CASTILHO, Ela. Teorias Atuais Da Pena e o Projeto de Reforma Penal Brasileiro

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    TEORIAS ATUAIS DA PENA E

    O PROJETO DE REFORMA PENAL BRASilEIRO

    Ela Wiecko Volkmer de Castilho

    TENDNCIAS BSICASAs investigaes tericas sobre a natureza, o sentido, os limites,

    as finalidades, as funes da pena esto longe de ter chegado a conclu-ses pacficas, acabadas.

    Em especial, a controvrsia sobre o sentido e a funo da pena nocessou. Isso, por uma razo simples. A teoria da pena se liga concep-o de Estado. Sendo esta uma concepo que no curso da histria vaisendo superada, transformada, natural que, tambm, a teoria da penaesteja em cont nuo questionamento face s mutantes circunstnciasscio-pol tico-econmicas.

    Apesar disso, interessante notar que, em toda discusso subjaz oc~nfronto entre duas tendncias bsicas, a da retribuio e a do utilita-flsmo.

    Podemos perceber esse fato em um texto antigo, extra do da obraA Guerra do Poloponeso, de Tucdides. Numa passagemem que os ate-nienses discutem a atitude que devem adotar frente revolta dos miti-lnios, habitantes da ilha de lesbos, Cleon, o mais violento e mais po-deroso home'm de Atenas, reclama a morte dos mitilnios e Ihes negatoda merc, porque, afirma, sua ofensa no foi involuntria seno deli-berada e com malcia:

    IIDirei numa palavra: se aceitardes meus conselhos, fareisno somente justia aos mitilnios, mas tambm, e.ao mes-mo tempo, o que nos convm; se decidirdes de outra manei-ra, no obtereis a sua gratido mas, ao contrrio, estareisdecretando a vossa prpria condenao, pois se' este povotinha o direito de rebelar-se no podereis exercer o imprio.Se, porm, com ou sem razo estais resolvidos a exerc-Ia,ento deveis punir este povo mesmo contra a equidade, ape-

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    nas por vosso interesse; ou devereis desistir do imprio eviver sem riscos como homens virtuosos".

    E aduz, quase ao finalizar seu discurso: fi. . . castigai-os como me-recem; isto servir de advertncia clara aos outros aliados no sentido deque os rebelados sero punidos como a morte".

    Depois dele' Diodotos, filho de Eucrates, que na assemblia ante-rior havia sido o principal orador contra a condenao dos mitilnios morte, subiu tambm tribuna e disse o seguinte:

    . ". . . considerando sensatamente as coisas, no se trata de sua cul-pa (dos mitilnios), mas do melhor partido a tomar em relao a nsmesmos. Posso demonstrar que eles so plenamente culpados sem toda-via reclamar a sua morte, se isso no nos traz vantagens; da mesma for-ma, s os perdoaria na medida em que o bem da cidade o exigisse. Con-sidero nosso dever deliberar mais sobre o futuro que sobre o presente.

    Cleon afirma que a pena mxima ser til no porvir, porque diminuiras defeces, mas a considerao de nossos interesses futuros me con-duz a uma concluso contrria. No vos deixeis levar pela capciosidadede seus argumentos para repelir o que h de til nos meus. Seu discurso,influenciado por vossa clera contra os mitilnios, pode atrair-vos; nonos cabe agora, todavia, process-Ios nem pesar a justeza de sua condu-ta, mas deliberar sobre eles para determinar a conduta que os tornarmais teis a ns."!

    Cleon representa o retributivismo, pois essa tendncia justifica apena em razes de justia. Se o autor de uma ofensa causou um dano,

    merece ser castigado.Os mitilnios devem ser castigados porque so culpados da ofensa, justo que se os castigue.

    Diodotos representa o utilitarismo, tendncia' que se v na utilida-de ou na oportunidade a justificativa da pena. Nesse enfoque alguns uti-litaristas pensam primordialmente no efeito intimidativo geral e particu-lar do castigo enquanto outros valorizam mais a reforma do ofensor.

    Diodotos afasta as razes de justia, pondera a utilidade futura dacondenao,.a oportunidade pol tica.

    !nteressante observar ainda que Cleon projeta seu raciocnio paraum fato do passado, enquanto Diodotos o faz para o futuro.

    Apesar das diferenas, uma anlise acurada das argumentaes re-vela aqui e ali tentativas de conciliao com a respectiva tese rival.

    Por exemplo, quando Cleon aduz: tI. .-. castigai-os como merecem,isso servir de advertncia clara. . ." h uma concesso tese utilitaris-ta. De seu lado, Diodotos no descarta por completo a culpabilidadedos mitilnios e as razes de justia.

    Tradicionalmente essas duas tendncias so vistas como antagni-caso

    1 TUCIDIDES,Histria da Guerra do Poloponeso. Trad. Mrio ~ GamaKury, Braslia,Edi-tora Universidadede Braslia,1982, pp. 149-151.

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    ALF ROSS, comentando o fato, observa que decorre de um equ -voco, de uma confuso sobre diferentes categorias de problemas. A seuver, o utilitarismo responde questo do fim da pena (para que sepune), enquanto o retributivismo liga-se questo do fundamento dapena (por que se pune). No h incompatibilidade lgica entre as idiasde retribuio e de preveno.2

    A colocao procede. No entanto, intereSsante observar, e j ob-servei pessoalmente em debates em sala de aula suscitados em torno daindagao Por que Punir?, que sempre um grupo finda por transmudarna resposta o "por" pelo IIpara", ou seja, coloca o fim da pena comoseu prprio fundamento.

    Sob outro ngulo, j no terreno prtico, ocorre o inverso: as insti-tuies penitencirias que se propem a realizar as final idades preventi-vas apresentam uma tendncia a sublinhar a natureza punitiva da pena.

    Essasconstataes me levam a concluir que a lgica insuficientepara expl icar a pena.Voltando s tendncias antes expostas constata-se que, historica-

    mente, desenvolveu-se primeiro a concepo retributiva, cujo contedoessencial foi expressado com maestria por KANT e HEGEL. Nessacon-cepo a pena existe porque necessria realizao da Justia. A penacumpre um papel restaurador da ordem violada.

    A partir do sculo XVIII foi sobrepujada pela concepo utilitaris-ta, que abriga duas correntes principais. A primeira sublinha a finalidadeda preveno geral. V na pena um meio de advertncia coletividadepara que se abstenha de delinquir. A segunda sublinha a finalidade dapreveno especial. V na pena um meio de atuao sobre o delinquen-te individualmente para corrigir sua tendncia anti-social ou impedir acontinuidade delitiva mediante a segregao.

    Igualmente verificvel uma procedncia da primeira corrente so-bre a segunda.

    Contudo, ressalvo que as afirmaes sobre a procedncia de umaou outra concepo ou corrente devem ser entendidas com reserva, nosentido apenas de uma prevalncia. Note-se, por exemplo, que os con-tornos bsicos da concepo utilitria so encontrados na obra de Pla-to.

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    Na atuaHdade os estudiosos se inclinam por solues integradoras,criando frmulas conciliatrias ou ento enfocando a questo sob novospontos de vista.

    Veremos a seguir alguns exemplos das teorias atuais sobre a pena.

    TEORIAS ATUAIS

    As posies eclticas mais simples so aquelas que a partir de VON

    2 ROSS,Alf. On Gut, ResponsibilityandPwlishment. London, Steves & Sons Limited,1975. p. 60-61.

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    LISZT estabeleceram o sistema do duplo binrio no direito penal, entrepenas e medidas de segurana. As primeiras de natureza retributiva, fun-dadas na culpabilidade, as segundas de natureza preventiva, fundadas napericulosidade. Esse critrio teve enorme influncia na legislao, inclu-sive na nossa, mas se revelou insatisfatrio na prtica, diante da incom-

    patibilidade entre a idia de castigo e de ressocializao.Outra frmula mista a de MERKEL e JAKOBS que procura com-binar a retribuio com a preveno geral, assinalando que a pena ummal e uma resposta ao realizada com o fim de fortalecer os precei-tos e as obrigaes violadas. A preveno geral no tem sentido intimi-datrio, mas de exerccio de fidelidade ao direito.3

    J o Projeto Alternativo Alemo, de 1966, combina a prevenogeral com a especial, reforando o critrio preventivo-geral. Nessa con-ceo o direito penal serve para manter a ordem jurdica necessria aoshomens e h que conformar as sanes de tal modo que permitam, senecessrio e possvel, a reinsero do condenado na comunidade.

    WINFRIED HASSEMER opta por uma reviso da concepo dapreveno geral. Abandona a preveno geral intimidatria, cuja efic-cia at hoje carece de comprovao e sustenta uma preveno geral quevisa a estabilizao da conscincia do direito, muito semelhante pre-conizada por MERKEL, JAKOBS e tambm CARRARA.4

    BERNHARD HAFFKE, na mesmalinha, concebe a pena e o direi-to penal como um controle social-jurdico nacional e esclarecido queleva em conta as debilidades do delinquente e o trata humanamente.s

    EN RIQUE BACIGALUPO abandona a retribuio e desenvolvesuas idias no campo da preveno, sustentando que a interveno pre-ventivo-especial do Estado s se justifica frente a um agente que noseja capaz de reagir inibindo-se ante a ameaa da pena e que, ao mesmotempo, tenha conscincia da punibilidade. Preocupa-se em traar umsistema de preveno especial orientado democraticamente e nele temimportncia a distino entre as categorias da culpabilidade e da punibi-lidade, correspondentes "ao merecedora de pena" (Strafwrdigkei-t)e "ao que requer punibilidade" (Strafbedrftigkeit).6

    CLAUS ROXIN expe uma teoria nominada de unificadora dial-tica, em que diferencia os distintos momentos em que atua a pena, pre-tendendo evitar o exagero unilateral e dirigir os diversos fins da pena pa-

    ra vias socialmente construtivas, estabelecendo um equil brio dos prin-c pios atravs de restries rec procas.Assim, v em primeiro lugar o momento da cominao p'enal, na

    qual ressalta a finalidade preventivo-geraI. No seu conceito de preven-o geral os elementos de ameaa e intimidao sevem limitados pelosprincpios da subsidiariedade e da culpabilidade. Isto significa que a

    3 apud RAMfREZ, Juan Bustos. Bases Crticas de un Nuevo Derecho Penal Bogot,!Temis,p. 172.

    4 id., p. 1735 id., p. 173 . -6 BACIGALUPO,Enrique. Delito y Punibilidad.Madrid,Civitas,1983, p.

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    pena s deve ser prevista como retribu io quanto haja necessidadesocial de salvaguarda da ordem jurdica na conscincia da comunidade.

    A idia de retribuio evidentemente est presente na cominaopenal, ROXIN a reconhece, mas no lhe d realce.

    Aps, examina o momento de imposio concreta da pena p~la ati-vidade judicial. Nesse momento a pena serve proteo subsidiria epreventiva, tanto geral cmondividual, de bens jurdicos e pre$taesestatais, mediante um procedimento que salvaguarde a autonomia dapersonalidade e limitado pela culpabilidade. .

    Finalmente, examina o terceiro momento, da execuo da pena,que s se justifica na finalidade de reincorporao do delinquentecomunidade, isto , uma finalidade preventiva especial.

    A colocao de ROXIN na verdade essencialmente preventivaporque o momento retributivo fica totalmente esvaziado' de seu con-tedo clssico e apenas uma manifestao da justia, no sentido dolimite imposto pela culpabilidade -preveno.Na sntese do processo dialtico o momento predominante opreventivo especial.A pena s se justifica sepersegue a reincorporaodo dei inquente comunidade. S legtima ljma execuo ressocializa-dora. .

    O fantasma da arbitrariedade sempre presente na concepo pre-ventiva especial afastado, ao ver de ROXIN, pelo condicionamentorecproco dos trs momentos e sobretudo porque a pena encontra limi-te no princpio da culpabilidade.7

    ROLF-PETER CALLIESS investiga as funes da pena a partir dosistema penal. A pena faz parte de um sistema dialogal entre o eu, oOu~(Oe um terceiro. A pena tem a funo de regular esta interao, nocomo retribuio ou como tratamento, mas como possibilidade de par-ticipao social. No fundo protege a possibilidade de participao so-cial, a confiana no sistema, apesar da infrao, e ao mesmo tempo criapossibilidade de--f}fticipao,-que seria o sentido da ressocializao.8

    uma viso potica, bastante vaga e imprecisa, mas que desvendaaspectos que devem ser melhor investigados porque implica em uma pos-tura essencialmente democrtica.

    SANTIAGO MI R PUIG preocupa-se com a funo da pena e seu

    ponto de partida metodolgico a funo do Estado. Como a pena um dos instrumentos com que o Estado conta para impor suas normasjurdicas, a funo da pena depende daquela assinalada ao Estado.. No Estado social democrtico de Direito, a pena deve cumprir uma

    n:'lsso poltica de regulao ativa da vida social, que assegure seu fun-Cionamento satisfatrio, mediante a proteo dos bens dos cidados.Isto supe a necessidade de conferir pena a funo de preveno dosf?tos q~e. at~ntem a estesbens e no se basear em uma hipottica neces-sidade etlco-Jurdica de no deixar sem resposta, sem retribuio, a in-

    7 ROXIN, Claus.Problemas Bsicosdei DerechoPenal.Trad. de Diego-ManoelLuzon Pena,Madrid, Reus, 1976. p. 31-34.8 apud RAMIREZ, Juan Bustos, ob. cit., p. 177.

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    frao da ordem jurdica. Para que o Estado social democrtico no seconverta em autoritrio, dever respeitar uma srie de limites que garan-tam que a preveno se exercer em benefcio e sob controle de todosos cidados. (proteo de bensjurdicos e proporciona Iidade; princpioda legalidade; aceitao das convices da maioria, respeitando a mino-ria). .

    Adotando francamente a funo preventiva da pena distancia-se deROXIN e do Projeto Alternativo alemo ao destacar dentro da preven-o o papel preponderante da preveno geral. A norma penal deve criarexpectativas sociais que motivem a coletividade a agir contra o cometi-mento de delitos.9 .

    JUAN BUSTOS RAMfREZ, distingue dois aspectos diferentes napena. O primeiro refere-se ao que a pena, o segundo imposio dapena.

    Quanto ao primeiro aspecto pena autoonstatao ideolgica doEstado, i. , atravs dela o Estado demonstra sua existne-ia frente a to-dos os cidados e lembra que o sistema vige. A pena no tem fins, ape-nas funes. Assim, exerce a funo de proteo dos bens jurdicos queo sistema valorou de modo especial.

    Ela s pode autoconstatar e proteger' mediante sua coao, masno pode pretender motivar, pois isso ultrapassa sua possibilidade delegitimao em um Estado social e democrtico de direito.

    O outro aspecto o da imposio, dirigido ao delinquente em par-ticular e deve ter como base a consideras:o da dignidade da pessoa hu-mana. Nessa perspectiva BUSTOS RAMIREZcondena a ressocializaoou reeducao, pois isso sempre significa adaptar a uma determ inadasocializao ou reeducao, que a considerada verdadeira pelo Estado,mas que no o necessariamente.

    Reconhecer a dignidade do homem supe antes de tudo evitar aimposio da pena atravs de uma ao preventiva do Estado, oferecen-do condies favorveis para que no se cometam delitos e que, aomesmo tempo, as penas fiquem limitadas ao menor nmero de hipte-ses, apenas as indispensveis necessidade de auto constatao.1O

    O PROJETO DE REFORMA PENAL

    No ano de 1980, o Sr. Ministro de Estado da Justia designou trscomisses de juristas incumbidas de estudar a legislaopenal e de con-ceber asreformas necessriass exigncias atuais da sociedade brasilei-ra.

    Do dedicado trabalho dos componentes dessas comisses resulta-ram trs anteprojetos: o da Parte Geral do Cdigo Penal, o do Cdigo

    '.

    9 MIR PUIGt Santiago. Funcion de Ia Pena y Teoria dei Delito en el Estado Socialy Demo-crtico de Derecho.BarcelonetBoschCasaEditorialtS. A. 2a. ed. reV.t1982t p. 41-48.

    10RAMREZtJuanBustostob. ci~'tp. 179-185.

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    de Processo Penal e o da lei de Execuo Penal, publicados no DirioOficial da Unio em 1981.

    Esses anteprojetos foram divulgados e debatidos em simpsios,painis e congressos, merecendo crticas e sugestes. Foram ento ins-titu das novas comisses que revisaram os anteprojetos e neles introdu-ziram as alteraes julgadas convenientes, apresentando novos textos,encaminhados peto Presidente Joo Figueiredo como projetos de lei deliberao do Congresso Nacional em 29 de junho de 1983. Os proje-tos, relativos Parte Geral do Cdigo Penal e lei de Execuo Penalforam aprovados pelo plenrio da Cmara dos Deputados e pelo Sena-do Federal, aguardando agora a sano presidencial.

    Na passagem pela Cmara os textos sofreram poucas emendas, asquais, no entender de FRANCISCO DE ASSIS TOlEDO, Coordenadordo Projeto da Reforma no prejudicaram a estrutura bsica daquele

    Projeto. HMeu objetivo analisar os textos dos anteprojetos e dos projetos,que se referem alterao do Cdigo Penal e criao da lei de Exe-cuo Penal para demonstrar a concepo de pena subjacente. Servi-ro de subsdio para a anlise manifestaes publicadas por integrantesdas comisses redatora e revisora.

    O art. 59 do anteprojeto sob a rubrica Iffixao da pena" est re-digido nos seguintes termos:

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    "O juiz, atendendo os antecedentes, conduta social e personalidade do agente, s circunstncias e aos motivos, intensidade do dolo ou ao grau da culpa e conseqnciasdo crime, bem como ao comportamento da vtima, estabe-lecer:I - as penas aplicveis dentre as cominadas, conforme seja

    necessrio e suficiente para reprovao e preveno docnme;

    Por sua vez art. 1. do anteprojeto da Lei de Execuo Penaldispe que:

    "A lei de execuo regula o cumprimento da pena e damedida de segurana, a fim de que se alcancem a reprovaoe a preveno do crime.Pargrafo nico. Constitui objetivo mediato da execuo pe-nal a educao e a assistncia que, no futuro, facilitem aocondenado harmnica convivncia em sociedade".

    Cabe anotar o mandamento expresso no art. 4.:

    "Na aplicao das normas relativas execuo da pena e dallPalestra na inaugurao do 3u. Seminrio de Estudos do Ministrio Pblico do Paran,Curitiba, 24.05.84.

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    citos no novo sistema de penas que enfatiza as sanes pecunirias erestritivas de direito e que possibilita ao juiz optar pela mais conve-niente em cada caso. Esses postulados tambm devero orientar o le-

    gislador na reformulao em curso da parte especial do Cdigo no sen-tido da descriminalizao de certas condutas.A insero expl cita dos princpios da subsidiariedade e da efeti-

    vidade faz sobressair na concepo ecltica adotada a finalidade preven-tiva.

    J havia alinhavado essaconcluso quando tive ocasio de ouvir doprprio ASSIS TOLEDO a firmao de que na estratgia da reformapenal a preveno o objeto mais importante.12

    Ressalta no texto 2 a substituio da expresso lIintensidade dodolo au ao grau da culpa" por IIculpabilidade".

    A Exposio de Motivos, subscrita pelo Ministro Ibrahim Abi-Ackel,explica que IIpreferiu o Projeto a expresso IIculpabilidade" em lugar de"intensidade de dolo ou grau de culpa", visto que graduvel a censura,cujo ndice, maior ou menor, incide na quantidade da pena".

    Ento, o juiz, atento ao grau de culpabilidade (= reprovao so-cial), entre outros critrios, estabelecer em concreto a pena aplicveldentre as cominadas e a quantidade de pena aplicvel, dentre os limitesprevistos.

    A culpabilidade passa a ser, sem dvida, um critrio para a imposi-o da pena em concreto, afastando o critrio da periculosidade, estesubsistente para os inimputveis, aos quais no se aplica pena, mas me-

    dida de segurana.A extino da medida de segurana para o imputvel bem como a

    regra do art. 19 do Projeto que altera a parte geral do Cdigo, pela qual,no resultado que agrava especialmente a pena, o agente s respondequando o houver causado menos culposamente, so louvveis e repre-sentam a consagrao das crticas que tem sido feitas pelos estudiososao Cd. Penal de 1940.

    Cabe indagar, porm, se a frmula adotada se afina com a doutri-na de ROXIN, segundo a qual a culpabilidade, inadequada para funda-mentar o direito de punir, deve servir para limit-Io.

    Diz ele que h uma diferena fundamental entre utilizar a idia deculpabilidade para entregar o indivduo merc do poder do Estado epara preserv-Io do abuso desse poder e que essaquesto mais impor-tante para o Direito Penal que aquela da existncia de culpabilidade.Sustenta que a culpabilidade s deve servir como princpio limitativoda pena porque a dignidade humana proclamada pela Lei Fundamentalalem um direito anterior ao Estado.13

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    12 3. Seminrio de Estudos do Ministrio Pblico do Paran, Curitiba, 24.5.84.13 ROXIN, Claus. Problemas bsicos dei derecho penal. Trad. de Diego - ManuelLuzn Pena.

    Madrid, Reus, 1976, p. 28.

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    Nesse sentido anota que:

    Ciertamente hay que tomarse en serio Ia idea de que estnabsolutamente prohibidas Ias pena inadecuadas a Ia culpabi-

    lidad. Por conseguiente es inadmisible, para citar un ejemploactual, dictar contra una persona intelectualmente limitadaque, inducida por personas de edad, pinta cruces gamadas enIas paredes, una pena dura y que sobrepase ampliamente suculpabilidad comparativamente escasa, slo para que otrosse abstengam de esa fechora. Como tampoco se puede esta-tuir en los delitos de trfico, por muy importante que seaIa contencin de esos delitos, penas e ejemplares que noestn cubiertas por el grado de culpabilidad personal. Enuna palabra: el fin de prevencin general de Ia punicin slo

    se puede perseguir en el maro de Ia cuIpabilidade indivi-dual. Si sev ms ali y por tanto se hace expiar el autor porIas presuntas tendencias crim inales de otros, se atenta enrealidad contra Ia dignidade humana. Pues Ia eficacia protec-tora de este concepto consiste precisamente en que el parti-cular es para el orden jurdico Ia medida de todas Iascosas,en cuanto que tiene que responder con su persona slo poraquello de 10que conceptualmente esa persona es culpable.Pero respecto ai futuro comportamiento de terceros, nadapuede aqul; si se le castiga por ello, dicho castigo, por muyduro que suente Ia comparacin, ser de Ia misma categoriaque Ia resRonsabilidad por el azar o Ia responsabilidad porIa esti rpe. 14

    ROXIN critica o Projeto de Cdigo Penal alemo, de 1962, quesubstituiu a frase: liA pena no pode ultrapassar a medida da culpabili-dade" por uma frmula incolor: liA CttlpabHidade do autor fundamen-to da medio da pena" porque se aproxima da teoria retributiva e ad-mite dentro de certos limites que, por motivos de preveno, seagravea pena que seria adequada culpabilidade.15

    A crtica de ROXIN vale para o texto 2, pois s consigna a culpa-bilidade como um critrio de medio de pena, tanto quanto a preven-o.

    o texto 1 da Lei de Execuo Penaldiz que ela "regula o cumpri-mento da pena e da medida de segurana,a fim de que se alcancem areprovao e a prevenodo crime".

    J o texto 2 declara que lia execuo penal tem por objetivo efe-tivar as disposies de sentenaou decisocriminal e proporcionar con-dies para a harmnica integrao social do condenado e do interna-do".

    14 ROXIN, Claus. Problemas bsicos deI derecho penal. Trad. de Diego - ManuelLuznPena.

    Madrid, Reus, 1976, p. 29.15 id., pp. 29/30.

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    A alterao feita significativa e sem dvida mais adequada ao es-tado atual das investigaes sobre _a pena. Consoante demonstramROXIN, CALLIESS, BUSTOS RAMIREZ e at CARNELUTTI, a penano um objeto esttico, um processo e no seu dinamismo sobressaiora um ora outro aspecto.

    No mom~mt{)da execuo a pena primacialmente preveno epreveno especial, particular, atuando no indivduo. A reprovao seesgota com a sentena condenatria e a execuo um efeito da repro-vaco. No devemos transmudar o efeito em finalidade.. O texto 1 esclarece que constitui "objetivo medato. da execuo

    penal a educao e assistncia que, no futuro, facilitem ao condenadoharmnica convivncia em sociedade". Em outras palavras, o objetivoprimrio o cumprimento da pena e da medida de segurana, e o se-cundrio, a ser atingido atravs do cumprimento das sanes, a edu-cao e a assistncia para facilitar a harmnica convivncia do conde-nado em sociedade.

    O texto 2 no hierarquiza os objetivos ou finalidades que a Ex-posio de Motivos apresenta da seguinte forma: "a correta efetivaodos mandamentos existentes nas sentenas ou outras decises, destina-do a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quaisos apenados e os submetidos s medidas de segurana venham a terparticipao construtiva na comunho social".16

    Nota-se que o legislador evitou as palavras readaptao, reinser-o, pessocializao, reeducao que, comumente tm sido considera-das como aIvos da pena e da execuo penal.O Professor REN DOTTI, um dos integrantes das comisses queelaboraram o Projeto de Reforma Penal, ao analisar os princpios fun-damentais da reforma ao tempo em que havia sido publicado o texto 1,explica o porqu dessa conduta, justificando que aquelas expressesso proclamaes otimistas, ideais.!'?

    Por sua vez, o ProfessorMIGUEL REALE JR., tambm integrantedaquelas comisses, explica que foi adotada uma postura realista quepercebe os riscos da adoo descuidada da iluso do tratamento modifi-cador da pessoa do condenado. Reporta-se a Michel Foucau It, paraquem lia Justia Penal liberta-se da m conscincia de estar punindo,com a escusa de visar cura, acolhendo modernas tcn icas que nomais atuam sobre o corpo mas sobre a alma do condenado, buscandomoldar-lhe a personalidade, segundo determinados padres, muitas ve-zes pai iticarnente comprometidos".18

    Por isso, para que se respeitem os pressupostos pai ticos do Esta-do ~ Direito, pena , em primeiro lugar, a justa retribuio pelo fatopraticado, segundo a culpabilidade do seu autor e, na execuo, oportu-16 Projetos de Reforma Penal, Ministrio da Justia, Braslia, 1981, p. 23-3.17 DOTTI, Ren. Os Princpios Fundamentais na Reforma da Execuo Penal. Revista Jur-

    dica Lemi/Parte Especial, Setj1982, p. 5.18 REALE JR, Miguel. Novos rumos do sistema criminal. Rio de Janeiro, Forense, Ia. ed.,

    1983, p. 47.

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    nidade para sugerir a suscitar valores, facilitando a resoluo de confli-tos pessoais do condenado, mas sem a presuno de transformar cienti-ficamente sua personalidade.19

    Outro jurista da comisso elaboradora dos anteprojetos, Prof. RI-

    CARDO ANTUNES ANDREUCCI, preocupou-se em alinhar os funda-mentos ideolgicos da reforma penal, notadamente daqueles relaciona-dos com as penas.

    Em um artigo declara que o sistema de penas do anteprojeto deno-ta a aceitao de uma concepo clssica,em que a pena na sua essn-cia retribuio {castigo}adequada culpabilidade do homem sendo estaa censurabilidade decorrente do ju zo de exigibilidade de conduta diver-sa. Diz revogada hoje a euforia do positivismo e da defesa social porquea idia de reeducao, levada a seu extremo lgico termina por sujeitaro condenado ao arb trio do Estado totalitrio.2O

    . De qualquer forma, a utilizaoda expresso flproporcionarcon-dies para a harmnica integrao social do condenado e do interna-do", no impede que se identifique no texto uma concepo prevalen-temente preventiva da execuo penal, ainda quando a Expo~io, in-terpretando-a, mencione a finalidade de reprimir os delitos.

    Reprimir tem muitos sentidos e, entre eles o de conter, refrear, im-pedir mediante ameaa de castigo, portanto sentido equivalente inti-midao e o de castigar, punir, equivalente retribuio.

    No caso, o sentido s pode ser o de intimidar, realizando tanto apreveno geral como a especial, pois, como j dito, a reprovao naexecuo apenas um efeito, no uma finalidade.

    Sob outro ngulo, parece-me que facilitar ao condenado harm-nica convivncia com a sociedade traduz o mesmo ideal colimado poraqueles que empregam as expresses criticadas pelo Prof. Dotti.

    Isso explica o lapso em que incorreu o Expositor ao afirmar que"as penas e medida de segurana devem realizar a proteo dos bensjurdicos e a reincorporao do autQr comunidadea"21

    Ora, reincorporao nada mais do que ressocializao, reintegra-o, readaptao, reinsero ou reeducao. Podemos traar distinesentre essas palavras, mas no fundo todas elas querem dizer que o Esta-do deseja que o indivduo aceite as regras estabelecidas, no se insurja

    contra elas. reincorporao do ponto de vista dos valores adotadospela ideologia dominante.Por isso me surpreende a afirmao de RENE DOTTI de que a Re-

    foma procurou "superar as concepes extremadas e as antinomias queadensam o perfil carismtico da pena segregadora ou da pena ressociali-zadora . . .1122 E no me convence quando conclui que a superao foiobtida atravs da concepo da pena com um processo de dilogo entre

    19 id., pp. 47/48.20 ANDREUCCI,Ricardo A, Fundamentos da Reforma Penal; IN Anaisdo ConselhoNacio-

    nal de Poltica Penitenciria,Min.da Justia,ano I, 1980-81,pp. 175/179.21 Projetos, p. 23322 op. cit., p. 4

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    o homem, a comunidade e o Estad02~pois ainda que se aceite a existn-cia desse dilogo, ele deve versar sobre algum assunto, ponto que perma-nece obscuro.

    Sem dvida a regra do arte 40. dos textos 1 e 2 fruto dessa con-cepo, que se me afigura mais potica do que real e de todo modo umenfoque to s descritivo do fenmeno da pena e no explicativo.

    A concepo do dilogo incompat vel com a corrente da penameramente segregadora, mas no o com a corrente ressocializadora,da qual procura expungir as tendncias de massificao e arbitrariedade.Caracteriza-se por uma postura democrtica, pluralista, que, todavia, facilmente olvidada nos programas de readaptao ou naqueles deno-minados tendentes a proporcionar condi.es para a harmnica integra-o social do condenado e do internado.

    Em suma, o problema das relaes entre o Estado e o indivduocondenado permanece.

    CONCLUSES

    Em concluso verificamos que tecnicamente a Reforma Penal ela-borada legislativamente representa um avano e incorpora idias desen-volvidas pela doutrina alem.

    Mas, no h nenhuma ruptura com o sistema vigente.Na vigncia do texto primitivo do Cdigo Penal de 1940 a pena era

    retributiva e preventiva (intimidante), no havendo preocupao com aressocializao na fase de execuo da pena. A Exposio de Motivosinclusive explcita que as penas tm finalidade repressiva e intimidan-te.

    Observe-se que o Cdigo Penal de 1940 conciliou teoricamenteduas perspectivas diversas. De um lado os adeptos do classicismo pelaconcepo da pena retributiva fundada na responsabilidade moral,independente de qualquer finalidade. De outro, os adeptos da EscolaPositiva, ao prever a aplicao de medida de segurana ao agente repu-tado perigoso, seja imputvel ou inimputvel, esta ento com finalidadede readaptao social.A ruptra desse sistema ideolgico adveio com a Lei nO.3.274, de2 de outubro de 1957, que, pela primeira vez, dispondo sobre a execu-o das penas, acabou com as distines entre finalidades diversas des-tas e das medidas de segurana.

    Isso est evidenciado nas seguintes expresses: "tratamento peni-tencirio adequado" (art. 10., 1), lIobjetivo corretivo e educacional"(art. 10., IV), "tratamento corretivo e educacional" (art. 30.), "toda aeducao. . . objetivar readapt-Ios ao meio social" (art. 20.), IImeiosde preveno contra a reincidncia" (art. 27).

    Posteriormente a Lei nO. 6.416, de 24 de maio de 1977, introdu-

    If\

    I23ido

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    ziu outras importantes modificaes ao colocar a periculosidade comocentro do sistema de penas e ao criar, em funo da periculosidade, adistino entre regimes penitencirios fechado, semi-aberto e aberto,iestes ltimos a prenunciar a atual tendncia de reservar a priso aosautores de crimes praticados com violncia contra a pessoa.

    Com a afirmativa de que no h ruptura do sistema ideolgicono quero, entretanto, diminuir o valor das modificaes propostas.Assim, a importncia conferida culpabilidade, a adoo dos princ-pios da subsidiariedade e da efetividade e a formulao de um sistemade penas alternativo tradicional pena privativa so progressos louv-veis.

    Mas, me parece que a Reforma Penal situa-se nos lindes de umasimples sistematizao da legislao vigente, que, no dizer de REALEIIperde-se em casu smos, misto de lei penal e de execuo penal disti-tu do de linha mestra"24e de incorporao das interpretaes consagra-das pelo Judicirio. .No se trata de reforma de base apta a proporcionar mod ificaoda realidade.

    Comentando sobre esta indagao MIGUEL REALE JR. escreveque a realidade no se transforma por meio de textos legais, a lei tra-duz uma nova diretriz, fixa valores e comportamentos que entende po-sitivos. Sua eficcia depende de uma mudana de mentalidade dos par-tcipes da Justia Criminal.25

    No entanto, como esperar uma mudana de mentalidade se aconcepo da pena no tocante a seus fins permanece a mesma? se ascontradies imanentes ao ecletismo permanecem? se no houveopo definida quanto finalidade da pena? a prpria Exposiode Motivos da Lei de Execuo Penal que reconhece no terem seuselaboradores questionado profundamente a grande temtica das fina-lidades da pena.26

    De certo j consciente de crticas dessa ordem,- o Prof. ASSISTOLEDO se apressou em refut-Ias declarando recentemente que a re-foma no apenas modificatria, mas estrutural.27

    Insisto, porm, que a reforma conjuntural e no estrutural eno acredito que a criminalidade e a violncia sofram decrscimo ou

    que melhore o sistema de execuo penal.Isto porque as modificaes propostas se fundamentam em teoriasdesenvolvidas nos pases europeus, especialmente na Alemanha. Ora, es-sas teorias esto vinculadas a um modelo de Estado determinado. Comolembra MIRPU IG, a teoria da pena e do delito relativa, no pede tera pretenso de validade objetiva, pois est condicionada premissa valo-rativa de um modelo de Estado determinado.

    No caso brasileiro, como de costume, ocorre um transplante das24 REALEJR, Mjguel.ob. cit., p. 3925.id., p. 8926 Projetos, p. 2332'1 Palestra. . .

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    idias que no so compatveis com o nosso modelo poltico, autorit-rio e carecedor de legitimidade.

    Para que neste Pa s ocorram mudanas preciso coragem para

    mergulhar na crise das opes fundamentais, a comear pela discussoampla sobre as relaes entre Estado e indivduo, os fins e limites daatividade estatal, enfim sobre um. novo modelo pol tico consentneocom as aspiraes nacionais.

    O problema da pena pol tico. Dir-se-de pol tica criminal. Mas,o objeto da pol tica criminal no se circunscreve proteo jurdico-penal da sociedade. Abrange a criao e a transformao das normasjurdicas, as estruturas oficiais de controle social (polcia, ministriopblico, tribunais, sistema de execuo penal e as situaes objetivasde necessidade (pobreza, desemprego) e os fenmenos de discrimina-o (opinio pblica sobre a delinqncia).

    Ora, a reforma penal do Governo se red.uziu criao e transfor-mao das normas. Tudo o mais permanece intocado.