecimentos a serem transmitidos, interessa-nos então continuar observando as faces desse

caleidoscópio curricular para compreender como circulam outros significados que compõem

desenhos de uma realidade própria: a escola na prisão.

Page 142: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

120

Page 143: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

121

FACES DO CALEIDOSCÓPIO: MOVIMENTOS, CORES, IMAGENS...

Duas instituições em pleno movimento de funcionamento: a prisão e a escola. Uma se

re(fazendo) dentro da outra. Em meio a tantos protocolos típicos de uma unidade prisional, tais

como a contagem dos presos duas vezes ao dia, a hora da boia, a blitz, o bate grades e etc...

precisa considerar em mais um de seus protocolos de segurança, o acesso dos presos à escola. Por

sua vez, a escola organiza suas práticas educativas considerando o ambiente prisional e todos os

seus horários.

Esse entrelaçamento das duas instituições dentro de um mesmo espaço produz para quem

as ocupa, - e neste caso me refiro aos presos, que com suas entrevistas possibilitaram enxergar

através do tubo óptico do caleidoscópio - sentidos diversos atravessados pelas práticas dessas

instituições que se mesclam a todo momento.

Através da diversidade etária que compôs o grupo de entrevistados foi possível perceber

diferentes sentidos atribuídos quando questionados sobre a importância da escola. Para os mais

velhos que frequentaram pouco a escola em tempos atrás, guardam em suas memórias escolares a

disciplina e o rigor e querem a reprodução desse modelo educativo dentro da prisão. E mesclam-

se a essas memórias escolares o tempo vivido dentro das prisões. Diante disso, estabelecem como

eixo o que consideram importante manter na escola da prisão. A afirmação de Antonio62

(64

anos) coloca sua posição: “A escola precisa ter disciplina...o professor não pode

jogar piadinha e nem receber porque aí vira bola de neve. A escola aqui dentro é

mais severa, tem mais disciplina, não é isso? Aqui é mais disciplina, é mais

rígido... e aqui é pra ter uma finalidade só: estudar...quem não arcar com os

termos da unidade é punido...a moçada mais nova dá trabalho e acaba

arrumando pra cabeça...arrumou pega 10 dias de castigo.”

Certamente o peso que colocam sobre a disciplina nos relatos também é perpassado pela

questão de que se apropriam do discurso de que sabem que são cobrados, isto é a equipe dirigente

foca o trabalho no sentido disciplinar, da conduta dos presos. Isto significa que para os presos

com um tempo maior de institucionalização, a máxima: “preso bom é preso adaptado” é

62

Antonio encontra-se preso desde o ano de 1988.

Page 144: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

122

interiorizada para fins de sobrevivência, já que sabem que quanto menos trabalho derem aos

funcionários, sua estadia pode ser menos longa e dentro de muitas aspas...mais leve.

Interessante notar que para os entrevistados mais jovens que já fizeram parte das políticas

de universalização do ensino e que chegaram à escola na idade correta, dois grupos apresentam

sentidos opostos sobre o que consideram importante na escola. Para parte desses jovens que

tiveram suas trajetórias escolares na Fundação CASA, a questão da disciplina se assemelha ao

foco que os mais velhos, como apontado acima, também estabelecem. Vejamos a opinião de

Maicon63

(21 anos): “Rígido!... pode falar a verdade mesmo? Tem que ser rígido

porque senão não aprende nada. E recorda: na Fundação fica guarda na porta

da sala. Eu vejo que a segurança está aqui pra te ajudar e não pra te

prejudicar...porque se você não seguir a disciplina...atrasa a vida.”

O “atrasar a vida” é o que reflete a máxima anunciada um pouco acima de que preso bom

é preso adaptado e logo entende que é preciso seguir as normas da casa para que não se

prejudique aumentando seu tempo de condenação. Com isso, me refiro a tipos de faltas64

que são

registradas e endereçadas para a Vara de Execuções Criminais e podem, dependendo do tipo,

atrasar a condenação entre 3 meses e 1 ano.

Por outro lado, o outro grupo de jovens que teve experiências escolares em “escolas da

rua”, porém marcadas por trajetórias truncadas (evasão e repetência) e com pouco tempo de

escolarização guardam dessa experiência memórias de um tempo positivo e feliz. Como se fosse

esse apenas um curto espaço de tempo em que tiveram sua infância garantida, já que ao longo das

entrevistas percebeu-se a entrada para o mundo do trabalho precocemente. E com isso procuram

trazer esses aspectos para o que consideram importante numa escola prisional. Na pesquisa de

Santos65

(2014) que trata dos sentidos das experiências escolares de mulheres privadas de

liberdade foi possível encontrar semelhanças quanto ao papel da escola na vida das mulheres

presas. A autora argumenta que a escola para essas mulheres operava como um espaço para

63

Maicon esteve na Fundação CASA desde seus 13 anos. Quando completou a maioridade migrou para o Sistema

Penitenciário. 64

Me refiro ao artigo 89 do Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo.(Resolução

Secretaria de Administração Penitenciária 144, de 29/06/2010. 65

SANTOS, Pollyana dos. Os sentidos das experiências escolares nas trajetórias de vida de mulheres em

privação de liberdade. (2014) 171 f. Tese (Doutorado em Educação).Centro de Ciências da Educação,Universidade

Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2014.

Page 145: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

123

diversão separando as alunas (mesmo que momentaneamente) das responsabilidades e deveres

para com o mundo do trabalho.

Edmilson66

(38 anos), em sua entrevista, parece elucidar essa relação da escola como

direito à diversão quando diz: “Mudar geral...essas carteiras assim...poderia colocar

umas mesas...pintar essas... tipo do prezinho de antigamente...tudo

colorido...não com florzinha...sei lá dá uma modificada...sei lá dar uma

pintada...colocar cores assim tipo...como eu posso dizer...colocar outras mesas

de madeira para quiosque...ficaria legal...alguns computadores...trazer um

vídeo game na hora do recreio, um baralho, um dominó...eu acho interessante.”

Nesse sentido, é possível afirmar que nesta pesquisa a questão geracional dos

entrevistados não trouxe elementos suficientes que nos permita explicar os diferentes sentidos

que atribuíam à escola como algo decorrente dessa distinção. Entretanto, o que parece mais

instigante é ver como os presos (independentemente da idade) percebem as duas instituições em

pleno funcionamento dentro do mesmo espaço (conforme já sinalizei no início) evidenciando que

para alguns (com mais tempo de vida em privação de liberdade) as práticas das duas instituições

se assemelham e são uma extensão de toda a maquinaria coercitiva e já para outros (com menos

tempo privados de liberdade) o “fôlego” de pensar um espaço que diferencie as práticas da prisão

para com as da escola.

“Olho de águia, boca de siri e orelha de elefante”. (Sandro, 20 anos)

Em certo dia de pesquisa de campo (09/10/2012), na sala dos anos finais do Ensino

Fundamental, os alunos estão com os livros em mãos realizando as atividades solicitadas. Quando

o último questionário é respondido, a atividade seguinte é pulada. O livro sugere que os alunos

sejam divididos em grupos para apresentar uma dramatização com os seguintes papéis: juiz,

promotores públicos, advogados e réu. A atividade é interditada. É possível perceber que muitos

alunos leem a comanda da atividade, mas em tom de cochicho para tentar passar despercebido.

Essa foi uma das atividades interditadas das que pude presenciar nas diferentes salas. Durante as

66

Edmilson é preso primário e fazia seis meses que estava detido.

Page 146: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

124

entrevistas, procurei retomar em algumas delas as atividades interditadas com os alunos, os quais

procediam às suas análises do porquê achavam que a atividade havia sido pulada. Conversei

também com um dos professores que me indicava no livro um tipo de atividade: “Aqui pede

pra entrevistar um grupo, se reunir pra discutir. Eu digo pra eles: ‘O grupo que

você vai entrevistar e se reunir, sou eu: o professor.” Sobre essa questão, Jhonatas (19

anos) rebate: “Quando tinha essas atividades e ele (se refere ao professor) não

deixava a gente fazer em grupo...falava que era pra fazer individual...agora

como a gente vai fazer uma coisa individual que é pra ser feita em grupo? Então

você vai ter que pensar por você e por quem mais tá faltando? Ai nóis não

fazia...espera ele dar a resposta e nóis copiava...agora vai aprender o que

copiando?”

Antonio (64 anos) discorda de Jhonatas e coloca um ponto final no diálogo: “Grupinho

aqui não funciona”.

Já, para o aluno Silvio (31 anos) quando se recorda da atividade da dramatização coloca

de início: “Pois é...Justamente...aqui dentro não pode...porque foge da disciplina,

né...e era teatro...porque o que que acontece...aqui a disciplina você não pode

discutir, né? Então tudo o que possa gerar uma discussão, uma polêmica,

pula-se essa parte e vamos pra outro assunto, né...porque as pessoas também,

a maioria dos presos que vem pra cá...eles tem uma educação que é a que a

família pode dar, muitas vezes é dos revoltados porque vivia na

criminalidade...então a facilidade dele de sair do debate intelectual e ir pra

coisa mais grosseira é muito fácil...então uma atividade dessa que lá fora é

comum, um debate...porque lá fora tem que debater, defender sua tese...aqui

dentro isso pode ser muito perigoso.”

A questão do cuidado em se expor através do mau uso das palavras foi apontada como

uma preocupação para Wellington (22 anos): “Mesmo agora que mudou e tá com

professor da rua, as normas da casa interferem porque não tem a mesma

liberdade...porque na rua já tá numa aula e entra num assunto, num debate de

se expor...aqui já fica meio assim...pensa antes de falar...aqui tem as regras e

Page 147: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

125

nem tudo pode fazer...então o que for fazer pode dar problema...então prefere-

se não fazer. Aqui dentro pesa mais”.

Diferentemente da Fundação CASA que o agente da segurança permanece o tempo todo

na porta da sala de aula, vale ressaltar que no Centro de Ressocialização existe a função dos

“galerias”, que retomando o já exposto em outros capítulos do texto, assumem a função de

funcionários e devem “zelar” pela ordem distribuídos ao longo dos corredores onde há tranca.

Funcionam como bodes expiatórios para os funcionários. E são alunos dentro das salas, mas

vistos pelos outros alunos presos como “galerias”. Isso acaba “pesando” como diria Wellington,

pois sabem que o preço da exposição pode “atrasar a vida ali dentro”. Silvio resume essa

questão: “Eu gostaria muito de dar minha opinião e sei que não posso que pode

ser polêmico e pode prejudicar...não só eu, mas todo mundo pensa isso

aqui...às vezes a pessoa faz o comentário porque tem a necessidade de soltar,

mas no mesmo momento já se toca...opa...to falando demais...tem que

lembrar”.

A questão da presença dos “galerias” dentro da sala de aula foi retomada por Marcos

Vinícius (20 anos) quando coloca que: “Aqui no CR é ruim porque tem os galeria que

estuda junto então você se sente mais preso...porque qualquer coisa aqui vira

falta e pode te atrasar”. Os “galerias” são alunos distribuídos ao longo das diferentes séries.

Então, em toda sala há um aluno que é “galeria”.

Como diria Foucault (2010) a disciplina e suas formas de exercer a diferenciação dos

indivíduos (os que seguem a disciplina/ os que não seguem a disciplina) coloca em

funcionamento um “pequeno tribunal” que hierarquiza a relação entre os próprios presos. Nesse

sentido,

temos aí o esboço de uma instituição tipo escola mútua em que estão integrados

no interior de um dispositivo único três procedimentos: o ensino propriamente

dito, a aquisição dos conhecimentos pelo próprio exercício da atividade

pedagógica, enfim uma observação recíproca e hierarquizada. Uma relação de

fiscalização, definida e regulada, está inserida na essência da prática do ensino:

não como uma peça trazida ou adjacente, mas como um mecanismo que lhe é

inerente e multiplica sua eficiência. (FOUCAULT, 2010, p. 170)

Page 148: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

126

De fato, o que os presos nos dizem é que a escola em funcionamento não se mostra como

um oásis perdido dentro da instituição penal, mas sim é preciso considerar toda uma realidade

extrapedagógica em sua organização que influencia na concretude do processo educativo

produzindo um tipo de aluno. A realidade extrapedagógica seria formada por “juízes em toda

parte.” E descreve Foucault, 2010, p. 288:

estamos na sociedade (e eu diria aqui na prisão) do professor-juiz, do médico

juiz, do educador juiz, do assistente social juiz; [...] e cada um no seu ponto em

que se encontra, aí submete o corpo, os gestos, os comportamentos, as condutas,

as aptidões, os desempenhos.

“Vovó, o Juquinha está chorando?

E por quê?

Porque eu mostrei como se fazia para comer o pedaço de torta dele.”

(trecho de livro ditado para os alunos dos anos iniciais durante a pesquisa de campo)

E o que fazemos com Juquinha? O subtítulo escolhido para iniciar esse trecho do texto

mostra uma atividade realizada em uma das aulas em que estive presente. A infantilização das

atividades é algo recorrente dentro das salas de aula de jovens e adultos (dentro da prisão ou

mesmo nas escolas da rua). Logo, a problemática da adaptação dos currículos para a EJA passa

não somente pela questão metodológica ou conceitual dos conteúdos, mas da representação que

se faz desse aluno jovem ou adulto, e neste caso, privado de seu direito de ir e vir, mas não

privado de sua liberdade de ter acesso ao conhecimento que lhe permita construir sentido na

relação do processo de ensino e aprendizagem. E nesse sentido, o choro de Juquinha por ter

perdido seu pedaço de torta não possibilitará sentidos nesse processo.

As perguntas durante as entrevistas permitiram afunilar para a questão do conhecimento e

de como os alunos analisavam essa seleção feita pelos professores para compor as atividades

diárias realizadas durante as aulas. Muito foi falado sobre o livro didático, por constituir ali a

ferramenta central para o exercício da docência e o recurso para a aprendizagem dos alunos.

Page 149: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

127

Para os alunos, as atividades do livro não dão conta nem de prepará-los para os exames

nacionais67

, como o ENCEJA e ENEM. Discutem também a concepção das atividades

considerando-as básicas e pouco atrativas.

Foi interessante notar como problematizaram a questão por mim levantada acerca da

necessidade ou não de haver um livro específico para a escola na prisão. Ernesto (20 anos),

acredita que “é importante aprender o que está acontecendo, as atualidades, os

vestibulares, o que cai[...] a escola aqui deveria se aproximar mais da escola da

rua”. Celso (45 anos) compartilha com a opinião de Ernesto: “Em matéria de educação eu

acho que tem que ser igual, de lá (rua) quanto de cá... não sei se é minha

maneira de pensar... mas eu acredito mesmo que o que é passado lá tem que

ser passado aqui também porque um dia a gente vai estar do outro lado e a

pessoa tem que sair daqui e chegar lá fora e tem que estar preparada”.

A crítica de Jhonatan (19 anos) é a de que na prisão é tudo atrasado e compara que na rua

os alunos fazem uso de tablets e ali dentro o livro, lápis e borracha não contribuem para que se

adaptem ao “mundão” quando saírem.

Conforme vimos nos relatos, a preocupação de que a distância que as grades colocam

prejudique o retorno para o “mundão” é algo recorrente.

Entretanto, Silvio (31 anos), apresenta um outro olhar sobre a questão de ter um livro

específico e defende que: “Olha... eu sou a favor sim de um livro específico porque

aqui a gente parou no tempo... e tem atividades que a gente não pode fazer, que

não se argumente... que nem eu vou dar um exemplo: uma vez o Estado

mandou um vídeo, né, aulas de vídeo aí que falavam sobre a valorização

humana... a intenção maravilhosa... mas teve alguns tópicos que falavam sobre

crimes: estelionato, pichador, roubo, homicídio, crimes sexuais... tudo isso aqui

dentro é uma polêmica... e gerou uma polêmica que o professor desligou e

falou: “não dá... não dá...”

Entretanto, me parece que a questão do material didático é um eterno dilema quando se

discute uma proposta para a Educação de Jovens e Adultos, mesmo para aquela fora do presídio.

Muito se fala sobre adaptar à realidade dos alunos, mas afinal, o que significa essa adaptação?

67

Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos/ Exame Nacional do Ensino Médio.

Page 150: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

128

Em minha pesquisa de mestrado (2009) verifiquei que essa adaptação passa pelo corte de

conteúdos considerados superficiais pelos docentes a partir do tempo limitado e pela concepção

que os professores têm dos alunos da modalidade em questão. Os enunciados tão bem

demarcados pela 1ª LDB (5692/71), os tais ler, escrever e contar também permanecem vivos no

momento de selecionar os conteúdos: a ideia de suprir conteúdos que os alunos não tiveram

acesso em idade correta, a questão do básico “ler, escrever e contar” impactam os currículos da

modalidade. Quando pensamos no ambiente prisional, autores como Freire (1995) e Gadotti

(1993) alertaram sobre a questão da adaptação de materiais enfatizando que a elaboração de algo

específico para o trabalho com sujeitos em privação de liberdade acarretaria discriminação.

Compartilho com a afirmação dos autores Freire (1995); Gadotti (1993) com uma

ressalva: primeiramente, a questão não é a de produzir um material específico para a EJA

prisional, porém é fundamental que o projeto político pedagógico de cada unidade seja elaborado.

Com isso quero dizer que o que se verificou na pesquisa é que a escola vinculadora faz seu

projeto político pedagógico, inclui a EJA, mas não contempla as salas de aula que mantém dentro

da unidade prisional. Normalmente, o projeto político pedagógico ainda é visto como algo

extremamente burocrático que deve receber o visto do supervisor e não conta com a participação

dos professores em sua construção. Vejo que alterar esse quadro traz uma grande possibilidade

para avançar na concepção de currículo e os modos de fazê-lo funcionar dentro do cárcere.

Todavia, os desafios para a elaboração de um projeto político pedagógico que saia do papel deve

priorizar:

A salutar complementaridade entre a legislação educacional e a penal (LDB e

Execução Penal) favorece a articulação entre políticas setoriais (educação,

trabalho, saúde, segurança pública, serviço social), potencializa a sinergia entre

duas ciências (pedagogia e direito penitenciário) e mobiliza distintos campos

profissionais (professores/agentes penitenciários) em torno de objetivos comuns.

(SILVA, 2011, p. 3)

Assim, o que a escrita de um PPP “vivo” circunscreve é o que a Diretriz Nacional

(Resolução nº2 de maio de 2010) já direciona em seu art 3º, inciso VI sugerindo que a oferta

educativa esteja articulada de maneira intersetorial. Coloca-se aí a necessidade de que diferentes

Secretarias (Justiça, Administração Penitenciária, Educação, Desenvolvimento Social e etc...) se

Page 151: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

129

abram ao diálogo e estejam realmente envolvidas para escreverem a educação prisional com uma

visão mais global deixando de ter apenas o foco na escolarização marcada pela lógica disciplinar.

De fato, o que os alunos presos reivindicam é uma escola que, de certo modo, seja um

pedaço do “mundo lá fora dentro dos muros”. Querem o acesso à informação, atualidades, e

nesse sentido, reivindicam também preparo para seguirem a escola da rua quando postos em

liberdade. Entretanto, o argumento de Silvio acima (defendendo o material específico) nos faz

pensar nas atividades interditadas, julgadas inapropriadas e vistas como verdadeiras “bombas

relógio”.

Durante as entrevistas pude observar também que os alunos questionam a maneira como o

planejamento acontece. Se sentem à parte do processo educativo e julgam que é preciso por parte

do professor compartilhar o que estão fazendo e para onde vão. Manoel (26 anos) explica o que

acontece: “Eu presto atenção em tudo. Aí o professor chega na sala e faz a

chamada... e vai falar a matéria que ele vai fazer... vai dar o início, o

procedimento... mas tem muitos professores que eu peguei que nem sabe o

início... não sabe por onde continuar”. A fala de Manoel nos mostra algo além do

problema do livro didático.

Conforme já apontado, a rotatividade dos docentes por conta dos contratos temporários

não permite que um planejamento seja efetivado e que aconteça um processo de ensino e

aprendizagem com sentido.

Uma questão que apareceu nas entrevistas quando lhes foi pedido que analisassem ou

fizessem sugestões sobre o ensino, o material didático e o tipo de escola oferecida é que ao

mesmo tempo em que fazem suas análises próprias, ao final sempre reproduzem o mesmo

discurso: “to viajando né... a gente tá na prisão”. Obviamente que sabem muito bem os

limites da escola frente ao exercício de todos os dispositivos de poder e coerção da prisão. É

preciso destacar que em apenas uma entrevista a educação aparece como direito a ser assegurado

pelo Estado. De um modo geral, é como se a educação fosse uma regalia ou um benefício que

está sendo ofertado.

Dessa maneira alguns dos entrevistados assumem uma postura de achar que tudo está

excelente e não tem nada a mudar. Os que se arriscam a pensar em mudanças...logo são

interceptados por suas vozes interiores dizendo: “Estamos no ambiente prisional...tem

que ter noção e disciplina. (risos) (Manoel, 26 anos).

Page 152: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

130

Qualquer que seja o material destinado à modalidade da EJA e neste nosso caso que

tratamos da educação no cárcere, este não pode ser visto como o responsável pelo “sucesso” ou

pelo “fracasso” do processo educativo. É fundamental a formação dos professores e que sejam

efetivadas condições de trabalho em equipe. Uma sugestão prática seria que os professores

pudessem semanalmente cumprir a hora de trabalho pedagógico na unidade prisional para que

discutissem os problemas advindos do cotidiano. Mas não é o que acontece: os professores

cumprem o horário na escola vinculadora junto aos outros docentes e perde-se valioso momento

de problematizar o uso do livro didático e o planejamento. Para a pesquisadora da área Pierro

(2010) é necessário investir numa sólida formação com profissionais que “tenham acumulado

experiências e conhecimentos sobre a aprendizagem das pessoas jovens e adultas”. E ainda: há

que se investir na formação de um quadro estável de profissionais “para reverter a situação de

despreparo profissional dos educadores que a ela se dedicam.” (p.16)

Outros livros... outras leituras...

No Centro de Ressocialização a biblioteca divide espaço com uma sala de aula. São sete

estantes de aço com um acervo composto em sua maioria por doações das igrejas que realizam

suas atividades ali dentro ou mesmo voluntários que passaram ao longo dos anos pela unidade.

Ao lado das estantes existe um comunicado enfatizando a proibição de se mexer nos

livros sem a autorização de um funcionário. Assim, as estantes com os livros também cumprem

uma outra função: servir de separação para um pequeno espaço em que constava um computador,

uma cadeira e uma pequena mesa improvisada.

A FUNAP (Fundação Profº Doutor Manoel Pedro Pimentel) mantém um monitor-preso

para a organização da biblioteca e controle dos livros emprestados. Pude observar que os presos

com interesse no empréstimo dos livros procuravam realizar o empréstimo rapidamente antes do

início das aulas. A distribuição dos livros quanto ao gênero nas estantes fica a critério de cada

monitor-preso que passa pelo Setor da Biblioteca. Assim, os livros de poesia são facilmente

localizados (provavelmente pela estrutura em versos) e os de Direito Penal também. O restante

encontra-se misturado pelas estantes. Para Antonio, monitor-preso da biblioteca durante

Page 153: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

131

realização desta pesquisa, a catalogação precisaria de material para separar por gênero, como por

exemplo, etiquetas coloridas e isso ali é um material difícil de conseguir. Colocou sua ideia de

fazer um caderno para que os presos elaborem sugestões de leitura ou mesmo registrem suas

opiniões sobre os livros lidos, entretanto, durante a pesquisa de campo...o caderno não ganhou

vida.

Acompanhei também os registros de empréstimo no computador em que o monitor-preso

Antonio organizava com o nome do preso e o título do livro. Acompanhando mensalmente esses

registros percebe-se que a circulação na biblioteca não passa de 10% da população total na

unidade prisional (que não passa de 250). Antonio enfatiza ainda a necessidade de melhorar o

acervo no “setor jurídico”, já que os presos reclamam muito que os livros são todos

desatualizados. Ele ainda distribui os leitores em três grupos: o primeiro é aquele que pega o livro

pelo título e devolve no dia seguinte, outros são leitores de desenhos e alguns poucos que pedem

para renovar porque não conseguiram ler até o fim.

A Resolução nº 3 (março de 2009) que acompanha a Diretriz Nacional para a oferta da

educação prisional prevê em seu art. 5º que as autoridades responsáveis pela unidade prisional

devem propiciar espaços físicos adequados às atividades educacionais, incluindo a biblioteca. O

artigo citado registra ainda que a atividade da biblioteca esteja integrada à rotina da unidade

prisional e que o preso seja incentivado a participar das atividades.

Ainda sobre o espaço da biblioteca, a Resolução nº 2 (maio de 2010), em seu art.3º inciso

III destaca a necessidade de atividades de fomento à leitura, implantação, recuperação,

manutenção desses espaços e investimento na valorização dos profissionais que nela atuam.

O que se percebe é que a Diretriz prioriza o espaço da biblioteca integrado às práticas

educativas da unidade e que esteja acessível aos presos dentro da unidade. Todavia, as questões

sinalizadas pela Diretriz são expostas pelos alunos que vivem a dinâmica do espaço e através de

seus relatos, nota-se uma lacuna grande entre os itens propostos pela Diretriz e o cotidiano do

espaço da biblioteca. Sobre o acervo e a falta de integração da biblioteca na unidade prisional,

Edmilson (38 a) sinaliza que: “Bom, mas aí é que tá esses livros aqui (aponta para os

livros da biblioteca)... pra que você quer ler esses livros aqui...tudo sem graça

[...] tudo livro antigo...são livros mais velhos que minha vó...eu queria é que

tivesse gibi. Agora o pessoal tá de saidinha, então a biblioteca tá fechada.” Com

relação à “saidinha”, Edmilson se refere aos presos que já tem o beneficio de passar feriado na

Page 154: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

132

rua. Nessa época, a cadeia esvazia porque permanecem os presos que ainda não tem direito ao

beneficio. Desta maneira, a biblioteca poderia ser um espaço de leitura para os presos que ficam,

mas permanece fechada. Evidencia-se aqui um descolamento da biblioteca ao funcionamento da

rotina prisional, contrariando a necessidade de integrá-la, sugerida pela Diretriz.

Silvio (31 a) também volta a expor a questão do acervo desses espaços e também faz um

contraponto à questão que a Diretriz aposta com relação a valorização dos profissionais que

atuam nesses espaços. Vejamos: “Se você quiser alguma coisa a mais...tem uma

biblioteca láaaa no fundo com um velhinho que deve estar lá há uns 15

anos..com aqueles mesmos livros, a Revista Veja de mil novecentos e

tanto...então ali pra conseguir algo, a chance é mínima”.

Mesmo com todas as questões que os presos apontam sobre o funcionamento da

biblioteca, nota-se que a leitura passa a ter muitas funções dentro do espaço prisional conforme

os relatos a seguir nos indicam. Certeau (2012) nos ajuda a compreender os relatos através dos

conceitos de “lugar” e “espaço”. Assim, para este autor, o “lugar” é entendido como o fixo, o

estável. No nosso caso, o “lugar” = biblioteca, torna-se um espaço praticado pelos presos. E

assim, “espaço” como a possibilidade de romper o estável, de transitar e ocupar a partir da

experiência de cada um. Diria o autor que “a leitura (e digo, propiciada pela biblioteca), é o

espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos - um escrito.”

(ibidem, p. 184).

Desta forma, Marcolino (72 a) conta que ao ler o Código Penal, mesmo que desatualizado

descobriu que: “Eu achei coisas nesses livros...vi que no meu caso ... Não era pra

eu estar aqui ainda..o Código Penal diz...” Já, para Marcos Vinícius (21 a): “Gosto de

ler poesia...ajuda a sair do foco..vai pra outra dimensão..principalmente

quando não se tem o que fazer...Você foca no livro e presencia ele”. Além da

informação sobre os direitos na vida prisional, a possibilidade de sair um pouco do cotidiano

encarcerado através da imaginação é possível também que a leitura afaste de problemas advindos

da interação em áreas comuns. É o que nos traz Celso (47 a): “Futebol de cadeia eu

corro...o que me interessa é ler, fujo de jogo de

cadeia...dominó...baralho...porque uma coisa leva a outra...se uma pessoa

brinca ali comigo...já vai falar uma palavra ali pra mim...e vai dar problema...eu

prefiro pegar um livro”.

Page 155: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

133

Ainda sobre a relação lugar/espaço que nos propõe Certeau (2012), é possível neste caso,

perceber que através dos relatos dos presos a biblioteca como um “lugar”, torna-se “espaço”, a

partir das experiências dos sujeitos que as praticam. Ou melhor, “existem tantos espaços quantas

experiências espaciais distintas” (p. 185) forem criadas.

Resumindo a escola a duas matérias: português e matemática... sempre foi

assim, né?” (Wellington, 22 anos)

Durante as entrevistas pude observar que quando perguntei sobre as disciplinas que

julgavam ser mais importantes e que mais ajudaram ao longo da vida, a percepção dos alunos

presos foi a de que a escola para eles se resume ao ensino das duas disciplinas básicas: Língua

Portuguesa e Matemática. Por isto, o subtítulo trazido no inicio que, de certa forma, sintetiza o

pensamento dos alunos entrevistados.

E sendo assim, para compreender e configurar o currículo na escola prisional é necessário

problematizar a construção de discursos que foram construídos como regimes de Verdade e que

ordenam e dirigem a prática de sala de aula e automaticamente, a prática docente. Neste caso,

evidencio os enunciados: “ler, escrever e contar”, defendidos pela Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (5692/71), a qual intitulava a Educação de Jovens e Adultos como “Ensino Supletivo”.

Somente com a nova LDB (9.9394/96) é que a nomenclatura muda de “Ensino Supletivo” para

“Educação de Jovens e Adultos”.

Certamente, que quando falamos da escola, sua finalidade passa centralmente pelos

enunciados acima. Entretanto, o que pretendo salientar é a lógica de “estabelecer as relações entre

esses enunciados e aquilo que eles descrevem” (VEIGA-NETO, 1996, p.185). E pensar: Quais os

efeitos de sentido dos enunciados “ler, escrever e contar?” para o currículo da modalidade

Educação de Jovens e Adultos na escola do cárcere?

O circuito dos enunciados “ler, escrever e contar” é perpassado por uma série de indícios

que podemos aqui rastrear: os alunos entendem a potência desses enunciados ao relacionarem a

importância que tem para o mundo do trabalho. Já os professores entendem que a EJA deve

formar para um conhecimento básico bem garantido (ler, escrever e contar) que forneça a esses

alunos jovens, adultos e presos, uma possibilidade de realizarem essas operações num trabalho.

Page 156: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

134

Por muitas vezes, o trabalho destinado a esses sujeitos quando saem da prisão é um trabalho

precário que incorpora uma mão-de-obra jovem desqualificada e/ou adulta pouco escolarizada.

Ao carregar o estigma68

de “presidiário” a oportunidade de trabalho estará quase sempre

condicionada a péssimas condições. Essa necessidade de garantir o básico (bastante comum nas

organizações curriculares da EJA) parece ter tido bastante impacto nas formulações de políticas

curriculares para outros níveis. Temos como exemplo, o Pacto Nacional pela Alfabetização na

Idade Certa69

e também as escolas de tempo integral70

da Secretaria Estadual de Educação de São

Paulo. Nestas escolas, com o objetivo de “fortalecer o aprendizado de Língua Portuguesa e

Matemática”, disciplinas como História, Geografia e Ciências foram extintas até o 3º ano. Paro

(2011) faz uma crítica à maneira como os currículos tem se tornado cada vez mais verbalistas e

conteudistas. Desenvolve seu argumento no sentido de que com as mudanças na sociedade, as

novas demandas por direitos e reivindicações em pauta não encontram ecos num currículo que

amplie a seleção de conteúdos, numa perspectiva ampla de cultura. Sugere, por fim, que os

próprios temas transversais elencados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1996)

sejam entendidos como centrais juntamente às disciplinas tradicionais já conhecidas dos

currículos.

Chervell (1990) ao analisar a constituição das disciplinas escolares relata que existe uma

combinação de elementos que ligados às finalidades do ensino compõem seu lugar dentro do

processo do ensino e aprendizagem. Para o autor, os elementos seriam: “um ensino de exposição,

os exercícios, as práticas de incitação e de motivação e um aparelho docimológico.” (p. 207).

Sobre esse último elemento estão inscritas as avaliações de larga escala que contribuem para o

peso que as disciplinas ganham na formação dos estudantes.

A ideia do autor sobre as “finalidades do ensino” nos fazem aqui re (pensar) como a

Educação de Jovens e Adultos é entendida em nosso país. No caso deste trabalho a análise que

gostaria de evidenciar é que a finalidade da modalidade é construída discursivamente sobre a

representação que se tem desses alunos como sujeitos aos quais falta conhecimento. E nesse

68

Goffman em sua obra “Estigma” (1975) é o primeiro a olhar para o conceito a partir de uma perspectiva social de

construção. Assim, os “estigmatizados” são definidos e criados pelos “normais” dentro de um contexto em que

“normais” e “estigmatizados” são perspectivas que são geradas em situações sociais durante os contatos mistos, em

virtude de normas não cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro.” (1975, p.148) 69

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é um compromisso assumido pelo Governo Federal, Estados e

municípios para assegurar que as crianças estejam alfabetizadas até oito anos de idade. (www.mec.gov.br) Acesso

em 11/01/2015. 70

www.ig.com.br 22/01/2013.

Page 157: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

135

sentido é melhor garantir os conceitos básicos de um ensino que prioriza a linguagem num

sentido estrito (somente como codificação). Essa perspectiva em muito se difere do trabalho de

um expoente no debate sobre Educação em nosso país, ou seja, Paulo Freire. Freire (1997)

entende que a importância da leitura de mundo deve preceder a leitura da palavra. Desta forma, a

ênfase do processo de ensino e aprendizagem recai sobre atividades extremamente preocupadas

apenas com a aquisição do código alfabético desvinculadas de uma problematização maior da

função social da leitura e da escrita.

Gostaria de evidenciar aqui alguns trechos apontados pelos alunos que se referem às

disciplinas destacadas e o sentido que atribuem na perspectiva da utilidade do conhecimento

atrelada centralmente ao mundo do trabalho.

Para Antonio, 64 anos: “Eu era pedreiro e depois eu passei pra encarregado e

exigia muita conta por isso que eu falo pra senhora... eu me adaptei bem na

conta ... porque chegava final de semana e eu tinha que pagar um, pagar

outro..tinha que mexer com conta e não com Português... por isso eu me sai bem

na Matemática...Agora o Português eu não sou mal, mas eu engulo algumas

letras.”

Lenival, 46 anos: “Quando era conta nois interessava fazer conta, fazer

conta é bom...agora eu gosto mais de ler e escrever porque é uma coisa que

quando eu me acordei... porque conta é bom saber conta, mas conta não se

escreve não se lê se você quer mandar uma correspondência pra uma pessoa

a conta não vai fazer... quando eu me acordei eu quero ler e escrever pra mim

mandar uma coisa pra uma pessoa eu não preciso pedir pra um pra outro...

escreve pra mim porque ai quando eu peço pra pessoa escrever ele vai saber

tudo de mim das minhas coisas...”

Marcolino, 72 anos: “Ah! Foi aprender a escrever... porque eu andava de

ônibus e chegava no lugar, no guichê e se não soubesse ler... pra comprar a

passagem... e isso foi bom demais pra mim...”

Moises, 33 anos: “É a de escrever... como é o nome mesmo?

Português...acho importante pra preencher um currículo pra trabalhar..”

Silvio, 31 anos: “A Matemática, né... acho que ela tá em tudo... e é uma maneira de você

mostrar sua inteligência...” ah o Português também é muito essencial porque você

Page 158: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

136

falar é uma ótima carta de apresentação... é quando eu fui na última audiência

eu ganhei uns 20 pontos (risos) eu acredito a maneira como você fala, como

você coloca as palavras, se de expressar, de se comunicar e passar aquilo que

você quer... conseguir fazer com que as pessoas entendam aquilo que você

quer dizer... muitas vezes a pessoa que está encarcerada ela não consegue

chegar nos seus objetivos porque ela não consegue se expressar, ela não

consegue... ela vai num atendimento com o advogado, ela pede três

atendimentos porque ela não sabe exatamente o que ela quer, até ela

descobrir...então assim a escola ajuda não só no âmbito da educação, mas num

âmbito social muito grande”.

Tiago, 24 anos: “No meu serviço precisava fazer contas... tinha que contar

as coisas lá, né, serviço de produção”.

Dos dezoito entrevistados apenas um citou a disciplina de História. Ernesto (20 anos) teve

sua trajetória escolar sem evasão e repetência e chegou ao Ensino Médio. Considera que a

disciplina fundamental na escola é História por propiciar o entendimento das atualidades que

assiste na televisão e para saber o porquê vivemos desta forma hoje nos dias atuais.

As falas dos entrevistados reproduzem os enunciados tidos como regimes de verdade para

a antiga Lei de Diretrizes e Bases da Educação (ler, escrever e contar) e nos parece que essa

lógica ainda persiste no currículo da modalidade EJA (e dos muitos programas também

elaborados para outros níveis de ensino desde os anos noventa).

Essa construção histórica é também apontada por Patto (2007) quando retoma a

preocupação desde o Império em dividir os tipos de Educação para os diferentes alunos que a

compõem. Sendo assim, aos moradores de áreas urbanas precárias define-se uma formação com

ênfase em uma racionalidade instrumental. Wellington, 22 anos: nos faz uma provocação:

“Tudo fica focado no Português e Matemática..saber escrever perfeito... a

maioria das provas hoje é redação, mas e as outras matérias? Se não tem

conhecimento de nada, vai escrever sobre o que? Tem que saber fazer conta e

escrever bem... agora se não sabe de nada... o conhecimento onde tá?”

No caso dos colaboradores desta pesquisa, a trajetória escolar marcada pela evasão e

repetência pode, em parte, explicar a falta de sentido e mesmo a pouca relação que possuem com

as outras disciplinas que compõem a grade curricular da escola. Além do mais, a construção de

Page 159: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

137

uma racionalidade instrumental com o conhecimento se deve ao fato de acreditarem e assumirem

o discurso de que é pela escola que se consegue uma ascensão social. Outra hipótese é a pouca

presença de outras disciplinas no cotidiano das escolas de ensino fundamental, como já apontado

através de Programas Federais e Estaduais.

A configuração curricular da escola no cárcere deve levar em conta, como já apontado em

outros momentos deste trabalho, todos os dispositivos, sejam eles Documentos Curriculares, as

práticas realizadas, as disciplinas, os professores, os saberes, os sentidos atribuídos pelos alunos e

sua relação com o conhecimento. Assim, observo que todos esses dispositivos:

Buscam o governamento sobretudo pelo discurso, [...] pretendem ensinar o

melhor comportamento e o que é melhor ou mais correto fazer, usar, etc. [...]

Entendendo-se discurso como um conjunto de enunciados que, mesmo

pertencendo a campos de saberes distintos, (Segurança e Educação grifo meu)

seguem regras comuns de funcionamento.Dado que, de um lado, tais

discursividades colocam em circulação determinados regimes de verdade e que,

de outro lado, tais regimes articulam-se segundo determinados saberes, o que

sempre está em jogo, [...] são o governamento e as relações de poder, ambos

sustentados discursivamente (VEIGA-NETO, 2007, p. 958).

Assim sendo, dentro da escola pesquisada, o currículo mostra-se também uma possível

chave de regeneração do homem preso, não pelas vias do conhecimento, mas pela via da

moralidade. Essa questão também foi apontada pelo Relator Especial da ONU71

(Organização das

Nações Unidas), o costa-riquenho Vernor Muñoz. Ao destacar os modelos educativos

predominantes dentro de prisões na América Latina faz referência ao modelo que entende a

educação prisional como “destinada a corrigir pessoas intrinsecamente imorais”. Isto é explicado

pelo monitor-preso Robinson quando diz que “o currículo deve formar pessoas que

reconheçam algumas palavrinhas tais como honestidade, boa vontade, ética.

Aqui eles não precisam só do aprender a ler e escrever, mas dessas coisas

também.

Podemos então depreender que nas escolas da “rua”, sua função é muitas vezes definida

como a forma de prevenir a criminalidade e isto foi salientado por Patto (2007) quando trouxe

71

Trata-se da seção: “Os modelos educativos e a ressocialização” que faz parte do Relatório sobre Educação nas

prisões brasileiras, elaborado por Denise Carreira (2009), já citado em outras partes da pesquisa. (Plataforma

Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. Plataforma DhESCA Brasil)

Page 160: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

138

como exemplo bordões de uma campanha para deputado federal do ano de 2006 em que a frase

de efeito era então proclamada: “uma sala de aula a mais, uma cela a menos” (p. 244)

Mas e dentro da prisão? O que pode um currículo? A fala de Robinson nos aponta que o

currículo deve buscar a ressocialização dos homens presos pela chave da transformação de suas

condutas. E assim, a escola torna-se sempre um instrumento de algo, ainda me referindo aos

modelos educativos apontados acima por Vernor Muñoz (ou serve como terapia que busca a cura,

ou transformar imorais e ainda compreendida apenas como formação para o trabalho) e não como

fundamental para o direito humano à formação e ao acesso aos bens culturais produzidos

constantemente pela sociedade. Wellington (22 anos) faz referência em sua fala sobre a ideia de

um currículo voltado para a ressocialização do homem preso quando aponta que: “Aqui dentro

é ressocializar, né! Porque eu acho que é a parte que mais ressocializa é a

escola... porque já tá preso... Na rua seria evoluir”. Interessante notar que o sentido

que Wellington atribui à escola dentro do cárcere se diferencia da “escola da rua”, pois quando

coloca que a escola dentro da prisão deve ressocializar possivelmente se refere aos modelos

educativos já descritos acima (curar, corrigir condutas, explorar mão de obra barata).

A relação que estabelecem com as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática

mantém um estreito canal com o mundo do trabalho, como salientamos através das falas dos

colaboradores. Além do mais, são sentidos que foram construídos por cada trajetória escolar, mas

que evidenciam o acesso ao conhecimento de forma bastante parcial e carregada de uma

racionalidade instrumental. Essa mesma racionalidade foi também problematizada pelos presos

quando o foco de uma das perguntas da entrevista foi problematizar quais as expectativas que a

escola deveria atender dentro de suas perspectivas. É o que traremos a seguir.

O trabalho dignifica o homem?

O subtítulo escolhido para abrir esta parte do texto é carregado de contradições quando

analisamos a constituição dos tempos contemporâneos. Por isso optei pela transformação da

afirmação tão presente nos discursos de senso comum em forma de interrogação. Sabemos que a

relação escolaridade e qualificação profissional são os verdadeiros fetiches de discursos de

políticas públicas, organismos internacionais e fundos de desenvolvimento. As prescrições dadas

Page 161: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

139

pelo Banco Mundial (1995) são claras neste sentido e sendo assim, para buscar financiamento, os

países buscam seguir as tendências. Vejamos:

Detalhados estudos econométricos indicam que as taxas de investimentos e os

graus de instrução constituem robustos fatores de previsão de crescimento

futuro. Se nada mais mudar, quanto mais instruídos forem os trabalhadores de

um país, maiores serão suas possibilidades de absorver as tecnologias

predominantes, e assim chegar a um movimento rápido de produção. (...). O

desenvolvimento econômico oferece aos participantes do mercado de trabalho

oportunidades novas e em rápida mudança. (Banco Mundial, p. 26-35)

Pesquisadores como Pochmann (2000; 2004; 2012) e Segnini (2000) questionam essa

relação de atrelar a escolaridade + qualificação profissional ao desenvolvimento de um país.

Argumentam que essa relação instrumental é, sobretudo uma relação social construída no interior

de cada sociedade reafirmando seus preconceitos e desigualdades com base na classe social, no

gênero, na etnia e no processo geracional.

No Brasil, temos avanços consideráveis na última década com relação à universalização

do ensino, todavia podemos questionar a qualidade de educação oferecida à população. Embora

em relação ao acesso pelos bens culturais signifique oportunidades de circulação ao mercado de

trabalho, é certo afirmar que não é qualquer formação que garante o sucesso do indivíduo nos

processos laborativos. Ademais ocorre, juntamente ao processo de universalização de ensino,

uma quantidade de “população excedente” (BAUMANN, 2005) para os quais mesmo portadores

de diplomas não conseguem ter espaço no mercado de trabalho. Os “excedentes” deixam de ser

assunto para investimento social e passam a ser tema de segurança pública, ou como diria o autor

acima, de “lei e ordem”. (p. 67)

O binômio do sucesso: escolaridade + qualificação profissional torna-se relativo quando

temos grande parte da população escolarizada desempregada. E mesmo entre os jovens, os quais

tem postergado a entrada ao mundo do trabalho por conta de investimentos na escolarização, a

dificuldade para conseguir emprego é expressiva e quando o conseguem caracterizam-se como

subempregos marcados por precariedades. Com isso me refiro à dificuldade do país em tornar

algo generalizado para a população, empregos formais, os quais se ocupem de prover garantias e

direitos sociais.

Desta forma, Pochmann (2000) sintetizou dados do IBGE e Ministério do Trabalho e

afirmou que desde a década de 80, a deterioração do mercado de trabalho passa pelo crescimento

Page 162: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

140

do desemprego e também por trabalhos informais precários. Evidencia-se que os postos de

trabalhos são marcados por assalariados sem registro.

Dos sujeitos ouvidos nesta pesquisa pode-se afirmar que a sua maioria configurava o

cenário exposto pelo autor, pois indicaram informalmente em conversas nos diferentes espaços da

prisão (refeitório, biblioteca, escola) que no momento em que foram detidos trabalhavam fazendo

“bicos” ou mesmo estavam desempregados há meses.

A relação entre escolaridade + qualificação profissional por mais fragilizada que se

encontre é ainda a possibilidade atribuída pelos presos desta pesquisa como a possível solução

para parte dos infinitos problemas que irão enfrentar quando postos em liberdade.

Nas entrevistas, os presos foram solicitados a delinear expectativas com relação ao que a

escola deveria atender em seus processos formativos. Com o gráfico abaixo, percebe-se que os

cursos profissionalizantes assumem o eixo de suas expectativas no que a escola poderia atendê-

los enquanto privados de sua liberdade. Verifica-se também como segunda opção de modelo

educativo na percepção dos presos, a combinação entre a escola regular + curso

profissionalizante e por último, o interesse pelo modelo educativo oferecido atualmente centrado

nas disciplinas.

Gráfico 3 - Expectativas que a escola deve atender

Page 163: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

141

Em pesquisa publicada pela Ação Educativa, coordenada por Mariângela Graciano em

2013, verificou-se semelhança no item que versou sobre as expectativas acerca do que os alunos

gostariam de aprender dentro da escola prisional. E afirma: “a questão referente ao tipo de curso

que os entrevistados gostariam de frequentar coloca os profissionalizantes no topo das

preferências (56%), seguidos da combinação dessa formação com a escolar (35%) do total, 9%

afirmaram se interessar por matérias escolares.” (GRACIANO, 2013, p.35)

Os dados da pesquisa descrita apontam ainda que em uma das unidades pesquisadas, o

índice de escolaridade era de 47% de pessoas que possuíam o Ensino Médio Completo. Desta

maneira, para essas pessoas que terminaram esse nível de ensino, apresentam-se os cursos

profissionalizantes como uma demanda sugerida. (GRACIANO, 2013, p. 36) Entretanto, para os

colaboradores do Centro de Ressocialização, mesmo com pouca escolaridade, centralizaram em

suas demandas (conforme o gráfico acima sinalizou), a questão dos cursos técnicos e

profissionalizantes.

Apesar de falaciosa a relação discutida até o momento entre a escolarização e a formação

profissional como bases para a ascensão social, é preciso compreender a necessidade dos sujeitos

privados de sua liberdade sem escolarização e sem certificação profissional e assim, o anseio de

que o tempo de cumprimento da pena colabore para sua saída para o “mundão” (como dizem) em

melhores condições. Ser posto em liberdade carregando por algum tempo o registro dos

“antecedentes criminais” inviabiliza e muito a contratação do “ex presidiário” como comumente

se refere a sociedade. De acordo com o art. 202 da Lei de Execuções Penais (LEP) esse registro

será retirado depois de cumprida ou extinta a pena. Porém, essa questão aparecia como

preocupação para os entrevistados ao explicarem o tempo que teriam que “pagar carteirinha”, se

referindo a livramento condicional. O preso que teve pena igual ou superior a dois anos pode

terminar o cumprimento de sua pena fora das grades devendo comparecer à Vara de Execução

Criminal, a cada dois ou três meses (tempo estipulado pelo Juiz) para assinar a folha de

comparecimento. Moisés (33 a), por exemplo, coloca: “Você sai com o currículo sujo...a

gente é discriminado... eu fico 1 ano de carteirinha quando sair daqui.” Já, em

outras entrevistas, presos relataram que teriam que “pagar carteirinha” numa média entre 2 a 5

anos. Qual o impacto dessa questão ao apostarem suas demandas na escolarização e

profissionalização dentro do cárcere?

Page 164: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

142

Podemos inferir que o imediatismo no modo de entender o conhecimento se dá pela

necessidade primordial de se reinserirem através do trabalho quando postos em liberdade e no

modo de entender o papel dos diplomas. Edmilson (38 anos) enfatiza: “A escola não ajudou

em nada... só pra trabalhar registrado”.

E ainda sobre o livramento condicional verifica-se que não é todo preso que atende aos

requisitos impostos para obtê-lo. Além do mais, ao obtê-lo são muitas as condições (obrigatórias)

para fazer jus ao livramento condicional. Para fins da pesquisa, gostaria de salientar um dos itens

obrigatórios: o preso deve apresentar ocupação lícita e comunicar periodicamente sua ocupação

ao juiz. Lembro-me da preocupação de um dos entrevistados em estabelecer comunicação com

um primo que teria um pet shop e poderia arrumar o atestado de trabalho para ele quando

obtivesse o livramento condicional.

Como vemos o contexto que aguarda o preso quando posto em liberdade é cheio de

exigências e também parte da premissa de que o trabalho e estudo deve ser algo central para

provar às autoridades e a sociedade que se tornou um homem digno...já que conseguiu trabalho e

continua estudando fora da prisão. Os presos em condição de liberdade condicional podem remir

sua pena pelo estudo também fora da prisão. O cálculo continua o mesmo (a cada 12 horas de

aula, rime-se 1 dia da pena) apoiados na Lei nº 12.433/2011.

Interessante notar como algumas premissas defendidas pelo cristianismo e mesmo pelo

protestantismo encontram bases nos textos normativos penitenciários e nas práticas cotidianas das

instituições. Com isso me refiro ao lugar do trabalho para combater o ócio “visto como virtude e

torna-se o caminho religioso para a salvação” (JULIÃO, 2011, p. 202). Em nosso país, o trabalho

nas prisões foi inserido pelo Império e com a concepção de que apenas pelo trabalho seria

possível a reforma do criminoso.

Entretanto, a saída da prisão envolve tantas outras preocupações que, para alguns dos

entrevistados, o lugar da escola não terá a prioridade quando postos em liberdade. Assim pensam

Edmilson (38 anos), Jhonatas (19 anos) e Marcos Vinícius (20 anos): O primeiro diz: “Agora

saindo daqui pra escola eu não vou voltar, não tem o que faça voltar... não vou

mesmo. Sei que não é má ideia voltar a estudar à noite, mas no fim nunca

tinha vaga... quantas vezes eu ia e nunca tinha... posso até pensar em voltar...

mas...” E o segundo complementa: “Saindo... até passou procurar a escola, mas aí

pensei: Procurar a escola? Pra que? Eu ainda não descobri essa resposta...

Page 165: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

143

mas no dia a dia vamos ver se descubro a resposta... até o momento não tenho

uma resposta sincera pra te dar... quando eu sair a escola fica por último”.

Marcos Vinícius apresenta as etapas que pretende cumprir quando for egresso:

“Olha...procurar escola eu pretendo, mas primeiro preciso acertar minha vida

né! Tenho que voltar a arrumar a minha casa e depois ver o que vou fazer

primeiro.”

Esse descontentamento para com o formato do modelo educativo escolar foi evidenciado

pelo gráfico trazido acima. Já, por outro lado, a preocupação com uma ocupação, com a

certificação que formalize suas habilidades profissionais através dos cursos profissionalizantes

foram o eixo central trazido por eles. A seguir, selecionei alguns trechos dos entrevistados, os

quais apostam na estreita relação instrumental de que os cursos profissionalizantes sejam a

milagrosa saída para sua reinserção, já que serão capazes de garantir o emprego.

Celso, (45 anos) : Olha... o SENAI veio aí e deu um curso... das 30 e

poucas que participaram, poucas delas farão proveito... que esses tipo de curso

assim... a gente vê o mérito e aproveita, mas tem pessoa que não... eu acho

que sei lá um curso profissional é bom... os dois se for um conjunto técnico e

profissional fica bom...

Claudio, (20 anos): Eu acho que na escola deveria ter curso também.

Edmilson, (38 anos): Olha seria maneiro, bem legal, se eu tivesse essa

oportunidade eu faria... de preferência... aqui não tem, só teve o de salgadeiro,

mas eu gosto da parte de mecânica, sempre quis fazer de mecânica, graxa,

sujar, desmontar motor, entrar embaixo de carro... se tivesse bem legal...

Seria uma boa também de veterinário... aprenderia algumas coisas e quando

saísse já teria algum curso, ficaria mais fácil com o diploma... Computador

também tá dando dinheiro... hoje em dia... podia montar um salãozinho ai e

mexer com computador... interessante... marcenaria trabalhei também um

tempo com isso... aí no caso pra escola aqui... até pro pessoal que tá aqui seria

melhor, o pessoal já ia... olha pessoal... tamo oferecendo vários cursos que não

é pago, é gratuito...e aí chegava na rua chega com o diploma e já ingressa no

trabalho, é bem mais fácil... que nem teve um tempo atrás aí que eu fiz um

Page 166: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

144

curso pra parte elétrica... fiz pelo SENAI tenho o certificado e tudo... até esse

quando eu sair eu queria fazer uma coisa diferente: será que pode mandar

plastificar? Ou então fazer um quadro, por na parede e deixo lá...

Jhonatas, (19 anos): Ah eu acho que se o cara tá na cadeia e tá com a intenção

de mudar... como é que fala? Profissiona... (Cátia fala: Profissionalizante) Isso!

Profissionalizante... é melhor porque o cara vai estar focado e vai querer botar

em prática o que ele aprendeu aqui dentro... essa escola profissiona... essa daí

que você falou (risos) uma escola dessa faixa ajudaria muito, sairia daqui

formado, capacitado..

Manoel, (26 anos): Eu acho que muitos aí na escola..muitos chegaram preso

e não tem profissão... já tá um tempo pagando o que deve e parado... e um

curso profissionalizante seria ótimo... eu por exemplo abracei com as dez...fiz o

curso de garçom aqui.

Moises, (33 anos): Era bom ter o curso... ... porque aqui você trabalha e

quando sai pra rua você não tem a oportunidade que tem aqui dentro... e

deveria ter essa oportunidade lá fora também..trabalhar numa firma... era

bom se a gente pudesse continuar na rua... pra encaixar na rua... seria bom

a continuidade... a gente tá aqui e tem a oportunidade e sai na rua e não

tem a mesma oportunidade...tamo na roça... o que aparece tem que

encaixar... agora o curso de salgadeiro que teve... já é bom aprender a fazer

salgadinho... o curso é bom..eu não entrei nesse curso porque não sabia ler

e escrever direito... então não entrei..

Rafael, (30 anos): Olha a escola técnica melhoraria muito... com certeza...

até o interesse dos alunos... que é uma coisa difícil, né... melhoraria muito...

porque vai dar condições de vida e de trabalho..é... no caso uma escola

profissionalizante... poderia ser... ... o melhor seria escola técnica... porque

o interesse ia melhorar dos alunos ... o que acontece... eles vem pro curso

profissionalizante e vão querer se empenhar naquilo ali porque pode dar

uma nova oportunidade pra eles lá fora... porque uns só sabem vender

droga, outros roubar roupa do vizinho então ele vai ter uma opção... ele vai

Page 167: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

145

poder chegar e dizer ... olha eu tenho curso, eu sei trabalhar com isso e

dentro desse curso ele teve assim, sei lá.

Percebe-se que a questão do curso profissionalizante se apresenta como a mais viável

alternativa que os sujeitos privados de sua liberdade encontram para alcançar os objetivos tão

bem defendidos pela máquina carcerária:

Reabilitação, reeducação, ressocialização, reinserção social e outros res são

termos equivalentes para designar a pretensão dos discursos bem intencionados

com vistas a alcançar os fins da chamada terapia penal: devolver a pessoa presa

à sociedade para que ela possa ser um cidadão útil e produtivo (SILVA;

MOREIRA, 2006, p. 13)

Apesar da importância na trajetória de todas as pessoas do acesso à escolarização e a

qualificação profissional, trata-se aqui de circunscrevê-las dentro de limites que as tornam

insuficientes para o complexo desafio da garantia do direito humano à educação dentro do

cárcere. O fetiche do binômio do sucesso (escolarização+ formação profissional) é apropriado

pelos sujeitos privados de liberdade como forma de resolver suas demandas pela sobrevivência

quando egressos do sistema penitenciário. Porém, é preciso problematizar esse discurso, já que

como salienta Ferretti (2004, p. 406), é preciso entender “em que medida estão dadas, em nossas

sociedades, as condições para a realização de trabalhos considerados qualificados e qual parcela

da população poderá beneficiar-se dessas condições.”

“Porque de grão de em grão a galinha enche o papo, não é verdade?”

(Edmilson, 38 anos)

Até o momento as faces do caleidoscópio curricular evidenciaram múltiplos desenhos que o

compõem, seja através da disciplina que é própria da instituição penal, ora pelas práticas

interditadas dentro de sala de aula, ou por espaços reinventados pelos alunos presos. Entre os

giros das faces do caleidoscópio também apontamos a relação instrumental com certas disciplinas

escolares e os binômios de sucesso (escolarização + formação profissional) encarados como a

possibilidade de ascensão social. Mas é preciso realizar ainda mais um giro para montarmos um

desenho considerado central na imagem do caleidoscópio que ainda não foi tratado: a remição da

pena por estudo.

Page 168: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

146

Silva (2011) realizou uma análise de projetos de Lei (PL) tramitados por diferentes partidos

no Brasil desde 1993, e como incluem a remição da pena pelo estudo. A Lei de Execução Penal

nº 7.210, de 1984 previa até então que se fizesse a remição da pena apenas pelo trabalho em seu

artigo 126, estabelecendo que para 3 (três) dias de trabalho se desconte 1 (um) de pena.

Com o PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública) com cidadania lançado pelo

Ministério da Justiça em 2007, a temática da remição da pena pelo estudo encontra possibilidades

de retomada frente aos órgãos normativos, já que a remição pelo estudo é uma das noventa e

quatro ações propostas. O programa72

é uma iniciativa de articulação entre as políticas de

segurança com ações sociais. Dentre os eixos que compõem o programa, a “reestruturação do

sistema penitenciário” é um deles e a questão da remição foi retomada através do PL 1.936/2007

(autoria do Poder Executivo) assinado pelo então Ministro da Justiça Tarso Genro. Estabeleceu-

se então pela Lei 12.433 de junho de 2011, a proporcionalidade de (1) um dia de remição de pena

para (12) doze horas estudadas. Nesse sentido, altera-se a Lei de Execução Penal e os artigos

referentes à questão ficam dessa maneira:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por

trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino

fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação

profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;

II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.

§ 2o As atividades de estudo a que se refere o § 1

o deste artigo poderão ser desenvolvidas de

forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas

autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.

§ 3o Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão

definidas de forma a se compatibilizarem.

§ 4o O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a

beneficiar-se com a remição.

72

www.mj.com.br

Page 169: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

147

§ 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de

conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que

certificada pelo órgão competente do sistema de educação.

§ 6o O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade

condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional,

parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do

§ 1o deste artigo.

§ 7o O disposto neste artigo aplica-se às hipóteses de prisão cautelar.

§ 8o A remição será declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a

defesa.(NR)

“Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido,

observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração

disciplinar.” (NR)

“Art. 128. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.” (NR)

“Art. 129 A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do

registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias

de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles.

§ 1o O condenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal deverá comprovar

mensalmente, por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a frequência e o

aproveitamento escolar.

§ 2o Ao condenado dar-se-á a relação de seus dias remidos.” (NR)

A questão da remição da pena pelo trabalho foi posta pelo Código Penal Espanhol (art.

100) tendo como base o Direito Penal Militar da Guerra Civil (1937) e após redirecionamentos

foi incorporada ao Código Penal Espanhol (1944). Sendo assim, a remição da pena pelo trabalho

esteve primeiramente pensada no sistema carcerário como modo de produção de subjetividades

adaptáveis ao ambiente prisional e à lógica tão conhecida: “cabeça vazia, oficina do diabo”.

No Brasil, como vimos a remição da pena por estudo é bastante recente (2011), entretanto

em países vizinhos da América Latina, tais como Venezuela e Colômbia, já acontece desde o ano

de 1993. Como já explanado em outros momentos desse trabalho, o Direito Penal é

Page 170: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

148

desfederalizado em nosso país. Sendo assim, é possível afirmar que para alguns estados

brasileiros, a questão da remição da pena pelo estudo já acontecia normatizada através de

portarias administrativas. Como exemplo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais,

Rondônia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Paraná.

Vale salientar que ao tratarmos de termos do vocabulário jurídico, como no caso, o

instituto da remição, é preciso fazer alguns alertas. A remição pode ser escrita com “ç”, mas

também com “ss”. Assim, as diferenças atribuem-se aos sentidos e as formas de uso. Vejamos: a

remição com dois “s” deve ser entendida como perdão da dívida e indulgência da pena. Nesse

sentido, é uma concessão exclusiva do presidente da República, de acordo com o art.84, XII da

Constituição Federal de 1988. Já, a remição, com “ç”, é uma forma de pagamento da pena através

do trabalho e no caso, recentemente, pelo estudo. Trata-se de uma contrapartida do preso para

atenuar seu tempo de cumprimento da pena, por isso encontra-se presente nos discursos dos

entrevistados a ideia de pagamento da pena.

A questão da remição por estudo é bastante controversa. Ao mesmo tempo em que

verificamos o avanço legal no reconhecimento do estudo como possibilidade de remição, não

temos como desconsiderar também o contexto em que se insere a temática. Assim sendo, da

maneira como está organizado o sistema penitenciário brasileiro e o sistema educacional prisional

assumido como responsabilidade da Secretaria Estadual de São Paulo desde o início de 2013, a

remição torna-se problemática já que:

Assim como a remição pelo trabalho não foi precedida nem acompanhada de

nenhuma providência eficaz no sentido de organizar o ambiente e as condições

para o trabalho dentro da prisão, a remição pela Educação também corre o risco

de sofrer da mesma precariedade e virar mera moeda de barganha e de troca,

introduzindo mais um mecanismo de retroalimentação da cultura prisional.

(SILVA, 2011, p. 91)

O alerta que o autor faz é algo que já está posto pelos alunos presos. A remição da maneira

como acontece, entendida como uma forma de cálculo realizado através da presença em sala de

aula e encaminhada para o Juiz cumpre apenas um papel de administração dos dias “pagos” da

pena com o estudo, entretanto desvinculada totalmente de uma autoavaliação do processo de

aprendizagem pelos alunos e pela equipe pedagógica que deveria acompanhar a rotina da

aprendizagem da unidade prisional. Nota-se nesse aspecto uma grande lacuna, já que como a

Page 171: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

149

escola vinculadora está na “rua”, apenas os docentes é que vivem o cotidiano da escola. A parte

da gestão (direção, coordenação, supervisão) toma contato com o processo educativo apenas

através dos relatos dos docentes, já que visitas regulares na instituição penal não acontecem pela

gestão da escola vinculadora. E quando acontecem estão relacionadas a questões administrativas

entre a Direção do estabelecimento penal e a Direção da escola vinculadora. Além do mais, esses

encontros são realizados no anexo administrativo da prisão e não no espaço em que se encontram

as salas de aula.

Percebe-se então um esvaziamento do sentido da remição pelo estudo, pois a questão fica

extremamente circunscrita à presença em sala de aula (12 h) sem a conexão com o processo

educativo.

Penso que Certeau (2012) pode nos ajudar a compreender o instituto da remição pelo estudo

através dos conceitos de “estratégia” e “tática”. O autor usa o exemplo da colonização espanhola

na relação com os povos indígenas. Estes últimos, mesmo em condições de exploração

subvertiam a ordem que lhes era imposta pelos espanhóis e faziam-na funcionar sob uma lógica

própria aos costumes indígenas. Assim, “a tática é a arte do fraco”. (p. 95) e opera dentro do

mesmo campo que o inimigo (usando o termo de Certeau), o qual estrategicamente busca

instaurar um lugar próprio que possa ser isolado para exercer o comando, apesar de que o que se

busca é: “circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes invisíveis do Outro.”

(p. 93)

O que nos interessa aqui é ressaltar os poderes invisíveis desse outro, no caso, o aluno preso

que usa taticamente o instituto da remição a partir do que o Estado estrategicamente postulou

como Lei. (12.433/2011)

Como Edmilson, 38 anos já nos adiantou o funcionamento da matemática da remição de

acordo com seu pensamento que abriu essa parte do texto: “Porque de grão de em grão a

galinha enche o papo, não é verdade?”, se referindo às 12 horas de estudo para se

diminuir um dia da pena, é possível inferir pelos discursos dos alunos presos que esta é a questão

principal que os move. Matematicamente suas vidas guardadas no objeto mais valioso: o diário

de classe que registra diariamente a presença em sala. E matematicamente passam os dias

fazendo cálculos, projeções que os lancem de um regime a outro ou também que os levem para a

tão esperada liberdade.

Page 172: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

150

Willian, 21 anos coloca a remição ao lado da obrigação da escola, mas garante que é através

do “fardo” da presença diária na aula que sua mudança de regime vai acontecer: “Agora...

essa remição torna uma obrigação...o cara fala..vou pra escola mesmo porque

falta tantos dias pra mim assinar o semiaberto...então com a remição da escola

vai ajudar.”

Wellington, 22 anos expõe “a moeda de barganha e troca” colocada por Silva (2011) um

pouco acima no texto: “Se tira a remição aqui acaba a escola totalmente”.

A motivação é também evidenciada por Tiago, 24 anos: “Ah, a remição pra mim é

fundamental...com a remição a gente tem mais vontade de estar absorvendo

tudo aquilo e a remição te aproxima mais rápido da saída. E isso ajuda

demais...graças a Deus tem a remição, e se tirasse...os alunos que já nem tem

vontade de estudar ai não ia ter coragem de subir...da minha parte eu acho

assim...ia ser inválido o professor explicar as coisas.” Na mesma abordagem da

remição como motivação, temos o aluno Marcos Vinícius, 20 anos: “Ai que bosta! Só vou

na escola por causa da remição. Motiva.”

Jhonatas, 19 anos vai com o mesmo sentido da contagem matemática: Só pra remição

sinceramente...no momento é a remição. Se parar pra perguntar pra uns

aí...vão falar a mesma coisa...porque o cara não vai querer vir pra sala de aula

pra ficar escutando a pessoa ficar falando na cabeça dele e o cara não tá bom e

ainda vai se arrastar...mas a melhor coisa que tem a escola é a remição...aqui

dentro...agora se fosse falar pra você da escola da rua...é a comida..aqui agora

mudou a alimentação...antigamente era só cupim, cupim, cupim...você já

assistiu Pica Pau? Lembra daquele que ficou preso na ilha e falava: coco no

café, coco no almoço, coco na janta...vixi Maria meu pai!!!”

Como vimos, os discursos perpassam por diferentes táticas e modos de olhar para o direito

adquirido em forma de lei sobre a remição de pena pela Educação. Porém, mais uma vez é

preciso elucidar que ao passo que esse reconhecimento é dado para as horas de estudo, o Estado

ao abraçar essa demanda de movimentos sociais e intelectuais envolvidos com a temática

prisional, tem a oportunidade estratégica de administrar o caos penitenciário da hiperinflação da

Page 173: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

151

população carcerária estampada no site oficial73

do Estado de São Paulo: “mais de 15 pessoas são

presas por hora no Estado e são feitas 371 prisões/dia”.

A Educação é prevista na Lei de Execução Penal como um dever que o Estado deve garantir

(ainda que no texto da Lei se faça referência apenas ao Ensino Fundamental apenas), entretanto

da forma como está oferecida, torna-se mais um dos serviços precários disponibilizados pelo

Estado para a população. E a remição atrelada à lógica penal, sob o ponto de vista “matemático”

de pagamento da pena é o eixo que corta toda a dinâmica da vida prisional no Centro de

Ressocialização. De acordo com Silvio, 31 anos: “O que acontece no sistema penal

hoje...o preso tá muito mais preocupado em ir embora do que conseguir nesse

tempo conquistar sua ressocialização.”

Certamente, a remição pela Educação projetada apenas nos moldes “matemáticos” (12 h por 1

dia da pena) reafirma e coloca o processo educativo como mercadoria, por isso escutarmos com

frequência “to pagando a pena”, expressão que carrega consigo uma carga de esforço. Se está

“pagando”, “recebe” a remição. Ou como completa Leão, 47 anos: está “cumprindo seu

horário”. Dessa compreensão utilitarista vemos também que o Direito Penal ao manter “com a

finalidade prática de facilitar a aplicação judiciária ou administrativa das normas” (SOUTO,

SOUTO, 1997, p.40) um isolamento nas variáveis dessa nova questão trazida pela Lei

12.433/2011, não prevê que se exigirá um diálogo entre as áreas envolvidas para que se possa

redimensionar o instituto da remição pela Educação de uma forma que não sirva apenas como um

jogo para acumular pontos.

Mas para que a remição pela Educação possa realmente ter um caráter educacional e não

meramente matemático, é preciso investir na elaboração de um currículo que somado a um

projeto político pedagógico em ação (e não apenas no papel) estabeleça junto aos alunos

objetivos a curto, médio e longo prazo. Faz-se necessário também organizar os portfólios dos

alunos para além das informações de prontuário criminal. Utilizar o portfólio como um

instrumento de autoavaliação do aluno que evidencie seu percurso na relação com o

conhecimento atrelado aos objetivos estabelecidos previamente. Além do mais, quando de sua

transferência entre unidades (ação rotineira na vida do preso), o portfólio educativo o acompanha

levando consigo as informações para a continuidade do seu processo escolar.

73

www.saopaulo.gov.br (acesso em 06/11/2014)

Page 174: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

152

Vale ressaltar que o diálogo entre as áreas de Execução Criminal, Educação, Segurança,

Assistência, dentre outras que compõem o cotidiano do cárcere é algo fundamental que aconteça

para a concretização dos objetivos educacionais. Nesse sentido, não apenas manter salas de aula

em funcionamento nos finais dos muitos corredores que encontramos nas prisões e realizar o

registro da presença ou falta do aluno preso para fins da remição, mas estabelecer um trabalho

conjunto entre as diferentes áreas que devem trabalhar para o foco que possuem em comum: o

aluno encarcerado.

Os movimentos, cores e imagens produzidos pelos giros do caleidoscópio através dos

desenhos coloridos formados pelo tubo óptico (o olhar da pesquisadora) indicam que um feixe de

relações precisa ser considerado na configuração do currículo da escola do cárcere. E esse feixe

de relações exige que se problematize a atuação de diferentes instituições dentro de um mesmo

espaço (escola/prisão), com funções distintas e opostas e que caracteriza o sujeito privado de

liberdade ora como aluno, ora como preso. Muito mais do que a publicação conjunta entre

diferentes Secretarias (SAP/SEE) no Diário Oficial normatizando o processo educativo, é

fundamental que se circunscreva os discursos produzidos pelas instituições em jogo e quais seus

efeitos de Verdade sobre o rumo e a regulação da educação prisional.

Depois dessa incursão etnográfica pelo cotidiano de um Centro de Ressocialização chega o

momento de compor o desenho do mapa da viagem realizada nesta pesquisa. Para a ilustração do

desenho do mapa preciso tomar decisões. Afinal, os mapas dizem sobre lugares habitados e cada

marcação produz um sentido e uma representação sobre o que é feito. É sobre essa “viagem no

mesmo lugar, esse é o nome de todas as intensidades, mesmo que elas se desenvolvam também

em extensão. Pensar é viajar...” (DELEUZE e GUATTARI, 1987, p. 189). Assim, será a

composição do mapa da viagem: a exteriorização do pensamento que a viagem me proporcionou.

Itinerários.

Page 175: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

153

FAÇO PAISAGENS COM O QUE SINTO!

Bernardo Soares74

Liberdade 2007

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

Toquinho de madeira, alpiste e água.

O menino abriu a gaiola; Ele voou por

três dias... morreu de fome.

Anderson Aparecido Machado- CDP Diadema

74

Bernardo Soares é um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa. Esse verso faz parte do Livro do

Desassossego. Por Bernardo Soares. Seleção e introdução: Leila Perrone Moisés. São Paulo. Brasiliense, 1989.

Page 176: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

154

Lejla Bulja

Sarajevo

Figura 3 - Lejla Bulja (Sarajevo)

Page 177: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

155

Governo Alckmin comemora ser o que mais prende no Brasil: 200 mil para 100 mil vagas.75

Nota da Secretaria de Administração Penitenciária paulista aponta 41 mil prisões em quatro

anos, expondo fracasso de políticas sociais.

São Paulo – Uma estatística que soa

preocupante para boa parte da população

desperta suspiros de alegria no Palácio dos

Bandeirantes. Passados 19 anos de governo

do PSDB em São Paulo, a gestão Geraldo

Alckmin se orgulha em dizer que "o

aumento da população prisional é fruto da

política séria", que consiste "em coibir e

combater a ação criminosa. São Paulo conta

hoje com a polícia que mais prende no

Brasil", sem que isso indique problemas

sérios na execução de políticas sociais.

Em quatro anos, o estado ganhou

41.811 presos – "uma média de 37,46

presos ao dia", orgulha-se informe da

Secretaria de Administração Penitenciária

(SAP) enviado à RBA para responder a

informações sobre a população carcerária

paulista. A resposta menospreza a

superlotação, vista como um problema

nacional, e desconsidera também a falta de

atendimento educacional e as doenças

surgidas das más condições de vida dentro

das unidades. Se preferir outra base de

cálculo, o cidadão saberá que “nos três

primeiros anos de gestão Alckmin (2011 a

2013), a média de crescimento ficou em

cerca de 12 mil detentos ao ano”.

A mais recente atualização da

secretaria sobre a população carcerária em

São Paulo é de 20 de janeiro. O estado tem

106.575 vagas, mas mantém 205.467

pessoas presas, praticamente o dobro.

Segundo a SAP, entre 1º de janeiro de 2011

e 20 de janeiro de 2014, a população

carcerária do estado de São Paulo aumentou

em 41.811 presos, uma média de 37,46

encarcerados por dia.

Para a socióloga Maria Victoria

Benevides, os dados demonstram a falência

de outras áreas, como educação, saúde,

moradia. “Esse critério para avaliar a

qualidade do nosso sistema penitenciário

não poderia ser pior. Nós falamos tanto que

aqui viceja a impunidade, mas, realmente, a

impunidade se dá para determinados crimes

e determinadas classes sociais. Para

enfrentar isso tem de haver reformas

estruturais.”

O coordenador nacional da Pastoral

Carcerária, padre Valdir João Silveira,

também avalia que o estado prende mais

porque sofre de ineficiência na área social.

“A nossa população carcerária é sempre a

população mais pobre, mais miserável da

sociedade. Lá onde o estado não trabalhou e

estiveram ausentes as políticas públicas

mínimas e necessárias, o estado responde

sempre com a força policial, com a

repressão. Joga no presídio e continua a

mesma ausência de políticas”, afirmou. [...]

75

por Diego Sartorato e Rodrigo Gomes, da RBA publicado 04/02/2014 12:38 www.redebrasilatual.com.br

(Acesso em 20 de abril de 2014)

Page 178: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

156

Takaaki Fujimoto

Japão

Figura 4 - Takaaki Fujimoto (Japão)

Page 179: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

157

São Paulo é o Estado que mais investe em segurança76

A 7ª edição do Anuário Brasileiro

de Segurança Pública, produzido pelo

Fórum Brasileiro de Segurança Pública

(FBSP) e pelo Ministério da Justiça,

aponta que São Paulo foi o Estado que

mais destinou recursos ao setor em 2012:

R$ 14,37 bilhões. O valor é 17,27%

superior ao do ano anterior e 82,36%

maior que o montante aportado pelo

Governo Federal em segurança.

Somente para a área de

Inteligência e Informação, São Paulo

destinou R$ 273,24 milhões deste

montante. O Estado se mantém entre os

mais seguros do país.

O Anuário, que reuniu

informações do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) e do

Sistema Nacional de Estatísticas em

Segurança Pública e Justiça Criminal

(SINESPJC),foi lançado nesta terça-feira,

5, em na capital paulista.

76

Do Portal do Governo do Estado de São Paulo, terça-feira, 05/11/2013.

Acesso em 06/11/2013.

Page 180: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

158

Joram Rozov

Israel

Figura 5 - Joram Rozorov (Israel)

Page 181: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

159

Lex Drawinski

Alemanha

Figura 6 - Lex Drawinki (Alemanha)

Page 182: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

160

Page 183: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

161

DOE 17/01/2013

Resolução Conjunta SE/SAP 1, de 16 de janeiro de 2013.

Dispõe sobre a oferta da Educação Básica, na modalidade Educação de Jovens e

Adultos - EJA, a jovens e adultos que se encontrem em situação de privação de

liberdade, nos estabelecimentos penais do Estado de São Paulo, e dá providências

correlatas.

Os Secretários da Educação e da

Administração Penitenciária, considerando:

- o dever do Estado de garantir o direito

público subjetivo à educação de jovens e

adultos;

- a reclusos em estabelecimentos penais do

Estado de São Paulo;

- a instituição do Programa de Educação nas

Prisões – PEP, pelo Decreto 57.238, de 17-

08-2011, a ser implementado pela Secretaria

da Educação, em parceria com a Secretaria

da Administração Penitenciária;

- o disposto na Lei 9.394/96, de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, bem como nas

Resoluções CNE/CEB nºs 2/2010 e 3/10 e

nas Deliberações CEE nºs 77/08 e 82/09;

- as peculiaridades da organização didática,

pedagógica e curricular do ensino

fundamental e médio, a ser oferecido aos

jovens e adultos privados de liberdade,

Resolvem:

Artigo 1º - A educação básica, nos níveis

fundamental e médio, será oferecida a

jovens e adultos em situação de privação de

liberdade, nos institutos penais estaduais, a

partir do corrente ano, em ambientes

disponibilizados pela Secretaria da

Administração Penitenciária, caracterizados

como classes vinculadas a unidades

escolares estaduais.

Parágrafo único – A educação básica, de

que trata o caput deste artigo, será

implementada mediante projeto pedagógico

próprio, na modalidade Educação de Jovens

e Adultos – EJA, de modo a atender a

multiplicidade de perfis, interesses e

itinerários escolares da clientela.

Formando classes/turmas segundo critérios

que levem em consideração os interesses e

Artigo 2º - O projeto pedagógico, a que se

refere o parágrafo único do artigo anterior,

inserido no Programa de Educação nas

Prisões – PEP, contemplará, basicamente:

I – a oferta de ensino fundamental, nos anos

iniciais e finais, e de ensino médio;

II – a formação de classes de alunos

multisseriadas, de frequência flexível;

III - a organização curricular estruturada em

semestres letivos, denominados termos,

observados os mínimos de carga horária e

semestres, exigidos para cada nível de

ensino;

IV - o desenvolvimento de um currículo

acadêmico centrado, fundamentalmente, na

superação da fragmentação de disciplinas,

mediante a utilização de eixos temáticos.

§ 1º - O semestre letivo terá 100 (cem) dias

de efetivo trabalho escolar, num total de 400

(quatrocentas) horas, com carga horária

semanal de 25 (vinte e cinco) aulas, de

cinquenta minutos cada, distribuídas de 2ª a

6ª feira.

§ 2º - As cargas horárias de estudos do

ensino fundamental, nas classes dos anos

finais, serão desenvolvidas em 4 (quatro)

semestres/termos e as do ensino médio, em

3 (três) semestres/termos.

§ 3º - Para as classes dos anos iniciais do

ensino fundamental, na hipótese de se

desenvolver apenas o mínimo de carga

horária, o número de semestres/termos,

necessário à finalização do processo de

alfabetização, ficará na dependência dos

resultados que vierem a ser alcançados

pelos alunos ao longo do(s) semestre(s)

cursado(s).

Artigo 3º - Os funcionários dos

estabelecimentos prisionais e os

Page 184: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

162

experiências, bem como o grau de instrução

ou de escolaridade dos jovens e adultos que

pretendam frequentar os cursos oferecidos,

valendo-se para tanto, se for o caso, de

instrumentos avaliatórios com conteúdos de

Língua Portuguesa e/ou de Matemática,

para a sua devida classificação.

§ 1º - O aluno matriculado em determinado

termo poderá, a qualquer momento, ser

deslocado para outro, caso se constate a

necessidade de superar dificuldades ou de

avançar no processo de aprendizagem.

§ 2º - Quando posto em liberdade, o aluno

que apresentar rendimento satisfatório no

termo frequentado fará jus ao histórico

escolar, a ser fornecido pela unidade escolar

vinculadora, devidamente referendado pelo

supervisor de ensino da unidade, atestando

os estudos já realizados, para possível

prosseguimento do curso em qualquer

unidade escolar.

§ 3º - O aluno que concluir o curso do

ensino fundamental ou do ensino médio em

classe/turma do estabelecimento penal fará

jus ao certificado de conclusão do curso, a

ser expedido pela unidade escolar

vinculadora, devidamente referendado pelo

supervisor de ensino da unidade.

§ 4º - As classes/turmas de alunos, formadas

de acordo com o disposto no caput deste

artigo, integrarão o quadro de classes da

unidade escolar vinculadora, com

autorização da respectiva Diretoria de

Ensino, devendo ser cadastradas no órgão

específico da Secretaria da Educação, como

classes vinculadas do PEP, constituídas na

seguinte conformidade:

1 – tratando-se de classes dos anos iniciais

do ensino fundamental, com, no máximo,

20 (vinte) alunos;

2 – tratando-se de classes dos anos finais do

ensino fundamental e do ensino médio,

com, no máximo, 30 (trinta) alunos.

Artigo 4º - Observada a abordagem

metodológica, de que trata o inciso IV do

aulas da rede estadual de ensino, efetuar

inscrição específica para este projeto e

atendera os seguintes requisitos:

professoresresponsáveis organizarão os

agrupamentos de alunos de cada termo,

artigo 2º desta resolução, as matrizes

curriculares dos cursos oferecidos nos

estabelecimentos penais serão estruturadas

por áreas de conhecimento da base nacional

comum, na conformidade do contido nos

Anexos I e II, que integram a presente

resolução.

§ 1º - Devidamente dimensionadas a

complexidade dos conteúdos a serem

trabalhados e as condições de aprendizagem

dos alunos, as áreas de conhecimento, a que

se refere o caput deste artigo,

compreenderão os seguintes componentes

curriculares:

1 - no Ensino Fundamental:

a) área de Linguagens: Língua Portuguesa,

Língua Estrangeira Moderna (Inglês ou

Espanhol, Arte (com todas as expressões

artísticas e, obrigatoriamente, música) e

Educação Física;

b) área de Matemática: Matemática;

c) área de Ciências da Natureza: Ciências,

Físicas e Biológicas;

d) área de Ciências Humanas: História,

Geografia e, opcionalmente para o aluno,

Ensino Religioso (apenas no último termo);

2 - no Ensino Médio:

a) área de Linguagens e Códigos: Língua

Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna

(Inglês ou Espanhol), Arte (em suas

diferentes linguagens: artes cênicas, artes

plásticas e, obrigatoriamente, música) e

Educação Física;

b) área de Matemática: Matemática;

c) área de Ciências da Natureza: Física,

Química e Biologia;

d) área de Ciências Humanas: História,

Geografia, Filosofia e Sociologia.

§ 2º - A avaliação dos alunos nas atividades

decorrentes dos eixos temáticos será

contínua e diagnóstica, comportando

autoavaliação e avaliação mútua e

permanente da prática educativa pelo

professor e pelos alunos.

Artigo 5º - Para participar do Programa de

Educação nas Prisões - PEP, instituído por

Page 185: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

163

I - conhecer a especificidade do trabalho

pedagógico a ser desenvolvido com jovens e

adultos em situação de privação de

liberdade nos estabelecimentos penais;

II – saber utilizar a metodologia selecionada

para o projeto pedagógico, promovendo

continuadamente a autoestima do aluno,

com vistas a estimulá-lo à reflexão, à

solidariedade e à troca de experiências;

III - ser assíduo e pontual e ter

disponibilidade para participar de trabalho

em equipe, dos conselhos de classe/anos,

das horas de trabalho pedagógico realizado

pela escola vinculadora (HTPCs) e de

programas de capacitação e de formação

continuada, oferecidos pela Secretaria da

Educação e/ou por entidades conveniadas;

IV - conhecer as Diretrizes Curriculares

Nacionais de Educação de Jovens e

Adultos;

V - possuir conhecimentos básicos de

tecnologia de informação e comunicação.

Artigo 6º - As aulas das matrizes

curriculares do Programa Educação nas

Prisões – PEP serão atribuídas por áreas de

conhecimento, pelo diretor de escola da

unidade escolar vinculadora, a docentes e a

candidatos à docência, observada a seguinte

ordem de prioridade:

I - docente ocupante de função-atividade,

abrangido pelo disposto no § 2º, do artigo

2º, da Lei Complementar 1.010/2007, que se

encontre sem aulas atribuídas, cumprindo

apenas horas de permanência em uma

unidade escolar, e desde que tenha sido

aprovado no processo seletivo, previsto pela

Lei Complementar 1.093/2009;

II - candidato à docência que tenha sido

aprovado no processo seletivo, previsto pela

Lei Complementar 1.093/2009;

III - docente ocupante de função-atividade,

abrangido pelo disposto no § 2º, do artigo2º,

da Lei Complementar 1.010, de 1º.10.2007,

que se encontre sem aulas

acompanhar os trabalhos das classes do

PEP, consoante plano de atendimento

quinzenal, que contemple visitas às

referidas classes e reuniões com os

esta resolução, o docente ou candidato à

docência deverá estar inscrito no processo

regular anual de atribuição de classes e

atribuídas, cumprindo apenas horas de

permanência em uma unidade escolar, ainda

que não tenha sido aprovado no processo

seletivo, previsto pela Lei Complementar

1.093, de 16.7.2009;

IV – candidato à docência que não tenha

sido aprovado no processo seletivo, previsto

pela Lei Complementar 1.093/2009.

V - candidato à docência que não tenha

participado do processo seletivo, previsto

pela Lei Complementar 1.093/2009;

Artigo 7º - À exceção de Educação Física,

cujo professor deverá ser portador de

diploma de licenciatura plena específica

nessa disciplina, em observância à Lei

estadual 11.361, de 17.3.2003, as demais

aulas deverão ser atribuídas por área de

conhecimento, preferencialmente ao

professor portador de diploma de

licenciatura plena em:

I - Letras, para as áreas de Linguagens, no

ensino fundamental, e de Linguagens e

Códigos, no ensino médio, que ficará

responsável pela docência dos demais

conteúdos dessas áreas, exceto de Educação

Física;

II - Matemática, para a área de Matemática;

III – Ciências Físicas e Biológicas, para a

área de Ciências da Natureza no ensino

fundamental, e em Física ou em Química,

para a área de Ciências da Natureza no

ensino médio; e

IV - História ou em Geografia, para a área

de Ciências Humanas no ensino

fundamental, e em História,

exclusivamente, para a área de Ciências

Humanas no ensino médio ou no ensino

fundamental, se esta área incluir o Ensino

Religioso.

Artigo 8º - Observadas as datas de início e

término do ano letivo, dos períodos de férias

docentes e de recesso escolar, fixadas em

legislação própria, as demais atividades do

PEP serão desenvolvidas em conformidade

com o calendário escolar da escola

Page 186: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

164

professores que nelas atuem.

§1º - As classes de que trata o caput deste

artigo integram o total de classes em

funcionamento na unidade vinculadora, para

fins de definição do módulo de Professor

Coordenador e de Agente de Organização

Escolar, exclusivamente.

§ 2º - As ações de capacitação dos docentes

que atuam em classes do PEP ficarão sob a

responsabilidade do Professor Coordenador

do Núcleo Pedagógico da Diretoria de

Ensino.

Artigo 10 - Caberá ao Supervisor de Ensino,

juntamente com o Diretor de Escola e os

Professores Coordenadores da escola

vinculadora, acompanhar os trabalhos das

classes do PEP, avaliando o processo de

ensino-aprendizagem desenvolvido.

Artigo 11 - A unidade escolar vinculadora

adotará todos os procedimentos para

acompanhamento pedagógico, registro e

expedição de documentos escolares dos

alunos matriculados nas classes do PEP nos

estabelecimentos prisionais.

Artigo 12 - Caberá à Coordenadoria de

Gestão da Educação Básica - CGEB expedir

as orientações complementares que se

fizerem necessárias ao cumprimento da

presente resolução.

Artigo 13 - Esta resolução entra em vigor na

data de sua publicação.

vinculadora.

Artigo 9º - Caberá ao Professor

Coordenador da escola vinculadora

Page 187: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

165

Professores assumem aulas nas prisões77

Docentes contratados pelo governo paulista entram nas salas prisionais, antes sob

responsabilidade da Administração Penitenciária

Após três anos de experiência em

uma escola estadual em Hortolândia, Aldo

Cesar de Lima aceitou um desafio: tornou-

se, no início deste mês, professor no

presídio. Uma troca que foi feita por

outros 537 docentes da rede. É que, neste

ano, as classes prisionais saíram das mãos

da Secretaria de Administração

Penitenciária (SAP) e estão sob

responsabilidade da Secretaria de Estado

da Educação (SEE).

A mudança ocorre dois anos e meio

após uma resolução do Conselho Nacional

de Educação definir que a garantia de

educação nos estabelecimentos penais

passasse a ser atribuição direta do órgão

responsável. São Paulo foi um dos últimos

Estados a fazer essa transferência. As 154

penitenciárias paulistas abrigam cerca de

200 mil presos, sendo que 15 mil deles

estudam, o que corresponde a 7,5% da

população encarcerada.

"Isso trará um grande impacto, até

pelo tamanho de seu sistema prisional (o

maior do País, com mais de um terço dos

detentos)", avalia a coordenadora-geral de

Reintegração Social e Ensino da diretoria

de Políticas Penitenciárias do Ministério

da Justiça, Mara Fregapani Barreto. Ela

explica que o objetivo é fazer com que as

questões sejam tratadas sempre em

parceria da SAP com a Educação. Tanto

que, desde 2012, para pleitear recursos da

União, os Estados têm de mandar seu

plano de educação assinado pelos dois

secretários.

Estrutura. Para atender à demanda,

Santos Oliveira, do Núcleo de Inclusão

Educacional da Secretaria de Educação.

Ela diz que, apesar de pagamento de

bônus salarial, adicional de local de

exercício e insalubridade estar sendo

discutido, ainda não há nenhum projeto de

lei a respeito.

Por enquanto, para lecionar no

presídio, o professor temporário foi

motivado pela garantia de não ficar sem

trabalho e, claro, pelo desafio - como

conta Aldo. Ele costumava pegar um

ônibus com ponto final na penitenciária e

ouvia a conversa das mulheres dos presos.

"O assunto eram os planos, sempre

otimistas, para quando a pena terminasse.

Mas eu sabia que era quase impossível."

Quando, no fim do ano passado,

soube das aulas na prisão, decidiu ir.

"Passei a noite adaptando o material. Tudo

o que quero é corresponder às

expectativas dos meus alunos. Quero que

eles tenham o mesmo preparo que um

aluno de fora."

Antes de pisar no presídio, ele e

todos os outros professores participaram

de dois dias de videoconferência e fizeram

uma visita de ambientação à unidade

prisional. O material pedagógico utilizado

é o mesmo das turmas da Educação de

Jovens e Adultos (EJA) e, de acordo com

a secretaria, os cursos de formação devem

começar em abril e com dois eixos de

atuação.

O primeiro dará conta do conteúdo

pedagógico com foco na atuação em salas

multisseriadas - as turmas não são

77

24 de fevereiro de 2013 | 2h 07 www.estadao.com.br.

Acesso em 25 de fevereiro de 2013.

Page 188: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

166

são necessários 1.532 docentes. "Neste

início não foi possível suprir tudo, até por

falta de professores interessados, mas as

atribuições continuarão no decorrer do

ano", explica Andréa dos específica para trabalhos em contexto de

privação de liberdade.

Para Denise Carreira, coordenadora

da área de Educação da Ação Educativa e

membro de grupos de estudo sobre

educação nas prisões, a mudança da SAP

para a Educação representa um avanço.

Mas há ressalvas. "Como é uma política

que exige formação, seria importante que

houvesse estímulo para que profissionais

experientes viessem para o sistema. Mas

foram chamados até professores com

vínculo precário, como os temporários.

Outro problema foi deixá-los assumir

antes dos cursos de formação. Também é

preciso cuidado para não escolarizar

demais e esquecer de se adaptar aos

interessados."

separadas por série, mas em ciclos: anos

inicias e finais do fundamental e ensino

médio. Além desse preparo técnico, uma

parceria com a Universidade Federal de

São Carlos (UFSCar) garantirá formação

Page 189: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

167

A estratégia da interiorização dos presídios.78

Em São Paulo, o problema da

massificação nos presídios é ainda mais

evidente. Com a maior população carcerária

do país, o estado concentra hoje mais de

190 mil presos, 37% do total no Brasil. De

acordo com a Secretaria da Administração

Penitenciária (SAP), para zerar o déficit de

vagas e acabar com a superlotação, o Estado

precisaria construir 93 penitenciárias, cada

uma delas com 768 vagas, um padrão

adotado pelas unidades paulistas. Ainda

segundo a SAP, entre 1º de janeiro e 31 de

agosto deste ano, o sistema penitenciário

recebeu 72.491 novos detentos, média de

302 por dia.

Diante do problema, o método

encontrado pelo governo foi construir

presídios nos pequenos municípios no

interior paulista. A descentralização do

sistema prisional do Estado de São Paulo,

antes concentrado na capital, teve início em

1995. Na época, as carceragens de delegacia

estavam abarrotadas de gente e sofreram

muitas operações de resgate e rebeliões.

De acordo com Rafael Godoi,

pesquisador e doutorando em sociologia

pela Universidade de São Paulo (USP), para

reduzir o excesso de lotação do Complexo

Penitenciário do Carandiru e retirar presos

já condenados das cadeias públicas de São

Paulo, o governo colocou em licitação os

primeiros lotes de presídios no interior.

“Nas penitenciarias mais antigas, como a

penitenciária do Estado e o Carandiru houve

também um aumento muito grande de

rebeliões. O governo Covas [1995-2001]

decide então tirar cada vez mais as

populações carcerárias da responsabilidade

da Secretaria de Segurança Pública em

espaços que eram inapropriados para manter

as pessoas presas”, analisa.

Para justificar a política de expansão, a

Secretaria da Administração Penitenciária

(SAP) declarou que “esta ação é necessária,

por conta do considerável aumento da

população prisional no Estado de São Paulo

nos últimos dez anos. São Paulo conta hoje

com a polícia que mais prende no Brasil,

fruto da política séria adotada pelo

governador Geraldo Alckmin.”

Interesse econômico Além do governo estadual, os

municípios também veem vantagens nessa

política, consolidada no “Plano de Expansão

de Unidades Prisionais do Governo do

Estado de São Paulo”, que prevê a

construção de 49 presídios.

Se por um lado, na capital a ideia da

interiorização surge como um alívio para o

governo e promessa de mais segurança, por

outro, no interior os presídios significam

oportunidade de desenvolvimento

econômico e de geração de renda.

A população carcerária entra no

cálculo da população local e tem um

impacto significativo nas cidades pequenas

com o aumento de repasse de verba federal

assegurada pelo fundo de participação dos

municípios. A distribuição dos recursos é

feita de acordo com o número de habitantes.

Em determinadas localidades, o número de

habitantes chega a dobrar.

“Regiões distantes dos grandes centros

comerciais que careciam de atividades

encontraram no encarceramento um nicho

econômico pra se sustentar, se desenvolver,

aumentar suas arrecadações”, conclui

Godoi.

78

Brasil de Fato 21/03/2014. Acesso em 15 de maio de 2014

Page 190: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

168

Nota Pública sobre a política de educação nas prisões do Estado de São Paulo.79

Não obstante o insuficiente diálogo

com a sociedade civil e a ausência de

realização de audiência pública que havia

sido assumida oficialmente pela Secretaria

de Educação do Estado de São Paulo,

manifestamos a satisfação provocada com

a publicação da Resolução Conjunta

SE/SAP 1, de 17/01/2013. Reconhecemos

a histórica iniciativa do governo do Estado

de São Paulo de, em atenção ao disposto

nas Diretrizes Nacionais para a Educação

em Prisões, reconhecer que as pessoas

privadas de liberdade têm o direito de

acessar as políticas educacionais

destinadas às pessoas jovens e adultas.

Em que pese o incrível avanço, do

ponto de vista formal, representado pelo

anúncio da implementação da modalidade

Educação de Jovens e Adultos (EJA) sob

responsabilidade da Secretaria de

Educação do Estado de São Paulo (SEE-

SP) nas unidades prisionais paulistas, e

certos de compartilharmos o mesmo

objetivo de assegurar educação pública de

qualidade às pessoas jovens e adultas com

baixa escolaridade, apresentamos a seguir

algumas considerações e dúvidas sobre o

exposto na referida Resolução Conjunta.

Em relação ao processo de seleção

dos profissionais da educação que atuarão

nas unidades prisionais, é incompreensível

a exclusão do professorado com vínculo

funcional efetivo na Secretaria Estadual

de Educação (art. 6º da referida

Resolução). Indagamos, então, quais são

as razões para que a atuação nas unidades

prisionais esteja restrita aos educadores

contratados precariamente, de forma

temporária.

A fim de assegurar a qualidade da

diploma de licenciatura plena nas

disciplinas abrangidas por cada uma das

áreas do conhecimento.

Considerando o fato de o PEP

representar um desafio absolutamente

novo para a EJA ofertada nas redes

públicas do Estado de São Paulo,

destacadamente no que se refere à

formação dos docentes e à construção e

implementação do projeto político

pedagógico para cada uma das unidades,

preocupa a ausência de contratação de

profissionais da educação, com formação

em Pedagogia, exclusivamente para

atuação no Programa.

Indagamos, ainda, quais ações serão

desencadeadas visando apoiar os

professores coordenadores para

assumirem mais esta responsabilidade tão

específica quanto desafiadora.

Por fim, lamentamos que

determinações estabelecidas nas Diretrizes

Nacionais para a Educação nas Prisões

tenham sido desconsideradas pela

Resolução Conjunta SE/SAP 1. Entre elas,

destacamos a imprescindível relação entre

a educação formal, representada pela EJA,

e as práticas não formais, muitas vezes já

em curso nas unidades prisionais; a total

ausência da dimensão profissionalizante

no currículo; a não especificação dos

processos de chamada pública e registro

de demanda nas unidades.

Todas as insuficiências acima

identificadas poderiam ser objeto de

debate e aperfeiçoamento caso fosse

concretizado o compromisso assumido

pela Secretaria de Educação do Estado de

São Paulo de realizar uma audiência

pública para discussão da proposta antes

79

São Paulo, 03 de abril de 2013. Grupo de Trabalho em Defesa do Direito à Educação nas Prisões.

Acesso em 18/05/2013.

Page 191: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

169

educação ofertada, consideramos ainda

que todo profissional que participar do

Programa de Educação nas Prisões (PEP)

deve, obrigatoriamente, ser portador do

tramitação SE n. 3469/0001/2012).

Além do esclarecimento de todas as

questões acima, solicitamos, por meio

desta nota pública, a divulgação do

cronograma de implantação do PEP em

todas as unidades prisionais do Estado de

São Paulo, de acordo com a demanda real

em cada uma delas, e reforçamos a

necessidade de que seja realizada uma

audiência pública o mais breve possível,

em que os termos da Resolução Conjunta

SE/SAP 1, de 17/1/2013 possam ser

discutidos.

de sua implementação (o compromisso foi

feito por meio de comunicação oficial da

SEE-SP, em resposta a um pedido de

informação, identificada pelo código de

Page 192: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

170

Encontro de gestores do sistema prisional discute educação80

Brasília, 1º/12/14 – Entre os dias 3 a 5

de dezembro, em Brasília, ocorre o Encontro

Nacional de Gestores do Sistema Prisional. O

evento é uma iniciativa conjunta do

Departamento Penitenciário Nacional do

Ministério da Justiça (Depen/MJ) e do

Ministério da Educação (MEC).

O objetivo é reunir gestores envolvidos

com a educação de pessoas privadas de

liberdade, com o intuito de promover o

intercâmbio de boas praticas e orientar a

respeito das ações educacionais desenvolvidas

pelo governo federal nesse âmbito.

Serão discutidas as formas de

financiamento com recursos repassados pelo

Plano de Ações Articuladas (PAR), oriundos

do Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação (FNDE), além das estratégias para

ampliação da oferta educacional nos

estabelecimentos penais.

Além de um direito, a educação é um

importante pilar para a reintegração da pessoa

em situação de privação de liberdade.

Atualmente existem cerca de 575 mil

presos no Brasil. Desse total, por volta de 59

mil exercem algum tipo de atividade

educacional.

Desde a instituição do “Plano

Estratégico de Educação no Âmbito do

Sistema Prisional”, pelo Decreto no

7.626 de

2011, a educação no sistema prisional é

referenciada pelas mesmas normas e

parâmetros estabelecidos pelo MEC em suas

demais políticas educacionais.

80

www.mj.gov.br. Acesso em 03/01/2015.

Page 193: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

171

Diário de um detento81

"São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8h da manhã.

Aqui estou, mais um dia.

Sob o olhar sanguinário do vigia.

Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de

uma HK.

Metralhadora alemã ou de Israel.

Estraçalha ladrão que nem papel.

Na muralha, em pé, mais um cidadão José.

Servindo o Estado, um PM bom.

Passa fome, metido a Charles Bronson.

Ele sabe o que eu desejo.

Sabe o que eu penso.

O dia tá chuvoso. O clima tá tenso.

Vários tentaram fugir, eu também quero.

Mas de um a cem, a minha chance é zero.

Será que Deus ouviu minha oração?

Será que o juiz aceitou apelação?

[...]

Cadeia? Claro que o sistema não quis.

Esconde o que a novela não diz.

Ratatatá! sangue jorra como água.

Do ouvido, da boca e nariz.

O Senhor é meu pastor...

perdoe o que seu filho fez.

Morreu de bruços no salmo 23,

sem padre, sem repórter.

sem arma, sem socorro.

Vai pegar HIV na boca do cachorro.

Cadáveres no poço, no pátio interno.

Adolf Hitler sorri no inferno!

O Robocop do governo é frio, não sente pena.

Só ódio e ri como a hiena.

Rátátátá, Fleury e sua gangue

vão nadar numa piscina de sangue.

Mas quem vai acreditar no meu depoimento?

Dia 3 de outubro, diário de um detento."

81

Racionais Mc's. Álbum: Sobrevivendo no inferno, 1997. Gravadora: Casa Nostra.

Page 194: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

172

O Buraco Do Espelho82

o buraco do espelho está fechado

agora eu tenho que ficar aqui

com um olho aberto, outro acordado

no lado de lá onde eu caí

pro lado de cá não tem acesso

mesmo que me chamem pelo nome

mesmo que admitam meu regresso

toda vez que eu vou a porta some

a janela some na parede

a palavra de água se dissolve

na palavra sede, a boca cede

antes de falar, e não se ouve

já tentei dormir a noite inteira

quatro, cinco, seis da madrugada

vou ficar ali nessa cadeira

uma orelha alerta, outra ligada

o buraco do espelho está fechado

agora eu tenho que ficar agora

fui pelo abandono abandonado

aqui dentro do lado de fora

82 Arnaldo Antunes. Álbum: O Silêncio, 1997. Gravadora: Sony Music

Page 195: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

173

Centro de Ressocialização

“Enfermeiro Angelo Fernando Baratella”

Figura 7 - Centro de Ressocialização

Page 196: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

174

Trabalho 183

83

Trabalho oferecido aos presos no Centro de Ressocialização: contar garfinhos e embalar.

Figura 8 - Trabalho I

Page 197: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

175

Trabalho 284

84

Montagem das caixas para embalagem dos garfinhos.

Figura 9 - Trabalho II

Page 198: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

176

Sala de aula

Figura 10 - Sala do Centro de Ressocialização

Page 199: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

177

LANÇAR A ÂNCORA...

acostagem85

Utilizando a metáfora da pesquisa como uma viagem realizada, chega o momento em que

o itinerário traçado me permite realizar considerações sobre o que se buscou descrever nesse

processo: compreender a configuração do currículo dentro de uma escola de uma unidade

prisional.

E nesse processo de traçar e viver o itinerário tenho a concordar com Guimarães Rosa

(1986, p. 26) quando coloca que: “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a

gente é no meio da travessia.”

A possibilidade de realizar a pesquisa com a bolsa CAPES (Coordenadoria de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) permitiu que a incursão etnográfica ao Centro de

Ressocialização me colocasse diretamente com o cotidiano prisional. Foram oito meses

frequentando a unidade semanalmente, por três a quatro vezes. Deste modo, o próprio campo

contribuiu para delinear a perspectiva teórica que alinhavou os capítulos e também permitiu

compreender as entrevistas como vozes que construíram o encadeamento do texto.

A concepção de currículo que corta o texto está circunscrita pela noção de discurso, já que

“em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada,

organizada e redistribuída por certos números de procedimentos que tem por função conjurar seus

poderes e perigos”. (FOUCAULT, 2006, p. 8)

Poderes e perigos construídos através de diferentes dispositivos sejam eles da ordem do

normativo, do cultural ou mesmo instituídos para normalizar e formatar a produção dos sujeitos

institucionalizados e “protegidos” pelo Estado.

Quando se problematiza a Educação em contextos de privação de liberdade, há que se

estabelecer relação direta com a modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Conforme discorri

ao longo do texto da pesquisa a modalidade em questão foi construída discursivamente como

uma educação menor, de “bordas”, que considera o conhecimento selecionado como algo que

deve ser básico, fácil e curto. Essa concepção de ensino do “básico” fundamenta-se na

85

Acostagem para a terminologia náutica significa: “encostar a embarcação a um cais, por norma com

proteções.” (www.dicionariodanavegacao.com.br). Acesso em 19/01/2015.

Page 200: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

178

representação dos alunos entendidos como sujeitos a quem tudo falta e sendo assim é preciso

depositar para preencher. Depois de preenchidos com situações de aprendizagem engavetadas

pelas disciplinas e sem sentido, devem devolver de forma escrita (avaliações) tudo o que lhes foi

depositado.

E enfim, atingido um conceito razoável, a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo

cumpre seu dever para com o aluno preso: organiza seu histórico para que quando sair da prisão

tenha acesso ao papel carimbado que vai lhe garantir emprego e condições de reinserção que

farão com que voltem rapidamente para a instituição penal.

Verifica-se, portanto mais uma vez que a instituição escolar nega à população pesquisada

o direito humano à Educação e uma possibilidade de conhecimento através dos bens culturais.

Essa mesma negação também foi trazida pelos presos durante as entrevistas em que colocaram

suas trajetórias escolares estritamente vinculadas apenas à certificação.

A pesquisa também aponta para a necessidade de que a Educação Prisional não seja

apenas a responsabilidade burocrática da Secretaria Estadual de Educação. Através das

entrevistas dos alunos em situação de privação de liberdade evidencia-se a fundamental

articulação com outras Secretarias (Justiça, Trabalho, Assistência Social, Saúde e etc...) para

compor o trabalho pedagógico. Desta maneira, o que nos dizem é que a reprodução de um

modelo educativo da “rua” não atende seus anseios na possibilidade de um papel para a escola

dentro do cárcere que promova situações com sentido a esses jovens e adultos que, por diferentes

motivos, interromperam suas trajetórias escolares muito cedo.

A maneira como a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo vem assumindo sua

responsabilidade para com a educação nas prisões não tem favorecido a montagem de quadros

estáveis de professores que garanta a elaboração e execução de um projeto político pedagógico

para a unidade prisional. Alterando-se o quadro de professores quase que semestralmente através

dos contratos temporários, é impossível pensar numa proposta de formação que se torna uma

grande lacuna com efeitos na prática pedagógica realizada.

O fato de coexistirem dentro do mesmo espaço: prisão e escola com propósitos tão

divergentes e opostos são questões centrais que devem perseguir a formulação de políticas

públicas. Tanto a prisão quanto a escola são mantidas pelo Estado, todavia cada uma

desempenhando uma função na vida dos apenados. O fortalecimento de um conjunto de

profissionais que atuam dentro do cárcere somados aos educadores pode ser uma possibilidade

Page 201: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

179

para a realização do debate que envolve re (pensar) o sentido da pena da prisão, bem como os

objetivos pretendidos pela Execução Penal através da Educação.

Enquanto o entendimento do currículo for restrito apenas à vida dentro da sala de aula, o

processo educativo oferecido pelo Estado para essa população permanece mais uma vez

assentado na negação de direitos. Sendo a educação no cárcere entendida como regalia e não

como direito, o processo educativo permanece fundado apenas na lógica da certificação e não

como possibilidade de entrar em contato com a re (construção) de sua própria história através da

apropriação aos bens culturais como forma de conhecimento.

No Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo86

, capítulo

III temos como título: Das Recompensas. Deste modo, as recompensas são divididas em: elogios

e concessão de regalias. O artigo 31 institui que a compreensão do que se entende como

“concessão de regalias” são atividades voltadas para a área cultural. Por exemplo: sessão de

cinema, teatro, shows e jogos, bem como atividades que envolvam pintura e exposição de

trabalhos. É preciso salientar também que se constituem regalias, concedidas ao preso que

apresente bom comportamento carcerário, desde que atendam aos critérios socioeducativos da

execução da pena e do diretor da unidade prisional:

Vejamos: existe uma incompatibilidade de propósitos plenamente explícitos e

contraditórios pelas duas instituições mantidas pelo Estado dentro do mesmo lugar. Assim, a

produção de saberes/poderes por cada uma das instituições dá a dinâmica dos diferentes

interesses na constituição do sujeito privado de sua liberdade.

A configuração de um currículo para a Educação Prisional requer romper barreiras

disciplinares entre as diferentes ciências para promover dentro do universo prisional práticas

educativas que estejam atreladas ao projeto político pedagógico de cada unidade prisional. É

através da construção desse projeto que todas as ações estarão articuladas, tanto na prisão, como

na escola, para que a oferta educativa e o conhecimento estejam acessíveis a todos. Como diria

Marcelo, o agente penitenciário que me recebeu no primeiro dia de visita ao Centro de

Ressocialização: “O trabalho aqui dentro não pode ser só da Educação. Mas será

que dá?”.

86

Resolução SAP 144-29/06/2010.

Page 202: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

180

Page 203: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

181

INTERLOCUTORES PARA A ESCRITA DO TEXTO

ADORNO, S. A prisão sob a ótica de seus protagonistas. Itinerário de pesquisa. In: Tempo

Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo. v. 3, n. 1 e 2, 1991.

BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial. O trabalhador e o processo

de integração mundial. Washington, 1995.

BAUMAN, Z. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

BAUMAN, Z. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

BEAUD, S; WEBER, F. Guia para a pesquisa de campo: produzir e analisar dados

etnográficos. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

BEZERRA, P... Polifonia. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. Rio de Janeiro:

Contexto, 2005.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 5.692/71 de 11 de agosto de 1971.

Brasília, 1971.

BRASIL. Lei de Execução Penal nº 7.210 de 11 de julho de 1984. Brasília, 1984.

BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução nº3, de 11 de

março de 2009. Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos

estabelecimentos penais. Brasília: CNPCP, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara Nacional de

Educação Básica. Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010. Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais

para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos

estabelecimentos penais. Brasília: MEC, CNE, CNEB, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Nacionais para a

oferta de Educação para Jovens e Adultos em situação de privação de liberdade nos

estabelecimentos penais. MEC, CNE, 2010.

BRASIL. Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal. Brasília, 2011.

BRASIL. Lei nº 12.433 de 29 de junho de 2011. Altera a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984

(Lei de Execução Penal), para dispor sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por

estudo ou por trabalho, Brasília, 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes

Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

Page 204: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

182

BUARQUE DE HOLANDA, S. Raízes do Brasil. 15 ed. Rio de Janeiro, 1996.

CARREIRA, D; CARNEIRO, S. Relatório Nacional para o Direito Humano à Educação:

Educação nas Prisões Brasileiras. São Paulo: Plataforma Dhesca Brasil, 2009.

CERTAU, M... A invenção do cotidiano. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A “era das diretrizes”: a disputa pelo projeto de educação dos

mais pobres. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v. 17, n. 49, jan/abr, 2012.

COSTA, G. M. As ONGS no sistema penitenciário do Estado de São Paulo: protagonistas

constitutivas de novos modelos prisionais ou reprodutoras dos modelos tradicionais. São Paulo,

2006. 112f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, São Paulo, 2006.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34,

1997.

DI PIERRO, M. C. A Educação de Jovens e Adultos no Plano Nacional de Educação: avaliação,

desafios e perspectivas. Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 31, n. 112, jul-set. 2010.

ECO, U. Como se faz uma tese. Lisboa: Presença, 2007.

FEELEY; S. A nova penalogia: notas sobre a emergente estratégia correcional e suas

implicações. In: CÂNEDO, C.; FONSECA, D. S. Ambivalência, contradição e volatilidade no

sistema penal: Leituras contemporâneas da sociologia da punição. Belo Horizonte: Editora da

UFMG, 2012.

FONSECA, DAVID S. Assumindo riscos: a importação de estratégias de punição e controle

social no Brasil. In: CÂNEDO, Carlos; FONSECA, David S. Ambivalência, contradição e

volatilidade no sistema penal: Leituras contemporâneas da sociologia da punição. Belo

Horizonte, Ed. UFMG, 2012.

FOUCAULT, M. Sobre a história da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,

2000.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. 13. ed. São Paulo: Loyola, 2006.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 26. ed. Rio de Janeiro: Editora Graal, 2008.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 38 ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

GARLAND, David. Os limites do Estado Soberano: estratégias e controle do crime na

sociedade contemporânea. In: CÂNEDO, Carlos; FONSECA, David S. Ambivalência,

contradição e volatilidade no sistema penal: Leituras contemporâneas da sociologia da punição.

Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2012.

Page 205: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

183

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1978.

GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das

Letras, 1989.

GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2003.

GRACIANO, M. A educação nas prisões: um estudo sobre a participação da sociedade civil.

São Paulo, 2010. 261f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de

São Paulo, São Paulo, 2010.

GRACIANO, M. Educação nas prisões: estratégias para implementação em São Paulo.

Levantamento de informações sobre o perfil de escolaridade da população prisional. São Paulo:

Ação Educativa, 2013.

HOLLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 15 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.

JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da

Educação. Campinas, n.1, 2001.

JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Educação e trabalho como programas de “reinserção social”.

In: ONOFRE, E. M. C. (Org). Educação escolar entre as grades. São Carlos: EDUSFCAR,

2007.

JULIÃO, E. F. A ressocialização através do estudo e do trabalho no sistema penitenciário

brasileiro. Rio de Janeiro, 2009. 433f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de

Educação.Rio de Janeiro, n. 19, 2002.

LINS, C. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro:

Zahar, 2004.

LOPES, A. C. Discursos nas políticas de currículo. Currículo sem fronteiras, v.6, n. 2, jul/dez.

2006.

MAEYER, M. D. A educação na prisão não é mera atividade. Revista Educação & Realidade.

Porto Alegre, v. 38, n. 1, jan-mar. 2013.

MARTINELI, G. M. A subcultura prisional e os limites da ação da APAC sobre as políticas

penais públicas: um estudo na Cadeia de Bragança Paulista. São Paulo, 2005. 389f. Tese

(Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

MEIHY, J. C. S. B; HOLANDA, F. História oral: Como fazer, como pensar. São Paulo:

Contexto, 2007.

Page 206: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

184

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Departamento Penitenciário Nacional. Sistema Integrado de

Informações Penitenciárias. (INFOPEN). Disponível em <www.mj.gov.br.>. Acesso em:

20/12/2014.

MONTEIRO, M. R. A educação prisional: uma visão histórica do descaso. Campinas, 2010. 60

f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Pedagogia). Faculdade de Educação,

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.

NOGUERA-RAMIREZ, C. E. Pedagogia e governamentalidade ou da Modernidade como

uma sociedade educativa. Belo Horizonte: Autentica, 2011.

PAIS, J. M... Vida cotidiana: enigmas e revelações. São Paulo, Cortez, 2003.

PARO, V. H. O currículo do ensino fundamental como tema de política pública: a cultura como

conteúdo central. Revista Ensaio Avaliação e Política Pública, Rio de Janeiro, v.19, n.72,

jul/dez 2011.

PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Orgs) Pistas do método da cartografia. Pesquisa-

intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.

PASSOS, T. B. Educação prisional no Estado de São Paulo: passado, presente e futuro. São

Paulo, 2013. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual Paulista,

Marília, 2013.

PATTO, M. H. S. Escolas cheias, cadeias vazias. Nota sobre as raízes ideológicas do pensamento

educacional brasileiro. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 21, n. 61, 2007.

PESSOA, F. O livro do desasossego. São Paulo: Mem. Martins, 1986.

PESSOA, F. Navegar é preciso. São Paulo: L&PM, 2000.

POCHMANN, M. A batalha pelo primeiro emprego. Revista Educação e Sociedade, Campinas,

v. 25, n. 87, maio/ago, 2000.

POCHMANN, M. Educação e Trabalho: como desenvolver uma relação virtuosa? Revista

Educação e Sociedade, Campinas, v.25, n.87 maio/ago.2004.

POCHMANN, M. Trabalho e formação. Revista Educação e Realidade, Campinas, v.37, n.2,

maio/ago. 2012.

PREVE, A. M. H. Mapas, prisão e fugas: cartografias intensivas em Educação. Campinas, 2010.

347 f. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de

Campinas, Campinas, 2010.

ROLNIK, S. Cartografia sentimental, transformações contemporâneas do desejo. São Paulo:

Estação Liberdade, 1989.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

Page 207: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

185

SANTOS, Pollyana dos. Os sentidos das experiências escolares nas trajetórias de vida de

mulheres em privação de liberdade. (2014) 171 f. Tese (Doutorado em Educação).Centro de

Ciências da Educação,Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2014.

SÃO PAULO, SAP/SEE. Decreto nº 57.238, de 17 de agosto de 2011. Institui o Programa de

Educação nas Prisões e dá providências correlatas. São Paulo: SAP/SEE, 2011.

SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2000.

SILVA, R. Por uma política nacional de educação para os regimes de privação de liberdade no

Brasil. In: ONOFRE, E. M. C. (Org). Educação escolar entre as grades. São Carlos:

EDUSFCAR, 2007.

SILVA, R.; MOREIRA, F. A. Objetivos educacionais e objetivos da reabilitação penal: o diálogo

possível. Revista de Sociologia Jurídica. Dossiê: Questões Penitenciárias, n. 3, julh/dez, 2006.

SILVA, R.; MOREIRA, F. A. O projeto político pedagógico para a educação em prisões. Revista

Em Aberto, Brasília, v. 24, n. 86, nov. 2011.

SILVA, Tomas; Moreira, Antonio.(orgs). Currículo, cultura e sociedade. 9 ed- São Paulo,

Cortez, 2006.

SOARES, Leôncio. O educador de jovens e adultos e sua formação. Educação em Revista,

Belo Horizonte, n.47, jun. 2008.

TÜRCKE, C. Sociedade Excitada: filosofia da sensação. Campinas: Editora da UNICAMP,

2010.

UNESCO. OEI. Educação em prisões na América Latina: direito, liberdade e cidadania.

Brasilia : UNESCO, OEI, AECID, 2009.

VEIGA-NETO, A. A ordem das disciplinas. Porto Alegre, 1996. Tese (Doutorado em

Educação) Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,

1996.

VEIGA-NETO, A. Foucault & a Educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autentica 2007.

VEIGA-NETO, A; CORCINI, M. Inclusão e governamentalidade. Revista Educação e

Sociedade, Campinas, v. 28, n.100, out. 2007.

VINAO FRAGO, A. Historia de la educación y la historia cultural. Revista Brasileira de

Educação. Rio de Janeiro, n. 0, set-dez.1995.

VINAO FRAGO, A.; ESCOLANO A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como

programa. Rio de Janeiro, DP&A, 2001.

WACQUANT, L. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo, 2008.

Page 208: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

186

Page 209: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

187

ANEXO 1

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

RESOLUÇÃO Nº 2, DE 19 DE MAIO DE 2010 (*)

Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a

oferta de educação para jovens e adultos em

situação de privação de liberdade nos

estabelecimentos penais.

O PRESIDENTE DA CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO

CONSELHONACIONAL DE EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições legais, e de

conformidade com o disposto na alínea “c” do parágrafo 1º do artigo 9º da Lei nº 4.024/61 com a

redação dada pela Lei nº 9.131/95, nos artigos 36, 36-A, 36-B, 36-C, 36-D, 37, 39, 40, 41 e 42 da

Lei nº 9.394/96 com a redação dada pela Lei nº 11.741/2008, bem como no Decreto nº

5.154/2004, e com fundamento no Parecer CNE/CEB nº 4/2010, homologado por Despacho do

Senhor Ministro da Educação, publicado no DOU de 7 de maio de 2010,

CONSIDERANDO as responsabilidades do Estado e da sociedade para garantir o direito à

educação para jovens e adultos nos estabelecimentos penais e a necessidade de norma que

regulamente sua oferta para o cumprimento dessas responsabilidades;

CONSIDERANDO as propostas encaminhadas pelo Plenário do I e II Seminários Nacionais de

Educação nas Prisões;

CONSIDERANDO a Resolução nº 3, de 6 de março de 2009, do Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária, que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação nos

estabelecimentos penais;

CONSIDERANDO o Protocolo de Intenções firmado entre os Ministérios da Justiça e da

Educação com o objetivo de fortalecer e qualificar a oferta de educação em espaços de privação

de liberdade;

CONSIDERANDO o disposto no Plano Nacional de Educação (PNE) sobre educação em

espaços de privação de liberdade;

Page 210: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

188

CONSIDERANDO que o Governo Federal, por intermédio dos Ministérios da Educação e da

Justiça tem a responsabilidade de fomentar políticas públicas de educação em espaços de

privação de liberdade, estabelecendo as parcerias necessárias com os Estados, Distrito Federal e

Municípios;

CONSIDERANDO o disposto na Constituição Federal de 1988, na Lei nº 7.210/84, bem como na

Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, que fixou as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil;

CONSIDERANDO o que foi aprovado pelas Conferências Internacionais de Educação de

Adultos (V e VI CONFINTEA) quanto à “preocupação de estimular oportunidades de

aprendizagem a todos, em particular, os marginalizados e excluídos”, por meio do Plano de Ação

para o Futuro, que garante o reconhecimento do direito à aprendizagem de todas as pessoas

encarceradas, proporcionando-lhes informações e acesso aos diferentes níveis de ensino e

formação;

CONSIDERANDO que o projeto "Educando para a Liberdade", fruto de parceria entre os

Ministérios da Educação e da Justiça e da Representação da UNESCO no Brasil, constitui

referência fundamental para o desenvolvimento de uma política pública de educação no contexto

de privação de liberdade, elaborada e implementada de forma integrada e (*) Resolução

CNE/CEB 2/2010. Diário Oficial da União, Brasília, 20 de maio de 2010, Seção 1, p. 20 e

cooperativa, representa novo paradigma de ação a ser desenvolvido no âmbito da Administração

Penitenciária;

CONSIDERANDO, finalmente, as manifestações e contribuições provenientes da participação de

representantes de organizações governamentais e de entidades da sociedade civil em reuniões de

trabalho e audiências públicas promovidas pelo Conselho Nacional de Educação;

RESOLVE:

Art. 1º Ficam estabelecidas as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens

e adultos privados de liberdade em estabelecimentos penais, na forma desta Resolução.

Art. 2º As ações de educação em contexto de privação de liberdade devem estar calcadas

na legislação educacional vigente no país, na Lei de Execução Penal, nos tratados internacionais

firmados pelo Brasil no âmbito das políticas de direitos humanos e privação de liberdade,

devendo atender às especificidades dos diferentes níveis e modalidades de educação e ensino e

Page 211: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

189

são extensivas aos presos provisórios, condenados, egressos do sistema prisional e àqueles que

cumprem medidas de segurança.

Art. 3º A oferta de educação para jovens e adultos em estabelecimentos penais obedecerá

às seguintes orientações:

I – é atribuição do órgão responsável pela educação nos Estados e no Distrito Federal

(Secretaria de Educação ou órgão equivalente) e deverá ser realizada em articulação com os

órgãos responsáveis pela sua administração penitenciária, exceto nas penitenciárias federais,

cujos programas educacionais estarão sob a responsabilidade do Ministério da Educação em

articulação com o Ministério da Justiça, que poderá celebrar convênios com Estados, Distrito

Federal e Municípios;

II – será financiada com as fontes de recursos públicos vinculados à manutenção e

desenvolvimento do ensino, entre as quais o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), destinados à

modalidade de Educação de Jovens e Adultos e, de forma complementar, com outras fontes

estaduais e federais;

III – estará associada às ações complementares de cultura, esporte, inclusão digital, educação

profissional, fomento à leitura e a programas de implantação, recuperação e manutenção de

bibliotecas destinadas ao atendimento à população privada de liberdade, inclusive as ações de

valorização dos profissionais que trabalham nesses espaços;

IV – promoverá o envolvimento da comunidade e dos familiares dos indivíduos em situação de

privação de liberdade e preverá atendimento diferenciado de acordo com as especificidades de

cada medida e/ou regime prisional, considerando as necessidades de inclusão e acessibilidade,

bem como as peculiaridades de gênero, raça e etnia, credo, idade e condição social da população

atendida;

V – poderá ser realizada mediante vinculação a unidades educacionais e a programas que

funcionam fora dos estabelecimentos penais;

VI – desenvolverá políticas de elevação de escolaridade associada à qualificação profissional,

articulando-as, também, de maneira intersetorial, a políticas e programas destinados a jovens e

adultos;

VII – contemplará o atendimento em todos os turnos;

Page 212: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

190

VIII – será organizada de modo a atender às peculiaridades de tempo, espaço e rotatividade da

população carcerária levando em consideração a flexibilidade prevista no art. 23 da Lei nº

9.394/96 (LDB).

Art. 4º Visando à institucionalização de mecanismos de informação sobre a educação em espaços

de privação de liberdade, com vistas ao planejamento e controle social, os órgãos responsáveis

pela educação nos Estados e no Distrito Federal deverão:

I – tornar público, por meio de relatório anual, a situação e as ações realizadas para a oferta de

Educação de Jovens e Adultos, em cada estabelecimento penal sob sua responsabilidade;

II – promover, em articulação com o órgão responsável pelo sistema prisional nos

Estados e no Distrito Federal, programas e projetos de fomento à pesquisa, de produção de

documentos e publicações e a organização de campanhas sobre o valor da educação em espaços

de privação de liberdade;

III – implementar nos estabelecimentos penais estratégias de divulgação das ações de educação

para os internos, incluindo-se chamadas públicas periódicas destinadas a matrículas.

Art. 5º Os Estados, o Distrito Federal e a União, levando em consideração as especificidades da

educação em espaços de privação de liberdade, deverão incentivar a promoção de novas

estratégias pedagógicas, produção de materiais didáticos e a implementação de novas

metodologias e tecnologias educacionais, assim como de programas educativos na modalidade

Educação a Distância (EAD), a serem empregados no âmbito das escolas do sistema prisional.

Art. 6º A gestão da educação no contexto prisional deverá promover parcerias com diferentes

esferas e áreas de governo, bem como com universidades, instituições de Educação Profissional e

organizações da sociedade civil, com vistas à formulação, execução, monitoramento e avaliação

de políticas públicas de Educação de Jovens e Adultos em situação de privação de liberdade.

Parágrafo Único. As parcerias a que se refere o caput deste artigo dar-se-ão em perspectiva

complementar à política educacional implementada pelos órgãos responsáveis pela educação da

União, dos Estados e do Distrito Federal.

Art. 7º As autoridades responsáveis pela política de execução penal nos Estados e Distrito

Federal deverão, conforme previsto nas Resoluções do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, propiciar espaços físicos adequados às atividades educacionais, esportivas,

culturais, de formação profissional e de lazer, integrando-as às rotinas dos estabelecimentos

penais.

Page 213: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

191

Parágrafo Único. Os Estados e o Distrito Federal deverão contemplar no seu planejamento a

adequação dos espaços físicos e instalações disponíveis para a implementação das ações de

educação de forma a atender às exigências desta Resolução.

Art. 8º As ações, projetos e programas governamentais destinados a EJA, incluindo o provimento

de materiais didáticos e escolares, apoio pedagógico, alimentação e saúde dos estudantes,

contemplarão as instituições e programas educacionais dos estabelecimentos penais.

Art. 9° A oferta de Educação Profissional nos estabelecimentos penais deverá seguir as Diretrizes

Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação, inclusive com relação ao

estágio profissional supervisionado concebido como ato educativo.

Art. 10 As atividades laborais e artístico-culturais deverão ser reconhecidas e valorizadas como

elementos formativos integrados à oferta de educação, podendo ser contempladas no projeto

político-pedagógico como atividades curriculares, desde que devidamente fundamentadas.

Parágrafo Único. As atividades laborais, artístico-culturais, de esporte e de lazer, previstas no

caput deste artigo, deverão ser realizadas em condições e horários compatíveis com as atividades

educacionais.

Art. 11 Educadores, gestores e técnicos que atuam nos estabelecimentos penais deverão ter

acesso a programas de formação inicial e continuada que levem em consideração as

especificidades da política de execução penal.

§ 1º Os docentes que atuam nos espaços penais deverão ser profissionais do magistério

devidamente habilitados e com remuneração condizente com as especificidades da função.

§ 2º A pessoa privada de liberdade ou internada, desde que possua perfil adequado e receba

preparação especial, poderá atuar em apoio ao profissional da educação, auxiliando-o no processo

educativo e não em sua substituição.

Art. 12 O planejamento das ações de educação em espaços prisionais poderá contemplar, além

das atividades de educação formal, propostas de educação não-formal, bem como de educação

para o trabalho, inclusive na modalidade de Educação a Distância, conforme previsto em

Resoluções deste Conselho sobre a EJA.

§ 1º Recomenda-se que, em cada unidade da federação, as ações de educação formal

desenvolvidas nos espaços prisionais sigam um calendário unificado, comum a todos os

estabelecimentos.

Page 214: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

192

§ 2º Devem ser garantidas condições de acesso e permanência na Educação Superior

(graduação e pós-graduação), a partir da participação em exames de estudantes que demandam

esse nível de ensino, respeitadas as normas vigentes e as características e possibilidades dos

regimes de cumprimento de pena previstas pela Lei n° 7.210/84.

Art. 13 Os planos de educação da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios

deverão incluir objetivos e metas de educação em espaços de privação de liberdade que atendam

as especificidades dos regimes penais previstos no Plano Nacional de Educação.

Art. 14 Os Conselhos de Educação dos Estados e do Distrito Federal atuarão na implementação e

fiscalização destas Diretrizes, articulando-se, para isso, com os Conselhos Penitenciários

Estaduais e do Distrito Federal ou seus congêneres.

Parágrafo Único. Nas penitenciárias federais a atuação prevista no caput deste artigo compete ao

Conselho Nacional de Educação ou, mediante acordo e delegação, aos Conselhos de Educação

dos Estados onde se localizam os estabelecimentos penais.

Art. 15 Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se quaisquer

disposições em contrário.

CESAR CALLEGARI

Page 215: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

193

ANEXO 2

Ministério da Justiça

CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA -

CNPCP

RESOLUÇÃO Nº-03, DE 11 DE MARÇO DE 2009

Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a Oferta de

Educação nos estabelecimentos penais.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E

PENITENCIÁRIA – CNPCP, Dr. SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, no uso de suas atribuições

legais, previstas no Art. 64, I, Lei nº 7.210/84, bem como no art. 39, I e II, do Anexo I do Decreto

nº 6.061, de 15 de março de 2007,

CONSIDERANDO o Parecer da Conselheira Valdirene Daufemback sobre as propostas

encaminhadas pelo Plenário do I Seminário Nacional de Educação nas Prisões;

CONSIDERANDO o Protocolo de Intenções firmado entre os Ministérios da Justiça e da

Educação com o objetivo de fortalecer e qualificar a oferta de educação nas prisões;

CONSIDERANDO o disposto na Lei nº 10.172/00 – Plano Nacional de Educação;

CONSIDERANDO que o governo federal, por intermédio dos Ministérios da Educação e da

Justiça é responsável pelo fomento e indução de políticas públicas de Estado no domínio da

educação nas prisões, estabelecendo as parcerias necessárias junto aos Estados, Distrito Federal e

Municípios;

CONSIDERANDO o disposto na Constituição Federal de 1988, na Lei nº 7.210, de 11 de julho

de 1984, bem como na Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, deste Conselho, que fixou

as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil;

CONSIDERANDO, finalmente, que o projeto “Educando para a Liberdade”, fruto de parceria

entre os Ministérios da Educação e da Justiça e da Representação da Unesco no Brasil, constitui

referência fundamental para o desenvolvimento de uma política pública de educação no contexto

prisional, feita de forma integrada e cooperativa, e representa novo paradigma de ação, a ser

desenvolvido no âmbito da Administração Penitenciária,

Page 216: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

194

RESOLVE:

Art. 1º - Estabelecer as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos estabelecimentos

penais.

Art. 2º - As ações de educação no contexto prisional devem estar calcadas na legislação

educacional vigente no país e na Lei de Execução Penal, devendo atender as especificidades dos

diferentes níveis e modalidades de educação e ensino.

Art. 3º - A oferta de educação no contexto prisional deve:

I – atender aos eixos pactuados quando da realização do Seminário Nacional pela Educação nas

Prisões (2006), quais sejam: a) gestão, articulação e mobilização; b) formação e valorização dos

profissionais envolvidos na oferta de educação na prisão; e c) aspectos pedagógicos;

II – resultar do processo de mobilização, articulação e gestão dos Ministérios da Educação e

Justiça, dos gestores estaduais e distritais da Educação e da Administração Penitenciária, dos

Municípios e da sociedade civil;

III – ser contemplada com as devidas oportunidades de financiamento junto aos órgãos estaduais

e federais;

IV – estar associada às ações de fomento à leitura e a implementação ou recuperação de

bibliotecas para atender à população carcerária e aos profissionais que trabalham nos

estabelecimentos penais; e

V – promover, sempre que possível, o envolvimento da comunidade e dos familiares do(a)s

preso(a)s e internado(a)s e prever atendimento diferenciado para contemplar as especificidades de

cada regime, atentando-se para as questões de inclusão, acessibilidade, gênero, etnia, credo, idade

e outras correlatas.

Art. 4º - A gestão da educação no contexto prisional deve permitir parcerias com outras áreas de

governo, universidades e organizações da sociedade civil, com vistas à formulação, execução,

monitoramento e avaliação de políticas públicas de estímulo à educação nas prisões.

Art. 5º - As autoridades responsáveis pelos estabelecimentos penais devem propiciar espaços

físicos adequados às atividades educacionais (salas de aula, bibliotecas, laboratórios, etc),

integrar as práticas educativas às rotinas da unidade prisional e difundir informações

incentivando a participação do(a)s preso(a)s e internado(a)s.

Art. 6º - A Direção dos estabelecimentos penais deve permitir que os documentos e materiais

produzidos pelos Ministérios da Educação e da Justiça, Secretarias Estaduais de Educação e

órgãos responsáveis pela Administração Penitenciária, que possam interessar aos educadores e

educandos, sejam disponibilizados e socializados.

Art. 7º - Devem ser elaboradas e priorizadas estratégias que possibilitem a continuidade de

estudos para os egressos, articulando-as com entidades que atuam no apoio dos mesmos – tais

como patronatos, conselhos e fundações de apoio ao egresso e organizações da sociedade civil.

Art. 8º - O trabalho prisional, também entendido como elemento de formação integrado à

educação, devendo ser ofertado em horário e condições compatíveis com as atividades

educacionais.

Page 217: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

195

Art. 9º - Educadores, gestores, técnicos e agentes penitenciários dos estabelecimentos penais

devem ter acesso a programas de formação integrada e continuada que auxiliem na compreensão

das especificidades e relevância das ações de educação nos estabelecimentos penais, bem como

da dimensão educativa do trabalho.

§ 1º Recomenda-se que os educadores pertençam, preferencialmente, aos quadros da Secretaria

de Educação, sejam selecionados por concursos públicos e percebam remuneração acrescida de

vantagens pecuniárias condizentes com as especificidades do cargo.

§ 2º A pessoa presa ou internada, com perfil e formação adequados, poderá atuar como monitor

no processo educativo, recebendo formação continuada condizente com suas práticas

pedagógicas, devendo este trabalho ser remunerado.

Art. 10 – O planejamento das ações de educação nas prisões poderá contemplar além das

atividades de educação formal, propostas de educação não-formal e formação profissional, bem

como a inclusão da modalidade de educação à distância.

Parágrafo único – Recomenda-se, a cada unidade da federação, que as ações de educação formal

sigam um calendário comum aos estabelecimentos penais onde houver oferta.

Art. 11 – O capítulo “Seminário Nacional pela Educação nas Prisões: Significados e

Proposições”, do Projeto “Educando para a Liberdade”, constitui o Anexo I da presente

Resolução.

Parágrafo único – O texto integral do projeto “Educando para a Liberdade”, pode ser encontrado

no seguinte endereço eletrônico www.mj.gov.br/cnpcp.

Art. 12 - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA

Presidente

Page 218: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

196

ANEXO 3

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS REALIZADAS COM OS COLABORADORES

Roteiro de entrevista (aluno)

1. Conte suas lembranças de escolas em que estudou fora do CR. O que mais gostava e não

gostava?

2. E as disciplinas? Qual mais gostava? E qual não gostava?

3. Qual disciplina da escola mais te ajudou na vida?

4. Quais as semelhanças e diferenças que você percebe da escola aqui dentro e na rua?

5. Você estudou em outra escola no sistema prisional? Quais as semelhanças e diferenças

dos lugares que você passou?

6. O que você pensa com relação à remição de pena por estudo? Como funcionava a

contagem em outros lugares que passou?

7. Você concorda com o jeito que a remição é contada: 12h de aula para 1 dia de pena? Você

acha que mudou a motivação para a escola depois disso?

8. E se continuasse sem remição por estudo... você optaria por estudar?

9. Como foi feita a transferência de seus documentos escolares de outra escola pra esta

(CR)?

10. De que maneira se dá o processo da escola quando há transferência de unidades?

11. O que considera importante numa escola?

12. O que é preciso para aprender algo aqui na escola?

13. O que considera importante aprender numa escola que pode utilizar aqui dentro e quando

sair daqui?

14. O que não pode faltar numa escola pra ser considerada de excelente qualidade?

15. Para você, o que é ser um bom professor?

16. O que considera importante aprender na escola?

17. Tem algo que não é ensinado e você considera importante?

18. Imagine que exista a possibilidade de mudar radicalmente a escola dentro da prisão: o

espaço, os móveis, o material, as disciplinas... Como seria essa mudança pra você?

Descreva.

Page 219: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

197

19. Para você o que significa a palavra “conhecimento”?

20. O que você considera uma pessoa culta?

21. Quais conhecimentos você acha que são importantes?

22. Você tem liberdade na escola?

23. Para que serve a escola aqui dentro e na rua?

Page 220: CARTOGRAFIAS DE UM CURRÍCULO ENCARCERADOrepositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/254162/1/Alvisi_Catia_D.pdf · SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SSP - Secretaria

198

ROTEIRO DE ENTREVISTA (MONITOR-PRESO)

1. Quais as semelhanças e diferenças da escola aqui de dentro e a da rua?

2. Descreva suas atividades com relação a sua função. Você se sente preparado pra ensinar?

3. O que considera fundamental para exercer a docência?

4. Você tem liberdade para planejar? E o material didático? Você gosta?

5. Como planeja? Como faz a seleção do material que utiliza?

6. Onde busca ou buscou referência para nortear sua postura como professor?

7. Para você o que é currículo?

8. Se pudesse montar o que considera importante aprender de conhecimentos aqui na escola,

o que escolheria como uma lista de possibilidades a serem ensinadas?

9. Quanto as disciplinas e conteúdos: sente falta de alguma coisa? Ou sobra?

10. Como divide a distribuição das disciplinas ao longo da semana?

11. Você considera a carga horária das aulas suficiente para a aprendizagem?

12. Quais as principais dificuldades encontradas por seus alunos para aprender algo novo?

13. Para você o que significa a palavra conhecimento?

14. Qual o peso da remição por estudo na sua concepção? Da maneira como está cumpre seu

objetivo?

15. Sugere alguma outra alternativa?

16. Existe registro do percurso dos alunos, portfólios ou outra maneira de acompanhar a parte

pedagógica dos alunos?

17. Imagine que exista a possibilidade de mudar radicalmente a escola dentro da prisão: o

espaço, os móveis, o material... Como seria essa mudança pra você? Descreva.