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CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011 1 Operação Urbana Faria Lima: utilização dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs) como forma de financiamento de Projetos de Infraestrutura Urbana 1 Narrativa 1. FARIA LIMA O Município de São Paulo possui vários locais de destaque, cuja importância decorre tanto de suas características culturais quanto das suas características econômicas. Durante muitos anos o cruzamento das “Avenidas Ipiranga e São João”, seja pela letra de Caetano Veloso 2 , seja pela importância cultural 3 , foi o local mais famoso de São Paulo. Contudo, o tempo passou, a cidade se transformou e hoje, o cruzamento, imortalizado nos versos do cantor baiano, já possui ares de decadência 4 . Outro notório ponto de referência no Município é a avenida Paulista. Repleta de sedes de empresas, bancos, consulados, hotéis, a avenida abriga, além de uma vida econômica intensa, uma vida cultural repleta de acontecimentos, visto que é o endereço do MASP, do Instituto Pasteur e do Colégio São Luís. Com o passar dos anos, estes espaços vêm perdendo importância para outros setores da cidade. Graças a projetos de renovação e reinvenção urbana, marcados por elevados investimentos públicos e privados, estão a surgir áreas privilegiadas antes não exploradas. Um destes novos setores é conhecido como “Faria Lima”. Este local talvez seja hoje a região mais valorizada de São Paulo e compreende a ligação das avenidas Brigadeiro Faria Lima e Pedroso de Moraes com as avenidas Presidente Juscelino Kubitschek, Hélio Pellegrino, dos Bandeirantes, Engenheiro Luís Carlos Berrini e Cidade Jardim. Há inclusive quem chame esta região de “Manhattan brasileira5 . Exageros – ou não – à parte, a alcunha acima mencionada deve-se, 1 Caso elaborado por Marina Michel de Macedo Martynychen em 2011 para a Casoteca DIREITO GV. Marina Michel de Macedo Martynychen é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduada em Direito Administrativo pelo Instituto Romeu Bacellar. Mestre, em Direito do Estado, pela Universidade Federal do Paraná. Professora de Direito Financeiro, Econômico e Estudo de Casos nas Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil. Atualmente, é advogada no escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados em Curitiba (PR). 2 A música de Caetano Veloso que, no ano de 1978, imortalizou São Paulo (Sampa): “Alguma coisa acontece no meu coração/ Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João/ É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi/Da dura poesia concreta de tuas esquinas/ Da deselegância discreta de tuas meninas”. 3 O cruzamento das avenidas começou a ganhar importância nos anos compreendidos entre 1938 e 1945. Neste período, grandes obras foram realizadas, de forma a permitir a construção de grandes edifícios e o trânsito de automóveis com amplas vias. Na década de 1960, a avenida São João passa a ter uma importância social, eis que vira o ponto da boemia paulista. Possui prédios históricos como o Edifício Martinelli. A avenida Ipiranga, por sua vez, é o endereço de prédios como o Edifício Itália. 4 Tais ares de decadência são sentidos apesar do processo de revitalização do local e a permanência de pontos de encontro dos amantes da música tais como o Bar Brahma ou ainda a Galeria do Rock. 5 D’Ambrosio, Daniela. Novo conceito dribla a falta de espaço. Valor on line.

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Operação Urbana Faria Lima: utilização dos Certific ados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs) como forma de financiamento de Projetos de Infraestrutura

Urbana 1 Narrativa 1. FARIA LIMA

O Município de São Paulo possui vários locais de destaque,

cuja importância decorre tanto de suas características culturais quanto das suas

características econômicas. Durante muitos anos o cruzamento das “Avenidas Ipiranga e

São João”, seja pela letra de Caetano Veloso2, seja pela importância cultural3, foi o local

mais famoso de São Paulo. Contudo, o tempo passou, a cidade se transformou e hoje, o

cruzamento, imortalizado nos versos do cantor baiano, já possui ares de decadência4. Outro

notório ponto de referência no Município é a avenida Paulista. Repleta de sedes de

empresas, bancos, consulados, hotéis, a avenida abriga, além de uma vida econômica

intensa, uma vida cultural repleta de acontecimentos, visto que é o endereço do MASP, do

Instituto Pasteur e do Colégio São Luís.

Com o passar dos anos, estes espaços vêm perdendo

importância para outros setores da cidade. Graças a projetos de renovação e reinvenção

urbana, marcados por elevados investimentos públicos e privados, estão a surgir áreas

privilegiadas antes não exploradas. Um destes novos setores é conhecido como “Faria

Lima”. Este local talvez seja hoje a região mais valorizada de São Paulo e compreende a

ligação das avenidas Brigadeiro Faria Lima e Pedroso de Moraes com as avenidas

Presidente Juscelino Kubitschek, Hélio Pellegrino, dos Bandeirantes, Engenheiro Luís

Carlos Berrini e Cidade Jardim. Há inclusive quem chame esta região de “Manhattan

brasileira”5. Exageros – ou não – à parte, a alcunha acima mencionada deve-se,

1 Caso elaborado por Marina Michel de Macedo Martynychen em 2011 para a Casoteca DIREITO GV. Marina Michel de Macedo Martynychen é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduada em Direito Administrativo pelo Instituto Romeu Bacellar. Mestre, em Direito do Estado, pela Universidade Federal do Paraná. Professora de Direito Financeiro, Econômico e Estudo de Casos nas Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil. Atualmente, é advogada no escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados em Curitiba (PR). 2 A música de Caetano Veloso que, no ano de 1978, imortalizou São Paulo (Sampa): “Alguma coisa acontece no meu coração/ Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João/ É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi/Da dura poesia concreta de tuas esquinas/ Da deselegância discreta de tuas meninas”. 3 O cruzamento das avenidas começou a ganhar importância nos anos compreendidos entre 1938 e 1945. Neste período, grandes obras foram realizadas, de forma a permitir a construção de grandes edifícios e o trânsito de automóveis com amplas vias. Na década de 1960, a avenida São João passa a ter uma importância social, eis que vira o ponto da boemia paulista. Possui prédios históricos como o Edifício Martinelli. A avenida Ipiranga, por sua vez, é o endereço de prédios como o Edifício Itália. 4 Tais ares de decadência são sentidos apesar do processo de revitalização do local e a permanência de pontos de encontro dos amantes da música tais como o Bar Brahma ou ainda a Galeria do Rock. 5 D’Ambrosio, Daniela. Novo conceito dribla a falta de espaço . Valor on line.

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basicamente, a três fatores indissociáveis, a seguir descritos.

O primeiro fator é a sofisticação dos projetos arquitetônicos.

Esta “sofisticação” deve-se tanto (i) à necessidade de se projetar uma nova imagem da

cidade de São Paulo ("city marketing"), a qual passa a ser vista como “global city”, na melhor

definição de Saskia Sassen6, bem como (ii) ao surgimento e à implementação do conceito

“mixed use” nos novos edifícios. Se, por um lado, os prédios corporativos existentes na

região da Faria Lima são construídos não por empresas que buscam imobilizar o seu capital

em um imóvel (em sua sede, por exemplo), mas por investidores, compondo o “o skyline do

novo eixo de negócios”7 brasileiro, os empreendimentos “mixed used” compreendem um

modelo já consagrado em Nova York e em outras cidades do mundo, que reúnem pequenas

residências e salas comerciais no mesmo endereço ou até mesmo na mesma torre8.

O segundo fator, talvez o mais chamativo, corresponde ao

valor do metro quadrado na região. Questiona-se: por que o preço do metro quadrado é tão

mais elevado do que em outros setores da cidade? Será que tal aumento deve-se tão

somente à sofisticação dos projetos arquitetônicos? Afinal, executivos bem remunerados

chegam a pagar mais de R$ 2 milhões (dois milhões de reais) por um loft com pouco mais

de 100 (cem) metros quadrados. Salienta-se que “nos últimos cinco anos, o preço médio do

metro quadrado na avenida Faria Lima subiu 188% em termos nominais e 46% já

descontando a inflação”9. Talvez, por esta razão, a área é o objeto de desejo de muitas

construtoras e incorporadoras. Por exemplo, um dos projetos que mais chama a atenção é o

edifício HORIZONTE JK, com 39 (trinta e nove) andares, 266 (duzentas e sessenta e seis)

unidades residenciais e 80 (oitenta) salas comerciais, a ser construído na Avenida Juscelino

Kubitschek, 1545, no Bairro Itaim10. Seguindo os padrões “mixed use”, este projeto é

empreendido por três empresas: Emoções Incorporadora11, AAM Incorporadora e, por fim, a

Toledo Ferrari Construtora e Incorporadora12. A comercialização será de responsabilidade

Data: 29/04/2011. Disponível em: http://www.valoronline.com.br/impresso/empresas/102/419551/novo-conceito-dribla-falta-de-espaco. Acesso em 30/04/2011. 6 SASSEN, Saskia. As cidades na economia mundial . (Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura). São Paulo: Studio Nobel, 1998. 7 FIX, Mariana. São Paulo Cidade Global: fundamentos financeiros de uma miragem . SP: Boitempo, 2007. p.23. 8 D’Ambrosio, Daniela. Op cit. 9 D’Ambrosio, Daniela. Op cit.. 10 Daniela D’Ambrosio esclarece que o JK não é o único empreendimento nestes moldes. Existem outros exemplos, tal como o “F.L.”. Trata-se de um projeto imobiliário, com um valor geral de vendas de R$ 250 (duzentos e cinquenta) milhões de reais de apartamentos que variam entre 30 (trinta) a 100 (cem) metros quadrados. Possui, ainda, salas comerciais de 50 (cinquenta) metros quadrados, que podem, em conjunto chegar a 1 mil metros quadrados (no caso de um andar inteiro). A faixa de preços é de R$ 12 (doze) a R$ 13 (treze) mil o metro quadrado residencial e de R$ 15 (quinze) a R$ 17 (dezessete) mil o comercial. A responsável é a STAN. A Gafisa foi a primeira a investir neste novo conceito. A um quarteirão da região mais nobre da Faria Lima lançou empreendimento a R$ 13 mil o metro quadrado. Foi um sucesso. A respeito das informações: D’Ambrosio, Daniela. Op cit.. 11 Nova empresa do Grupo RC, do cantor Roberto Carlos. 12 A Toledo foi fundada em 2000, é responsável, atualmente, pela construção

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da Lopes Consultoria de Imóveis. O valor ainda não foi divulgado, mas acredita-se que o

metro quadrado ficará entre R$ 17 (dezessete) mil e R$ 20 (vinte) mil reais. Apenas para se

ter uma noção dos valores investidos, estima-se que entre publicidade, estande e

apartamento decorado já foram gastos quase R$ 10 (dez) milhões de reais13. Assim, não

causa surpresa verificar que para consolidar este projeto, a incorporadora Toledo não

apenas adquiriu um terreno originalmente alugado para uma antiga concessionária de

carros, ampliando substancialmente a área do empreendimento, mas também se valeu da

utilização de um mecanismo inédito concebido pioneiramente pelo Município de São Paulo,

consubstanciado na compra de títulos mobiliários denominados CEPACs – Certificados de

Potencial Adicional de Construção, que representam o chamado “direito urbanístico

adicional”, para assim maximizar a utilização da sua área e regularizar sua situação diante

dos limites de zoneamento fixados no Plano Diretor do Município de São Paulo.

O terceiro fator do sucesso decorre da conformação jurídica

desta área urbana, que propiciou (a) um relevante rol de investimentos realizados no tocante

à infraestrutura, bem como (b) a alteração das possibilidades de utilização dos terrenos.

Com isso, incentivou-se o surgimento de novos empreendimentos imobiliários, na medida

em que quanto maior a possibilidade de exploração da área, maior o seu valor econômico,

ainda mais se esta estiver inserida em uma região repleta de infraestrutura e equipamentos

urbanos. Afinal, “no negócio imobiliário, a participação do insumo do terreno no total dos

custos é expressiva e, conforme o Coeficiente de Aproveitamento estabelecido pelo

Zoneamento no uso e ocupação do solo pelo Plano Diretor, poderá conduzir a indicadores

econômicos mais atrativos para o empreendimento ou mesmo permitir a prática de preços

mais competitivos”14.

Eis os três fatores que estão propiciando a alteração do perfil

da região da avenida Faria Lima em São Paulo. Mas, questiona-se: será que há uma ordem

entre referidos fatores ou são concomitantes? Ingenuidade encarar a alteração do perfil da

Faria Lima apenas como sendo meramente decorrente do “bom gosto dos arquitetos” ou,

ainda, da “contemporaneidade dos projetos”. Em verdade, o aumento do valor do metro

quadrado dos terrenos e a sofisticação dos projetos arquitetônicos decorrem essencialmente

da “valorização do espaço urbano ”, a qual depende, principalmente, de obras públicas. A

valorização de uma área em uma determinada cidade – a exemplo do que ocorre com a

região da Avenida Faria Lima em São Paulo – é decorrência direta da alteração do uso do

de 1,2 milhões de metros quadrados, seja de uso comercial ou residencial, todos de alto padrão, totalizando cerca de R$ 2,5 bilhões. Trata-se de uma das quinze maiores empreiteiras do Brasil). Extraído do site: http://www.dcset.com.br/leia.php?codigo=ultima. 13 Extraído do site: http://www.dcset.com.br/leia.php?codigo=ultima 14 SAVELLI, Alfredo. Subsídios para a implementação de parceria público privada (PPP) – Operações Urbanas Em São Paulo. Tese de Doutoramento, Dissertação Mestrado. USP, 2003, p. 2.

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imóvel urbano fixada por legislação específica (plano diretor e lei de zoneamento),

concomitante ao aumento de obras públicas realizadas pelo Estado.

No caso de São Paulo, o modelo adotado pelo Município para

propiciar e induzir tais mudanças foi o de “Operações Urbanas Consorciadas”, objeto do

item a seguir. Mas, antes de tratar propriamente da Operação, questiona-se: por que a

Empresa Municipal de Urbanização – EMURB escolheu a região da Faria Lima? Antes de

compreender tais motivos, torna-se necessário esclarecer que, quando se fala em Operação

Urbana Faria Lima, faz-se referência a quatro regiões15: Setor 1 – Pinheiros (que

compreende os Distritos Municipais de Pinheiros, Butantã e Morumbi, assim como as

Subprefeituras de Pinheiros e Butantã); Setor 2 – Faria Lima (que compreende o Distrito

Municipal de Pinheiros e Itaim Bibi e, desta forma, a Subprefeitura de Pinheiros); Setor 3 -

Helio Pellegrino (que engloba os Distritos Municipais de Itaim Bibi e Moema e a

Subprefeitura de Pinheiros e Vila Mariana) e Setor 4 – Olimpíadas (compreende o Distrito

Municipal de Itaim Bibi e a Subprefeitura de Pinheiros16).

Os fatores que levaram a municipalidade a eleger esta região

estão descritos no “Estudo de Viabilidade Econômica da Operação Urbana Faria Lima”.17

Neste documento, verifica-se que estudos realizados pela SEMPLA (Secretaria Municipal de

Planejamento), ao longo dos anos de 1991 e 2000, comprovaram que os três distritos –

Pinheiros, Itaim Bibi e mesmo Moema – haviam sofrido uma redução de moradores. Em

1991, Pinheiros possuía 78.644 habitantes, Itaim Bibi possuía 107.497 habitantes e Moema

possuía 77.340 habitantes. No ano de 2000, Pinheiros passou a ter 62.997 habitantes, Itaim

Bibi passou a ter 81.456 habitantes e Moema contava agora com 71.276 habitantes. Em

termos porcentuais, uma redução populacional de 19,8%, 24,2% e 7,8%, respectivamente.

Segundo a SEMPLA, os motivos desta redução seriam a substituição das edificações de

padrão horizontal de uso residencial por edifícios verticalizados comerciais e a

transformação do perfil sócio econômico da população18.

Esta redução do número de metros quadrados construídos no

âmbito horizontal (construção de imóveis de laje única) foi comprovada por levantamentos

estatísticos. No Distrito de Pinheiros, por exemplo, a construção vertical ganhou um

aumento de 688 mil metros quadrados, ou seja, um aumento de 132,82%, enquanto houve

uma redução de 170 mil metros quadrados de área horizontal. No Itaim Bibi, por sua vez,

15 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 43 - 48. 16 Uma observação deve ser feita a partir desses dados: é notório que os bairros de Pinheiros, Itaim Bibi e Moema, localizados na zona oeste, são os mais caros de São Paulo, possuindo a população com maior poder aquisitivo do Município. 17 Para mais informações a respeito do Estudo de Viabilidade Econômica: verificar o “Prospecto da Operação Urbana Faria Lima”- Anexo 01 . 18 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 43 - 48. 44.

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houve um aumento de 1.134.000 metros quadrados, ou seja, um acréscimo de 127,85% de

área vertical construída, ao passo que a área horizontal construída reduziu em 27,96%. Por

fim, em Moema, houve um aumento de 2.058.000 metros quadrados, o que representa

115,55%, ao passo que as construções horizontais reduziram em 15,55%19.

Outro dado considerado de extrema importância pela

municipalidade foi o aumento da área construída para o uso e comércio nesta região. Só o

Distrito de Itaim Bibi, por exemplo, absorveu 25% (vinte e cinco) por cento de toda a área

construída com fins de comércio e serviço, entre os anos de 1991 e 2000, no Município de

São Paulo. Em outras palavras: “a área construída para uso comercial e de serviços no

período entre 1991-2000 do distrito de Itaim Bibi teve um acréscimo de 90%, passando de

pouco mais de 2,2 milhões de m2 construídos para mais de 4,2 milhões de m2”20. Pinheiros,

por sua vez, obteve um incremento de 68,97% e Moema, 22,67% de área construída para

fins de serviço e comércio.

Por fim, o último dado utilizado como fundamento para a

intervenção urbana diz respeito à renda da população. No ano de 2000, nestes três bairros,

verificou-se que a renda dos habitantes elevou-se entre 308% e 411% acima da média

municipal. Em termos absolutos, isto quer dizer que no Distrito de Pinheiros, entre os anos

de 1991 e 2000, a renda média do seu habitante aumentou de R$ 3.628,36 para R$

4.181,95, uma evolução de 15,26%. No de Itaim Bibi, aumentou de R$ 3.383,55 para R$

4.241,57, ou seja, um acréscimo de 25,36%. Por fim, em Moema, os habitantes aumentaram

a sua renda mensal de R$ 4.394,63 para R$ 5.576,78, ou seja, um aumento de 26,90%21.

Portanto, a partir da análise destes três dados é possível

concluir que: (a) referida área está sofrendo um processo de dinamização imobiliária, com a

redução da população e a elitização das construções, por meio de edifícios verticais; (b)

houve aumento, em termos absolutos, da renda da população. São esses os motivos pelos

quais o Município de São Paulo escolheu a região para a implementação de uma Operação

Urbana Consorciada. O raciocínio é lógico: a busca por solo criado, direito de construir, só

será realizado pelo particular em áreas de interesse econômico. Neste sentido, conclui-se

que a Operação Urbana só atingirá sucesso em áreas comercialmente atraentes.

Ocorre, contudo, que o processo de renovação urbana não é

tão simples. Ainda mais em São Paulo. Isto porque o relato acima não está completo. os

números e as estatísticas narradas permitem tratar a Avenida Faria Lima como um setor

econômico estratégico. Todavia, mencionados dígitos deixam de demonstrar que referido

setor estratégico está inserido no contexto econômico brasileiro, repleto de desigualdades e

19 Idem, fls. 44/45. 20 Idem, fls. 45. 21 Idem, fls. 46.

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contradições.

Em que pese todos os valores e obras acima mencionados,

não há como afirmar que a região da Faria Lima estaria “livre” de qualquer área de pobreza.

Não há como imaginar referido setor sem lembrar de duas regiões muito pobres: a Favela

do Coliseu e a Favela Parque Real. Para ilustrar este paradoxo, nada melhor do que

mencionar o fato de a favela do Coliseu estar localizada logo atrás da mais luxuosa loja de

departamentos do Brasil. Em uma mesma quadra, de um lado, há o maior templo de

consumo de luxo do Brasil, do outro, há um bolsão de pobreza. Trata-se de área com quase

cinco mil metros quadrados, em que vivem (ou sobrevivem) cerca de 300 famílias,

totalizando aproximadamente 1200 pessoas que estão neste local há pelo menos 20 anos,

em estado de extrema miséria. Segundo reportagem de O Globo, no ano de 2008, o metro

quadrado na favela era negociado por R$ 333,00 (trezentos e trinta e três reais). Isto é: um

barraco, de dois andares, de 21 metros quadrados era negociado a R$ 7 mil reais.22

Praticamente, segundo os dados da SEMPLA, o mesmo preço unitário do metro quadrado

na região já disponível para o mercado. Por que tanta diferença com os valores

anteriormente mencionados?

O Município, tentando reverter este quadro, previu, na

Operação Urbana Faria Lima, a remoção completa da Favela Coliseu ou Funchal e a

remoção parcial da Favela Real Parque. A remoção da Favela Coliseu dar-se-ia por meio da

construção de 480 moradias em um terreno a ser desapropriado do Jockey Clube de São

Paulo. Já a Urbanificação da Favela Real Parque ocorreria por meio da substituição dos

barracos existentes por 28 conjuntos habitacionais, em um total de 1.135 apartamentos,

com 55 metros quadrados cada, possuindo dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e área

de serviços, alem de quadras poliesportivas. Só os moradores cadastrados até 2008

poderiam usufruir desta obra. Os moradores mais novos seriam transferidos juntos com os

habitantes da Favela Coliseu.

Enquanto a remoção total da Favela Coliseu e parcial da

Favela Real Parque possuem previsão na Operação Urbana Faria Lima, com um custo de

aproximadamente R$ 14 milhões de reais, as obras de urbanificação da Real Parque

custarão aos cofres públicos R$ 140 milhões de reais. Detalhe: no tocante à obra da Favela

Real Parque não havia qualquer previsão nos prospectos e suplementos emitidos pelo

Município. Apenas no último relatório trimestral, aparece a seguinte nota: “HIS – Reserva de

Recurso – Favela Parque Real – Em execução”.

22 SEGALLA, Vinícius. Terreno de meio bilhão de reais compra 71 mil 'casas' em favela. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/seubolso/mat/2008/ 03/01/terreno_de_meio_bilhao_de_reais_compra_71_mil_casas_em_favela-426045588.asp . Acesso: 27/07/11.

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Por enquanto, no tocante ao problema da Favela Coliseu, o

Município de São Paulo realizou tão somente a licitação, tendo adjudicado o contrato para a

empresa Entemp Engenharia, Indústria e Comércio Ltda. Em verdade, de forma mais

pessimista, no último relatório trimestral da Operação Faria Lima23, a EMURB informa que

apesar do Município ter por 2 (duas) vezes captado dinheiro no mercado de capitais para

financiamento da construção das Habitações de Interesse Social que permitiriam a remoção

desta comunidade, a obra ainda está “em estudo”24. No tocante à Favela Real Parque, a

obra de urbanificação ganhou outro caminho (além de ostentar o status “reservas de

recurso”): o do Ministério Público. Representantes dos condomínios no entorno da favela

reclamam que o Município procedeu à desapropriação de mais duas áreas no valor total de

7,5 milhões de reais, com o que afirmam que tal agir aumentará a favela e possibilitará,

ainda, a aglomeração da pobreza25.

Nada mais perfeito que os versos de Caetano para expressar a

situação acima narrada: “Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas” e “Da força da grana

que ergue e destrói coisas belas”. Para entender um pouco mais o conflito acima

mencionado, parte-se para o estudo da chamada “Operação Urbana Faria Lima”, em

especial, do seu principal mecanismo de financiamento e captação de recursos no mercado

de capitais: o CEPAC – Certificado Potencial Adicional de Construção.

2. OPERAÇÃO FARIA LIMA

A Operação Urbana Consorciada Faria Lima é uma das quinze

Operações previstas no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei Municipal

n.º 13.430/2002), o qual, por sua vez, tem fundamento na Lei Orgânica Municipal. Como

exemplo de outras intervenções, pode-se fazer referência às operações Diagonal Sul,

Diagonal Norte, Carandiru/Vila Maria, Rio Verde/Jacu-Pêssego, Vila Leopoldina/Jaguaré,

Vila Sônia, Celso Garcia, Santo Amaro e Amador Bueno, além das quatro já existentes e

previstas em lei: Faria Lima, Água Branca, Centro e Água Espraiada.

A Operação Urbana Faria Lima foi apresentada pela primeira

vez por projeto da iniciativa privada, do escritório técnico Júlio Neves, na gestão Jânio

Quadros (1985/1988). Também era conhecido como “Boulevard Sul” e tinha como

fundamento o sistema do “land pooling”. A sua materialização, contudo, ocorreu apenas na

23 Anexo 02 . Instrução Normativa n. 401 da CVM. 24 Anexo 03. Relatório Trimestral – CVM 1 Trimestre de 2011. Para ter acesso aos demais relatórios, buscar em: http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/mercados/fundos/CEPACs/CEPAC-faria-lima.aspx?idioma=pt-br. 25 SALLES, Daniel. Revitalização da Favela Real Parque está em xeque. Site: http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao-2202/revitalizacao-da-favela-real-parque-esta-em-xeque. Acesso em 02/02/2011.

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década de 1990, com a Lei n.º 11.732/1995, aprovada na gestão Luíza Erundina. Foi

concebida com a função de criar um eixo alternativo à marginal Pinheiros, por meio de uma

política de adensamentos. Como forma de financiamento, houve a criação do modelo de

captação de recursos pela venda no mercado de capitais de títulos representativos de direito

adicional de construção chamados CEPACs –Certificado Potencial Adicional de Construção.

Contudo, em razão da influência das Operações Interligadas (cujo marco legal não previa os

CEPACs, mas tão somente a compra e venda de direito de construir, mediante pedidos

administrativos – a chamada “outorga onerosa”) e da inexistência de Lei Federal que

permitisse a emissão de valores mobiliários por Municípios, o CEPAC não foi utilizado. O

que ocorria, então, era que o particular que tivesse interesse no potencial adicional de

construção, protocolava pedido administrativo junto com o projeto e comprava o direito de

construir. Neste modelo, a operação Urbana Faria Lima arrecadou, até 31 de março de

2006, o montante de R$ 32.707.636,07 (trinta e dois milhões, setecentos e sete mil,

seiscentos e trinta e seis reais e sete centavos)26.

Os debates ao longo do processo de votação desta lei foram

intensos, com ampla participação da sociedade civil, conforme demonstrado por meio das

notas taquigráficas disponíveis na Câmara de Vereadores de São Paulo27. A aprovação da

lei foi bastante tumultuada. A população organizou-se em dois blocos distintos: Pinheiros

Vivo e Vila Olímpia. Os moradores da Vila Olímpia conseguiram a exclusão da área de seu

interesse, ou seja, a zona de uso predominantemente residencial, exceto uma faixa de 90

metros da avenida JK. Graças a esta atuação, vilas foram enquadradas como Z8-2000

(destinados à preservação) e imóveis na Faria Lima continuam a ter acesso livre à Avenida.

Mas não foi apenas a população que se mobilizou. A classe política agiu da mesma forma.

Contudo, o enfoque foi outro: os gastos com as desapropriações, utilizando dinheiro público,

realizadas ao longo do governo Maluf. Apesar de todas as discussões, o projeto foi

devidamente aprovado, tornando-se lei no ano de 1995.

Quando da sua aprovação no ano de 1995, a Operação

Urbana Faria Lima era dividida em duas grandes áreas: a primeira conhecida como “área

diretamente beneficiada” e a segunda como “área indiretamente beneficiada”. Na primeira

área, as contrapartidas financeiras à aquisição de direito adicional de construção eram

pagas em dinheiro, com base em equivalência do valor do CEPAC, cujos valores eram

aprovados pela Comissão Normativa de Legislação Urbana - CNLU. Na área indiretamente

beneficiada, a fixação do valor de aquisição de direitos adicionais de construção dependia

de laudos de avaliação, tanto da parte interessada como da Municipalidade. A ausência de

parâmetros objetivos e universalmente válidos, somado ainda à inexistência de leilões 26 Município de São Paulo. Prospecto da Operação Faria Lima. Fls. 11. 27 Anexo 04. Notas taquigráficas (discussões na Câmara de Vereadores).

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públicos para a venda destes direitos culminou em diversas denúncias de irregularidades,

sendo inclusive instaurada uma CPI na Câmara de Vereadores para apurá-las.

Esta divisão entre “área diretamente beneficiada” e “área

indiretamente beneficiada” deixou de existir com a edição da Lei n.º 13.769/2004,

posteriormente alterada pela Lei n.º 13.871/2005. Com isso, além de haver a

regulamentação de como seria o procedimento de precificação e alienação dos CEPACs,

houve ainda a divisão da Operação nos quatro setores acima mencionados: Setor Pinheiros,

Setor Faria Lima, Setor Helio Pellegrino e Setor Olimpíadas. Para cada um destes setores,

foi fixado um determinado coeficiente de aproveitamento28.

O perímetro total da Operação Urbana Faria Lima encerra

aproximadamente 450 hectares e situa-se na região sudoeste do Município de São Paulo.

Seu prazo de duração é 15 anos. Segundo o prospecto, a “Operação Urbana Consorciada

Faria Lima compreende um conjunto integrado de intervenções coordenadas pela prefeitura,

por intermédio da Empresa Municipal de Urbanização – EMURB, com participação de

proprietários, moradores, usuários e investidores em geral, visando à melhoria e a

valorização ambiental da área de influência definida em função da implantação do sistema

viário de interligação da Avenida Brigadeiro Faria Lima e a Avenida Pedroso Moraes com as

Avenidas Presidente Juscelino Kubitschek, Hélio Pellegrino, dos Bandeirantes, Engenheiros

Luís Carlos Berrini e Cidade Jardim”29.

O objetivo principal da Operação é atingir uma melhora no

sistema viário da região. Contudo, possui outros objetivos específicos (fls. 42/45), quais

sejam:

• Criar condições efetivas para que os investidores e proprietários de imóveis beneficiados com a implantação das Intervenções previstas forneçam os recursos necessários à sua viabilização, sem qualquer ônus para a municipalidade;

• Criar alternativas para que os proprietários de lote parcial ou totalmente atingidos por melhoramentos aprovados possam receber o valor justo de indenização, à vista e previamente e, ainda, para que possam, efetivamente, participar da valorização decorrente da concretização da Operação Urbana;

• Melhorar, na área objeto da Operação Urbana, a qualidade de vida de seus atuais e futuros moradores, inclusive de habitação subnormal, e de usuários, promovendo a valorização da paisagem urbana e a melhoria da infraestrutura e da qualidade ambiental;

• Incentivar o melhor aproveitamento dos imóveis, em particular dos não construídos ou subutilizados;

• Ampliar e articular os espaços de uso público, em particular os arborizados e destinados à circulação e bem-estar dos pedestres.

28 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008. 29 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 115.

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Já as diretrizes urbanísticas da Operação Urbana Consorciada

Faria Lima são:

• Complementação e integração do sistema viário existente na região com o

macro sistema de circulação da Zona Sul, de forma a possibilitar a distribuição adequada dos fluxos de tráfego gerados pela Ponte Bernardo Goldfarb, pelo túnel sob o Rio Pinheiros, pelos corredores de ônibus e, ainda, pela implantação dos projetos de transporte de massa, elaborados pelo Metrô e pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM, para atendimento dos usuários da região;

• Abertura de espaços de uso público, compatíveis com a dinâmica de desenvolvimento da região, dimensionados de forma a possibilitar a criação de áreas de lazer e de circulação segura para pedestres e de vias que permitam a priorização do transporte coletivo sobre o individual;

• Criação de condições ambientais diferenciadas para os novos espaços públicos obtidos, mediante a implantação de arborização, mobiliário urbano e comunicação visual adequados;

• Uso do solo das propriedades públicas ou privadas compatível com a conformação das novas quadras criadas pela implantação das melhorias viárias e de infraestrutura;

• Criação de condições para ampliação da oferta de habitações multifamiliares em áreas de melhor qualidade ambiental, de forma a possibilitar o atendimento do maior número de interessados;

• Estímulo ao remembramento de lotes de uma mesma quadra e ao adensamento, sem prejuízo da qualidade ambiental, respeitado o coeficiente de aproveitamento máximo de 4,0 (quatro);

• Interligação de quadras e de edificações dentro de uma mesma quadra mediante o uso dos espaços aéreo e subterrâneo inclusive dos logradouros públicos;

• Incentivo a usos diferenciados nas áreas contidas no perímetro da Operação Urbana, com ocupação do pavimento térreo para fins comerciais até o máximo de 70% (setenta por cento) da área do lote;

• Estímulo ao uso residencial em áreas específicas, com taxa de ocupação máxima de 70% (setenta por cento) da área do lote;

• Criação de áreas verdes, ciclovias e adoção de mecanismos que possibilitem a absorção e o escoamento das águas pluviais;

• Provisão de Habitação de Interesse Social, melhoramentos e reurbanização em locais definidos pelos órgãos competentes da municipalidade, destinada à população favelada residente na área da Operação Urbana e região do seu entorno;

• Atendimento da população residente em áreas objeto de desapropriação, interessada em continuar morando na região, através do financiamento para aquisição de habitações multifamiliares já construídas ou que venham a ser construídas com recursos da Operação Urbana;

• Ampliação das áreas de estacionamento destinadas aos usos comerciais e de serviços.

De todos os objetivos e diretrizes, chama a atenção a proposta

de “criar condições efetivas para que os investidores e proprietários de imóveis beneficiados

com a implantação das Intervenções previstas forneçam os recursos necessários à sua

viabilização, sem qualquer ônus para a municipalidade”. Percebe-se que, com tal objetivo, o

Município passa a se inserir no mercado imobiliário, procurando externalidades para a

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atração do capital privado. Ora, por que o Município deve se preocupar em atrair os

investidores para a região eleita pela Operação?

Conforme já foi mencionado, as Operações Urbanas são

financiadas a partir de um mecanismo extremamente interessante: o CEPAC (Certificado

Potencial Adicional de Construção). Estes nada mais são do que valores mobiliários,

disponibilizados no mercado de capitais pelo Município de São Paulo, por meio da EMURB,

representando os chamados “Direitos Urbanísticos Adicionais”. O Município, por meio de

textos legais, delimita o uso da propriedade urbana. A partir da definição de áreas de

Operações, o Município disponibiliza os chamados “Direitos Urbanísticos Adicionais”,

principalmente pela “Outorga Onerosa do Direito de Construir”, ou, em outras palavras,

“potencial construtivo”30. Com base nas receitas auferidas, o Município inicia as obras na

região da Operação. A lógica é simples: o particular que é beneficiado pelas obras de

infraestrutura deverá financiá-las previamente. Tal operação demonstra a possibilidade de

compartilhar os custos da urbanificação entre os particulares além de evitar que a mais valia

decorrente da valorização da propriedade fique tão-somente retida nas mãos do proprietário,

uma vez que o valor de uma propriedade está intimamente ligada ao coeficiente de

aproveitamento deste solo e à quantidade de equipamentos urbanos existente em sua

vizinhança31.

Portanto, quando se menciona que o Município deve realizar

todas as atividades necessárias para atrair investidores – leia-se, inclusive, iniciar obras de

forma a tornar o local mais atrativo – é com o intuito de financiar uma região. Tanto é que,

independente da aprovação dos CEPACs, o Município passou a bancar a Operação Faria

Lima (independente dos escassos recursos advindos da outorga onerosa), o que à época

gerou muito debate. questionava-se: qual é o verdadeiro fim da Operação Urbana? Para

responder esta resposta, uma análise bem interessante é verificar quais são as obras e qual

o custo de cada uma32.

30 Todo Município possui uma Lei de Zoneamento, que divide as regiões e estabelece a máxima metragem de construção. Após estudos urbanísticos, o Município opta por deixar tais limites flexíveis. Para tanto, contudo, o particular deverá pagar uma contrapartida. Eis aí, de forma simplificada, o que é o potencial construtivo. Em outras palavras: trata-se da diferença entre o coeficiente de aproveitamento do solo definido pela Lei de Zoneamento e por lei especial. 31 Por direitos urbanísticos adicionais, compreende-se que: “Os CEPAC são utilizados no pagamento dos Direitos Urbanísticos Adicionais outorgados onerosamente pela municipalidade. Cada CEPAC pode ser utilizado: (i) como área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a Operação Urbana Consorciada; (ii) como uso não previsto pela legislação ordinária de uso e ocupação do solo, respeitadas as determinações previstas na lei específica da Operação Urbana Consorciada; e (iii) como parâmetro urbanístico que supere as restrições impostas a cada zona pela lei de uso e ocupação do solo.” A respeito da matéria, verificar: Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008. fls. 30. 32 Cabe ao Grupo de Gestão da Operação Urbana Consorciada Faria Lima a definição do Plano de Prioridades para a implementação do Programa de Investimentos, bem como a aplicação dos recursos arrecadados nas Intervenções. Vale lembrar que cada Intervenção será objeto de Distribuição

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3. INTERVENÇÕES

Conforme anteriormente mencionado, a operação urbana foi

subdividida em quatro setores: (i) Setor Pinheiros; (ii) Setor Faria Lima; (iii) Setor Helio

Pellegrino e (iv) Setor Olimpíadas. Mais quais as características de cada região? Quais

obras foram realizadas? As respostas serão dadas por setores, conforme será abaixo

demonstrado.

O primeiro setor a ser estudado é o Setor Pinheiros . Esta área

é limitada pelas ruas Pedroso de Moraes, Cunha Gago, Baltazar Carrasco e Padre Carvalho

e avenida Prof. Frederico Herman Júnior. Trata-se da mais antiga e desorganizada

ocupação de São Paulo. Este local constituía-se de um caminho de passagem para o

interior da província – entre a Lapa e a Vila Clementino, pela via atual Fernão Dias, havia o

caminho da boiada, entre outros. À exceção das ruas Fernão Dias e Paes Leme, o espaço

urbano foi sendo ocupado sem qualquer ordenação, o que justifica o caos na região

(ausência de um sistema viário claro, principalmente, próximo ao largo da Batata), além da

existência de quadras em malhas descontínuas, com dimensões não uniformes, o que

prejudica o desenvolvimento homogêneo da área).

Após analisar o histórico da área, em especial, os dados

obtidos pela SEMPLA, colhidos entre os anos de 1991/2000, o Município de São Paulo, por

meio da EMURB, no tocante ao Setor Pinheiros, conclui que determinadas medidas

urbanísticas deveriam ser tomadas para a obtenção de melhoras na região:

“(a) o aumento de potencialidade incentivará a verticalização no setor; (b) aumento do número de lançamentos residenciais e comerciais na região

compreendida entre a Avenida Brigadeiro Faria Lima e a Marginal do Rio Pinheiros e incremento no valor de venda das unidades;

(c) A reurbanização do Largo da Batata, com a criação de novas vias de acesso, recuperação de espaços públicos e a criação de calçadões influenciarão de forma especial a valorização dos imóveis e contribuirá, de forma marcante, para a mudança de ocupação da região;

(d) A transferência do terminal de ônibus do Largo da Batata para as proximidades da Marginal Pinheiros e a criação de novas ligações viárias gerará maior movimentação nas ruas internas do setor e juntamente com a recuperação dos espaços públicos causarão o surgimento de uma nova área comercial. Destaca-se neste contexto a necessária recuperação do entorno da Rua Capri;

(e) A criação da Nova Praça de Pinheiros, que ampliará a perspectiva da igreja existente, configurará um novo espaço de uso público na área atualmente densamente ocupada, melhorando a qualidade de vida e impulsionando a valorização dos imóveis situados no seu entorno;

específica de CEPAC. A respeito da matéria, verificar: Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008.fls. 30.

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(f) Melhoria da “qualidade de vida” com o aumento de áreas verdes e a implantação do projeto de paisagismo ao longo da Avenida Brigadeiro Faria Lima;

(g) A conclusão das estações do Metrô (Largo da Batata e Pinheiros) inicialmente previstas para o ano de 2008, que será feita em parceria com o Governo do Estado de São Paulo, irá impulsionar o desenvolvimento da região, gerando em função da criação de maior facilidade de interligação com outras áreas da cidade, valorização imobiliária em todo o setor; e, por fim,

(h) A execução da passagem subterrânea nas Avenidas Rebouças/Eusébio Matoso sob a Avenida Brigadeiro Faria Lima reduziu o tempo de viagens de ônibus, fornecendo instalações para os usuários de transportes públicos, criando novo paisagismo e iluminação, gerando melhoria na qualidade de vida do entorno e valorizando os imóveis, melhorando ainda as condições de acesso, uma vez que desafogará o trânsito intenso”33.

A mera aprovação da lei, somada às primeiras ações

financiadas pelo antigo sistema de outorga onerosa34 deu causa a um aumento do valor do

metro quadrado nesta região. Constatou-se que “a valorização apresentada nos terrenos

localizados dentro do setor Pinheiros de 2004 até Março de 2007 foi de cerca de 48%, o que

representa aproximadamente 21,40% ao ano”. Em relação aos preços dos apartamentos, a

conclusão foi semelhante: “dentro do setor Pinheiros de 2.004 até março de 2007 foi de

cerca de 29,00% o que representa aproximadamente 13,00% ao ano”35.

O segundo setor a ser estudado é o Faria Lima . O Setor Faria

Lima engloba os distritos municipais de Pinheiros e Itaim Bibi e, consequentemente, a

subprefeitura de Pinheiros. Novamente, após a análise dos dados colhidos pela SEMPLA e

envolvendo a região, o Município concluiu que:

a) O aumento de potencialidade e os incentivos ao remembramento de lotes

incentivarão a já consolidada verticalização no setor; b) A possibilidade de mudança de uso acarretará valorização imobiliária nas

residências situadas nas proximidades da Avenida Brigadeiro Faria Lima; c) A construção da passagem em desnível nas Avenidas Rebouças e Eusébio

Matoso sob a Avenida Brigadeiro Faria Lima contribuiu para melhoria das condições de acesso, uma vez que desafogou parte do trânsito intenso;

d) A construção da passagem em desnível interligando a Avenida Cidade Jardim às Avenidas Europa e 9 de Julho, sob a Avenida Brigadeiro Faria Lima, eliminou um dos principais semáforos de retenção, contribuindo para melhoria das condições de acesso, desafogando parte do trânsito intenso;

e) A execução Boulevard JK, caso o mesmo venha a ser construído, dará continuidade ao rebaixamento da via expressa, interligando o Túnel Tribunal de Justiça com o encontro da Avenida Nações Unidas e, acarretará melhoria na

33 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 147. 34 Em 2003, antes mesmo do primeiro Leilão dos CEPACs, foram realizadas as seguintes ações: (i) elaborado o projeto básico; (ii) elaborada a planilha orçamentária; (iii) realizadas as desapropriações necessárias (em verdade, elaboração das plantas expropriatórias e acompanhamento dos processos judiciais); (iv) aprovada, perante a Câmara Municipal, a Lei de Melhoramentos; (v) elaborado o projeto geométrico 35 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 150.

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qualidade de vida através do processo de reurbanização e implantação de iluminação e novo mobiliário urbano36

Novamente, apenas com a divulgação do projeto, a aprovação

da Lei da Operação Urbana Faria Lima e, em especial, com algumas medidas tomadas ao

longo de 200337, houve uma rápida valorização do local: “a valorização apresentada nos

terrenos localizados dentro do setor Pinheiros de 2.004 até março de 2.007 foi de cerca de

48,00%, o que representa aproximadamente 21,40% ao ano38”. O mesmo pode ser dito em

relação aos apartamentos: “a valorização foi de 9,6%, o que representa cerca de 4,30% ao

ano”.

O terceiro setor envolve os distritos municipais de Itaim Bibi e

Moema e as subprefeituras de Pinheiros e Vila Mariana. Trata-se do setor Helio Pellegrino .

Apos análise dos dados da SEMPLA, a EMURB concluiu que:

a) O aumento de potencialidade e os incentivos ao remembramento de lotes incentivarão a verticalização no setor;

b) Os reflexos da construção da passagem em desnível interligando a Avenida Cidade Jardim às Avenidas Europa e 9 de Julho, sob a Avenida Brigadeiro Faria Lima, também serão sentidos através da valorização imobiliária que de forma mais acentuada ocorrerá nos empreendimentos comerciais.

c) A região também será beneficiada pelos reflexos da execução do Boulevard JK, que acarretará melhoria na qualidade de vida, através do processo de reurbanização e implantação de iluminação e novo mobiliário urbano;

d) A interligação da Avenida Brigadeiro Faria Lima à Avenida Eng. Luís Carlos Berrini com o prolongamento da Avenida Hélio Pellegrino e o alargamento da Rua Funchal consolidará a região como uma das áreas mais nobres do Município de São Paulo para a implantação de escritórios comerciais;

Da mesma forma que os setores Pinheiros e Faria Lima, a

Região Helio Pellegrino também teve um aumento de preços nos imóveis ali localizados: os

terrenos vagos tiveram uma valorização de 36,70% entre os anos de 2004 a 2007, o preço

médio dos apartamentos aumentou 9,50%39.

O último setor é o Olimpíadas , que envolve o distrito municipal

de Itaim Bibi e a subprefeitura de Pinheiros. O EMURB, a respeito desta área, concluiu que: 36 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls.148. 37 Medidas tomadas ao longo de 2003, graças, ainda, ao sistema das outorgas onerosas (Prospecto da Operação Urbana Faria Lima fls. 55/56): a) Análise do projeto Básico; (b) Licitação; (c) Planilha orçamentária; (d) Orçamento EMURB do empreendimento; (e) Análise das propostas; - Adjudicação / contratação – Empresa responsável = CBPO – 19/09/03; (f) Gerenciamento da obra: (g) Montagem da estrutura de campo; (h) Remanejamento de interferências; (i) Autorização para início das obras; (j) Instalação do canteiro de obras; (k) Licença ambiental; (l)Preparação do desvio; (m) Execução do projeto executivo: Canteiro; Geométrico; Desvio de Tráfego; Geotecnia; (n) Remanejamento de Interferências. 38 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 151. 39 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 152.

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a) O aumento de potencialidade e os incentivos ao remembramento de lotes incentivarão a verticalização no setor;

b) A execução do Boulevard JK, que dará continuidade ao rebaixamento da via expressa, interligando o Túnel Tribunal de Justiça com o encontro da Avenida Nações Unidas, acarretará melhoria na qualidade de vida através do processo de reurbanização e implantação de iluminação e novo mobiliário urbano;

c) A interligação da Avenida Brigadeiro Faria Lima à Avenida Eng. Luís Carlos Berrini com o prolongamento da Avenida Hélio Pellegrino e o alargamento da Rua Funchal consolidará a região como uma das áreas mais nobres do Município de São Paulo para a implantação de escritórios comerciais;

d) Através dessa interligação o trânsito na região será extremamente beneficiado, inclusive a sua ligação com a região sudoeste da cidade através do complexo de pontes sobre o Rio Pinheiros na altura da Avenida Jornalista Roberto Marinho.

Este setor também absorveu uma valorização expressiva

graças ao projeto de renovação urbana. Os seus terrenos tiveram seus valores aumentados

em torno de 15,90% ao passo que seus apartamentos aumentaram em cerca de 9,70% o

valor40.

Vários são os projetos de intervenção urbanística. O primeiro,

e, talvez mais importante (em razão do número de desapropriações envolvidas), é a

revitalização do largo da Batata, cujas ações resumem-se às seguintes: “(a) Construção do

Terminal de ônibus da Rua Capri; (b) Ligação das Ruas Baltazar Carrasco e Sumidouro; (c)

Alargamento da Rua Sumidouro e da Rua Eugênio de Medeiros; (d)Ligação Butantã – Costa

Carvalho; (e) Implantação de vias de circulação prioritária de pedestres, nas ruas Martim

Carrasco, Guaicuí, Campo Alegre e Manoel Carlos de Almeida e em trechos das ruas Pedro

Cristi e Cardeal Arcoverde, definindo passeios com arborização, enterramento de fiação

aérea, nova iluminação, e acesso controlado de veículos; (f) Construção da Esplanada

caracterizada como espaço referência do projeto; (g) Novo traçado da Avenida Faria Lima:

para a implantação da Esplanada; (h) Nova Praça Pinheiros”41.

Quando da publicação do Prospecto Suplementar da Primeira

Emissão dos CEPACs, foi divulgado que o total da emissão do referido valor mobiliário para

o financiamento de todas as obras seria de R$ 404.019.000,00 (quatrocentos e quatro

milhões, dezenove mil reais). Deste total, R$ 68.727.012,14 (sessenta e oito milhões,

setecentos e vinte e sete mil e doze reais e quatorze centavos) seriam destinados para a

“reconversão urbana do Largo da Batata”, sendo que R$ 67.008.261,89 (sessenta e sete

milhões, oito mil, duzentos e sessenta e um reais e oitenta e nove centavos) diziam respeito

40 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls.. 152. 41 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls.. 59.

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às obras42 e o restante, cerca de R$ 1.718.750,25 (hum milhão, setecentos e dezoito mil,

setecentos e cinquenta reais e vinte e cinco centavos) referiam-se a custos com

desapropriações43. Todo este recurso deveria ser obtido pela emissão de CEPACs. Tentou-

se a primeira emissão, mas não se obteve êxito. Sendo assim, insistiu-se em uma segunda

emissão44. Quando da emissão da terceira distribuição dos CEPACs havia apenas a

preocupação com o saldo remanescente da obra45.

O valor das desapropriações referente ao conjunto dos imóveis

que integram o melhoramento “Reconversão Urbana do Largo da Batata”, iniciadas e já

pagas, é de R$ 48.858.633,01 (quarenta e oito milhões, oitocentos e cinquenta e oito mil,

seiscentos e trinta e três reais e um centavos), das quais restam a pagar R$ 8.496.238,12

(oito milhões, quatrocentos e noventa e seis mil, duzentos e trinta e oito reais e doze

centavos). Portanto, o total a pagar referente às desapropriações do melhoramento

“Reconversão Urbana Largo da Batata” é de R$ 51.431.238,12 (cinquenta e um milhões,

quatrocentos e trinta e um mil, duzentos e trinta e oito reais e doze centavos), muito além do

anteriormente previsto. A obra tinha o prazo previsto de execução de 14 meses, contado da

primeira Ordem de Serviço, emitida em 01/08/2007. Contudo, segundo o ultimo relatório

trimestral (anexo 03), a obra ainda está em execução, o que confirma um grande atraso, o

que já havia sido objeto da auditoria por parte da CEF46.

Além da revitalização do Largo da Batata, outras três grandes

obras de infraestrutura estavam previstas e foram realizadas: (i) o cruzamento em desnível

das avenidas Faria Lima, Rebouças e Eusébio Matoso; (ii) o cruzamento em desnível das

Avenidas Faria Lima e Cidade Jardim e (iii) a construção do Boulevard JK.

A primeira intervenção urbanística acima mencionada - o

cruzamento em desnível das avenidas Faria Lima, Rebouças e Eusébio Matoso - prevê: (a)

a recuperação paisagística da avenida por meio do enterramento das redes de utilidade

pública; (b) a racionalização e implantação de nova iluminação, arborização e novo projeto

para a passarela existente; (c) ações para a adequação da avenida ao alto volume de

veículos e ajustes das condições de fluidez do tráfego e de conforto e segurança para os

42 Anexo 05. Primeiro Suplemento ao Prospecto da Operação Faria Lima. Para conhecer detalhes das obras, verificar contrato às fls. 230/247, assim como a descrição contida no primeiro suplemento – fls. 25. 43 Para tomar conhecimento das áreas desapropriadas, bem como aos valores de cada uma verificar os anexos 26,27,28 e 29 do 1 Suplemento, respectivamente às fls. 214, 218, 222 e 226. Já para ter conhecimento das obrigações contratadas no tocante à obra de “reconversão do Largo da Batata” verificar o contrato administrativo de n.º 0055301000, firmado com o Consórcio Pinheiros (anexo 30, fls. 130/247). Da mesma forma, verificar o conteúdo no 2 prospecto de complementação às fls. 33 até 81 (Anexo 06). 44 Anexo 06 . 2 Suplemento ao Prospecto da Operação Faria Lima . Há, inclusive,a repetição da descrição das obras as fls. 15 do prospecto. 45 Anexo 07. 3 Suplemento ao Prospecto da Operação Faria Lima – fls. 13. 46 Anexo 07. 3 Suplemento ao Prospecto da Operação Faria Lima –fls. 30/49.

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pedestres implicando na melhoria da infraestrutura47; d) reforço de pavimento, obras de

drenagem; e) ajustes de geometria junto às avenidas Eusébio Matoso / Faria Lima e rua

Rebouças48. O contrato para a realização da obra em desnível foi realizada com a

empreiteira Queiroz Galvão SA49.

A segunda obra, ou seja, o cruzamento em desnível das

Avenidas Faria Lima e Cidade Jardim, compreende as seguintes ações: (a) requalificação

urbana e reordenamento do tráfego nas imediações do cruzamento contemplando:

diminuição dos tempos de percurso e conflitos para os usuários das duas avenidas com

prioridade para o transporte coletivo através de adequações geométricas e da implantação

do programa Via Livre/CET; (b) melhoria, sobretudo, das condições de segurança e conforto

para os pedestres; (c) adequação paisagística do cruzamento, dando continuidade ao

projeto implantado ao longo de toda a avenida, iniciado em 200150. Após o devido processo

de licitação, as obras referentes à construção da passagem em desnível foram contratadas

com a empreiteira CBPO Engenharia Ltda51.

Por fim, a terceira obra é o denominado Boulevard JK. Trata-se

de projeto antigo (conhecido, anteriormente, como Boulevard I e II). Estudos demonstram

que as pessoas que utilizam a Avenida Juscelino Kubitschek possuem destino fora da área

da Operação Faria Lima, constituindo trânsito de passagem. Em síntese, a concepção do

Boulevard JK tem como base a segregação do trânsito de passagem – que irá operar em

regime de expresso (via rebaixada com controles de acesso, dando continuidade aos eixos

Norte/Centro/Sul/Sudoeste) – e o espaço reservado a pedestres (este segundo irá privilegiar

o espaço reservado à circulação, paisagismo, resumindo a área ao uso para a coleta do

tráfego apenas regional). O projeto prevê a execução de uma guia rebaixada, ao longo da

Av. Juscelino Kubitschek, entre as ruas Bandeira Paulista e Ramos Batista, composta por

duas pistas, com duas faixas de tráfego cada, e a reurbanização da parte superior no

formato “Boulevard”52.

No tocante ao controle das obras e custos, alguns detalhes

47 Deve-se salientar que O projeto básico da nova passarela foi desenvolvido em parceria com o Shopping Eldorado a partir de estudo preliminar desenvolvido pela EMURB. 48 Para detalhes da obra: verificar prospecto da operação urbana faria lima - fls. 55. 49 Para detalhes, verificar primeiro suplemento (anexo 05): Memorando interno da EMURB para construção (prospecto – fls. 118/122); contrato de obra (fls. 126/137); aditivos contratuais 1,2 e 3 (fls. 140, 144 e 148); ordem do serviço do contrato (fls. 152); planilha do contrato (fls. 156). 50 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 53 e 54. 51 Para ter acesso à detalhes da obra, verificar o primeiro suplemento: memorando interno do EMURB para a passagem em desnível da Avenida Cidade Jardim com avenida Faria Lima (prospecto, fls. 76/81); contrato com CBPO Engenharia Ltda. – 0122301000 – (prospecto, fls. 84/95); Aditivos 1, 2 e 3 (prospectos, fls. 98/102 e 106); Ordem de serviço (prospecto fls. 110), planilha do EMURB relativo ao contrato – fls. 114) 52 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, \fls. 66.

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devem ser mencionados: a primeira obra (passagem desnível Avenida Faria Lima com a

Avenida Cidade Jardim) foi orçada em R$ 142.520.807,47 (cento e quarenta e dois milhões,

quinhentos e vinte mil, oitocentos e sete reais e quarenta e sete centavos), com data base

de julho de 2002. Até a emissão das CEPACs, o Município já tinha arcado (medições

devidamente pagas) com R$ 82.781.820,00 (oitenta e dois milhões, setecentos e oitenta e

um mil, oitocentos e vinte reais), tendo ainda um saldo remanescente de R$ 59.721.832,25

(cinquenta e nove milhões, setecentos e vinte e um mil, oitocentos e trinta e dois reais e

vinte e cinco centavos). Este montante, de R$ 59.721.838,25 (cinquenta e nove milhões,

setecentos e vinte e um mil, oitocentos e trinta e oito reais e vinte e cinco centavos),

atualizado, quando da primeira emissão passou para R$ 77.448.612,60 (setenta e sete

milhões, quatrocentos e quarenta e oito mil, seiscentos e doze reais e sessenta centavos),

em que pese, segundo a CEF, o contrato já ter 99,99% já executado. Segundo o último

relatório do EMURB, a obra já foi encerrada (anexo 03).

No que diz respeito à segunda obra – avenida Faria Lima com

a Avenida Rebouças e Eusébio Matoso –, o custo original da obra era R$ 113.756.554,97

(cento e treze milhões, setecentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e cinquenta e quatro

reais e noventa e sete centavos), tendo como data base julho de 2002. Quando da emissão

dos CEPACs – 1a. Distribuição – verificou-se que o saldo remanescente do contrato era,

ainda, de R$ 43.073.395,78 (quarenta e três milhões, setenta e três mil, trezentos e noventa

e cinco centavos e setenta e oito centavos), apesar do Município já ter arcado, sozinho, com

R$ 99.934.088,88 (noventa e nove milhões, novecentos e trinta e quatro mil, oitenta e oito

reis e oitenta e oito centavos). Esta obra, assim como a anterior, foi encerrada no ultimo

trimestre de 2007.

Todos os projetos para enterrar as redes aéreas de passagem,

assim como os projetos de sinalização e paisagismo envolvendo as duas obras acima

mencionadas também já estão concluídos. Para tanto foram firmados três contratos

distintos. O primeiro, com o Consórcio Concremat, Engevix, Tekhnites (n.º 0128409000),

com o custo de R$ 2.689.856,87 (dois milhões, seiscentos e oitenta e nove mil, oitocentos e

cinquenta e seis reais e oitenta e sete centavos). O segundo, firmado com a Araguaia

Engenharia Ltda., no valor de R$ 19.118.864,81 (dezenove milhões, cento e dezoito mil,

oitocentos e sessenta e quatro reais e oitenta e um centavos). O último, com a Companhia e

Engenharia de Tráfego – CET – na quantia de R$ 904.675,5153 (novecentos e quatro mil,

seiscentos e setenta e cinco reais e cinquenta e um centavos).

No tocante ao Boulevard JK, o projeto, quando da 1a. emissão,

já tinha o seu objetivo atingido em cerca de 46,70%. Ocorre que a EMURB alterou, no ano

53 Verificar Anexo 07.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

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de 2004, o objeto do contrato, com consequente alteração valor inicial previsto. As seguintes

obras estavam previstas: (i) adequação da infraestrutura existente na Rua Elvira Ferraz; (ii)

Duplicação do eixo formado pela Av. Chedid Jafet e pela Rua Funchal, de ligação entre a

Av. Juscelino Kubitschek e Av. dos Bandeirantes; (iii) Construção de nova avenida, com

pista dupla e três faixas por sentido de tráfego na diretriz das ruas Olimpíadas e Gomes de

Carvalho; (iv) Construção de trecho de ligação entre a nova avenida duplicada e as

avenidas Brig. Faria Lima e Hélio Pellegrino. (v) Reconfiguração geométrica da Av. Brig.

Faria Lima entre a Rua Elvira Ferraz e Av. Helio Pellegrino (modificações nos canteiros

centrais, permitindo o acesso à nova avenida); (vi) Adequação da infraestrutura de água

potável, esgotos, drenagem, pavimentação e sinalização viária; (vii) Remanejamento,

retirada ou instalação de postes e luminárias, destacando-se a colocação de postes; (viii)

Colocação de metálicos cônicos curvos nos passeios laterais do trecho duplicado, dotados

de luminária para pedestres.

O Boulevard JK contou com recursos das três distribuições de

CEPACs para o seu financiamento. Ainda se encontra em execução (Anexo 03 ).

Outra obra interessante é a Interligação do prolongamento da

Avenida Faria Lima com a Funchal – Haroldo Veloso. Esta obra só ganhou recursos a partir

da 3a. distribuição dos CEPACs e encontra-se em momento inicial de obras54.

No tocante às intervenções urbanísticas, em especial, ao

material contido tanto no prospecto como nos suplementos, dois pontos devem ser

mencionados. O primeiro é que não há dúvida de que a valorização da propriedade urbana

está intimamente às obras de infraestrutura realizadas pelo Estado e, em especial, ao

coeficiente de aproveitamento do terreno. Os dados acima mencionados permitem esta

conclusão. O material disponibilizado pela EMURB é rico e claro a respeito disso. Por outro

lado, contudo, os prospectos pouco mencionam a respeito da Habitação de Interesse Social.

Não há qualquer relato nos prospectos e nos suplementos. Não há indicação para que

terreno os moradores excluídos serão direcionados. Não há qualquer estudo de impacto de

vizinhança neste tema. Ora, sendo assim, será que é possível falar em sucesso da

Operação?

4. CEPACS

Os Certificados de Potencial Adicional de Construção –

CEPACs – foram criados em 1995, pelo então vereador Marcus Cintra Cavalcanti

54 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008.

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Albuquerque55 para financiar a ampliação da Avenida Faria Lima. Em poucas palavras, os

CEPACs foram concebidos como certificados que seriam emitidos pelo Município de São

Paulo (por meio da EMURB – Empresa Municipal de Urbanização) e que representariam um

direito de construir a maior (“solo criado”) do que o previsto para determinadas zonas do

Município. Mencionados títulos seriam alienados no mercado de capitais.

O CEPAC foi introduzido no Plano Diretor de São Paulo

apenas no ano de 2003, por meio da Lei no. 13.430/2002 como "uma forma de contrapartida

financeira de outorga onerosa do potencial construtivo adicional, alteração de uso e

parâmetros urbanísticos, para uso específico nas Operações Urbanas Consorciadas". O

objeto previsto no plano diretor foi além da proposta original, pois não apenas “solo criado”

seria objeto do CEPAC, mas, também, poderia ser a “alteração de uso e parâmetros

urbanísticos”. Trata-se dos chamados “Direitos Urbanísticos Adicionais”. Tais Direitos

Urbanísticos Adicionais poderão ser utilizados para: “(i) como área de construção que

supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso do solo, até o limite fixado pela lei

específica que aprovar a Operação Urbana Consorciada; (ii) como uso não previsto pela

legislação ordinária de uso e ocupação do solo, respeitadas as determinações previstas na

Lei específica da Operação Urbana Consorciada; e (iii) como parâmetro urbanístico que

supere as restrições impostas a cada zona pela lei de uso e ocupação do solo” (fls. 30).

Em suma: verifica-se que o Município de São Paulo criou um

novo mecanismo para a obtenção de recursos para obras públicas, uma nova alternativa ao

simples endividamento dos entes municipais, visto que referido título não representa uma

espécie de direito de crédito em face do Poder Público. Ora, o que representam os

CEPACs? O prospecto da operação Faria Lima os define como sendo “valores mobiliários

com finalidade de permitir ao município emissor securitizar o direito adicional de construir,

modificar uso, no âmbito da operação urbana consorciada”56. Estes valores mobiliários

55 A respeito da matéria, verificar: ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti. A dívida da prefeitura exige criatividade . Diário de São Paulo: São Paulo. 05 de maio de 2000. Disponível: http://www.marcoscintra.org/artigos/index.asp?Materia=65. Acesso em 14 de julho de 2007; ______________. A importância dos CEPACs. Jornal da Tarde: São Paulo, 23 mar.1995. Artigo. Disponível em: http://www.marcoscintra.org/ artigos/index.asp?Materia=170. Acesso em 14 de julho de 2007; ______________. A mina que Marta ainda não descobriu. Folha de São Paulo: 12 de março de 2001. Artigo. Disponível em: http://www.marcoscintra.org/artigos/index.asp?Materia=174. Acesso em 14 de julho de 2007. ______________. Como arrecadar sem tributar . São Paulo. Folha de São Paulo, 25 dez 1994. Artigo. Disponível em: http://www.marcoscintra.org/ artigos/index.asp?Materia=131. Acesso em 14 de julho de 2007. ______________. Os CEPACs da Avenida Faria Lima . Jornal da Tarde, São Paulo, 12 fev. 2004. Artigo. Disponível em: http://www.marcoscintra.org/ artigos/index.asp?Materia=169. Acesso em 14 de julho de 2007. ______________. PT, o partido que copia . Folha de São Paulo: São Paulo. Disponível em: http://www.marcoscintra.org/artigos/index.asp?Materia=374. Artigo. Acesso em 14 de julho de 2007. 56 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 30.

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poderão ser utilizados como pagamento de contrapartida em um projeto de construção

apresentado à Prefeitura do Município de São Paulo, ou para modificar o uso do imóvel, ou

simplesmente vincular os direitos conferidos pelo CEPAC a um lote. Desta forma, o

interessado garante o exercício desses direitos antes de esgotado o estoque (em metros

quadrados) do respectivo setor da Operação Urbana Consorciada Faria Lima, mesmo que

não tenha a intenção de iniciar seu projeto imediatamente.

Mas, quando e como podem ser utilizados estes CEPACs? Os

recursos obtidos por meio dos CEPACs só poderão ser utilizados dentro do perímetro de

uma “Operação Urbana Consorciada”. Isto é: a emissão dos CEPACs, a quantidade de

títulos, o valor do metro quadrado (no caso de solo criado) estão limitados na lei que cria a

“Operação”. Em poucas palavras, é possível compreender “Operação”como um projeto de

urbanificação a ser realizado dentro de uma zona do Município. É dizer: os CEPACs podem

ser livremente negociados, mas conversíveis em direito de construir (metro quadrado)

apenas e tão somente na área da referida operação.

Ocorre que, em que pese a previsão desde 1995, o CEPAC só

foi institucionalizado em âmbito nacional em 2004, graças ao advento do Estatuto da

Cidade. Neste sentido, uma das mais importantes inovações do Estatuto da Cidade diz

respeito à possibilidade do Município valer-se da alienação de Certificados de Potencial

Adicional de Construção (CEPAC), com a finalidade específica de assim financiar as obras

necessárias à implantação da Operação Urbana Consorciada.

Os principais aspectos desta negociação estão descritos em lei

e podem ser assim resumidos: a) a emissão destes certificados deverá estar expressamente

prevista na lei municipal que aprovar a Operação Urbana; b) esses títulos deverão ser

livremente negociados; c) por meio de leilão ou utilizados diretamente como meio de

pagamento das obras decorrentes da Operação Urbana Consorciada e d) cuja utilização é

adstrita na área objeto da operação.

Portanto, verifica-se nos CEPACs três características marcantes:

(i) a cartularização; (ii) a negociabilidade e, por fim, (iii) a possibilidade de alienação em

leilão. A cartularização refere-se ao mecanismo que corporifica um direito em um documento

cartular, o qual denomina-se título. Esta característica é essencial para a negociabilidade,

visto que garante a possibilidade de transferência de direitos. Ao permitir atributos de

negociação em massa e impessoal, a lei demonstra a sua preocupação em incluí-lo em

sistemas de negociação pública (por isso a alienação por meio de mercado de capitais). Por

fim, a possibilidade de alienação em leilão permite configurar o CEPAC como valor

mobiliário, isto porque a sua alienação pública admite a definição de seu preço pelo

mercado.

CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011

22

Independentemente da sua natureza, o idealizador dos CEPACS

ressalta que os referidos títulos surgiram tanto da constatação da impossibilidade de

aumento e/ou criação de novos tributos para a realização da urbanificação e ainda do fato

de que investimentos públicos, realizados em determinados locais das cidades, produzem

uma valorização dos bens imóveis que são apropriadas por particulares, embora arcados

por toda a sociedade57.

Certo é que neste mecanismo, o interesse da Administração

Pública é angariar recursos suficientes para financiar a implantação da Operação Urbana,

antes mesmo de haver a efetiva valorização das áreas por ela atingidas. Ao haver o

financiamento da Operação Urbana mediante a alienação prévia dos certificados adicionais,

os particulares que compram esses títulos estarão assumindo uma parcela do risco inerente

à Operação Urbana e que normalmente seria assumido apenas pela Administração

Municipal. Isto porque o preço desembolsado pelos particulares para a compra dos CEPACs

pode não corresponder à efetiva valorização da área, o que importará um deságio em sua

posterior alienação ou utilização. Também existe a possibilidade contrária, qual seja, da

valorização da área ser superior à esperada, resultando em vantagens para aqueles que

tiverem adquirido previamente esses certificados.

Assim, vislumbra-se que existe um elemento de risco e que

envolve a captação de recurso junto à iniciativa privada. Ao mesmo tempo, é possível

verificar que existe um sutil elemento de parceria, no sentido de que o particular

objetivamente espera ser recompensado pelo agir do ente municipal, que irá investir os

recursos por ele despendidos em prol da urbanificação de determinada área58.

O ciclo do CEPAC é relativamente simples. Cabe à SEMPLA e à

EMURB decidir conjuntamente pela colocação ou não de CEPACs no mercado. As

distribuições serão realizadas em bolsa de valores (conforme instrução n.o 401 da CVM59). A

distribuição pública de CEPAC de cada emissão somente terá início após a concessão do

registro de distribuição pela CVM, a disponibilização do Suplemento aos investidores e a

publicação do anúncio de início de distribuição dos CEPAC, sendo que tal disponibilização e

publicação deverão ocorrer no prazo máximo de 90 (noventa) dias contados da obtenção do

registro, sob pena de sua caducidade, nos termos do artigo 17, da Instrução CVM n.o

400/03. Só um detalhe: todos os gastos da emissão dos CEPACs deverão ser pagos pela

própria alienação dos títulos.

A estruturação da 1.a emissão foi realizada com ajuda do Banco

57 Verificar nota de rodapé n. 54. 58 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 11. 59 Conforme Anexo 02 .

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do Brasil Investimentos60. O controle da obra, mediante a realização dos pareceres/relatórios

necessários, seria realizado pela CEF, mediante contrato de fiscalização firmado com o

EMURB61. A quantidade de CEPAC a ser emitida nesta 1.a Emissão foi de até 367.290

(trezentos e sessenta e sete mil, duzentos e noventa), definida por meio da divisão do valor

estimado do custo das Intervenções da 1.a Emissão pelo valor mínimo dos CEPAC

(R$1.100,00). O custo estimado das Intervenções da 1.a Emissão englobariam não somente

o montante de recursos necessários para iniciar, completar e finalizar tais Intervenções, mas

também os custos já incorridos pela Prefeitura com tais Intervenções que ainda estejam

pendentes de pagamento. Os recursos arrecadados com o referido leilão devem ser

depositados na Conta Vinculada administrada pela EMURB e serão aplicados em operações

financeiras de forma a não permitir sua desvalorização enquanto não efetivamente utilizados

(verificar Anexo 07 ).

A primeira distribuição ocorreu por meio de três leilões distintos:

o primeiro, ocorrido em 27 de dezembro de 2004, o segundo, em 07 de dezembro de 2005 e

o terceiro em 24 de janeiro de 2006. Em todos os leilões foram ofertados 90.000 CEPACs,

no valor mínimo de R$ 1.100,00 (hum mil e cem reais) o metro quadrado. Neste primeiro

momento, o CEPAC não atingiu o seu objetivo, visto que, em leilão público, alcançou uma

arrecadação de apenas R$ 10.000.010,00 (dez milhões e dez reais), muito abaixo do

esperado. No total, ou seja, somando os montantes envolvidos os três leilões públicos que

fizeram parte da primeira emissão, mais os dois privados, chegou-se a um total de R$

59.009.952,29 (cinquenta e nove milhões, nove mil, novecentos e cinquenta e dois reais e

vinte e nove centavos).

O montante disponibilizado na segunda emissão dos CEPACs

foi calculado a partir das intervenções urbanísticas que deveriam ser realizadas. A

quantidade de CEPAC a ser emitida nesta 2.a Emissão era de até 313.460 (trezentos e treze

mil, quatrocentos e sessenta), definida por meio da divisão do valor estimado do custo das

Intervenções da 2.a Emissão pelo valor mínimo dos CEPAC (R$1.100,00). O custo estimado

das Intervenções da 2.a Emissão englobaria não somente o montante de recursos

necessários para iniciar, completar e finalizar tais Intervenções, conforme estejam já

iniciadas ou não, como também os custos de intervenções já realizadas e pendentes de

pagamento, tais como: (i) Reconversão Urbana do Largo da Batata; (ii) Projeto básico e

executivo do corredor viário sudoeste/centro (novo Boulevard Juscelino Kubitschek); (iii)

60 O contrato é o primeiro anexo do 1 suplementação de prospecto (fls. 40/57). O custo da Estruturação foi de R$ 400.000,00 pelo Banco Coordenador e até de R$ 8.080.377,08 de comissão de colocação dos CEPAC pelo BB. 61 O contrato é o segundo anexo da 1 suplementação (fls. 62 até 73). O valor é de R$ 1.416.450,31 (hum milhão, quatrocentos e dezesseis mil e quatrocentos e cinquenta reais e trina e um centavos).

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Construção de HIS para remoção completa da favela Coliseu; (iv) Desapropriações no Largo

da Batata e eixo formado pela Rua Funchal e Rua Aroldo Veloso.

O primeiro leilão da segunda distribuição, com data de 17 de

outubro de 2007, foi um sucesso. Foram ofertados 156.730 CEPACs, as quais foram

compradas por um valor mínimo de R$ 1240,00 (acima do preço mínimo definido). No total,

a segunda distribuição, englobando leilões públicos e privados atingiu R$ 253.356.719,58

(duzentos e cinquenta e três milhões, trezentos e cinquenta e seis mil, setecentos e

dezenove reais e cinquenta e oito centavos).

A terceira distribuição de CEPAC disponibilizou para o mercado

269.284 (duzentos e sessenta e nove mil, duzentos e oitenta e quatro) unidades, definida

por meio da divisão do valor estimado do custo das Intervenções da 3.a Distribuição pelo

valor mínimo dos CEPAC (R$1.100,00). Os recursos obtidos com a 3.a Distribuição de

CEPAC no âmbito da Operação Urbana Consorciada Faria Lima seriam destinados ao

custeio das seguintes Intervenções: (a) Pagamento de saldo remanescente das obras de

Reconversão Urbana do Largo da Batata; (b) Pagamento de saldo remanescente das obras

do corredor viário sudoeste/centro (Boulevard Juscelino Kubitschek); (c) 3.a fase da

interligação do prolongamento da Av. Faria Lima com a ligação Funchal-Haroldo Veloso; (d)

Implantação de sistema de transporte coletivo; (e) Implantação de ciclovia; (f)

Desapropriações para a Reconversão Urbana do Largo da Batata e prolongamento da Av.

Helio Pellegrino no trecho Córrego Uberaba; (g) Reserva de recursos para a construção de

Habitações de Interesse Social - HIS, determinada pela Lei no 13.769/04; (h)

Complementação dos recursos destinados à construção de Habitações de Interesse Social

– HIS, referente a Distribuições de CEPAC anteriores.

A respeito dos três lançamentos, Paulo Sandroni62 afirma que:

“Embora os dois primeiros leilões na OU Faria Lima tivessem fracassado, o terceiro se revestiu de grande êxito (2007) quando foram vendidos todos os 156.730 CEPACs a um preço de R$ 1.240,01 (a partir do preço inicial no Leilão de R$ 1225,00), isto é, com um aumento de quase 13% em relação ao valor nominal inicial de R$ 1.100,00 e com uma substancial arrecadação de R$ 194 milhões. É Possível que em 2007 a carteira de projetos aprovados pelos empreendedores segundo as regras antigas já tivessem esgotado e o ciclo ascendente do setor imobiliário justificasse esse crescimento da demanda. Tal suspeita é reforçada pelo fato de terem sido vendidos todos os 83.788 CEPACs oferecidos no primeiro Leilão, de 2008, a um preço de R$ 1.538,00 a partir de um preço inicial de R$ 1.300,00, com ágio de 40% sobre o valor inicial nominal de R$ 1.100,00 e arrecadação de cerca de 129 milhões de reais. Em fevereiro de 2009, foi realizado o quinto Leilão no qual foram oferecidos 100.000 CEPACs a um preço de 1.700.000 reais, tendo sido vendidos 55.612, proporcionando

62 BRASIL, Ministério das Cidades. SANDRONI, Paulo. O CEPAC (Certificado de Potencial Adicional de Construção) como instrumento de captação da mais valias urbanas e financiamentos de grandes projetos urbanos. Operações Urbanas. Anais do Seminário Brasil-França. 2009, p. 149.

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uma receita de cerca de 94 milhões de reais. Com os últimos dois leilões da OU Faria Lima, o potencial construtivo adicional de um dos seus setores (olimpíadas com 95.565 m), para fins não residenciais, foi totalmente esgotado. Isso significa que nesta região não poderão ser utilizados CEPACs que futuramente sejam vendidos nesta OU”.

“Na Operação Urbana Faria Lima ocorreram também (até 2008) 10 leilões privados ou colocações privadas quando empreiteiros ou fornecedores da prefeitura aceitaram receber por obras realizadas no perímetro da OU Faria Lima suas faturas de CEPACS. A arrecadação por CEPACs por meio dessa modalidade alcançou cerca de 137 milhões de reais. Essa possibilidade significa outra potencialidade interessante, pois não é necessário organizar leiloes formais públicos para o pagamento de compromissos, dando ao CEPAC uma caráter de quase moeda, agilizando, dessa forma, a execução de obras”

Para a Operação Urbana Consorciada Faria Lima estabeleceu-

se um limite máximo de 650.000 (seiscentos e cinquenta mil) CEPACs a serem emitidos,

para um estoque máximo, na época da promulgação da Lei, de 1.310.000 m2 de área

disponível para construção acima dos limites estabelecidos por lei63. Logo, a não ser que

nova lei seja aprovada, não há mais CEPACs a serem emitidos por decorrência da

Operação Urbana Faria Lima. Não há mais CEPACs disponíveis no mercado primário. Só

há no mercado secundário, junto àqueles particulares que os adquiriram originalmente do

ente estatal. Outro dado interessante: quando do lançamento da Operação Urbana

Consorciada, era possível comprar metros quadrados de construção na região da Faria

Lima por R$ 1.100,00 (hum mil e cem reais), enquanto o valor de mercado era de R$

4.000,00 (quatro mil) a R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Atualmente, o valor do CEPAC, no

mercado secundário, é de R$ 4.000,00 (quatro mil reais)! E mais: segundo o último relatório

publicado pelo EMURB, não há mais metros quadrados disponíveis nos Setores da Faria

Lima e Olimpíadas para uso não residencial. Daí o incremento da utilização do conceito

“mixed use”, referido anteriormente.

E mais: a perspectiva para a arrecadação total era de R$

715.000.000,00 (setecentos e quinze milhões de reais) para 650.000 CEPACs. Atualmente,

arrecadou-se apenas na última distribuição (realizada por 4 leilões) R$ 711.692.915,00

(setecentos e onze milhões, seiscentos e noventa e dois mil e novecentos e quinze reais),

muito acima do esperado64.

Uma nova emissão de CEPACs só pode ocorrer se: (i) for

concluída a intervenção anterior; (ii) tiver sido distribuída a totalidade das CEPACs já

disponibilizados no mercado; (iii) forem assegurados os recursos necessários para a

intervenção em conta vinculada. O CEPAC poderá ser utilizado em qualquer setor dentro

63 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 23. 64

BRASIL, Op cit, p. 149.

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dos limites da Operação.

Por fim, uma ponderação deverá ser realizada: “Apesar de a

Operação Urbana Consorciada Faria Lima ter por objetivo o financiamento das Intervenções

com os recursos obtidos por meio da alienação de CEPAC, existe a possibilidade de o

Poder Público, caso entenda adequado, realizar parcial ou totalmente as Intervenções com

recursos próprios. É por isso que constava da orçamento da EMURB, na rubrica

“Demonstrativo de Fundos e Usos – Recursos Operação Urbana – Total Recursos Próprios”,

à época da emissão inicial, o valor de R$225.948.000,00 (duzentos e vinte e cinco milhões,

novecentos e quarenta e oito mil reais), que pode ou não vir a se realizar.”65 Será, portanto,

que, ao contrário do mencionado, o risco do particular não é tão grande como o noticiado?

Considerações Finais

Nota-se, portanto, que, por meio desta breve narrativa, que, ao

longo de um processo de renovação urbana, seja financiado pelo Estado, seja financiado

pela iniciativa privada, três agentes sempre se encontram: (i) em primeiro lugar, o ente

estatal, por meio do Município (o qual será responsável não só por emitir os CEPACs, mas

também por gerenciar a obra e inclusive aplicar o montante obtido). Em segundo lugar, (ii) o

agente privado, ou melhor, o investidor, o empreendedor que visa, no futuro, ao aumento do

seu patrimônio com a melhoria na região e (iii) o cidadão pobre e excluído (o qual esta à

margem da sociedade).

Ora, será que estes três agentes, em todo tempo, possuem o

mesmo objetivo? E mais: será que os objetivos de tais agentes coincidem com os princípios

Constitucionais?

Tais dúvidas ficam mais complexas perante o problema

proposto: a Operação Urbana Consorciada surge como um mecanismo capaz de obrigar o

proprietário privado a compartilhar com o Estado e a sociedade os ganhos obtidos pela

propriedade em razão da renovação urbana. Contudo, o instrumento eleito para tanto –

CEPAC – corresponde a um valor mobiliário que não está vinculado à terra, mas sim aos

chamados “direitos urbanísticos adicionais”, servindo, inclusive, com o objeto de

especulação no mercado de capitais. E dai o questionamento: o CEPAC será capaz de

representar uma forma de financiamento de projetos de infraestrutura ou servirá tão

somente aos interesses do agente privado investidor? Tais respostas só serão obtidas

certamente quando do fim da operação, o que deverá ocorrer daqui a oito anos.

65 Anexo 01. Município de São Paulo. Prospecto da Operação Urbana Consorciada Faria Lima . Junho de 2008, fls. 11.

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