CASO CLÍNICO REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS … · verificando-se uma maior percentagem de casos...

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151 CASO CLÍNICO REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Resumo: Na literatura científica existem alguns trabalhos que documentam os efeitos nocivos de Thaumetopoea pityocampa, processionária do pinheiro, nesta espécie vegetal e no Homem. No entanto, os artigos sobre este tema em Medicina Veterinária são escassos. Neste trabalho descrevemos cinco casos clínicos de intoxicação por Thaumetopoea pityocampa em pequenos animais e relacionamo-los com o ciclo de vida do insecto na região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Palavras chave: Thaumetopoea pityocampa, cão, intoxicação, processionária do pinheiro Abstract: There are several scientific papers describing the harmful effects of Thaumetopoea pityocampa in man and pines. However, papers about the effects of pine processionary in dogs are uncommon. The aim of this paper is to analyze the biological cycle of caterpillar with clinical signs observed in five cases pre- sented to the Veterinary Hospital at Universtity of Trás-os-Montes and Alto Douro. Key Words: Thaumetopoea pityocampa, dog, pine processionary caterpillar, poison Introdução Os animais domésticos, e em especial o cão, são muito curiosos, sendo frequentemente vítimas do seu comportamento. Nas suas incursões farejam e cheiram espécies animais possuidoras de propriedades tóxicas, como é o caso de insectos, serpentes, sapos, processio- nárias, entre outros (Poisson et al., 1994; Bernal et al., 2000). A processionária do pinheiro, designada também como lagarta do pinheiro, é denominada pelo nome científico de Thaumetopoea pityocampa, pertence à ordem lepidóptera, à família Thaumatopoidea e ao género Thaumetopoea. Esta espécie, conhecida desde a antiguidade, começou a ser estudada com o objectivo de melhor compreender o seu papel devastador na floresta. Considera-se hoje que, após os incêndios florestais, é a praga mais destrutiva para o pinheiro (Contreras e Figueroa, 1997). Thaumetopoea pityocampa é uma espécie mediterrâ- nea que se distribui pela Península Ibérica estendendo- se à Turquia e ao Norte de África. As espécies animais susceptíveis de serem afectadas na fauna selvagem são as raposas, as ginetas e os texugos, e nos animais domésticos os cavalos, as ovelhas, as aves, os suínos, o cão e o gato (Lorgue et al., 1996; Contreras e Figueroa, 1997). O ciclo de vida da processionária do pinheiro (Figura 1) inclui duas fases que decorrem em estratos diferen- tes do ecossistema florestal. A fase aérea na copa do hospedeiro, inclui a postura e o desenvolvimento larvar e a fase subterrânea a pré- pupação, pupação e desen- volvimento do adulto. A passagem de uma fase à outra verifica-se entre Fevereiro e Maio com a migração colectiva das lagartas, que abandonam o hospedeiro em procissão (Figura 2) para se enterrarem no solo a alguns centímetros de profundidade. A fase aérea inicia-se em Junho prolongando-se até Agosto com a emergência dos adultos e posterior aca- salamento. As fêmeas, depois de fecundadas procuram o local mais adequado para a postura (Arnaldo, 1997). Em meados de Setembro, e uma vez completo o desenvolvimento embrionário, nascem as lagartas. Decorrido o primeiro estádio de desenvolvimento, as lagartas sofrem a primeira muda. Nesta fase, as lagartas apresentam pêlos brancos na região lateral e alaranjados na região dorsal, destacando-se já peque- nas manchas negras em cada segmento, que corres- pondem aos receptáculos dos futuros pêlos urticantes. A duração deste estádio é de cerca de quinze a vinte dias, após o que as lagartas sofrem a segunda muda (Arnaldo et al., 1999). A partir do terceiro estádio, as lagartas tecem ninhos definitivos onde se agrupam grande número de indivíduos provenientes de várias posturas (Demolin, 1965). A estrutura destes ninhos permite a acumulação do calor necessário à sobrevi- vência das colónias durante o Inverno (Figura 3). As Cinco casos clínicos de intoxicação por contacto com a larva Thaumetopoea pityocampa em cães Report of poison in five dogs after contact with Thaumetopoea pityocampa P. Oliveira 1* , P. S. Arnaldo 2 , M. Araújo 3 , M. Ginja 1 , A. P. Sousa 1 , O. Almeida 1 e A. Colaço 1 1 CECAV- Departamento de Patologia e Clínicas Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000-911 Vila Real-Portugal 2 Departemento de Protecção de Plantas, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000-911 Vila Real-Portugal 3 Laboratório de Farmacologia, Departamento de Imunofisiologia e Farmacologia, ICBAS, Universidade do Porto, Largo Professor Abel Salazar, nº.2, 4099-003 Porto-Portugal * Correspondente: [email protected] Tel. 259350632, Fax. 259350480

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CASO CLÍNICO R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Resumo: Na literatura científica existem alguns trabalhos que documentam os efeitos nocivos de Thaumetopoea pityocampa, processionária do pinheiro, nesta espécie vegetal e no Homem. No entanto, os artigos sobre este tema em Medicina Veterinária são escassos. Neste trabalho descrevemos cinco casos clínicos de intoxicação por Thaumetopoea pityocampa em pequenos animais e relacionamo-los com o ciclo de vida do insecto na região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Palavras chave: Thaumetopoea pityocampa, cão, intoxicação, processionária do pinheiro

Abstract: There are several scientific papers describing the harmful effects of Thaumetopoea pityocampa in man and pines. However, papers about the effects of pine processionary in dogs are uncommon. The aim of this paper is to analyze the biological cycle of caterpillar with clinical signs observed in five cases pre-sented to the Veterinary Hospital at Universtity of Trás-os-Montes and Alto Douro.Key Words: Thaumetopoea pityocampa, dog, pine processionary caterpillar, poison

Introdução

Os animais domésticos, e em especial o cão, são muito curiosos, sendo frequentemente vítimas do seu comportamento. Nas suas incursões farejam e cheiram espécies animais possuidoras de propriedades tóxicas, como é o caso de insectos, serpentes, sapos, processio-nárias, entre outros (Poisson et al., 1994; Bernal et al., 2000).

A processionária do pinheiro, designada também como lagarta do pinheiro, é denominada pelo nome científico de Thaumetopoea pityocampa, pertence à ordem lepidóptera, à família Thaumatopoidea e ao género Thaumetopoea. Esta espécie, conhecida desde a antiguidade, começou a ser estudada com o objectivo de melhor compreender o seu papel devastador na floresta. Considera-se hoje que, após os incêndios florestais, é

a praga mais destrutiva para o pinheiro (Contreras e Figueroa, 1997).

Thaumetopoea pityocampa é uma espécie mediterrâ-nea que se distribui pela Península Ibérica estendendo-se à Turquia e ao Norte de África. As espécies animais susceptíveis de serem afectadas na fauna selvagem são as raposas, as ginetas e os texugos, e nos animais domésticos os cavalos, as ovelhas, as aves, os suínos, o cão e o gato (Lorgue et al., 1996; Contreras e Figueroa, 1997).

O ciclo de vida da processionária do pinheiro (Figura 1) inclui duas fases que decorrem em estratos diferen-tes do ecossistema florestal. A fase aérea na copa do hospedeiro, inclui a postura e o desenvolvimento larvar e a fase subterrânea a pré- pupação, pupação e desen-volvimento do adulto. A passagem de uma fase à outra verifica-se entre Fevereiro e Maio com a migração colectiva das lagartas, que abandonam o hospedeiro em procissão (Figura 2) para se enterrarem no solo a alguns centímetros de profundidade.

A fase aérea inicia-se em Junho prolongando-se até Agosto com a emergência dos adultos e posterior aca-salamento. As fêmeas, depois de fecundadas procuram o local mais adequado para a postura (Arnaldo, 1997).

Em meados de Setembro, e uma vez completo o desenvolvimento embrionário, nascem as lagartas. Decorrido o primeiro estádio de desenvolvimento, as lagartas sofrem a primeira muda. Nesta fase, as lagartas apresentam pêlos brancos na região lateral e alaranjados na região dorsal, destacando-se já peque-nas manchas negras em cada segmento, que corres-pondem aos receptáculos dos futuros pêlos urticantes. A duração deste estádio é de cerca de quinze a vinte dias, após o que as lagartas sofrem a segunda muda (Arnaldo et al., 1999). A partir do terceiro estádio, as lagartas tecem ninhos definitivos onde se agrupam grande número de indivíduos provenientes de várias posturas (Demolin, 1965). A estrutura destes ninhos permite a acumulação do calor necessário à sobrevi-vência das colónias durante o Inverno (Figura 3). As

Cinco casos clínicos de intoxicação por contacto com a larva Thaumetopoea pityocampa em cães

Report of poison in five dogs after contact with Thaumetopoea pityocampa

P. Oliveira1*, P. S. Arnaldo2, M. Araújo3, M. Ginja1, A. P. Sousa1, O. Almeida1 e A. Colaço1

1CECAV- Departamento de Patologia e Clínicas Veterinárias, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000-911 Vila Real-Portugal2Departemento de Protecção de Plantas, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000-911 Vila Real-Portugal

3Laboratório de Farmacologia, Departamento de Imunofisiologia e Farmacologia, ICBAS, Universidade do Porto, Largo Professor Abel Salazar, nº.2, 4099-003 Porto-Portugal

* Correspondente: [email protected] Tel. 259350632, Fax. 259350480

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lagartas abandonam os ninhos a partir do crepúsculo para se alimentarem durante a noite, ficando presas por um fio sedoso que lhes permite regressaram ao ninho (Arnaldo et al., 1999). Nestes dois últimos está-dios do desenvolvimento, o aparelho defensivo das lagartas, perante a actuação de predadores naturais, está completamente formado e é composto por oito receptáculos localizados entre o primeiro e o oitavo segmentos abdominais, cada um dos quais compreende aproximadamente 120000 pêlos urticantes de coloração alaranjada e com propriedades urticantes (Lamy et al., 1985; Contreras e Figueroa, 1997). Quando a lagarta se move os receptáculos abrem-se, libertando milhares de pêlos que se dispersam no ambiente. Os pêlos retêm no seu interior uma haloproteína, cujo peso molecular é de 28000 daltons, designada de taumatopoína, e que é capaz de desencadear a libertação na pele e mucosas, de histamina, acetilcolina ou proteínas (Lamy et al., 1985; Pineau e Romanoff; 1995; Veja et al., 1999; Miranda et al., 2001).

As lagartas terminam o desenvolvimento larvar e ini-ciam a procissão em busca de um local para puparem. A procissão de enterramento é normalmente encabe-çada por uma fêmea (Demolin, 1962; Bertucci; 1983; Dajoz, 1991). A procissão de pupação pode prolongar-se durante vários dias com protecções provisórias noc-turnas ou perante condições atmosféricas desfavoráveis (Pinto et al., 1998).

A intoxicação por contacto com esta espécie assume

um carácter sazonal, dependente do clima da região, verificando-se uma maior percentagem de casos durante a Primavera e Verão. No cão a parte do corpo mais afec-tada é a cabeça, em especial os lábios, a mucosa oral e a língua. O diagnóstico desta intoxicação pode ser difícil, particularmente nos casos em que não estão disponíveis informações sobre os antecedentes da exposição.

Casos clínicos

O presente trabalho descreve cinco casos clínicos observados no Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Estes animais pertenciam a vários proprietários residentes em freguesias distintas do concelho de Vila Real. Em comum os cinco casos clínicos têm o passeio por pinhais e o aparecimento súbito e violento dos sinais clínicos. Os proprietários quando questionados referiam que residiam em locais próximos de pinhais e que na zona existiam numerosos ninhos de processionárias. No quadro 1 descrevem-se a anamnese, os sinais clínicos (apenas os parâmetros alterados), os exames complementares, o tratamento e a evolução, de cada um dos casos. As figuras 4, 5, 6 e 7 documentam os casos clínicos por nós observados.

O diagnóstico de envenenamento pela processionária foi realizado através da interpretação dos dados obtidos da anamnese detalhada e dos sinais clínicos observados. O caso clínico número 5 foi alvo de uma análise exaus-

Figura 1 – Ciclo de vida da processionária.

Figura 3 – Ninho de processionárias.Figura 2 – Lagartas de Thaumetopoea pytiocampa em procissão.

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tiva, porque os sinais clínicos apresentados pelo animal eram compatíveis com outras intoxicações, mas perante a anamnese e os conhecimentos apresentados pelo pro-prietário admitimos tratar-se de um caso de intoxicação por contacto ocular com a larva da processionária.

A evolução destas situações depende da precocidade com que o tratamento é instaurado. A cadela do caso clínico número 1 não conseguia ingerir água ou ali-mento, foi-lhe aplicada uma sonda nasogástrica (Figura 9) e alimentada 4 vezes por dia com uma dieta comer-cial diluída em água. Quinze dias após o início do internamento caiu-lhe a língua, parte do lábio superior e a totalidade do lábio inferior (Figura 10). O proprie-tário optou pela eutanásia. No caso do Doberman após o internamento também lhe foi aplicada uma sonda nasogástrica, com regime alimentar idêntico. Devido ao prognóstico ser reservado, vinte e quatro horas após a sua admissão o proprietário optou por eutanasiar o

Quadro 1-Registo dos 5 casos clínicos observados.

Caso clínico 1 2 3 4 5

Sexo Fêmea Macho Fêmea Macho Fêmea

Raça Indeterminada Husky Siberiano Indeterminada Doberman Retrivier do Labarador

Idade 1 ano 2 anos 1 ano 4 meses 2 anos

Anamnese 3 dias de evolução, abatimento, incapaci-dade de abeberamento.

12 horas de evolução, abatimento e incapaci-dade de abeberamento.

1 dia de evolução, abatimento e inca-pacidade de abebe-ramento.

2 dias de evolução, abatimento e incapaci-dade de abeberamento.

< 6 horas após o con-tacto

Sinais clínicos Face edemaciada, macroglossia, língua com coloração azul, glossite, edema sublin-gual, úlceras focais na língua, estomatite e vómitos (Figura 4). Intenso prurido facial, hipertrofia dos gânglios submandibulares.

Intenso prurido facial, ulceração da língua (Figura 5). Hipertrofia dos gânglios submandi-bulares.

Edema da face, salivação intensa. Intenso prurido facial, hipertrofia dos gânglios sub-mandibulares e vómitos.

Edema da face, macroglossia, edema sublingual, língua com coloração azul, pros-tração (Figuras 6 e 7). Intenso prurido facial, hipertrofia dos gânglios submandibulares.

Intenso prurido facial, edema generalizado da córnea (Figura 8), epí-fora, blefaroespasmo, fotofobia, prurido ocular moderado.

Exames com-plementares

Hematologia e bioquí-mica normal

Hematologia e bioquí-mica normal

Hematologia e bio-química normal

Hematologia e bioquí-mica normal

Teste da fluoresceína normal, pressão intrao-cular 8 mm de Hg.

Tratamento Lavagens cutâneas com soro fisiológico, succinato de metilpred-nisolona (1 mg/Kg, BID, IM), cefradina (40 mg/Kg, TID, IV), prometazina (1 mg/Kg, BID, SC), espiramicina (10 mg/Kg, BID, SC), metoclopramida (1 mg/Kg, infusão contínua).

Lavagens cutâneas com soro fisiológico, succinato de metilpred-nisolona (1 mg/Kg, BID, IM), cefradina (40 mg/Kg, TID, IV), pro-metazina (1 mg/Kg, BID, SC), espiramicina (10 mg/Kg, BID, SC).

Lavagens cutâneas com soro fisioló-gico, succinato de metilprednisolona (1 mg/Kg, BID, IM), cefradina (40 mg/Kg, TID, IV), prometazina (1 mg/Kg, BID, SC), espiramicina (10 mg/Kg, BID, SC), metoclopramida (1 mg/Kg, infusão contínua).

Lavagens cutâneas com soro fisiológico, succinato de metilpred-nisolona (1 mg/Kg, BID, IM), cefradina (40 mg/Kg, TID, IV), prometazina (1 mg/Kg, BID, SC), espiramicina (10 mg/Kg, BID, SC).

Colírio oftálmico com fosfato de dexa-metasona a 0,1%, QID, 1 gota. Sulfato de neomicina a 0,5% em asscociação com sulfato de polimixina B, 1 gota QID. 1 gota de atropina a 1%, BID, durante 2 dias.

Evolução Queda da língua, parte do lábio superior, tota-lidade do lábio inferior. Eutanasiado.

Perda dos bordos linguais e parte da região apical da língua.

Perda de um dos bordos laterais da língua.

Eutanasiado Recuperação completa.

Legenda: BID- de 12 em 12 horas; TID- de 8 em 8 horas; QID- de 6 em 6 horas; IM- intramuscular; SC- subcutânea; IV- intavenosa.

animal. Os restantes recuperaram, tendo no entanto os animais dos casos número 2 e 3 perdido parte da língua, por necrose irregular do seu bordo (Figuras 11 e 12).

Discussão

A principal via de contacto dos animais domésticos com a processionária é na maioria dos casos cutânea, podendo ser também digestiva e ocular (Arditti et al., 1988). Os pêlos das processionárias funcionam como finas agulhas, através das quais a taumatopoína é injec-tada na pele ou mucosas (Lorgue et al., 1996). Não sendo por isto fundamental um contacto directo entre a larva e o animal para este último ser afectado (Contre-ras e Figueroa, 1997).

Tal como nós observámos, e é referido na biblio-grafia, os sinais clínicos e lesões desta doença têm um

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carácter evolutivo. Podem ser classificados em locais e sistémicos. Na sintomatologia local a língua é o órgão mais afectado, aumenta de volume, torna-se azulada e com a evolução surgem áreas de necrose podendo ocorrer, no local de contacto, perda dos tecidos num período de 6 a 10 dias. A glossite e a estomatite desen-cadeiam um quadro clínico de disfagia com ptialismo (Arditti et al., 1988; Pineau e Romanoff, 1995). Por vezes, observam-se sinais oculares, como conjuntivite e queratite ulcerativa, ou sinais cutâneos como o edema facial, a urticária e o prurido facial intenso (Bernal et al., 2000). Do contacto da processionária com a laringe ou a mucosa nasal podem ocorrer, tosse, dificuldades respiratórias e asfixia por edema (Contreras e Figueroa, 1997). O proprietário e o Médico Veterinário podem apresentar um intenso prurido nas mãos e braços como consequência da manipulação dos animais (Pineau e Romanoff, 1995).

Os sinais clínicos sistémicos são mais raros, porém possíveis, existindo relatos de choques anafiláticos, tremores musculares, coma e mesmo morte do animal (Contreras e Figueroa, 1997). Observámos dois casos clínicos com vómitos, Grundmann et al. (2000) referem a possibilidade de surgirem outros transtornos gastrin-testinais nomeadamente a diarreia.

Nas aves pode ocorrer uma enterite grave após a ingestão de processionárias, enquanto que no cavalo podem observar-se erosões alongadas na mucosa oral, cólicas e agitação que evolui para agressão, seguido de um intenso prurido na região do dorso (Lorgue et al., 1996).

No Homem são as crianças as mais afectadas, em especial os rapazes, pela sua curiosidade em explora-rem ambientes desconhecidos e treparem às árvores. As afecções por ingestão são raras (Pineau e Romanoff, 1995). O quadro clínico começa por prurido intenso

evoluindo rapidamente para uma dermatite, também podem surgir conjuntivite, queratite e uveíte. Se os pul-mões estão afectados surgem dificuldades respiratórias que evoluem para asma (Ducombs, et al., 1981; Pineau e Romanoff, 1995).

O edema, secundário a reacção anafiláctica, e a urti-cária são comuns a várias patologias, é difícil reconhe-cer a etiologia precisa destes sinais clínicos, sendo por isto importante estabelecer diagnósticos diferenciais (Bernal et al., 2000). Os diagnósticos diferenciais do quadro clínico de intoxicação por contacto com a processionária incluem reacções de hipersensibilidade provocadas pela ingestão de alimentos, aditivos alimen-tares, medicamentos, soros, parasitas gastrintestinais, mordidelas de serpentes, picadelas de insectos e aracní-deos ou inalação de alergenos, afecção dentária, corpos estranhos, bem como a suspeita de intoxicação química (Blanchard, 1994). O edema característico destas pato-logias afecta os lábios, o focinho, as pálpebras e as orelhas, surgindo também pápulas urticantes espalhadas pela cabeça pescoço e tronco. Nestas circunstâncias a língua não é atingida. Nas mordeduras por serpentes e picadas por insectos heminópteros, as reacções de hipersensibilidade localizam-se apenas no local de ino-culação do veneno (Poisson et al., 1994).

Recomenda-se o tratamento sintomático. A primeira medida terapêutica consiste na lavagem cutânea abun-dante da zona afectada, por pulverização, com soro fisiológico ou água de javel a 1%, com o objectivo de eliminar os pêlos da processionária que não estejam encravados na pele e/ou mucosas. A região afectada não deve ser friccionada, para evitar a ruptura dos pêlos e a libertação da taumatopoína (Pineau e Romanoff, 1995). No combate à hipersensibilidade aguda deve aplicar-se de imediato um tratamento de urgência à base de corticosteróides (dexametasona) por via endovenosa

Figura 5 - Caso clínico n.º 2, observar as úlce-ras linguais e o edema sublingual.

Figura 6 - Caso clínico n.º 4, observar o edema da face.

Figura 7 - Caso clínico n.º 4, observar o edema da língua e a coloração azul da língua.

Figura 8 - Edema da córnea secundário a uveíte, caso clínico número 5.

Figura 9 - Caso clínico n.º1 entubação naso-gástrica.

Figura 4 - Caso clínico n.º 1, observar o edema da face, macroglossia e coloração azulada da língua.

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e anti-histamínicos (prometazina) por via subcutânea. Os antibióticos são úteis na prevenção das infecções secundárias (Poisson et al., 1994; Grundmann et al., 2000). Para o tratamento das lesões oculares os dife-rentes autores seguem o protocolo terapêutico por nós utilizado (Quadro 1).

A sedação ligeira é aconselhada para combater a dor intensa e nos casos com transtornos gastrintestinais, vómitos e diarreia, recomenda-se a administração de metoclopramida (Grundman et al., 2000). Poisson et al. (1994) e Bernal et al. (2000) aconselham a admi-nistração de aprotinina, substância activa inibidora das enzimas proteolíticas, com efeito antifibrinolítico, que actua sobre os mediadores plasmáticos da inflamação (plasmina e calicreína). Bernal et al. (2000) utilizaram e obtiveram resultados satisfatórios com a administração intralingual de heparina, 200 a 500 UI/Kg de oito em oito horas, para controlar a evolução da glossite necró-tica da ponta da língua, desencadeada pelos microen-fartes. No caso das glossites superficiais uma plastia da língua pode ser utilizada com o objectivo de corrigir, pela cirurgia, os defeitos linguais e facilitar a ingestão de água e alimento (Grundman et al., 2000).

Os animais debilitados, com dificuldade na preensão dos alimentos ou na ingestão de água, devem ser inter-nados para realizar fluidoterapia e normalizar a função renal. Em circunstâncias especiais pode ser necessário alimentar o animal através de uma sonda gástrica ou nasogástrica. A duração do tratamento depende do estado geral do animal, normalmente os animais recu-peram até aos 10 dias.

O prognóstico é reservado, apesar da maioria dos casos apresentar uma evolução favorável (Poisson et al., 1994). Contudo, depende do grau de afecção e da pre-cocidade com que o tratamento inicial é instaurado. De acordo com Bernal et al. (2000), os animais com sinais clínicos de urticária e edema recuperam num período de 24 horas, no entanto nos que apresentam estomatite e glossite a recuperação demora cerca de 3 dias. Nos casos em que o contacto lingual com a processionária é intenso está referido por vários autores que pode ocorrer necrose de uma porção, mais ou menos extensa (Poisson et al., 1994; Lorgue et al., 1996; Bernal et al., 2000). Dos casos clínicos por nós acompanhados obser-vámos que os animais com pior evolução foram aqueles cujo tempo compreendido entre a intervenção médica e o contacto com a larva da processionária era igual ou superior a 2 dias. Nenhum dos cães morreu na sequên-

cia do contacto com a processionária, dois proprietários optaram pela eutanásia, porque as lesões resultantes do contacto com este insecto punham em causa a quali-dade de vida dos animais.

Durante a fase de procissão das larvas deve impedir-se que os cães tenham livre acesso aos pinhais onde existam ninhos de processionárias. Na fase de larva, especialmente antes da segunda muda, as processio-nárias são sensíveis a insecticidas. As fumigações com triclorfon a 5% ou piretrinas são eficazes (Bernal et al., 2000). Nas zonas endémicas para destruir a processio-nária recomenda-se a utilização de diflubenzuron como antiquinizante (Poisson et al., 1994). Os ninhos podem destruir-se com injecções de petróleo ou de insectici-das, ou por queimadas (Bernal et al., 2000).

Em Portugal não existem registos epidemiológicos sobre o número de animais afectados anualmente pela processionária, mas estudos realizados em França demonstram que a processionária do pinheiro é a prin-cipal causa de envenenamento dos animais domésticos. Em Trás-os-Montes, a processionária do pinheiro, representa uma ameaça para a saúde humana e animal entre Fevereiro e Maio. De referir que, para além do contacto directo com as lagartas, também o manusea-mento dos ninhos pode ser perigoso, uma vez que estes se encontram recheados de excrementos e de pêlos que ao serem transportados pelo vento, contaminam o ambiente e em contacto com a pele ou com as mucosas originam reacções alérgicas.

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Figura 10 - Queda do lábio superior e inferior, animal do caso clínico n.º 1.

Figura 11 - Necrose e perda de porção rostral da língua no, Husky siberiano, caso n.º 2.

Figura 12 - Perda do bordo lateral da língua, caso clínico n.º 3.

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