castilhismo uma filosofia da república

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    CASTILHISMO:UMA FILOSOFIA

    DA REPBLICA

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    4 Ricardo Vlez Rodrguez

    Mesa DiretoraBinio 1999/ 2000

    Senador Antonio Carlos MagalhesPresidente

    Senador Geraldo Melo

    1oV ice-Presidente

    Senador Ronaldo Cunha Lima

    1oSecretrio

    Senador Nabor Jnior

    3oSecretrio

    Senador Ademir Andrade

    2oV ice-Presidente

    Senador Carlos Patrocnio

    2oSecretrio

    Senador Casildo Maldaner

    4oSecretrio

    Senador Eduardo Suplicy

    Senador Jonas Pinheiro

    Suplentes de Secretrio

    Senador Ldio Coelho

    Senadora Marluce Pinto

    Conselho Editorial

    Senador Lcio Alcntara

    Presidente

    Joaquim Campelo Marques

    V ice-Presidente

    Conselheiros

    Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga

    Raimundo Pontes Cunha Neto

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    Castilhismo: uma filosofia da Repblica 5

    Coleo Brasil 500 Anos

    CASTILHISMO:UMA FILOSOFIA

    DA REPBLICA

    Ricardo Vlez Rodrguez

    Braslia 2000

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    6 Ricardo Vlez Rodrguez

    BRASIL 500 ANOSO Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997,buscar editar, sempre, obras de valor histrico e cultural e de importncia relevante para acompreenso da histria poltica, econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do Pas.

    COLEO BRASIL 500 ANOS

    De Profecia e Inquisio(esgotado) Padre Antnio VieiraManual Bibliogrfico de Estudos Brasileiros Rubens Borba de Morais e William BerrienGaleria dos Brasileiros Ilustres(Volumes I e II) S. A. SissonO Brasil no Pensamento Brasileiro(Volume I) Djacir Meneses (organizador)Rio Branco e as Fronteiras do Brasil A. G. de Arajo JorgeEfemrides Brasileiras Baro do Rio BrancoAmap: a Terra onde o Brasil comea, 2aedio Jos Sarney e Pedro CostaFormao Histrica do Acre(Volumes I e II) Leandro TocantinsNa Plancie Amaznica Raimundo MoraisTextos Polticos da Histria do Brasil(9 volumes) Paulo Bonavides e Roberto Amaral (organizadores)

    Projeto grfico: Achilles Milan Neto

    Senado Federal, 2000Congresso NacionalPraa dos Trs Poderes s/no CEP 70168-970 [email protected]:/ / www.senado.gov.br/ web/conselho/conselho.htm

    ................................................................................................................................................................

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    Vlez Rodrguez, RicardoCastilhismo: uma filosofia da Repblica /Ricardo Vlez Rodrguez

    Braslia: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.

    294p. (Coleo Brasil 500 anos)

    1. Poltica e governo, Brasil. 2. Filosofia poltica, Brasil. 3. Positivismo,

    Rio Grande do Sul. I. Castilhos, Jlio Prates, 1860-1903. II. Ttulo III. Srie.

    CDD 320.981

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    Castilhismo: uma filosofia da Repblica 7

    Sumrio

    APRESENTAOpg. 11

    INTRODUOpg. 21

    PRIMEIRA PARTE

    V IDA E A O POLTICA DE JL IO DE CASTILHOS,

    BORGES DE MEDEIROS, PINHEIRO MACHADO EGETLIO VARGASpg. 29

    CAPTULO IJlio de Castilhos (1860 1903)

    pg. 31

    1 Perodo de formao e atividades polticas anteriores ao desempenhodo cargo de Presidente do Estado do Rio Grande do Sul (18601891),pg.31 2 Perodo compreendido entre a ascenso ao poder e o

    trmino legal do mandato de Castilhos (1891-1898),pg. 63 3 Perodo compreendido entre o fim do mandato presidencial e a morte

    (1898-1903), pg. 80

    CAPTULO IIBorges de Medeiros (18631961)

    pg. 83

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    8 Ricardo Vlez Rodrguez

    CAPTULO IIIPinheiro Machado (1851-1915)

    pg. 87

    CAPTULO IVGetlio Vargas (1883-1954)

    pg. 91

    SEGUNDA PARTE

    A DOUTRINA CASTILHISTApg. 95

    CAPTULO VIdias bsicas da filosofia poltica de inspirao positivista

    pg. 97

    1 O equilbrio entre as diferentes ordens de interesses, elemento funda-mental na organizao da sociedade, segundo a Filosofia Poltica Liberalde Silvestre Pinheiro Ferreira,pg. 97 2 A moralizao dos indivduos

    atravs da educao positiva, elemento fundamental na organizao dasociedade segundo a filosofia de Augusto Comte e o Positivismo Ilustra-

    do de Pereira Barreto,pg. 99 3 A moralizao dos indivduos

    atravs da tutela do Estado, elemento fundamental na organizao dasociedade segundo a filosofia poltica castilhista,pg. 103

    CAPTULO VIA Pureza de intenes, pr-requisito

    moral de todo governantepg. 105

    CAPTULO VIIO bem pblico interpretado como o

    reino da virtude, na tradio castilhistapg. 115

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    CAPTULO VIIIO exerccio da tutela moralizadora

    do Estado sobre a sociedade, segundo a tradio castilhistapg. 131

    CAPTULO IXO conservadorismo castilhista

    pg. 157

    TERCEIRA PARTE

    IDIAS POLTICAS BSICAS DO LIBERAL ISMO E CRTICALIBERAL AO CASTILHISMO

    pg. 165

    CAPTULO XOs liberais anticastilhistas

    pg. 167

    CAPTULO XIO governo representativo segundo o

    pensamento liberalpg. 171

    CAPTULO XIIA crtica liberal ao castilhismo

    pg. 193

    QUARTA PARTE

    A HERANA DO CASTILHISMOpg. 203

    CAPTULO XIII

    Antnio Chimangoe a ditadura castilhistapg. 205

    CAPTULO XIVGetlio Vargas, parlamentar

    pg. 229

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    10 Ricardo Vlez Rodrguez

    CAPTULO XVGetlio Vargas, o castilhismo

    e o Estado Novopg. 247

    CONCLUSOpg. 271

    BIBLIOGRAFIApg. 277

    NDICE ONOMSTICOpg. 289

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    icardo Vlez Rodrguez veio ao Brasil no incio da

    dcada de setenta a fim de realizar curso de ps-graduao(mestrado) em filosofia. N a poca era um jovem professor univer-sitrio em Mendelln, Colmbia (estava ento com menos de 30anos, tendo nascido em 1943). N uma seleo rigorosa, obtiverabolsa da OEA . O chefe do Departamento de Filosofia daquelainstituio era um brasileiro (A rmando Correia Pacheco), que pre-

    tendia estimular o intercmbio latino-americano e imaginava quepodia faz-lo no curso que estava organizando, dedicado filoso-fia brasileira. A contece que essa inteno conflitava abertamentecom o nosso projeto, que era um dos legados de L us WashingtonV ita, recm-falecido (1968) e empenho pessoal do prof. MiguelReale, entendendo que aquela era uma das misses importantes

    do Instituto Brasileiro de Filosofia. De modo que o jovem Ricardoviu-se constrangido a arquivar os sonhos de intercmbio e estudarfi losofia brasileira.

    Entendendo que as filosofias nacionais eram fenme-no da poca Moderna e, nesta, a grande novidade consistia na

    .......................................

    A presentao

    R

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    12 A presentao

    nova perspectiva fi losfica estruturada por Kant, comevamos

    por esse filsofo, na suposio de que seria mal estudado na gra-duao. O curso pressupunha tambm alguma familiaridade como empirismo e com o positivismo. A qui montamos a anlise siste-mtica da obra de Comte, na esperana de que muitas das verten-tes estruturadas no Brasil correspondessem a um dos momentos desua evoluo. Tudo isto antes de nos lanarmos abordagem dos

    temas especficos da filosofia brasileira, a partir das reformaspombalinas e da adeso ao que se convencionou denominar deempirismo mitigado.V -se que o bolsista Ricardo Vlez andavamuito ocupado e, de minha parte, no lhe dava trguas, emborativesse verificado que dispunha de excelente formao humanista,com grande conhecimento da cultura greco-romana, domnio do

    grego e do latim, alm de familiaridade com a escolstica espa-nhola.

    O projeto de investigao do positivismo no Brasil iasendo delineado simultaneamente. A dotou-se uma regra geral quecompreendia determinar em que consistia a filosofia da cincia deinspirao positivista; a filosofia da educao; a filosofia poltica,

    etc. Ricardo interessou-se pelo tema da poltica. Procurei franca-mente desestimul-lo. Inexistia qualquer inventrio. N o caso deuma figura que seria central Jlio de Castilhos , deixara poucosescritos, requerendo o seu estudo pesquisa em jornais da poca, nosquais colaborara ao longo da vida, e levantamento da legislaoque elaborara diretamente e na qual consubstanciara seu entendi-

    mento do que seria o regime positivista. A lm do mais, iria exigirde quem se lanasse tarefa que estudasse diretamente os principaisautores liberais, desde que a proposta comtiana destinava-se a subs-tituir o sistema representativo. A bolsa de que dispunha no podiaser prorrogada para abranger o prazo que seria necessrio. Teimosa-

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    mente o jovem colombiano recusou todas as ponderaes e lanou-

    se tarefa, o que nos permitiu constatar sua capacidade de pesquisae facilidade de escrever. Em fins de 1973 apresentava-nos doisgrossos volumes sob o ttulo geral deA filosofia poltica de inspi-rao positivista: o castilhismo. Tratando-se de novidade absolu-ta, teve que anexar os documentos de que se louvava para formulara sua tese de mestrado, aprovada com entusiasmo pela banca

    ento constituda. Como mais adiante a situao na Colmbia deterio-

    rou-se francamente, sobretudo em Mendelln, Ricardo Vlez de-cidiu radicar-se no Brasil, tendo obtido recentemente a nacionali-dade brasileira. A ps esse retorno nos fins dos anos setenta, foipesquisador da Sociedade Convvio, em So Paulo, e professor na

    Universidade Estadual de L ondrina, tornando-se subseqente-mente membro do Corpo Docente da Ps-Graduao em Filoso-fia da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, onde con-clura o doutorado no incio da dcada de oitenta e permanece athoje. Nos poucos mais de 25 anos desde a defesa da tese de mestrado,produziu obra notvel, dedicada ao pensamento poltico latino-

    americano, de um modo geral, e brasileiro, em particular, dou-trina liberal (sua obra recente sobre Tocqueville vem alcanandomerecido sucesso editorial) e s humanidades (integra o grupo deprofessores que organizou o Instituto de H umanidades, com opropsito de recuperar a tradio humanista, abandonada pelonosso sistema de ensino). Mas tratou simultaneamente de dar

    feio acabada ao seu estudo sobre o castilhismo, publicando, em1980, Castilhismo: uma filosofia da Repblica. este livro,revisto e ampliado, que em boa hora o Conselho Editorial doSenado Federal decidiu inclui r na Coleo Biblioteca BsicaBrasileira.

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    14 A presentao

    O ESSENCIALNOCASTILHISMO,

    NAVISODEVLEZComo nos mostra Ricardo Vlez ao longo de seu mag-

    nfico estudo, o castilhismo no corresponde a uma transposiomecnica da doutrina poltica de Comte. Jlio de Castilhos ter-minou a Faculdade de D ireito de So Paulo muito jovem, em1881, quando tinha apenas 21 anos de idade, formando seu

    esprito segundo os cnones positivistas. Comea na dcada ante-rior a difuso da sociologia de Comte, antes conhecido sobretudocomo matemtico na Real A cademia M ili tar. Segundo aquelasociologia, a evoluo social era determinada e previsvel. Prepa-rar o advento do estado positivo, etapa final da humanidade,seria obra de uns quantos apstolos, mestres de uma nova Igreja,

    profundos conhecedores da cincia. N essa obra, a famlia temigualmente lugar de destaque, sobretudo as mulheres. O novosistema poltico seruma ditadura republicana.

    Da doutrina de Comte, Castilhos retirou a idia b-sica de que o governo passava a ser uma questo de competncia(em vez de vir de Deus, como imaginavam alguns monarcas, ou

    da representao, como ensinou L ocke e, entre ns, Si lvestrePinheiro Ferreira e os grandes artfices do Segundo Reinado, opoder vem do saber). Ora, se estou de posse desse saber, porquepreciso passar a fase do que entre ns chamou-se de positivismopedaggico ou ilustrado, isto , de algo que poderia ser deno-minado de educao das conscincias como etapa prvia

    implantao do estado positivo? Esprito prtico, dotado degrande poder de l iderana, combati vo, tenaz e obstinado,Casti lhos decidiu-se por uma experincia original: uti l izar opoder poltico para transformar a sociedade, ao invs de esperarpela transformao desta e s ento marchar na direo do regi-

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    me perfeito. Em sntese, optou por exercer diretamente a tutela

    da sociedade.Ricardo Vlez assim caracteriza o essencial no castilhismo:

    enquanto para o pensamento liberal o bem pblico resultava dapreservao dos interesses dos indivduos que abrangiam basicamentea propriedade privada e a liberdade de intercmbio, bem como aschamadas liberdades civis, para Castilhos o bem pblico ultrapassa-

    va os limites dos interesses materiais dos indivduos, para tornar-seimpessoal e espiritual. O bem pblico se dna sociedade morali-zada por um Estado forte, que impe o desinteresse individualem benefcio do bem-estar da coletividade. A ssim, a funo esta-tal passa a ser moralizar a sociedade, torn-la virtuosa, na acepopositivista do termo. N esse contexto, o interesse pessoal constitui

    pura e simples imoralidade.A experincia da aplicao do plano de dominao

    mundial dos russos, atravs do Estado Sovitico, deixa-nos des-confiado de catil inria do tipo da utilizada por Casti lhos pelofato de que discurso assemelhado foi uti l izado cinicamente portoda espcie de capachos dos soviticos, no L este Europeu, e de

    sobas africanos e gentalha dessa espcie em outras reas do mun-do. Devido a essa circunstncia, Vlez adverte quanto integri-dade moral de Castilhos. Entendia estar devotado a uma causamaior e no ao exerccio de uma ditadura em benefcio prprio.

    Porque de ditadura se tratava. A Constituio rio-grandensefoi escrita solitariamente por Castilhos. E, do prprio punho, elabo-

    rou a legislao complementar requerida pelo funcionamento donovo Estado, que nada tinha a ver com a Constituio de 91.

    Vlez transcreve esta caracterizao do novo regime, dedocumento presumivelmente inspirado por Castilhos: Este Cdi-go Poltico, promulgado a 14 de julho de 1891, em nome da

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    Famlia, da Ptria e da Humanidade, estabelece a separao dos

    dois poderes, temporal e espiri tual, de acordo com o princpiocapital da poltica moderna, isto , da poltica fundada na cin-cia. Como conseqncia disso, a liberdade religiosa, de profisso ea liberdade de indstria, acham-se nela plenamente asseguradas.

    No hparlamento: o governo rene funo admi-nistrativa a chamada legislativa, decretando as leis, porm aps

    exposio pblica dos respectivos projetos, nos quais podem assimcolaborar todos os cidados.

    A A ssemblia simplesmente oramentria, para avotao dos crditos financeiros e exame das aplicaes das rendaspblicas.

    O governo acha-se, em virtude de tais disposies,

    investido de uma grande soma de poderes, de acordo com o regi-me republicano, de plena confiana e inteira responsabilidade, oque permite-lhe realizar a conciliao da fora com a liberdade ea ordem, conforme as aspiraes e os exemplos dos Dantons, dosHobbes e dos Fredericos.

    E assim comea no Brasil republicano a trajetria da

    variante mais expressiva do autoritarismo doutrinrio. A Rep-blica Velha institucionalizou prtica autoritria, preservada en-tretanto a fachada l iberal desenhada pela Constituio de 91.O pas viveu sob constantes estados de stio mas o Parlamentono foi dissolvido e atos aprovava. A s eleies eram uma farsa,mas havia alternncia dos governantes no poder. O liberalismo

    nunca foi revogado como doutrina oficial e buscou-se mesmoexercit-lo em matria econmica. O castilhismo representa ou-tro marco. A gora a prtica autoritria, consolidada no Rio Grandedo Sul, estde posse de fundamentos doutrinrios plenamenteconfigurados.

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    18 A presentao

    ras. A o propugnar por uma sociedade moralizadora em torno a

    ideais espiri tuais, em aberta rejeio ao regime de negociaesentre interesses materiais conseguido pelo sistema liberal, Castilhosprocurava uma volta inconsciente, talvez a uma sociedadede tipo feudal, na qual o mvel inspirador dos cidados fosse aprocura da virtude. Tanto na sua rejeio razo individual,como no seu desprezo pelo interesse material, Casti lhos con-

    servador, justamente ao propugnar em ambos os casos por umavolta ao passado pr-liberal . E esta, sem dvida nenhuma,como o tem demonstrado claramente Mannheim, uma das ca-ractersticas fundamentais da atitude conservadora.

    Vlez Rodrguez inventaria, igualmente, a crtica li-beral ao castilhismo em sua prpria poca, notadamente aquela

    devida a Silveira Martins e a A ssis Brasil.Devido ao carter francamente fraudulento, mesmo

    nos termos da Constituio casti lhista, da reeleio de Borgesem 1923, estourou no estado uma guerra civil, exigindo inter-veno do governo federal. A pacificao do Rio Grande impsuma reforma da Constituio de 91 para obrigar os estados

    obedincia forma de governo ali fixada. Essa reforma tevelugar em 1926.

    Chegava ao fim o ciclo das reeleies de Borges deMedeiros mas a experincia acumulada permitiu sua transposi-o ao plano nacional, logo adiante.

    VARGASEOCASTILHISMO

    Outra grande contribuio de Ricardo Vlez Rodrguezadequada compreenso do pensamento poltico republicano,na investigao pioneira que efetivou do castilhismo, consiste emter estabelecido a filiao de Vargas quela doutrina.

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    A s primeiras tentativas de transposio do castilhismo

    ao plano nacional seriam devidas a Pinheiro Machado (1851/1915). Essa personalidade ocupa um lugar de destaque nestaobra, como vero leitor. Contudo, no seria bem sucedido.

    Como nos mostra Vlez, Vargas formou seu esprito narepblica positivista do Rio Grande do Sul. Quando veio para oRio de Janeiro no exerccio de atividade parlamentar achava-se

    perfeitamente enquadrado no jargo positivista, vigente em suaterra natal. Comte para ele o genial filsofo de Montpellier.Reconhece ser o regime sul-rio-grandense centralizador e rigoro-samente alicerado num Executivo forte, no entanto era expres-so da cincia social. E assim por diante, conforme se pode verdo captulo dedicado ao tema (Captulo IX Getlio Vargas,parlamentar).

    Vlez atribui particular importncia quela passagemde Vargas pelo Parlamento, por lhe ter proporcionado uma visonacional dos problemas brasileiros. Registra tambm que nessafase que toma contato com a obra de Oliveira V iana.

    A NATUREZAPROFUNDA

    DOCASTILHISMO

    Vlez Rodrguez discute se seria legtimo identificar ocastilhismo com o totalitarismo. Parece-lhe que seria inapropriadomas no recusa a aproximao entre os dois modelos. A esse prop-sito escreve: Embora encontremos no castilhismo vrios aspectos

    que o aproximam do sistema totalitrio, no podemos propria-mente caracteriz-lo como tal. O totalitarismo supe um avanotecnolgico e uma sistematizao somente observados em condi-es especiais, como as que favoreceram o surgimento das ditadu-ras sovitica ou hitlerista. Isto no impede a afirmao de que o

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    castilhismo, como todo sistema autocrtico de governo, estprxi-

    mo do totali tarismo e, o que mais importante para o nossopropsito, nutre-se da mesma viso fi losfica do homem e dasociedade.

    Transcrevo a sua concluso: O autocratismo castilhistano entrou em jogo ao acaso ou como simples transposio deuma teoria estrangeira. Preencheu um vazio no pensamento da

    eli te dirigente brasi leira, desobrigando-a da mconscincia dehaver contestado radicalmente a monarquia, sem dar soluo aoproblema fundamental colocado por ela: a representao. A oinsti tui r a tutela e a cooptao como base da ordem social epoltica, ao mesmo tempo em que dava nova eli te um bomargumento para se perpetuar no poder, Casti lhos exonerava-a

    dos freios morais e polticos da sociedade liberal, expressados noparlamento e nas liberdades. De um uni verso moral e socialbaseado na autoconscincia e na responsabi l idade do indiv-duo, passou-se a uma nova ordem fundada na entidade anni-ma da coletividade, com srio detrimento para a afirmao dapessoa. Tinha-se dado um passo atrs no esclarecimento alcan-

    ado pela conscincia brasileira durante o Imprio, acerca daliberdade e da representao.

    Rio de Janeiro, dezembro de 1999.

    A NTONIOPA IM

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    Castilhismo: uma fi losofia da Repblica 21

    idia da representatividade pode ser considerada comoa mais caracterstica do liberalismo poltico, sintetizado inicialmente por

    Locke (1632-1704) no seuSegundo Tratado sobre o Governo,1

    especialmen-te. O legislativo, para Locke, constitui o poder poltico fundamental nogoverno, devendo ser formado por representantes dos proprietrios, com-petindo-lhe a funo de legislar. Os outros poderes (executivo, federativo e

    judicial), segundo ele, devem, respectivamente, fazer cumprir as leis no in-terior do prprio pas e com relao aos outros, e reprimir a inobservnciadas mesmas. O sentido fundamental da comunidade poltica e das leis quedela emanam proteger os interesses dos indivduos que, atravs do traba-lho, se apropriaram dos bens materiais. Com relao organizao poltica,h um ponto que salta vista na obra do pensador ingls: a preocupao poraperfeioar os mecanismos condizentes a um exerccio autntico da repre-sentao. Prova clara a Constituio que Locke redigiu para a colnia deCarolina do Norte,2na qual d normas precisas, minuciosas at saciedade,para regulamentar a representao dos proprietrios no exerccio do gover-no. A preocupao liberal bsica, porm, aparece mais viva no processo

    .......................................

    I ntroduo

    1LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Ensaio relativo verdadeira origem, extenso eobjetivo do governo civil. (Traduo de E. Jacy Monteiro). So Paulo, Abril Cultural, 1973, 1aed.

    2LOCKE, John. Constitutions fondamentales de la Caroline.(Intr., trad. e notas a cargo de BernardGilson), Paris, Vrin, 1967.

    A

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    histrico que origina, na Inglaterra, o parlamento e seu desenvolvimento,durante os sculos XVII e XVIII.

    As idias de Locke penetram no panorama cultural luso-brasi-leiro durante o sculo XVIII, a partir da reforma pombalina, sendo Verney(1713-1792) o principal canal de comunicao. Porm, s na segunda d-cada do sculo XIX aparece no campo da filosofia poltica uma sistematiza-o visando adaptar o liberalismo lockiano peculiarssima estrutura damonarquia portuguesa: trata-se do trabalho realizado por Silvestre PinheiroFerreira (1769-1846) para, com ele, cumprir a misso encomendada por D.

    Joo VI, de transformar a monarquia absoluta em constitucional. Efetiva-mente, o ilustre pensador lusitano elabora um sistema poltico de monar-quia constitucional, no qual adota a idia fundamental do sistema liberalconcebido por Locke, ou seja, a idia da representao. Assume, ainda, oselementos tradicionais susceptveis de serem conservados para conseguir aestabilidade poltica. Deste modo Silvestre Pinheiro Pereira concebeu asformas adequadas de colaborao entre a monarquia e as cortes, no exerc-

    cio do poder legislativo. A presena de um poltico da tmpera de PinheiroFerreira e a consagrao do princpio da monarquia constitucional na Cons-tituio Imperial de 1824 criaram um plo positivo, acima do processo deradicalizao poltica em curso, fornecendo o elemento orientador do am-plo debate que animou a elite ao longo de aproximadamente trs decnios.Dele resultaria o consenso acerca da aceitao da idia liberal, luz da qualseriam concebidas as instituies que deram ao pas, com o Segundo Reina-do, seu mais longo perodo de estabilidade poltica. O sistema que elabora-ram os estadistas brasileiros foi fruto da crtica e da experimentao, possu-indo como preocupao fundamental o aperfeioamento da representao.Dentro deste contexto, explica-se a idia do poder moderador como repre-sentativo da tradio nacional, encarnando, portanto, os interesses perma-nentes do povo, cuja representao no campo dos interesses cambiantesestava assegurada pelo parlamento.

    Com a chegada da Repblica, aparece a filosofia poltica de ins-

    pirao positivista, que em seus pontos fundamentais se ope filosofiapoltica de inspirao liberal, predominante durante o Imprio. A filosofiapoltica positivista baseia-se no pressuposto de que a sociedade caminhainexoravelmente rumo estruturao racional. Esta convico e os meiosnecessrios para a sua realizao so alcanados mediante o cultivo da cincia

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    social. Ante tal formulao, so possveis duas alternativas: ou empenhar-sena educao dos espritos para que o regime positivo se instaure como fruto

    de um esclarecimento, ou simplesmente impor a organizao positiva da so-ciedade por parte da minoria esclarecida. Sustentou a primeira atitude, princi-palmente, Pereira Barreto (1840-1923), o que corresponde ao chamadopositivismo ilustrado; a segunda foi a alternativa de Jlio de Castilhos (1860-1903), seguido por Borges de Medeiros (1864-1961), no Rio Grande doSul, e por Pinheiro Machado (1851-1915) e Getlio Vargas (1883-1954), anvel nacional. Esta ltima foi a verso da filosofia poltica de inspirao

    positivista que prevaleceu, cujas repercusses se fazem sentir ainda hoje.Pretendemos nesta obra caracterizar o castilhismo como umafilosofia poltica que, inspirando-se no positivismo, substituiu a idia libe-ral do equilbrio entre as diferentes ordens de interesses, como elementofundamental na organizao da sociedade, pela idia da moralizao dosindivduos atravs da tutela do Estado. Para a filosofia poltica castilhista,como para todo o pensamento positivista, a falncia da sociedade liberal

    consistia em basear-se nas transaes empricas, fruto da procura dos inte-resses materiais. As crticas dos castilhistas aos liberais brasileiros inspiram-se neste ponto. A polmica sustentada por Castilhos no Congresso Consti-tuinte (1891) exemplo ilustrativo: o lder gacho propunha ao CongressoConstituinte a instaurao de um regime moralizador, baseado no na pre-servao de srdidos interesses materiais, mas fundado nas virtudes republi-canas. Como a proposta no foi ouvida pelos constituintes, decidiu encarnarsua idia no governo do Rio Grande do Sul, e o conseguiu, com a elabora-o e a prtica da Constituio Estadual de 14 de julho de 1891, que perpe-tuar-se-ia no Rio Grande at 1930. Poderamos sintetizar o confronto dopensamento castilhista com a filosofia liberal, nos seguintes termos: en-quanto Locke e seus seguidores brasileiros cuidavam apenas de conceber eorganizar instituies capazes de permitir o jogo e a barganha dos interesses,sem recurso guerra civil (caracterstica tanto do perodo que precedeu aoBill of Rights como do que antecedeu ao Segundo Reinado), ou melhor,

    tinham como propsito uma sociedade real, Castilhos tinha a meta da soci-edade ideal e como a Constituinte recusou sua mensagem, cuidou de esta-belecer no Rio Grande um verdadeiro prottipo.

    Em contraposio caracterizao do governante na filosofiapoltica de Silvestre Pinheiro Ferreira, segundo a qual os membros do Con-

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    gresso, formando o organismo mximo do governo, deviam saber repre-sentar corretamente os interesses dos respectivos grupos ou classes, Jlio de

    Castilhos pe como condio fundamental do governante a absoluta pure-za de intenes, que se traduz no desinteresse material. A moralidade ser anota primordial do governante e caracterizada, pela tradio castilhista,como imaculada pureza de intenes. Somente assim poder o dirigenteda sociedade adquirir a capacidade para perceber, cientificamente, qual osentido da racionalidade social, que se revela, como j o tinha salientadoComte, unicamente perante as mentes livres dos prejuzos teolgicos e

    metafsicos.Em torno destes conceitos estrutura-se o de bem pblico para atradio castilhista. Para os pensadores liberais, o bem pblico resultava daconciliao dos interesses individuais que se concretizavam no Parlamento,como organismo representativo dos mencionados interesses. Para Castilhos,o bem pblico s poderia encontrar-se onde se achasse a essncia mesma dasociedade ideal, que ele entendia, como j foi mostrado, em termos de

    reinado da virtude. O bem pblico confunde-se, para o castilhismo, coma imposio, por parte do governante esclarecido, dum governo moralizante,que fortalea o Estado em detrimento dos egostas interesses individuais eque zele pela educao cvica dos cidados, origem de toda moral social.H, portanto, no castilhismo, a suposio de que esta acepo de bem p-blico goza de uma situao privilegiada em face das outras posies, como aliberal por exemplo. A novidade em Castilhos consiste na suposio de queh um ponto de vista privilegiado, aquele que se baseia numa cincia socialque afirma ter descoberto o curso da humanidade, a sua marcha ascensorial(inelutvel, determinada) no sentido da positividade (sociedade no maculadapelo interesse porquanto eqivale prpria instaurao da moralidade). Acrena na situao privilegiada de seu ponto de vista que explica o cartermissionrio (sacerdotal) de que se revestiu o exerccio do seu governo e doscastilhistas.

    A fim de conseguir a moralizao da sociedade, segundo a men-

    talidade castilhista, o governante deve exercer a tutela social, para que seamolde procura do bem pblico na acepo de Castilhos. Tanto ele comoos seus seguidores elaboraram os mecanismos constitucionais e legais adap-tados instaurao da tutela moralizadora do Estado sobre a sociedade. Nocaso de Castilhos e Borges de Medeiros, tal empenho se refere ao Rio Gran-

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    de do Sul, enquanto no caso de Pinheiro Machado e Getlio Vargas am-plia-se a nvel nacional. O carter tutelar e hegemnico do Estado castilhista

    leva os representantes desta corrente a rejeitar todo tipo de governo repre-sentativo como essencialmente anrquico.

    Ao supor que a racionalidade social, no se encarna na projeoda razo individual, concretizada num rgo representativo de governo ondese estabelea o consenso entre os indivduos, como entendia o liberalismo,mas na obra moralizadora de um Estado autocrtico, o castilhismo se situado lado das mltiplas reaes conservadoras que a partir da Revoluo Fran-

    cesa condenavam as conquistas da ilustrao, no que respeita ao papel atri-budo razo individual. E ao propugnar por uma sociedade moralizadoraem torno a ideais, recusando o regime de negociaes entre interesses indivi-duais, alcanado pelo sistema liberal, o castilhismo procurava uma volta sociedade feudal, na qual o mvel inspirador dos cidados era a procura davirtude. Nessa rejeio razo individual, como no desprezo pelo interesseindividual e material, reside o carter conservador do castilhismo, como

    teremos oportunidade de mostrar.A anlise doutrinria do castilhismo efetivada na segunda par-te (Idias bsicas da filosofia poltica de inspirao positivista), a partir dopensamento de Jlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machadoe Getlio Vargas, assim como nas idias polticas subjacentes legislaocastilhista. Levando em conta a reao do castilhismo filosofia polticaliberal na sistematizao empreendida por Silvestre Pinheiro Ferreira e naprtica do perodo imperial, o captulo se inicia com uma breve sntese

    dessa problemtica, seguida da indicao dos principais conceitos da filoso-fia poltica de Comte e de Pereira Barreto. Isto nos permitir salientar anovidade do pensamento castilhista em face do liberalismo, por um lado, epor outro, diante do comtismo e do positivismo ilustrado de PereiraBarreto.

    Essa anlise dos conceitos bsicos da poltica castilhista ficariaassaz incompleta sem o estudo prvio, embora resumido, da vida e da obra

    poltica de seus representantes. Tal o objetivo da primeira parte (Vida eao poltica de Jlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machadoe Getlio Vargas).

    Estudar o pensamento de um terico da poltica tarefa relati-vamente fcil: basta ler suas obras mais representativas e delas fazer uma

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    sntese. Tal no acontece quando se pretende aproximar do pensamento deum homem de ao. Nesse caso, o historiador das idias depara-se com

    uma obra poltica alicerada fundamentalmente em fatos e instituies. Almdisso, o material com que tem que lidar no se compe de idias sistemati-zadas. Isso nos sucede ao pretender estudar o pensamento poltico de Jliode Castilhos.

    Castilhos no foi um terico da poltica. Foi mais um poltico.E um poltico que deu incio a um modus agendie a uma conceituaomuito pessoais sobre o exerccio do poder. Teve, certo, uma agitada vida

    jornalstica e escreveu a Constituio do Rio Grande do Sul, ali vigentedurante trs dcadas. Porm, tanto os seus escritos polmicos na imprensa,como a Constituio de 14 de julho de 1891 e toda a sua obra legislativaem geral, so insuficientes em si mesmos, se no os projetarmos sobre ocontexto de sua ao poltica. Como se ver mais adiante, as peculiaridadesdo autoritarismo castilhista no podem ser explicadas atravs de simplesreferncias filosofia de Augusto Comte. Castilhos inspirou-se nele, mas

    deu ao seu conceito de poltica traos inditos, fruto da sua personalidade edas condies concretas que viveu o Partido Republicano Histrico, na lutacom a antiga elite dirigente sul-rio-grandense.

    Por este motivo, no podamos deixar de estudar a vida e a obrapoltica de Castilhos com certa profundidade. nosso propsito, na primeiraparte, acompanhar a evoluo do lder republicano rio-grandense e a de seupartido, na ascenso ao poder e na consolidao da obra poltica. Pretende-mos, ainda, medida que se estenda a exposio, mostrar o desenvolvimentodo pensamento poltico castilhista. Na segunda parte, como j foi indicado,faremos uma sntese que unifique a conceituao poltica de Castilhos e doscastilhistas nos seus principais elementos, os quais devero aparecer, em natu-ral disperso histrica, ao longo do estudo poltico-biogrfico.

    A necessidade de considerar a vida e ao poltica de Castilhospara compreender suas idias polticas, aplica-se igualmente a Borges deMedeiros, Pinheiro Machado e Getlio Vargas. Todos eles, mais do que

    polticos tericos, foram homens de ao, que contriburam para perpetuar,nos seus pontos fundamentais a obra poltica do Patriarca gacho.3Pinhei-ro Machado, em particular, alm de ser um homem totalmente projetado

    3Denominao dada a Castilhos pelos seus seguidores, no Rio Grande do Sul.

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    na ao, no costumava falar ou escrever sobre sua poltica e tinha comoele mesmo confessava - o mau hbito de no guardar papis. Felizmente,

    contamos com o trabalho pioneiro, interpretativo da obra do gacho, se-guindo-lhe pacientemente os passos ao longo da histria das primeiras d-cadas da vida republicana no Brasil e avaliando sem preconceitos sua con-tribuio na agitada marcha da Republica Velha. Trata-se de Costa Porto,no livro Pinheiro Machado e seu Tempo.

    Quanto s relaes do castilhismo com o positivismo, no pre-tendemos explicar a apario e posterior evoluo do primeiro na Repbli-

    ca Velha mediante as idias de Comte (1798-1857), mas apenas indicarque estas serviram de elemento inspirador a Castilhos e aos seus discpulos,em sua formao e na elaborao da Carta de 14 de julho de 1891 e das leisorgnicas do Rio Grande. O castilhismo representa no s as teorizaes doApostolado Positivista, mas as teve por base, adquirindo forma definidaatravs de uma prtica autocrtica no exerccio do poder poltico, ao longode quatro decnios. O castilhismo ficaria caracterizado desta forma, segun-

    do salienta Antnio Paim, como o ncleo antidemocrtico das idias deComte, ajustado a uma experincia concreta.Por ltimo, tendo em conta que no Rio Grande se ops for-

    temente ao castilhismo uma filosofia poltica de inspirao liberal, cujosrepresentantes foram Gaspar da Silveira Martins (1834-1901) e JoaquimFrancisco de Assis Brasil (1857-1938), esclareceremos na terceira parte ospontos essenciais de sua concepo poltica e de sua crtica ao regimecastilhista. Os dois liberais gachos no foram, certamente, os nicos acriticar o sistema concebido por Castilhos, como teremos oportunidadede mostrar. Cabe salientar, desde logo, que a crtica liberal gacha aocastilhismo inferior ao que se poderia esperar, suposta a tradio liberaliniciada por Silvestre Pinheiro Ferreira. Os liberais da poca republicanalimitam-se a uma crtica do ponto de vista do direito constitucional, semabranger o castilhismo como filosofia poltica contraposta s melhoresmanifestaes da cultura brasileira, ao longo do sculo XIX. Contudo, os

    liberais gachos no deixam de se abeberar nas fontes do liberalismo anglo-americano, e de professar uma filosofia poltica liberal claramente reco-nhecvel. Para faz-lo sobressair, a anlise do seu pensamento precedidada sntese dos conceitos fundamentais do liberalismo de Locke e dostericos americanos.

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    Primeira Parte

    VIDA E A OPOLTICA DE JLIO DE CASTILHOS,

    BORGES DEMEDEIROS,PINHEIROMACHADO

    EGETLIOVARGAS

    .......................................

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    1Perfil de Jlio de Castilhos, Conferncia pronunciada na Sociedade Sul-Rio-Grandense do Riode Janeiro, no ano de 1925, in: Estudos Rio-Grandenses, Porto Alegre, Globo, 1955, pp. 5263.

    .......................................

    Captulo I

    Jlio de Castilhos (1860-1903)

    ara facilitar a exposio, desenvolvemos trs pontos, cada um abar-cando um perodo da vida de Castilhos: 1) Perodo de formao e atividadespolticas anteriores ao desempenho do cargo de Presidente do Estado do RioGrande do Sul (1860-1891). 2) Perodo entre a ascenso ao poder e o trmi-no legal do mandato de Castilhos (1891-1898). 3) Perodo entre o fim domandato presidencial e a morte (1898-1903).

    1)P

    ERODO DE FORMAO E ATIVIDADES POLTICAS ANTERIORES AO

    DESEMPENHO DO CARGO DE PRESIDENTE DOESTADO DORIO GRANDE DO SUL (1860 -1891)

    Jlio de Castilhos nasceu na fazenda da Reserva, Rio Grande doSul, em 1860. At o ano de 1877 recebeu a primeira etapa da formao emPorto Alegre. Salientando, com um pouco de exagero, o influxo que o meiosocial exerceu sobre Castilhos, Rubens de Barcelos1diz que trs personagensinfluram, fundamentalmente, nesta primeira formao: o pai e os mestresApolinrio Porto Alegre e Ferreira Gomes, que infundiram-lhe a inquietude

    P

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    por estudar a problemtica da sociedade sul-rio-grandense luz das novascorrentes culturais da Europa, assim como os ideais republicanos.

    Em 1877 Castilhos ingressou na Academia de Direito de SoPaulo. Sua atividade universitria era intensa; junto aos deveres acadmicos,o jovem estudante dedicava-se tambm ao jornalismo universitrio. Em1879, aos 19 anos, iniciou a publicao de um jornal,A Evoluo, em cola-borao com o futuro cunhado Assis Brasil, e Pereira da Costa, ambos rio-grandenses.

    O ambiente universitrio da poca, em So Paulo, era bastante

    agitado. Apesar do conservadorismo do sistema de ensino imperial, osestudantes que entravam nas faculdades de So Paulo e Recife abriam-ses novas correntes de pensamento; encontravam eco entre eles as idias domaterialismo vulgar e do positivismo. Era tema de atualidade oreformismo social e poltico. No Brasil, a questo religiosa abriu umabrecha entre os bispos e o poder civil, assim como entre a Maonaria e aIgreja, estimulando, desta forma, a difuso do agnosticismo e do ates-

    mo. A corrente antiescravista fortificava-se cada vez mais e punha emperigo a estrutura semifeudal da economia agrria. A propaganda republi-cana aumentava proporo que o Imprio envelhecia. Nas penses erepblicas de estudantes, conheciam-se autores como Littr, Gambetta,Laffitte, Castelar, etc. No raro aconteciam fortes discusses entre catli-cos e livre-pensadores. Os poetas acadmicos tinham iniciado a rupturacom a era romntica. Chegava a vez do parnasianismo. Junto comCastilhos, ingressaram na Faculdade de So Paulo espritos brilhantes,como Manuel Incio Carvalho de Mendona (posteriormente notvel

    jurista de inspirao positivista), o poeta Tefilo Dias, Eduardo Prado eValentim Magalhes Jnior.2

    A nota caracterstica desta poca o despertar do sentido crtico,que teve antecedentes na crtica ao ecletismo, realizada no contexto do queSilvio Romero chamou um bando de idias novas, que se projetou sobrea cultura brasileira de todos os pontos do horizonte.3Convm salientar que

    neste perodo se situa a fundao, no Rio de Janeiro, da Sociedade Positivista.Surgiram as primeiras obras daqueles que mais tarde seriam, respectivamen-

    2Cf. Costa Franco (Srgio da). Jlio de Casti lhos e sua poca. Porto Alegre, Globo, 1967, p.10.3Paim, Antnio. H istria das Idias Filosficas no Brasil, So Paulo, Grijalbo, 1967, p. 126.

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    te, os chefes da Igreja Positivista e o iniciador do chamado PositivismoIlustrado: Miguel Lemos, Teixeira Mendes e Pereira Barreto.

    Dentro de tal contexto podemos explicar o sucesso que obtive-ram no meio estudantil as novas correntes de pensamento, entre as quaissobressaa, como vimos, o positivismo. Manuel Incio Carvalho de Men-dona caracteriza assim a atrao desta filosofia no ambiente universit-rio:4A cultura positiva fornecia mocidade republicana uma base slidae demonstrvel para suas crenas polticas. Em todas as escolas superioresdo Pas formava-se paralelamente cincia oficial, uma cultura indepen-

    dente, a que a mocidade se dedicava com ardor como base e medida desua ao poltica na vida real. O Governo Imperial conservou-se estranhoa todo esse movimento e no favorecia seno aentouragepedantocrticado ensino oficial.

    Em 1881, aos 21 anos de idade, Castilhos bacharelou-se em Di-reito, na Universidade de So Paulo, e regressou a Porto Alegre. Desde osegundo semestre de 1880 dirigiaA Repblica, rgo acadmico publicado

    em So Paulo, substituindo a Afonso Celso Jnior. Colaboravam na redaojovens que se tornariam ilustres, como Carvalho de Mendona, Pedro Lessa,Augusto de Lima e Oscar Pederneiras. A esse tempo participou tambm doClube Vinte de Setembro, cujos objetivos centrais, fixados pelos fundado-res, os estudantes rio-grandenses da Universidade de So Paulo, eram o estu-do da Revoluo Farroupilha e da histria sul-rio-grandense. So frutos destecrculo aHistria Popular de Rio Grande do Sul, de Alcides Lima, e aHistriada Repblica Rio-Grandense, de Assis Brasil, editadas em 1882.

    As condies econmicas de Castilhos eram as de um fazendei-ro de situao mdia. Esta situao, sem dvida, permitiu-lhe combaterseveramente a aristocracia latifundiria no Rio Grande do Sul, durante oseu mandato.

    Personalidade

    Apesar de a personalidade de Castilhos manifestar-se claramenteao se analisar sua obra, queremos chamar a ateno, de momento, para doiscaracteres que se destacaram ao longo da sua vida acadmica e poltica:

    4ApudCosta Franco, op. cit., pp. 10-11.

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    personalidade autoritria e pertinaz fidelidade ao programa traado de ante-mo. J aos 17 anos anuncia-se a sua crtica radical monarquia, posio que

    sustentaria durante toda a vida. Em carta de 4-1-1878 ao seu primo TitoPrates, diz:5

    O Ministrio foi ao cho, e antes da morte do Caxias. No sesabe ainda quem subir. Dizem por telegrama que provvel a ascenso dosliberais. Vo estes, depois duma campanha formidvel, substituir os seus iguaisna mesa do oramento. sua nica ambio. Que leprosos!

    Simplesmente, nas convices de Castilhos, a monarquia no ti-

    nha nenhuma salvao. Havia chegado a esta concluso no tanto atravs deuma apurada anlise do Imprio, mas devido a este no se ajustar ao esquemaautoritrio de sociedade que j ento o empolgava. Podemos afirmar que oautoritarismo, por um lado, deitava profundas razes em seu temperamentoe, por outro, em suas convices. Um e outro aspectos parecem-nos funda-mentais para compreender a personalidade do jovem republicano.

    Que Castilhos tinha temperamento altamente dominante e firme,

    fato reconhecido por todos os seus bigrafos. Rubens de Barcelos nos diz queo jovem Castilhos, segundo o testemunho dos seus parentes, foi um silencio-so, um solitrio, enrgico e rspido e que revelava uma natureza reservada eprofunda; ao lado de seu pai teria aprendido que nada supre a arte de seimpor, de dirigir, de mandar, como meio de afirmar a prpria personalidade.6

    Que a personalidade autoritria e firme de Castilhos tambm erafruto das suas convices polticas e filosficas, ponto em que os bigrafosigualmente esto de acordo. Convencido de que era um esclarecido, no

    admitia concesses no terreno dos princpios,7pois era dos que, em palavrasde Raul Pompia, tinham as convices ossificadas na espinha inflexvel docarter. Esta caracterstica de sua personalidade vai-se manifestar claramentena vida jornalstica. J aos 19 anos de idade, o jovem rio-grandense davaprovas da firmeza das suas convices, expressadas em estilo conciso e sbrio,

    5 Carta divulgada por Carlos Reverbel sob o ttulo: Cartas de Jlio de Castilhos a Tito Prates daSilva, no Correio do Povode 14/05/1965; apudCosta Franco, op. cit., p. 12.

    6 Perfil de Jlio de Castilhos, op. cit., p. 56; carta de Barros Cassal, de 29-6-1896, publicada emA Provnciade Recife, em 21-7-1896.

    7 Neves da Fontoura, Joo.Memrias, 1ovol.;Borges de Medeiros e seu tempo, Porto Alegre, Globo,1958, p. 8.

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    que faria poca na vida pblica brasileira; o trecho a seguir, tomado deAEvoluo, bastante expressivo:

    Pertinazmente fiel ao programa que se traou, profundamentecrente na infalibilidade incontestvel da vitria da Democracia porque crtambm, com a profundamente sbia doutrina positiva, no que h de fatal nomovimento ascensional dos povos , crente ainda na eficcia decisiva das boaspropagandas,A Evoluoentende que o maior servio que hoje pode ser pres-tado para aproximar cada dia o completo triunfo republicano ir desfazendo,a golpes da lgica da verdade, a mal-urdida meada em que se tem procurado

    enredar os espritos incautos e desprevenidos.Ou este outro:Os espritos educados nas verdades da cincia moderna en-

    tendem os fenmenos sociais, no como meros produtos do acaso ou deuma Providncia desconhecida, mas sim regidos por leis naturais cujaao a vontade humana impotente para desviar, como o , em relao sdo mundo fsico, e estudam e compreendem a Histria como a represen-

    tao dessas leis, entrelaando numa vasta harmonia todas as fases histri-cas da vida das sociedades e, em uma esfera limitada, todas as fases hist-ricas dum povo determinado.

    Apesar de Castilhos ter como Assis Brasil diria depois umaponderada e refletida ambio de governar e de mandar e de no amar opoder pelo poder, buscando o controle da poltica na medida em que pudesseimprimir-lhe o rumo que julgava mais conveniente segundo suas convices,o autoritarismo da personalidade chegou a criar-lhe inmeros problemas e

    inimizades. Castilhos foi-se separando, progressivamente, de amigos e corre-ligionrios de valor, proporo que se fazia impermevel s opinies e posi-es polticas divergentes. Entre 1891 e 1898 abandonaram, por este motivo,as fileiras do castilhismo Demtrio Ribeiro, Assis Brasil, Barros Cassal, Antode Faria, Alcides Lima, Homero Batista, Antnio Adolfo Mena Barreto, Fran-cisco Miranda, Pedro Moacir, etc. Castilhos, como Floriano Peixoto, deixouamigos fanticos e inimigos acrrimos e era, pelo seu carter e pela natureza

    especial dos seus estudos (...), uma individualidade expressamente talhadapara a ditadura.8

    8Sales, Antnio. Um Estadista Rio-Grandense, em Dirio de Pernambuco, 4-12-1904.

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    Formao no Positivismo

    O Positivismo foi o marco terico em que Castilhos formousua personalidade autoritria, j ao tempo de estudante, em So Paulo. Nadcada de noventa comea a constituir-se e a ascender uma corrente polticade inspirao positivista. A popularidade que teve no incio deve ser atribudaa Benjamim Constant; porm, logo houve um deslocamento da menciona-da corrente para o Rio Grande do Sul. Ser positivista nessa poca era, comodizia Jos Verssimo,9uma boa recomendao. Convm salientar que neste

    tempo muitos analistas caram no erro de considerar os positivistas brasilei-ros como autnticos donos de um fenmeno to progressista como a Re-pblica, perdendo de vista o carter conservador e retrgrado do pensa-mento de Comte em matria de reforma social. Enquanto o ideal republi-cano tinha brotado, no seio do pensamento moderno, sob a luz daDeclara-o dos Direitos do Homem, de 1789, que inspirou a Revoluo Francesaenfatizando a igualdade poltica e social de todos os cidados e a consagra-o das liberdades, o ideal comtiano, pelo contrrio, era de ndole medieval;sua finalidade consistia na implantao do regime sociocrtico; concebido imagem do sistema poltico estruturado na Idade Mdia, correspondendoaproximadamente aos Estados Totalitrios surgidos em nosso sculo.10Doponto de vista poltico, diz Artur Orlando:11(...) o fundador do positivismono se destaca seno pela sua antipatia s idias e instituies liberais. (...)Ningum ignora que Augusto Comte, alm do desdm, que votava ao siste-ma representativo, considerava uma crise feliz o golpe de estado, que substi-

    tuiu a repblica ditatorial repblica parlamentar. Augusto Comte estevesempre disposto a endeusar os atos de absolutismo (...).

    Embora no comeo Miguel Lemos se recusasse a considerarCastilhos como positivista,12deu-lhe, contudo, o seu apoio tcito, na D-cima Oitava Circular Anual.13Vrios anos depois, e quando o nome de

    9O Positivismo no Brasil, emEstudos de L iteratura Brasileira 1aSrie, Rio de Janeiro,Garnier, 1901, p. 56.

    10Paim, Antnio. Op. cit., p. 181.11Silvio Romero, Jurista, in A Provncia, Recife, 29/11/1897.12Cf. A Federao, 25/ 3/1893: Carta de Miguel Lemos Ao Cidado Redator do Fgaro.13ApudLins, Iv,Histria do Positivismo no Brasil, So Paulo, Ed. Nacional, 1967, 2aed., pp. 191-192.

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    Castilhos j era bastante conhecido em todo o Brasil, Miguel Lemos lhereconhece uma orientao positivista, se bem que devida aos trabalhos do

    Apostolado.A identificao do prprio Castilhos e de alguns dos seus com-

    panheiros como positivistas bastante precoce. Tal orientao j aparece,efetivamente, nos seus escritos estudantis deA Evoluo, aos quais j se fezreferncia. de 5-9-1887 o seguinte artigo escrito por Castilhos e DemtrioRibeiro emA Federao, por ocasio do trigsimo aniversrio da morte deComte:

    Quando se estuda a obra de Augusto Comte com o cuidadoque nos impem os grandes assuntos, no se sabe o que mais admirar: se agrandeza do seu corao se a vastido do seu gnero.

    Grande exemplo , para os tempos que correm, a vida abnega-da do fundador da religio demonstrada.

    Ao lado das vicissitudes inerentes atitude regeneradora por eleassumida, estavam as sedues de uma vida cmoda e facilmente acessveldesde o momento em que o lutador quisesse especular utilizando as suasexcepcionais aptides.

    Mas entre a ignomnia e o sacrifcio ele no sabia hesitar.Em lugar de repoltrear-se em uma das cadeiras do ensino aca-

    dmico custa do abandono de suas opinies, o filsofo preferiu a conde-nao e a perseguio da cincia oficial, silenciosa conspiradora contra tudoo que pode ferir-lhe a ignorncia e o orgulho.

    que, s esplendorosas irradiaes do gnio, ao calor do senti-

    mento ardoroso, Augusto Comte ligava uma inquebrantvel moralidade.Nestas linhas rapidamente traadas, mas diretamente inspira-

    das pelo Positivismo, consagramos as nossas homenagens memria do GrandeMestre, o primeiro entre os pensadores modernos. (O grifo nosso).

    importante salientar, no texto que acabamos de citar, que ospositivistas gachos interpretavam a obra de Comte como essencialmentemoralizadora. Este aspecto, alis, vai aparecer tambm como uma das carac-

    tersticas mais marcantes do pensamento castilhista. No final deste captuloe nos captulos seguintes, haver oportunidade para desenvolv-lo.Rubens de Barcelos, por sua vez, afirma que:(...) Castilhos achou na meditao da obra de Comte, e na

    observao dos fatos histricos, a frmula mais capaz de resolver, de umponto de vista humano, o insanvel problema poltico(...) .

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    Na impossibilidade de estabelecer a unidade dos espritos, rea-lizvel unicamente pela fora de aliciao espontnea de uma doutrina cien-

    tificamente demonstrvel, buscou, num regime nela inspirado [o grifo nosso], os mais nobres deveres sociais, atenuar os males da crise poltica.Assim orientado, Castilhos resolveu o apremiante problema, criando umaparelho governativo capaz de garantir a ordem material pela robustez daautoridade civil (...) .

    Compreendia haver instantes histricos em que o prprio inte-resse da Nao exige dos governantes que, abroquelados no seu foro nti-

    mo, irredutveis na sua convico, contrariem as paixes do momento parabem orientar o Estado e salvar a sociedade, turbada pelos embates dopartidarismo (...).

    Contudo trs documentos diretamente escritos por Castilhosna maturidade da sua vida poltica constituem as provas mais explcitas desua inspirao positivista: so eles, em primeiro lugar, a Constituio Polti-ca do Estado do Rio Grande do Sul, elaborada em 1891, e duas cartas:

    devoo do Menino Deus e Ao Diretor da Faculdade de Medicina e Far-mcia, cidado Dr. Protsio Alves, escritas em 1900 e 1899, respectiva-mente.14Como mais adiante deter-nos-emos na mencionada Constitui-o, sero examinados aqui somente os dois ltimos documentos. Nelesencontramos cinco teses positivistas: a afirmao da religio como fator deordem, a valorao da grandeza moral do catolicismo, por ter sido a maisnobre, elevada e preciosa tentativa deuma Religio Universal [sublinhadode Castilhos] at a grande crise do sculo XVIII, a completa separao dopoder temporal com relao ao espiritual, a eliminao da cincia oficial e anecessidade de moralizar a poltica. Deparamos, por ltimo, com uma pro-fisso de f em Augusto Comte, a quem Castilhos chega at a chamar Mes-tre dos Mestres:

    (...) vejo mais e mais ratificada a minha intuio poltica e social,haurida nas solues positivamente demonstradas, adaptadas poca cor-rente, sem nenhum exagero de aplicao, segundo os inexcedveis

    ensinamentos do incomparvel filsofo Augusto Comte, cujas obras imor-

    14InMonumento a Jlio de Castilhos, Porto Alegre, 1922.

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    tais, se me coubesse alguma autoridade moral, eu recomendaria refletidaleitura e constante meditao da mocidade estudiosa do nosso querido

    torro natalcio, a qual encontrar nelas a emocionante conciliao do pre-sente com o passado humano e a admirvel continuidade do futuro, porentre as justas, fervorosas e sublimes homenagens tributadas benemrita esempre venervel Igreja Catlica e a todos os dignos predecessores do por-tentoso pensador, que Mestre dos Mestres (...).

    Quanto s razes sociolgicas, que explicam a rpida ascensodo positivismo castilhista no Rio Grande do Sul, alegam-se de tipo tnico,

    como se os gachos estivessem predispostos, por natureza, aos regimes auto-ritrios. No nos parece vlida a explicao, pois, entre outras coisas, deixa deelucidar a presena, no Rio Grande, de forte corrente poltica de ideologialiberal, representada pelos federalistas, particularmente os maragatos deSilveira Martins.15Apesar de no ser nosso propsito entrar em anlisessocioeconmicas, tampouco queremos cair no extremo de pensar que afilosofia de Augusto Comte foi a nica responsvel pela implantao do

    regime castilhista no Rio Grande do Sul. O comtismo serviu de funda-mentao doutrinria a uma faco poltica conservadora, apoiada numexecutivo estatal agressivo.

    Primeiras atividades polticas

    No ano de 1882 Castilhos participou da Conveno do Clu-be Republicano de Porto Alegre. Nessa reunio foi nomeado para partici-par da comisso de imprensa do Partido, da qual foi relator e que dariaorigem ao rgo do Partido Republicano Histrico Sul-Rio-Grandense,A Federao.

    A propaganda da repblica havia comeado no Rio Grande doSul depois da publicao do Manifesto de Itu, em 1870. Assinado por 58pessoas, entre elas Aristides Lobo, Saldanha Marinho, Ferreira Viana eQuintino Bocaiva, apareceu no jornalA Repblica, do Rio. Apesar de este

    documento ter sido consagrado pela histria como uma manifestao pol-

    15Neste erro incorre, por exemplo, Silvio Romero, em O Castilhismo no Rio Grande do Sul, Porto,of. Do Comrcio do Porto, 1912.

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    tico-programtica sistematizada, no era, realmente, um programa polticoque assinalasse objetivos definidos. No passava de uma simples declarao

    de princpios, de difusa articulao que no conseguia romper os limites deproposies ideolgicas para alcanar ostatusde proposies polticas.16

    Contudo, o Manifesto de Itu serviu de princpio inspirador aos primeirosrepublicanos gachos.

    No Rio Grande, a propaganda republicana comeou sob a dire-o de Francisco Xavier da Cunha e dos dois Porto Alegre, Apolinrio eApeles. Seus esforos pioneiros foram coroados com a fundao de um

    Clube Republicano na capital da Provncia, em 1878, e a eleio dos verea-dores republicanos para a cmara municipal, em 1880. Castilhos fizera osprimeiros contatos com o movimento republicano de Porto Alegre desde amocidade, antes de viajar a So Paulo. Quando voltou Provncia, com afirme resoluo de trabalhar pela queda da monarquia, juntou-se novamen-te aos republicanos rio-grandenses. At 1882, ano em que se reuniu a Con-veno preliminar do Partido Republicano Sul-Rio-Grandense, este tinha

    sido seguidor do seu congnere paulista e se mostrava bastante ligado aosprincpios do Manifesto de 1870.Em 1883 reuniu-se o Primeiro Congresso do Partido Republi-

    cano Rio-Grandense. A partir de ento, Castilhos comeou a afirmar-secomo uma das mais altas expresses partidrias. Nesse Congresso perfila-ram-se os rumos programticos do Partido, rumos que lhe seriam peculia-res porque j estavam marcados pela influncia do comtismo. Uma comis-so integrada por Castilhos, Demtrio Ribeiro e Ramiro Barcelos, foi en-carregada de redigir as Bases do Programa dos Candidatos Republicanos.Vale a pena determo-nos um pouco neste documento, bastante representa-tivo das idias de Castilhos.

    Primeiramente, as Bases propugnavam a eliminao da mo-narquia, como regime incapaz de conduzir o povo brasileiro felicidade e grandeza; pediam, em segundo lugar, a fundao da Repblica, na qual osistema de Federao seria a condio nica da unidade nacional, aliada

    16Silva, Hlio, 1889: A Repblica no esperou o Amanhecer, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira,1972, pp. 3-72 Cf. Belo, Jos Maria, H istria da repblica, So Paulo. Companhia EditoraNacional, 1972, 6aed.

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    liberdade. As Bases defendiam, ainda, ummodus operandimoderado,porquanto no adotavam o processo revolucionrio, apesar de considerar

    a revoluo como um evento natural, que, para produzir os efeitos deseja-dos, precisa operar-se em seu tempo como uma soluo positiva da evo-luo; por tal motivo, as Bases prescreviam para os membros do Parti-do a cooperao pacfica nas reformas que efetuem por partes a elimina-o da monarquia. A fim de alcanar este objetivo, elas formulavam umprograma de imediata aplicao, cujos itens fundamentais eram:descentralizao provincial, mediante a eletividade dos presidentes e a per-

    feita discriminao da economia da Provncia em relao do Imprio;descentralizao municipal, com base na faculdade dos municpios resol-verem, soberanamente, sobre as suas rendas; extino do poder modera-dor e do Conselho de Estado; temporariedade do Senado; alargamentodo voto; liberdade de associao e de cultos; secularizao dos cemitrios;matrimnio civil obrigatrio e indissolvel, sem prejuzo da voluntriaobservncia das cerimnias religiosas; registro civil dos nascimentos e dos

    bitos; derrogao de toda a jurisdio administrativa; liberdade de co-mrcio e indstria; responsabilidade efetiva dos ministros e de todos osagentes da administrao; liberdade de ensino, considerado em seu desti-no poltico de dar a base intelectual para o cumprimento do dever social;neste campo pedia-se subordinao ao ideal do partido, que encarava oassunto da seguinte forma: Ensine quem souber e quiser e como pu-der. Para realizar este ideal educativo, as Bases julgavam necessrias as

    seguintes medidas; supresso dos privilgios, civis ou polticos, classedos diplomados; adoo provisria de um sistema de ensino integral adap-tado transio atual e limitado pelos recursos do Tesouro Pblico, pelasidias correntes e pela competncia do pessoal docente; restrio do ensi-no oficial superior ao essencial para as profisses verdadeiramente teis.

    Por outro lado, as Bases pediam a abolio do elemento ser-vil; rejeitavam a imigrao oficial e requeriam leis sbias, que promoves-sem a boa imigrao espontnea. Exigiam, alm disso, uma economiasevera, com supresso de todos os gastos de carter improdutivo, e defen-diam o imposto direto como o verdadeiramente eqitativo e o nicocapaz de enfrentar a fiscalizao do contribuinte; para isso reclamavam acriao do imposto territorial e a eliminao, na medida do possvel, dosimpostos indiretos.

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    A 1ode janeiro de 1884 apareceu o primeiro nmero de AFederao, rgo do Partido Republicano Rio-Grandense. Castilhos foi

    nomeado redator-chefe, mas rejeitou temporariamente o cargo, ocupado,ento, pelo paulista Venncio Aires. Ele assumiria em definitivo a direodeA Federaoalguns meses mais tarde. No dia 17 de maio de 1884, ca-sou-se com dona Honorina da Costa. Do matrimnio feliz, equilibrado efecundo, nasceram, entre 1884 e 1890, quatro filhas e um filho.17Aolongo de todo o ano de 1884, Castilhos desenvolveu intensa atividade

    jornalstica e partidria. Participou, sem sucesso, de sua primeira campanha

    eleitoral, como candidato a deputado provincial, e desenvolveu uma radicalcampanha abolicionista nas pginas deA Federao.

    Campanha abolicionista

    Analisemos alguns aspectos da campanha abolicionista de

    Castilhos no Rio Grande do Sul.Inspirados por Castilhos e outros propagandistas da Repblica,os gachos adotaram uma posio radical no que se refere abolio. Passa-ram a exigir, efetivamente, para o Rio Grande, a imediata emancipao dosescravos, independente de qualquer indenizao. Castilhos se fez o arautodesta atitude radical, nas pginas deA Federao. Em 28-7-1884, escrevia:

    Sua Majestade no deve hesitar.Se patriota, se julga de seu dever apagar a mcula que o crime

    infame de alguns antepassados nos legou, se deseja a felicidade da Ptria, senutre uma nobre de glria, lance S. M. no abandono a causa perdida de umgrupo de interessados e coloque-se ao lado do pas, solidrio com ele.

    certo que esta soluo pe em perigo a Monarquia, que per-der o apoio daqueles que tm sido o seu sustentculo.

    Mas que prefere S.M.: comprometer o seu tempo, por reivin-dicar para a liberdade uma raa imoralmente escravizada, ou p-la em peri-

    go para no prejudicar os senhores de escravos?No h que vacilar na escolha: a honra da Ptria e a glria de

    libertador devero inspirar o Sr. D. Pedro II.

    17Costa Franco, op. cit., p. 22.

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    Junto ao moralismo que animou tantas reformas de Castilhos,podemos observar neste contexto a viso clara que ele tinha do substrato

    escravagista do Imprio. Lutando contra a escravido, Castilhos conseguiadebilitar a base latifundiria daquele. E no apenas isso: refletia, tambm, ascondies econmicas peculiares do Rio Grande. Efetivamente, a campa-nha abolicionista no encontrou ali as resistncias reveladas em outras pro-vncias, entre outros motivos porque o trabalho nas estncias no se baseavaexclusivamente no brao escravo.

    A questo militar

    Oliveira Torres mostrou18que as vrias questes surgidas nosltimos anos do Imprio questo militar, questo religiosa, questo ser-vil, questo federal contriburam, indiscutivelmente, para o advento daRepblica e que todas tiveram origem em contradies no texto da Cons-

    tituio, ou em contradies entre o texto e a realidade, ou na exegese con-traditria dos artigos (...). A atividade de Castilhos perante todas estasquestes revestiu-se de radicalismo comum aos mais acendrados propa-gandistas, como Quintino Bocaiva.19No deixa de haver, alis uma ana-logia muito grande entre o autoritarismo castilhista e o das minoriaspositivistas e caudilhistas, que em boa parte animaram o Governo Provis-rio depois do golpe de 15 de novembro.

    A atividade de Castilhos durante o ano de 1886 esteve marcadaespecialmente pela sua participao na Questo Militar. A classe militarno teve uma posio relevante durante o Segundo Reinado. Com a guerrado Paraguai alterar-se-ia o quadro: os militares comearam a ter conscinciado seu significado e, por outra parte, procedeu-se a uma organizao doexrcito. Desta forma, a eventual participao dos militares na vida poltica,antes um perigo, era aceita agora com relutncia pelos polticos civis, queviam neste fato uma potencial interveno do Exrcito. Por outro lado,

    18A Democracia Coroada, Petrpolis, Vozes, 1964, 2aed., pp. 454 segs.19Sobre este assunto, bastante ntida a interpretao que faz Jos Maria dos Santos em sua obraBernadino de Campos e o Partido Republicano Paulista, Rio de Janeiro, Jos Olmpio, 1960.

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    com a filiao de numerosos oficiais jovens aos movimentos abolicionistase republicanos, cavou-se uma grande fossa entre eles e os grupos conserva-

    dores do Imprio.O problema militar possua, alm disso, dois aspectos graves,

    segundo Oliveira Torres: o que correspondia s relaes entre os quadros eas presidncias de Provncias estas ltimas verdadeiras cunhas civis e pol-ticas, que se interpunham entre o Imperador e os comandantes das guarni-es e o da sobrevivncia dos rgidos e arcaicos regulamentos do Conde deLippe, que contradiziam o esprito liberal da poca. Foi precisamente destas

    duas questes, inerentes ao problema militar, que Castilhos partiu para agra-var a crise no Rio Grande do Sul. Durante o ano de 1886, levantou-se umapolmica entre os oficiais Cunha Mattos e Saldanha Marinho, de uma par-te, e o Ministro da Guerra, de outra, devido participao daqueles milita-res numa contenda verbal, atravs da imprensa do Rio e de Porto Alegre,com alguns representantes do Congresso. O resultado do confronto foi aproibio do Ministro da Guerra, vedando aos militares o debate na im-

    prensa. Aproveitando a ocasio, Castilhos interpretou o fato no como sim-ples limitao de direitos individuais, mas como uma injria do Ministrio prpria honra do Exrcito. Estas so as suas palavras.20

    Resta-nos observar que tais excessos de autoritarismo, alis har-mnicos com o regime, s podem prejudicar ao prprio Imprio, que porsua inpcia cada vez mais se divorcia das adeses do Exrcito Nacional, cujasusceptibilidade pundonorosa e cujos sentimentos de brio e de honra opoder pblico pretende abater e deprimir, com essas proibies autocrti-

    cas, intolerantes e provocadoras.Comentando a atitude assumida por Castilhos frente questo

    militar, Costa Franco diz que a tese sustentada pelo lder republicano, deque a Monarquia tentava desonrar o Exrcito atravs do autoritarismo doMinistro da Guerra, era falsa; porm, no deixava de ser:21

    ... til aos fins da luta antidinstica. Exagerando a significaodo incidente, levando s ltimas conseqncias o exame da incompatibili-

    dade surgida entre um ministro e dois oficiais superiores, para dar-lhe tintas

    20A Federao, 23-9-1886.21Op. cit., pp. 44-45.

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    de conflito absoluto entre a dignidade do Exrcito e o Imprio, buscavaCastilhos forar o pronunciamento da oficialidade contra o poder civil,

    agravar o dissdio, e, naturalmente, ampliar o crculo de militares aderentes idia republicana.

    A moo de So Borja

    Castilhos foi de fato um dos principais agitadores da questo

    militar, precisamente na Provncia onde a classe armada era mais numerosa.Porm cremos, com Costa Franco, que h exagero no juzo de Otelo Rosasobre este ponto, ao atribuir a Castilhos a autoria exclusiva desta ques-to. Papel mais importante teve Castilhos, talvez, na agitao que se seguiu chamada moo de So Borja. Em 1888, o vereador republicano AparcioMariense apresentou ao Conselho Municipal da mencionada localidademoo aprovada a 11 de janeiro, aproveitando a ausncia de Dom Pedro II

    do pas e o exerccio da regncia por parte da Princesa Isabel. A subversivamoo propunha:1) Que a Cmara representasse Assemblia Provincial sobre a

    necessidade de dirigir-se esta Assemblia Geral para que, dado o fato la-mentvel do falecimento do Imperador, se consulte a nao, por plebiscito,se convm a sucesso do trono, ainda mais competindo este a uma senhoraobcecada por sua educao religiosa e casada com um prncipe estrangeiro;

    2) que tambm se pedisse Assemblia para dirigir-se s outrasAssemblias provinciais a fim de que estas representem no mesmo sentido Assemblia Geral;

    3) que, finalmente, a Cmara Municipal se dirigisse smunicipalidades rio-grandenses, convidando-as a aderir representao.

    O Governo Imperial, como era de se esperar, reprimiu com fir-meza tal provocao: mandou cassar os vereadores comprometidos, assimcomo process-los criminalmente. Castilhos, por sua vez, aplaudiu caloro-samente a iniciativa dos vereadores de So Borja e as resolues de apoio aestes das Cmaras de So Francisco de Assis e Dores de Camaqu.

    No editorial deA Federaocorrespondente a 7 de fevereiro de1888, Castilhos analisava a questo levantada pela moo de So Borjadesta maneira: O Imperador, padecendo j de muitas prostraes, estava em

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    realidade impedido para governar. O Ministro Cotegipe, fazendo uso dasua costumeira astcia, esticava a regncia, a fim de acostumar o pas ao

    governo dos prncipes e preparar, assim, o Terceiro Reinado. Como a mo-o de So Borja antecipava a agitao contra o advento deste ltimo, arepresso governamental fora violenta.

    O manifesto de A Reserva

    De meados de abril de 1888 at agosto de 1889, Castilhos reco-lheu-se sua estncia de Vila Rica, situada na fazenda "A Reserva", emcompanhia de sua esposa e das trs filhas. Durante este tempo, ErnestoAlves dirigiu A Federao. Motivou tal retiro a situao econmica deCastilhos, abalada devido sua dedicao ao jornal do Partido Republica-no. Em maro de 1889 teve lugar na fazenda uma reunio dos chefes doPartido, presidida por Castilhos, que j exercia, claramente, a liderana do

    meio republicano rio-grandense. A aproximao do Terceiro Reinado, alia-da ao desgaste da monarquia e antipatia geral pelo Conde DEu, levou oslderes do Partido a planejar uma radicalizao da sua estratgia, aceitando apossibilidade da luta armada. O manifesto assinado em A Reserva doseguinte teor:

    Reconhecendo a necessidade de organizar a oposio em qual-quer terreno ao futuro reinado, que ameaa nossa Ptria com desgraas detoda ordem, e a necessidade de preparar elementos para, no momento opor-tuno, garantir o sucesso da Revoluo, declaramos que temos nomeadonossos amigos Jos Gomes Pinheiro Machado, Jlio de Castilhos, ErnestoAlves, Fernando Abbot, Assis Brasil, Ramiro Barcelos e Demtrio Ribeiropara que se consigam aqueles fins, empregando livremente os meios queescolherem.

    Ns juramos no nos deter diante de dificuldade alguma, a noser o sacrifcio intil de nossos concidados.

    Excluda essa hiptese, s haveremos de parar diante de vitriaou da morte.

    Reserva, 21 de maro de 1889. Cndido Pacheco de Castro,Joaquim Antnio da Silveira, Lauro Domingues Prates, Fernando Abbot,Ernesto Alves de Oliveira, Jos Gomes Pinheiro Machado, Vitorino

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    Monteiro, Possidnio da Cunha, Homero Batista, Manuel da Cunha Vas-concelos, J.F. de Assis Brasil, Salvador Pinheiro Machado, Jlio de Castilhos.

    Deixa-se ver neste texto a inspirao castilhista: repulsa s solu-es conciliatrias; procura do poder a qualquer preo; elitismo; em suma,o radicalismo. Posteriormente, Castilhos esclareceu, emA Federao,22queaquela reunio teve como finalidade combinar a ao revolucionria contrao monarquismo e que ele empenhara-se em demonstrar a urgente necessi-dade da revoluo armada, custasse o que custasse.

    A tividade poltica durante o primeirogoverno republicano rio-grandense

    A 7 de junho de 1889 assumiu o poder o Partido Liberal, como Gabinete Ouro Preto. Sacudido pela crise da abolio, o Imprio tratavade acabar com todas as resistncias. A fim de dominar as crescentes tendn-cias republicanas, foi nomeado Presidente da Provncia de So Pedro doRio Grande o prprio Gaspar da Silveira Martins. Iniciou-se, a partirdaquele momento, uma limpeza em todos os cargos, que foram sendoocupados predominantemente pelos liberais. Ressentidos com a monar-quia que os repudiara, os conservadores comearam a aderir em massa aoPartido Republicano. Passaram a integrar as fileiras republicanas o Dr. Fran-cisco da Silva Tavares, prestigioso lder conservador, que se pronunciara afavor de uma Repblica feita em moldes conservadores; os Silva Tavares,

    de Bag; Jos Gabriel da Silva Lima, de Cruz Alta; Gervsio Lucas Annes,de Passo Fundo; o Coronel Evaristo do Amaral, de Palmeira, etc.

    Ao ser proclamada a Repblica, a 15 de novembro de 1889,Castilhos estava consciente de que a situao no Rio Grande dependia doapoio militar ao golpe dado na Capital. Auxiliado por Ramiro Barcelos,conseguia a adeso do mais importante general da provncia, o Marechal

    Jos Antnio Correia da Cmara, Visconde de Pelotas, antigo senador do

    Imprio pelo Partido Liberal e a quem a causa da questo militar tinhaafastado dos companheiros polticos, aproximando-o dos republicanos. Aoobter o apoio do Visconde, Castilhos e os republicanos asseguram o dom-

    22Na edio do dia 22-12-1891.

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    nio da situao. O Governo Central homologou Pelotas como GovernadorProvisrio do Rio Grande do Sul e os republicanos ocuparam os cargos

    chaves da administrao. A vitria do movimento revolucionrio no RioGrande foi decisiva para a consolidao do Governo Provisrio. Grande eraa expectativa dos lderes da revolta no Rio pelo rumo que tomariam osacontecimentos no meio gacho, pois havia dvidas quanto posio dospoderosos contingentes militares acantonados no Rio Grande, que poderiamfazer regredir a revoluo de 15 de novembro, caso se decidissem a favor dostatus quomonrquico. A ateno dada por Deodoro a Castilhos e seus cor-

    religionrios durante os meses seguintes prova o reconhecimento do Gover-no Provisrio para com os lderes republicanos gachos.O Governo Provisrio indicou Castilhos para o cargo de Secre-

    trio do Governo Estadual. Imediatamente, o novo secretrio props a cri-ao da Superintendncia dos Negcios das Obras Pblicas, para a qualnomeou-se o engenheiro Anto de Faria, e a criao da Secretaria da Fazen-da, a cuja cabea foi colocado Ramiro Barcelos, pouco tempo depois subs-

    titudo, a fim de assumir a Embaixada brasileira em Montevidu.Desde o incio, o Governo Provisrio do Visconde sofreu fre-qentes confrontos entre o velho Marechal e seus secretrios. Existia umaoposio inevitvel entre os republicanos, que tinham como meta deixarsem base poltica os seguidores de Gaspar da Silveira, e o prprio Marechal,que havia sido um deles e que procurava solues conciliatrias entre repu-blicanos e liberais. Talvez por esta razo Castilhos e os outros secretrios deGoverno procuraram diminuir os poderes do Governador. Prova disto o

    Ato no12 de 14 de dezembro de 1889,23que transferia para o chefe dapolcia a atribuio de exonerar, dispensar, demitir e nomear os delegados,subdelegados e respectivos suplentes. A polcia, segundo a legislao entovigente, constitua um forte poder coercitivo, poltica e socialmente. Ocargo de delegado de polcia se revestia de tamanha importncia, que cau-dilhos como Gumercindo Saraiva, Juca Tigre, que se fizeram famosos narevoluo federalista de 93, foram delegados de polcia, demitidos pelos

    republicanos.

    23A tos da Provncia de So Pedro do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Livraria Universal, 1909, p.133. Cf. p. 11.

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    Castilhos deixou sua marca no Ato no31, vigente no final de1889, atravs do qual institua-se a Guarda Cvica, com toda uma

    estruturao militar em substituio antiga Fora Policial da Provncia.A Guarda Cvica converter-se-ia depois na Brigada Militar, utilizada porCastilhos para reprimir a insurreio federalista. Aparece tambm sua influ-ncia no Ato Adicional de 21 de dezembro de 1889,24que introduziumodificaes na lei oramentria para 1890, ao definir rumos para morali-zar o servio pblico e ao procurar modificar o sistema tributrio, assimcomo criar um servio estatstico e reduzir o pessoal da prpria secretaria do

    Estado. No mencionado Ato l-se que:No se pode conceber a possibilidade de administrar um passem dados estatsticos, pois que, sem eles, tudo feito arbitrariamente, semfundamento, sem critrio e com grave prejuzo para o povo, que a vtimados atos levianos dos que governam sem doutrina e dos que administrampor vagas inspiraes, sem dados positivos em relao aos diversos ramosdo servio pblico.

    Vemos aqui, nitidamente, a preocupao positivista de viver sclaras.A propsito das vantagens que os republicanos obtiveram du-

    rante o Governo Provisrio do Visconde de Pelotas, Mcio Teixeira dizque:25

    (...) o pseudogoverno do Sr. Visconde de Pelotas no foi maisdo que um mero pseudnimo de que os chefes republicanos rio-grandensesse serviam, para organizar definitivamente o seu partido.

    E a seguir afirma:26como simples editor responsvel de todos os atos de Jlio de

    Castilhos, o Visconde apenas assinava-os de cruz, na manifesta incompetn-cia moral e intelectual de reconhecer-lhes, ao menos, o seu alcance poltico.

    O Governo do Visconde no durou trs meses. A designao deAquiles Porto Alegre para o cargo de Inspetor da Alfndega do Rio Grande

    24Leis, Decretos e A tos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, de 1890, Porto Alegre, Of. Graf.Da Casa da Correo; Cf. Costa F., op. cit., p. 66.

    25A Revoluo no Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1893, p. 97, apudCosta Franco, op. cit., p. 66.26Ibid Cf. Belo, op. cit., p. 102.

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    desagradou seriamente cpula republicana. Como Pelotas mantivesse anomeao, Castilhos e um grande nmero de funcionrios republicanos

    pediram sua exonerao. O Visconde submeteu a questo ao Governo Pro-visrio, o qual, por Decreto do dia 9 de fevereiro, nomeou Castilhos Go-vernador do Estado. Num maquiavlico lance, julgando que Pelotas aindatinha simpatias no meio militar, Castilhos declinou do cargo e indicououtro militar, o General Jlio Anacleto Falco da Frota, que foi efetiva-mente empossado, sendo o prprio Castilhos designado Primeiro Vice-Governador e Anto de Faria, Segundo Vice. O novo Governador tomou

    posse a 11 de fevereiro de 1890. Costa Franco conclui a este respeito:27Continuariam, portanto, os republicanos no domnio das po-sies conquistadas, eis que voltaram todos ao exerccio das funes de quese haviam demitido. Estava superada vitoriosamente para Jlio de Castilhosa primeira crise de sua crescente hegemonia.

    A titude de Castilhos perante os liberais

    Detenhamo-nos um momento para observar de perto as rela-es de Castilhos com seus adversrios liberais. Depois do golpe de 15 denovembro, no se fizeram esperar os pronunciamentos dos lderes liberais.O matutino liberalA Reformapublicou o primeiro comunicado oficial dospartidrios de Silveira Martins a 19 de novembro, assinado pelos prceres

    Joaquim Pedro Salgado, Joaquim Antnio Vasques e Joaquim Pedro Soa-res, fato que levou a identificar o documento como Manifesto dos 3

    Joaquins. Eis o seu teor:O Partido Liberal sujeita-se fora do fato consumado,no pa-

    tritico empenho de evitar uma luta civil.(O grifo nosso.)O Partido Liberal constitui a maioria da Provncia; uma fora

    e como tal deve ser respeitado.Castilhos e os republicanos, segundo diz Costa Franco, no

    estavam para transigncias, nem dispostos a aceitar a poltica de mo esten-dida dos adversrios. Castilhos justificava, no dia 20 de novembro, a priso

    27Op. cit., p. 67.

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    de Silveira Martins por parte do Governo da Repblica, concluindo nestestermos:

    Pelo amor da nossa cara Ptria Rio-Grandense, no tomeispor fraqueza a prudncia e moderao do Governo Revolucionrio; nestahora suprema, esquecemos o fanatismo dos homens pela religio do de-ver; a bandeira branca da paz e do amor flutua desde o dia 15, acenandoao patriotismo rio-grandense; ai de quem tentar, sequer, manch-la desangue:

    No podemos dizer o que ser maior: se a nossa tolerncia de

    hoje, se a clera irreprimvel com que castigaremos os criminosos, SEJAMELESQUAISFOREM. (Maisculas do prprio Castilhos.)

    E refutava assim, no dia seguinte, o Manifesto dos 3 Joaquins:Um partido que comparece, como o liberal, no teatro da luta,

    certamente para disputar o poder; a misso do poder atualmente reorga-nizar a Ptria de acordo com o esprito republicano federativo; pretenderoos homens que foram adversrios da Repblica at o dia 15 deste ms, quer

    dizer, uma semana atrs, pretendero esses homens ser competentes parafazer a Repblica? No, no podem ser, e estamos certos de que, melhoraconselhados pelo patriotismo que acabam de mostrar, se limitaro ao seupapel, que no tem pouca nobreza: o de colaboradores dos verdadeiros re-publicanos, afirmando a ordem, respeitando a lei e esperando o dia de en-trar na disputa do poder, quando, fechada a porta do perodo revolucion-rio, se abrir a poca da normalidade.

    Ainda a 27 do mesmo ms afirmava:Esta singular revoluo, que todos hoje aplaudem, no podeter como conseqncia imediata a conservao daquilo que ela derrubou(...)

    A nica coisa que resta aos nossos adversrios uma razovel esincera penitncia.

    Costa Franco28sintetizava muito bem a atitude de Castilhosperante seus opositores, quando diz que:

    A orientao de Castilhos, como se v, era profundamente sec-tria. Traava ele uma fronteira intransponvel entre os republicanos e os

    28Op. cit., p. 64.

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    que no tinham sido, sem cogitar de apelos concrdia. E a colaboraoque solicitava (era) submissa e passiva (...).

    Coerente com o que dizia na imprensa e encerrado em sua linhade facciosismo, iniciou a derrubada dos liberais dos cargos pblicos, e, muitoespecialmente, das posies de liderana nos municpios do interior.

    Acerta tambm o citado autor29ao identificar a causa do secta-rismo castilhista:

    (...) Em particular o jovem doutrinador de A Federao, porsua formao de cunho positivista, tomaria a direo de um Estado como

    uma tarefa cientfica, que no deveria ser exercida seno por homens superio-res e de firme orientao sociolgica. (O grifo nosso.)

    A tividade poltica durante o governo de Jlio Frota

    Com maior liberdade para movimentar-se do que no Governodo Visconde de Pelotas, os republicanos puderam progredir ainda mais na

    conquista do poder durante a administrao de Jlio Frota. Bem vincula-dos ao Governo, promoveram com maior segurana a troca dos funcion-rios do antigo regime. Conquistaram, em primeiro lugar, a autorizao doGoverno para mudar os comandos da Guarda Nacional; apesar de o signi-ficado militar deste agrupamento no ser importante, sua manipulao as-segurava o controle das eleies. No plano administrativo, Castilhos preo-