Cefaleias

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Página 1 de 22 Temas da Aula Introdução 2 Classificação Etiológica das Cefaleias 3 Cefaleias na Urgência 4 Cefaleia “de Novo” 4 Cefaleia Súbita 5 Cefaleia após Traumatismo Crânio-Encefálico 6 Cefaleia “de Novo” num Doente com Sindroma Febril 6 Cefaleia após Punção Lombar 7 Cefaleia no Idoso 7 Arterite Temporal 8 Cefaleias Primárias 9 Enxaqueca ou Migraine 12 Cefaleia de Tensão Muscular 18 Cefaleia em Salvas ou “Cluster Headache” 19 Nevralgia do Trigémio 21 Cefaleia por Abuso Medicamentoso 22 Bibliografia Anotada correspondente de 2006/2007, Graça Eleutério e Diana Henriques Ferro J., Pimentel J. (2006) Neurologia, Princípios, Diagnóstico e Tratamento. Lidel Ciciarelli M., (2005), The neurobiology of migraine Anotadas do 4º Ano – 2007/08 Data: 29 de Outubro de 2007 Disciplina: Neurologia Prof.: Isabel Pavão Martins Tema do Seminário: Cefaleias Autores: Diana Adrião e Diana André Equipa Revisora: Carlos Vila Nova e Pedro Freitas

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Aula sobre cefaleias.

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Temas da Aula

Introdução 2

Classificação Etiológica das Cefaleias 3

Cefaleias na Urgência 4

Cefaleia “de Novo” 4

Cefaleia Súbita 5

Cefaleia após Traumatismo Crânio-Encefálico 6

Cefaleia “de Novo” num Doente com Sindroma Febril 6

Cefaleia após Punção Lombar 7

Cefaleia no Idoso 7

Arterite Temporal 8

Cefaleias Primárias 9

Enxaqueca ou Migraine 12

Cefaleia de Tensão Muscular 18

Cefaleia em Salvas ou “Cluster Headache” 19

Nevralgia do Trigémio 21

Cefaleia por Abuso Medicamentoso 22

Bibliografia

� Anotada correspondente de 2006/2007, Graça Eleutério e Diana Henriques

� Ferro J., Pimentel J. (2006) Neurologia, Princípios, Diagnóstico e Tratamento.

Lidel

� Ciciarelli M., (2005), The neurobiology of migraine

Anotadas do 4º Ano – 2007/08 Data: 29 de Outubro de 2007

Disciplina: Neurologia Prof.: Isabel Pavão Martins

Tema do Seminário: Cefaleias

Autores: Diana Adrião e Diana André

Equipa Revisora: Carlos Vila Nova e Pedro Freitas

Cefaleias

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Introdução

A cefaleia é um sintoma muito frequente na população em geral e na prática

clínica, constituindo uma das grandes queixas das consultas externas de Neurologia,

Medicina e Clínica Geral (70% das queixas neurológicas).

É também um dos motivos que leva os doentes ao Serviço de Urgência.

Relativamente à sua etiopatogenia, são várias as estruturas que podem

desencadear dor cefálica:

� Intracranianas:

• Seios venosos;

• Parede arterial1;

• Parede venosa1;

• Meninges1;

• Nervos cranianos (nomeadamente o trigémio);

• Primeiras raízes nervosas cervicais.

� Extracranianas:

• Seios perinasais2;

• Globos oculares;

• Dentes;

• Articulação temporo-mandibular;

• Artérias extracranianas;

• Coluna cervical (dor que irradia à cabeça).

1 Estas estruturas são as mais ricas em terminações nervosas. O tecido nervoso do cérebro e do cerebelo, não contendo terminações nervosas sensitivas, não desencadeia sensação de dor quando directamente estimulado. 2 A mais frequente entre as causas extracranianas de cefaleia.

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Classificação Etiológica das Cefaleias

De acordo com a sua causa, as cefaleias classificam-se em:

� Primárias:

• Predisposição genética ou mecanismos patogénicos desconhecidos;

• Sem lesão estrutural identificável; exames complementares de

diagnóstico negativos;

• Geralmente crónicas ou crónicas recorrentes.

Exemplos: enxaqueca, cefaleia de tensão e cefaleia em salvas.

� Secundárias:

• Associadas a patologia estrutural ou metabólica, intra ou

extracraniana;

• Lesão estrutural identificável (por métodos imagiológicos,

bioquímicos e marcadores moleculares);

• Episódios agudos e esporádicos.

Exemplos: sindroma febril, sinusite, glaucoma, meningite/encefalite,

patologia cerebro-vascular, hipertensão arterial (HTA), traumatismo

crânio-encefálico (TCE), acidente vascular cerebral (AVC), tumores.

As cefaleias primárias, crónicas ou crónicas recorrentes, são as que originam

mais idas às consultas. O diagnóstico é dado pela história clínica devido à

ausência de marcadores biológicos fidedignos. Por outro lado, as cefaleias

secundárias são responsáveis por um grande número de idas às urgências.

De acordo com um estudo de 1995, as cefaleias primárias mais frequentes

são as cefaleias de tensão (69%), seguidas das enxaquecas (19%).

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Cefaleias na Urgência

É necessário ter em conta que, na Urgência, a observação do doente decorre

em condições difíceis, devido a um conjunto de particularidades diversas:

• Muitos doentes;

• Local caótico;

• Pouco tempo para decidir e pouca informação disponível;

• Pouca probabilidade de rever o doente.

Além disso, há maior probabilidade de organicidade, ou seja, de encontrar

patologia orgânica (cerca de 16% dos casos), e de situações de alto risco,

devendo-se seguir um protocolo (“check-list”) para ajudar a despistar essas

situações. São sintomas de “alarme” nas cefaleias:

1. Cefaleia de novo (“first” or “worst”);

2. Modo de início (súbito, em actividade);

3. Traumatismo crânio-encefálico (TCE) recente;

4. Anticoagulação ou discrasia sanguínea;

5. Febre;

6. Cancro ou SIDA conhecidos;

7. Cefaleia de novo no idoso3;

8. Sintomas /sinais neurológicos acompanhantes.

CEFALEIA “DE NOVO”

� Cefaleia com padrão diferente do habitual;

� Cefaleia que surge pela primeira vez ou a pior de sempre (first or worst

ever).

Os doentes com neoplasias conhecidas e os imunodeficientes têm maior

probabilidade de ter complicações intracranianas (metástases, infecções

oportunistas), pelo que devem ser investigados quando surgem com este tipo de

cefaleias.

3 As cefaleias primárias surgem geralmente nos jovens e não nos idosos.

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CEFALEIA SÚBITA

� Cefaleia de instalação súbita, muito intensa (que pode levar a perda de

consciência);

� Cefaleia que ocorre durante o esforço físico ou actividade sexual;

� Cefaleia desencadeada por manobras de Valsalva (tosse, espirro, esforço

de evacuar).

As cefaleias súbitas estão relacionadas com a ocorrência de hemorragias

meníngea e subaracnoideia, evidentes na TAC na fase aguda. É de referir que

quanto maior for o tempo decorrido desde o início da cefaleia, menor é a

probabilidade de detectar sangue na TAC (fig.1).

As cefaleias súbitas associam-se a um risco de morte elevado. Nestes casos,

deve ser pedido TAC, punção lombar e RMN.

Algumas situações que podem provocar hemorragia meníngea com cefaleia

intensa são:

• Ruptura aneurismática,

• Malformações arterio-venosas,

• Trombose venosa cerebral,

• Disseção arterial (carótida e artéria vertebral).

Para efectuar o diagnóstico são úteis a angio-TAC e angio-RMN.

Fig.1

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CEFALEIA APÓS TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO

Deve-se pensar sempre na possibilidade de complicações intracranianas pós-

traumáticas (exemplo: hematoma subdural), sobretudo se o doente é idoso,

alcoólico ou epiléptico, e particularmente no doente anticoagulado ou com

discrasia sanguínea.

Para a realização de TAC em doentes com TCE minor, utilizam-se os

seguintes critérios:

1. Amnésia pós traumática;

2. Cefaleias e vómitos;

3. Convulsão;

4. Alcoolismo ou toxicodependência;

5. Evidência externa de traumatismo acima das clavículas;

6. Idade superior a 60 anos;

7. Coagulopatia.

CEFALEIA “DE NOVO” NUM DOENTE COM SINDROMA FEBRIL

Estas cefaleias podem indicar infecção do SNC (meningite, encefalite,

abcesso cerebral). Devem ser investigadas, sobretudo quando se associam a outras

queixas ou manifestações:

• Dor que agrava com os movimentos bruscos da cabeça (sinal de jolt) ou

oculares;

• Sonolência ou alterações do comportamento (doente apático, indiferente ou

agitado);

• Cefaleia com vómitos;

• Convulsões;

• Sinais meníngeos;

• Sinais focais ou paralisia de nervos cranianos.

Deve-se realizar leucograma, punção lombar (PL) e TAC.

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CEFALEIA APÓS PUNÇÃO LOMBAR

� Cefaleia postural (por hipotensão do líquor);

� Desencadeada em ortostatismo;

� Alivia com o decúbito;

� Associada a náuseas, vómitos e tonturas.

Se for muito incapacitante é aconselhável:

• Decúbito sem almofada, com levante progressivo;

• Analgésicos e antieméticos;

• Tranquilizar o doente.

Este tipo de cefaleia pode não ser imediata. O início pode variar desde horas a

dois ou três dias. Geralmente, está associada a técnicas de punção lombar mais

traumáticas.

CEFALEIA NO IDOSO

Os indivíduos idosos tendem a sofrer principalmente de cefaleia de tensão.

Assim, o início de dores de cabeça pela primeira vez nesta idade, ou a modificação

de um padrão de dor crónico prévio, deve-se levar a pensar nas patologias

específicas deste grupo etário:

• Cefaleia cervicogénea (dores relacionadas com patologia degenerativa da

coluna cervical);

• Cefaleias por fármacos (vasodilatadores, anti-hipertensivos e

antiagregantes plaquetares);

• Nevralgia do trigémio;

• Arterite temporal (ou doença de Horton);

• Cefaleia hípnica (cefaleia primária rara, ligada ao sono REM, que

geralmente acorda o doente no mesmo horário).

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ARTERITE TEMPORAL

A arterite temporal (AT) é uma vasculite que afecta sobretudo as artérias

cefálicas, nomeadamente os ramos da carótida externa, e que tem particular

incidência nos indivíduos idosos. Inicia-se por volta dos 70 anos, sendo os homens

duas vezes mais afectados.

A arterite temporal pode afectar os vasos intracranianos da carótida interna,

nomeadamente a artéria oftálmica, levando a cegueira irreversível em 50% dos

casos não tratados.

A cefaleia é a forma de apresentação mais comum (90% dos doentes), em

geral localizada sobre os vasos do couro cabeludo afectados (por isquémia). Pode

estar associada a dores à mastigação (claudicação intermitente dos músculos

mastigadores).

A arterite temporal provoca ainda:

• Queixas sistémicas – anorexia, perda de peso, suores nocturnos,

febre baixa, adinamia e dor nos músculos da cintura escapular

(polimialgia reumática);

• Alterações laboratoriais – aumento da velocidade de sedimentação,

aumento da PCR, anemia, leucopenia, trombocitose e alterações das

provas de função hepática.

O diagnóstico confirma-se pela biópsia da artéria temporal superficial, sob

anestesia local, e através de Doppler das carótidas.

São critérios de diagnóstico da arterite temporal (American College of

Rheumatology, 1990):

• Idade superior a 50 anos;

• Início “de novo” de uma cefaleia localizada;

• Dor à palpação da artéria temporal e diminuição da pulsação;

• Velocidade de sedimentação superior a 50;

• Histologia positiva.

A terapêutica consiste em corticoterapia prolongada (prednisolona).

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Cefaleias Primárias

O diagnóstico das cefaleias primárias depende sobretudo da história clínica,

já que, nestes doentes, tanto o exame físico e neurológico como os exames

complementares de diagnóstico estão normais.

Na história clínica, devem constar: perfil temporal da dor, descrição das crises,

local da dor, factores que influenciam a dor e situação actual.

1. Perfil Temporal

1.1. Há quanto tempo começou a ter as dores de cabeça? Como

evoluíram ao longo do tempo?

• Cefaleia aguda (dias);

• Cefaleia subaguda (semanas);

• Cefaleias crónicas (anos).

1.2. Frequência das crises

• Cefaleias episódicas (períodos de crise com intervalos livres sem dor,

como, por exemplo, a enxaqueca):

� Com horário? Diurno/nocturno;

� Com calendário? Catameniais, sazonais;

� Número de crises por mês e número de dias em que o doente

sentiu dor de cabeça por mês;

• Cefaleias diárias crónicas (exemplo: cefaleia de tensão crónica);

• Episódio único.

1.3. Duração das crises

• Instantâneas (nevralgia do trigémio);

• Curta duração (alguns minutos, cefaleia em salvas);

• Horas a dias (enxaqueca, 4-72 horas);

• Contínua (durante semanas/meses).

1.4. Modo de instalação

• Cefaleia de instalação súbita (sugestiva de patologia orgânica);

• Cefaleia de instalação progressiva.

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2. Descrição das crises4

2.1. Qualidade:

• Pulsátil (a latejar, a bater, a pulsar, a martelar);

• Nevrálgica (instantânea, choque eléctrico, guinada);

• Não pulsátil (aperto, peso);

• Figurativa (bichos a morder, cães a ladrar, água a escorrer).

2.2. Sintomas acompanhantes;

� Na enxaqueca:

• Gastrointestinais: anorexia, náuseas, vómitos;

• Fotofobia e sonofobia;

• Sintomas neurológicos transitórios: “aura”.

� Na cefaleia em salvas:

• Sintomas autonómicos oculares ipsilaterais.

2.3. Intensidade e impacto da dor na vida do doente:

• Ligeira;

• Moderada;

• Intensa.

Pode-se tentar classificar as crises segundo uma escala analógica ou

percentual, em que 100 representa o máximo de intensidade.

Uma vez que estas medidas são um pouco subjectivas, uma forma indirecta de

avaliar a intensidade consiste em determinar o grau de incapacidade que a cefaleia

determina – por exemplo, se obriga o doente a faltar ao trabalho, a deitar-se ou se é

compatível com determinadas actividades.

Para além da intensidade da crise, deve-se tentar saber de que forma as dores

modificam a vida e a qualidade de vida do doente – se o impedem de viajar, de

assumir compromissos, se interferem na sua vida social, familiar ou profissional, na

sua auto-estima, etc.

4 Muitas vezes é útil pedir ao doente que faça um registo das suas crises durante um período de um ou dois meses.

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3. Localização

• Unilateral (fixa ou alternante) ou bilateral;

• Trigeminal (têmpora, órbita e mandíbula) ou Extratrigeminal (região da

nuca);

• Profunda ou superficial.

4. Factores que influenciam a dor

• Precipitantes – stress, variações hormonais, jejum prolongado,

actividade física ou sexual, modificação dos padrões de sono, ingestão

de álcool, exposição a estímulos visuais;

• Agravantes – luz, ruído, movimento, manobras de Valsalva;

• Factores de alívio – decúbito, isolamento, dormir, indução do vómito,

pressionar o local da dor.

5. Situação actual

• Motivo da consulta – controlar melhor as crises, procurar uma

terapêutica mais eficaz, despiste de doença grave, conhecer melhor a

patologia;

• Tratamento actual ou prévio – fármacos, dose (despiste de abuso

medicamentoso), via de administração, resposta terapêutica.

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ENXAQUECA OU MIGRAINE

A enxaqueca é uma cefaleia episódica caracterizada por episódios bem

delimitados de dor que podem durar cerca de 4-72 horas (nas crianças é mais

breve), separadas por intervalos livres sem dor. Durante as crises, a cefaleia é

tipicamente pulsátil, unilateral/hemicraniana (alternando de lado), fronto-

temporo-orbitária (FTO), moderada a intensa, agravada pela actividade física

(mesmo ligeira), e pode acompanhar-se de fotofobia, sonofobia, osmofobia,

cinesiofobia, anorexia5, náuseas e/ou vómitos e por vezes sintomas neurológicos

transitórios, que constituem a aura.

Epidemiologia

� Afecta cerca de 11% da população;

� O início geralmente ocorre antes dos 50 anos (90%): 14-16 anos para as

mulheres, 10-12 anos para os homens;

� Na infância, a incidência é igual nas mulheres e nos homens; a partir dos 16

anos a incidência feminina é duas a três vezes superior à masculina, devido

ao aumento de estrogénios;

� Prevalência máxima por volta dos 40 anos nas mulheres (24%);

� Na gravidez, diminui ou desaparece;

� Pode manter-se toda a vida ou desaparecer com a menopausa ou com o

envelhecimento.

Fases da enxaqueca

1. Pródromos ou sintomas premonitórios;

2. Aura;

3. Fase álgica;

4. Pósdromos ou fase de resolução.

5 A aversão e intolerância a certos alimentos é comum na enxaqueca, o que leva muitas vezes os doentes a considerarem que a causa das cefaleias é gastrointestinal (“dores de cabeça biliares”).

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Variantes da enxaqueca

1. Enxaqueca sem aura (85%)

2. Enxaqueca com aura (15%)

A aura consiste em sintomas neurológicos

transitórios (reversíveis), de origem primariamente

neurogénica, unilateral, com início no córtex visual

e que alastra de forma correspondente ao “timing”

dos sintomas clínicos. Normalmente, ocorrem

sintomas visuais binoculares (positivos: brilhos,

riscos e “escotomas cintilantes”; negativos: perda

de visão), sensoriais (positivos: parestesias que

se estendem desde a mão até ao braço e metade

da face – fig.2; negativos: “encortiçamento”),

dificuldades de linguagem ou motoras.

A aura tem habitualmente uma duração inferior a 60 minutos (média de 20min).

Caso contrário, denomina-se aura prolongada, que deverá ser investigada (fig.3).

Os sintomas da aura podem suceder-se sequencialmente na mesma crise, com

“marcha anatómica” associada.

Fig.3 Progressão da aura a nível visual (aspecto de espectro de fortificação) e a nível do córtex visual (progressão 3mm/seg).

Fig.2 Progressão das parestesias e fenómenos visuais.

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Classificação Internacional para as Cefaleias

(International Headache Society, 2004)

Critérios de diagnóstico da enxaqueca sem aura

A. Pelo menos cinco crises preenchem os critérios B-D.

B. Cefaleia que dura 4-72 horas (não tratada ou sem resposta)6.

C. A cefaleia tem pelo menos duas das seguintes características:

• localização unilateral,

• qualidade pulsátil,

• intensidade moderada a severa (inibe ou proíbe as actividades diárias),

• agravada por (ou causando evitamento de) actividades físicas de rotina, incluindo

andar ou subir escadas.

D. Durante a dor de cabeça, surge pelo menos um dos seguintes sintomas:

• náusea e/ou vómito,

• fotofobia e sonofobia.

E. Não atribuível a outra doença.

Critérios de diagnóstico da enxaqueca com aura típica

A. Pelo menos duas crises preenchem os critérios B.

B. A aura inclui pelo menos um dos seguintes sintomas (mas não inclui falta de força

muscular):

• sintomas visuais inteiramente reversíveis, incluindo sinais positivos (escotomas

cintilantes, brilhos, riscos) e/ou negativos (perda de visão),

• sintomas somatossensoriais inteiramente reversíveis, incluindo sinais positivos

(parestesias, “formigueiros”) e/ou negativos (“encortiçamento”),

• perturbações afásicas do discurso inteiramente reversíveis.

C. Pelo menos dois dos seguintes:

• sintomas visuais homónimos e/ou sintomas sensoriais unilaterais,

• pelo menos um dos sintomas de aura desenvolve-se gradualmente ao longo de

cinco ou mais minutos e/ou diferentes sintomas de aura ocorrem em sucessão ao

longo de cinco ou mais minutos,

• cada sintoma dura entre cinco e sessenta minutos.

D. Uma cefaleia preenchendo os critérios B-D para enxaqueca sem aura inicia-se durante

ou segue a aura após um intervalo inferior a sessenta minutos.

E. Não atribuível a outra doença.

6 Nas crianças a duração pode ser mais breve.

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Etiopatogenia

Na patogenia intervêm factores centrais e periféricos.

No início da crise, existe uma activação do tronco cerebral (substância

cinzenta periaqueductal e núcleos aminérgicos). Existe depois estimulação dos

núcleos do SNA (responsáveis por náuseas e vómitos) e do núcleo sensitivo do

trigémio, o reflexo trigémino-autonómico. O núcleo sensitivo do trigémio, sendo

responsável pela inervação da parede dos vasos, leva a vasodilatação intra e

extracraniana. Estas estruturas (núcleos do SNA, núcleo sensitivo do trigémio e

parede vascular) constituem o sistema trigémino-vascular serotoninérgico,

principal sistema nociceptivo intracraniano. A sua activação promove também um

aumento da permeabilidade vascular, inflamação perivascular neurogénea e

libertação de neurotransmissores nociceptivos (substância P, CaGRP e neurocinina

A) que, por sua vez, estimulam as terminações sensitivas do trigémio, provocando a

sensação de dor.

A estimulação repetida deste sistema trigémino-vascular serotoninérgico leva a

uma hipersensibilização dos neurónios do núcleo sensitivo do trigémio e maior

reactividade a estímulos desencadeantes.

Os desencadeantes mais frequentes são:

• Variações hormonais (período menstrual);

• Alterações do sono (períodos prolongados de sono ao fim-de-semana);

• Estímulos sensoriais (luz intensa, padrões visuais);

• Jejum prolongado;

• Esforço físico;

• Certos alimentos, como o vinho tinto;

• Períodos de stress e pós-stress.

A diminuição do limiar de excitabilidade do sistema nervoso é muitas vezes

associada a uma predisposição genética (defeito da fosforilação oxidativa

mitocondrial, diminuição do Mg2+ intracelular, aumento de aminoácidos neurotóxicos,

alterações dos canais cálcio). Esta predisposição (poligénica) da enxaqueca foi

demonstrada na Migraine Hemiplégica Familiar (MHF), com a identificação de três

genes que codificam canais da membrana celular responsáveis pela manutenção do

gradiente iónico transmembranar (canalopatia a nível neuronal).

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Para além de hiperexcitabilidade cortical, podem existir outras alterações

genéticas, como deficiente capacidade de habituação e perturbação da modulação

da dor. Estes múltiplos mecanismos na etiopatogenia da enxaqueca explicam a

eficácia de fármacos tão diversos nas crises e na sua prevenção (vasoconstritores,

anti-inflamatórios e estabilizadores das membranas neuronais).

Terapêutica

Na terapêutica da enxaqueca é importante:

• Descobrir e evitar desencadeantes;

• Manter um registo das crises;

• Terapêutica precoce;

• Evitar a administração oral (alternativas: sublingual, intranasal, rectal ou

parentérica).

Pode intervir-se a dois níveis no tratamento da enxaqueca: durante as crises e

na sua prevenção.

� Terapêutica sintomática da crise

� Inespecífica:

1. Analgésicos simples (paracetamol, AAS);

2. AINE’s (diclofenac, ibuprofeno, naproxeno).

� Específica:

3. Triptanos (almotriptano, sumatriptano, naratriptano);

4. Ergotamina.

A terapêutica deve ser precoce, pois os sintomas tornam-se mais difíceis de

controlar na crise já instalada.

A escolha do fármaco depende de:

• intensidade das crises;

• patologia associada;

• resposta e padrão de intolerância individual.

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� Terapêutica preventiva

A forma mais simples de evitar as crises consiste em identificar e evitar os seus

factores desencadeantes. Se as crises são frequentes (mais de três crises por mês),

prolongadas e incapacitantes, a prevenção deve ser farmacológica.

Os fármacos mais usados são:

1. Antidepressivos tricícliclos em dose baixa (amitriptilina);

2. Bloqueantes beta-adrenérgicos (propranolol, timolol);

3. Antiepilépticos (divalproato de sódio, topiramato).

4. Inibidores dos canais de cálcio

(verapamil, flunarizina);

5. Antidepressivos inibidores da

recaptação da serotonina.

Os fármacos preventivos devem administrar-se de forma contínua (diária)

durante quatro a seis meses, iniciando-se em doses baixas, que se aumentam

progressivamente até ao efeito terapêutico ou efeitos adversos.

O objectivo primário é reduzir a frequência das crises em mais de 50%. Os

objectivos secundários são reduzir a intensidade e duração das crises e melhorar a

qualidade de vida do doente.

A pílula contraceptiva pode agravar as crises de enxaqueca. Se houver uma

associação temporal entre a sua introdução e o agravamento das crises, deverá ser

substituída por outros meios contraceptivos.

Enxaqueca e doença vascular

A enxaqueca pode potenciar factores de risco vascular, talvez por se associar a

sindromas pós-trombóticos e alterações da agregação plaquetária.

Os triptanos e ergotamina têm um efeito vasoconstritor, pelo que são contra-

indicados nos casos de patologia cardíaca ou vascular periférica.

Os contraceptivos orais são contra-indicados nas mulheres com enxaqueca se:

• Idade superior a 35 anos;

• Idade inferior a 35 anos e outros factores de risco vascular (tabagismo,

HTA, diabetes, doença cardíaca, etc.).

Menor grau de eficácia comprovada

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CEFALEIA DE TENSÃO MUSCULAR

A cefaleia de tensão muscular caracteriza-se por uma dor tipo peso ou

capacete que aperta a cabeça, sentida sobretudo nas regiões frontais, temporais e

occipitais.

Costuma ser bilateral e simétrica e pode irradiar à nuca. É uma dor de

intensidade ligeira a moderada, raramente incapacitante. Tem poucos ou nenhum

sintoma acompanhante, excepto a sensibilidade dos músculos à pressão.

A cefaleia de tensão é um fenómeno muito frequente. A maioria dos indivíduos

saudáveis pode experimentar uma dor deste tipo em determinadas circunstâncias

(situações de particular tensão ou stress, ou quando se mantêm posturas pouco

ergonómicas por períodos prolongados). A esta cefaleia ocasional chama-se

cefaleia de tensão episódica. Pelo contrário, existem doentes que sofrem de dores

de cabeça deste tipo de forma crónica e diária, acordando e deitando-se todos os

dias com dor – cefaleia de tensão crónica.

Etiopatogenia

A patogenia desta cefaleia está mal esclarecida. Pensa-se que está

relacionada com factores periféricos, musculares (contracção excessiva dos

músculos do epicrâneo e temporais) e mecanismos centrais (maior sensibilidade à

dor por provável falência dos sistemas antinociceptivos naturais).

A cefaleia de tensão está associada a ansiedade, depressão, intolerância às

contrariedades diárias e a uma atitude mais passiva e de menor iniciativa contra a

dor.

Diagnóstico

• Cefaleia episódica ou crónica;

• Bilateral ou generalizada;

• Ligeira a moderada;

• Não pulsátil (tipo pressão ou capacete);

• Sonofobia, mas sem outros acompanhantes;

• Não agrava com os movimentos nem com o esforço.

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Terapêutica

A terapêutica da cefaleia de tensão crónica é sobretudo preventiva:

1. Antidepressivos (amitriptilina, fluoxetina, doxepina) em doses

antidepressivas;

2. Ansiolíticos;

3. Relaxantes musculares (tinazidina);

4. Medidas não farmacológicas: exercício e treino de relaxamento.

Deve também ensinar-se o doente a evitar os analgésicos, reservar a

medicação para as crises mais intensas e não usar ergotamina nem triptanos.

CEFALEIA EM SALVAS OU “CLUSTER HEADACHE”

A cefaleia em salvas é estritamente unilateral e fixa (sempre do mesmo lado)

e tem um perfil temporal muito característico: crises breves, muito intensas (em

casos extremos pode levar ao suicídio), com um ritmo circadiano e circanual.

Assim, estes doentes variam entre fases inactivas e fases activas, ou surtos.

Os surtos sucedem-se com alguma periodicidade, por exemplo, uma vez por ano,

sempre na mesma altura. Durante o surto, os doentes têm crises todos os dias, em

geral sempre à mesma hora do dia ou, sobretudo, da noite. A crise mais típica

ocorre duas horas depois do doente adormecer, quando entra no primeiro ciclo do

sono REM. Depois de algumas semanas neste padrão de crises breves, a cefaleia

desaparece, para voltar a uma fase inactiva que pode durar meses ou anos –

“cluster” episódico.

Existe também uma forma mais rara de “cluster”, crónica, em que são raros os

períodos sem dor.

É das poucas cefaleias que é mais frequente no sexo masculino (2/3).

Cefaleias

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Diagnóstico

• Crises curtas (45-60 min);

• Muito intensas;

• Unilaterais e fixas;

• Peri ou supraorbitárias;

• Com acompanhantes autonómicos ipsilaterais (lacrimejo, hiperémia

conjuntival, ptose palpebral, miose7 e rinorreia).

Etiopatogenia

Existe uma predisposição genética para este tipo de dores de cabeça.

A sua patogenia não é bem conhecida, no entanto, a existência de recorrências

circanuais e a periodicidade circadiana, sugerem que estas têm origem na activação

do hipotálamo e do SNA. Parece existir também sensibilidade ao calor, álcool e

vasodilatadores durante os surtos.

Terapêutica

A terapêutica do cluster é empírica. As crises respondem bem a:

1. Inalação de oxigénio em alto débito (7l/min-15min);

2. Vasoconstritores (Sumatriptano e Ergotamina);

3. Lidocaína na mucosa nasal;

4. Analgésicos.

A terapêutica preventiva deve fazer-se quando o doente entra em surto e

durante algumas semanas. Vários fármacos podem ser eficazes:

1. Inibidores dos canais de cálcio (verapamil-120-320 mg/dia);

2. Corticóides durante uma a duas semanas;

3. Carbonato de lítio (400mg-1-2x/dia);

4. Topiramato (25-100mg/dia).

7 Ptose e miose são características de um sindroma oculossimpático, o sindroma de Horner, que pode ser causado pela cefaleia em salvas.

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NEVRALGIA DO TRIGÉMIO

A nevralgia do trigémio é uma dor craniana, sentida em geral na face, na

distribuição do segundo ou terceiro ramos do trigémio, nervos maxilar e

mandibular, respectivamente.

Caracteriza-se por:

• Dor instantânea, tipo choque eléctrico;

• Muito intensa e incomodativa;

• Pode ocorrer em rajadas repetidas;

• Sentida apenas de um dos lados da face e sempre do mesmo lado;

• Desencadeada por estimulação de “áreas gatilho” (determinadas regiões

da face).

Etiopatogenia

A nevralgia do trigémio resulta de contactos neurovasculares anómalos

entre a raiz sensitiva do trigémio e as artérias da fossa posterior do crânio. É típica

do idoso, devido à tortuosidade das suas artérias.

Outras causas menos frequentes são os tumores da fossa posterior ou lesões

desmielinizantes do tronco cerebral, como as placas da esclerose múltipla.

Estas outras causas são tanto mais prováveis quanto mais jovem é o doente.

Para as despistar, os doentes devem ser sempre investigados com exames de

imagem (TAC ou RMN encefálicas).

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Terapêutica

A terapêutica deve iniciar-se com medidas farmacológicas:

1. Antiepilépticos (carbamazepina, topiramato, gabapentina, clonazepam);

2. Antiespásticos (baclofeno);

3. Antidepressivos (amitriptilina);

4. Associação entre estes fármacos.

Quando não existe resposta à terapêutica médica, ou o doente não tolera a

medicação, a cirurgia é uma alternativa, sendo a descompressão microcirúrgica

da fossa posterior a mais eficaz. Nos indivíduos idosos, com elevado risco

cirúrgico, pode tentar-se a lesão parcial do nervo, com álcool, fenol ou por

radiofrequência – neurólise do trigémio, que pode aliviar as crises, mas tem risco

de recidiva da dor.

CEFALEIA POR ABUSO MEDICAMENTOSO

� Cefaleia diária;

� Associada ao consumo diário de analgésicos, ergotamínicos ou triptanos.

Com o consumo exagerado, surge a tolerância, perda do efeito terapêutico

e dependência;

� Fraca resposta a medidas preventivas;

� Responde à interrupção da medicação.

A educação do doente e a suspensão total desses medicamentos é a única

forma de interromper o ciclo vicioso. Os doentes que o conseguem fazer,

geralmente, melhoram significativamente em relação às dores, mas alguns nunca

chegam a abandonar esse padrão de consumo, sendo muito difíceis de controlar.

É fundamental perguntar sempre aos doentes que medicamentos tomam

habitualmente, como os tomam e em que doses, para despistar esta situação.