CATOLICISMO TRADICIONAL, PODER E CONFLITOS: A … · se manifestando na própria paisagem colonial...

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1 CATOLICISMO TRADICIONAL, PODER E CONFLITOS: A CAPELA COLLADA DA FREGUESIA DO TAMANDUÁ, SEU DECLÍNIO E A TRANSFERÊNCIA PARA A FREGUESIA DA PALMEIRA NO INTERIOR DO PARANÁ (1813-1837). RONUALDO DA SILVA GUALIUME Mestrando em História (UEPG) [email protected] História, religião e cultura A pesquisa histórica, como área de conhecimento, tem passado por transformações significativas, sobretudo, nas últimas décadas, sendo que, com isso, antigos cânones têm cedido espaço a novos objetos, a novas problemáticas e abordagens temáticas. Tal perspectiva não tem sido diferente no campo da historiografia religiosa. O tratamento antes restrito ao interior das instituições religiosas foi se deslocando para o estudo de suas práticas, num vigoroso leque de novas possibilidades, rompendo com as prerrogativas anunciadas pelo cientificismo, que a partir de meados do século XIX, pressagiava que, quanto mais o mundo absorvesse ciência e erudição, menos seria o papel da religião. Neste sentido BENATTE; CAMPIGOTO (2013, p. 9-10), elucida que: [...] a história das religiões emergiu, com o Iluminismo, afirmando o projeto de elaboração de uma certa história científica das crenças religiosas. Produzir história científica significa, então, conceber e praticar a historiografia sob o controle da razão, com métodos e objetos próprios, desembaraçada de atitudes fideístas. No século XIX, historicistas e positivistas reforçaram o status científico do saber histórico em geral. Os modelos explicativos modernos implicavam a relativização dos conteúdos de verdade do discurso religioso. Assim pode-se perceber na perspectiva de entender e estudar a concepção religiosa que parte da análise da Capela Collada da Freguesia do Tamanduá. No campo religioso, percebe-se um conflito estruturado entre os Frades Carmelitas e o Padre Secular na apropriação e representação da administração dos bens materiais da capela,

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CATOLICISMO TRADICIONAL, PODER E CONFLITOS: A CAPELA

COLLADA DA FREGUESIA DO TAMANDUÁ, SEU DECLÍNIO E A

TRANSFERÊNCIA PARA A FREGUESIA DA PALMEIRA NO INTERIOR DO

PARANÁ (1813-1837).

RONUALDO DA SILVA GUALIUME

Mestrando em História (UEPG)

[email protected]

História, religião e cultura

A pesquisa histórica, como área de conhecimento, tem passado por

transformações significativas, sobretudo, nas últimas décadas, sendo que, com isso,

antigos cânones têm cedido espaço a novos objetos, a novas problemáticas e abordagens

temáticas.

Tal perspectiva não tem sido diferente no campo da historiografia religiosa. O

tratamento antes restrito ao interior das instituições religiosas foi se deslocando para o

estudo de suas práticas, num vigoroso leque de novas possibilidades, rompendo com as

prerrogativas anunciadas pelo cientificismo, que a partir de meados do século XIX,

pressagiava que, quanto mais o mundo absorvesse ciência e erudição, menos seria o

papel da religião. Neste sentido BENATTE; CAMPIGOTO (2013, p. 9-10), elucida

que:

[...] a história das religiões emergiu, com o Iluminismo, afirmando o projeto

de elaboração de uma certa história científica das crenças religiosas. Produzir

história científica significa, então, conceber e praticar a historiografia sob o

controle da razão, com métodos e objetos próprios, desembaraçada de

atitudes fideístas. No século XIX, historicistas e positivistas reforçaram o

status científico do saber histórico em geral. Os modelos explicativos

modernos implicavam a relativização dos conteúdos de verdade do discurso

religioso.

Assim pode-se perceber na perspectiva de entender e estudar a concepção

religiosa que parte da análise da Capela Collada da Freguesia do Tamanduá. No campo

religioso, percebe-se um conflito estruturado entre os Frades Carmelitas e o Padre

Secular na apropriação e representação da administração dos bens materiais da capela,

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assim como na condução dos rituais religiosos da freguesia. Nota-se que o conflito

legitima e inspira a transferência da Freguesia, assim como determina a construção de

uma nova capela em outra região, como forma de emancipação e ocupação territorial.

Conforme Livro Tombo nº 1, p. 10:

Por cujo motivo aos doze de Agosto de 1818 mudei a freguezia para o Rincão

da Palmeira onde estou forcejando a edificar a Matriz.

Por consulta que fis a Sua Exª Reverendíssima por elle servido mandar que

eu entregasse tão somente aquelles bens que pertencião à Capella , e não

aquelles que forão dados pelo Povo , e que são os seguintes . [sic]

Para entender esse processo de investigação que se dá no bojo da análise das

construções sociais, econômicas, familiares e até políticas da religiosidade, deve-se

primeiro compreender como a historiografia passou a mensurar e considerar a história

das religiões entre as linhas conceitos dos estudos históricos na contemporaneidade.

Conforme ROUSSELE, (1993, p. 669), afirma:

O estudo das religiões leva o historiador ou o antropólogo a ver funcionar em

indivíduos e no seio das sociedades o conhecimento do invisível, e a colocar

entre parênteses se pressuposto pessoal que é a fé na razão.

.

A história das mentalidades de modo geral, ensinou nessa perspectiva histórica

a enfatizar o papel do elemento religioso nas maneiras de ser, pensar e agir de uma

sociedade, numa tentativa de junção do religioso com o cultural. De modo geral, as

mudanças ocorridas no campo historiográfico como um tudo afetaram profundamente

os modos de conceber, pesquisar e escrever a história das religiões nas ultimas décadas.

A história das religiões tem acompanhado pacientemente a abertura do leque de

investigações que caracterizam a historiografia contemporânea. Segundo BRAUDEL

(1978, p. 50):

A história das religiões foi um dos campos historiográficos que ultrapassou o

tempo curto do acontecimento em direção a uma história das estruturas

subjacentes da vida social: também as injunções espirituais se inscrevem em

estruturas de longa duração.

É neste contexto que se confrontam as relações existentes entre a apropriação e

representação, caracterizando como conceitos e objeto da história cultural que, segundo

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Chartier, “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma realidade

social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16). Este objeto decorre

de uma definição dupla de “cultura”: (1ª) enquanto obras e gestos que configuram e

justificam uma apreensão estética, um princípio de classificação e de demarcação

intelectual do mundo; (2ª) enquanto práticas comuns, “sem qualidades”, que exprimem

a maneira pela qual uma comunidade produz sentido, vive e pensa sua relação com o

mundo (CHARTIER, 1999, p. 8-9; 2002, p. 93).

As representações são entendidas como classificações e divisões que

organizam a apreensão do mundo social como categorias de percepção do real. As

representações são variáveis segundo as disposições dos grupos ou classes sociais;

aspiram à universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que

as forjam. O poder e a dominação estão sempre presentes. As representações não são

discursos neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade,

uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas. Ora, é certo que elas colocam-se no

campo da concorrência e da luta. Nas lutas de representações tenta-se impor o outro ou

ao mesmo grupo sua concepção de mundo social: conflitos que são tão importantes

quanto as lutas econômicas; são tão decisivos quanto menos imediatamente materiais

(CHARTIER, 1990, p. 17).

As representações permitem também avaliar o ser-percebido que um indivíduo

ou grupo constroem e propõem para si mesmos e para os outros. Chartier segue de perto

Bourdieu, citando-o quando menciona as determinações da produção:

a representação que os indivíduos e os grupos fornecem inevitavelmente

através de suas práticas e de suas propriedades faz parte integrante de sua

realidade social. Uma classe é definida tanto por seu ser-percebido quanto

por seu ser, por seu consumo – que não precisa ser ostentador para ser

simbólico – quanto por sua posição nas relações de produção. (BOURDIEU,

La distinction. Critique sociale du jugement. 1979. Apud. CHARTIER, 2002

[1994c]: 177). As ênfases são do original

Desse modo, Chartier incorpora de Bourdieu várias problemáticas relacionadas

às representações. As lutas de representações nas quais existem imposições e lutas pelo

monopólio da visão legítima do mundo social; a violência simbólica que depende do

consentimento (arbitrário) de quem a sofre; o ser-percebido dos indivíduos e grupos

sociais, firmemente arraigados nas determinações sociais de produção e de classe –

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todas essas problemáticas indicam que o conceito de representações coletivas proposto

tem muito pouco a ver com as noções pós-modernas de que o real não existe, a não ser

na linguagem. As representações não se opõem ao real; elas se constituem através de

várias determinações sociais para, em seguida, tornarem-se matrizes de classificação e

ordenação do próprio mundo social do próprio real.

Tais conceitos cunhados por Chartier tem relação pertinente ao estudar a

representação no conflito do Clero Religioso pertencente à Freguesia do Tamanduá, na

pessoa do Padre Antônio Duarte dos Passos em confronto com a Ordem dos Carmelitas

na manutenção do poder simbólico, conceito cunhado por (Pierre Bourdieu, 2005),

representado na Capela Colada do Tamanduá. E principalmente abordar como se deu o

processo de transferência da Freguesia do Tamanduá para a Freguesia da Palmeira de

Nossa Senhora da Conceição entre os anos de 1813 a 1837. Nas implicações pertinentes

relativas à mudança da freguesia e como tal a transformação de Palmeira.

A Igreja e o Padroado na América Portuguesa

A Igreja na América Portuguesa teve sua trajetória influenciada pelo instituto

do Padroado, que dava ao rei o poder de comando sobre a Igreja, mas também lhe

responsabilizava pela sustentação de sua estrutura. Charles R. Boxer (1981) já observou

que o Padroado representava uma união indissolúvel entre a Cruz e a Coroa e, assim,

seu exercício foi uma das prerrogativas que Portugal tenazmente manteve em todo seu

processo de expansão no ultramar. É fato que a expansão marítima tornou-se um projeto

muito ambicioso, pois:

[...] inicialmente, promovia a convivência entre credos como estratégia

necessária para viabilizar o comercio. Depois atuava como conquista bélica,

acompanhada de uma política cultural, indispensável para anexar territórios e

almas. A idéia de Império dependia da construção de uma lealdade política e

estrita obediência às leis religiosas. Promovia, assim, a dissolução das

diferenças culturais, políticas e confessionais, transformando toda a

humanidade em seguidores de Cristo (RAMINELLI, 2001, p.227).

A vinculação ao padroado português explica as grandes limitações do

episcopado brasileiro durante o período colonial pela via da instituição. A

responsabilidade do Estado em manter as estruturas da Igreja manifestou-se como um

fator de limitação ao seu crescimento pela impossibilidade da Coroa de investir

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exclusivamente na expansão da Igreja por todos os espaços em que dominava. Assim,

dado que nos primeiros séculos da expansão marítima os interesses estavam voltados

para o Oriente, a instalação clerical na América se distribuirá de forma desigual: seu

lado secular será mais fraco e as ordens religiosas mais fortes do que na América

espanhola, por exemplo. Tal descompasso no estabelecimento desses dois cleros acabou

se manifestando na própria paisagem colonial construída na qual os edifícios das

matrizes e sés são inferiores aos das capelas e das igrejas das confrarias e ordens

religiosas (MAX, 2003).

As ordens religiosas eram responsáveis pelas atividades missionárias no Brasil

e, no espaço de dominação portuguesa elas foram desenvolvidas basicamente pelos

franciscanos, jesuítas, carmelitas e beneditinos que atuavam sob a égide do Padroado

Real. Se tais ordens já estavam presentes na América desde o primeiro século, a partir

de 1622, a elas se somaram os religiosos capuchinhos e oratorianos, que dependiam da

Propaganda Fide1, em Roma. Essa instituição foi criada em Roma com o objetivo de

centralizar a obra missionária da Igreja católica e contestar os direitos seculares do

padroado português e espanhol (HOORNAERT, 1998).

A grande maioria dos membros das ordens regulares eram europeus, ou pelo

menos de orientação cultural europeia, e foram os responsáveis pela abertura sucessiva

de novas áreas de evangelização. Da mesma forma que os seculares, recebiam apoio

financeiro do padroado, mas desde cedo, como bem aponta Hoornaert (1998), tentaram

se tornar independentes, criando suas próprias fontes de renda na forma de fazendas,

plantações, criação de gado, engenhos de açúcar e escravos, geralmente obtidos por

doação, herança ou promessas dos fieis. As propriedades religiosas ocupavam espaço

considerável tanto nas cidades, onde o patrimônio dos santos usualmente fazia parte do

núcleo original do povoado, quanto no sertão. A riqueza das ordens religiosas no Brasil

ficou manifestada no tamanho de seus conventos e mosteiros e na suntuosidade de suas

igrejas barrocas, ricamente ornamentadas em ouro (HOORNAERT, 1998, p.562). O

1 O prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos é popularmente definido o “papa vermelho”. Não é por

acaso. Desde sua fundação, em 1622, Propaganda Fide tem realmente uma tal amplitude de competências e uma tal

disponibilidade financeira que o povo simples de Roma a identificou historicamente como uma das instituições mais

importantes e influentes da Cúria Romana e da Igreja Católica. E foi em certo sentido natural que o guia dessa

instituição recebesse o título de papa, “papa vermelho”, para distingui-lo tanto do verdadeiro papa quanto do “papa

negro”, título reservado ao preposto-geral dos jesuítas. A Congregação de Propaganda Fide nasceu no século XVII

para dirigir e coordenar toda a atividade missionária da Igreja, procurando torná-la independente da tutela sufocante

das potências coloniais católicas da época, em particular Espanha e Portugal. Disponível em

http://www.30giorni.it/articoli_id_9185_l6.htm, acesso em 02/07/2014.

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clero secular, por sua vez, era absolutamente dependente dos desígnios régios. E, dado o

ímpeto evangelizador da Coroa – função do clero regular – os seculares acabaram

detendo pouca expressão na sociedade colonial dos primeiros tempos. Isso fica claro nas

condições políticas positivas de inferência que os Carmelitas tinham junto ao Bispo

diocesano da Província de São Paulo em relação ao Padre Secular Antônio Duarte dos

Passos pela disputa da Capela Colada do Tamanduá.

Catolicismo Luso Brasileiro no Paraná Tradicional e a Freguesia Collada do

Tamanduá.

Sob o jugo da coroa portuguesa, afirma-se que o catolicismo foi imposto no

Brasil como religião oficial do Império, desde o início do processo colonizatório, sendo

a única com permissão para realizar cultos públicos ou domésticos. Negrão (2008, p.

262) confirma que essa aliança entra a casa real portuguesa e o Vaticano possibilitou ao

império português legitimar seus interesses temporais e seus métodos de atuação, sob o

pretexto da salvação de almas e da difusão da fé e cultura cristãs. Durante o período

colonial, houve um “catolicismo guerreiro”, segundo Hoornaert (1974, p. 31-65),

intimamente ligado à conquista e à preservação da nova terra e ao empreendimento

colonial.

As cidades do Brasil e, principalmente, as localizadas no estado do Paraná,

nascidas no período Colonial, foram definidas e estruturadas através da influência do

catolicismo luso brasileiro. Após a chegada dos Portugueses ao Brasil a partir do século

XV, a delimitação do território (por motivos geográficos, sociais e econômicos) esteve

fortemente ligada ao fator religioso, com o catolicismo tradicional. Observa-se que as

formas de evangelização desenvolvidas pelas ordens clericais estavam intimamente

interligadas ao processo de alargamento de fronteiras, de construção de vilas e

povoados. Assim, o “papel dos religiosos, do sacerdote, tinha função dúbia de explorar

os territórios e fundamenta-los na construção/ocupação e também de legitimar o caráter

religioso e devocional da população” (AQUINO, 2011, p. 63). Faz-se mister mencionar

que Negrão (2008, p. 262-263) contribui ao estudar o papel fundamentador do sacerdote

no período colonial, expressando de que “no resto da colônia, nos pequenos vilarejos e

nos bairros rurais, onde vivia dispersa uma população de baixa densidade, raramente

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havia párocos locais.” O padre passava por eles apenas de quanto em quando, às vezes

apenas uma vez ao ano, para o ‘desobriga’: batizar os nascidos, casar os ajuntados,

ouvir as confissões, rezar a missa. Neste sentindo Solange Ramos de Andrade (2012, p.

240) realça afirmando que as cidades existentes no Estado do Paraná apresentam a

“Igreja Matriz como marco fundador e socializador das cidades, palco dos ofícios

religiosos, da vida cotidiana”. Ao fundar um povoado, uma vila, o europeu colonizador

erigia às pressas uma capela (muitas vezes pequena e de forma improvisada), para a

legitimação do povoado, através da denominação católica determinava a ocupação

territorial, econômica e social daquela região.

As capelas no período colonial eram a representação inconfundível do poder,

no universo colonial, que se firmava aos poucos. No século XVII, ao sul, elas

simbolizavam, juntamente com o curral, as bandeiras paulistas. Por trás de uma capela

que vingava estava um grupo de colonos preocupados com sua salvação e sua vida após

a morte, ou um bandeirante que queria ter seu arraial reconhecido pelas instâncias do

poder colonial. Só com um determinado poder era possível construir uma capela a partir

de uma série de movimentos que passavam por doações de terra e obrigações de missa

pela alma do fundador. Essas igrejas rústicas materializavam sentimentos e promessas

dos seus idealizadores.

As capelas que conseguiam sobreviver constituíam uma forma de exigência da

presença de um sacerdote. O envio de um padre ou pároco dependia em boa parte, da

vontade dos bispos, mas principalmente da capacidade dos colonos de manterem e

sustentarem seu pároco ou vigário. Quando não conseguiam ter um representante

sacerdotal, improvisava com rezadores e especialistas religiosos que guiava as

cerimônias no templo. Esse vácuo trouxe diversas consequências que iriam marcar a

trajetória do catolicismo no Brasil. Com a dificuldade da presença de sacerdotes foi

aberto espaço para a intervenção dos leigos na administração do sagrado. (LONDOÑO,

1997: 53-54).

A presença da Igreja e do pároco era tão importante na colônia, pois se fazia

autoridade no plano civil e no religioso. A paróquia se diferenciava dos curatos e

capelanias. As paróquias coladas eram feitas e financiadas pelo padroado, indicava o

reconhecimento, por parte das autoridades coloniais e pela coroa, consolidando o direito

de ocupação com certa representatividade econômica ou expressão política. A exemplo

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disso os 10% do dízimo que eram retirados de tudo que era produzido na colônia e de

direito da coroa. (HOORNAERT, 1994: 12. LONDOÑO, 1997: 52 à 57).

As paróquias coladas só seriam implantadas e consolidadas durante o processo

de colonização, ou por pressões dos fregueses que queriam ter seu reconhecimento de

sua condição por parte do Estado. Isso significava a existência de instituições

permanentes, como a administração de sacramentos e a produção de registros

assegurados legalmente, como os registros de batismo, casamento e óbito. A nomeação

conferida pelo rei de vigários colados assegurava no marco do padroado, a legitimidade

das paróquias que já existiam.

Assim, as primeiras Freguesias Coladas no Paraná Colonial foram erguidas no

tocante marcado pelos primeiros habitantes que recebiam as Sesmarias do Governo

Imperial para a composição e povoamento da 5º Comarca da Província de São Paulo2,

definição estabelecida para o Paraná, que pertencia, na época, à Província de São Paulo.

O povoamento dos Campos Gerais teve início no Século XVIII e a principal

característica que fundamentou o nascimento das primeiras Freguesias foi o movimento

econômico do Tropeirismo juntamente com a concessão de Sesmarias, ligando o Rio

Grande do Sul à cidade de Sorocaba, na Província de São Paulo. A travessia das tropas

dava início aos primeiros povoados e núcleos urbanos, nos quais muitos tropeiros

edificaram suas moradas formando currais, rincões e coxilhas nas fazendas espalhadas

pelo caminho das tropas. DITZEL et al. (2013) contribui para a melhor compreensão:

Motivados por um interesse na exploração do comércio pecuário, os pedidos

para concessão de sesmarias nos Campos Gerais atingiram um total superior

a 90 até meados do século XVIII. Tais pedidos, porém, não indicavam

necessária intenção dos sesmeiros em estabelecer residência fixa na região.

Isso se comprova pelo alto índice de absenteísmo dos sesmeiros que, não

residindo em suas terras, entregavam a administração aos "fazendeiros". As

sesmarias se diferenciavam pela extensão e localização, formando fazendas,

sítios e chãos urbanos. O recenseamento de 1772 indicou a existência de 50

grandes fazendas e 125 sítios na região dos Campos Gerais. Foi o gradativo

processo de partilha dessas sesmarias, por venda, herança e doação, que

contribuiu para a valorização da terra e fixação das populações campeiras. A

respeito da origem dos sesmeiros, as diferentes análises existentes permitem

concluir que tinham procedência múltipla - São Paulo, Santos, Paranaguá e

2 Em 1660, o governo do Rio de Janeiro criava a Capitania de Paranaguá, extinta em 1710, sendo incorporada à

Capitania de São Vicente e Santo Amaro, posteriormente Capitania de São Paulo. Devido à grande extensão, a

capitania foi dividida em duas comarcas, ficando ao sul com sede em Paranaguá; em 1812 a sede foi transferida para

Curitiba, denominando-se Comarca de Curitiba a Paranaguá. Emancipou-se pela Lei nº 704, de 29/08/1853, surgindo

assim a Província do Paraná (WACHOWICZ, 1972, p. 79-85).

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Curitiba - pertencendo a famílias ricas e poderosas desses locais. As

sesmarias eram concedidas pela Coroa portuguesa, através de seus

representantes na administração colonial. Impunha-se como condição para a

doação que o pretendente comprovasse dispor de cabedais. Sua concessão

conferia o direito de uso da terra, reforçando o prestígio e poder das famílias

proprietárias e ampliando as distinções sociais. 3

Um dos centros mais importante nos Campos Gerais do Século XVIII era a

Freguesia Collada do Tamanduá. Conforme José Carlos Veiga Lopez4 (2000, p. 163 e

164), a “fazenda do Tamanduá era inicialmente de propriedade do capitão Antônio Luiz

Lamim (Capitão Tigre), natural de Parnaíba, casado com Ana Rodrigues França. A

primeira capela foi construída em madeira pelos Frades Jesuítas, em 1709, executores

da vontade do capitão Tigre”. Raul Braz de Oliveira (2001, p. 25) complementa,

Antônio Tigre ganhou uma imagem de Nossa Senhora da Conceição do

Capitão João de Carvalho Pinto, que era neto de Antônio de Goes, esposa de

Mateus Leme, um dos povoadores de Curitiba, cuja imagem havia pertencido

à mesma e deixada em testemunho a seu filho Matheos, para que esse

construísse uma capela para essa imagem. [sic]

Ainda seguindo a construção histórica do Paraná, Tamanduá é desmembrado

da Freguesia de Curitiba, conforme o Livro Tombo nº 1, p. 3-A (1813) da Matriz do

Tamanduá, que consta:

Copia do Alvará pelo qual S. Alteza Real foi servido mandar desmenbrar esta

Freguezia da Villa de Coritiba. Eu o Princepe Regente de Portugal , e do

Mestrado , Cavallaria , e Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo Faço saber

que attendendo ao que Me representou o Reverendo Bispo de São Paulo , do

Meu Conselho sobre a necessidade , que havia de eregir-se em Freguezia

Collada a Capella de Tamanduá , desmembrando se este território de

Tamanduá da Freguezia de Coritiba , da qual se acha distante mais de dez

legoas , fazendo –Me vir os grandes encomodos , o que sofrião aquelles

habitantes , quando exigião da sua Igreja Matriz os socorros Espirituais , e

vistas as respostas dos Procuradores Geral das Ordens , e da Minha Real

Coroa , e Fasenda , que tudo subio a Minha Real Presença em Consulta do

Meu Tribunal da Meza da Consciência , e Ordens Hei por bem Erigir em

nova Freguezia Collada a Capella de Tamanduá , desmembrando a da

Freguezia da Coritiba .Este se cumprira sendo passado pela Chancellaria da

Ordem , e registrado no livro da Comarca do Bispado de São Paulo , e no de

3 DITZEL, Carmencita de Holleben Mello; LAMB, Roberto Edgar. Dicionário Histórico e Geográfico dos Campos

Gerais. Disponível em: < http://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/campos_gerais_ocupacao.htm >. Acesso em: 31 de

julho de 2013. 4Em sua obra ‘Raízes da Palmeira’, José Carlos Veiga Lopez faz uma investigação minuciosa da formação da

Freguesia de Palmeira com a transferência da Freguesia do Tamanduá desenvolvendo análise à partir dos testamentos

e inventários dos pioneiros das Freguesias de Tamanduá e Palmeira. Exemplo como do inventário do Padre Antônio

Duarte dos Passos datado de 1825 – disponível na 1º vara do cível de Curitiba (LOPEZ, 2000, p. 206).

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ambas as mencionadas Freguezias e valera como carta , posto que seu effeito

haja de durar mais de hum anno .Rio de Janeiro vinte de Março de mil oito

centos , e treze. [sic]

A Freguesia Collada do Tamanduá foi perdendo seu esplendor econômico e

social a partir de 1819, “um dos motivos foi a construção de uma outra estrada dos

tropeiros que não passava mais em Tamanduá” (MACEDO, 1940, p. 24) Um outro fator

que gerou a queda do esplendor econômico e social foi o próprio processo de

transferência da Freguesia de Tamanduá para o rincão de Palmeira, processo este, que

se deu através de uma disputa de interesses do clero religioso existente na Freguesia do

Tamanduá. Astrogildo de Freitas (1984, p. 13) discorre que a divergência estava entre o

vigário local, na pessoa do Padre Antônio Duarte dos Passos com o Prior dos Carmelitas

que possuíam um convento nos arredores da povoação do Tamanduá. Complementando

tal afirmação, consta-se no Livro Tombo nº 1, p. 10 (1818) de que os Carmelitas

solicitaram ao Bispado de São Paulo a apropriação da Capela Collada do Tamanduá:

D. Matheus de Abreu Pereira , lançado no livro das Pastorais ,( c ....) a folha

9 , em virtude do dito mandado foi entregue aos Religiosos do Carmo da

Cidade de São Paulo . a Seo Procurador Frei Joaquim de Santa Clara

ACapella de Tamanduá todos os ornamentos , e Alfaias constantes do

Inventario lançado neste livro a Folha 4 ( e de seguencia ) a folha 8 . [sic]

Após o mandato expresso do Bispado de D. Matheus de Abreu Pereira,

referente à apropriação e os bens da Capela do Tamanduá pelos Carmelitas, o Padre

Antônio Duarte dos Passos muda-se para a fazenda Palmeira, de propriedade do

Tenente Manoel José de Araújo, desobrigado de quaisquer compromissos religiosos

para com o Tamanduá. Eis que tomou início a construção da nova capela, com

autorização do Bispo de São Paulo, D. Matheus de Abreu Pereira, e, também, a sede da

nova localização que seria a Freguesia da Palmeira de Nossa Senhora da Conceição.

(FREITAS, 1984, p. 16). Conforme o Livro Tombo nº 1, p. 12 faz registro do termo de

concessão para a construção da Matriz de Palmeira em cinco de julho de 1820:

Aos que esta N. Provisam virem saúde , e benção em o Senhor fazemos saber

que attendendo Nos ao que por sua Petição representou o Padre Antonio

Duarte Passos Vigário Collado da Freguezia de Nossa Snra da Conceiçam de

Tamanduá deste Nosso Bispado .Havemos por bem pela prezente conceder-

lhe Faculdade para fazer erigir , fundar e edificar a sua Igreja Matriz com a

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Invocação de Nossa Senhora da Conceiçam no lugar da Palmeira ,com tanto

que seja o lugar decente , alto livre de humidades , desviado quanto possa ser

de lugares imundos , e sórdidos , e de cazas particulares , com âmbito

suficiente em roda para andarem as Procissoens , e por esta mesma lhe

Concedemos Com missão para assignalar o lugar , obeservando o que

determina a Constituição do Bispado .

E depois de acabada Senão poderâ nella celebrar a Missa sem nova Licença

para a qual precederâ informação sua da Capacidade da dita Igreja . Dada em

S. Paulo sob Nosso sinal , e sello das Nossas Armas ãos 5 de Julho de 1820

.E eu OPadre Fernando Lopes de Camargo Escrivão Ajudante da Camera de

Sua Excelência Reverendíssima. [sic]

Com a construção e instituição da capela na Freguesia de Palmeira de Nossa

Senhora da Conceição, dá-se o processo de transferência, inicialmente das primeiras

famílias de Tamanduá para Palmeira. Primeiramente pelo fator da nova estrada dos

tropeiros circundar os Campos Gerais e segundo pelo translado da Imagem de Nossa

Senhora da Conceição, legitimando a importância religiosa da nova freguesia, levando

toda a população do Tamanduá à migrarem para a Freguesia de Palmeira, ou até mesmo

à de Castro ou Curitiba, que eram Freguesias próximas e bem desenvolvidas.

Fontes

- Livro 1 e 2, batizados – Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira

- Livro 1, casamentos – Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira

- Livro 1, óbitos – Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Palmeira

- ARQUIVO DA CURIA METROPOLITANA DE SÃO PAULO - ACMSP. Arquivo

Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva.

- AUTOS DE INVENTÁRIO DO PADRE ANTÔNIO DUARTE DOS PASSOS, 1825

– Localizado na 1º vara do cível de Curitiba e cópia disponível no Museu Histórico Dr.

Astrogildo de Freitas.

Referências

12

ANDRADE, S. R. de. Devoções e santuários Marianos na História do Paraná.

Revista Angelus Novus – nº 3, p. 239-260, Mai, 2012.

AQUINO, M. de. Modernidade republicana e diocesanização: a criação de dioceses

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