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Colecção Ciência e Técnica da Democracia, n.º34 CÓDIGO DE BOA CONDUTA EM MATÉRIA ELEITORAL LINHAS ORIENTADORAS E RELATÓRIO EXPLICATIVO COMISSÃO EUROPEIA PARA A DEMOCRACIA ATRAVÉS DO DIREITO Publicação do Conselho da Europa

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Colecção Ciência e Técnica da Democracia, n.º34

CÓDIGO DE BOA CONDUTA EM MATÉRIA ELEITORAL

LINHAS ORIENTADORAS E RELATÓRIO EXPLICATIVO COMISSÃO EUROPEIA PARA A DEMOCRACIA ATRAVÉS DO DIREITO Publicação do Conselho da Europa

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Índice

Pág.

INTRODUÇÃO ...............................................................................................................4 LINHAS ORIENTADORAS EM MATÉRIA ELEITORAL adoptadas pela Comissão de Veneza aquando da sua 51ª. sessão plenária (Veneza, 5-6 de Julho de 2002) .......................................................................................5 RELATÓRIO EXPLICATIVO adoptado pela Comissão de Veneza aquando da sua 52.ª sessão plenária (Veneza, 18-19 de Outubro de 2002) ..............15 Observações gerais ........................................................................................................15 I. Princípios do património eleitoral europeu .................................................15 Introdução: os princípios e o seu fundamento jurídico ..............................15 1. Sufrágio universal...........................................................................................16 1.1. Regra e excepções ...........................................................................................16 1.2. Cadernos eleitorais .........................................................................................18 1.3. Apresentação das candidaturas.....................................................................19 2. Sufrágio igual ..................................................................................................20 2.1. Igualdade de contagem...................................................................................20 2.2. Igualdade da força eleitoral ...........................................................................20 2.3. Igualdade de oportunidades ..........................................................................21 2.4 Igualdade e minorias nacionais .....................................................................22 2.5. Igualdade e paridade dos sexos .....................................................................23 3. Sufrágio livre...................................................................................................23 3.1. Livre formação da vontade do eleitor...........................................................24 3.2. Livre expressão da vontade do eleitor e combate à fraude eleitoral..........24 3.2.1. Em geral ..........................................................................................................24 3.2.2. Procedimento de voto. ....................................................................................25 3.2.2.1. Voto por correspondência ou por procuração nalgumas circunstâncias ..26 3.2.2.2. Voto dos militares. ..........................................................................................26 3.2.2.3. Voto mecânico e electrónico...........................................................................27 3.2.2.4. Contagem.........................................................................................................27 3.2.2.5. Transferência dos resultados.........................................................................28

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4. Sufrágio secreto ..............................................................................................28 5. Sufrágio directo. .............................................................................................29 6. Periodicidade das eleições ..............................................................................29 II. Condições de aplicação dos princípios..........................................................29 1. Respeito pelos direitos fundamentais............................................................30 2. Níveis normativos e estabilidade do direito eleitoral...................................31 3. Garantias processuais. ...................................................................................31 3.1. Organização do escrutínio por um órgão imparcial ...................................32 3.2. Observação das eleições .................................................................................34 3.3. Existência de um sistema de recurso eficaz..................................................35 3.4. Organização e actividade das mesas de voto................................................38 3.5. Financiamento.................................................................................................38 3.6. Segurança ........................................................................................................39 Conclusão .......................................................................................................................39

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Introdução Em 8 de Novembro de 2001, a Comissão Permanente da Assembleia Parlamentar, agindo em nome da Assembleia, adoptou a Resolução 1264 (2001), através da qual convida a Comissão de Veneza a1:

i. Criar no seu seio um Grupo de Trabalho no qual participem representantes da Assembleia Parlamentar, do CPLRE e, eventualmente, de outras organizações com experiência na matéria, com o objectivo de reflectir regularmente sobre as questões eleitorais;

ii. Elaborar um Código de Boa Conduta em Matéria Eleitoral que possa, entre

outros, inspirar-se nas linhas orientadoras que constam do relatório explicativo em anexo que serviu de base à presente Resolução (Doc. 9267), tendo em conta que tal Código deva incluir normas que abrangem tanto os períodos pré-eleitoral e eleitoral, como o período imediatamente após a votação;

iii. Inventariar, na medida do possível, os princípios do património eleitoral

europeu coordenando, sistematizando e desenvolvendo as observações e as actividades em curso e em fase de projecto. A médio prazo, os dados recolhidos sobre as eleições na Europa deverão estar reunidos numa base de dados, analisados e divulgados por um grupo especializado.

As linhas orientadoras que se seguem concretizam os três aspectos desta Resolução. Foram adoptadas pelo Conselho das Eleições Democráticas – Grupo de Trabalho conjunto previsto pela Resolução da Assembleia Parlamentar – aquando da sua 2ª. reunião (3 de Julho de 2000) e, em seguida, pela Comissão de Veneza aquando da sua 51ª. sessão (5-6 de Julho de 2002); baseiam-se nos princípios do património eleitoral europeu; finalmente, e sobretudo, constituem o núcleo do Código de Boa Conduta em Matéria Eleitoral. O relatório explicativo desenvolve os princípios enunciados nas linhas orientadoras. Define-os e especifica-os, integrando quando necessário recomendações pormenorizadas. Foi adoptado pelo Conselho das Eleições Democráticas aquando da sua 3ª. reunião (16 de Outubro de 2002) e, em seguida, pela Comissão de Veneza aquando da sua 52ª. sessão (18-19 de Outubro de 2002). Tal como solicitado pela Resolução da Assembleia Parlamentar, o presente documento inspira-se nas linhas orientadoras que constam do relatório explicativo que esteve na base da Resolução da Assembleia (Doc. 9267). Inspira-se igualmente nos trabalhos conduzidos pela Comissão de Veneza no âmbito eleitoral, tal como resumidos no documento CDL (2002) 7.

1 Ponto 6; vide doc. 9267, relatório da Comissão das Questões Políticas: Relator: Sr.Clerfayt.

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LINHAS ORIENTADORAS

adoptadas pela Comissão aquando da sua 51ª. Sessão Plenária

(Veneza, 5-6 de Julho de 2002) I. Princípios do património eleitoral europeu Os cinco princípios do património eleitoral europeu são o sufrágio universal, igual, livre, secreto e directo. Além disso, as eleições devem ser periódicas. 1. Sufrágio universal 1.1. Regra e excepções O sufrágio universal significa em princípio que todo o ser humano tem direito de voto e é elegível. Contudo, este direito pode e deve estar sujeito a um determinado número de condições:

a. Idade: i. A capacidade cívica deve estar sujeita a uma idade mínima; ii. O direito de voto deve ser adquirido, o mais tardar, com a maioridade civil; iii. A elegibilidade deve, de preferência, ser adquirida na mesma idade do direito

de voto, em todo o caso até aos vinte cinco anos, ressalvando-se determinadas funções específicas (e.g., senador, chefe de Estado).

b. Nacionalidade: i. O requisito de nacionalidade pode ser previsto;

ii. Todavia, é desejável que, após um determinado período de duração de

residência, os estrangeiros possam exercer o seu direito de voto em eleições locais.

c. Residência: i. O requisito de residência pode ser imposto; ii. Neste caso, considera-se residência a residência habitual; iii. O período de duração de residência pode ser imposto aos cidadãos nacionais

unicamente para as eleições locais ou regionais;

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iv. Este período não deverá ultrapassar seis meses; um período mais alargado pode ser previsto apenas para garantir a protecção das minorias nacionais;

v. O direito de voto e de elegibilidade pode ser concedido aos cidadãos

residentes no estrangeiro. d. Privação do exercício do direito de voto e de elegibilidade: i. A privação do exercício do direito de voto e de elegibilidade pode ser prevista,

desde que submetida às seguintes condições cumulativas: ii. Deve estar prevista na lei; iii. Deve respeitar o princípio da proporcionalidade; a privação da elegibilidade

pode estar sujeita a condições menos estritas que a privação do direito de voto; iv. Deve ser fundamentada por interdição cujos motivos respeitem à saúde mental

ou a condenações por crimes graves; v. Além disso, a privação dos direitos políticos ou a interdição por motivos

relacionados com a saúde mental devem ser impostas por decisão específica de um tribunal.

1.2. Cadernos eleitorais Para que os cadernos eleitorais sejam credíveis, têm de ser criteriosamente preenchidas as seguintes condições:

i. Os cadernos eleitorais devem ser permanentes; ii. As actualizações devem ser feitas regularmente, pelo menos uma vez por ano.

Sempre que os eleitores não sejam inscritos de modo automático, ser-lhes-á dada a possibilidade de se inscreverem durante um período de tempo relativamente longo;

iii. Os cadernos eleitorais devem ser publicados; iv. Deve existir um processo administrativo – sujeito a controlo judicial –, ou um

processo judicial, que permita ao eleitor não registado inscrever-se; a inscrição não deve ser feita na mesa de voto no dia da eleição;

v. Um processo similar deve permitir ao eleitor alterar as inscrições incorrectas; vi. Um caderno suplementar permitirá que as pessoas que mudaram de residência

ou atingiram a idade do direito de voto após a publicação definitiva da lista exerçam o seu voto.

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1.3. Apresentação das candidaturas i. A apresentação de candidaturas individuais ou de listas de candidatos pode

estar sujeita à obtenção de um determinado número de assinaturas; ii. A lei não deverá exigir a assinatura de mais de 1% dos eleitores do círculo

eleitoral; iii. O processo de verificação das assinaturas deve obedecer a regras claras,

especialmente no tocante a prazos; iv. Esta operação deve abranger em princípio o conjunto das assinaturas; todavia,

sempre que o número suficiente de assinaturas seja confirmado, a verificação das outras assinaturas pode ser dispensada;

v. O processo de validação das candidaturas deve estar terminado no início da

campanha eleitoral; vi. Se for pedida uma caução, esta deve ser reembolsada quando o candidato ou o

partido ultrapassar um determinado número de sufrágios; o valor da caução e o número de sufrágios requeridos para o reembolso não devem ser excessivos.

2. Sufrágio igual

O sufrágio igual engloba:

2.1. Igual contagem de votos: cada eleitor dispõe em princípio de um voto; no caso de o

sistema eleitoral conceder aos eleitores mais de um voto, cada eleitor tem o mesmo número de votos.

2.2. Igual força eleitoral: os lugares devem ser distribuídos igualmente pelos círculos eleitorais; i. Deve aplicar-se em todo o caso às primeiras câmaras do Parlamento, às

eleições regionais e locais; ii. Implica uma distribuição igual e clara dos lugares, de acordo com um dos

seguintes critérios de distribuição: população, número de residentes nacionais (incluindo os menores), número de eleitores inscritos e, eventualmente, número de votantes; a combinação adequada destes critérios de distribuição pode ser prevista.

iii. O critério geográfico e as delimitações administrativas, até mesmo históricas,

poderão ser tidos em conta. iv. A diferença permitida na distribuição proporcional não poderá ir além dos

10% e, em caso algum, ultrapassar os 15%, excepto em circunstâncias

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especiais (protecção de uma minoria concentrada, entidade administrativa com fraca densidade de população);

v. Para garantir igual força eleitoral, uma nova distribuição dos lugares deve ter

lugar, pelo menos, de 10 em 10 anos e, de preferência, fora dos períodos eleitorais;

vi. No tocante aos círculos eleitorais plurinominais, a nova distribuição far-se-á

de preferência sem redivisão dos círculos eleitorais; os círculos eleitorais corresponderão, se possível, a entidades administrativas.

vii. Quando uma nova divisão for prevista – o que se impõe num sistema

uninominal –, esta deve: - ser imparcial; - não desfavorecer as minorias nacionais; - ter em conta o parecer expresso por uma Comissão, cujos membros

sejam, na sua maioria, membros independentes; esta Comissão deverá incluir, de preferência, um geógrafo, um sociólogo, uma representação equilibrada dos partidos e, se for caso disso, representantes das minorias nacionais.

2.3. Igualdade de oportunidades

a. A igualdade de oportunidades deve ser garantida entre os partidos e os

candidatos. Implica a neutralidade das autoridades públicas, em particular no que concerne:

i. À campanha eleitoral; ii. À cobertura pelos órgãos de comunicação social, em especial públicos; iii. Ao financiamento público dos partidos e das campanhas. b. De acordo com as matérias, a igualdade pode ser estrita ou proporcional. Se

for estrita, os partidos políticos são tratados sem que a sua importância actual no seio do Parlamento ou do eleitorado seja tida em conta. Se for proporcional, os partidos políticos devem ser tratados em função dos seus resultados eleitorais. A igualdade de oportunidades diz respeito especialmente ao tempo de antena na rádio e na televisão, às contribuições públicas e às outras formas de apoio.

c. Em conformidade com o respeito pela liberdade de expressão, a lei deve

prever que os meios de comunicação audiovisuais privados garantam um acesso mínimo em matéria de campanha eleitoral e de publicidade aos vários participantes nas eleições.

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d. O financiamento dos partidos, dos candidatos e das campanhas eleitorais deve

ser transparente.

e. O princípio da igualdade de oportunidades pode, em certos casos, impôr um limite das despesas dos partidos, em especial no domínio da publicidade.

2.4. Igualdade e minorias nacionais

a. Os partidos que representem as minorias nacionais devem estar autorizados. b. Não é contrária, em princípio, à igualdade de sufrágio a adopção de regras

específicas que garantam às minorias nacionais os lugares reservados ou que prevejam uma excepção às regras normais de atribuição dos lugares (por exemplo, a supressão do quórum) para os partidos de minorias nacionais.

c. Os candidatos e os eleitores não devem ser obrigados a indicar a sua pertença

a uma minoria nacional. 2.5. Igualdade e paridade dos sexos As regras jurídicas que imponham uma percentagem mínima de pessoas de cada sexo dentre os candidatos não deverão ser consideradas contrárias à igualdade do sufrágio, se tiverem uma base constitucional. 3. Sufrágio livre 3.1. Livre formação da vontade do eleitor

a. As autoridades públicas devem respeitar a neutralidade, em particular no que se refere:

i. Aos órgãos de comunicação social; ii. À afixação; iii. Ao direito de manifestação na via pública; iv. Ao financiamento dos partidos e dos candidatos. b. As autoridades públicas têm obrigações positivas e devem, inter alia: i. Submeter as candidaturas apresentadas aos eleitores;

ii. Dar a conhecer ao eleitor as listas e os candidatos que se apresentem às

eleições, por exemplo, através de editais apropriados;

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iii. A informação referida nos pontos anteriores deve igualmente ser acessível nas línguas das minorias nacionais.

c. As violações do dever de neutralidade e da livre formação da vontade do

eleitor devem ser passíveis de sanções. 3.2. Livre expressão da vontade do eleitor e combate à fraude eleitoral

i. O processo de votação deve ser simples;

ii. Os eleitores devem ter sempre a possibilidade de votar em qualquer secção de voto; outras modalidades de votação são admitidas nas seguintes condições:

iii. O voto por correspondência apenas deve ser admitido se o serviço postal for

seguro e fiável; pode restringir-se às pessoas hospitalizadas, aos presos, às pessoas com mobilidade reduzida e aos eleitores que residam no estrangeiro; a fraude e a intimidação não devem ser possíveis;

iv. O voto electrónico apenas deve ser admitido quando for seguro e fiável; o

eleitor deve, em particular, obter a confirmação do seu voto e corrigi-lo, se necessário, respeitando o sufrágio secreto; a transparência do sistema deve ser garantida;

v. O voto por procuração apenas pode ser autorizado se for sujeito a regras muito

estritas; o número de procurações que um eleitor possui deve ser limitado; vi. O recurso à urna móvel só deve ser admitido sob condições estritas, que

permitam evitar a fraude;

vii. Pelo menos dois critérios devem ser utilizados para avaliar a exactidão da votação: o número de eleitores que participaram na votação e o número de boletins introduzidos na urna;

viii. Os boletins não devem ser manipulados ou anotados pelos membros da mesa

de voto;

ix. Os boletins não utilizados devem permanecer na mesa de voto; x. As mesas de voto devem incluir os membros que representem vários partidos

e os observadores designados pelos candidatos devem poder assistir às eleições;

xi. Os militares devem votar no local da sua residência sempre que possível; caso

contrário, é desejável que estejam inscritos nas mesas de voto próximas dos respectivos quartéis;

xii. A contagem deverá ter lugar de preferência nas mesas de voto;

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xiii. A contagem deve ser transparente; a presença de observadores, de

representantes dos candidatos e de órgãos de comunicação social deve ser admitida; as actas devem estar acessíveis a estas pessoas;

xiv. A transmissão dos resultados a nível superior deve realizar-se de forma

transparente;

xv. O Estado deve punir qualquer fraude eleitoral. 4. Sufrágio secreto

a. O segredo do voto não só é um direito mas também um dever do eleitor, que deve ser passível de sanções pela nulidade dos boletins cujo conteúdo tenha sido revelado.

b. O voto deve ser individual. O voto familiar e qualquer outra forma de controlo

de um eleitor sobre o voto de outrem devem ser proibidos.

c. A lista dos votantes não deve ser tornada pública.

d. A violação do segredo do voto deve ser passível de sanções. 5. Sufrágio directo Devem ser eleitos por sufrágio directo:

i. Pelo menos uma Câmara do Parlamento nacional; ii. Os órgãos legislativos infra-nacionais; iii. As Assembleias locais.

6. Periodicidade das eleições As eleições devem realizar-se periodicamente; o mandato das Assembleias legislativas não deve ultrapassar cinco anos. II. Condições de aplicação dos princípios 1. Respeito pelos direitos fundamentais

a. As eleições democráticas não são possíveis sem o respeito pelos direitos do Homem, em especial pela liberdade de expressão e de imprensa, pela liberdade de circulação no interior do país, bem como pela liberdade de

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reunião e de associação para fins políticos, incluindo a criação de partidos políticos.

b. As restrições a estas liberdades devem respeitar os princípios baseados na lei,

do interesse público e da proporcionalidade. 2. Níveis normativos e estabilidade do direito eleitoral

a. Exceptuando as regras técnicas e de pormenor – que podem ter um carácter regulamentar –, as regras do direito eleitoral devem ter pelo menos um estatuto legislativo.

b. Os elementos fundamentais do direito eleitoral, e em particular o próprio

sistema eleitoral, a composição das comissões eleitorais e a divisão dos círculos eleitorais não deverão ser alterados menos de um ano antes de uma eleição, ou deverão ser tratados a nível constitucional ou a um nível superior ao da lei ordinária.

3. Garantias processuais 3.1. Organização do escrutínio por um órgão imparcial

a. Um órgão imparcial deve ser competente para a aplicação do direito eleitoral. b. Na ausência de uma longa tradição de independência da administração face ao

poder político, devem ser criadas comissões eleitorais independentes e imparciais desde o nível nacional ao nível da mesa de voto.

c. A Comissão eleitoral central deve ser permanente. d. A Comissão eleitoral central deverá incluir: i. Pelo menos um magistrado; ii. Delegados dos partidos já representados no Parlamento ou que obtiverem pelo

menos um determinado número de sufrágios; estas pessoas devem ser competentes em matéria eleitoral.

Pode abranger:

iii. Um representante do Ministério da Administração Interna;

iv. Representantes das minorias nacionais.

e. Os partidos políticos devem ser representados de forma igual nas comissões

eleitorais ou devem poder observar o trabalho do órgão imparcial. A igualdade pode ser entendida de forma estrita ou proporcional (vide ponto I.2.3.b).

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f. Os membros das comissões eleitorais não devem poder ser destituídos pelos

órgãos que os nomearam.

g. Os membros das comissões eleitorais devem receber uma formação estandardizada.

h. É desejável que as decisões das comissões eleitorais sejam tomadas por

maioria qualificada ou por consenso. 3.2. Observação das eleições

a. A oportunidade de os observadores, nacionais e internacionais, participarem na observação de eleições, deve ser tão ampla quanto possível.

b. A observação não deve limitar-se ao dia da eleição, mas incluir o período de

registo dos candidatos e, se for caso disso, dos eleitores, bem como a campanha eleitoral. Deve permitir determinar se as irregularidades ocorreram antes, durante ou depois das eleições. Tal deve ser possível durante o apuramento dos votos.

c. Os locais onde os observadores não podem estar presentes devem vir

claramente especificados na lei. d. A observação deve abranger o respeito por parte das autoridades do respectivo

dever de neutralidade. 3.3. Existência de um sistema de recurso eficaz

a. A instância para recorrer dos assuntos eleitorais deve ser, ou uma comissão eleitoral, ou um tribunal. Relativamente às eleições do Parlamento, um recurso interposto para o Parlamento pode ser decidido em primeira instância. Um recurso interposto em última instância deve ser possível, em qualquer dos casos.

b. O processo deve ser simples e sem formalismos, em especial no que se refere

à admissibilidade dos recursos.

c. As disposições em matéria de recurso, e especialmente de competências e de responsabilidades das várias instâncias, devem ser claramente regulamentadas pela lei, a fim de evitar qualquer conflito de competências positivo ou negativo. Nem os requerentes, nem as autoridades devem poder escolher a instância de recurso.

d. A instância de recurso deve ser competente especialmente no que concerne ao

direito de voto – incluindo os cadernos eleitorais – e à elegibilidade, à

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validade das candidaturas, ao respeito pelas regras da campanha eleitoral e ao resultado do escrutínio.

e. A instância de recurso poderá anular o escrutínio quando se verifique que uma

irregularidade influenciou o resultado. Deve ser possível a anulação de toda a eleição ou simplesmente dos resultados do círculo eleitoral ou de uma mesa de voto. Em caso de anulação, um novo escrutínio realizar-se-á no território onde a eleição foi anulada.

f. Qualquer candidato e eleitor do círculo eleitoral têm legitimidade para

recorrer. Um quórum razoável pode ser imposto para os recursos dos eleitores relativos aos resultados das eleições.

g. O prazo de recurso e o prazo de decisão relativa a um recurso devem ser

curtos (três a cinco dias em primeira instância). h. O direito dos requerentes ao contraditório deve ser salvaguardado. i. Quando as comissões eleitorais superiores sejam instâncias de recurso, devem

poder rectificar ou anular ex officio as decisões proferidas pelas comissões inferiores.

4. Sistema eleitoral Sem prejuízo do respeito dos princípios supra, a escolha do sistema eleitoral é livre.

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RELATÓRIO EXPLICATIVO

adoptado pela Comissão aquando da sua 52ª. sessão plenária

(Veneza, 18-19 de Outubro de 2002) Observações gerais 1. Conjuntamente com os direitos do Homem e o primado do direito, a democracia constitui um dos três pilares do património constitucional europeu, assim como do Conselho da Europa. A democracia é inconcebível sem eleições assentes num determinado número de princípios que permitam considerá-las democráticas. 2. Estes princípios representam um aspecto específico do património constitucional europeu que pode ser legitimamente intitulado “Património Eleitoral Europeu”. O património eleitoral europeu engloba duas vertentes: por um lado, o respectivo núcleo duro, nomeadamente os princípios constitucionais do direito eleitoral, tais como o sufrágio universal, igual, livre, secreto e directo; por outro lado, as eleições, consideradas verdadeiramente democráticas se realizadas em conformidade com determinadas condições-quadro de um Estado democrático baseado no primado do direito, tais como os direitos fundamentais, a estabilidade do direito eleitoral e as garantias processuais efectivas. Por conseguinte, o texto que segue – bem como as linhas orientadoras que antecedem – inclui duas partes, a primeira consagrada à definição e às implicações concretas dos princípios do património eleitoral europeu, e a segunda às condições necessárias para a aplicação destes princípios. I. Princípios do património eleitoral europeu

Introdução: os princípios e o seu fundamento jurídico 3. As eleições submetidas aos princípios comuns do património constitucional europeu, que são o fundamento de uma sociedade verdadeiramente democrática, implicam o respeito pelas seguintes regras fundamentais: o sufrágio deve ser universal, igual, livre, secreto e directo. Além disso, as eleições devem ser periódicas. O conjunto destes princípios constitui o património eleitoral europeu. 4. Embora estes princípios apresentem um carácter clássico, a sua aplicação coloca diversas questões que devem ser examinadas atentamente. Importa identificar o núcleo duro de tais princípios, do qual os Estados europeus não deverão afastar-se. 5. O núcleo duro do património eleitoral europeu é constituído principalmente por normas internacionais. Ao nível universal, trata-se do artigo 25º. (b) do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, que prevê expressamente o conjunto dos princípios, excepto o sufrágio directo que daí resulta implicitamente2. Ao nível europeu, a norma comum é o artigo 3º. do Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do 2 Vide artigo 21º. da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

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Homem, que proclama expressamente o direito às eleições periódicas através do sufrágio3 livre e secreto; os outros princípios foram reconhecidos como resultantes da jurisprudência4. O direito às eleições directas foi igualmente aceite pelo Tribunal de Estrasburgo, pelo menos de forma implícita5. Contudo, os princípios constitucionais comuns ao continente não constam só nos textos internacionais, mas também são muitas vezes referidos em pormenor nas Constituições nacionais6. A existência de legislações e práticas nacionais convergentes permite determinar com maior precisão o conteúdo destas Constituições. 1. Sufrágio universal 1.1. Regra e excepções 6. O sufrágio universal engloba tanto a capacidade cívica activa (direito de voto), como a capacidade cívica passiva (elegibilidade). O direito de voto e a elegibilidade podem ser sujeitos a um determinado número de condições a seguir discriminadas de forma limitativa. As mais usuais são a idade e a nacionalidade.

a. Uma idade mínima impõe-se para o direito de voto e de elegibilidade; todavia, a maioridade civil, da qual resultam não apenas direitos mas também obrigações no domínio civil, deve pelo menos conceder o direito de voto. Quanto à elegibilidade, é concebível prever uma idade superior; sem prejuízo do exercício de funções particulares cuja natureza se liga a uma determinada idade (por exemplo, senador, chefe de Estado), não deverá ser ultrapassada a idade de 25 anos.

b. A maior parte das legislações prevêem o requisito de nacionalidade. Todavia,

observa-se uma certa evolução no sentido de atribuir aos estrangeiros estabelecidos direitos políticos ao nível local, nos termos da Convenção do Conselho da Europa sobre a Participação dos Estrangeiros na Vida Pública a

3 Artigo 3º. - Direito a eleições livres: «As Altas Partes Contratantes obrigam-se a organizar, com intervalos razoáveis, eleições livres por escrutínio secreto, em condições que assegurem a livre expressão da opinião do povo na eleição do órgão legislativo.» 4 No que diz respeito à universalidade, vide, por exemplo TEDH, n° 9267/81, acórdão Mathieu-Mohin e Clerfayt c. Bélgica, 2 de Março de 1987, série A, n° 113, p. 23; acórdão Gitonas e outros c. Grécia, 1 de Julho de 1997, n° 18747/91, 19376/92, 19379/92, 28208/95 e 27755/95, in Recolha dos acórdãos e décisões 1997-IV, p. 1233; no que diz respeito à igualdade, vide, por exemplo, o acórdão Mathieu-Mohin e Clerfayt supracitado, p. 23. 5 TEDH, N° 24833/94, acórdão Matthews c. Reino-Unido, 18 de Fevereiro de 1999, in Recolha de acórdãos e decisões 1999-I, ponto 64. 6 Vide, por exemplo o artigo 38.1 da Constituição alemã; os artigos 68.1 e 69.2 da Constituição espanhola; o artigo 59.1 da Constituição romena.

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Nível Local7. Daí que seja recomendado conceder o direito de voto ao nível local após um determinado período de residência. Além disso, a integração europeia levou à atribuição do direito de voto e de elegibilidade aos cidadãos europeus relativamente às eleições municipais e ao Parlamento Europeu no Estado membro onde residem8. Por outro lado, o critério da nacionalidade pode suscitar problemas no caso de um Estado se recusar a conceder a cidadania a pessoas que aí residam há várias gerações, com base por exemplo em considerações linguísticas. Além disso, as pessoas binacionais devem, ao abrigo da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade9, gozar dos mesmos direitos eleitorais que os outros nacionais10.

c. Em terceiro lugar, as condições de residência podem ser impostas tanto em

matéria de direito de voto como de elegibilidade11; neste caso, a residência é entendida como sendo a residência habitual. Para as eleições locais e regionais, a exigência de um certo período de residência não parece ser incompatível a priori com o princípio do sufrágio universal, desde que aquele período não exceda alguns meses; um prazo mais alargado só pode ser aceite para a protecção de minorias nacionais12. Em contrapartida, diversos Estados concedem o direito de voto, até mesmo a elegibilidade, aos seus nacionais residentes no estrangeiro. Esta prática pode revelar-se abusiva nalgumas situações particulares, quando, por exemplo, a nacionalidade é concedida com base na etnia. A inscrição pode ser efectuada na localidade onde o eleitor possui uma residência secundária, se esta for regular e aparecer, por exemplo, através do pagamento de uma contribuição fiscal local; evidentemente, o eleitor não deve estar inscrito no local onde possui a sua residência principal. A liberdade de circulação dos cidadãos no interior do país e o direito de aí penetrar em qualquer altura são direitos fundamentais necessários para as verdadeiras eleições democráticas13. Se as pessoas, em casos excepcionais, forem deslocadas contra a sua vontade, importa dar-lhes a título transitório a possibilidade de serem consideradas como se estivessem a residir na sua antiga residência.

7 STE 144. 8 Artigo 19º. do Tratado que institui a Comunidade Europeia. 9 STE 166, artigo 17º. 10 A CEDH não vai tão longe: CEDH, n° 28858/95, Dez. c. 25.11.96, Gantchev c. Bulgária, D.R. 87 p. 130. 11 Vide, mais recentemente, TEDH, N° 31981/96, Dez. 7.9.99, Hilbe c. Liechtenstein. 12 TEDH, N° 23450/94, Dez. 15.9.97, Polacco e Garofalo c. Itália (sur le Trentin-Haut-Adige). 13 Vide cap. II.1. a seguir.

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d. Finalmente, podem ser previstas algumas cláusulas de privação dos direitos políticos. Contudo, estas cláusulas devem preencher as usuais condições restritivas de direitos fundamentais, ou seja14:

- estar previstas na lei; - respeitar o princípio da proporcionalidade;

- - estar fundamentadas por interdição cujos motivos respeitem à saúde

mental ou a condenações penais por crimes graves.

Além disso, a privação dos direitos políticos só deve ser imposta por decisão expressa proferida por um tribunal. Contudo, em caso de interdição por motivos relacionados com a saúde mental, semelhante decisão pode incidir sobre a interdição e implicar ipso jure a privação dos direitos cívicos.

A privação da elegibilidade pode estar sujeita a condições menos estritas que a privação do direito de voto, dado que está em causa o exercício de uma função pública, podendo tornar-se legítimo o afastamento de pessoas cujas actividades em tais cargos possam ser prejudiciais a um grande interesse público. 1.2. Cadernos eleitorais 7. A manutenção correcta dos cadernos eleitorais é essencial para a garantia do

sufrágio universal. Todavia, é admissível que o eleitor não seja automaticamente inscrito nos cadernos, mas somente a seu pedido. Na prática, verifica-se por vezes que os cadernos eleitorais estão incorrectos, o que dá origem a protestos. A falta de hábito por parte das autoridades, a mobilidade das populações e o pouco interesse da maioria dos cidadãos em consultar os cadernos eleitorais quando colocados à sua disposição dificultam a elaboração dos mesmos. Devem estar reunidas determinadas condições para que os cadernos sejam credíveis:

i. O carácter permanente dos cadernos eleitorais. ii. As actualizações regulares, pelo menos uma vez por ano, de modo a que as

autoridades municipais (locais) realizem anualmente na mesma época as tarefas de actualização. Sempre que a inscrição dos eleitores não for automática, dever-se-á facultar-lhes a sua efectivação num prazo relativamente longo.

iii. Os cadernos eleitorais devem ser publicados. A actualização definitiva deverá

ser enviada a uma administração superior sob o controlo de um órgão imparcial responsável pela aplicação do direito eleitoral.

14 Vide, por exemplo, TEDH, n° 26772/95, acórdão Labita c. Itália, 6 de Abril de 2002, pontos 201 ss.

19

iv. Deverá existir um processo administrativo – sujeito a controlo judicial – ou

um processo judicial, que permita que os eleitores não inscritos efectuem a sua inscrição. Nalguns países, a data da inscrição no caderno suplementar pode ser, por exemplo, 15 dias antes da eleição ou mesmo o próprio dia da eleição. Esta última possibilidade, embora denote um espírito muito aberto, implica que o tribunal se reúna no dia da eleição e não corresponde às necessidades de organização sobre as quais assentam as democracias. Em todo o caso, não deve ser permitida a inscrição dos eleitores na secção de voto no próprio dia das eleições.

v. Além disso, as incorrecções nos cadernos eleitorais provêm tanto de inscrições

indevidas como da falta de inscrição de alguns eleitores. Um processo semelhante ao referido na alínea anterior deverá permitir aos eleitores corrigirem as inscrições erradas. A capacidade para pedir a rectificação pode ser reservada aos eleitores do mesmo círculo eleitoral ou da mesma secção de voto.

vi. Um caderno suplementar pode permitir que as pessoas que mudaram de

residência ou que atingiram a idade de votar após a publicação definitiva da lista, exerçam o seu direito de voto.

1.3. Apresentação das candidaturas 8. A obrigação de recolher um determinado número de assinaturas, para a

apresentação de uma candidatura, é teoricamente compatível com o princípio do sufrágio universal. A prática revela que todos os partidos, que não sejam partidos “fantasma”, obtêm facilmente o número de assinaturas requeridas, desde que os regulamentos pertinentes não sejam utilizados para impedir os candidatos de se apresentarem. Para evitar tais manipulações, é desejável que a lei não exija a assinatura de mais de 1% dos eleitores15. O processo de verificação de assinaturas deve obedecer a regras claras, especialmente no que se refere às autoridades responsáveis, aos prazos, e deve incidir globalmente sobre toda a lista mais do que sobre uma amostra16; contudo, quando se confirma sem margem para dúvidas que um número suficiente de assinaturas foi obtido, as outras assinaturas não necessitam de verificação. Em qualquer dos casos, a validação das candidaturas deve estar terminada no início da campanha eleitoral, dado que as validações tardias colocam em desvantagem os partidos e os candidatos na campanha.

9. Um outro procedimento consiste no pagamento de uma caução que só é

reembolsada se o candidato ou o partido em causa ultrapassar uma certa percentagem dos sufrágios. Este método parece mais eficaz do que a recolha de

15 CDL (99) 66, p. 9. 16 CDL-INF (2000) 17, pp. 4-5; CDL (99) 67, pp. 7-8.

20

assinaturas. Todavia, o valor da caução e o número de sufrágios requeridos para o reembolso não devem ser excessivos.

2. Sufrágio igual 10. A igualdade em matéria eleitoral engloba vários aspectos. Alguns dizem respeito à

igualdade de sufrágio, um valor partilhado por todo o continente, enquanto outros vão além deste conceito e não podem ser considerados o reflexo de uma norma geral. Em todo o caso, os princípios que devem ser respeitados são a igualdade de contagem, a igualdade da força eleitoral e a igualdade de oportunidades. Por outro lado, a igualdade dos resultados, por exemplo, através da representação proporcional dos partidos ou dos sexos, não pode ser imposta.

2.1. Igualdade de contagem 11. A igualdade de contagem implica normalmente o direito de cada eleitor a um voto,

e apenas um. O voto múltiplo, uma irregularidade que se verifica com frequência nas novas democracias, é evidentemente proibido – ao permitir que um eleitor vote diversas vezes no mesmo local ou vote simultaneamente em vários locais diferentes, por exemplo, no local da sua residência e no da sua anterior residência.

12. Nalguns sistemas eleitorais, o eleitor tem no entanto mais do que um voto. Por

exemplo, num sistema que permita o “panachage17” o eleitor pode dispor de um voto por cada lugar a eleger; ou ainda de um voto duplo expresso num círculo eleitoral de menor dimensão e num círculo eleitoral maior; esta forma de voto é frequentemente prevista em sistemas que combinam um sistema maioritário uninominal e a representação proporcional ao nível nacional ou regional18. Nesse caso, a igualdade de contagem implica que cada eleitor tenha o mesmo número de votos.

2.2. Igualdade da força eleitoral 13. A igualdade da força eleitoral implica que, se a eleição não se realizar num círculo

eleitoral unitário, a divisão do território deva ser organizada em moldes tais que os lugares das primeiras câmaras, representativas do povo, sejam distribuídos por igual entre estes círculos eleitorais, segundo um critério de distribuição determinado que pode ser o número de residentes do círculo eleitoral, o número de residentes nacionais (incluindo os menores), o número de eleitores inscritos, eventualmente o número de votantes. A combinação adequada destes critérios de distribuição também pode ser prevista. As mesmas regras aplicam-se às eleições regionais e locais. Quando este princípio não é respeitado, fala-se de geometria eleitoral. A geometria eleitoral é activa quando a distribuição dos lugares leva a desigualdades

17 N.T.: Trata-se da lista aberta, na qual o eleitor pode alterar a ordem dos candidatos, incluir nomes existentes noutras

listas e introduzir novos nomes. 18 Vide, por exemplo, artigo 64º. da Constituição albanesa, artigo 1º. da lei federal eleitoral alemã.

21

de representação desde a sua primeira aplicação; é passiva quando a desigualdade resulta de uma distribuição territorial dos lugares inalterada durante muito tempo. Um outro tipo de manipulação, o gerrymandering19, pode ocorrer em sistemas que não sejam perfeitamente proporcionais, como os sistemas de escrutínio maioritário; este procedimento consiste em dividir os círculos eleitorais de modo artificial, com vantagem para um determinado partido.

14. A divisão dos círculos eleitorais pode igualmente ser fixada com base no critério

geográfico e nas delimitações administrativas, até mesmo históricas, dependentes por vezes de factores geográficos.

15. A diferença permitida na distribuição proporcional adoptada deriva de cada

situação; não deve ir além dos 10% e em caso algum exceder 15%, salvo em circunstâncias especiais (unidade administrativa com fraca densidade populacional mas cuja importância iguala a de outras unidades representadas pelo menos por um deputado; presença de uma minoria nacional concentrada20).

16. A fim de evitar uma geometria eleitoral passiva, haverá lugar a uma nova

distribuição pelo menos de dez em dez anos e, de preferência, fora dos períodos eleitorais, o que diminui os riscos de manipulações políticas21.

17. Nos círculos eleitorais plurinominais, a geometria eleitoral pode ser facilmente

evitada através de uma atribuição regular dos lugares aos círculos eleitorais em conformidade com os critérios de distribuição adoptados. Os círculos eleitorais devem então corresponder às entidades administrativas, não sendo desejável uma redistribuição. No caso do sistema maioritário uninominal, uma nova distribuição de lugares implica uma nova divisão dos círculos eleitorais. As incidências políticas resultantes da divisão dos círculos eleitorais são relevantes, sendo por isso fundamental que uma tal divisão não seja partidária e não desfavoreça as minorias nacionais. As democracias antigas lidam com esta questão de múltiplas formas e com diferentes abordagens. As novas democracias devem adoptar critérios simples e procedimentos de fácil aplicação. A melhor solução será, em primeiro lugar, a de submeter a questão a uma Comissão constituída por uma maioria de membros independentes e, de preferência, por um geógrafo, um sociólogo, uma representação equilibrada dos partidos e ainda, se for caso disso, por representantes de minorias nacionais. O Parlamento deverá então decidir com base nas propostas da Comissão, havendo possibilidade de um único recurso.

2.3. Igualdade de oportunidades

19 N.T.: Divisão territorial arbitrária. 20 Vide CDL (98) 45, p. 3 ; CDL (99) 51, p. 8 ; CDL (2000) 2, p. 5; CDL-AD (2002) 9, par. 22. 21 CDL-AD (2002) 9, par. 23.

22

18. A igualdade de oportunidades deve ser assegurada entre os partidos e os candidatos e fomentar a imparcialidade do Estado na aplicação uniforme de uma lei igual para todos. A neutralidade diz respeito, em particular, à campanha eleitoral e à cobertura através dos meios de comunicação social, sobretudo públicos, bem como ao financiamento público dos partidos e das campanhas. Significa isto que há duas interpretações possíveis de igualdade: uma igualdade «estrita» e uma igualdade «proporcional». A primeira significa que os partidos políticos são tratados sem que a sua importância actual no seio do Parlamento ou do eleitorado seja tida em conta; deve aplicar-se à utilização de infra-estruturas para fins de propaganda (afixação de editais, serviço postal e similares, manifestações na via pública, disponibilização de salas de reunião públicas). A segunda implica que os partidos políticos sejam tratados em função do número de votos. A igualdade de oportunidades (estrita e/ou proporcional) reporta-se especialmente ao tempo de antena na rádio e na televisão, às contribuições públicas e a outras formas de apoio. Algumas medidas de apoio podem ser submetidas a uma igualdade, em parte estrita e em parte proporcional.

19. O objectivo fundamental é que as principais forças políticas sejam capazes de

expressar a sua opinião através dos órgãos de comunicação social do país e que todas as forças políticas possam organizar reuniões, incluindo na via pública, distribuir panfletos, e exercer o seu direito de afixar cartazes. Com o devido respeito pela liberdade de expressão, todos estes direitos têm de estar claramente regulamentados, devendo o seu incumprimento, por parte quer das autoridades quer dos participantes na campanha, ser objecto de sanções adequadas. A possibilidade de recorrer rapidamente deverá permitir remediar semelhantes violações antes das eleições. Mas o facto é que a incapacidade dos meios de comunicação social para prestar informação imparcial sobre a campanha eleitoral e os candidatos é um dos problemas mais frequentes durante as eleições. É da maior importância a elaboração de uma lista dos meios de comunicação social em cada país e zelar por que os candidatos ou partidos beneficiem de um tempo de antena ou de espaços publicitários suficientemente equilibrados, inclusivamente nas rádios e televisões do Estado.

20. Em conformidade com a liberdade de expressão, devem ser tomadas providências

legais para garantir aos participantes nas eleições o acesso mínimo aos meios de comunicação social audiovisuais privados em matéria de campanha eleitoral e de publicidade.

21. A questão do financiamento, em particular a necessidade de este ser transparente,

será considerada mais adiante22. As despesas dos partidos políticos, nomeadamente as da publicidade, podem igualmente ser limitadas, a fim de assegurar a igualdade de oportunidades.

2.4. Igualdade e minorias nacionais

22 Vide cap. II.3.5. a seguir.

23

22. De harmonia com os princípios do direito internacional, o direito eleitoral deve garantir a igualdade em relação às pessoas pertencentes a minorias nacionais, o que implica a proibição de qualquer discriminação a seu respeito23. Os partidos políticos das minorias nacionais devem estar autorizados24. A divisão dos círculos eleitorais ou as regras sobre o quórum não devem erguer obstáculos à presença de pessoas pertencentes a minorias no órgão eleito.

23. Algumas medidas tomadas para assegurar uma representação mínima das minorias,

como seja a reserva25 de lugares ou as excepções às regras normais de atribuição dos lugares, como por exemplo a supressão de quórum para os partidos de minorias nacionais26, não infringem o princípio da igualdade. Pode igualmente ser previsto para as pessoas de minorias nacionais o direito de votar simultaneamente nas listas gerais e nas listas de minorias nacionais. Contudo, nem os candidatos nem os eleitores devem ser obrigados a indicar a sua pertença a uma minoria nacional27 28.

2.5. Igualdade e paridade dos sexos 24. Quando existir uma base constitucional específica29, podem ser adoptadas regras

que garantam um equilíbrio entre os dois sexos nos órgãos eleitos, até mesmo uma representação paritária. Na ausência de uma base constitucional, estas disposições podem ser consideradas contrárias ao princípio de igualdade e de liberdade de associação.

25. Além disso, o impacto destas regras depende do sistema eleitoral. Num sistema de

listas bloqueadas, a paridade é imposta quando o número de homens e mulheres elegíveis é o mesmo. Contudo, quando são possíveis o voto preferencial ou o “panachage”, a escolha dos eleitores não recai necessariamente sobre os candidatos de ambos os sexos, o que pode originar uma composição desequilibrada do órgão eleito, expressa pela vontade dos eleitores.

3. Sufrágio livre 23 Art. 4.1 da Convenção-Quadro para a Protecção das Minorias Nacionais (STE 157). 24 Sobre a proibição dos partidos políticos e medidas análogas, ver CDL-INF (2000) 1. 25 Caso da Eslovénia e Croácia. 26 Caso da Alemanha e da Polónia. O direito romeno prevê mesmo a representação das organizações das minorias que obtiveram um número de sufrágios igual a 5% do número médio de sufrágios expressos validamente em todo o país para a eleição de um deputado. 27 Artigo 3º. da Convenção-Quadro para a Protecção das Minorias Nacionais. 28 Sobre o direito eleitoral e minorias nacionais, vide CDL-INF (2000) 4. 29 Vide por ex. o art. 3.2. da Constituição Francesa, cfr. o acórdão de 18 de Nov. de 1982, Recolha de decisões do Conselho Constitucional, 1982, pág. 66 e seguintes.

24

26. O sufrágio livre engloba dois aspectos diferentes: a livre formação da vontade do eleitor e a livre expressão das suas opções, isto é, a liberdade de votação e a realidade dos resultados proclamados.

3.1. Livre formação da vontade do eleitor

a. A livre formação da vontade do eleitor entrecruza-se num certo sentido com a igualdade de oportunidades. Implica que o Estado – e as autoridades públicas em geral – observe o seu dever de neutralidade, particularmente no que se refere ao uso dos meios de comunicação social, à afixação de cartazes, ao direito de manifestar sobre a via pública ou ao financiamento dos partidos e dos candidatos envolvidos.

b. As autoridades públicas têm também algumas obrigações positivas. Devem

submeter com regularidade as candidaturas apresentadas aos sufrágios dos cidadãos. A apresentação de candidaturas específicas só pode ser proibida em circunstâncias excepcionais, se o interesse público assim o exigir. As autoridades públicas devem também permitir ao eleitor o acesso às listas dos candidatos que concorrem às eleições, por exemplo, através de afixação de cartazes adequados. A informação também deve estar disponível nas línguas das minorias nacionais, pelo menos quando estas representam uma certa percentagem da população.

A livre formação da vontade do eleitor pode igualmente ser violada por particulares, por exemplo, através da compra de votos, prática que o Estado tem a obrigação de prevenir ou punir eficazmente.

c. A fim de garantir a eficácia das regras relacionadas com a livre formação da

vontade do eleitor, a violação das regras anteriores deve ser passível de sanção. 3.2. Livre expressão da vontade do eleitor e o combate à fraude eleitoral 3.2.1. Em geral 27. A livre expressão da vontade do eleitor implica, em primeiro lugar, que seja

respeitado o procedimento de voto previsto na lei. Na prática, os eleitores podem votar nas listas ou nos candidatos registados, o que significa que dispõem de boletins com aqueles nomes e que os mesmos podem ser introduzidos numa urna. O Estado deve disponibilizar os locais necessários para a realização das operações eleitorais. Os eleitores não devem estar sujeitos a ameaças ou pressões que os impeçam de exercer o seu voto ou de o exercer como bem o entenderem, quer por parte de autoridades quer de particulares; o Estado tem a obrigação de prevenir e de penalizar tais práticas.

28. Além disso, o eleitor tem direito à realidade dos resultados proclamados; o Estado

deve punir qualquer fraude.

25

3.2.2. Procedimento de voto 29. O procedimento de voto desempenha um papel essencial em todo o processo

eleitoral tendo em conta as eventuais fraudes que podem ocorrer durante a votação. 30. Nalguns países, a execução de práticas democráticas requer uma mudança radical de

atitude. Compete às autoridades promover essa mudança e tomar medidas para pôr termo a determinados hábitos ou reflexos cuja influência é negativa para as eleições. À semelhança do «voto familiar»30, algumas destas irregularidades ocorrem durante a votação.

31. Todas estas observações levam-nos à seguinte conclusão: a votação deve ser

simples. Desde logo recomenda-se a conformidade com os critérios definidos nos números que seguem.

32. Se as assembleias de voto estiverem representadas de forma equitativa pelas

diferentes opiniões políticas, dificilmente haverá ocorrência de fraude material; a justeza da votação deve unicamente ser avaliada com base em dois parâmetros principais: o número de eleitores que participaram no voto e o número de boletins introduzidos na urna. O primeiro parâmetro pode ser determinado pelo número de assinaturas constantes do caderno eleitoral. Sendo a natureza humana o que ela é, (e independentemente de qualquer intenção de fraude), a igualdade perfeita entre estes dois parâmetros afigura-se de difícil alcance; um controlo suplementar, como o dos talões de boletins numerados, ou ainda a comparação entre o número de boletins encontrados na urna, boletins anulados e não utilizados e o número de boletins à disposição da mesa de voto, pode ter um valor indicativo, mas ninguém deve ter ilusões sobre a coincidência perfeita dos diferentes critérios. Em caso de multiplicação de votos, o risco é de que as diferenças dos totais e, finalmente, as verdadeiras irregularidades, não sejam seriamente tomadas em consideração. É aconselhável um controlo estrito de dois parâmetros em vez de um controlo alargado, por conseguinte ineficaz, com diferentes variáveis.

33. Os boletins não utilizados devem permanecer na mesa de voto e não ser entregues

ou conservados num outro local. Uma vez abertas as assembleias de voto, todos os boletins ainda não utilizados devem ser postos à vista, por exemplo, sobre a mesa do Presidente. Nenhum boletim pode ser guardado num armário ou num outro local.

34. Os boletins de voto não devem ser assinados ou carimbados no momento em que

são entregues ao eleitor na medida em que a pessoa incumbida de assinar ou carimbar os boletins poderia colocar um sinal que identificasse o eleitor aquando da contagem dos sufrágios, o que constituiria uma violação do segredo do voto.

35. A partir do momento em que o eleitor pega no seu boletim de voto, mais ninguém

lhe deve tocar.

30 Vide cap. I.4 a seguir.

26

36. É importante que a assembleia de voto inclua membros que representem vários

partidos e que observadores designados pelos candidatos assistam às eleições. 37. Os eleitores devem ter sempre a possibilidade de votar numa assembleia de voto;

contudo, outras modalidades de voto são admitidas em determinadas condições, tal como se refere a seguir.

3.2.2.1.Voto por correspondência ou por procuração em determinadas circunstâncias 38. Nos países ocidentais, votar por correspondência e por procuração é frequente,

embora os modelos possam diferir largamente de um país para outro. Por exemplo, o voto por correspondência pode ser muito divulgado num país e proibido noutro devido ao risco de fraude. Apenas será admitido se o serviço postal for seguro – isto é, resguardado de manipulações voluntárias – e fiável, no sentido em que funciona correctamente. O voto por procuração só pode ser autorizado se for submetido a regras muito estritas, também para evitar a fraude; o número de procurações de que um eleitor dispõe deve ser limitado.

39. Nenhuma destas práticas deve ser promovida quando problemas relacionados com o

serviço postal venham juntar-se às dificuldades inerentes a este tipo de voto, incluindo o risco acrescido do «voto familiar». Todavia, o voto por correspondência pode ser utilizado com algumas precauções para que as pessoas hospitalizadas, os reclusos, as pessoas com mobilidade reduzida e os eleitores que residam no estrangeiro possam votar, desde que estejam eliminados quaisquer riscos de fraude e de intimidação. Esta modalidade dispensa o transporte das urnas, que muitas vezes causa problemas e comporta riscos de fraude. O voto por correspondência realiza-se segundo um procedimento especial alguns dias antes das eleições.

40. Com efeito, o recurso à urna móvel não é desejável, tendo em conta o elevado risco

de fraude. Todavia, se houver lugar a esta operação, deve ser submetida a condições estritas de modo a evitar a fraude, nomeadamente com a presença junto da urna de vários membros da comissão eleitoral da assembleia de voto que representem diferentes tendências políticas.

3.2.2.2. Voto dos militares 41. Sempre que os militares não possam regressar ao domicílio no dia da votação,

devem de preferência estar inscritos nas assembleias de voto próximas do respectivo quartel. O comandante local comunica a identidade dos militares em causa às autoridades municipais que procedem à inscrição dos mesmos nos cadernos eleitorais. A única excepção a esta regra verifica-se quando o quartel se encontra demasiado afastado da assembleia de voto mais próxima. Devem ser constituídas comissões especiais no seio das unidades militares para supervisionar o período pré-eleitoral, de modo a evitar-se qualquer imposição ou ordem por parte dos superiores quanto a opções políticas.

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3.2.2.3. Voto mecânico e electrónico 42. Vários países já utilizam, ou preparam-se para introduzir as técnicas de voto

mecânico e electrónico. A vantagem destes métodos é aparente quando várias eleições se realizam simultaneamente, mesmo que sejam tomadas precauções para minimizar o risco de fraude como, por exemplo, permitir que o eleitor verifique imediatamente o registo do seu voto. É certamente importante que a concepção dos boletins de votos evite qualquer confusão. Para facilitar o controlo e a recontagem dos votos em caso de reclamação, poder-se-á também prever que a máquina imprima automaticamente um boletim que comporte o voto expresso e introduza automaticamente os boletins numa caixa fechada, onde não sejam vistos. Todos os meios utilizados devem ser capazes de garantir a confidencialidade do voto.

43. O voto electrónico deve ser seguro e fiável. É seguro se o sistema puder resistir aos

ataques deliberados; é fiável se funcionar por ele próprio, independentemente das deficiências do material ou do programa. Além disso, o eleitor deverá obter a confirmação do seu voto e, se necessário, corrigi-lo sem que o segredo do voto seja violado.

44. Por outro lado, a transparência do sistema deve ser assegurada, no sentido em que o

seu correcto funcionamento seja verificável. 3.2.2.4. Contagem 45. A contagem de votos deve ser feita, de preferência, nas próprias assembleias de

voto e não em centros especiais. Os membros das mesas de voto são absolutamente capazes de levar a cabo esta tarefa, evitando-se assim o transporte das urnas e dos documentos anexados, o que reduz os riscos de substituição.

46. A contagem dos sufrágios deve ser transparente. Os eleitores inscritos na assembleia

de voto são admitidos a assistir a esta operação; a presença de observadores nacionais ou internacionais deve ser autorizada. As actas devem ser elaboradas em número suficiente de exemplares, sendo uma cópia enviada a cada um deles; deverá ser imediatamente afixado um exemplar, um outro ficará na assembleia de voto e outro será transmitido à comissão ou ao órgão competente superior.

47. Algumas precauções de ordem prática devem constar dos regulamentos. Por

exemplo, as actas devem ser escritas a esferográfica e não a lápis, dado que a escrita a lápis pode ser apagada.

48. Na prática, o tempo necessário para a contagem dos sufrágios depende da eficiência

do presidente da assembleia de voto, podendo variar consideravelmente de uma mesa para outra. Razão pela qual a legislação ou o regulamento que consta no livro de instruções dos membros das mesas de voto deve prever um processo simples e já testado.

28

49. A declaração de um grande número de boletins nulos ou inutilizados deve ser evitada. Em caso de dúvida, envidar-se-ão esforços para saber qual foi a intenção do eleitor.

3.2.2.5. Transferência dos resultados 50. Há duas espécies de resultados: os resultados provisórios e os definitivos (antes do

esgotamento de todas as vias de recurso existentes). Os órgãos de comunicação social, bem como o país inteiro, esperam com impaciência os primeiros resultados provisórios. A velocidade à qual os resultados provisórios são tornados públicos depende do sistema de comunicação do país em causa. Os resultados da assembleia de voto podem, por exemplo, ser remetidos ao círculo eleitoral pelo presidente da mesa de voto, acompanhado por dois membros da mesa representantes dos partidos da oposição, por vezes sob a vigilância das forças de segurança que transportam as actas, a urna, etc.

51. Contudo, por muito rigorosos que tenham sido os processos de votação e de

contagem dos sufrágios, a transmissão dos resultados é uma operação vital, cuja importância é muitas vezes negligenciada. Deve, por isso, ser efectuada com transparência. O envio dos resultados do círculo eleitoral à comissão eleitoral superior e à comissão eleitoral central – ou aos outros órgãos superiores competentes – pode fazer-se por fax. Nesse caso, a acta passará pelo scanner e os resultados serão afixados à medida que vão chegando. Poderão ser divulgados pela televisão mas, uma vez mais, um excesso de transparência pode ser perigoso se o público não estiver preparado para receber informações parcelares. Com efeito, os primeiros resultados provêm em geral das cidades, cujo voto difere geralmente do das zonas rurais. Por conseguinte, é conveniente esclarecer o público informando-o de que o resultado final pode ser muito diferente dos resultados provisórios, ou mesmo completamente oposto às previsões, sem que tenha havido qualquer manipulação.

4. Sufrágio secreto 52. O segredo do voto é um aspecto da liberdade de voto, cujo objectivo é o de proteger

os eleitores contra todas as pressões que possam resultar do conhecimento da sua opção por terceiros. O segredo do voto impõe-se em todas as fases do processo de votação especialmente no escrutínio e no apuramento. Não só é um direito mas também uma obrigação do eleitor, passível de sanção em caso de inutilização dos boletins cujo conteúdo tenha sido revelado31.

53. O voto deve ser individual. O voto familiar – um dos membros da família controla o

voto dos outros – é contrário ao segredo do voto, sendo uma violação comum no direito eleitoral. Qualquer outra forma de controlo de um eleitor sobre o voto de um

31 CDL (2000) 2, p.9.

29

outro deve também ser proibida. O voto por procuração, sujeito a condições estritas32, constitui uma outra questão.

54. Além disso, tendo em conta que a abstenção pode implicar uma escolha política, a

lista dos votantes não deverá ser tornada pública. 55. A violação do segredo do voto deve ser punida tal como a violação dos outros

aspectos da liberdade de voto. 5. Sufrágio directo 56. A eleição popular directa de uma das câmaras do Parlamento nacional pelo povo é

um elemento do património constitucional europeu comum a todo o continente. Sem prejuízo das regras especiais aplicáveis à uma outra câmara (se a houver), os outros órgãos legislativos, tal como os Parlamentos dos Estados federados33, devem ser directamente eleitos, de acordo com o artigo 3º. do Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A autonomia local, elemento essencial da democracia, não se concebe sem a eleição de órgãos eleitos ao nível local34. Considera-se que as Assembleias locais incluem aqui todos os órgãos deliberantes infra-nacionais35. Em contrapartida, a eleição do Presidente da República, embora frequente, depende da escolha constitucional de cada Estado.

6. Periodicidade das eleições 57. Tanto o Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos36 como o Protocolo

Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem37 prevêem a realização de eleições periódicas. As eleições legislativas têm geralmente lugar de quatro ou de cinco em cinco anos; um mandato mais longo pode ser previsto para as eleições presidenciais, embora não deva ultrapassar os sete anos.

II. Condições de aplicação dos princípios 58. A garantia dos princípios do sistema eleitoral europeu só é possível se estiverem reunidas algumas condições gerais. 32 Vide cap. I.3.2.2.1 supra. 33 Vide TEDH, n° 9267/81, acórdão Mathieu-Mohin e Clerfayt c. Bélgica, 2 Março de 1987, série A n° 113, p. 23; TEDH, N ° 27311/95, 11.9.97, Timke c. Alemanha, D.R. 82, p. 15 ; N ° 7008/75, 12.7.76, X. c. Aústria, D.R. 6, p. 120. 34 Art. 3º. da Carta Europeia da Autonomia Local (STE 122). Art. 1º. da Carta Europeia da Autonomia Local. 35 Art. 25 b. 36 Art. 25 b. 37 Art. 3º.

30

• A primeira condição geral é o respeito pelos direitos fundamentais do Homem, e

particularmente pela liberdade de expressão, de reunião e de associação, sem a qual não pode existir uma verdadeira democracia;

• Em segundo lugar, o direito eleitoral deve gozar de uma certa estabilidade, que o

proteja da manipulação partidária;

• Por fim, mas não menos importante, devem ser previstas garantias processuais, especialmente no que se refere à organização do escrutínio.

59. Além disso, as eleições não funcionam em abstracto, mas sim num dado sistema eleitoral e num dado sistema de partidos. Esta segunda parte concluir-se-á com algumas reflexões a este respeito, nomeadamente as relações entre sistema eleitoral e sistema de partidos. 1. Respeito pelos direitos fundamentais 60. A realização das eleições democráticas e, portanto, a própria existência da

democracia não são possíveis sem o respeito pelos direitos do Homem, especialmente pela liberdade de expressão e de imprensa e pela liberdade de reunião e de associação para fins políticos, incluindo a criação de partidos políticos. O respeito por estas liberdades é fundamental durante as campanhas eleitorais. As restrições a estes direitos fundamentais devem estar conformes com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, em particular, com as condições de base legal, de interesse público e de proporcionalidade.

61. Ora, as legislações nacionais contêm muitas vezes normas de restrição da liberdade

de expressão que, interpretadas de forma restritiva, podem em última análise ser admissíveis, mas originar abusos em países sem tradição liberal e democrática. Teoricamente, estas normas visam, por assim dizer, prevenir os «abusos» da liberdade de expressão, por exemplo, proteger a honra dos candidatos e das autoridades e até mesmo proteger a ordem constitucional. Na verdade, podem levar à censura de qualquer discurso que seja crítico para com as autoridades ou que vise alterar a Constituição, quando é exactamente isso que constitui o fulcro do debate democrático. Por exemplo, uma lei eleitoral não é consentânea com os padrões europeus ao proibir que a documentação de campanha contenha termos insultantes ou difamatórios relacionados com personalidades oficiais e outros candidatos, ao permitir a divulgação de informações falsas difamatórias sobre um candidato e ao responsabilizar os candidatos por violações à lei praticadas pelos seus partidários. A obrigação de submeter às comissões eleitorais o material destinado à campanha eleitoral, indicando as organizações que o pediram e produziram, bem como o número de exemplares e a data de publicação, constitui uma forma de censura inaceitável, sobretudo se as comissões eleitorais forem solicitadas para tomar medidas contra publicações ilegais ou incorrectas. Isto é tanto mais verdadeiro quando as normas que proíbem o abuso dos meios de comunicação social durante a campanha eleitoral são bastante vagas.

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62. Um outro direito fundamental essencial numa democracia é a liberdade de

circulação no interior do país, bem como o direito para os nacionais de regressar ao seu país em qualquer momento.

2. Níveis normativos e estabilidade do direito eleitoral 63. A estabilidade do direito é um elemento importante para a credibilidade do processo

eleitoral, sendo este mesmo factor essencial para a consolidação da democracia38. De facto, se as regras mudam muitas vezes, especialmente regras que sejam complicadas, o eleitor pode ficar confuso. Sobretudo, os eleitores podem concluir, com ou sem razão, que o direito eleitoral é um simples instrumento nas mãos daqueles que exercem o poder e que os seus votos têm pouco peso no resultado das eleições.

64. Na prática, a necessidade de garantir a estabilidade não diz respeito tanto aos

princípios fundamentais, cujo questionamento dificilmente se prevê, mas a algumas regras mais concretas do direito eleitoral, nomeadamente o sistema eleitoral per se, a composição das comissões eleitorais e a divisão dos círculos eleitorais. Estes três elementos parecem muitas vezes – verdade ou não – decisivos para o resultado do escrutínio, sendo conveniente evitar não apenas as manipulações a favor do partido no poder, mas também quaisquer aparências de manipulação.

65. Deve evitar-se não tanto a alteração do modo de escrutínio, pois que este pode

sempre ser melhorado, mas uma revisão repetida ou que intervenha antes do escrutínio (menos de um ano). Mesmo quando não haja intenção de manipulação, qualquer alteração nestas circunstâncias parecerá ditada por interesses partidários conjunturais.

66. Uma das formas de evitar manipulações é a de definir na Constituição ou num

diploma superior à lei ordinária os elementos mais sensíveis (sistema eleitoral propriamente dito, composição das comissões eleitorais, círculos eleitorais ou regras de divisão dos círculos eleitorais). Uma outra solução, menos rígida, consiste em prever na Constituição a aplicação, em caso de alteração da lei eleitoral, do antigo sistema na próxima eleição – pelo menos se esta ocorrer no ano vindouro–, sendo a entrada em vigor do novo sistema posterior à eleição.

67. No mais, o direito eleitoral deverá ter em princípio um estatuto legislativo. Contudo,

as normas de execução, em particular as técnicas de pormenor, podem ser de natureza regulamentar.

3. Garantias processuais

38Sobre a importância da credibilidade do processo eleitoral, vide por exemplo CDL (99) 67, p. 11; sobre a necessária estabilidade do direito, CDL (99) 41, p. 1.

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3.1. Organização do escrutínio por um órgão imparcial 68. Apenas a transparência, a imparcialidade e a independência em relação a qualquer

manipulação política poderão garantir a boa administração dos processos eleitorais, desde o período pré-eleitoral até ao final dos resultados.

69. Nos Estados onde as autoridades administrativas têm uma longa tradição de

independência face ao poder político, a função pública aplica o direito eleitoral sem estar sujeita a pressões políticas. É por isso normal e admissível que as operações eleitorais sejam organizadas pelas autoridades administrativas e supervisionadas pelo Ministério da Administração Interna.

70. Todavia, em Estados com recente experiência na organização de eleições

pluralistas, existe um elevado risco de o governo influenciar a administração no sentido que melhor lhe convém. Isso aplica-se tanto ao poder central como ao poder local, mesmo quando controlados pela oposição nacional.

71. É por isso que as comissões eleitorais independentes e imparciais devem ser criadas

ao nível nacional ou da assembleia de voto, a fim de que as eleições sejam adequadamente conduzidas ou para que, pelo menos, não recaiam sobre elas fortes suspeitas de irregularidades.

72. De acordo com os relatórios do Gabinete da Assembleia Parlamentar do Conselho

da Europa sobre a observação das eleições, foram detectadas as seguintes insuficiências no seio das comissões eleitorais num determinado número de Estados membros: falta de transparência nas actividades da comissão eleitoral central; variações na interpretação da contagem; administração eleitoral politicamente polarizada; controvérsias sobre a designação dos membros da comissão eleitoral central; nomeação dos membros desta última por uma instituição do Estado; posição dominante do partido no poder na administração das eleições.

73. Qualquer comissão eleitoral central deve ser permanente enquanto estrutura

administrativa responsável pela ligação com as autoridades locais e as outras comissões inferiores, por exemplo, no que se refere ao estabelecimento e à actualização das listas eleitorais.

74. A composição de uma comissão eleitoral central pode dar lugar a discussão e

tornar-se um desafio político essencial na feitura de uma lei eleitoral. O respeito pelas seguintes linhas orientadoras deverá facilitar tanto quanto possível a imparcialidade e a competência da comissão.

75. Em geral, a comissão deverá incluir:

- Um magistrado: nos casos em que um órgão judiciário for responsável pela administração das eleições, a sua independência deve ser assegurada pela transparência do processo; os magistrados designados não devem depender dos candidatos que se apresentam;

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- Delegados dos partidos já representados no Parlamento ou que tenham obtido pelo menos uma determinada percentagem dos sufrágios. Os partidos políticos devem estar igualmente representados na comissão eleitoral central; a “igualdade” pode ser entendida de forma estrita ou proporcional, isto é, ter em conta ou não a importância eleitoral relativa dos partidos39. Os delegados dos partidos devem ser competentes em matéria eleitoral e não podem fazer campanha;

76. Além disso, a comissão eleitoral central pode incluir:

- Representantes das minorias nacionais; a presença destes é desejável quando a minoria nacional tem uma certa importância no respectivo território;

- Um representante do Ministério da Administração Interna. Todavia, por razões

que se prendem com a história do país, a presença de um representante do Ministério da Administração Interna no seio da comissão nem sempre é desejável. Durante as missões que efectuou na qualidade de observadora das eleições, a Assembleia Parlamentar mostrou-se, várias vezes, preocupada com a transferência de responsabilidades anteriormente atribuídas a comissões eleitorais multipartidárias e de pleno direito para uma instituição sob a alçada do poder executivo. Contudo, a cooperação entre a comissão eleitoral central e o Ministério da Administração Interna é possível, nem que seja por motivos de ordem prática, tais como o transporte e a armazenagem dos boletins de voto e outras materiais. Quanto ao resto, o executivo não deverá influenciar a composição das comissões eleitorais40.

77. De um modo geral, deve evitar-se que os órgãos destituam os membros das

comissões eleitorais que eles próprios nomearam porque tal põe em causa a sua independência. Contrariamente à destituição discricionária, a exoneração por falta disciplinar, até mesmo por incompetência, é admissível – mas os motivos da destituição devem então ser formulados clara e restritivamente na lei (referências vagas a «actos que desacreditam a comissão» não são por exemplo aceites).

78. Nas antigas democracias onde não existem comissões eleitorais, mas onde um outro

órgão imparcial é competente em matéria eleitoral, os partidos políticos devem poder observar o trabalho deste órgão.

79. A composição da comissão eleitoral central é, sem dúvida, importante, mas não

deve sê-lo mais do que o seu funcionamento. O regulamento interno deve ser claro porque os presidentes têm geralmente tendência a deixar falar os membros e estes não se privam disso. O regulamento interno deve prever uma ordem de trabalhos e um tempo de intervenção limitado para cada membro – por exemplo um quarto de

39 Vide cap. 1.2.3. supra. 40 Vide, CDL-AD (2002) 7, par.5, 7 ff 54.

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hora; de outro modo, discussões intermináveis podem escamotear os pontos essenciais.

80. Há muitas formas de tomar decisões. É desejável que as decisões sejam tomadas por

maioria qualificada (por exemplo, 2/3) de modo a encorajar o debate entre a maioria e pelo menos um partido minoritário. O recurso ao consenso é preferível.

81. As reuniões da comissão eleitoral central deverão estar abertas a todos, incluindo

aos órgãos de comunicação social (outro motivo pelo qual o tempo de intervenção deve ser limitado). As salas de computadores, as linhas telefónicas, o fax, os scanners devem poder ser inspeccionados.

82. As outras comissões, regionais ou de círculo eleitoral, devem ter uma composição

análoga à da comissão eleitoral central. Em caso de escrutínio maioritário uninominal, as comissões de círculo eleitoral desempenham um papel importante porque determinam o vencedor nas eleições legislativas. As comissões regionais também desempenham um papel fulcral na transmissão dos resultados à comissão eleitoral central.

83. A realização de eleições necessita de pessoal qualificado, com competências

especiais41. Os membros da comissão eleitoral central deverão ser juristas, politólogos, matemáticos ou outras pessoas conhecedoras das questões eleitorais.

84. Os membros das comissões eleitorais devem receber uma formação padrão a todos

os níveis da administração eleitoral. Esta formação deve ser disponibilizada aos membros das comissões designadas pelos partidos políticos. Pôde verificar-se em vários casos a falta de pessoal formado e qualificado.

85. A lei eleitoral deve estipular através de um artigo que as autoridades (a todos os

níveis) estão incumbidas de satisfazer os pedidos e as necessidades da comissão eleitoral. Podem ser dadas instruções a vários ministérios, a outros órgãos da administração pública, aos presidentes das câmaras e aos funcionários municipais para apoiar a administração eleitoral, que se encarregarão das operações administrativas e logísticas de preparação e realização das eleições. Poderão assumir a elaboração e distribuição dos cadernos eleitorais, boletins de voto, urnas, carimbos oficiais e de qualquer outro material necessário, bem como tomar as medidas requeridas para a armazenagem, distribuição e segurança.

3.2. Observação das eleições 86. A observação das eleições desempenha um papel importante e permite verificar se o

processo eleitoral funcionou ou não dentro das regras. 87. Podemos distinguir três categorias de observadores: observadores nacionais

partidários, observadores nacionais não partidários, observadores internacionais 41 Vide CDL. (98) 10, p.5.

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(não partidários). Na prática, a distinção entre as duas primeiras categorias nem sempre é óbvia. Razão pela qual é preferível que a observação seja a mais aberta possível, tanto a nível nacional como internacional.

88. A observação não se refere apenas ao dia da eleição mas visa pelo contrário

determinar se ocorreu qualquer irregularidade antes da eleição (por exemplo através de uma manutenção incorrecta dos cadernos eleitorais, de obstáculos à inscrição dos candidatos, de restrições à liberdade de expressão, de violações das regras sobre o acesso aos órgãos de comunicação social ou ao financiamento público das campanhas eleitorais), durante a eleição (mediante pressões exercidas sobre os eleitores, o voto múltiplo, a violação do segredo do voto, etc.) ou após a eleição (em particular aquando do apuramento dos votos e da proclamação dos resultados). A observação deve especialmente incidir sobre o respeito pelas autoridades do respectivo dever de neutralidade.

89. Os observadores internacionais desempenham um papel fundamental nos Estados

que não estabeleceram uma tradição de controlo imparcial da legitimidade das eleições.

90. De modo geral, deve ser dada a possibilidade aos observadores nacionais bem como

internacionais de interrogar todas as pessoas presentes, tomar notas e elaborar o relatório para a respectiva organização; devem, todavia, abster-se de tecer qualquer comentário.

91. A lei deve indicar com muita clareza os locais onde os observadores não são

autorizados a entrar, a fim de que a sua acção não seja excessivamente dificultada. Por exemplo, uma lei que autorize os observadores a entrar apenas nos locais onde se desenrola a eleição (ou o voto) poderá ser indevidamente interpretada por algumas assembleias de voto como lei restritiva42.

3.3. Existência de um sistema de recurso eficaz 92. Para evitar que as regras do direito eleitoral não passem de letra morta, o seu

incumprimento deve poder ser contestado perante um órgão de recurso. Isto vale em particular para os resultados da eleição cuja reclamação permite invocar as irregularidades no processo de voto; vale também para quaisquer actos ocorridos antes da eleição, especialmente no que respeita ao direito de voto, aos cadernos eleitorais e à elegibilidade, à validade das candidaturas, ao cumprimento das regras da campanha eleitoral e ao acesso aos órgãos de comunicação social ou ao financiamento dos partidos.

93. Duas soluções são possíveis.

- Os recursos são decididos por tribunais – ordinários, especiais ou

constitucionais. 42 Sobre a observação das eleições, vide “Manuel à l’usage des observateurs des élections”, Conselho da Europa, 1996.

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- As instâncias competentes são as comissões eleitorais. Este sistema apresenta

verdadeiras vantagens em virtude de as comissões serem muito especializadas e, por conseguinte, terem mais experiência do que os tribunais sobre questões eleitorais. Todavia, é desejável, a título de precaução, que se institua alguma forma de controlo jurisdicional. Logo, o primeiro grau de recurso será a comissão eleitoral superior e o segundo, o tribunal competente.

94. O recurso ao Parlamento, enquanto juiz da sua própria eleição, está por vezes

previsto, mas corre o risco de desencadear decisões políticas. É admissível em primeira instância onde é já conhecido há muito tempo, mas o recurso judicial deve então ser possível.

95. O processo de recurso deverá ser tão breve quanto possível, em todo o caso no que

se refere às decisões a proferir antes da eleição. Nesse aspecto, é preciso evitar dois perigos: por um lado, que o recurso atrase o processo eleitoral e, por outro, que, na ausência de efeito suspensivo, as decisões que podiam ter sido proferidas antes das eleições não o sejam depois. Além disso, as decisões relativas aos resultados da eleição devem ser proferidas sem delongas, sobretudo se o clima político for tenso. Isto implica simultaneamente que os prazos de recurso sejam muito curtos e a instância de recurso se veja na obrigação de decidir logo que possível. Todavia, os prazos devem ser suficientemente longos para interpor recurso, garantir o exercício dos direitos da defesa e uma decisão reflectida. Um prazo de três a cinco dias na primeira instância (tanto para recurso como para decisão) parece razoável para decisões antes das eleições. Porém, reconhece-se que um prazo mais alargado seja concedido às instâncias superiores (Supremo Tribunal, Tribunal Constitucional) para decidir.

96. O processo deve igualmente ser simples. Disponibilizar formulários especiais aos

eleitores que desejem interpor recurso contribui para a sua simplificação43. É necessário afastar qualquer formalismo para evitar decisões que declarem a inadmissibilidade, em especial nos casos politicamente delicados.

97. Além disso, é absolutamente necessário que as disposições em matéria de recurso, e

nomeadamente de competência e de responsabilidade das diversas instâncias, sejam regulamentadas com clareza pela lei para evitar qualquer conflito de competências, positivo ou negativo. Nem os requerentes, nem as autoridades devem poder escolher a instância de recurso. O risco de denegação de justiça aumenta em caso de se poder recorrer alternativamente para os tribunais e as comissões eleitorais ou quando não há uma delimitação clara das competências entre os vários tribunais – por exemplo, os tribunais ordinários e o Tribunal Constitucional.

43 CDL (98) 45.p.11.

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Exemplo:

Comissão Eleitoral Central → Supremo Tribunal de Justiça ↑ Comissão Regional → Tribunal da Relação

↑ Comissão Eleitoral do Círculo Eleitoral

↑ Assembleia de Voto (dia das eleições)

98. Os litígios relacionados com os cadernos eleitorais que por exemplo são da

competência da administração local sob controlo das comissões eleitorais ou em colaboração com as mesmas, podem ser submetidos aos tribunais de primeira instância.

99. A legitimidade para interpor recurso deve ser amplamente reconhecida. Qualquer

eleitor do círculo eleitoral e qualquer candidato que a este concorra deve ter direito de recurso. Contudo, pode ser imposto um quórum razoável para os recursos dos eleitores relativos aos resultados das eleições.

100. O processo deve ter um carácter juridiscional, no sentido em que o direito dos

requerentes ao contraditório deve ser salvaguardado. 101. Os poderes da instância de recurso também são importantes. Deve ter autoridade

para anular o escrutínio quando se verifique irregularidades que tenham influenciado os resultados, ou seja, tenham alterado a distribuição dos lugares. Este princípio geral tem de se ser melhorado, na medida em que o contencioso da anulação não tem necessariamente de afectar todo o território, até mesmo o círculo eleitoral; a anulação deve, pelo contrário, ser possível por assembleia de voto, o que permitirá evitar duas situações extremas: a anulação da totalidade de um escrutínio quando as irregularidades apenas afectam uma pequena área geográfica; a recusa em anular o escrutínio se a extensão geográfica das irregularidades for insuficiente. A anulação do escrutínio deverá implicar a repetição da eleição no território onde haja sido anulada.

102. Sempre que as comissões eleitorais superiores sejam instâncias de recurso, devem

poder rectificar ou anular oficiosamente as decisões das comissões eleitorais superiores.

103. Alguns aspectos merecem ainda ser desenvolvidos.

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3.4. Organização e a actividade das mesas de voto 104. A qualidade do sistema de votação e o apuramento dos votos, bem como o respeito

pelos processos eleitorais depende da organização e do funcionamento das mesas de voto. Os relatórios do Gabinete da Assembleia sobre a observação de eleições nos diversos países revelaram irregularidades várias de natureza logística. Por exemplo, foram assinaladas diferenças significativas entre as mesas de voto das diversas regiões de um mesmo Estado.

105. As missões de observação da Assembleia detectaram igualmente, em vários casos,

irregularidades técnicas, a saber, urnas mal fechadas ou com indicações erradas, maior complexidade de alguns boletins de voto, urnas não lacradas, boletins de voto ou urnas inadequados, má utilização das urnas, identificação insuficiente dos votantes ou ausência de observadores locais.

106. Todas estas irregularidades e insuficiências, às quais é preciso acrescentar a

propaganda política nas proximidades das assembleias de voto e a perseguição policial, podem viciar gravemente a validade do processo eleitoral e até mesmo comprometer a sua integridade.

3.5. Financiamento 107. A regulamentação do financiamento dos partidos políticos e das campanhas

eleitorais é de igual modo um elemento importante na regularidade do processo eleitoral.

108. Em primeiro lugar, o financiamento deve ser transparente. Esta transparência é

essencial qualquer que seja o nível de desenvolvimento político e económico de um Estado.

109. A transparência situa-se a dois níveis. O primeiro diz respeito às contas das

campanhas, cuja contabilidade deve ser rigorosamente organizada. Se as normas não forem substancialmente respeitadas ou se os limites das despesas estabelecidos por lei forem ultrapassados, a eleição poderá ser anulada. O segundo consiste em fiscalizar a situação financeira dos representantes eleitos antes e depois do seu mandato. Uma comissão para a transparência financeira toma nota das declarações dos representantes eleitos. Estas são confidenciais embora o processo possa, se for caso disso, ser remetido para o Ministério Público.

110. Nos Estados unitários, as despesas ocasionadas pelas autoridades locais e

relacionadas com uma eleição nacional, o pagamento dos membros das comissões eleitorais, a impressão dos boletins, etc., devem em princípio ser assumidas pelo Estado central.

111. Convém lembrar que, no campo do financiamento público dos partidos ou das

campanhas, importa respeitar o princípio da igualdade de oportunidades (igualdade

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«estrita» ou «proporcional»)44. Em todo o caso, o financiamento público deve visar todos os partidos representados no Parlamento. Todavia, para garantir a igualdade de oportunidades das diferentes forças políticas, o financiamento público poderá ser igualmente extensível às formações políticas que representem uma parte significativa do eleitorado e apresentem candidatos às eleições. O financiamento dos partidos através de fundos públicos deve ser condicionado pela fiscalização da contabilidade dos partidos políticos por parte de organismos públicos específicos (e.g., Tribunal de Contas). Os Estados deverão incentivar os partidos políticos que beneficiam de financiamento público a desenvolver uma política de transparência financeira45.

3.6. Segurança 112. Qualquer lei eleitoral deve prever a intervenção das forças de segurança em caso de

eventual incidente. Se for caso disso, o presidente da assembleia de voto (ou o seu representante) deve ter competência para chamar a polícia. É importante que este direito não seja extensível a todos os membros da comissão da mesa de voto, pois uma situação deste tipo requer uma decisão imediata, sem discussão.

113. Nalguns Estados, a presença de polícias nas assembleias de voto é uma tradição

que, de acordo com os observadores, não implica necessariamente perturbações ou pressões sobre os eleitores. Note-se que a presença da polícia nas assembleias de voto está prevista pelas leis eleitorais de alguns Estados ocidentais, mesmo que essa prática tenha mudado com o tempo.

Conclusão 114. O respeito pelos cinco princípios do património eleitoral europeu (sufrágio

universal, igual, livre, secreto e directo) é fulcral para a democracia. Neste contexto, a democracia tem a possibilidade de se exprimir de variadíssimas formas mas dentro de certos limites. Estes dependem, em primeiro lugar, do modo como se interpreta tais princípios; as regras mínimas determinadas no presente texto norteiam o caminho para a garantia daquele preceito. Em segundo lugar, não basta que o direito eleitoral, em sentido estrito, contenha regras concordantes com o património eleitoral europeu, pois que essas devem ser colocadas no seu contexto: a credibilidade do processo eleitoral deve ser assegurada. Os direitos fundamentais devem ser primacialmente respeitados. De seguida, a estabilidade das regras deve afastar qualquer suspeita de manipulação. Por fim, o quadro processual deve permitir que as regras proclamadas sejam efectivamente aplicadas.

44 Vide cap. 1.2. supra. 45 Sobre o financiamento dos partidos, vide CDI-INF (2001) 8.