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Conselho Editorial
Celso Fernandes Campilongo
Tailson Pires Costa
Marcos Duarte
Célia Regina Teixeira
Jonas Rodrigues de Moraes
Viviani Anaya
Emerson Malheiro
Raphael Silva Rodrigues
Rodrigo Almeida Magalhães
Thiago Penido Martins
Ricardo Henrique Carvalho Salgado
Maria José Lopes Moraes de Carvalho
Roberto Bueno
Paulo Cesar Conrado
Daniel de Paiva Gomes
Paulo Cesar Conrado Coordenação acadêmica
Daniel de Paiva Gomes Coordenação executiva
PROCESSO ADMINISTRATIVO,
JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO
SÉCULO XXI
Max
Limonad
desde 1944
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO
SÉCULO XXI Copyright: Paulo Cesar Conrado e Daniel de Paiva Gomes (coordenadores)
Copyright da presente edição: Editora Max Limonad
Capa: Régis Strévis
C754p Conrado, Paulo Cesar; Gomes, Daniel de Paiva.
Processo administrativo, judicial e execução fiscal no século XXI / Paulo Cesar Conrado; Daniel de Paiva Gomes (coordenadores) - São Paulo : Editora Max Limonad, 2021.
Coordenadores. A possibilidade de expropriação. ISBN 978-65-88297-51-3
[Edição em formato eletrônico PDF pesquisável]
1. Direito. 2. Processo administrativo. 3 Fiscal. 4. Tributário. I. Conrado, Paulo Cesar. II. Gomes, Daniel de Paiva.
CDD 340
Editora Max Limonad
www.maxlimonad.com.br
2021
Nota de introdução
No âmbito do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito
SP e inserida no escopo da linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário”, esta obra consolida a produção desenvolvida
no primeiro semestre de 2021 pelos membros-pesquisadores do
projeto “Processo Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do
século XXI”.
Essa específica linha de pesquisa tem em mira, ao final,
a confecção de um pré-projeto legislativo que reúna ideias ten-
dentes a minimizar problemas do contencioso tributário, tomado
em todos os seus níveis de manifestação – judicial, administra-
tivo e, os afetos à fase anterior à sua formalização.
O processo de maturação dessas ideias envolveu, no pri-
meiro semestre de 2021, a produção e publicação semanal, no
Portal de notícias JOTA, de diversos artigos, que seguem conso-
lidados na presente obra, matéria prima para a construção de ou-
tros produtos – inclusive o que mais ambicionamos (o pré-projeto
legislativo antes referido).
Os textos, todos atinentes à dinâmica do processo tribu-
tário, possuem as mesmas metas: (i) maximização do diálogo en-
tre sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, inclusive e
principalmente em fase anterior à formação da obrigação e, se
não isso, do estado de processualidade; (ii) prevenção da confi-
guração de litígios, sem prejuízo de, frustrado esse propósito, se-
rem as questões encaminhadas para solução extrajudicial; (iii)
potencialização da aplicação consensual dos precedentes vincu-
lativos promanados do Judiciário; (iv) disciplina, em todas suas
particularidades ontológicas e eficaciais tributárias, da aplicação
PAULO CESAR CONRADO E DANIEL DE PAIVA GOMES
(COORDENADORES)
6
de princípios, regras, procedimentos e instrumentos tratados pela
legislação processual geral.
Com base nesses pilares, o Grupo de Trabalho lança, a
cada artigo, propostas pontuais – um caminho mais simples, tal-
vez, para construção de consenso –, tentando contribuir, assim,
para a elevação do nível de maturidade sobre os problemas do
contencioso tributário.
Paulo Cesar Conrado Coordenador Acadêmico do Projeto “Processo
Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”
Professor do Mestrado Profissional da FGV Direito-SP
Doutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP
Juiz Federal em São Paulo
Daniel de Paiva Gomes Coordenador Executivo do Projeto “Processo
Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”
Doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP
Mestre em Direito Tributário pela FGV Direito-SP
SUMÁRIO
1. PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E DE EXECUÇÃO
FISCAL NO SÉCULO XXI ........................................................................... 10
Paulo Cesar Conrado
Daniel de Paiva Gomes
2. POR UMA DISCIPLINA DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA
IMPEDITIVA DO CONTENCIOSO EM CASCATA................................... 14
Paulo Cesar Conrado
Fernanda Donnabella Camano de Souza
3. COISA JULGADA TRIBUTÁRIA E OS FUNDAMENTOS:
DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA E PROPOSTA DE SOLUÇÃO ............. 18
Fernanda Donnabella Camano de Souza
4. PROTESTO DE CDA E DÉBITOS GARANTIDOS ................................ 22
Karina Gomes Andrade
5. VIRTUALIZAÇÃO DOS JULGAMENTOS TRIBUTÁRIOS .................. 27
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto
Daniel de Paiva Gomes
6. OFERTA ANTECIPADA DE GARANTIA NO ÂMBITO
ADMINISTRATIVO ..................................................................................... 34
Aristóteles de Queiroz Camara
Karina Gomes Andrade
Rodrigo Veiga Freire e Freire
7. SOBRESTAMENTO DE PROCESSOS ADMINISTRATIVOS QUE
ENVOLVAM MATÉRIA DECIDIDA PELOS TRIBUNAIS
SUPERIORES ................................................................................................ 38
Daniel Souza Santiago da Silva
Maria Raphaela Dadona Matthiesen
Natalia Ciongoli
Breno Ferreira Martins Vasconcelos
SUMÁRIO
8
8. O PROBLEMA DA APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES ANTES
DE SEU TRÂNSITO EM JULGADO........................................................... 44
Fernanda Donnabella Camano de Souza
Juliana Furtado Costa Araujo
9. JULGAMENTO MONOCRÁTICO NA ESFERA ADMINISTRATIVA
DE TEMAS DECIDIDOS DE FORMA DEFINITIVA PELO
JUDICIÁRIO ................................................................................................. 48
Daniel Souza Santiago da Silva
Maria Raphaela Dadona Matthiesen
Natalia Ciongoli
Breno Ferreira Martins Vasconcelos
10. A INSTRUMENTALIDADE E O SINCRETISMO NA
ANULATÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE .......................................... 52
Daniel de Paiva Gomes
Eduardo de Paiva Gomes
Júlia Silva Araújo Carneiro
Karina Gomes Andrade
11. A DESEJÁVEL INSUBMISSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL AO
ART. 782, § 3º, DO CPC ............................................................................... 58
Paulo Cesar Conrado
12. A VINCULAÇÃO DA RATIO DECIDENDI PARA CONFLITOS
TRIBUTÁRIOS SEMELHANTES, MAS NÃO IDÊNTICOS ..................... 63
Fernanda Donnabella Camano de Souza
Juliana Furtado Costa Araujo
13. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL E O ESTÍMULO JUDICIAL
À COMPOSIÇÃO NOS EXECUTIVOS FISCAIS ....................................... 67
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto e Ligia Regini
14. A CONCORRÊNCIA DOS MEIOS EXTRAPROCESSUAIS DE
“COBRANÇA” DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO INADIMPLIDO E DOS
EXPROPRIATÓRIOS FORÇADOS ............................................................. 73
Juliana Furtado Costa Araujo
Fernanda Donnabella Camano de Souza
15. APLICAÇÃO DO CPC NA ESFERA ADMINISTRATIVA .................. 77
Daniel Souza Santiago da Silva
Maria Raphaela Dadona Matthiesen
Natalia Ciongoli
Breno Ferreira Martins Vasconcelos
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
9
16. A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DE GARANTIA
FIDEJUSSÓRIA EM SEDE DE AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO
FISCAL .......................................................................................................... 81
Daniel de Paiva Gomes
Eduardo de Paiva Gomes
Júlia Silva Araújo Carneiro
Karina Gomes Andrade
17. A PENHORABILIDADE DE CRIPTOATIVOS EM EXECUÇÃO
FISCAL .......................................................................................................... 87
Daniel de Paiva Gomes
Eduardo de Paiva Gomes
18. NJP EM EXECUÇÕES FISCAIS NO CONTEXTO DOS
PRECEDENTES ............................................................................................ 95
Ligia Regini
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto
19. LACUNAS NORMATIVAS NA MODULAÇÃO DE EFEITOS DE
DECISÕES TRIBUTÁRIAS ....................................................................... 100
Carlos Eduardo M. Gasperin
Fernanda Donnabella Camano de Souza
Ligia Regini
20. REFLEXÕES SOBRE A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA
COBRANÇA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS .......................................... 105
Ana Cláudia Utumi
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto
21. REFLEXÕES SOBRE A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA
COBRANÇA DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS II ...................................... 111
Ana Cláudia Utumi
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto
22. A POSSIBILIDADE DE EXPROPRIAÇÃO DE BENS IMÓVEIS
OFERECIDOS EM SEDE DE AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO
FISCAL ........................................................................................................ 117
Daniel de Paiva Gomes
Eduardo de Paiva Gomes
Júlia Silva Araújo Carneiro
Karina Gomes Andrade
1. PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E DE
EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI1
Paulo Cesar Conrado2
Daniel de Paiva Gomes3
Sobre os valores que regem (ou devem reger) o sistema
tributário, poucas dúvidas se colocam. Não que o tema não seja
relevante; menos ainda que o tempo e a energia a ele dedicados
o sejam de forma gratuita.
O que nos cabe e desejamos ressaltar, de todo modo, é
que as opções firmadas em torno do assunto o foram no plano
constitucional e, em certa medida, são bastante óbvias se consi-
derarmos que o Brasil se pretende um estado democrático de di-
reito.
1 Texto originalmente publicado em 28/01/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-28012021
2 Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Professor do Mestrado Profissional da FGV DIREITO SP.
Juiz Federal em São Paulo. Responsável acadêmico pelo projeto de pesquisa
“Processo Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente
à linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP.
Advogado em São Paulo. Responsável executivo pelo projeto de pesquisa “Pro-
cesso Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à
linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
11
Legalidade, não-confisco, segurança, previsibilidade,
confiança, livre iniciativa são, entre outras, diretrizes que que
qualquer sistema tributário deve adotar.
Mas por que temos tantos problemas – inclusive no que
se refere a esses ideais – em nosso País? Por que tantas deman-
das, judiciais e administrativas, que, em seu pano de fundo, con-
vocam aqueles princípios?
A questão não é, pensamos, sobre os valores em si, mas
sobre sua aplicação prática, operação que nos retira do confortá-
vel plano das abstrações jurídico-normativo-constitucionais e
nos coloca na incômoda posição de produtores de atos jurídicos
concretos, tantos os administrativos (o lançamento tributário é o
ato mais óbvio desse escaninho), como os não-administrativos,
assim entendidos os que devem ser abundantemente produzidos
pelo contribuinte (e também por terceiros) no cumprimento dos
chamados deveres instrumentais.
A questão se agrava quando, posta em xeque a exata di-
mensão desses atos concretos, o exercício da jurisdição (judicial
ou administrativa) entra em cena: para elucidar dúvidas surgidas
no contexto a que nos referimos (sobre se determinada regra deve
ser interpretada assim ou assado; se essa interpretação vale para
o passado ou apenas para o futuro; se determinados atos da vida
civil-econômica estão submissos ou não à incidência tributária;
se escapa, no momento dessa incidência, algum princípio-valor
constitucionalmente assegurado, etc.), os órgãos julgadores de-
vem seguir um protocolo de atuação que, em si, deixa vários es-
paços de dúvida.
Não são nada infrequentes, nesse sentido, questões sobre
a suspensão da exigibilidade do crédito questionado, sobre o al-
cance da coisa julgada, sobre os efeitos projetados pelo emprego
de determinados recursos – apenas para mencionar, aqui, nesse
breve texto, alguns pontos que revelam o “lado b” do contencioso
tributário, constituído não propriamente por questões materiais,
mas por derivações processuais-procedimentais.
PAULO CESAR CONRADO E DANIEL DE PAIVA GOMES
12
É o fenômeno do litígio sobre o litígio, uma espécie de
multiplicador do estado de contenciosidade que, estivesse au-
sente, seguramente reduziria o volume de processos que nos co-
loca no topo mundial da beligerância tributária.
A despeito do reconhecido protagonismo dos órgãos que
exercem a jurisdição tributária – sobretudo se levarmos em con-
sideração a orientação da OCDE (Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico) consubstanciada no relatório
“Tax Certainty”, no bojo do qual a entidade afirma que a existên-
cia de um mecanismo efetivo de resolução de disputas (“effective
dispute resolution mechanism”) desempenha papel fundamental
para garantir segurança jurídica em matéria de interpretação da
legislação tributária –, cremos que, em grande medida, o estado
de coisas a que nos referimos deflui das dificuldades inerentes ao
processo de interpretação-aplicação das normas processuais vi-
gentes, normas essas que, por gerais, não foram “pensadas” para
lidar com específicos problemas do sistema tributário.
Esses problemas poderiam ser resolvidos em algum grau,
tivéssemos legislação processual específica, um “Código de Pro-
cesso Tributário”, notadamente se alcançasse, numa só tacada, o
âmbito judicial e o administrativo, com o consequente estabele-
cimento de uma certa fluidez dialógica entre um e outros desses
níveis, além de conferir uniformidade ao processo administrativo
tributário em todos os níveis da federação.
Para chegar a esse ponto, seria preciso, porém, pavimen-
tar um caminho de consenso, algo parecido com o que ocorreu
no processo de produção do Código de Processo Civil de 2015,
diploma precedido de uma sequência de reformas na legislação
revogada, providência que, tomada em perspectiva histórica, ser-
viu para assentar o consenso de que falamos – sobre a renovação
mais ampla.
Em processo tributário, algo do tipo talvez seja recomen-
dável: se a revisão geral do sistema processual pressupõe a cons-
trução de um consenso que nos demanda tempo expressivo, não
seria o caso de olhar para as questões pontuais que mais incomo-
dam, sobre elas operando mediante reformas específicas?
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
13
Pensamos que sim e é justamente nesse sentido que o
NEF da FGV Direito SP, em projeto denominado “processo ad-
ministrativo, judicial e de execução fiscal no século XXI”, pas-
sou a levantar, em 2020, pontos de estrangulamento sobre os
quais pequenos reparos legislativos poderiam atuar.
Passaremos, de tempos em tempos, a fazer públicas as
constatações produzidas pelo projeto de pesquisa, do qual, espe-
ramos, possa brotar a solução para problemas que desde hoje nos
afligem como operadores do contencioso e que, na vida real, só
servem para atravancar ainda mais o sistema tributário.
2. POR UMA DISCIPLINA DA COISA JULGADA
TRIBUTÁRIA IMPEDITIVA DO CONTENCIOSO EM
CASCATA1
Paulo Cesar Conrado2
Fernanda Donnabella Camano de Souza3
Falar de segurança jurídica – locução construída para ex-
pressar a ideia de estabilidade sobre as consequências a serem
geradas (futuro) pelos atos-fatos produzidos (passado) e juridica-
mente constatados (presente) – é chover no molhado: não há
quem sustente, em sã consciência, que a expectativa de previsi-
bilidade a que nos referimos represente um sentimento injusto,
um desejo descabido.
É essa obviedade que faz da segurança, se não a princi-
pal, no mínimo uma das mais importantes diretrizes de qualquer
sistema jurídico que se pretenda democrático.
1 Texto originalmente publicado em 05/02/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-2-05022021
2 Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Professor do Mestrado Profissional da FGV DIREITO SP.
Juiz federal em São Paulo. Coordenador acadêmico do projeto de pesquisa
“Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século XXI”, da
Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Pós-doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Advo-
gada. Membro-pesquisadora do projeto de pesquisa “Processo Administrativo,
Judicial e de Execução Fiscal do século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovi-
são do Crédito Tributário”, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DI-
REITO SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
15
Em nível tributário, o sentimento de segurança jurídica
descola-se do campo abstrato, passando a operar em termos con-
cretos por meio de técnicas muito conhecidas – legalidade, ante-
rioridade e irretroatividade, talvez sejam as de que sempre lem-
bramos.
Como nem tudo são flores entre Fisco e contribuinte, às
relações tributárias "convencionais" (as materiais) juntam-se as
de tom processual, variante instrumental das primeiras, posta
para eliminar o dissenso.
Como fenômeno jurídico, também essas relações (as pro-
cessuais) seguem subordinadas à ideia de segurança – valor uni-
versal que é, vale repetir.
Nesse nível (o do processo), entretanto, seu aparelha-
mento objetivo é viabilizado por técnicas próprias, tipicamente
dirigidas ao ambiente da processualidade, sem prejuízo da simul-
tânea incidência das técnicas gerais (legalidade, por exemplo, re-
gra que bate em todos os setores do direito).
A coisa julgada, arriscamos dizer, seria a mais notável
técnica de projeção processual, em termos objetivos-concretos,
da noção de segurança, à medida que cumpre o exato papel de
início referido: define as consequências, para o futuro, dos atos-
fatos do passado e que foram constatados no tempo da decisão
judicial (o "presente" do direito).
Sabendo-se que, em termos tributários, os conflitos gi-
ram em torno da circunstancial incerteza sobre o fenômeno da
incidência (e, por conseguinte, da efetiva imponibilidade do pa-
gamento), a coisa julgada a eles correlata terá, por lógica, dois
tons: confirmatório (improcedência da demanda antiexacional)
ou infirmatório da incidência (procedência).
Pois é sobre esse segundo ponto que devemos nos reter.
Tratando da coisa julgada, a legislação processual de que
dispomos o faz de forma ampla, seguindo sua natural vocação: o
Código de Processo Civil, sabe-se, é diploma geral, voltando-se
à disciplina do processo como figura materialmente indefinida,
sem sobrenome e, por derivação, sem decote temático. No
PAULO CESAR CONRADO E FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA
16
guarda-chuva projetado pelo Código estão incluídos, portanto,
todos os dissensos desguarnecidos de disciplina própria, escani-
nho em que se põem os tributários.
Esse estado de coisas nos coloca numa curiosa situação:
se nos perguntarmos sobre a disciplina, em nosso sistema, da
coisa julgada tributária, buscamos (e encontramos) a resposta no
Código de Processo Civil, embora dele nada se extraia sobre os
aspectos materiais do dissenso de base. Temos a resposta, em
suma, mas uma resposta materialmente lacônica, fato gerador de
inúmeros "sobredissensos".
Talvez por isso, quando uma ação antiexacional é defini-
tivamente julgada procedente, afastando-se a incidência, tenha-
mos tantas dificuldades, na vida real, para definir o que isso quer
de fato significar, objetiva, subjetiva e temporalmente falando.
Mas não deveria ser assim – não pelo menos com tanta
recorrência: se segurança se conforma como expectativa de esta-
bilidade (futuro) quanto às consequências dos atos-fatos do pas-
sado-presente (premissa um), se a coisa julgada é um instrumento
realizador da ideia de segurança (premissa dois), seria natural
concluir que ela, a coisa julgada, não é (ou não deveria ser) um
problema, mas sempre a solução.
Com os olhos sobre a realidade, constatamos que, em al-
guma medida, ajustes na disciplina da coisa julgada tributária nos
retiraria desse campo de incertezas, permitindo que a atividade
econômica (base fática de incidência das normas tributárias) dei-
xasse de depender tanto da “opinião” (no mais das vezes difusa)
de agentes secundários, tanto os públicos como os privados – au-
ditores, procuradores, juízes, advogados, contadores, etc.
Esse panorama é o que queríamos fincar neste segundo
artigo da série “Processo Administrativo, Judicial e Execução
Fiscal do século XXI” (inaugurado pelo texto
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-admi-
nistrativo-judicial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-
28012021), deixando o detalhamento dos ajustes que visualiza-
mos para a etapa seguinte, em que abordaremos, possível
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
17
adiantar, a necessidade de explicitação do impacto dos preceden-
tes supervenientes sobre decisões acobertadas por definitividade,
o alcance da coisa julgada sobre os fundamentos, a desejável ex-
tensibilidade dos efeitos da coisa julgada tributária teorética em
relação a terceiros, o definitivo estabelecimento da relação de
prejudicialidade da decisão judicial sobre o litígio administra-
tivo, entre outros pontos.
3. COISA JULGADA TRIBUTÁRIA E OS
FUNDAMENTOS: DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA E
PROPOSTA DE SOLUÇÃO1
Fernanda Donnabella Camano de Souza2
Nos termos do compromisso assumido no segundo texto
“Processo administrativo, judicial e de execução fiscal do século
XXI – Por uma disciplina da coisa julgada tributária impeditiva
do contencioso em cascata” (https://www.jota.info/opiniao-e-
analise/artigos/processo-administrativo-judicial-e-de-execucao-
fiscal-no-seculo-xxi-2-05022021), produzido no âmbito do NEF
da FGV Direito SP, dedicar-nos-emos, neste artigo, a propor so-
lução prática acerca do dissenso sobre se os fundamentos conti-
dos na decisão judicial proferida em ação antiexacional restrita
no tempo “transcendem” para além do pedido.
Neste texto, realizamos um exercício de formular a res-
posta a essa questão por meio de pontual inserção de regra no
plano normativo, sem que, para tanto, sejam necessários movi-
mentos mais amplos por parte do legislador.
1 O presente artigo compõe a série de textos inaugurada com a publicação do
“Processo administrativo, judicial e de execução fiscal no século XXI”, de au-
toria de Paulo Cesar Conrado e Daniel de Paiva Gomes, disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-28012021.
2 Pós-doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Advo-
gada. Membro-pesquisadora do projeto de pesquisa “Processo Administrativo,
Judicial e de Execução Fiscal do século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovi-
são do Crédito Tributário”, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DI-
REITO SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
19
Por ora, o diagnóstico do problema refere-se à seguinte
situação: o contribuinte demandava o Poder Judiciário para im-
pugnar a exigibilidade do crédito tributário, precisamente identi-
ficado no espaço-tempo, com fundamento na invalidade da
norma jurídica que o suportou.
Posteriormente, o “mesmo crédito”, apenas alterados o
exercício em que constituído e, naturalmente, a soma exigida, era
objeto de nova cobrança, pautado por idêntica norma jurídica e
pressuposto de fato concretamente realizado (por exemplo, co-
brava-se o imposto sobre a renda devido no exercício de 2019;
posteriormente, no exercício de 2020, e, assim, sucessivamente,
cujo pressuposto fático era o de “auferir renda” em quaisquer dos
períodos).
Por esse motivo, o contribuinte acionava, uma vez mais,
o Poder Judiciário para anular a nova cobrança alegando idêntico
argumento da invalidade da norma jurídica tributária objeto da
discussão primitiva.
Nesse contexto, há vozes a sustentar que a decisão tran-
sitada em julgado na primeira demanda não se projetava para
além do pedido e da decisão acerca dele; vale dizer, se o objeto
da ação judicial se limitava no tempo, a decisão não produzia
efeitos além do período insurgido, ainda que, para alcançar tal
resultado, a premissa utilizada pelo Poder Judiciário tenha sido o
reconhecimento da (in)validade da norma jurídica de suporte da
respectiva exigibilidade.
A razão para tanto, alegam os adeptos dessa tese, seria o
“princípio” da vinculação da sentença ao pedido, além de que os
“motivos” não transitam em julgado, bem como pelo fato da ca-
racterização da coisa julgada dar-se pela tríplice identidade (par-
tes, causa de pedir e pedido) e, variando um desses elementos (na
hipótese, o pedido), seria possível bater às portas do Poder Judi-
ciário, novamente.
No plano da interpretação, a partir – e especialmente –
do direito material tributário, sustentamos conclusão diversa.
FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA
20
Primeiro, porque a decisão judicial, ao acolher (ou rejei-
tar) o pleito do contribuinte para afastar a exigibilidade do crédito
tributário, fá-lo tomando como uma unidade (incindível!) o cri-
tério material da norma tributária e seu pressuposto de fato con-
cretamente ocorrido, isto é, a norma jurídica + o pressuposto de
fato são indecomponíveis para operar a exigibilidade do crédito
tributário sobre a qual o Poder Judiciário decidirá. Noutros ter-
mos, o juiz resolverá a relação jurídica substancial (assim com-
preendida norma jurídica + pressuposto fático), por exemplo, no
que tange ao fato de o contribuinte “auferir renda” e submeter tal
materialidade à tributação, independentemente do período e da
soma exigidos.
Segundo, porque o direito processual não nos permite al-
ternativa senão a de afirmar que, além de o fundamento de (in)va-
lidade da norma jurídica não consistir em “motivos” da decisão
judicial, afastando a restrição do art. 504, I, do CPC/2015, pode
ser considerado questão prejudicial que, submetida ao contradi-
tório, faz coisa julgada.
No entanto, como dito, essa conclusão – a propiciar a eli-
minação do limite (restritivo!) da decisão transitada em julgado
no tocante ao exercício impugnado, proibindo-se a instauração
de novo litígio com relação ao crédito tributário exigido em pe-
ríodo distinto – decorre de uma interpretação possível do direito
positivo visando resolver o problema concretamente experienci-
ado.
Retomemos, então, o ponto central deste breve artigo e
de seus limites no âmbito no NEF da FGV Direito SP, qual seja,
o de propor soluções práticas – aplicáveis ao direito tributário –
de modo a contribuir para a redução da litigiosidade e a prolação
de decisões inconsistentes e eliminar, tanto quanto possível, de-
bates no nível interpretativo do discurso.
Isso posto, sugerimos a inserção, no ordenamento jurí-
dico, da seguinte regra, a partir da qual delimitar-se-á a coisa jul-
gada (e a litispendência): uma ação antiexacional será idêntica a
outra quando possuir a mesma relação jurídica substancial dedu-
zida em juízo.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
21
Que não reste a impressão de que a conclusão defendida
requer – necessariamente – a inovação legislativa apontada. Ela
(conclusão) decorre da interpretação do direito tal e qual atual-
mente posto e da necessária efetividade dos provimentos emana-
dos pelo Poder Judiciário em matéria tributária. Sucede que,
como referido, nos limites aqui propostos, tomamos como pre-
missa de que o debate acerca das diversas interpretações hoje
existentes seja, senão eliminado, ao menos apaziguado pelo canal
do legislador.
4. PROTESTO DE CDA E DÉBITOS GARANTIDOS1
Karina Gomes Andrade2
Dando sequência à série de textos produzidos no âmbito
do NEF da FGV Direito SP, deslocaremos o foco da temática dos
limites da coisa julgada tributária abordada nos dois últimos ar-
tigos publicados (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/arti-
gos/processo-administrativo-judicial-e-de-execucao-fiscal-no-
seculo-xxi-2-05022021 e https://www.jota.info/paywall?redi-
rect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-ad-
ministrativo-judicial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-3-
12022021 para tratarmos do problema que envolve o protesto da
CDA que tem por objeto crédito tributário devidamente garan-
tido.
Antes, contudo, é imprescindível contextualizar a adoção
do protesto como meio alternativo de cobrança no âmbito tribu-
tário.
Motivada por fatores como a ineficiência da cobrança ju-
dicial do crédito tributário haja vista o baixo índice de recupera-
bilidade que, segundo estudo realizado pelo IPEA, gira em torno
de 25,8% e a alta representatividade das execuções fiscais na taxa
de congestionamento do Poder Judiciário, respondendo por 39%
1 Texto originalmente publicado em 19/02/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-4-19022021
2 Mestra em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP e Advogada. Membro-
pesquisadora do projeto “Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fis-
cal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tri-
butário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
23
dos processos pendentes de acordo com a mesma pesquisa3, a
Procuradoria da Fazenda Nacional, ao longo dos últimos anos,
tem investido na adoção de meios alternativos de cobrança, a
exemplo do protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), movi-
mento que tem sido seguido pelas Procuradorias Estaduais e Mu-
nicipais.
Embora fosse possível pensar no protesto da CDA antes
mesmo do advento da Lei 12.767/12, que inseriu o parágrafo
único ao art. 1º da Lei 9.492/97, incluindo entre os títulos protes-
táveis as certidões de dívida ativa dos Estados, do Distrito Fede-
ral, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações
públicas, é incontestável que este meio alternativo de cobrança
ganhou relevância após a inovação legislativa referida, ensejando
debates acirrados em torno da sua constitucionalidade e legali-
dade.
No âmbito constitucional, a controvérsia foi dirimida
com o julgamento da ADI 5.135/DF. Naquela oportunidade, o
STF declarou a constitucionalidade do protesto como mecanismo
alternativo extrajudicial para a recuperação do crédito inscrito na
dívida ativa.
Sob o prisma formal, a compatibilidade do protesto com
o texto constitucional se baseou na eficácia ex nunc atribuída à
decisão proferida na ADI 5.127, que reputou inconstitucional a
prática consolidada no Congresso Nacional de introduzir emen-
das sobre matérias estranhas em medidas provisórias, conforme
ocorreu no caso da Medida Provisória 577/12 que deu origem à
Lei 12.767/12.
No aspecto material, o STF entendeu que o protesto é
constitucional à medida que não constitui “sanção política”, não
afronta o devido processo legal, não representa embaraço à livre
iniciativa e à liberdade profissional e se afigura compatível com
3 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA); CONSE-
LHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Custo Unitário do Processo de Exe-
cução Fiscal na Justiça Federal: Relatório de Pesquisa. Brasília, 2011. Dis-
ponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/li-
vros/livro_custounitario.pdf. Acesso em: 13 nov. 2020.
KARINA GOMES ANDRADE
24
o princípio da proporcionalidade, já que confere maior publici-
dade ao inadimplemento da obrigação tributária (adequação) e
viabiliza o adimplemento da dívida com maior eficiência e menor
onerosidade (necessidade), sendo certo, além de tudo, que os re-
flexos negativos da sua utilização – em especial, a limitação do
crédito – seriam compensados pelos reflexos positivos – maior
eficiência, menor custo e redução da litigiosidade – (proporcio-
nalidade em sentido estrito).
É importante que se registre que, ao declarar a constitu-
cionalidade do protesto da CDA em abstrato, o STF assentou,
como recomendação, que a Administração Pública editasse atos
infralegais que estabelecessem parâmetros claros, objetivos e
compatíveis com a Constituição para identificar os créditos pas-
síveis de protesto, o que evitaria o uso indevido do instituto.
Desde já, é oportuno advertir que se essa recomendação
fosse seguida em todos os âmbitos da Administração Pública,
restaria esvaziada a já mencionada problemática que envolve o
protesto de débitos garantidos.
Com foco no exame da legalidade do protesto da CDA,
o STJ, no julgamento do REsp 1.686.659/SP, submetido à siste-
mática dos recursos repetitivos, se posicionou no sentido da com-
patibilidade do instituto com a LEF e com o CPC, à medida que
os referidos diplomas atribuem exequibilidade à CDA, mas não
vedam o uso de métodos alternativos de cobrança mais céleres e
mais eficazes, a exemplo do protesto.
Também foi refutado argumento contributivista de que o
protesto da CDA não pode ser levado a efeito porquanto o deve-
dor não participa da sua formação.
Por fim, foi conferida ênfase ao movimento legislativo
recente voltado a instituir meios alternativos tendentes a viabili-
zar o cumprimento das obrigações tributárias, o que evidencia a
incoerência de jurisprudência que seguisse caminho oposto, afas-
tando o protesto da CDA como mecanismo legal.
No âmbito federal, o protesto dos débitos inscritos na dí-
vida ativa foi regulamentado pela Portaria PGFN nº 429/2014,
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
25
cuja redação foi alterada pela Portaria PGFN nº 693/2015, e que
especifica, no seu art. 3º, as hipóteses em que a CDA não deverá
ser protestada, restringindo-as aos créditos com exigibilidade
suspensa ou em processo de concessão de parcelamento (causa
de suspensão da exigibilidade iminente).
A regulamentação, na forma originalmente proposta,
dava margem para que os créditos tributários federais regular-
mente garantidos fossem alvo de protesto.
Com o advento da Portaria PGFN nº 33/2018 parece que
a questão, pelo menos no âmbito federal, está solucionada. Isso
porque, ao disciplinar a cobrança extrajudicial da dívida ativa da
União, a portaria em questão deixa claro que o protesto, assim
como outros mecanismos alternativos de cobrança, só tem lugar
quando a dívida não é devidamente garantida.
Na maioria dos Estados e Municípios, contudo, não há
norma regulamentando o protesto da CDA, cenário que lhes as-
seguraria a prerrogativa de levar a protesto créditos idoneamente
garantidos, inclusive por seguro ou fiança bancária.
Não é por outra razão que discussões em torno da proce-
dência de protestos de CDAs garantidas por seguro ou fiança ori-
ginadas de Estados e Municípios têm chegado ao STJ (REsp
1.796.295/ES e REsp 1.801.775/SP).
O tribunal superior tem validado o protesto mesmo
quando há garantia sob a forma de seguro ou fiança sob o argu-
mento de que tais instrumentos não ensejam a suspensão da exi-
gibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151 do CTN,
cujas hipóteses são taxativas.
Embora o entendimento do STJ não mereça críticas mais
enfáticas no cenário normativo atual, não há qualquer sentido em
admitir o protesto de crédito tributário devidamente garantido,
cujo adimplemento, ao final da discussão judicial, está assegu-
rado.
Tal possibilidade parece se enquadrar naquilo que o STF
pretendia evitar quando, no julgamento da ADI 5.135/DF, a des-
peito de ter declarado a constitucionalidade do protesto da CDA,
KARINA GOMES ANDRADE
26
recomendou à Administração Pública que regulamentasse obje-
tivamente os créditos passíveis de protestos a fim de evitar des-
vios e abusos no manejo do instituto.
Afinal, consentir com o protesto de crédito devidamente
garantido em discussão judicial significa vedar ou, minima-
mente, restringir o acesso do contribuinte ao Judiciário.
Nesse contexto e seguindo o propósito dos estudos reali-
zados no âmbito do NEF, que se voltam, em alguma medida, para
a prevenção da configuração de litígios e para o aprimoramento
pontual da legislação tributária, nos parece pertinente sugerir a
alteração da redação do parágrafo único do art. 1º da Lei
9.492/97, de modo que este passe a prever o cabimento do pro-
testo da CDA apenas quando não haja garantia ou causa suspen-
siva da exigibilidade à semelhança do que prevê a legislação que
trata do registro no CADIN4 e desde que o meio alternativo de
cobrança seja regulamentado pelo ente tributante, conforme re-
comendação do STF no julgamento da ADI 5.135/DF.
4 Art. 7º da Lei n. 10.522/2002.
5. VIRTUALIZAÇÃO DOS
JULGAMENTOS TRIBUTÁRIOS1
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto2
Daniel de Paiva Gomes3
Nesse novo artigo da série “Processo Administrativo, Ju-
dicial e Execução Fiscal do século XXI”, reafirmamos a intenção
de, com revisões pontuais do sistema processual tributário
(https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-admi-
nistrativo-judicial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-
28012021), podemos ver superados grandes entraves de nosso
contencioso.
1 Texto originalmente publicado em 26/02/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/virtualizacao-julgamentos-tri-
butarios-26022021 2 Doutorando em Direito Público pela Universidade do Minho (Portugal), Mes-
tre em Tributação Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário -
IBDT, Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São
Paulo (2020/21) e Advogado. Membro-pesquisador do projeto de pesquisa
“Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século XXI”, da
Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP.
Advogado em São Paulo. Responsável executivo pelo projeto de pesquisa “Pro-
cesso Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à
linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO E DANIEL DE PAIVA GOMES
28
Olharemos, agora, para a recente controvérsia sobre a ex-
tensão das matérias debatidas em julgamentos virtuais. De fato,
a expansão da transformação digital avançou a passos largos em
2020,4 sendo estendida aos órgãos administrativos e judiciais res-
ponsáveis por julgamentos tributários.
Sem prejuízo da possível análise do tema no contexto de
outros tribunais (judiciais ou administrativos), a presente aborda-
gem focará no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal –
STF e a interação entre julgadores, jurisdicionados e seus procu-
radores no cenário de total digitalização.
Em primeiro lugar, necessário fazer uma breve ressalva.
É que julgamento remoto não se confunde com julgamento vir-
tual. No julgamento remoto, há o julgamento em tempo real, com
debates e sustentações orais, tal como se ocorresse presencial-
mente, com a única diferença de que o julgamento é conduzido
por videoconferência.
Por outro lado, no julgamento virtual, que se aproxima
muito do já conhecido conceito do “julgamento em bloco”, não
ocorrem debates orais e sustentação oral. Ao invés disso, o rela-
tor adianta o seu voto e o expõe aos demais ministros, que pode-
rão aderir ao seu entendimento ou suscitar divergência.
Em se tratando do Plenário Virtual do STF, o relator
apresenta o seu voto no sistema eletrônico, ao passo que os de-
mais ministros deverão, no curso de cinco dias úteis do início do
julgamento, acompanhar o voto do relator (ou acompanhar e ma-
nifestar-se em separado), apresentar voto divergente ou acompa-
nhar a divergência já instaurada.
4 Segundo a Associação dos Magistrados Brasileiros, desde o início da pande-
mia até o dia 19 de janeiro deste ano, o total de movimentos processuais cor-
responde ao incrível número de 1.008 bilhão, acrescido de 22,5 milhões de sen-
tenças e acórdãos, 34 milhões de decisões e 58,2 milhões de despachos. Cf.
AMB. Confira a produtividade do Poder Judiciário durante a pandemia. Dispo-
nível em: https://www.amb.com.br/campanhas/confira-produtividade-do-po-
der-judiciario-durante-pandemia/ Acesso: 02.fev.2021.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
29
A modalidade de julgamento pelo Plenário Virtual é
fruto da instituição do processo eletrônico pela Lei 11.419/2006,
tendo sido adotado pelo STF em 2007, com o intuito de conferir
agilidade nos julgamentos sobre a existência de repercussão geral
em recursos extraordinários. Posteriormente, as Resoluções STF
587/2016 e 611/2018 possibilitaram a aplicação dessa sistemá-
tica para julgamentos de agravos internos e embargos de decla-
ração. Até então, a proposta tecnológica aplicada não causava
embates, já que viabiliza julgamentos mais céleres em temas que
não demandavam sustentação oral ou manifestação das partes.
Vê-se, portanto, que a tecnologia não requalifica o ato
processual: estamos diante da mesma realidade, apenas remol-
dada para fins de garantia da celeridade processual.
Em 2019, a Resolução 642 ampliou o escopo do plenário
virtual para diversas modalidades de julgamentos, a fim de abran-
ger recursos extraordinários ainda que afetados para julgamento
sob a sistemática da repercussão geral, além de julgamentos de
controle concentrado de constitucionalidade (Adin, ADC etc.).
Assim, é possível a ocorrência de julgamentos de matérias com
relevante impacto social por meio do (i) plenário virtual e (ii)
plenário por videoconferência,5 ou julgamento remoto (Resolu-
ção 672/2020, semelhante ao julgamento presencial, mas utili-
zando ferramentas de reunião virtual).
Embora o julgamento pelo plenário virtual seja conver-
sível em julgamento presencial, por pedido das partes ou por
qualquer dos Ministros no curso do julgamento, fato é que houve
um aumento considerável na adoção dessa modalidade (virtual)
nos últimos anos – exacerbado no período pandêmico – para jul-
gamentos de temas sensíveis aos jurisdicionados e Fazendas Pú-
blicas, mesmo existindo a possibilidade de debates por julga-
mento em videoconferência.
5 Nessa última modalidade, além de oportunizar debate entre os julgadores pre-
sentes em sessão, tem-se a possibilidade de realizar sustentação oral e interven-
ção das partes sobre questões de ordem ou esclarecimentos de fatos relevantes
no curso do julgamento.
RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO E DANIEL DE PAIVA GOMES
30
A utilização do julgamento (o virtual) é salutar. O pro-
blema reside no modo como ocorre o julgamento: a adesão a uma
determinada posição, na “sombra do plenário virtual”, mesmo
nas situações em que os jurisdicionados desejam sustentar oral-
mente suas razões, deve ser repensada, levando-se em considera-
ção a força dos precedentes julgados sob a sistemática da reper-
cussão geral.
As principais controvérsias sobre a modalidade virtual
referem-se às limitações aos debates de matérias sensíveis e com
grande impacto social, postas em votação pelos julgadores e de-
mais interessados no deslinde da controvérsia, assim como a au-
sência do direito ao uso da palavra em sustentação oral presencial
(sem a certeza que as sustentações gravadas sejam levadas em
consideração no julgamento) ou a solicitação de esclarecimentos
e levantamento de questões de ordem durante o julgamento vir-
tual.6
Aproveitando a recentíssima discussão em curso sobre a
regularidade dos julgamentos 100% digitais e a possibilidade de
ampliação do uso do ambiente remoto pelo Conselho Nacional
6 Há críticas voltadas também aos julgamentos por videoconferência. O julga-
mento por videoconferência é equivalente ao julgamento presencial em tempo
real. A preocupação deste texto é endereçar questões relacionadas ao julga-
mento virtual. Para maiores aprofundamentos: Cf. POMPEU. Ana. Julgamen-
tos tributários no plenário virtual do STF na pandemia: um novo recorde? Dis-
ponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/sessoes-virtuais-do-stf-preo-
cupam-advogados-e-geram-criticas-de-partes-das-acoes-28042020, Acesso:
02.fev.2021. JOTA. Julgamentos tributários no plenário virtual do STF na pan-
demia: um novo recorde? Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-ana-
lise/artigos/julgamentos-tributarios-no-plenario-virtual-do-stf-na-pandemia-
um-novo-recorde-06082020, SALUSSE. Eduardo. A Virtualização dos Julga-
mentos e os tributos. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-
meada/post/2020/10/a-virtualizacao-dos-julgamentos-e-os-tributos.ghtml;
Acesso: 02.fev.2021. e COSTA. Cesar Augusto Rodrigues. Considerações so-
bre o julgamento virtual e ampla defesa. Disponível em: https://www.con-
jur.com.br/2020-abr-19/opiniao-julgamento-virtual-ampla-defesa Acesso:
02.fev.2021.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
31
de Justiça - CNJ pelo “Juízo 100% Digital”7, é importante utilizar
esta oportunidade para reconhecer que o desenho normativo dos
julgamentos virtuais deve levar em consideração os reclamos de
toda sociedade civil, em especial nas questões relativas aos jul-
gamentos virtuais de leading cases.
É claro que a discussão relativa à regulamentação dos
julgamentos virtuais acaba por transcender as disputas relaciona-
das às causas tributárias, todavia, com o número elevado de teses
tributárias em discussão e a possibilidade de overruling de enten-
dimentos outrora consolidados, quer nos parecer que os leading
cases tributários são afetados de forma diferenciada pela siste-
mática do Plenário Virtual do STF.
Frisemos, de todo modo: não se pretende endereçar re-
sistência às iniciativas de um Judiciário Digital ou clamar pela
extinção do plenário virtual. Muito pelo contrário, a ideia é esta-
belecer uma diretriz legal que possibilite ao jurisdicionado soli-
citar a retirada, embasada em critérios objetivos, do seu caso do
ambiente de julgamento virtual.
É fundamental entender que os processos que dependam
de um amplo debate sobre a repercussão geral da tese central do
mérito enfrentado, ou a inédita manifestação da Suprema Corte
sobre matéria de relevante impacto social em julgamento, devam
seguir o rito presencial ou remoto por videoconferência, com a
ampla participação das partes e debates em tempo real entre jul-
gadores.
O que se faz necessário, portanto, é garantir ao jurisdici-
onado a oportunidade de demonstrar que seu caso específico não
se enquadra na hipótese de plenário virtual, possibilitando oposi-
ção fundamentada à sua submissão ao citado sistema. Nesse sen-
tido, a nosso ver, três alterações pontuais na legislação processual
civil poderiam endereçar uma solução ao debate indicado.
7 Conselho Nacional de Justiça. Cartilha Juízo 100% Digital. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/10/WEB_cartilha_Ju-
izo_100porcento_digital_v3.pdf Acesso: 02.fev.2021.
RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO E DANIEL DE PAIVA GOMES
32
Em primeiro lugar, a inclusão de um parágrafo único no
artigo 194 do CPC, de modo a estabelecer que “A modalidade de
julgamento em plenário virtual é aplicável aos processos subme-
tidos à sistemática de repercussão geral, dos recursos repetitivos
e no controle concentrado de constitucionalidade, desde que não
haja oposição fundamentada das partes e, após devidamente in-
timadas para tanto, as partes não manifestem, expressa ou taci-
tamente, interesse em realizar sustentação oral”.
Em segundo lugar, acreditamos que possa ser incluído
um §7º no artigo 1.036 do CPC, consignando que “É defesa a
submissão de processos afetados na forma do caput deste artigo
ao julgamento por plenário virtual, sendo obrigatória a realiza-
ção de sessão presencial ou remota, nos casos em que, além de
existir manifestação expressa das partes requerendo a realiza-
ção de sustentação oral, seja apresentada oposição fundamen-
tada pelos jurisdicionados acerca da aplicação da sistemática
do julgamento virtual, na forma do parágrafo único do artigo
194 deste Código”.
Por fim, a reinserção do artigo 945 ao Código de Pro-
cesso Civil, com uma nova redação, pode robustecer a celeridade,
garantindo-se ao mesmo tempo o acesso à justiça e ampla defesa,
nos seguintes moldes:
Art. 945. Ao julgar temas fundamentados em jurispru-
dência consolidada pelos Tribunais Superiores, os órgãos
julgadores poderão realizar o julgamento virtual do pro-
cesso, intimando as partes a se manifestarem eventual in-
teresse na realização de sustentação oral.
Parágrafo 1º. A parte deverá manifestar fundamentada-
mente sua oposição ao julgamento virtual, demonstrando
não se tratar de matéria indicada no caput ou indicando
matéria nova que justificaria o julgamento presencial ou
remoto, cabendo ao juízo monocrático ou relator do re-
curso a deliberação sobre o pedido.
Parágrafo 2o: Caso surja divergência entre os integrantes
do órgão julgador durante o julgamento virtual, este
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
33
ficará imediatamente suspenso, devendo a causa ser apre-
ciada em sessão presencial ou remota em tempo real com
transmissão ao vivo.
Esperamos que esses pontos possam servir para a melho-
ria do ambiente dos julgamentos virtuais, sobretudo em matéria
tributária.
6. OFERTA ANTECIPADA DE GARANTIA NO ÂMBITO
ADMINISTRATIVO1
Aristóteles de Queiroz Camara2
Karina Gomes Andrade3
Rodrigo Veiga Freire e Freire4
O objetivo deste texto, refletindo sobre o aperfeiçoa-
mento da legislação processual tributária, é lançar proposta ten-
dente a simplificar o complexo sistema de garantias do contenci-
oso tributário brasileiro, fazendo-o mediante a inserção de per-
missão para que o contribuinte apresente antecipe sua prestação
tão logo encerrado o contencioso administrativo ou cessada qual-
quer hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário
no âmbito administrativo, sem que seja necessária a prévia ins-
crição do crédito em dívida ativa.
1 Texto originalmente publicado em 05/03/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-execucao-fiscal-05032021
2 Doutorando em Direito Financeiro pela USP e advogado. Pesquisador do pro-
jeto “Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século XXI”,
referente à linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de
Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Mestra em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP e Advogada. Membro-
pesquisadora do projeto “Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fis-
cal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tri-
butário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
4 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP e Advogado e Pesqui-
sador do projeto “Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do
século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”
do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
35
Até bem pouco tempo atrás, não se falava em garantia
prestada no âmbito administrativo. Sua oferta estava vinculada à
instauração do contencioso judicial por iniciativa da Fazenda Pú-
blica (garantias ofertadas em sede de execução fiscal) ou por ini-
ciativa do contribuinte (as chamadas cautelares de antecipação
de garantia), sendo essas últimas justificadas, de um lado, pelo
lapso de tempo considerável que entremeia o fim do processo ad-
ministrativo, a cessação dos efeitos provenientes de outras causas
de suspensão da exigibilidade do crédito tributário ou, ainda, o
fim do prazo da cobrança amigável em se tratando de débitos não
contestados administrativamente ou constituídos por declaração
e a sua inscrição na dívida ativa com o consequente ajuizamento
da execução fiscal e, de outro, pela urgência de o contribuinte
obter os efeitos da garantia do crédito tributário, dentre os quais
se destaca a certificação da regularidade fiscal.
No âmbito exclusivo do contencioso federal, a Portaria
PGFN n. 33, de 08 de fevereiro de 2018, criou uma nova etapa
do contencioso tributário que sucede o processo administrativo e
precede o ajuizamento da execução fiscal, na qual os contribuin-
tes têm a oportunidade de ofertar antecipadamente garantia às
execuções fiscais, uma vez notificado para pagamento do débito
inscrito em dívida ativa da União, a teor do art. 8º.
Trata-se de um importante instrumento de aperfeiçoa-
mento do diálogo entre Poder Público e contribuinte, evitando a
multiplicidade de demandas judiciais em torno da garantia do
crédito tributário. A citada Portaria proporcionou ganhos rele-
vantes à simplificação do contencioso tributário, concorrendo
para o descongestionamento do Poder Judiciário, bem como con-
ferindo agilidade ao processo de cobrança judicial que já se inicia
com a garantia predefinida.
Contudo, além de ter aplicação restrita à esfera federal, a
Portaria não resolve o problema derivado de um relevante con-
tingente de processos que precisam ser garantidos logo após o
encerramento do processo administrativo fiscal, uma vez que só
permite a oferta das garantias após o ato de inscrição em dívida
ativa, marco temporal definidor do início das atribuições da
ARISTÓTELES DE QUEIROZ CAMARA, KARINA GOMES ANDRADE E
RODRIGO VEIGA FREIRE E FREIRE
36
PGFN para prática de atos de cobrança e correlatos atos de gestão
do crédito tributário.
Como medida implantada por meio de norma regulamen-
tar expedida exclusivamente pela PGFN, é compreensível o li-
mite ali estabelecido como forma de evitar conflito de competên-
cia na cobrança do crédito tributário nos âmbitos administrativo
e judicial. Tal providência, contudo, não foi capaz de evitar de-
bates acerca da eventual sobreposição de atribuições entre o pro-
cedimento executado pela RFB intitulado Cobrança Administra-
tiva Especial (“CAE”) e a nova sistemática de diálogo adminis-
trativo da citada Portaria entre o credor e o contribuinte. Embora
a RFB e a PFN tenham fronteiras bem delimitadas de seus res-
pectivos campos de atuação, não se pode perder de vista que o
crédito tributário tem um único titular que é a Fazenda Pública.
Portanto, normas que simplifiquem o contencioso e ma-
ximizem os índices de recuperabilidade dos créditos tributários
devem ser recepcionadas pelo nosso sistema jurídico. Não é de-
mais lembrar que a atuação da Administração Pública deve sem-
pre estar pautada pelo princípio da eficiência consagrado em
nossa Constituição Federal.
Nesse sentido, a nossa proposta visa assegurar ao contri-
buinte o direito de ofertar garantia antecipada do crédito tributá-
rio em âmbito administrativo, observadas as modalidades previs-
tas no atual art. 9º da LEF, fazendo-o em todas as esferas, federal,
estadual e municipal, mesmo antes do ato de inscrição em dívida
ativa, uma vez cessadas as causas de suspensão da exigibilidade
do crédito tributário ou o prazo para a cobrança amigável, dele-
gando-se aos órgãos de representação judicial das Fazendas Pú-
blicas competência para regulamentar o exercício desse direito.
Essa inovação seria veiculada por meio de disposições inseridas
no texto da Lei de Execução Fiscal (LEF), sendo aplicável, por-
tanto, a todas as Fazendas Públicas.
A despeito do que já estabelece o art. 206 do CTN, nos
parece conveniente esclarecer que a aceitação da oferta anteci-
pada, desde que em valor suficiente para garantia integral dos
débitos acrescidos de juros, multas e demais encargos, obsta a
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
37
constituição de restrições tendentes a forçar o pagamento, asse-
gurando-se ao sujeito passivo, ainda, a emissão de certidão de
regularidade fiscal.
A proposta em comento, além de dissipar qualquer dú-
vida sobre a atribuição a ser delegada aos órgãos de representa-
ção judicial das Fazendas Públicas – sem prejuízo de se pensar,
no futuro, da prestação de garantia no âmbito da própria RFB e
Secretarias das Fazendas –, trará ganhos para todos os atores do
contencioso tributário. Ganham os contribuintes com a disponi-
bilização de uma ferramenta previa de diálogo sobre a garantia
do crédito tributário e a atestação de sua regularidade fiscal de
forma mais célere e sem os custos de transação de um processo
judicial. Ganham as Fazendas Públicas ao antecipar a garantia de
seus créditos, medida que aumentará as taxas de recuperabilidade
se comparado a um credor sem garantia. Finalmente, ganha o Po-
der Judiciário que poderá concentrar a sua energia e esforços para
julgar a demanda principal que é dar a resposta sobre a legalidade
ou ilegalidade do crédito tributário, evitando um desgastante e
desnecessário debate sobre a garantia, tema que não é e nem de-
veria ser o propósito central do contencioso tributário.
A despeito de todo o cenário favorável propiciado pela
inovação proposta, é importante deixar claro que subsistirá, em
qualquer circunstância, o interesse de agir no ajuizamento da cau-
telar de antecipação de garantia, fundada no art. 206 do CTN,
com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição e no ca-
ráter facultativo da oferta na seara administrativa mormente
quando, dadas as peculiaridades do caso concreto, não houver
tempo hábil para aguardar o prazo regulamentar de apreciação da
garantia ofertada no âmbito administrativo ou quando restar con-
figurada, na perspectiva do sujeito passivo, recusa infundada da
oferta administrativa.
7. SOBRESTAMENTO DE PROCESSOS
ADMINISTRATIVOS QUE ENVOLVAM MATÉRIA
DECIDIDA PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES1
Daniel Souza Santiago da Silva 2
Maria Raphaela Dadona Matthiesen 3
Natalia Ciongoli4
Breno Ferreira Martins Vasconcelos5
Voltamos nosso foco, nesse artigo, a um problema (pe-
culiar, mas muitíssimo expressivo na prática tributária) relacio-
nado ao contencioso administrativo: a definição do tratamento a
1 Texto originalmente publicado em 12/03/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-5-12032021
2 Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Membro-pesquisador do projeto
de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século
XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Núcleo de
Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Sócio de Neves e Battendieri
Advogados
3 Especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP. Membro-pesquisa-
dora do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributá-
rio”, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Pesquisadora
no Insper. Advogada de Mannrich e Vasconcelos Advogados.
4 Especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP. Membro-pesquisa-
dora do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributá-
rio”, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Advogada do
Neves & Battendieri Advogados.
5 Mestre pela PUC-SP e doutorando na FGV-SP. Professor de pós-graduação e
pesquisador na FGV-SP e no Insper. Sócio do escritório Mannrich e Vasconce-
los Advogados.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
39
ser dado aos processos administrativos que envolvam matéria de-
cidida pelos tribunais superiores, com efeitos transcendentes, en-
tre a data da decisão e a do seu trânsito em julgado.
Desde a alteração do Código de Processo Civil de 2015
(“CPC”), para permitir a atribuição de eficácia transcendente às
decisões dos tribunais superiores, alguns órgãos administrativos
de julgamento de processos tributários passaram a disciplinar os
efeitos que o reconhecimento da repercussão geral e da existência
de recurso representativo de controvérsia acarretariam à tramita-
ção daqueles processos (os administrativos).
No âmbito federal, por exemplo, durante determinado
período6 vigeu regra que estabelecia o sobrestamento de recursos
no CARF sempre que o STF sobrestasse o julgamento dos recur-
sos extraordinários de mesma matéria, efeito que perdurava até a
prolação de decisão no paradigma judicial. Dois anos depois,
possivelmente em razão da demora na apreciação dos leading ca-
ses pelo STF, a regra foi alterada para permitir o julgamento ad-
ministrativo mesmo após a afetação de mesma matéria em nível
de repercussão geral.
A lógica de racionalidade e de segurança que inspirou o
CPC de 2015, contudo, deve inspirar também os julgadores ad-
ministrativos, evitando que seus processos sejam decididos de
forma contrária ao entendimento definido em julgamentos com
efeitos transcendentes.
Em sintonia com o interesse público e com a economia
processual, a adequação da jurisprudência administrativa à tese
fixada pelos tribunais superiores, de modo semelhante ao que dis-
põe o art. 927 do CPC, é essencial para a redução de litígios, evi-
tando-se a judicialização de matérias já definidas de modo vin-
culante, a perpetuação de litígios e o congestionamento ainda
6 Alteração introduzida pela Portaria MF nº 586, de 21/12/2010, que incluiu os
§§1º e 2º no art. 62-A do Regimento Interno do CARF, aprovado pela Portaria
MF nº 256, de 22/06/2009. Tal comando foi revogado pela Portaria MF nº 545,
de 18/11/2013.
DANIEL SOUZA SANTIAGO DA SILVA, MARIA RAPHAELA DADONA MATTHIESEN,
NATALIA CIONGOLI E BRENO FERREIRA MARTINS VASCONCELOS
40
maior do Poder Judiciário, com a provável condenação da Fa-
zenda Pública no pagamento de custas sucumbenciais.
Esse modelo sinaliza, ainda, para a concretização da iso-
nomia (e até mesmo ao equilíbrio concorrencial, por derivação),
pois evita que contribuintes com situações fáticas equivalentes
recebam soluções diferentes na esfera administrativa não por
uma alteração nos critérios jurídicos envolvendo o tema, mas
apenas em razão da data de julgamento de suas demandas.
A ausência de prazo para que os tribunais superiores de-
cidam os leading cases, a multiplicidade de temas afetados como
repetitivos e o grande acúmulo de processos que aguardam solu-
ção, podem ser elementos que justifiquem a resistência dos tri-
bunais administrativos na adoção de regra semelhante àquela pre-
vista no CPC de 2015 – sobrestar recursos que versem sobre con-
trovérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo STF e pelo
STJ.
Mesmo no âmbito judicial, o sobrestamento nem sempre
segue um procedimento equânime, razão pela qual exigi-lo no
âmbito administrativo diante do reconhecimento da repercussão
geral ou da representatividade da controvérsia não nos parece ser
a melhor solução, já que poderia retardar demasiadamente a so-
lução na órbita de que tratamos – a administrativa.
Situação diversa, no entanto, ocorre nos casos em que a
matéria já foi decidida pelo tribunal superior, mas a decisão pro-
ferida não se tornou definitiva – uma fatia importante do pro-
blema. Vários são os exemplos em que a matéria se encontra
nessa status: foi julgada, mas a decisão não transitou, aguar-
dando-se o julgamento de novos recursos, como os embargos de
declaração.7 No âmbito federal, por exemplo, o Regimento do
CARF estabelece que somente as decisões definitivas de mérito,
com efeitos transcendentes, deverão ser observadas pelos julga-
dores.
7 Um conhecido exemplo é o julgamento do RE 574.706, em que o STF julgou
inconstitucional a incidência do PIS/Cofins sobre ICMS. A PGFN opôs embar-
gos de declaração, em 31/10/2017, pendentes de julgamento.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
41
Qual deve ser a solução a ser adotada pelos julgadores
administrativos, entre a data do julgamento do tema repetitivo e
a data da definitividade da decisão?
Se, por um lado, não parece recomendável que o tribunal
administrativo aplique o entendimento fixado antes do trânsito
em julgado, por outro, não faz sentido que o órgão administrativo
de julgamento ignore a existência de decisão com força transcen-
dente proferida pelo tribunal superior, mormente para decidir de
modo contrário à tese firmada, fazendo-o sob o simples argu-
mento de que a decisão judicial não se fez definitiva.8
Diante de tal cenário, uma solução plausível e que con-
cilia os inúmeros interesses em jogo parece ser a determinação
do sobrestamento de processos administrativos que envolvam
matérias decididas com eficácia transcendente pelos tribunais su-
periores,9, entre a data de sua prolação e a de sua definitivização,
aplicando-se regramento semelhante àquele previsto no CPC de
2015. Após o trânsito em julgado do julgamento em paradigma,
poderá ser retomado o curso do processo e aplicada a tese fir-
mada, nos termos do artigo 1.039 daquele diploma.
Essa regra, porque pertinente aos efeitos do julgamento,
mesmo que não definitivo de recursos pelos tribunais superiores,
hospedar-se-ia naturalmente no CPC, sendo obrigatória, por isso,
em relação a todas as esferas atingidas – federal, estaduais e mu-
nicipais. Para fins de implementação da alteração sugerida, um
8 Essa situação ocorreu, por exemplo, no julgamento do processo nº
10480.723970/2010-65, em que a 3ª Turma da Câmara Superior deixou de apli-
car, sob a alegação de não haver transitado em julgado, decisão de mérito do
STF no RE 592.891, com repercussão geral. O acórdão do STF já havia sido
publicado com a seguinte tese: “Há direito ao creditamento de IPI na entrada de
insumos, matéria-prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona
Franca de Manaus sob o regime da isenção, considerada a previsão de incenti-
vos regionais constante do art. 43, § 2º, III, da Constituição Federal, combinada
com o comando do art. 40 do ADCT”.
9 Cumpre destacar que a situação tratada no presente artigo e a sugestão de so-
brestamento do processo entre a data da decisão e o seu trânsito em julgado
constou da minuta de alteração do Regimento Interno do CARF, objeto da Con-
sulta Pública aberta pela Portaria CARF nº 1.744, de 21/01/2020.
DANIEL SOUZA SANTIAGO DA SILVA, MARIA RAPHAELA DADONA MATTHIESEN,
NATALIA CIONGOLI E BRENO FERREIRA MARTINS VASCONCELOS
42
caminho possível partiria da inclusão de previsão do sobresta-
mento dos processos administrativos em todas as esferas, sendo
nossa sugestão o acréscimo de um parágrafo no artigo 1.036, com
a seguinte redação:
Art. 1.036
§14. Ocorrido o julgamento de mérito dos recursos ex-
traordinário e especial repetitivos, os processos adminis-
trativos fiscais que versem sobre a mesma matéria, em
qualquer esfera federativa, terão o julgamento sobres-
tado até a superveniência do trânsito em julgado do pre-
cedente.
§15 O sobrestamento previsto no §14 deste artigo será
limitado às matérias tratadas no processo administrativo
relativamente às quais haja identidade com os recursos
extraordinário e especial repetitivos, sem prejuízo do so-
brestamento de matérias que sejam prejudiciais em rela-
ção àquela afetada pelos Tribunais Superiores.
Apesar da clareza do comando, considerando que muitos
julgadores administrativos resistem a aplicar as regras do CPC na
tramitação dos processos administrativos, sob os mais diversos
argumentos, apresentamos sugestão complementar, de adequa-
ção das legislações regulamentadoras em cada ente federado.
A fim de ilustrar o que ora se propõe, e como forma de
já contribuir com o debate, apresentamos a seguir uma sugestão
de regramento para alteração do processo administrativo fiscal
federal, com a inclusão do art. 26-B ao Decreto nº 70.235/72:
Art. 26-B. Deverão ser sobrestados os julgamentos de re-
cursos que envolvam matéria decidida pelo Supremo Tri-
bunal Federal, ou, em questão exclusivamente infracons-
titucional, pelo Superior Tribunal de Justiça, em pro-
cesso representativo de controvérsia, ainda não
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
43
transitado em julgado, até que haja o trânsito em julgado
da decisão proferida pelo tribunal superior.
8. O PROBLEMA DA APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES
ANTES DE SEU TRÂNSITO EM JULGADO1
Fernanda Donnabella Camano de Souza2
Juliana Furtado Costa Araujo3
Em continuidade à série de artigos produzidos no âmbito
do NEF da FGV Direito SP, abordaremos o problema da aplica-
ção dos precedentes definidos pelo Supremo Tribunal Federal em
sede de recurso extraordinário repetitivo com repercussão geral
reconhecida, no intervalo de tempo demarcado a partir da publi-
cação do respectivo acórdão, mas enquanto pendentes embargos
de declaração, isto é, na medida em que a decisão ainda não se
tornou definitiva.
Não há dúvidas de que o CPC/2015 reforçou e aprimorou
a necessidade de obediência aos precedentes imposta desde 1998,
quando implementadas as reformas ao CPC/1973. Desde aquela
ocasião, autorizava-se ao relator negar ou dar provimento ao
1 Texto originalmente publicado em 19/03/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-do-seculo-xxi-19032021
2 Pós-Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Ad-
vogada. Membro do projeto “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito
Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP.
3 Doutora em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Professora do Mestrado Profissional da FGV DIREITO SP.
Procuradora da Fazenda Nacional, atuando como procuradora-chefe da Defesa
na PRFN/3ª Região. Membro do projeto “Processo Administrativo, Judicial e
de Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão
do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
45
recurso de modo a ajustar a decisão recorrida à jurisprudência
dos Tribunais Superiores. No entanto, como não havia regra
acerca da vinculação dos precedentes nos moldes em que hoje a
concebemos (art. 927, I a V, CPC), a questão aqui tratada, se
ocorria, não se dava em larga escala, prevalecendo o ideal persu-
asivo ínsito a qualquer decisão judicial.
A definitiva aquisição do sistema de precedentes no
CPC/2015 potencializou aquela obrigatoriedade de segui-los por
meio de regras procedimentais próprias, todas desdobradas da tí-
mida vinculação nos primórdios da sistemática anterior, bem
como da necessidade de garantir uniformidade, coerência e efe-
tividade ao sistema.
O efeito vinculante legalmente conferido aos preceden-
tes concretizados pelo CPC/2015 jogou luzes sobre o problema
apontado neste texto, que foi claramente amplificado pela pro-
gressão geométrica de “teses” jurídicas afetadas e decididas ao
longo dos últimos anos, segundo mecanismos próprios ao nosso
sistema.
Em matéria tributária, a luz vermelha a respeito do pro-
blema referido neste artigo foi acesa no caso da exclusão do
ICMS da base de cálculo da Contribuição ao PIS/COFINS, por
conta do lapso de tempo decorrido desde a publicação do acórdão
que, por força da oposição dos embargos de declaração pela
União (com pedido de efeitos modificativos e de modulação),
ainda não transitou em julgado.
Pois bem. O CPC prescreve que os Tribunais aplicarão a
tese firmada no precedente quando publicado o respectivo acór-
dão (art. 1.040 e incisos). No entanto, silencia a respeito de se a
decisão deve ser dotada de definitividade.
A par de tal omissão, o CPC possibilitou atribuir aos em-
bargos declaratórios efeitos infringentes, a ensejar a possível al-
teração da tese firmada, o que não contribui para a racionalidade
do sistema, se o precedente for aplicado imediatamente; mas, de
outra forma, aquele recurso não é dotado de efeito suspensivo,
FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA E JULIANA FURTADO COSTA ARAUJO
46
levando alguns a sustentar não ser necessário aguardar a solução
definitiva.
Todavia, o problema toca em temas mais profundos,
além das regras processuais. Isso porque, o sistema de preceden-
tes concorre, ao fim e ao cabo, para a efetividade das decisões
judiciais, implicando a redução da litigiosidade.
Considerando que, em eventual hipótese de alteração do
julgado ou restrição temporal de seus efeitos, as partes buscarão
novamente o Judiciário para proceder à adequação das decisões
por elas obtidas ao que restar sacramentado pelo precedente, sua
aplicação imediata caracterizará um duto para reprodução de de-
mandas desnecessárias.
Ademais, pela aplicação prematura de julgado ainda não
definitivo, há o risco de flexibilizar o conceito de uniformidade
inerente ao sistema de precedentes, de sorte a concretizar distin-
ções entre os destinatários da decisão emanada pela Corte Supe-
rior, com forte impacto no âmbito concorrencial.
Por outro lado, não se compatibiliza com o sistema de
precedentes e, pois, com a efetividade sistêmica a demora na en-
trega da prestação jurisdicional, especialmente quando a tese foi
objeto de debate e decisão pelo Supremo Tribunal Federal (ainda
quando opostos embargos de declaração). Fosse assim, inúmeros
casos restariam pendentes de solução até a decisão tornar-se de-
finitiva, acarretando litígios laterais (relativos à suspensão da exi-
gibilidade do crédito tributário nesse período, ao direito às certi-
dões negativas etc.).
Mas não é só. A indefinição leva à “natural” novas dis-
cussões sobre teses filhotes no âmbito tributário, o que agrava o
contencioso e em nada colabora para a racionalidade do sistema.
Uma das medidas possíveis a ser adotada é a de que a
parte, que pretende se valer da suspensão da aplicação do prece-
dente enquanto não se tornar definitivo, pleiteie tal providência
ao relator do paradigma, com fundamento no art. 1.037, II, do
CPC (aplicável por analogia), evitando, por conseguinte, a pro-
lação de decisões inconsistentes entre os diversos juízos.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
47
Entretanto, ainda assim, caberiam ao menos onze inter-
pretações sobre tal pleito, variáveis casos a caso, a depender do
relator do processo paradigma, na hipótese de considerar discri-
cionária tal definição.
Diante desse cenário, a solução imediata remonta ao Le-
gislativo, pois é inerente ao contencioso tributário a parte que
saiu vencida pretender a postergação da aplicação do precedente,
ao passo que, se o resultado fosse outro, agiria de forma contrária.
Argumentos existem para ambos os lados, a depender da situação
concreta, o que pode ser combatido, se houver regra expressa no
Código Processual.
Para evitar tal problema, seria possível pensar em uma
alteração pontual ao art. 1.040 do CPC4, de maneira que a apli-
cação do precedente ocorra após sua definitividade. E, para difi-
cultar a oposição de embargos protelatórios, incidiria a multa pre-
vista no Código, a qual poderia ter seus limites majorados nessa
hipótese.
Não se pode perder de vista que tal solução resolveria o
problema do retorno ao Judiciário, caso tenha ocorrido a aplica-
ção do precedente que posteriormente venha a ser alterado, mas
não impediria a proliferação das teses filhotes, o que independe
da definitividade da solução, se compreendermos que estamos
diante de um sistema de precedentes cuja vinculação se dá por
identidade absoluta. No entanto, mesmo não se apresentando
ideal, ao menos minimizaria, em parte, a conflituosidade que se
intenta evitar.
4 A modificação poderia dar-se da seguinte forma: “Art. 1.040. Transitado em
julgado o acórdão paradigma: (...)”.
9. JULGAMENTO MONOCRÁTICO NA ESFERA
ADMINISTRATIVA DE TEMAS DECIDIDOS DE
FORMA DEFINITIVA PELO JUDICIÁRIO1
Daniel Souza Santiago da Silva2
Maria Raphaela Dadona Matthiesen3
Natalia Ciongoli4
Breno Ferreira Martins Vasconcelos5
1 Texto originalmente publicado em 29/03/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-6-29032021
2 Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Membro-pesquisador do projeto
de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século
XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Núcleo de
Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Sócio de Neves e Battendieri
Advogados.
3 Especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP. Membro-pesquisa-
dora do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributá-
rio”, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Pesquisadora
no Insper. Advogada de Mannrich e Vasconcelos Advogados.
4 Especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP. Membro-pesquisa-
dora do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributá-
rio”, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Advogada do
Neves & Battendieri Advogados.
5 Mestre pela PUC-SP e doutorando na FGV-SP. Professor de pós-graduação e
pesquisador na FGV-SP e no Insper. Sócio do escritório Mannrich e Vasconce-
los Advogados.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
49
No âmbito do processo judicial,6 o relator tem competên-
cia para apreciar, em caráter monocrático, recurso versando so-
bre matéria sumulada pelo STF, pelo STJ ou pelo próprio tribu-
nal, ou objeto de acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em
julgamento de recursos repetitivos.
Considerando o elevado estoque de processos e o ex-
tenso lapso temporal para a conclusão dos julgamentos, o meca-
nismo preconizado para a esfera judicial mostrar-se-ia hábil para
conferir celeridade à solução de litígios também na esfera admi-
nistrativa tributária, permitindo o julgamento singular tendente à
aplicação de jurisprudência consolidada.
Como demonstrado em estudo divulgado pelo Núcleo de
Tributação do Centro de Regulação e Democracia do Insper,7 em
2019 o contencioso fiscal na esfera administrativa somava 1,43
trilhões de reais, considerando-se os estoques da União, dos Es-
tados, do Distrito Federal e das capitais.
Para que se tenha uma dimensão, apenas no âmbito fede-
ral, o estoque é superior a 101 mil processos pendentes no Con-
selho Administrativo de Recursos Fiscais - Carf, que somam
quantia próxima a R$800 bilhões de reais.
A par da magnitude desses números, no período entre
2011 e 2020, foram proferidos anualmente em média 19.239
acórdãos.8
Esse cenário denota a necessidade de que, além das me-
didas de redução da complexidade do sistema tributário e da alta
litigiosidade fiscal no País, há um campo de atuação dos tribunais
administrativos no sentido de dar vazão ao estoque de seus pro-
cessos: a implementação do julgamento monocrático que sinali-
zamos iria exatamente nessa linha, ademais de permitir a
6 Artigo 932, incisos IV e V, alíneas “a” e “b”, do CPC.
7 Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2021/01/Con-
tencioso_tributario_relatorio2020_vf10.pdf. Acesso em: 18 de março de 2021.
8 As informações foram obtidas nos relatórios de dados gerenciais divulgados
pelo Carf, disponíveis em: http://carf.economia.gov.br/dados-abertos, acessado
em 18/03/2021.
DANIEL SOUZA SANTIAGO DA SILVA, MARIA RAPHAELA DADONA MATTHIESEN,
NATALIA CIONGOLI E BRENO FERREIRA MARTINS VASCONCELOS
50
concretização da segurança jurídica e a conformação de um sis-
tema processual mais integrado e harmônico.
Somente em 2020 foram julgados pelo STF cinco temas
em matéria tributária, com repercussão geral reconhecida, tendo
a Procuradoria da Fazenda Nacional editado, no mesmo ano, atos
normativos para disciplinar a aplicação do entendimento então
estabelecido relativamente a três daquelas matérias, inclusive
com autorização de dispensa de contestar e recorrer, nos termos
da Lei nº 10.522/02.
Além de priorizar a celeridade dos processos administra-
tivos, a medida de que falamos alinha-se à lógica de uniformi-
dade do sistema normativo-jurisprudencial. Nesse sentido, desta-
camos que a Lei nº 10.522/02 também submete o entendimento
proferido em recursos repetitivos aos auditores fiscais da Secre-
taria Especial da Receita Federal do Brasil, que não podem cons-
tituir créditos tributários sobre matéria assentada.
Uma ressalva que surge, nesse contexto, diz com a natu-
ral importância de resguardar a discussão administrativa nos ca-
sos em que o recurso tenha por objeto outras matérias além da
julgada de forma definitiva pelos tribunais superiores – providên-
cia de simples assunção, parece-nos, e que garante a viabilidade
da proposta.
Lado outro, de modo a preservar o princípio da ampla
defesa e do devido processo legal, assim como ocorre no pro-
cesso judicial (art. 1.037, §§9º e seguintes do CPC), é importante
assegurar que as partes possam se insurgir contra a decisão que
aplique a tese firmada pelos tribunais superiores, caso demons-
trem distinção entre a matéria objeto do processo e a matéria em
que proferida decisão com efeitos transcendentes. A previsão de
recurso para reapreciação da matéria pelo colegiado, com funda-
mento limitado à realização de distinguishing entre o paradigma
adotado na decisão monocrática e a situação fática ou jurídica, é,
na mesma linha há pouco mencionada, igualmente factível, de
todo modo.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
51
Por fim, considerando a abrangência nacional das regras
estampadas no CPC – potencialmente amplificadoras dos bene-
fícios da proposta para todas as esferas, federal, estaduais e mu-
nicipais –, vale registrar a alternativa que vislumbramos para a
concretização da medida aqui tratada: a inclusão de regra especí-
fica aos processos administrativos no CPC, prevendo-se expres-
samente a possibilidade de julgamento monocrático de temas de-
cididos de forma definitiva pelo Poder Judiciário, mediante o
acréscimo de dois parágrafos a seu art. 932:
Art. 932. (...)
§1º (...)
§2º Nos processos eleitorais, trabalhistas ou administra-
tivos, caberá ao Relator decidir monocraticamente as
matérias correspondentes às hipóteses das alíneas “a” e
“b” dos incisos “IV” e “V”.
§3º Contra a decisão prevista no §2º, caberá recurso com
fundamento restrito à demonstração da divergência en-
tre a situação fática ou jurídica objeto do paradigma
adotado pela decisão monocrática e aquela que constitui
o objeto do processo em julgamento.
Nesse contexto, a fim de reforçar a natural preocupação
que todos devem ter com a ideia de segurança jurídica, um cami-
nho adicional – de reforço, vale reiterar – iria no sentido de que
cada unidade federativa (União, estados e municípios) modifi-
casse a respectiva legislação procedimental, de modo a adequá-
la à nova redação proposta no art. 932 do CPC.
Outra alternativa, assim cogitamos, seria a modificação
do art. 15 do CPC, a fim de que este possa dar suporte jurídico à
proposta modificativa aqui tratada do artigo 932 – uma via que
daria até maior coesão ao subsistema do CPC, mas que, por en-
volver outros argumentos, deverá ser aprofundada em outra opor-
tunidade.
10. A INSTRUMENTALIDADE E O SINCRETISMO NA
ANULATÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE1
Daniel de Paiva Gomes2
Eduardo de Paiva Gomes3
Júlia Silva Araújo Carneiro4
Karina Gomes Andrade5
Os artigos da série “Processo Administrativo, Judicial e
Execução Fiscal no século XXI” destacam diversos pontos do
sistema processual tributário cuja revisão, pensamos, pode con-
tribuir positivamente para a solução de entraves verificados na
1 Texto originalmente publicado em 02/04/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-judicial-administra-
tivo-e-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-02042021
2 Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP.
Advogado em São Paulo. Responsável executivo pelo projeto de pesquisa “Pro-
cesso Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à
linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Advogado em São
Paulo. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
4 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Procuradora do Estado
do Rio de Janeiro. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo,
Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Ma-
crovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV
DIREITO SP.
5 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Advogada em São
Paulo. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
53
prática. Embora abordem diversos aspectos do processo tributá-
rio, as propostas normativas partem, em síntese, de duas premis-
sas comuns.
A primeira delas decorre do reconhecimento de que a na-
tureza da relação processual é definida, necessariamente, pela na-
tureza da relação jurídica material subjacente (onde instaurado o
conflito). Firmes nessa ideia, as proposições normativas desta sé-
rie são formuladas levando em consideração a necessidade de
que as regras processuais vigentes sejam aplicadas com a dose
certa de “adaptação” que a relação em jogo impõe: se o conflito
é verificado em nível tributário, portanto, as proposições inciden-
tes sobre a legislação processual (Código de Processo Civil, Lei
de Execuções Fiscais etc.) levam em consideração as normas do
Direito Tributário (com todas as peculiaridades dessa relação).
A segunda premissa de que falamos é a que nos leva à
noção de instrumentalidade. Adverte-se, entretanto, que não fa-
lamos da “clássica” instrumentalidade. O Direito (e não apenas o
processo) é instrumental, oficiando como ferramenta forjada para
disciplinar a conduta humana no mundo fenomenológico, e não
a conduta posta em nível de abstração.
O objetivo do Direito não é apenas a produção de normas
abstratas (não se pretende a construção de um sistema fechado
que se retroalimenta indefinidamente). Da mesma forma, a ativi-
dade jurisdicional não é exercida para manter hígido o sistema. É
necessário conceber o Direito (e assim também o Tributário)
como instrumento voltado à percepção de um específico resul-
tado no mundo real, posto a serviço dos atores fundamentais da
relação jurídica de que cuidamos e que, inclusive, são os destina-
tários da norma – Fisco e contribuinte.
Pois é justamente dessa noção de instrumentalidade que
deriva, potente, a ideia de sincretismo, tornada mais evidente e
estimulada com o Código de Processo Civil de 2015 e que pre-
coniza, em suma, a cumulação de tutelas de diferentes timbres
(conhecimento, cautelar e executória) nos autos de um “único
processo”. Dispensa-se, em síntese, o formal ajuizamento de de-
mandas autônomas para obtenção dessas tutelas que,
DANIEL DE PAIVA GOMES, EDUARDO DE PAIVA GOMES, JÚLIA SILVA ARAÚJO CARNEIRO E
KARINA GOMES ANDRADE
54
materialmente interligadas, fazem muito mais sentido se assenta-
das numa mesma base processual.
Nesse contexto – de necessária valorização de instru-
mentalidade e sincretismo6 – que, neste artigo, pretendemos in-
troduzir pontos suscetíveis de aperfeiçoamento e que dizem res-
peito ao seguinte cenário verificado na prática: concomitância de
ação anulatória de débito fiscal, execução fiscal e embargos à
execução fiscal que versam sobre o mesmo crédito tributário.
O sistema normativo atual permite que o sujeito passivo,
antes do ajuizamento da execução fiscal, se valha de ações anti-
exacionais diversas com o objetivo de se contrapor à exigência
fiscal; dentre essas ações, destaca-se, pela recorrência, a anulató-
ria.
É de conhecimento comum que o simples ajuizamento
de referida modalidade não impede, por si só, a propositura da
execução fiscal, tampouco influencia ou obsta seu curso, salvo
nas hipóteses em que verificada a existência de causa suspensiva
da exigibilidade do crédito tributário.
Dentre tais causas, a de verificação mais comum no âm-
bito da anulatória, talvez seja o depósito do montante integral
(art. 151, II, do CTN), sendo justamente esse caso que corporifica
exemplo evidente – embora muitas vezes ignorado – de aplicação
das noções de instrumentalidade e sincretismo no processo tribu-
tário.
A legislação de regência estabelece os possíveis destinos
do depósito judicial realizado na anulatória, definindo como se
dá a transformação do “pagamento provisório” (depósito) em pa-
gamento definitivo – (i) no caso de procedência da demanda, o
valor será devolvido ao depositante (art. 1º, § 3º, I, da Lei n.
9.703/98, em âmbito federal); por outro lado, (ii) sendo julgado
6 O objeto de análise é apenas um dos exemplos de sincretismo já verificados
na pragmática. Veja-se, a propósito, as disposições do CPC/2015 sobre tutelas
de urgência. O diploma processual fortaleceu a noção de sincretismo ao extin-
guir – ainda que não de maneira absoluta – o denominado “processo cautelar”
enquanto processo autônomo.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
55
improcedente o pedido, os valores serão convertidos em renda
em favor da Fazenda Pública, de sorte a extinguir o crédito tribu-
tário (art. 1º, § 3º, II, da Lei n. 9.703/98)7.
Veja-se que curioso: à sentença de improcedência na si-
tuação mencionada confere-se eficácia satisfativa do crédito pen-
dente, como se tivéssemos, dentro da anulatória, um canal exe-
cutivo instalado, verdadeira e importante manifestação do con-
ceito de sincretismo. Nesse cenário, afasta-se a necessidade de
ajuizamento de execução para a cobrança do crédito depositado,
permitindo-se, ainda, que a satisfação da Fazenda ocorra nos au-
tos da própria ação, mediante a convolação do depósito em
renda8.
Sob tal perspectiva, a sentença de improcedência de ação
anulatória representa a condição final para o exercício do direito
creditório do Fisco.
Assoma a ideia de que a anulatória com depósito tem po-
tencial força executiva – mormente se julgada improcedente – a
orientação do STJ no sentido de reconhecer a identidade de na-
tureza entre anulatória e embargos à execução fiscal: na ótica da
Corte, quando proposta antes dos embargos, a anulatória os subs-
titui, à medida que a repetição dos argumentos jurídicos já desen-
volvidos implicaria litispendência (e, consequentemente, sua
“contraface” – a coisa julgada), a teor do art. 337 do CPC.9
Falando em orientação pretoriana, vale relembrar, de
mais a mais, que o STJ firmou, em sede de recurso repetitivo,
7 A Lei 9.703/1998 é citada a título exemplificativo, uma vez que existem outros
casos em que tratamento semelhante é dispensado, tal como a Lei Complemen-
tar n. 151/2015. A ressalva se faz necessária, pois a análise ora realizada não
recai sobre a lei em si, mas, sim, sobre a técnica legislativa empregada e que
pretendemos ver igualmente difundida para outras categorias que serão tratadas
nos artigos seguintes desta série.
8 Nesse cenário, tem-se, em verdade, uma “autoexecução”, na medida em que
o próprio sujeito passivo realizou o depósito do crédito tributário vergastado.
9 A título exemplificativo: REsp 899.979/SP. Rel. Ministro Teori Albino Za-
vascki, Primeira Turma; REsp 851.607/RS. Rel. Ministra Eliana Calmon, Se-
gunda Turma.
DANIEL DE PAIVA GOMES, EDUARDO DE PAIVA GOMES, JÚLIA SILVA ARAÚJO CARNEIRO E
KARINA GOMES ANDRADE
56
tese no sentido de que “a sentença, qualquer que seja sua natu-
reza, de procedência ou improcedência do pedido, constitui título
executivo judicial, desde que estabeleça obrigação de pagar
quantia, de fazer, não fazer ou entregar coisa, admitida sua prévia
liquidação e execução nos próprios autos”10.
Assim, não causa estranheza a conversão do depósito em
renda como decorrência do julgamento de improcedência da anu-
latória, tudo nos mesmos autos. Esse é o racional subjacente à
Lei n. 9.703/98 e que, a nosso ver, pode ser ampliado para abarcar
os demais entes federativos, mediante inserção e/ou alteração de
dispositivos da legislação processual.
O reconhecimento de que a sentença de improcedência
seria título exequível, aliado à noção de sincretismo adotada,
atendem a relevantes valores do nosso sistema: efetividade, cele-
ridade e economia. Atuam, portanto, de modo a frear o forma-
lismo sem propósito e a fortalecer a instrumentalidade, pois per-
mitem a certificação e satisfação do direito no mesmo processo.
Tudo estaria muito bem até aí – assim nos parece –, mas,
à luz dos benefícios decorrentes desse sincretismo, devemos per-
guntar: e como ficam os casos em que, na anulatória, outras ga-
rantias são prestadas e aceitas, especialmente as fidejussórias
(carta de fiança, seguro garantia), além de imóveis e outros bens
sujeitos a registro? Julgada improcedente a demanda não seria o
caso de se promover a execução da garantia nos mesmos autos?
Mas como acertar essa providência ao contexto normativo de que
dispomos?
A extensão da sistemática da Lei n. 9.703/98 para casos
em que o juízo da ação anulatória se encontra garantido por meio
de seguro garantia, carta de fiança, imóveis ou outros bens sujei-
tos a registro geraria relevante economia processual, benefici-
ando Fazenda Pública e contribuintes, disso não temos dúvida.
É fato, ademais, que o sistema jurídico trabalha com a
equiparabilidade do depósito ao menos em relação à fiança e ao
10 REsp 1.324.152/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ES-
PECIAL.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
57
seguro-garantia, o que reforçaria a relevância da questão: é lícito
estender, para esses casos, a solução “autoexecutiva” típica dos
depósitos?
A resposta a essas perguntas suscita desafios adicionais
– todos vencíveis –, assim nos parece, sobretudo porque acredi-
tamos no potencial do sincretismo para melhoria do ambiente do
contencioso tributário. Mas disso trataremos em outros textos
desta série.
11. A DESEJÁVEL INSUBMISSÃO DA EXECUÇÃO
FISCAL AO ART. 782, § 3º, DO CPC1
Paulo Cesar Conrado2
Depois de dez textos – voltados, todos, a um mesmo pro-
pósito: sugerir retoques que podem atrair algum nível de descon-
gestionamento do contencioso tributário –, pensamos que seria
importante, nesse momento, repisar os pilares práticos que orien-
tam nossa pesquisa: a experiência recolhida no exercício das fun-
ções que desempenhamos associada a uma rigorosa disciplina
acadêmica, aparelhada por reuniões e debates constantes.
Partimos da constatada existência de um profundo déficit
cultural-normativo no trato do processo especificamente tributá-
rio, déficit esse que desagua na batalha incansável pela valoriza-
ção da ideia de instrumentalidade – diretriz que toma o direito de
fundo (no nosso caso, o tributário) como bússola do processo.
É bem certo que essa posição deficitária a que nos refe-
rimos poderia ser suprida pela veiculação de uma espécie de “có-
digo de processo tributário”, um diploma que agregasse, numa só
tacada, a fase pré-contenciosa, a do contencioso administrativo e
a do contencioso judicial. Seria, pensamos, o estado da arte!
1 Texto originalmente publicado em 09/04/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-7-09042021
2 Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Professor do Mestrado Profissional da FGV DIREITO SP.
Juiz federal em São Paulo. Coordenador acadêmico do projeto de pesquisa
“Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século XXI”, da
Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV Direito SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
59
Para isso é preciso maturação, porém – e tempo, por con-
seguinte, tempo que, sabemos (ou devíamos saber), não costuma
respeitar o que ele não ajudou a construir.
Eis o porquê da opção que vimos seguindo nesses agora
onze textos (e muitos outros estão por vir): de pílula em pílula
podemos chegar ao ambicionado consenso, condição necessária
à produção de um normativo que fale mais alto sobre instrumen-
talidade em nível tributário.
Fortes nessa perspectiva, trazemos, nesse momento –
marco da superação dos dez artigos – uma questão até certo ponto
simplória, mas que, paradoxalmente, é altamente simbólica.
Alvo de críticas intensas, por um lado, e de defensores
ardorosos, de outro, a opção pela judicialização da cobrança do
crédito fazendário-tributário vive uma curiosa crise de identidade
– quiçá oriunda do mesmo déficit cultural-normativo a que
vínhamos nos referindo de início.
Essa crise pode ser resumida por uma série de perguntas,
todas interligadas: o que de fato desejamos quando falamos de
cobrança tributária? Um sistema judicializado? Ou um sistema
administrativo? Ou seria um sistema híbrido? Ou vale mais a
busca pela consensualidade?
Sem fechar questão sobre qualquer dessas indagações,
mas apenas deixando-as como provocação, partamos para o que
interessa – o tal “problema prosaico” que agita nosso espírito
nesse momento.
O Código de Processo Civil de 2015, por seu art. 782,
parágrafo 3º, passou a prever a possibilidade de, a requerimento,
o juiz determinar a inclusão do nome do executado em cadastros
de inadimplentes.
É de todos conhecida, paralelamente a isso, a força sub-
sidiária que a legislação processual geral exerce sobre a Lei de
Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80).
Somadas, essas premissas poderiam nos levar à conclu-
são, num raciocínio matemático, de que à Fazenda seria dado
PAULO CESAR CONRADO
60
postular ao Judiciário, no bojo da cobrança dos créditos a que faz
jus, a tomada de providência tendente a incluir o contribuinte-
devedor nos tais cadastros de inadimplentes.
Eis o problema se arquitetando. Para ser claros, porém,
opomos, de cara, a seguinte pergunta: qual a função da tutela ju-
risdicional executiva fiscal? Ou, usando outras palavras: por qual
razão o Judiciário é chamado, ainda hoje, para conduzir o pro-
cesso de satisfação forçada do crédito fazendário?
Sem rodeios, podemos (e devemos) reconhecer: tal como
interpretado, o sistema em voga é daqueles que exige que a ex-
propriação do patrimônio do devedor, última ratio para fazer sa-
tisfeita a Fazenda credora, seja judicialmente processada.
Bem poderíamos voltar, nesse momento, às tormentosas
discussões que há anos nos perseguem sobre o tema (e que sina-
lizamos linhas atrás): essa seria a melhor opção? Ela não satura-
ria demasiada e descabidamente o Judiciário? Estaria a Adminis-
tração pública brasileira suficientemente madura para assumir a
atividade executória por suas próprias mãos? Não seria possível
rever a ideia de “devido processo legal” no que tange à expropri-
ação?
“Bem poderíamos”, assim dissemos, mas não vamos nos
reter nesse assunto – não aqui, pelo menos.
O fato que queremos-devemos realçar é que, num ambi-
ente marcado por relevantes questões sobre a (in)conveniência
do protagonismo do Judiciário na prática de atos de realização
forçada do crédito tributário, imaginar que ele mesmo, o Judici-
ário, seja acionado para providenciar a inclusão do devedor em
cadastros como, por exemplo, o do Serasa soa estranhíssimo –
ou, como sugerimos de início, faz transparecer um estado de crise
de identidade.
Se a tutela jurisdicional executiva se materializa por atos
que substituem a vontade renitente do devedor quanto à entrega
de parte de seu patrimônio, o suficiente para satisfazer o crédito
fazendário inadimplido, ultimando-se por meio de sua tomada
forçada, medidas coativas como as tais inscrições têm apelo
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
61
evidentemente secundário, estando fora do escopo judicial – fato
que só se reforça se lembrarmos que sua adoção prática sequer
independe do ajuizamento do processo de execução, claro indi-
cativo de que não integram o repertório jurisdicional.
Mas o Código de Processo Civil de 2015 não as previu,
poder-se-ia indagar? Sim, sem dúvida, mas vale seguir pensando:
essa previsão tem sentido para o crédito fazendário-tributário?
Tem sentido quando falamos de credor público, de Administra-
ção Pública?
No mundo para o qual estamos nos encaminhando – em
grande parte graças a iniciativas de muitas Administrações
(exemplo eloquente encontrável no âmbito da Procuradoria-Ge-
ral da Fazenda Nacional) –, o que se supõe é que, a despeito da
previsão contida na legislação geral, a Administração Pública há
de providenciar a inclusão da parte executada nos cadastros de
que falamos por sua própria conta, fazendo-o antes do ajuiza-
mento da execução, sabidamente o mais oneroso de todos os ca-
nais – seja porque multiplica os órgãos envolvidos, custando
caro, seja porque potencializada o esquema de litigiosidade vici-
osa em que nos atolamos – e que, justamente por isso, deve(ria)
estar ordinariamente na ponta final do ciclo estratégico das Pro-
curadorias.
Esse modo de ver as coisas há de nos fazer pensar sobre
os limites da subsidiariedade do mencionado art. 782, parágrafo
3º, em relação à Lei de Execuções Fiscais, tarefa ainda complexa
em meio ao desejo quase incontrolável que nós, no Direito, temos
de escrever e reescrever teses.
De todo modo, se “menos é mais” (como muitos gostam
de dizer), talvez seja apropriado compor o problema com um
breve retoque a ser lançado no dispositivo de que falamos, reti-
rando de seu alcance os feitos processados sob o regime da Lei
n. 6.830/30, com o simultâneo endereçamento das Fazendas, as
usuárias desse regime, para o caminho mais rente ao ideal cons-
titucional de eficiência: a inscrição como medida pré-processual
– caminho acertadamente seguido, vale enaltecer, por muitas
Procuradorias e que, por representar excelente exemplo,
PAULO CESAR CONRADO
62
deve(ria) ser seguido por todas as unidades gestoras dos créditos
fazendários.
12. A VINCULAÇÃO DA RATIO DECIDENDI PARA
CONFLITOS TRIBUTÁRIOS SEMELHANTES, MAS
NÃO IDÊNTICOS1
Fernanda Donnabella Camano de Souza2
Juliana Furtado Costa Araujo3
O sistema de precedentes concebido pelo CPC/2015, se
corretamente interpretado, não significa uma manifestação “le-
gislativa” contida em um breve excerto formulado pelos Tribu-
nais Superiores, a ser replicada aos casos pendentes, sem a ne-
cessidade da adequada interpretação pelos demais órgãos do Po-
der Judiciário.
Ao se tomar a fixação da “tese” pelo precedente como
um enunciado abstrato e genérico, como se “lei” fosse, sem a de-
vida conformação ao caso concreto que aguarda definição, pro-
duzem-se reflexos negativos, pois estimulam-se novos conflitos
tributários, deixando de lado o propósito do sistema, que é a re-
solução das lides. Substituir o “texto de lei” pelo “excerto da
1 Texto originalmente publicado em 16/04/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-do-seculo-xxi-2-16042021
2 Pós-Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Ad-
vogada. Membro do projeto “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito
Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP.
3 Doutora em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Professora do Mestrado Profissional da FGV Direito SP. Pro-
curadora da Fazenda Nacional, atuando como procuradora-chefe da Defesa na
PRFN/3.ª Região. Membro do projeto “Processo Administrativo, Judicial e de
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP.
FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA E JULIANA FURTADO COSTA ARAUJO
64
tese”, de forma simplória, significa continuar em um patamar de
incertezas quase como dantes.
Assim vistas as coisas, um sistema de precedentes que se
intitule eficaz não mira na estagnação do direito, e sim em sua
evolução. A segurança jurídica enfatizada no sistema de prece-
dentes é uma via de mão dupla: garantem-se a uniformidade, a
coerência e a estabilidade pela vinculação ao decidido pelas Cor-
tes Superiores e, por outro lado, permite-se a abertura necessária
para o distinguish efetuado pelos demais julgadores, inclusive na
hipótese de transformação da realidade.
Um dos pontos controvertidos em matéria tributária
acerca da aplicação dos precedentes diz respeito à transcendência
dos fundamentos determinantes para conflitos similares.
É sabido que a formação de um precedente requer a de-
limitação da ratio decidendi nos fundamentos decisórios, como
exige o art. 1.037, I, do CPC, além de impor a resolução majori-
tária ou unânime pelo colegiado. Uma vez circunscrita e soluci-
onada a questão nesses termos, a incidência da ratio decidendi
requer valoração por parte do aplicador, obrigando-o a funda-
mentar por qual razão dela, eventualmente, possa se afastar.
Quando o art. 927, III, do CPC refere-se à vinculação aos
“acórdãos” proferidos nos julgamentos de recursos extraordiná-
rio e especial repetitivos, não se utilizando da expressão ratio de-
cidendi solucionada de forma homogênea pelo colegiado, inau-
gura crises interpretativas próprias de um sistema jovem de pre-
cedentes, que a clareza da regra viria a suplantar.
Poderíamos, então, pensar em uma alteração cirúrgica
em tal dispositivo, todavia esse não é o ponto para o qual se pre-
tende chamar a atenção neste breve texto.
Logo, tomamos como premissa que a ratio decidendi in-
dividualizada e resolvida, ao menos pela maioria do colegiado,
tem eficácia transcendente para os demais casos em curso.
Todavia, a pergunta que se faz é: os conflitos materiali-
zados no caso paradigma e no caso pendente devem ser exata-
mente os mesmos? Ou melhor, há necessidade de “identidade
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
65
absoluta” entre os conflitos de modo a autorizar, somente nessa
hipótese, a aplicação da ratio decidendi aos demais processos
pendentes?
Como o precedente não se desliga da casuística, há quem
sustente que, se os conflitos não forem essencialmente “os mes-
mos”, o fundamento do caso paradigma não se projetará aos de-
mais semelhantes (mas não idênticos).
Obviamente, essa conclusão não se afina com as diretri-
zes adotadas pelo CPC/2015. É contra a racionalidade do sistema
obrigar que as Cortes Superiores debatam e resolvam determi-
nado fundamento jurídico, examinado anteriormente, apenas
porque o conflito subjacente é diverso do outrora solucionado.
Ainda, corre-se o risco de dissensos interpretativos no segundo
julgado, abalando a homogeneidade decisória da ratio decidendi
já produzida, em nada avançando em prol da segurança jurídica.
Nesses termos, andou bem a Lei 13.874/2019, a qual in-
seriu o § 9.º no art. 19 da Lei 10.522/2002, dispensando a Fa-
zenda Nacional de contestar, contra-arrazoar, recorrer ou desistir
dos recursos interpostos com relação a temas decididos no re-
gime de precedentes, estendidas tais providências àqueles (te-
mas) não abrangidos pelo julgado, quando a ele forem aplicáveis
os fundamentos determinantes extraídos do julgamento para-
digma ou da jurisprudência consolidada, desde que inexista ou-
tro fundamento relevante que justifique a impugnação em juízo.
Portanto, a partir de então, ao menos no plano federal,
ficou claro que casos similares – porém não idênticos –, desde
que fundados na mesma ratio decidendi, deverão ter igual sorte.
Muito embora essa prescrição configure progresso rumo
a um sistema eficiente de precedentes, encontra-se restrita (i) à
relação entre as partes no processo e (ii) ao plano federal. Nessa
medida, seria possível promover alteração no CPC para que pro-
vidência similar seja estendida aos demais órgãos do Poder Judi-
ciário e em todos os níveis da Federação.
Uma possibilidade seria a inserção de mais um parágrafo
no art. 927 do CPC, determinando que a vinculação a que se
FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA E JULIANA FURTADO COSTA ARAUJO
66
refere o caput deve ser observada, inclusive, quanto aos demais
casos pendentes, que, embora não idênticos, a eles sejam aplica-
dos os fundamentos determinantes do caso paradigma, de modo
a contribuir com a racionalidade sistêmica.
13. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL E O
ESTÍMULO JUDICIAL À COMPOSIÇÃO NOS
EXECUTIVOS FISCAIS1
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto2
Ligia Regini3
A série de textos sobre soluções pontuais do sistema
processual-tributário deterá atenção, neste capítulo, ao possível
reforço do papel desempenhado pelo Judiciário no que se refere
ao emprego do negócio jurídico processual - NJP, especialmente
no que se refere aos executivos fiscais.
Não é de hoje que os relatórios do Conselho Nacional de
Justiça - CNJ atestam a crescente taxa de congestionamento do
1 Texto originalmente publicado em 23/04/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-execucao-fiscal-2-23042021
2 Doutorando em Direito Público pela Universidade do Minho (Portugal), Mes-
tre em Tributação Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário -
IBDT, Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São
Paulo (2020/21) e Advogado. Membro-pesquisador do projeto de pesquisa
“Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século XXI”, da
Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Sócia do BMA Advogados, com especialização em Direito Tributário - Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, Membro da Comissão de
Contencioso Tributário da OAB/SP; Membro do Instituto dos Advogados de
São Paulo – IASP; Membro da ABETEL – Associação Brasileira das Estudos
de Tributários das Empresas de Telecomunicações; Membro-pesquisadora do
projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do
século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Nú-
cleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO E LIGIA REGINI
68
Judiciário em relação aos executivos fiscais,4 representando mais
de um terço do total de casos pendentes em 2019. Nesse particu-
lar, o congestionamento de executivos fiscais, muitas vezes de-
corrente da indefinição da garantia a ser formalizada, atenta con-
tra a efetividade processual (em desproveito da Fazenda) e con-
tribui negativamente à eficiência arrecadatória do macrossistema
de cobrança na modalidade de execução forçada prevista na Lei
6.830/80.
Um caminho que se reputa perfeitamente aplicável nesse
contexto, funcionando como bom remédio para o desembaraço
do processo executivo na fase de garantia, é o diálogo entre as
partes – daí a atenção ao NJP, um importante instrumento já pre-
visto na legislação processual civil para superação de controvér-
sias processuais que acelera a solução da contenda, mediante a
renúncia, parcial ou total, da aplicação de normas em prol de uma
convenção – o autorregramento processual – expressiva da von-
tade convergente das partes.
No campo conformador de um NJP sobre garantia em
execução fiscal, de um lado, o exequente seguramente verpa au-
mentado o grau de certeza quanto à satisfação de seu crédito (à
medida que participará fortemente do processo de seleção e apro-
vação da garantia), e, de outro, ao executado dar-se-á, na prática,
ensejo para ver manejada a ideia de menor onerosidade – além
do claro robustecimento da ampla defesa, à medida que seus em-
bargos deixariam de se atrelar à prestação de garantia que lhe
fosse destrutiva, caso do bloqueio de ativos financeiros ou da pe-
nhoras sobre bens relevantes à atividade econômica.
Não é demais registrar que questões sobre garantia em
execução fiscal podem ser objeto de NJP por seu caráter
4 O tempo médio de tramitação de um processo de execução fiscal é de quase
dez anos, com ponto de equilíbrio entre custo para sua promoção e valores ar-
recadados de mais de R$ 20 mil. Cf. GAMA. Clairton Kubassewski. NADAL.
Victoria Werner De. Para além da transação tributária: desafios da negociação
entre contribuinte e Fisco. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-
mar-14/opiniao-desafios-negociacao-entre-contribuinte-fisco. Acesso:
20.mar.2021.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
69
eminentemente processual, sem óbice na indisponibilidade do in-
teresse público ou qualquer ressalva que, na legislação especí-
fica, a Lei 6.830/80, pudesse o repugnar.5
A proposta de potencialização do NJP na Lei nº
13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) foi louvável, con-
quanto sua repercussão segue concentrada na esfera federal, com
sucessivas edições, nesse sentido, de Portarias PGFN, 33/2018,
360/2018, 515/2018 e 742/2018.
Nessa esfera, a propósito, são bons exemplos os negócios
jurídicos celebrados pela PGFN para liberação de bens anterior-
mente oferecidos em garantia para alienação direita pelo contri-
buinte e sucessiva regularização de parcelamentos e extinção de
débitos. Outra experiência vitoriosa de composição envolve a de-
finição conjunta de bens e/ou direitos em garantia antecipada à
execução fiscal, que dispensa, as hoje residuais, cautelares ante-
cedentes aos executivos fiscais.
Sendo mais que certo, nessas condições, que o NJP é uma
realidade salutar na resolução de controvérsias preliminares ou
incidentais à execução fiscal – assim tem sido no âmbito federal
–, é mister expandi-lo, com urgência, para todas as esferas e con-
tendas com as demais Fazendas Públicas.
Não se recusa que a promoção do NJP nos executivos
fiscais de todas as Fazendas, replicando a experiência pioneira da
PGFN, encontra como principal desafio a difusão de sua regula-
mentação em 27 estados, 5.570 municípios e seus respectivos ór-
gãos de representação, um desafio que, até sua superação, de-
manda um caminho alternativo: reforçar o papel do magistrado
5 V. CONRADO. Paulo Cesar. Negócio Jurídico Processual em matéria tribu-
tária e as Portarias PGFN 33/2018 (Art. 38) e 360/2018 (alterada pela
515/2018). CARNEIRO. Júlia Silva Araújo. Possibilidade de negócio jurídico
processual em matéria tributária: uma leitura da Portaria PGFN 360/18. MAS-
SUD. Rodrigo G. N. Negócio Jurídico Processual e Garantia em Execução Fis-
cal. in Inovações na cobrança do crédito tributário. ARAUJO. Juliana Furtado
e CONRADO. Paulo (Coords.). Edição do Kindle. São Paulo: Revista dos Tri-
bunais. 2019.
RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO E LIGIA REGINI
70
como promotor das composições, especialmente as relacionadas
à prestação de garantia.
O papel do juiz como provedor de composições no pro-
cesso civil não é novidade e está estampado nos artigos 3º, § 2º,
e 166 do Código de Processo Civil - CPC, para fins de concilia-
ção e mediação em processos judiciais, em especial, com base
nos princípios da independência, imparcialidade e autonomia da
vontade.
Não deve causar estranheza, nessas condições, que o Ju-
diciário atue promovendo o diálogo entre as partes para resolução
de divergências processuais que, como no caso focalizado, girem
em torno das garantias, potencial medida redutora de incidentes
e indefinições no curso do executivo fiscal.
Sabemos, não se ignora, que o NJP é, em sua essência
formal, uma manifestação de vontade exclusiva das partes liti-
gantes em juízo. Isso não deve nos conter, porém, à medida que
o papel do juiz como provedor de composição no processo civil
não pode ser limitado às questões de direito material, conside-
rando sua importante feição cooperativa em prol da solução con-
sensual rápida e efetiva do litígio em juízo.
Podendo o NJP tratar de constituição, substituição, rea-
valiação ou complementação de garantias, assim como de crono-
gramas para execução de determinados atos processuais (como,
p. ex., prestação de contas sobre os resultados da penhora sobre
faturamento, dividendos ou aluguéis), o juízo, na linha que apre-
sentamos, poderia protagonizar a aderência das partes quanto à
formalização de uma série de atos, como (i) na avaliação de bens
e direitos, (ii) na penhora de quotas sociais para efetivação de
depósitos em juízo de parcela de dividendos de sócios executa-
dos, (iii) avaliação de imóveis e ativos imobilizados (veículos,
maquinários e etc.), (iv) na penhora de recebíveis, aluguéis, títu-
los de crédito e semelhantes e (v) na formulação de garantias co-
laterais e fidejussórias, dependendo da solvabilidade de terceiros
e do interesse público na garantia ofertada.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
71
Como se observa, há múltiplas hipóteses de cabimento
do NJP e possível alinhamento de interesses de exequente e exe-
cutados para atingir o ponto de equilíbrio de uma garantia idônea
e suficiente que faça frente ao crédito exequendo e simultanea-
mente menos onerosa ao devedor que exercerá sua ampla defesa.
Sob este prisma, a provocação de um NJP pelo juízo exe-
cutivo poderá conceder a oportunidade para as Procuradorias Es-
taduais e Municipais – além da Federal, para a qual a questão
está, hoje, mais avançada – participarem da formalização de
composição por instrumentos semelhantes aos previstos na Por-
taria PGFN 742/2018, em especial quanto à aceitação, avaliação,
substituição e liberação de garantias e o modo de constrição ou
alienação de bens – além de eventual plano de amortização do
débito fiscal, indo além, portanto, da questão das garantias.
Da perspectiva constitucional, vale dizer que não há mí-
nimo impedimento para que norma federal discipline dispositi-
vos de cunho processual aplicáveis às Fazendas Públicas (e res-
pectivas procuradorias) de outros entes federativos (arts. 22 e 24
da Constituição Federal). Nesse contexto, em prol da multiplica-
ção de acordos em execuções fiscais federais, estaduais e muni-
cipais, apresentamos proposta normativa dirigida à Lei n.º
6.830/80, nos seguintes termos:
Art. 9º-A. Verificadas questões que admitam autocompo-
sição, o juízo deverá ouvir as partes sobre a realização de
Negócio Jurídico Processual – NJP entre a Fazenda Pú-
blica, na forma do art. 190 da Lei 13.105/2015 - Código
de Processo Civil, atendendo-se aos preceitos dos artigos
3º, § 2º, e 166 do mesmo diploma.
§ 1º. As partes poderão formalizar NJP sobre:
I - plano de amortização do débito fiscal;
II - aceitação, avaliação, substituição e liberação de ga-
rantias, inclusive garantia fidejussória dos administrado-
res da pessoa jurídica devedora;
III - modo de constrição ou alienação de bens.
RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO E LIGIA REGINI
72
IV - modificação da competência relativa para reunião
dos processos no juízo prevento.
§2º. As partes poderão formular NPJ em outras hipóteses
não indicadas nos incisos I a IV do caput, respeitando os
limites do instituto.
Art. 15 - Em qualquer fase do processo, será deferida pelo
Juiz:
(...)
III – a promoção de NJP, na forma do art. 9-A, para subs-
tituição de garantia.
14. A CONCORRÊNCIA DOS MEIOS
EXTRAPROCESSUAIS DE “COBRANÇA” DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO INADIMPLIDO E DOS
EXPROPRIATÓRIOS FORÇADOS1
Juliana Furtado Costa Araujo2
Fernanda Donnabella Camano de Souza3
A cobrança do crédito tributário federal pela via da exe-
cução fiscal se revela, desde sempre, como alternativa à disposi-
ção do Fisco para fins de recebimento compulsório dos valores
inadimplidos pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária.
Ao lado desse mecanismo processual, que permite a expropria-
ção forçada, caracterizado pela provocação do Poder Judiciário,
há outros, de cunho extraprocessual, que buscam o estímulo ao
pagamento voluntário.
Seguindo essa linha, faz algum tempo que o Fisco federal
percorre um caminho que tem se mostrado exitoso para tal fim,
1 Texto originalmente publicado em 30/04/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-do-seculo-xxi-3-30042021
2 Doutora em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Professora do Mestrado Profissional da FGV Direito SP. Pro-
curadora da Fazenda Nacional, atuando como procuradora-chefe da Defesa na
PRFN/3.ª Região. Membro do projeto “Processo Administrativo, Judicial e de
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP.
3 Pós-Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e advo-
gada. Membro do projeto “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito
Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP.
JULIANA FURTADO COSTA ARAUJO E FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA
74
introduzindo como prioridade para a efetivação da cobrança o
uso de meios administrativos viabilizadores do recebimento dos
créditos em aberto, aliado ao controle qualitativo de sua carteira
de débitos.
Nesse contexto, as Portarias PGFN 396/2016, 948/2017
e 33/2018 compilam medidas que incluem: (i) o arquivamento de
processos executivos abaixo de um valor determinado (atual-
mente um milhão de reais), sob condição de não localização do
devedor nem de bens suficientes para fins de satisfação da dívida;
(ii) a possibilidade de apuração de responsabilidade de adminis-
tradores na esfera administrativa (PARR); (iii) a apresentação,
também no âmbito administrativo, de pedidos de revisão de dí-
vida inscrita (PRDI); (iv) a oferta de garantia antecipada; (v) a
seleção de débitos para fins de ajuizamento de execuções fiscais.
Tais medidas vieram complementar outras existentes,
como o protesto e a inscrição dos devedores nos cadastros de ina-
dimplentes, que se mostram como meios indiretos de “cobrança”.
O adjetivo indireto se faz necessário porque não leva à cobrança
no sentido estrito de seu significado. Referidos meios figuram
como mecanismos que estimulam o pagamento pelo devedor de
forma voluntária e menos onerosa, por dispensar a obrigatória
presença do Poder Judiciário.
Essa mudança de rumo se apresenta como resposta à ne-
cessidade de imprimir maior celeridade e efetividade à cobrança,
concentrando na esfera administrativa atos que podem conduzir,
em sua potencialidade máxima, à extinção do crédito em aberto.
O reflexo disso é o uso mais racional do Poder Judiciário, que
será demandado preferencialmente em situações em que o mo-
delo de execução forçada se revele necessário.
Dito cenário, porém, traz o seguinte questionamento que
conversa com os exemplos oferecidos pela pragmática: os meios
extraprocessuais de “cobrança” concorrem com os meios expro-
priatórios forçados de exigência do crédito não pago, ainda que
as medidas administrativas possam ser viabilizadas na esfera ju-
dicial em formato semelhante?
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
75
Para deixar mais claro o problema levantado, pensemos
na hipótese em que o Fisco opta pelo arquivamento de uma exe-
cução fiscal, que se mostra ineficiente quanto à satisfação do cré-
dito pela via judicial, nos termos da Portaria PGFN 396/2016.
Identifica, porém, que a empresa executada foi dissolvida irregu-
larmente. O fato de existir execução fiscal em curso, ainda que
arquivada, impede que a administração tributária impulsione a
abertura de procedimento administrativo de reconhecimento de
responsabilidade tributária do administrador dessa pessoa jurí-
dica (PARR)?
Registramos que a apuração de responsabilidade é per-
mitida (no plano federal) tanto na via administrativa, como pre-
visto no art. 20-D, III, da Lei 10.522/2002, quanto por meio de
pedido de redirecionamento no interior da ação executiva, desde
que demonstrados os requisitos exigidos pelo art. 135 do CTN.
A resposta à indagação supra deve levar em consideração
o contexto de efetividade da cobrança explorado neste artigo. O
que move a mudança de atitude do Fisco federal na satisfação de
seus créditos é o uso racional do Poder Judiciário. Se nenhum
mecanismo de expropriação, cuja tutela é de sua competência,
mostrar-se eficiente, não há razões para que a máquina judiciária
continue sendo acionada.
Se estamos diante de um processo executivo arquivado,
cujo estado de ineficiência não será alterado com uma eventual
movimentação por força da inclusão de um terceiro responsável
na condição de sujeito passivo, por qual razão seria necessário
continuar demandando o Poder Judiciário, se inexistem perspec-
tivas de êxito na cobrança do crédito tributário pelo devedor ori-
ginário?
A apuração administrativa de responsabilidade por meio
do PARR não apenas permite identificar o terceiro responsável,
mas também autoriza que outras medidas administrativas indire-
tas de “cobrança” sejam implementadas relativamente a esse ter-
ceiro, como o protesto e a inscrição no cadastro de inadimplentes.
A ação executiva somente será desarquivada a depender do valor
JULIANA FURTADO COSTA ARAUJO E FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA
76
da dívida combinado com a viabilidade de sua satisfação por
meio de expropriação forçada de bens do terceiro responsável.
Não se pode olvidar que a paralisação do feito executivo
é um ônus que corre contra a Fazenda Pública, a qual poderá ver
seu crédito extinto pela prescrição intercorrente em razoável
lapso temporal. Isso reforça a ideia de que a opção por manter a
execução fiscal paralisada é medida de política tributária, consi-
derando mostrar-se mais exitosa a utilização das medidas extra-
processuais que estimulam o pagamento do crédito devido.
Diante de tal quadro, portanto, se imaginarmos o “estado
da arte” com a implementação de um “código de processo tribu-
tário”, seria possível cogitar a reprodução do dispositivo vigente
hoje apenas para a esfera federal, de modo a abranger as demais
esferas (estadual e municipal), no seguinte sentido: “Sem preju-
ízo da utilização das medidas judiciais para recuperação e acau-
telamento dos créditos inscritos, se houver indícios da prática de
ato ilícito previsto na legislação tributária, civil e empresarial
como causa de responsabilidade de terceiros por parte do contri-
buinte, sócios, administradores, pessoas relacionadas e demais
responsáveis, as Fazendas Públicas poderão, a seu critério exclu-
sivo, instaurar procedimento administrativo para apuração de
responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa, ajuizado ou
não”, com a observância, evidentemente, do contraditório.
Tudo isso nos mostra que a combinação da atuação ad-
ministrativa e judicial na cobrança do crédito tributário federal é
o único caminho possível para que a tão falada racionalidade do
sistema tenha condições de ser atingida.
15. APLICAÇÃO DO CPC NA ESFERA
ADMINISTRATIVA1
Daniel Souza Santiago da Silva2
Maria Raphaela Dadona Matthiesen3
Natalia Ciongoli4
Breno Ferreira Martins Vasconcelos5
A aplicação de normas do CPC no âmbito administrativo
de julgamentos tributários é matéria controvertida.
De acordo com o artigo 15, na ausência de normas que
regulem os processos administrativos, o CPC será aplicado
1 Texto originalmente publicado em 07/05/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-8-07052021
2 Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Membro-pesquisador do projeto
de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século
XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Núcleo de
Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Sócio de Neves e Battendieri
Advogados.
3 Especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP. Membro-pesquisa-
dora do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributá-
rio”, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Pesquisadora
no Insper. Advogada de Mannrich e Vasconcelos Advogados.
4 Especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP. Membro-pesquisa-
dora do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e de Execução
Fiscal do século XXI”, da Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributá-
rio”, do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP. Advogada do
Neves & Battendieri Advogados.
5 Mestre pela PUC-SP e doutorando na FGV-SP. Professor de pós-graduação e
pesquisador na FGV-SP e no Insper. Sócio do escritório Mannrich e Vasconce-
los Advogados.
DANIEL SOUZA SANTIAGO DA SILVA, MARIA RAPHAELA DADONA MATTHIESEN,
NATALIA CIONGOLI E BRENO FERREIRA MARTINS VASCONCELOS
78
supletiva e subsidiariamente. Algumas decisões administrativas,
porém, resistem à aplicação do CPC ao argumento de que cada
uma das esferas federal, estaduais e municipais pode dispor de
modo amplo a respeito das regras processuais aplicáveis, recor-
rendo ao CPC exclusivamente em casos de lacunas6. Haveria, as-
sim, um campo de autonomia dos entes federativos a justificar a
resistência.
Não se nega a importância da preservação da autonomia
legislativa de cada ente federativo para dispor sobre as regras
aplicáveis aos processos administrativos fiscais de sua compe-
tência. Contudo, há matérias dispostas no CPC que devem ser
obrigatoriamente observadas por todos os julgadores administra-
tivos. Explicamos.
Primeiro, é importante fixar uma premissa: a função
exercida pelos julgadores administrativos é tipicamente jurisdi-
cional – e não revisional de atos administrativos. A impossibili-
dade de retificação do auto de infração no julgamento pelos co-
legiados administrativos (cf. artigo 149 do CTN), por exemplo,
reforça essa afirmação.
Não à toa a Constituição Federal impõe, nos incisos LIV
e LV do artigo 5º, a observância do devido processo legal em
processos administrativos, devendo ser assegurados também
nessa etapa de julgamentos o contraditório e a ampla defesa - in-
clusive pelo amplo acesso à dilação probatória e a oportunidade
de debater todas as questões suscitadas com paridade de armas.
Um bom exemplo para ilustrar o exposto é o art. 10 do
CPC, que estabelece o contraditório bilateral e determina ao jul-
gador que, antes de decidir, permita a manifestação das partes
sobre fundamento novo apresentado nos autos, inclusive com re-
lação àqueles que deva suscitar e decidir de ofício.
Considerando a imposição constitucional de observância
ao devido processo legal, o julgador administrativo deverá abrir,
às partes do processo, a possibilidade de manifestação sobre
6 Nesse sentido, por exemplo, o Acórdão CARF nº 3402-005.854.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
79
temas ou fundamentos novos, em linha com as diretrizes do CPC,
ainda que esse procedimento não seja previsto na legislação es-
pecífica do ente.
Outro aspecto relevante a ser destacado, ainda de modo
exemplificativo, diz respeito à necessidade de motivação das de-
cisões proferidas no processo administrativo, requisito essencial
que também decorre do devido processo legal. O art. 489 do CPC
estabelece diversas diretrizes a serem observadas pelo julgador,
impondo, em seu §1º, requisitos relativos à fundamentação da
decisão. Tal dispositivo deve ser observado de modo obrigatório
pelo julgador administrativo.
Ainda em relação à motivação, deverão ser observadas,
pelos tribunais administrativos, as decisões proferidas em con-
trole concentrado de constitucionalidade, os enunciados de sú-
mulas vinculantes, mas também os acórdãos em resolução de de-
mandas repetitivas proferidos pelos Tribunais Superiores, na
forma do que estabelece o art. 927 do CPC. Assim, a motivação
da decisão administrativa deve estar vinculada ao entendimento
firmado no julgamento de recursos extraordinário e especial re-
petitivos, sob pena de violar a Constituição Federal e o CPC, que
buscou concretizar as regras do devido processo legal.
Os pontos exemplificativamente listados neste artigo,
longe de serem exaustivos, evidenciam a existência de normas
que, em que pese relacionadas ao processo em si, possuem fun-
damento eminentemente constitucional e, portanto, devem ser
utilizadas como base para a edição das normas de cada ente fe-
derativo. Nesse sentido, evidente a necessidade de ampliação da
aplicação do CPC no âmbito dos processos administrativos. Para
tanto, entendemos que deva ser alterada a redação dos artigos 15
e 16 do CPC, para que fique clara a necessidade de observância
das regras nele dispostas pelos órgãos de julgamento de proces-
sos administrativos, assegurando que seus regulamentos não su-
primam ou restrinjam as garantias ao devido processo legal pre-
vistas no CPC.
Nesse sentido, sugerimos a alteração do disposto nos ar-
tigos 15 e 16 do CPC, nos termos abaixo:
DANIEL SOUZA SANTIAGO DA SILVA, MARIA RAPHAELA DADONA MATTHIESEN,
NATALIA CIONGOLI E BRENO FERREIRA MARTINS VASCONCELOS
80
Art. 15. Os princípios e garantias inerentes ao devido
processo legal previstos neste Código serão observados
em processos eleitorais, trabalhistas e administrativos.
Parágrafo único: Na ausência de normas específicas que
regulem os procedimentos a serem observados em pro-
cessos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as dis-
posições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente.
Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos
tribunais, judiciais e administrativos, em todo o territó-
rio nacional, conforme as disposições deste Código.
16. A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DE
GARANTIA FIDEJUSSÓRIA EM SEDE DE AÇÃO
ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL1
Daniel de Paiva Gomes2
Eduardo de Paiva Gomes3
Júlia Silva Araújo Carneiro4
Karina Gomes Andrade5
1 Texto originalmente publicado em 14/05/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-9-14052021
2 Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP.
Advogado em São Paulo. Responsável executivo pelo projeto de pesquisa “Pro-
cesso Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à
linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Advogado em São
Paulo. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
4 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Procuradora do Estado
do Rio de Janeiro. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo,
Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Ma-
crovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV
DIREITO SP.
5 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Advogada em São
Paulo. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
DANIEL DE PAIVA GOMES, EDUARDO DE PAIVA GOMES, JÚLIA SILVA ARAÚJO CARNEIRO E
KARINA GOMES ANDRADE
82
Em recente artigo produzido no âmbito do NEF da FGV
Direito SP,6 introduziu-se a temática do sincretismo processual
como forma de aperfeiçoar o contencioso tributário, evitando a
indesejável coexistência de ação anulatória, execução fiscal e
embargos à execução fiscal que versem sobre o mesmo crédito
tributário.
A aplicação do sincretismo processual nessa perspectiva
já é verificada nos casos em que, nos autos de uma ação anulató-
ria, a garantia do crédito é prestada pela via do depósito judicial,
nos termos da Lei n. 9.703/98: (i) o depósito integral, como causa
suspensiva da exigibilidade, impede o ajuizamento da execução
fiscal até o trânsito em julgado da demanda anulatória; e (ii) o
julgamento de improcedência da anulatória resulta na conversão
do depósito em renda e, portanto, na satisfação do crédito. Nesse
cenário, o crédito tributário é satisfeito sem que, para tanto, seja
necessária a propositura do executivo fiscal – anulatória é, a um
só tempo, mecanismo de discussão e de satisfação do crédito tri-
butário.
O que se pretende discutir, agora, é a extensão desse
mesmo racional para outras modalidades de garantia apresentá-
veis em sede de anulatória, surgindo, então, o questionamento:
seria possível pensar na execução da garantia fidejussória nos
próprios autos da ação anulatória? Não há dúvidas de que o tema
é controverso, especialmente diante da distinção entre os efeitos
dessas garantias em relação à exigibilidade sob a perspectiva do
art. 151 do CTN.
De fato, a cobrança do crédito tributário supõe os seguin-
tes passos: (i) constituição definitiva; (ii) inscrição em dívida
ativa; e (iii) ajuizamento de execução fiscal. Via de regra, esse
“fluxo” de cobrança não sofre qualquer interferência pelo ajuiza-
mento de ação antiexacional pelo contribuinte, ainda que apare-
lhada com garantia fidejussória, pois, como se sabe, a oferta da
garantia desse naipe não impede, por si só, a propositura da
6 https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-judicial-administra-
tivo-e-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-02042021
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
83
execução fiscal, à luz de interpretação literal e taxativa das hipó-
teses previstas no art. 151 do CTN.
No caso de oferta de garantia fidejussória pelo contribu-
inte em ação antiexacional, todavia, observa-se, hoje, um verda-
deiro desperdício de atos processuais, à medida que, na linha da
taxatividade do art. 151 do CTN, o contribuinte deve, em sequên-
cia ao ajuizamento da ação anulatória, (i) requerer a suspensão
da execução fiscal a fim de aguardar a solução da controvérsia
naquele processo ou (ii) opor embargos à execução fiscal para
veicular mesmíssima demanda.
Apesar dessa visão convencional do processo de co-
brança do crédito tributário, é possível examinar o ponto sob ou-
tro viés, independentemente do enquadramento das garantias fi-
dejussórias enquanto causas suspensivas da exigibilidade do cré-
dito tributário: o da desnecessidade da propositura de execução
fiscal – e, por consequência lógica, de embargos – quando o con-
tribuinte se antecipa e ajuíza ação anulatória ofertando seguro ou
fiança.
Esse raciocínio tem como premissa, admitamos, a rever-
são dos paradigmas vigentes, amparando-se, para tanto, em duas
grandes premissas: (i) a idoneidade e liquidez (art. 835, §2º do
CPC/2015) do seguro e da fiança empregados, conforme as exi-
gências previstas na legislação de regência, o que, como se sabe,
é garantido pelos atos normativos expedidos pelos respectivos
órgãos reguladores (Conselho Monetário Nacional e Superinten-
dência de Seguros Privados) e pelo regramento estabelecido pe-
las próprias Procuradorias (tal como a PGFN, no âmbito federal);
e (ii) o fato de que o interesse de agir no ajuizamento de execução
fiscal decorre da necessidade de atos de busca e individualização
do patrimônio do executado para satisfação do crédito tributário.
Se não há dúvidas, concretamente, quanto à idoneidade
e liquidez das garantias fidejussórias (caso contrário, o assunto
ficaria naturalmente comprometido), a questão torna-se com-
plexa quando analisamos o segundo ponto, justamente o que nos
faz rememorar o propósito da execução fiscal, instrumento pro-
cessual por meio do qual a Fazenda Pública objetiva a emissão
DANIEL DE PAIVA GOMES, EDUARDO DE PAIVA GOMES, JÚLIA SILVA ARAÚJO CARNEIRO E
KARINA GOMES ANDRADE
84
de tutela jurisdicional capaz de concretizar, no plano fenomênico,
o direito creditório certificado no título executivo que lhe serve
de fundamento, fazendo-o mediante a atração da vontade espon-
tânea do devedor (oferta de garantia) ou, em último apelo, medi-
ante expropriação de bens e/ou direitos integrantes de seu patri-
mônio.
Recolocando a situação em que o contribuinte apresenta
antecipadamente garantia fidejussória idônea em sede de anula-
tória, observa-se que já houve a individualização da responsabi-
lidade patrimonial, a recair sobre o terceiro garantidor (segura-
dora/instituição financeira). A execução fiscal, nesse cenário,
torna-se desnecessária, esvaziando, por consequência natural, o
interesse de agir da Fazenda Pública na sua propositura.
Afinal, se a Fazenda Pública pode requerer, caso se sagre
vencedora na ação antiexacional, a intimação da instituição ban-
cária ou da seguradora para que se deposite o valor do crédito
devido, a pretensão executiva somente surgirá após eventual des-
cumprimento do comando em questão, não antes – daí a impor-
tância de se rever os paradigmas vigentes, mormente os que en-
xergariam na situação eventual espaço para prescrição da preten-
são fiscal; se, até então, não há lesão ao direito de satisfação do
crédito tributário, componente da teoria da actio nata, em virtude
da garantia idônea ofertada na ação anulatória, não há razão para
trazer à luz esse tipo de questionamento complicador.
É importante ter em mente que prescrição pressupõe
inércia. Se garantia fidejussória foi ofertada na ação antiexacio-
nal e à Fazenda Pública é assegurada sua liquidação, seguida da
conversão em renda do valor depositado e consequente extinção
do crédito, não é possível falar em curso prescricional antes da
efetiva caracterização da mora do garante.
A iniciativa do contribuinte implica, em suma, resultados
diferentes sob a perspectiva da execução fiscal: existindo (tal ini-
ciativa), a satisfação do crédito estaria assegurada, o que justifica
a adoção de medidas executivas, em verdadeiro sincretismo, na
própria ação anulatória, retirado o interesse de agir na propositura
da execução fiscal.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
85
Visto isso, é preciso avançar para o exame operacional
da execução da garantia fidejussória nos autos da anulatória.
Como implementá-la se o desfecho da demanda for contrário aos
interesses do contribuinte?
Seguindo firmes na ideia do sincretismo processual
como tendência voltada a conferir efetividade e promover econo-
mia e eficiência, a seguradora/instituição financeira deverá ser
intimada para depositar o valor em juízo. Na hipótese de cumprir
a ordem judicial, a situação será idêntica à da ação anulatória
aparelhada com depósito, em que o crédito tributário restará sa-
tisfeito por intermédio de simples conversão em renda. Se, por
outro lado, a ordem judicial de depósito for descumprida (tanto
pela instituição financeira/seguradora, como pelo próprio execu-
tado), instaura-se o interesse de agir da Fazenda Pública no que
se refere à propositura da execução fiscal, dada a necessidade de,
pela força do Estado, individualizar e expropriar o patrimônio do
contribuinte e do terceiro garantidor.
Nessa perspectiva, abandonar-se-ia o sincretismo apenas
quando já não mais suficiente, caso do inadimplemento do con-
tribuinte e/ou do terceiro garantidor nos autos da ação anulatória.
O débito seria inscrito em Dívida Ativa em face do contribuinte
(na qualidade de sujeito passivo da relação jurídico-tributária) e
em face do terceiro garantidor (a pretexto da obrigação derivada
do compromisso assumido quando da contratação da garantia),
prosseguindo-se com a execução fiscal.
Na hipótese aventada, a Lei 6.830/80 já possui os funda-
mentos normativos para inscrição do débito em face dos aludidos
sujeitos: (i) em relação ao contribuinte, por ser o devedor do cré-
dito inadimplido, nos termos do artigo 4º, I, da Lei 6.830/80, e
(ii) quanto ao terceiro garantidor, alçado à condição de fiador,
consoante estabelece o artigo 4º, II, da referida lei.
Embora o arcabouço normativo atual de fato nos dê con-
dições de concluir, como fizemos, pela falta de interesse de agir
da Fazenda Pública diante da propositura de ação anulatória com
oferta de garantia fidejussória idônea, entendemos que, para ma-
ximização da segurança, evitando-se litígios em torno da
DANIEL DE PAIVA GOMES, EDUARDO DE PAIVA GOMES, JÚLIA SILVA ARAÚJO CARNEIRO E
KARINA GOMES ANDRADE
86
eventual consumação da prescrição ou de outros aspectos perifé-
ricos, algumas mudanças na Lei 6.830/80 poderiam ser muito be-
néficas. Assim as colocaríamos:
Art. 38-A. Na hipótese em que o sujeito passivo, antes da
propositura da respectiva execução fiscal, ajuíza a ação
anulatória de que trata o artigo anterior e oferece alguma
das garantias previstas no inciso II do artigo 9º desta Lei,
a execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios
e respectivas autarquias observará os artigos 38-B e 38-
C desta Lei.
Art. 38-B. Mediante ordem da autoridade judicial, após o
encerramento da ação anulatória de que trata o artigo 38-
A, será:
I – autorizado o desentranhamento da garantia oferecida
pelo sujeito passivo nos autos da ação anulatória, quando
a sentença lhe for favorável ou na proporção em que o
for; ou
II – determinada a intimação da instituição financeira ou
seguradora responsável pela prestação da garantia, a fim
de que, no prazo de quinze dias, realize o depósito inte-
gral do montante da dívida, transformando-se em paga-
mento definitivo, proporcionalmente à exigência do cor-
respondente tributo ou contribuição, inclusive seus aces-
sórios, quando se tratar de sentença ou decisão favorável
à União, aos Estados, ao Distrito Federal ou aos Municí-
pios.
Art. 38-C. Caso não seja realizado o depósito de que trata
o inciso II do artigo 38-B, deverá ser ajuizada execução
fiscal pelo respectivo ente federativo para a cobrança da
Dívida Ativa.
17. A PENHORABILIDADE DE CRIPTOATIVOS EM
EXECUÇÃO FISCAL1
Daniel de Paiva Gomes2
Eduardo de Paiva Gomes3
Na esteira do que vem sendo desenvolvido na linha de
pesquisa “Processo administrativo, judicial e de execução fiscal
no século XXI”, seguimos na identificação de oportunidades de
melhoria do ordenamento jurídico que, mediante alterações le-
gislativas pontuais, elevariam o nível de maturidade de nosso
contencioso.
Quando se pensa especificamente em execução fiscal,
uma das questões mais relevantes é a que se refere à prestação de
garantia. Reforçam a importância do assunto o avanço da econo-
mia digital e o surgimento de novas tecnologias, com o conse-
quente reconhecimento de modalidades de ativos até então iné-
ditas e que poderiam funcionar naquele contexto.
1 Texto originalmente publicado em 21/05/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-execucao-fiscal-seculo-xxi-10-21052021
2 Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP.
Advogado em São Paulo. Responsável executivo pelo projeto de pesquisa “Pro-
cesso Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à
linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Advogado em São
Paulo. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
DANIEL DE PAIVA GOMES E EDUARDO DE PAIVA GOMES
88
Neste artigo, analisaremos a possível incidência da ga-
rantia de que falamos sobre criptoativos, tanto por oferecimento
espontâneo pelo contribuinte, como pela via forçada, com o em-
prego do atual sistema do SISBAJUD, criado em substituição ao
BACENJUD.
Sem prejuízo da taxonomia que entendemos adequada
para qualificação dos criptoativos, suas diversas categorias e as
consequências daí decorrentes,4 ao menos sobre um aspecto há
consenso: os criptoativos não são moeda em seu sentido jurídico
estrito, já que despidos de curso legal e forçado. Tanto isso é ver-
dade que a legislação brasileira confere tratamento jurídico espe-
cífico às moedas eletrônicas, mas não aos criptoativos, o que é
confirmado pelo Comunicado 25.306/2014 do BACEN.
Daí deriva a grande dificuldade que envolveria o em-
prego dos criptoativos a título de garantia: o modo como são tran-
sacionados.
Criptoativos – como, por exemplo, o Bitcoin – são arma-
zenados em “carteiras digitais” denominadas de wallets, espécie
de software instalado (i) em um hardware autônomo, as chama-
das cold wallets (ex: trezor hardware wallet), ou (ii) na máquina
do usuário (software wallet), ou (iii) nma conta on-line (web wal-
let), sendo que tais carteiras formadas por um sistema de chaves
4 Sobre a taxonomia dos criptoativos que servem como premissa deste texto,
sugerimos a leitura de: GOMES, Daniel de Paiva. Bitcoin, moedas virtuais,
digitais, criptomoedas: o que são criptoativos e como classificá-los. Dispo-
nível em: https://portaldobitcoin.uol.com.br/bitcoin-moedas-virtuais-digitais-
criptomoedas-o-que-sao-criptoativos-e-como-classifica-los/ Acesso em: 05
mai. 2021; INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). Treatment of
Crypto Assets in Macroeconomic Statistics (2019). Disponível em:
https://www.imf.org/external/pubs/ft/bop/2019/pdf/Clarification0422.pdf
Acesso em: 05 mai. 2021; OECD. Taxing Virtual Currencies: An Overview
of Tax Treatments and Emerging Tax Policy Issues. Paris: OECD, 2020, p.
9. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/tax-policy/taxing-virtual-curren-
cies-an-overview-of-tax-treatments-and-emerging-tax-policy-issues.pdf
Acesso em: 05 mai. 2021. Diante do vácuo legislativo hoje existente, o inciso
I, do artigo 5º da Instrução Normativa 1.888/2019, a Receita Federal do Brasil
se propõe a trazer o conceito de criptoativos e os qualifica como ativos finan-
ceiros.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
89
pública e privada criptografadas. A chave pública atua de forma
similar a um login de usuário e é utilizada para recebimento e
envio de criptoativos mediante simples inserção de um hashtag,
seguida da indicação do montante de criptoativos que se pretende
transferir e da chave pública do recebedor. A chave privada, por
sua vez, funciona como uma espécie de senha ou assinatura digi-
tal, cuja utilização é imprescindível para a efetivação da transa-
ção, isto é, a transferência das bitcoins de um usuário para outro.
A grande inovação inerente aos criptoativos refere-se ao
fato de que, em regra, são transacionados de forma descentrali-
zada por meio de tecnologias de registro distribuído (DLT – dis-
tributed ledger technologies), a exemplo da blockchain, ou seja,
sem a presença de uma autoridade central responsável pelo con-
trole da emissão de novas unidades ou pela validação das opera-
ções.
Assim, os usuários não possuem, no sentido estrito do
termo, seus criptoativos. O que há são inserções de informações
na blockchain, que atua como um verdadeiro livro-razão, acerca
de quais usuários, identificados por meio de suas chaves públi-
cas, possuem cada criptoativo.
Pontuadas as características mínimas dessa tecnologia e
considerando o escopo do presente artigo, passemos a avaliar,
então, a viabilidade de (i) oferecimento espontâneo dos criptoa-
tivos como garantia de satisfação do crédito tributário ou (ii) sua
penhora forçada (SISBAJUD).
Nesse tocante, o artigo 11 da Lei 6.830/80 prevê que a
penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: (i) di-
nheiro; (ii) título da dívida pública, bem como título de crédito,
que tenham cotação em Bolsa; (iii) pedras e metais preciosos;
(iv) imóveis; (v) navios e aeronaves; (vi) veículos; (vii) móveis
ou semoventes; e (viii) direitos e ações.
A leitura do artigo 11 da LEF permite encaixar os crip-
toativos no inciso VIII, hipótese que alcança os direitos integran-
tes do patrimônio do executado que sejam suscetíveis de
DANIEL DE PAIVA GOMES E EDUARDO DE PAIVA GOMES
90
apreciação econômica, mas que não tenham sido contemplados
taxativamente pela legislação.
No que se refere à constrição forçada de criptoativos (na
tentativa de traçar um paralelo com a “penhora online”), devemos
levar em consideração o fato de que, como apontado, as transa-
ções são registradas na blockchain apenas com a indicação da
chave pública das partes envolvidas, sem qualquer menção à real
identidade do usuário, o que dificultaria (embora não impossibi-
lite) a constatação, pelo Poder Judiciário, da propriedade ou não
de referidos bens, circunstância fática que justificou o indeferi-
mento, pelo TJ/SP, de pedido de penhora de bitcoins (Agravo de
Instrumento 2202157-35.2017.8.26.0000). Além disso, o Poder
Judiciário não possui acesso à chave privada do titular de cripto-
ativos, inviabilizando qualquer tipo de constrição forçada.
Ainda nessa perspectiva (da constrição forçada), cabe
destacar a existência de dois cenários fáticos distintos: (i) reali-
zação de operações com criptoativos de forma direta (operações
P2P – peer to peer) com outro usuário e (ii) mediante a utilização
de intermediários, as chamadas exchanges.
Nos casos em que o usuário opera isoladamente (P2P),
ou seja, sem um intermediário e de forma direta com o outro usu-
ário, restaria claramente inviabilizada a constrição forçada, já que
o Poder Judiciário não conseguiria traçar a relação entre a chave
pública do usuário e sua real identidade, além de não ter acesso
à chave privada para penhorar os criptoativos.
Na penhora on-line de ativos financeiros tradicionais, te-
mos uma autoridade central (BACEN) que viabilizaria o cumpri-
mento da ordem de bloqueio, sem que seja necessário ao Poder
Judiciário obter acesso à senha da conta bancária do contribuinte.
Todavia, no caso dos criptoativos, não existe autoridade central
que possa desempenhar tal função, à medida que os protocolos
respectivos são descentralizados, desempenhando cada usuário,
ao mesmo tempo, o papel de cliente e servidor – daí por que so-
mente com o acesso efetivo à chave privada seria possível a cons-
trição de criptoativos.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
91
Em síntese, seria necessária a integração da vontade do
titular das criptomoedas com a penhora a ser realizada, decorrên-
cia, reitere-se, da inexistência de autoridade que possa realizar a
constrição – a exemplo do BACEN –, tampouco de um meio de
suprimir a necessidade de utilização da chave privada para trans-
ferência de criptoativos.
Havemos de concluir, portanto, que, sob a perspectiva
pragmática do atual estágio da tecnologia, é impossível a cons-
trição de criptoativos.
Nas hipóteses, entretanto, em que as operações são reali-
zadas por meio de exchanges, a impossibilidade de constrição
forçada decorreria apenas do fato de que tais figuras não se amol-
dam ao conceito de instituição financeira, nos termos do artigo
17 da Lei 4.595/1964, de modo que, não estando inseridas no
Sistema Financeiro tradicional e não sendo fiscalizadas pelo BA-
CEN, não se põem conectadas ao SISBAJUD.
A nosso ver, a inclusão das exchanges como entidades
equiparadas às instituições financeiras poderia equacionar a
questão, providência que demandaria alterações mais significati-
vas do ordenamento jurídico, de todo modo.
Sem prejuízo, independentemente dessa equiparação le-
gal, nada impediria que o Juízo da execução fiscal expedisse ofí-
cio às referidas exchanges determinando o bloqueio de criptoati-
vos, de modo que referido intermediário assumiria a condição de
fiel depositário.
Por sua vez, no caso do oferecimento espontâneo de crip-
toativos como garantia, existem, em síntese, duas alternativas
para superar os óbices pragmáticos inerentes à tecnologia: (i) a
criação de uma wallet própria do Poder Judiciário, a ser utilizada
para transferência dos criptoativos de titularidade dos executa-
dos, já que sem a existência de uma wallet do Poder Judiciário
restaria inviabilizado o oferecimento de tais ativos como garan-
tia; ou (ii) o enquadramento do contribuinte como fiel depositário
dos seus criptoativos.
DANIEL DE PAIVA GOMES E EDUARDO DE PAIVA GOMES
92
Ocorre que, além destas questões técnicas atreladas à tec-
nologia, fatores econômicos relacionados à alta volatilidade dos
referidos bens poderiam resultar em quedas bruscas de seu valor,
prejudicando a garantia da integralidade do débito executado.
Impor-se-iam, então, duas possíveis medidas : (i) ao exe-
quente, acompanhando a evolução do valor do criptoativo, re-
querer, com a eventual queda, o reforço e/ou a substituição da
garantia apresentada; ou (ii) ao executado, antes de apresentar a
garantia, converter seus criptoativos em stablecoins, já que essa
modalidade possui garantias colaterais que estabilizam o seu
preço ou tem seu valor atrelado a uma moeda fiduciária.
Entendemos que uma proposta de lege ferenda possa
equacionar todas essas questões. Nesse sentido, apesar de o in-
ciso VIII do artigo 11 da LEF prever, em abstrato, a possibilidade
de oferecimento de criptoativos, alterações pontuais do ordena-
mento jurídico poderiam tornar esse cenário mais claro.
A bem da verdade, diante da crescente importância eco-
nômica dos criptoativos, a mudança proposta poderia ser melhor
endereçada se feita em conjunto com o artigo 835 do Código de
Processo Civil, haja vista o reiterado entendimento de que o rol
de bens penhoráveis trazido por esse dispositivo é aplicável no
âmbito das execuções fiscais. A alteração do Código de Processo
Civil, nesse sentido, beneficiaria não só a Fazenda Pública e res-
pectivos devedores, mas também os credores/devedores priva-
dos.
Colacionamos, na sequência, proposta normativa que se
prestaria a regular o tema.
Lei nº 6.830/1980
Art. 11. (...)
IX – criptoativos, que atendam aos critérios estabelecidos
pelas Fazendas Públicas, em ato normativo próprio, a ser
editado no prazo de cento e oitenta (180) dias da entrada
em vigor desta lei, sem prejuízo da imediata aplicação do
artigo 835 do Código de Processo Civil;
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
93
Código de Processo Civil
Art. 835 (...)
XIV – criptoativos, assim entendidos como representa-
ções digitais de valor que, não sendo moeda, possuam
unidade de medida própria, negociados eletronicamente
por meio da utilização de criptografia e no âmbito de tec-
nologias de registro distribuído, utilizados como ativo fi-
nanceiro, meio de troca ou pagamento, instrumento de
acesso a bens e serviços ou investimento.
(...)
§4º. Nas hipóteses de oferecimento ou de constrição for-
çada dos bens descritos no inciso XIV, serão observadas
as seguintes regras:
I – é vedado o acesso, pelo Poder Judiciário, à chave pri-
vada dos usuários;
II – é facultado ao executado o oferecimento de criptoa-
tivos como garantia desde que:
a) promova a transferência de seus criptoativos à carteira
virtual do Juízo competente, o qual ficará responsável
pela integridade dos ativos transferidos; ou
b) assuma a condição de fiel depositário, assim reconhe-
cida pelo Juízo competente, dos criptoativos apresenta-
dos como garantia;
III – na hipótese de não serem localizados bens do deve-
dor, o exequente poderá requerer ao Juízo competente a
expedição de ofício, por meio eletrônico, aos intermedi-
ários envolvidos em operações com criptoativos, a fim de
que sejam bloqueados ativos correspondentes ao valor
executado, determinando-se, alternativamente:
a) a transferência, pelo intermediário, dos criptoativos de
titularidade do devedor, à carteira virtual do Juízo com-
petente, o qual ficará responsável pela integridade dos
ativos transferidos;
b) a outorga da condição de fiel depositário, assim reco-
nhecida pelo Juízo competente, ao intermediário envol-
vido nas operações com criptoativos;
DANIEL DE PAIVA GOMES E EDUARDO DE PAIVA GOMES
94
IV – para possibilitar o bloqueio de criptoativos de que
trata o inciso III deste dispositivo, não se dará ciência
prévia do ato ao devedor;
§5º. Assim que recebidos os criptoativos na carteira vir-
tual do Juízo competente ou formalizada a condição de
fiel depositário, seja pelo titular dos criptoativos seja pelo
intermediário, será lavrado termo de penhora consig-
nando a quantidade de unidades do criptoativo e seu res-
pectivo protocolo.
§6º. A Fazenda Pública poderá requerer a complementa-
ção da penhora na hipótese em que a volatilidade dos
criptoativos deixar de corresponder ao valor executado,
hipótese em que, após a oitiva do devedor, o juízo deter-
minará:
I – a conversão dos criptoativos em moeda fiduciária, for-
malizando o depósito judicial; ou
II – a intimação do devedor para fins de reforço ou subs-
tituição da garantia.
§ 7º. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disciplinará,
em ato normativo próprio, os procedimentos necessários
ao fiel cumprimento da lei no que tange ao oferecimento
e constrição de criptoativos, inclusive quanto à criação de
carteiras virtuais por meio das quais as Varas poderão re-
ceber criptoativos como garantia.
18. NJP EM EXECUÇÕES FISCAIS NO CONTEXTO
DOS PRECEDENTES1
Ligia Regini2
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto3
No primeiro capítulo dedicado, nesta subsérie, a possí-
veis incrementos do negócio jurídico processual (NJP) – sempre
olhando para a racionalização do contencioso –, ressaltamos as-
pectos (virtuosos) que lhe poderiam guarnecer, caso (i) do plano
de amortização do débito fiscal, (ii) da aceitação, avaliação, subs-
tituição e liberação de garantias e (iii) do modo de constrição ou
alienação de bens (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/arti-
gos/processo-administrativo-judicial-execucao-fiscal-2-
23042021).
1 Texto originalmente publicado em 28/05/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/njp-execucoes-fiscais-con-
texto-dos-precedentes-28052021
2 Sócia do BMA Advogados, com especialização em Direito Tributário – Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, Membro da Comissão de
Contencioso Tributário da OAB/SP; Membro do Instituto dos Advogados de
São Paulo – IASP; Membro da ABETEL – Associação Brasileira das Estudos
de Tributários das Empresas de Telecomunicações; Membro do Núcleo de Es-
tudos Fiscais da FGV/SP.
3 Doutorando em Direito Público pela Universidade do Minho (Portugal), Mes-
tre em Tributação Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário -
IBDT, Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São
Paulo (2020/21) e Advogado. Membro-pesquisador do projeto de pesquisa
“Processo Administrativo, Judicial e de Execução Fiscal do século XXI”, da
Linha de Pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário”, do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
LIGIA REGINI E RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO
96
Hoje, compartilhamos reflexão sobre o emprego do NJP,
ainda em execuções fiscais, mas olhando para o contexto dos pre-
cedentes vinculantes de Tribunais Superiores.
Sabe-se que temáticas afetadas aos regimes de Repercus-
são Geral e de Recurso Repetitivo estão contidas em milhares de
processos executivos e respectivos embargos, feitos que só terão
destino seguro após a palavra final do STF e STJ, respectiva-
mente.
Com a Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004, a da cha-
mada “Reforma do Judiciário”, o sistema consagrou, como valo-
res a serem seguidos, celeridade e harmonia na produção de de-
cisões judiciais, enunciando a súmula vinculante do Supremo
Tribunal Federal (STF) (art. 103-A), o efeito vinculante da deci-
são do STF em controle concentrado à Administração Pública
(art. 102, § 2o) e o requisito da Repercussão Geral (RG) para
apreciação de matérias pelo STF, em controle difuso de constitu-
cionalidade.
No âmbito infraconstitucional, sucessivas alterações dis-
ciplinaram a novel RG e o rito do Recurso Repetitivo no âmbito
do STJ (art. 543-C), até culminarem na edição do ‘novo’ CPC
(Lei nº 13.105/2015) que traçou um sistema de precedentes ide-
alizado a partir dos princípios da eficiência, da economia proces-
sual, da redução da litigiosidade e da isonomia.
De um lado, a RG reside na matéria constitucional pelo
viés “econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os
interesses subjetivos do processo”; e o Recurso Repetitivo é as-
sim selecionado dada a “multiplicidade de recursos extraordiná-
rios ou especiais com fundamento em idêntica questão de di-
reito” (art. 1036).
RG e Recurso repetitivo ganharam protagonismo no con-
tencioso como um todo, dada a força vinculante do precedente
em relação a todos os tribunais e juízes (art. 927 c/c art. 1040) –
quanto mais se diga, nesse sentido, na seara do Direito Tributário,
repleta de contendas sobre constitucionalidade e legalidade de
tributos com desfecho apenas nos Tribunais Superiores.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
97
Grandes temas tributários chegam ao STJ e STF e de lá
atraem interesses convergentes de muitos contribuintes, expecta-
dores (em sua maioria) da resolução do litígio de forma harmô-
nica para todos na mesma situação jurídica.
Nessa senda, o estoque de processos executivos (e res-
pectivos embargos) que envolve matéria tributária afetada aos
Tribunais Superiores pode ser gradualmente encerrado, com re-
solução do mérito e, se devido, com a satisfação do crédito pen-
dente (processos com resolução do mérito segundo o precedente,
se favorável à Fazenda, terão seu encerramento naturalmente
condicionado à satisfação do crédito reconhecidamente exigível).
O fato, nessa linha de raciocínio, é que a orientação ju-
risprudencial vinculante ditada pelos tribunais superiores põe
termo à controvérsia jurídica, mas pode não terminar automati-
camente com o executivo fiscal, não pelo menos até a satisfação
do crédito tributário (quando este é considerado devido, reitere-
se), seja mediante a liquidação da preexistente garantia (se hou-
ver), seja pela adesão a algum parcelamento, seja pelo raro e es-
pontâneo pagamento.
Pois é justamente aí que aflora a utilidade do NJP após a
RG, o Repetitivo e/ou a Súmula favorável à cobrança tributária.
O NJP pode incrementar a celeridade e resolutividade de
um grande contingente de execuções fiscais, em todas as esferas
(inclusive municipal), logo após a aplicação da tese de mérito fi-
xada pelos tribunais superiores. Basta supor quantos NJPs seriam
úteis para definir a garantia e/ou amortização de tributos recen-
temente declarados devidos em decisões do STF e STJ, como (i)
o IPI na saída subsequente à importação (RE 946.648), (ii) a con-
tribuição social sobre FGTS (“Adicional FGTS” – RE 878.313),
(iii) o PIS/COFINS sobre Receitas Financeiras (RE 1043313) e
(iv) o ISS sobre franquias (RE 603136) – dentre outros casos.
Após a palavra dos tribunais superiores, a certeza e a exi-
gibilidade do crédito exequendo são terra firme para o Juiz con-
ciliador promover acordo entre as partes para solucionar a obri-
gação pendente de pagamento de forma razoável, com
LIGIA REGINI E RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO
98
consideração de riscos, tempo e custos de garantia e da própria
litigância instaurada.
Nessa toada, a inovação veiculada pela Lei
13.874/2019 – para promoção de mutirões de formalização de
NJP no âmbito federal – poderia ser replicada para atuação
compositiva junto às Procuradorias Estaduais e Municipais, a
fim de analisar o enquadramento das centenas de processos
pendentes às matérias pacificadas e, com ajustes ‘customiza-
dos’ sobre a amortização da dívida, pôr fim às respectivas con-
tendas.
Merece ser fortalecido, pois, o estratégico poder-dever
do Juízo da Execução Fiscal de, para além de aplicar o precedente
vinculante, instar as partes a fixarem a forma de satisfação do
crédito, pela via, exclusiva ou combinada (i) de um plano de
amortização (eventualmente uma das modalidades de transa-
ção), (ii) da substituição de garantia(s), com gradual liberação do
gravame e maior liquidez e incremento da capacidade de paga-
mento em favor do Fisco, (iii) de acordos sobre verbas de sucum-
bência, despesas e honorários – todas alternativas afeitas ao con-
ceito do NJP.
Assim sendo, no propósito de descongestionar o acervo
de executivos fiscais também após a palavra final dos Tribunais
Superiores, em linha com a proposta de redação do art. 9º-A da
Lei 6.830/80 (traçada no texto que apresentamos anteriormente)4,
complementamos o mesmo normativo, nos seguintes termos:
4 Art. 9º-A. Verificadas questões que admitam autocomposição, o juízo deverá
ouvir as partes sobre a realização de Negócio Jurídico Processual – NJP entre a
Fazenda Pública, na forma do art. 190 da Lei 13.105/2015 – Código de Processo
Civil, atendendo-se aos preceitos dos artigos 3º, § 2º, e 166 do mesmo diploma.
1º. As partes poderão formalizar NJP sobre:
I – plano de amortização do débito fiscal;
II – aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias, inclusive garan-
tia fidejussória dos administradores da pessoa jurídica devedora;
III – modo de constrição ou alienação de bens.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
99
Art. 9º-B. Os órgãos do Poder Judiciário e as unida-
des da Procuradoria das Fazendas exequentes pode-
rão, de comum acordo, realizar mutirões para aná-
lise do enquadramento de processos ou de recursos
nas hipóteses previstas neste artigo e celebrar negó-
cios jurídicos processuais com fundamento no dis-
posto no art. 190 da Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil).
Art. 9º-C. Não sendo embargada a execução ou
sendo rejeitados os embargos, serão intimadas as
partes para manifestar interesse em compor NJP so-
bre a forma da satisfação do crédito, nos termos do
art. 9º-A.
IV – modificação da competência relativa para reunião dos processos no juízo
prevento.
2º. As partes poderão formular NPJ em outras hipóteses não indicadas nos in-
cisos I a IV do caput, respeitando os limites do instituto.
19. LACUNAS NORMATIVAS NA MODULAÇÃO DE
EFEITOS DE DECISÕES TRIBUTÁRIAS1
Carlos Eduardo M. Gasperin2
Fernanda Donnabella Camano de Souza3
Ligia Regini4
Efetividade e eficiência processuais ganharam especial
ênfase no CPC/2015 como importantes diretrizes na resolução
material do litígio e seus efeitos práticos, em prol da certeza do
direito, da harmonia de decisões e, em última análise, da segu-
rança jurídica das partes, valores fundamentais à estabilidade das
relações.
Não viemos, todavia, falar de valores em termos abstra-
tos e de percepção subjetiva. Neste breve texto, lançamos algu-
mas indagações a respeito da “modulação dos efeitos de decisão
judicial” segundo a atual dicção do CPC e da legislação esparsa,
no propósito de avaliar a necessidade de movimentação do legis-
lador na direção de regras e procedimentos desdobrados do
1 Texto originalmente publicado em 04/06/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-10-04062021
2 Mestre em Direito Tributário e Membro do Núcleo de Direito Tributário do
Mestrado Profissional – FGV/DIREITO-SP. Membro do Núcleo de Estudos
Fiscais da FGV-Direito/SP.
3 Pós-doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Membro do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-Direito/SP.
4 Sócia do BMA Advogados, com especialização em Direito Tributário – Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC); membro da Comissão de
Contencioso Tributário da OAB/SP e do Instituto dos Advogados de São Paulo
(IASP). Membro do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-Direito/SP.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
101
comando geral para maior eficiência do instrumento e adesão aos
tais princípios, notadamente no contencioso tributário.
No sistema jurídico brasileiro, a “modulação dos efeitos
de decisão judicial” despontou com a Lei n.º 9.868/1999, art. 27,
para adequação pelo STF dos efeitos de decisões proferidas em
ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADC e
ADI), mediante votos da maioria qualificada (2/3), “tendo em
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse so-
cial”.
Com o CPC/2015, o instituto foi positivado no art. 927
que, ao consagrar a autoridade dos precedentes, passou a prever
a alteração da jurisprudência como possível causa da modulação
“no interesse social e no da segurança jurídica”, assim qualifi-
cada a “jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal
e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de
casos repetitivos” e “modificação de enunciado de súmula, de ju-
risprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de ca-
sos repetitivos” (§§ 3.º e 4.º).
Há, pois, regras vigentes disciplinadoras de ao menos
dois distintos tipos de modulação: (i) a clássica, cuja aplicação
se dá preponderantemente em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, fundada nos conceitos abertos de segurança
jurídica ou interesse social; e (ii) a especial, derivada de muta-
ção jurisprudencial, cabível também em controle difuso de
constitucionalidade (repercussão geral) e igualmente voltada ao
interesse social e segurança jurídica. Sabe-se, ademais, que na
pragmática a primeira situação é extensível às decisões exaradas
em controle difuso de (in)constitucionalidade, dada a sua propen-
são à dessubjetivação.
No longo período que se coloca entre os citados diplomas
legais, assistimos o STF aplicar a modulação em prol do interesse
público e da segurança jurídica. Em matéria tributária, num
período de 15 anos (2003-2018), identificamos oito temas julga-
dos com modulação de efeitos num conjunto de quase 90. Na
maioria desses oito temas, o STF decidiu postergar os efeitos da
decisão de (in)constitucionalidade para o momento posterior à
CARLOS EDUARDO M. GASPERIN, FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA E LIGIA REGINI
102
data do julgamento da tese ou da publicação do respectivo acór-
dão e até com ressalva do direito postulado em ações em curso
naquele momento.
Na vigência do CPC/2015, o STF passou a aplicá-la com
maior recorrência e assentou, inclusive, entendimento sobre o
quórum de votação da modulação dos efeitos em repercussão ge-
ral e/ou recursos repetitivos: maioria absoluta (seis votos) dos
membros da Corte.5
Recentemente, num ritmo visivelmente acelerado de jul-
gamentos virtuais durante a pandemia da Covid-19, a Corte lan-
çou mão da modulação ao solucionar relevantes controvérsias tri-
butárias, como a da incidência do ITCMD sobre heranças e doa-
ções vindas do exterior (RE 851.108), a do conflito do ISS x
ICMS sobre softwares (ADIs 5.659 e 1.945), a do ICMS x ISS
sobre produtos farmacêuticos manipulados (RE 605.552) e a da
exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição ao PIS e
da COFINS (RE 574.706) – cada qual revelando critérios impre-
cisos e erráticos quanto à sua excepcional aplicação aos casos
concretos.
Dado tal panorama, sendo perceptível a existência de la-
cunas normativas sobre o tema, concluímos pela necessidade de
seu suprimento, com a produção de definições objetivas dos pres-
supostos da modulação para que a segurança jurídica pretendida
pelo instrumento ganhe máxima eficiência – sem que funcione,
a contrario sensu, como elemento adicionador de indesejável
surpresa.
5 Questão de Ordem no RE 638115: “o Tribunal, por maioria, resolvendo ques-
tão de ordem suscitada pelo Ministro Dias Toffoli (Presidente), deliberou que,
para a modulação dos efeitos de decisão em julgamento de recursos extraordi-
nários repetitivos, com repercussão geral, nos quais não tenha havido declara-
ção de inconstitucionalidade de ato normativo, é suficiente o quórum de maioria
absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal, vencido o Ministro Marco
Aurélio, que diverge quanto à formulação da questão de ordem e quanto ao seu
mérito. Votaram na questão de ordem os Ministros Luiz Fux e Roberto Bar-
roso” (j. 18.12.2019).
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
103
Operando nesse sentido, perguntamos: seria possível de-
finir pressupostos positivos e negativos de procedimento e com-
petência, elegíveis para a modulação em matéria tributária?
Compreendemos que a resposta é positiva e visualizamos os que
seguem:
(i) pressupostos positivos:
(a) iniciativa para postular a modulação – compreensiva
de duas variantes, a da cognoscibilidade de ofício e da
resultante de provocação, desde a petição inicial ou,
quando menos, por prequestionamento nas razões recur-
sais;
(b) quórum – qualificado tanto para a modulação clás-
sica quanto para a especial;
(c) técnica de julgamento – a abranger a declaração de
constitucionalidade e a de inconstitucionalidade, bem
como as variadas técnicas de aferição da (in)constituci-
onalidade (interpretação conforme, declaração de nuli-
dade parcial sem redução de texto, dentre outras);
(d) prejuízos (econômico e de litigiosidade) – definição
se o prejuízo econômico seria suficiente para modulação,
com a possível indicação de critérios a respeito da prova
desse prejuízo e avaliação de impacto na multiplicação
de processos;
(e) dominância da jurisprudência anterior e respectivos
tribunais – no quê consiste aquela dominância e qual sua
origem (STF, STJ, plenário ou órgão especial dos tribu-
nais locais, inclusive em incidentes de demandas repeti-
tivas, por exemplo);
(f) tempo para o exercício da função julgadora referente
à modulação – conjuntamente com a fixação da tese, evi-
tando interregno de indefinição;
(g) extensão da medida nos aspectos temporal, objetivo e
subjetivo – explícita fundamentação indicativa da eficá-
cia da decisão de (in)constitucionalidade no tempo (pe-
ríodo exato), de qual obrigação tributária se trata e dos
sujeitos (contribuintes) envolvidos.
CARLOS EDUARDO M. GASPERIN, FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA E LIGIA REGINI
104
(h) ressalva de ações em curso/transitadas em julgado –
necessário cotejo com o art. 5.º, XXXV e XXXVI, da CF
e art. 156, X, do CTN, definindo-se como ficariam os cré-
ditos tributários extintos por força de decisões passadas
em julgado antes da decisão do STF;
e
(ii) pressupostos negativos:
(a) proibição de invasão do ato decisório – por meio da
modulação, não se poderia alterar o julgamento do mé-
rito;
(b) vedação de estímulos à litigiosidade – impedimento
à criação de situações de ajuizamento compulsório ou de
penalização para quem não litigou em juízo;
(c) restrição competencial – impedimento do exercício da
modulação por tribunais locais e juízes de primeiro grau;
(d) controle do efeito surpresa (confirmatório ou infirma-
tório das expectativas antes produzidas) – especialmente
relevante na mutação jurisprudencial.
Tomadas essas ideias preliminares, estamos seguros de
que a modulação no âmbito tributário merece contar com um des-
dobramento normativo balizador de seu exercício, a par dos que
constam no diploma processual e na legislação esparsa, em prol,
como sinalizamos desde o início, da concretização da estabili-
dade e da segurança jurídica no contencioso tributário. E é este
desdobramento normativo que nos propomos a apresentar nos
próximos artigos desta minissérie.
20. REFLEXÕES SOBRE A COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL NA COBRANÇA DE CRÉDITOS
TRIBUTÁRIOS1
Ana Cláudia Utumi2
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto3
A série de textos sobre soluções pontuais para otimizar o
complexo e ineficiente sistema processual tributário direciona
seu foco, neste capítulo, para a busca de alternativas no contexto
da cobrança, com base em cooperação internacional em matéria
fiscal.
Ao longo dos anos, os fiscos dos diversos países foram
aumentando a comunicação e a colaboração entre si, especial-
mente em torno de trabalhos coordenados pela Organização de
Cooperação para Desenvolvimento Econômico – OCDE. Atual-
mente, podemos dividir esses trabalhos em duas grandes frentes:
(a) combate à evasão fiscal, com medidas de transparência fiscal
internacional; (b) combate ao planejamento tributário agressivo
1 Texto originalmente publicado em 14/06/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-do-seculo-xxi-4-14062021
2 Pesquisadora do NEF/FGV, Professora do Mestrado em Tributação Internaci-
onal do IBDT e da Universidade de Zurich, Doutora em Direito Econômico-
Financeiro (USP), Mestre em Direito Tributário (PUC/SP), MBA em Finanças
(IBMEC/SP), Membro do Practice Council do NYU School of Law e Advogada
em São Paulo.
3 Doutorando em Direito Público pela Universidade do Minho (Portugal), Mes-
tre em Tributação Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário -
IBDT, Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São
Paulo (2020/21) e Advogado.
ANA CLÁUDIA UTUMI E RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO
106
ou abusivo, sob o projeto BEPS – Base Erosion and Profit Shif-
ting.
No âmbito da transparência fiscal, há mais de 30 anos, a
OCDE e o Conselho da Europa, com o objetivo de estabelecer
um meio eficaz de exercício de atos de fiscalização e cobrança
de débitos tributários em outras jurisdições, criaram a Convenção
Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria
Tributária – CMAAT, instrumento que prevê diversas formas de
cooperação administrativa em matéria fiscal e firmada inicial-
mente por seus membros.
A CMAAT foi alterada em 2010, com a reorganização,
em 2009 e a pedido do G20, do Global Forum on Transparency
and Exchange of Information for Tax Purposes (“Global Fo-
rum”), para fazer integrar outros países ao acordo. Atualmente,
são 141 signatários do CMAAT, e 162 os integrantes do Global
Forum.
Segundo a OCDE,4 as modalidades de cooperação inter-
nacional previstas pela CMAAT correspondem a um esforço
multilateral para cooperação e transparência internacional para
combater a evasão fiscal e ilícitos financeiros internacionais, me-
lhorando a aplicação das normas tributárias nacionais sobre fatos
dotados de extraneidade. Neste contexto, destacam-se os módu-
los da CMAAT relacionados a trocas de informações nas moda-
lidades espontânea (seguindo o exemplo dos acordos sobre lava-
gem de dinheiro), a pedido (com mais de 250 mil solicitações
entre 2009 e 2019) e automáticas (base para a troca de informa-
ções automática em matéria de ativos financeiros, sob o CRS –
Common Reporting Standards, Declaração País-a-País, e acor-
dos tributários individuais - rulings), fiscalizações tributárias si-
multâneas e no exterior, assistência à cobrança de créditos tribu-
tários e medidas cautelares de interesse fiscal.
4 Disponível em: https://www.oecd.org/tax/exchange-of-tax-information/con-
vention-on-mutual-administrative-assistance-in-tax-matters.htm, acessado em
21 de maio de 2021.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
107
A CMAAT permite a flexibilidade na escolha de qual
instrumento de cooperação fiscal internacional (módulos) e quais
parceiros de tratados se pretende comprometer no arranjo pro-
posto pela OCDE de cooperação internacional em matéria fiscal.
Em relação ao Brasil, deteremos atenção sobre o módulo
da CMAAT que não foi objeto de adesão (inciso I do art. 1º do
Decreto nº 8.842/2016) e seu potencial benefício em caso de im-
plementação no contexto da cobrança tributária: a colaboração
em cobrança de créditos tributários em favor de outras jurisdi-
ções – em próximo artigo sobre o tema (em produção) focaremos
nos benefícios do módulo de compartilhamento de informações
a pedido (upon request) como auxiliar na cobrança de créditos
tributários na busca de ativos e omissões em outros países.
É importante notar que, a assistência mútua administra-
tiva em matéria fiscal se tornou essencial nesta era de globaliza-
ção econômica, financeira e tecnológica em que o desenvolvi-
mento dos fluxos internacionais de pessoas, capitais, bens e ser-
viços impõe uma colaboração multilateral para que todas as ju-
risdições se alinhem ao interesse comum pela cobrança de dívi-
das tributárias além-fronteira. Trata-se da verdadeira globaliza-
ção dos fiscos.
Segundo a OCDE, os progressos em matéria de transpa-
rência e intercâmbio de informações ajudaram a recolher aos co-
fres públicos cerca de 107 bilhões de euros em receitas tributárias
por meio de programas de declaração voluntária de ativos (ex.
repatriação de valores com anistia parcial de juros e multas) e
esforços conjuntos em diligências fiscais internacionais.5
Desses 107 bilhões de euros, aproximadamente 12 bi-
lhões foram arrecadados no Brasil, com a declaração de ativos no
5 OCDE. Tax Transparency and Exchange of Information in Times of COVID-
19 - 2020 Global Forum Annual Report. Disponível em:
https://www.oecd.org/tax/transparency/documents/global-forum-annual-re-
port-2020.pdf. Acesso: 13.mai.2021.
ANA CLÁUDIA UTUMI E RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO
108
exterior que somaram cerca de 51 bilhões de euros.6 Cabe lem-
brar que, muito antes do programa de repatriação, em 2012 a
BBC7 trouxe que “Ricos brasileiros têm quarta maior fortuna do
mundo em paraísos fiscais”, mostrando a importância do controle
dos ativos no exterior pertencentes aos contribuintes brasileiros.
Por outro lado, o compartilhamento automático de infor-
mações fiscais (FATCA e CRS) demonstrou a existência de 920
mil contas bancárias de residentes brasileiros localizadas em 97
países, confirmando outra potencial fonte de ativos de liquidação
de cobrança tributária. O resultado brasileiro de localização de
ativos financeiros no exterior está alinhado ao contexto de com-
partilhamento automático de dados financeiros no globo, consi-
derando mais de 100 jurisdições compartilhando informações de
interesse fiscal referentes a 84 milhões de contas financeiras e 10
trilhões de euros em ativos financeiros identificados na troca de
informações sob o CRS em 2019.
Essas informações demonstram também que, na ausência
de ativos de determinados devedores tributários no Brasil, resul-
tando em suspensão de inúmeras execuções fiscais, a resposta
para a quitação de parte de seus débitos pode estar em ativos lo-
calizados no exterior. Assim, é interessante analisar a possibili-
dade de o Brasil subscrever o módulo da CMAAT relativo à as-
sistência na cobrança de créditos tributário e nas medidas caute-
lares no âmbito da CMAAT.
Com base nas informações de ativos no exterior obtidas
sob o CRS, seria possível ao Brasil solicitar ao parceiro de
CMAAT a execução de créditos fiscais como se fossem seus pró-
prios créditos fiscais (art. 11, §1º), fazendo-o a partir de um título
de dívida tributária líquida, certa e exigível (aqui representada
pela Certidão de Dívida Ativa), para a qual não penda qualquer
6 Em relação aos demais valores citados, há destaque para 1,3 bilhões de euros
na Bélgica (2016-19), 700 milhões de euros na Hungria (2014-17), 128 milhões
de euros na Noruega (2015-19), 32 bilhões de euros em ativos foram identifi-
cados na França (2013-17) e 4,2 bilhões de euros na Noruega (2015-19).
7 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noti-
cias/2012/07/120722_ricos_evasao_brasil_rp. Acesso: 21.mai.2021.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
109
discussão administrativa ou judicial no Brasil. O título será vali-
dado ou homologado pelo Estado requerido (art. 13, §2º) para ali
servir de base à cobrança. Assim, o Estado requerente deverá de-
clarar que já esgotou todas as vias de cobrança internas e que
seu pedido de cooperação decorre da dificuldade em obter a sa-
tisfação do crédito pelos meios domésticos ordinários.
Não obstante a exigência de definitividade do crédito em
cobrança, é possível a solicitação de medidas cautelares de natu-
reza assecuratória da cobrança do crédito tributário, mesmo no
caso de processos tributários pendentes de decisão definitiva ou
em discussão judicial na jurisdição brasileira, com vista à co-
brança de tributos com ulterior julgamento definitivo.
A colaboração na cobrança tributária permite, ainda, a
cobrança de responsáveis tributários em diferentes Estados (ex.
artigos 124, 135 e 136 do CTN), podendo ser exigida a totalidade
da dívida exequenda na outra jurisdição.
Em caso de sucesso na execução do crédito fiscal, a li-
quidação da dívida ocorre na moeda do Estado requerido, com
conversão na taxa de câmbio em vigor à data do pedido, sendo
possível, conforme as regras do Estado requerido, a liquidação
por pagamento à vista ou parcelado. Com o sucesso da cobrança,
o Estado requerido deverá transferir o montante cobrado inde-
pendentemente das variações das taxas de câmbio.
Em algumas hipóteses excepcionais, o Estado requerido
pode opor-se à cobrança do valor inscrito em dívida ativa, como
no caso de ser constatado que o débito é indevido, ou se os custos
de cobrança excederem o montante do referido crédito em co-
brança (art. 21, §2º).
Se considerarmos o atual estoque de débitos inscritos em
dívida ativa no Brasil (acima de R$ 3 tri, só em relação à estima-
tiva da PGFN) e a existência de relevante valor de ativos de con-
tribuintes domésticos no exterior, a solicitação de apoio do Brasil
na recuperação de créditos aos seus parceiros de tratado poderia
superar o custo para atender as eventuais demandas de outros
ANA CLÁUDIA UTUMI E RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO
110
países em território brasileiro, de tal maneira que a análise de
custo versus benefício provavelmente será favorável ao Brasil.
Nota-se, assim, que a adesão a esse importante instru-
mento de colaboração fiscal internacional – auxílio na arrecada-
ção de tributos – poderá ser mais eficiente e eficaz do que o uso
de cartas rogatórias por cooperação jurídica internacional, via
mais estreita de execução de atos eminentemente judiciais e sob
um possível risco de recusa de cumprimento pela autoridade ju-
diciária estrangeira.
Portanto, com a globalização dos fiscos, acompanhando
a globalização dos negócios e patrimônios, há oportunidade real
de o Brasil se beneficiar do esforço multilateral de cooperação
também na execução de atos de cobrança de créditos tributários
em um mundo cada vez mais integrado. Se, em determinadas si-
tuações, não há muita perspectiva de localização de ativos em
caso de frustração da cobrança tributária doméstica, é a vez de se
pensar em buscar a colaboração internacional para aumentar a
arrecadação que tanto contribuiria em um momento de severa
crise fiscal no Brasil.
21. REFLEXÕES SOBRE A COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL NA COBRANÇA DE CRÉDITOS
TRIBUTÁRIOS II1
Ana Cláudia Utumi2
Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto3
Nesse segundo texto dedicado à cooperação
internacional na cobrança de créditos tributários, focaremos
nossa atenção na possibilidade de se ampliar a localização de
ativos ocultos por diligências realizadas no exterior.
O sistema de rastreamento de ativos pelas Fazendas
Públicas domésticas evoluiu significativamente nos últimos
anos, culminando no recentíssimo sistema integrado de bloqueio
online de ativos financeiros denominado Sisbajud4. O esforço
combinado entre o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, a
1 Texto originalmente publicado em 18/06/2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/cooperacao-internacional-co-
branca-creditos-tributarios-18062021
2 Pesquisadora do NEF/FGV, Professora do Mestrado em Tributação Internaci-
onal do IBDT e da Universidade de Zurich, Doutora em Direito Econômico-
Financeiro (USP), Mestre em Direito Tributário (PUC/SP), MBA em Finanças
(IBMEC/SP), Membro do Practice Council do NYU School of Law e Advogada
em São Paulo.
3 Doutorando em Direito Público pela Universidade do Minho (Portugal), Mes-
tre em Tributação Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário -
IBDT, Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São
Paulo (2020/21) e Advogado.
4BRASIL. SISBAJUD: novo sistema de penhora on-line de ativos de devedores
será lançado em 25 de agosto. Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-
br/assuntos/noticias/2020/sisbajud-novo-sistema-de-penhora-on-line-de-ati-
vos-de-devedores-sera-lancado-em-25-de-agosto. Acesso: 14.mai.2021.
ANA CLÁUDIA UTUMI E RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO
112
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN e o Banco
Central do Brasil – BCB permite, inclusive, a pesquisa sobre
contratos de câmbio, extratos bancários simplificados e faturas
de cartão de crédito internacionais ligados aos executados,
possibilitando a localização de ativos financeiros no exterior por
remessas de câmbio e o custeio de despesas vinculadas a bens
igualmente localizados no exterior.
De posse dessas informações, a Fazenda Pública poderia
exercer seu direito creditório sobre potenciais bens existentes em
outras jurisdições. No entanto, como podem as autoridades
identificar esses ativos e exercer atos de expropriação em outro
estado soberano?
Não é segredo que existe um limite de recursos para a
fiscalização doméstica direcionar esforços nas diligências afetas
a lançamentos de ofício brasileiros, o que não é censurável.
Todavia, é importante notar que, com o passar dos anos, a
internacionalização das relações negociais que torna a economia
ainda mais multilateral e os meios e recursos aplicáveis à
constatação de fuga à legislação deverão seguir esse inevitável
curso além-fronteiras.
É nesse particular que os tratados internacionais, como
fontes de Direito Internacional, legitimam a cooperação com a
execução forânea de atos de interesse doméstico em outras
jurisdições.5
No primeiro texto em que trouxemos o tema
(https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-
administrativo-judicial-e-de-execucao-fiscal-do-seculo-xxi-4-
14062021), registramos a possibilidade do Brasil subscrever o
módulo da Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua
Administrativa em Matéria Tributária – CMAAT relativo à
assistência à cobrança de créditos tributários e medidas
5 O encerramento de executivos fiscais sem a localização de ativos penhoráveis
é indicado como um dos fatores da pouca eficiência do atual sistema de co-
brança judicial, com uma taxa de recuperação que gira em torno de 1%, segundo
dados da PGFN em 2016.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
113
cautelares respectivas, especialmente ao dirigir uma reflexão
sobre as vantagens de sua adesão na perspectiva de liquidação de
créditos tributários com base em informações sobre ativos
financeiros e demais bens e direitos no exterior de conhecimento
da Fazenda Pública.
O módulo de compartilhamento de informações a pedido
(upon request) foi objeto de adesão brasileira à CMAAT,
referendando a opção nacional de concentrar seu interesse nas
trocas de informações automáticas e a pedido, inclusive relativas
ao intercâmbio automático de informações bancárias pelo
Common Reporting Standard - CRS.
De fato, o intercâmbio automático de informações
financeiras entre jurisdições permite a identificação de omissões
de patrimônio e rendimentos de interesse fiscal nacional no
exterior, e o uso dos dados financeiros pela autoridade fiscal
brasileira, notadamente no seu cruzamento com informações
obtidas a partir de obrigações acessórias do próprio contribuinte
pessoa física ou jurídica, ou de terceiros que tenham o dever de
prover informações sobre contribuintes para a Receita Federal.
Dados sobre os ativos financeiros e despesas no exterior
obtidos por trocas automáticas ou sob demanda são relevantes
não apenas para fiscalização dos contribuintes – de modo a
verificar o cumprimento de suas obrigações (principal e
acessória) –, mas também podem ser utilizadas para identificar a
real capacidade de um contribuinte de fazer frente às suas dívidas
tributárias, sub judice ou não.
Assim, uma vez revelada a existência (potencial ou
efetiva) de ativos no exterior cujo beneficiário seja o contribuinte
nacional (diretamente ou por meio de entidades/estruturas no
exterior, como, por exemplo, International Business Companies
para investimentos financeiros) pelo CRS, as autoridades podem
realizar a solicitação de informações adicionais a pedido
(Exchange of Information on Request - EIOR), para buscar
maiores detalhes dos ativos financeiros cujo beneficiário seja
residente no Brasil, bem como buscar identificar a existência de
outros ativos além dos financeiros.
ANA CLÁUDIA UTUMI E RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO
114
O EIOR prevê a possibilidade de solicitação e
fornecimento de quaisquer informações previsivelmente
relevantes para a administração ou aplicação da legislação
tributária nacional de um parceiro da CMAAT. Dentre as
informações intercambiáveis, a autoridade de um país pode
solicitar à autoridade do outro país os registros relativos a contas
bancárias, dados financeiros e informações transacionais de
ativos financeiros, incluindo dados sobre os beneficiários finais
das contas informadas,6 existência de ativos não-financeiros em
nome ou cujo beneficiário seja seu contribuinte, participação
desse mesmo sujeito em empresas localizadas no outro país etc.
No caso de empresas, o EIOR permite a requisição dos registros
contábeis de entidades relacionadas com o contribuinte nacional,
inclusive a possibilidade de exibição de demonstrações
financeiras e documentação suporte (faturas, contratos etc.) que
reflitam detalhes de (i) recursos recebidos e gastos, e as
justificativas para tanto, (ii) todas as vendas e compras e outras
transações relacionadas ao contribuinte ou entidades a ele ligadas
e (iii) ativos e passivos da entidade conectada ao contribuinte
nacional.
Além do EIOR, a CMAAT prevê também a possibilidade
de fiscalizações simultâneas (simultaneous tax examinations),
nas quais fiscos de dois ou mais países fiscalizam
simultaneamente um mesmo contribuinte, grupo econômico ou
fatos, e trocam informações sobre os resultados das inspeções,
assim como de fiscalizações no exterior (tax examinations
abroad), nas quais a autoridade tributária de um país pode
autorizar a entrada de auditor-fiscal de outro para que ele
participe das buscas das informações solicitadas.
Com o acesso pleno a informações no exterior – por troca
automática, complementada por troca sob demanda de
informações –, é possível identificar, por exemplo, estruturas
conhecidas como “blindagem patrimonial”, em que se busca
6 OCDE. Exchange of Information on Request - handbook for peer reviews
2016-2020. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/transparency/global-fo-
rum-handbook-2016.pdf . Acesso: 17.mai.2021.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
115
evitar, de forma lícita ou ilícita, dependendo do caso, que
credores – incluindo o fisco – tenham acesso a seus ativos.
Outro exemplo, no contexto de uma diligência em solo
estrangeiro, recairia sobre a identificação de despesas debitadas
de contas bancárias estrangeiras para custeio de outros ativos não
declarados para as autoridades tributárias, eventualmente em
nome de terceiros (“laranjas”), como fato indiciário de ocultação
de valores da autoridade fiscal brasileira.7
As formas de cooperação internacional em matéria fiscal
estão encampando novas oportunidades de localização de fontes
de arrecadação, especialmente em momento de crise fiscal global
pós-Covid-19, como no exemplo citado pela OCDE no uso de
EIOR, que permitiu a cobrança de cerca de 10 bilhões de euros
em receitas fiscais adicionais apenas no ano de 2020, com
destaque para Rússia, Uganda e Senegal. As iniciativas regionais
estimularam novos avanços no compartilhamento de dados para
fins fiscais, fazendo surgir novas ferramentas e abordagens
inovadoras pelos seus membros, especialmente durante a
pandemia.8 Destaque-se que, entre 2009 e 2019, segundo a
OCDE, foram mais de 300 mil trocas de informações a pedido.9
7 Em relação às demais jurisdições aderentes à CMAAT, a OCDE ampliou a
racionalização no compartilhamento de dados entre jurisdições, com a edição
da versão 2.0 do Sistema de Transmissão Comum (CTS) de troca de informa-
ções e atos de colaboração internacional de fiscalização e cobrança tributária.
Assim, a execução e recuperação de tributos em cobrança, seja por meio de
requerimento, seja por informação espontânea entre jurisdições, assim como os
dados sobre fiscalizações simultâneas e força-tarefa internacional de inteligên-
cia, são cadastrados em um sistema de controle global que torna mais célere sua
execução e compartilhamento de dados entre as jurisdições.
8 O trabalho de capacitação do Fórum Global da OCDE se expandiu e 68 juris-
dições receberam assistência fiscal em 2020 e o nível de satisfação avaliado foi
4,5 de 5, contando com mais de 6.800 funcionários de 157 jurisdições com trei-
namento, quase exclusivamente remotamente.
9 OECD. Tax Transparency and Exchange of Information in Times of COVID-
19 – 2020 Global Forum Annual Report. Paris: 2020. Disponível em
https://www.oecd.org/tax/transparency/documents/global-forum-annual-re-
port-2020.pdf
ANA CLÁUDIA UTUMI E RODRIGO ALEXANDRE LAZARO PINTO
116
A requisição de informações ao fisco de outros países
impõe a reciprocidade em caso de solicitação de diligências em
território brasileiro, o que significa dizer que pode haver custos
para contar com a assistência forânea de interesse brasileiro.
A identificação de ativos localizados no exterior cujos
beneficiários sejam contribuintes nacionais tem uma dupla fun-
ção no contexto brasileiro: além de permitir às autoridades tribu-
tárias a identificação de evasão fiscal pela omissão de renda e
patrimônio, ainda permite a localização de ativos que podem ser-
vir como fonte de satisfação do crédito tributário, seja por medi-
das judiciais colaborativas entre países, seja por meio da assis-
tência à cobrança de créditos tributários e medidas cautelares,
atualmente excetuada pelo Brasil na CMAAT.
Cabe lembrar, como destacamos no nosso artigo anterior,
que a adesão a esse importante instrumento de colaboração fiscal
internacional – auxílio na arrecadação de tributos – poderá ser
mais eficiente e eficaz do que o uso de cartas rogatórias por coo-
peração jurídica internacional, via sabidamente mais estreita de
execução de atos eminentemente judiciais e que se encontra em
permanente risco de recusa de execução pela autoridade judiciá-
ria estrangeira – mais um reforço para que, nesse cenário multi-
lateral que referimos o uso do EIOR seja estimulado como fator
de conformidade fiscal e de simetria entre o tratamento fiscal e
responsabilidade social de contribuintes com renda doméstica e
estrangeira nesse novo milênio.
22. A POSSIBILIDADE DE EXPROPRIAÇÃO DE BENS
IMÓVEIS OFERECIDOS EM SEDE DE AÇÃO
ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL
Sincretismo no processo tributário
Daniel de Paiva Gomes1
Eduardo de Paiva Gomes2
Júlia Silva Araújo Carneiro3
Karina Gomes Andrade4
Nos artigos anteriormente produzidos a propósito do sin-
cretismo processual, além do próprio instituto, analisamos a es-
pecífica possibilidade de execução, no bojo da anulatória, da ga-
rantia fidejussória ali prestada, medida que dispensa a replicação
1 Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP.
Advogado em São Paulo. Responsável executivo pelo projeto de pesquisa “Pro-
cesso Administrativo, Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à
linha de pesquisa “Macrovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos
Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
2 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Advogado em São
Paulo. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
3 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Procuradora do Estado
do Rio de Janeiro. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo,
Judicial e Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Ma-
crovisão do Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV
DIREITO SP.
4 Mestre em Direito Tributário pela FGV DIREITO SP. Advogada em São
Paulo. Membro do projeto de pesquisa “Processo Administrativo, Judicial e
Execução Fiscal do século XXI”, referente à linha de pesquisa “Macrovisão do
Crédito Tributário” do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV DIREITO SP.
DANIEL DE PAIVA GOMES, EDUARDO DE PAIVA GOMES, JÚLIA SILVA ARAÚJO CARNEIRO E
KARINA GOMES ANDRADE
118
de processos e que segue o mesmo racional já aplicável às hipó-
teses em que o débito é garantido mediante depósito judicial (Lei
9.703/98).5-6
Seguindo nos tipos de garantia passíveis de ofereci-
mento, neste artigo trataremos da possibilidade de expropriação
de bens imóveis que tenham sido ofertados, a título de garantia,
nos próprios autos da ação anulatória quando julgada definitiva-
mente improcedente.
Diversamente do que ocorre com as garantias fidejussó-
rias – fiança e apólice, em suma –, o oferecimento de bens imó-
veis ostenta peculiaridades que não permitem a importação, di-
reta e sumária, das premissas que fixamos no texto anterior.
É que referidas garantias – as fidejussórias – operam de-
baixo de regramento próprio, expedido pelos respectivos órgãos
reguladores (Conselho Monetário Nacional e Superintendência
de Seguros Privados) e pelas próprias Procuradorias (tal como a
PGFN, no âmbito federal), em que são estabelecidos critérios ob-
jetivos para aferição de idoneidade e liquidez.
O valor de bens imóveis, por outro lado, é fixado com
base em métodos heterogêneos e sofre interferências de externa-
lidades que não estão sob o controle do sujeito passivo ou da Fa-
zenda Pública. Portanto, uma vez oferecido um bem imóvel nos
autos de ação anulatória, não se pode ignorar que, até o trânsito
em julgado da demanda, por algum fato não atribuível às partes,
seu valor pode deixar de garantir integralmente a exigência fis-
cal.
Diante desse cenário, decorrente das especificidades da
garantia em foco (bem imóvel), pensamos que a possibilidade de
oferecimento nos autos de ação anulatória – e sua futura expro-
priação, no caso de sentença de improcedência transitada em
5 https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-administrativo-judi-
cial-e-de-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-9-14052021
6 https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/processo-judicial-administra-
tivo-e-execucao-fiscal-no-seculo-xxi-02042021
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
119
julgado – imprescinde da prévia aceitação da Fazenda Pública
nos autos dessa mesma demanda.
Existindo divergência entre sujeito passivo e Fazenda
Pública quanto à idoneidade do bem imóvel oferecido, caberia,
então, ao juízo competente para processamento e julgamento da
anulatória decidir pela idoneidade ou não – e, consequente vin-
culação ou não – do bem imóvel como garantia à exigência fiscal
combatida.
Não desconhecemos que a controvérsia “lateral” quanto
à idoneidade do bem imóvel oferecido representaria contencioso
incompatível com a natureza e a finalidade da ação anulatória,
indo, inclusive, na contramão das premissas sincréticas adotadas.
Por isso, para evitar tal problemática, seria possível, para
além da pressuposta razoabilidade dos atores, a celebração de ne-
gócio jurídico processual entre sujeito passivo e Fazenda Pública,
homologável pelo juízo da anulatória, dispondo sobre a aceitação
do bem imóvel e a necessidade de sua reavaliação periódica para
confirmação de sua suficiência à guisa de garantia integral no ci-
clo processual.
Tomada essa perspectiva, o bem imóvel oferecido e aca-
tado tornar-se-ia indisponível até o trânsito em julgado da sen-
tença, sendo possível a averbação de tal situação no respectivo
Registro. Vinculando-se à exigência fiscal questionada pelo su-
jeito passivo, somente com o desfecho definitivo da demanda an-
tiexacional (sentença transitada em julgado) ter-se-ia conheci-
mento acerca do destino a ser dado ao bem imóvel.
Feitos esses esclarecimentos, restaria enfrentar a proble-
mática da fluência ou não do prazo prescricional em prejuízo à
Fazenda Pública, haja vista a inexistência de efeito suspensivo da
exigibilidade do crédito tributário conferido pelo oferecimento e
aceitação de bem imóvel nos autos de ação anulatória.
Em consonância com o texto anterior, pensamos que a
premissa basilar para análise do tema é o fato de que o ofereci-
mento e acatamento de bem imóvel em sede de ação anulatória
constitui legítimo ato de individualização do patrimônio,
DANIEL DE PAIVA GOMES, EDUARDO DE PAIVA GOMES, JÚLIA SILVA ARAÚJO CARNEIRO E
KARINA GOMES ANDRADE
120
realizado pelo próprio sujeito passivo para adimplemento da dí-
vida, tornando dispensável a busca realizada em sede de execu-
ção fiscal.
A individualização e indisponibilidade do bem imóvel
em benefício da satisfação da exigência fiscal (precedida, reitere-
se, de sua aceitação) retiraria da Fazenda Pública, nessa linha, o
interesse de agir em termos de execução fiscal, tornando-se des-
necessário seu ajuizamento na específica hipótese de que trata-
mos – em que, vale reiterar, há o oferecimento e acatamento de
bem imóvel nos autos de ação anulatória.
Com base em tal racional, podemos seguir adiante, re-
conhecendo que a sentença de improcedência implica, por via de
consequência, o reconhecimento de que a exigência fiscal, tal
como constituída, é devida pelo sujeito passivo, impondo-se sua
satisfação.
Sob a perspectiva processual, usando outros termos: o
crédito tributário objeto da ação anulatória julgada improcedente
teria sua legitimidade certificada pela sentença transitada em jul-
gado; ou seja, em razão dos efeitos inerentes à coisa julgada (e,
igualmente, dos respectivos efeitos preclusivos), a presunção de
certeza e exigibilidade do crédito deixa de ser relativa para ser
alçada à condição de absoluta, à semelhança com o que já ocorre
com a sentença que julga improcedentes os embargos à execução
fiscal – essa, aliás, é a premissa já adotada pela Lei 9.703/1998,
pois, consoante destacado, a ação anulatória com depósito jul-
gada improcedente tem como consequência a conversão dos va-
lores em renda em favor da Fazenda Pública.
Assim, uma vez certificado o trânsito em julgado da sen-
tença de improcedência da ação anulatória, seria possível o pros-
seguimento da expropriação, cabendo investigar, então, o modo
estabelecido para fins de expropriação de bens imóveis pelo Có-
digo de Processo Civil.
Sobre o tema, o artigo 825 do mencionado diploma enun-
cia três caminhos: (i) a adjudicação; (ii) a alienação (por inicia-
tiva particular ou por intermédio de corretor ou leiloeiro público
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
121
credenciado perante o órgão judiciário); (iii) a apropriação de
frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de ou-
tros bens. Considerando o objeto do presente artigo, focaremos
nossa análise nos itens (i) e (ii) mencionados.
A adjudicação é instituto que já contém previsão ex-
pressa no artigo 24 da Lei 6.830/80. Portanto, reafirmado o para-
lelo no sentido de que nos autos da ação anulatória julgada im-
procedente por sentença transitada em julgado, tem-se, em última
análise, provimento jurisdicional que torna absoluta a presunção
de certeza e liquidez da exigência fiscal, à semelhança com o que
ocorre com os embargos à execução fiscal, daí por que reconhe-
cer que a utilização da adjudicação não encontraria grandes obs-
táculos.
Por sua vez, a alienação por iniciativa particular poderia
encontrar entraves em razão do artigo 23 da Lei 6.830/80, cuja
interpretação poderia levar à conclusão – equivocada, a nosso ver
– de que a alienação de bens imóveis no âmbito das execuções
fiscais somente poderia ser realizada em sede de leilão público.
No entanto, o simples fato de a alienação ser realizada “por ini-
ciativa do particular” não leva à conclusão de que é o credor que
realizará a venda do bem. Pelo contrário: o credor apenas dá iní-
cio ao trâmite da alienação, o que não afasta a necessidade de
observância dos procedimentos e publicidade necessários para
sua concretização. Este, inclusive, é o entendimento da Procura-
doria-Geral da Fazenda Nacional no Parecer /PGFN/CRJ nº
1732/2007, no qual reconhece ser o instituto, já sob a égide do
diploma processual anterior, compatível com a sistemática de co-
brança do crédito tributário.
Tanto é assim que os artigos 41 e seguintes da Portaria
PGFN 33/2018 tratam, expressamente, acerca da possibilidade
de a PGFN proceder à alienação por iniciativa própria. No
mesmo sentido, referido órgão também incluiu a possibilidade de
DANIEL DE PAIVA GOMES, EDUARDO DE PAIVA GOMES, JÚLIA SILVA ARAÚJO CARNEIRO E
KARINA GOMES ANDRADE
122
alienação por sua iniciativa em recentes negócios jurídicos pro-
cessuais que celebrou.7
Assim, após a alienação do imóvel (por iniciativa da Fa-
zenda Pública ou por intermédio de corretor ou leiloeiro público
credenciado perante o órgão judiciário), como decorrência do
trânsito em julgado de sentença de improcedência exarada nos
autos da ação anulatória, duas situações podem ocorrer: (i) o va-
lor arrecadado é suficiente, de modo que o depósito do preço
pago será convertido em renda em favor da Fazenda Pública, tal
como já ocorre com o depósito judicial; ou (ii) o valor da aliena-
ção é insuficiente para quitação integral do crédito tributário.
A hipótese (ii) acima, ao que nos parece, seria fato sufi-
ciente para abandonar o sincretismo, já que, nesse cenário, a anu-
latória não se mostraria hábil para promover a cobrança integral
do crédito tributário. Seria o caso, portanto, de inscrição da par-
cela remanescente em Dívida Ativa, a fim de se aparelhar futura
execução fiscal. Nesse específico contexto, configurada hipótese
de cobrança “ordinária” do crédito tributário (relativo à parcela
não extinta pela alienação do imóvel), pressupõe-se, com efeito,
inscrição em Dívida Ativa e ajuizamento de execução fiscal.
De todo modo, em consonância com as premissas já de-
senvolvidas nos textos anteriores, acreditamos que até a eventual
ocorrência do cenário (ii) mencionado, a Fazenda Pública não
possuiria interesse de agir para ajuizamento do feito executivo,
não havendo que se falar, por consequência, em fluência do prazo
prescricional. Somente no caso de insuficiência do valor de alie-
nação do imóvel para extinção integral do crédito tributário é que
surgiria a necessidade de individualização e expropriação do pa-
trimônio do contribuinte a reclamar a propositura de execução
fiscal, átimo de instante em que se verificaria o início da conta-
gem do prazo prescricional.
7 Por exemplo: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/divida-ativa-da-
uniao/painel-dos-parcelamentos/termos-njp/1a-regiao/njp-grupo-covre-e-s-a-
atacadista-de-alimentos-ltda-2019-pgfn_1a-regiao-x.pdf, cláusula 7ª.
PROCESSO ADMINISTRATIVO, JUDICIAL E EXECUÇÃO FISCAL NO SÉCULO XXI
123
Em linha com os textos anteriores, indicamos as mudan-
ças que poderiam ser inseridas na Lei 6.830/80 e que, a nosso
ver, teriam o condão de explicitar o racional aqui sustentado – e
cuja extração, em rigor, já se mostraria possível a partir da legis-
lação tal como posta:
Art. 38-D. Na hipótese em que o sujeito passivo, antes da
propositura da respectiva execução fiscal, ajuíza a ação
anulatória de que trata o artigo 38 desta Lei e oferece bens
imóveis como garantia, a satisfação do crédito tributário
observará os artigos 38-E a 38-G desta Lei.
§ 1º Aplica-se o disposto no caput somente na hipótese
em que os bens imóveis sejam aceitos pela Fazenda Pú-
blica ou por decisão proferida pelo juízo competente para
processar e julgar a ação anulatória proposta pelo sujeito
passivo.
§ 2º Até que sobrevenha a hipótese prevista no artigo 38-
G desta Lei, fica obstado o ajuizamento de execução fis-
cal, à falta de interesse da Fazenda Pública.
Art. 38-F. Após o definitivo encerramento da ação anu-
latória de que trata o artigo 38-D, quando se tratar de sen-
tença ou decisão favorável à União, aos Estados, ao Dis-
trito Federal ou aos Municípios, a expropriação do bem
imóvel oferecido será realizada mediante:
I – adjudicação; ou,
II – alienação, por iniciativa da Fazenda Pública ou por
intermédio de corretor ou leiloeiro público credenciado
perante o órgão judiciário;
§ 1º A expropriação de que trata o inciso I será regida
pelos artigos 876 a 878 do Código de Processo Civil.
§ 2º A expropriação de que trata o inciso II será regida
pelos artigos 879 a 903 do Código de Processo Civil.
Art. 38-G. Caso o valor arrecado com a alienação do bem
imóvel seja insuficiente para satisfação integral do cré-
dito tributário, deverá ser ajuizada execução fiscal pelo