Cenário de Risco e Petróleo - Gurgel

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ARTIGO ARTICLE 2027 1 Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva. Av. Professor Moraes Rego s/n, Cidade Universitária. 50670-420 Recife PE. [email protected] Framework dos cenários de risco no contexto da implantação de uma refinaria de petróleo em Pernambuco Risks scenarios frameworks in the context of an oil refinery installation at Pernambuco State Resumo A magnitude dos problemas socioambi- entais relacionados à urbanização, industriali- zação e esgotamento de recursos naturais tem impacto crescente sobre a saúde e o ambiente. Pa- radoxalmente, os padrões de consumo demandam a ampliação da produção industrial, baseada na exploração de recursos não renováveis, cujos ris- cos tecnológicos, particularmente os da indústria petroquímica, impõem dificuldades reais às me- didas de controle e vigilância à saúde. O refino de petróleo é uma atividade potencialmente danosa ao ambiente e à saúde humana, particularmente aos trabalhadores. Esse estudo objetivou caracte- rizar os cenários de risco para a saúde ambiental decorrentes da instalação de uma refinaria de pe- tróleo na Região Metropolitana de Recife (Per- nambuco). Com base em dados secundários e re- ferências da literatura, construiu-se uma matriz de reprodução social para contextualizar os pro- blemas nas dimensões biológica, da consciência e conduta, econômica, política e ecológica, permi- tindo presumir riscos, com vista a subsidiar o de- senvolvimento e a organização das ações de vigi- lância em saúde no Estado, articuladas interseto- rialmente, com participação social, capazes de intervir sobre os riscos e evitar o adoecimento dos trabalhadores e da população nesse território. Palavras-chave Refinaria de petróleo, Riscos ambientais, Riscos à saúde, Saúde ambiental, Matriz de reprodução social Abstract The magnitude of the environmental and social problems due to urbanization, indus- trialization and exhaustion of natural resources has shown an increase in the impact on health and environment. Paradoxically, the consump- tion patterns demand for the expansion in the industrial production based on the exploitation of the non-renewable resources, which techno- logical risks, especially from the petrochemical industry, have put difficulties on the risk control and health surveillance. The petroleum refining is an activity potentially damageable to the envi- ronment and human health, particularly to work- ers. The main objective of this study was to char- acterize the scenarios of risk to environmental health due to an oil refinery installation in the Metropolitan Region of Recife (Pernambuco). Based on secondary data and literature review, a Social Reproduction Matrix was made contextu- alizing the problems in the biological, conscious- ness and conduct, economic, policy and ecologi- cal dimensions, enabling to presume the risks to support the health surveillance development and organization in the state, with intersectoriality, social participation, and able to intervene on risks and prevent diseases among the workers and peo- ple in the territory. Key words Oil refinery, Environmental risks, Health risks, Environmental health, Social re- production matrix Aline do Monte Gurgel 1 Ana Catarina Leite Veras Medeiros 1 Paloma Corrêa Alves 1 José Marcos da Silva 1 Idê Gomes Dantas Gurgel 1 Lia Giraldo da Silva Augusto 1

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2027

1 Centro de Pesquisa AggeuMagalhães, FundaçãoOswaldo Cruz, Núcleo deEstudos em Saúde Coletiva.Av. Professor Moraes Regos/n, Cidade Universitária.50670-420 Recife [email protected]

Framework dos cenários de risco no contexto da implantaçãode uma refinaria de petróleo em Pernambuco

Risks scenarios frameworks in the contextof an oil refinery installation at Pernambuco State

Resumo A magnitude dos problemas socioambi-entais relacionados à urbanização, industriali-zação e esgotamento de recursos naturais temimpacto crescente sobre a saúde e o ambiente. Pa-radoxalmente, os padrões de consumo demandama ampliação da produção industrial, baseada naexploração de recursos não renováveis, cujos ris-cos tecnológicos, particularmente os da indústriapetroquímica, impõem dificuldades reais às me-didas de controle e vigilância à saúde. O refino depetróleo é uma atividade potencialmente danosaao ambiente e à saúde humana, particularmenteaos trabalhadores. Esse estudo objetivou caracte-rizar os cenários de risco para a saúde ambientaldecorrentes da instalação de uma refinaria de pe-tróleo na Região Metropolitana de Recife (Per-nambuco). Com base em dados secundários e re-ferências da literatura, construiu-se uma matrizde reprodução social para contextualizar os pro-blemas nas dimensões biológica, da consciência econduta, econômica, política e ecológica, permi-tindo presumir riscos, com vista a subsidiar o de-senvolvimento e a organização das ações de vigi-lância em saúde no Estado, articuladas interseto-rialmente, com participação social, capazes deintervir sobre os riscos e evitar o adoecimento dostrabalhadores e da população nesse território.Palavras-chave Refinaria de petróleo, Riscosambientais, Riscos à saúde, Saúde ambiental,Matriz de reprodução social

Abstract The magnitude of the environmentaland social problems due to urbanization, indus-trialization and exhaustion of natural resourceshas shown an increase in the impact on healthand environment. Paradoxically, the consump-tion patterns demand for the expansion in theindustrial production based on the exploitationof the non-renewable resources, which techno-logical risks, especially from the petrochemicalindustry, have put difficulties on the risk controland health surveillance. The petroleum refiningis an activity potentially damageable to the envi-ronment and human health, particularly to work-ers. The main objective of this study was to char-acterize the scenarios of risk to environmentalhealth due to an oil refinery installation in theMetropolitan Region of Recife (Pernambuco).Based on secondary data and literature review, aSocial Reproduction Matrix was made contextu-alizing the problems in the biological, conscious-ness and conduct, economic, policy and ecologi-cal dimensions, enabling to presume the risks tosupport the health surveillance development andorganization in the state, with intersectoriality,social participation, and able to intervene on risksand prevent diseases among the workers and peo-ple in the territory.Key words Oil refinery, Environmental risks,Health risks, Environmental health, Social re-production matrix

Aline do Monte Gurgel 1

Ana Catarina Leite Veras Medeiros 1

Paloma Corrêa Alves 1

José Marcos da Silva 1

Idê Gomes Dantas Gurgel 1

Lia Giraldo da Silva Augusto 1

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Introdução

No contexto urbano brasileiro, os problemasambientais se acumulam e representam situaçõesde risco, com impactos crescentes na qualidadedo ar, da água, do solo e na saúde da população.As regiões urbano-industriais destacam-se pelainfraestrutura básica precária e degradação so-cial, associadas à escassez de recursos naturaispara produção e consumo1.

A despeito da magnitude dos problemas so-cioambientais relacionados à urbanização, indus-trialização e esgotamento de recursos naturais,paradoxalmente, os padrões de consumo deman-dam o aumento da produção industrial com basena intensificação da exploração da natureza.

Nesse cenário, a indústria petroquímica am-pliou sua produção, dando ao petróleo um papelcentral como fornecedor de energia e matéria-pri-ma para a manufatura de inúmeros bens de con-sumo2. Apesar de sua produção estar caminhan-do para a fase de declínio3, o petróleo ainda é aprincipal fonte de energia no mundo, representan-do 43% da energia consumida no planeta em 20024.

Por ser uma mistura complexa de compos-tos orgânicos, com predominância de hidrocar-bonetos e frações menos representativas de en-xofre, nitrogênio, oxigênio e metais como vaná-dio, níquel, sódio, cálcio, cobre e urânio, o petró-leo permite inúmeras sínteses5. O máximo apro-veitamento do potencial energético do petróleo éobtido quando os hidrocarbonetos que o com-põem são separados mediante um processo debeneficiamento conhecido como refino, resultan-do em diferentes produtos2.

Para aumentar a oferta e garantir a autossu-ficiência do mercado interno brasileiro para al-guns derivados de petróleo, diminuir a importa-ção de óleo diesel e petróleo leve e reduzir a de-pendência da América do Sul no abastecimentode energia, o Brasil terá uma nova refinaria comsede em Pernambuco6, que será instalada noComplexo Industrial Portuário de Suape (CIPS)ou Complexo Industrial Portuário GovernadorEraldo Gueiros, localizado na Região Metropoli-tana do Recife, entre os municípios de Cabo deSanto Agostinho e Ipojuca7.

A indústria de petróleo, em todas as fases doprocesso produtivo, tem potencial para causarimpactos sobre o ambiente e a saúde das popula-ções, em especial à saúde dos trabalhadores, emfunção dos riscos específicos no ambiente de tra-balho8. Sabe-se que os hidrocarbonetos aromáti-cos presentes no petróleo, tais como o benzeno,tolueno e xileno (BTX), têm efeitos mutagênicos,

carcinogênicos, teratogênicos9, neurotóxicos10 eapresentam tóxico agudo, sendo mielotóxicos11.

As refinarias de petróleo constituem uma dasatividades humanas de maior potencial poluidor.Elas consomem grandes quantidades de água ede energia, produzem grandes quantidades dedespejos líquidos, liberam diversos gases nocivospara a atmosfera e produzem resíduos sólidos dedifícil tratamento e disposição. Em decorrênciadesses fatos, as refinarias muitas vezes são gran-des degradadoras do ambiente, pois têm potenci-al para afetar o ar, a água, o solo e, consequente-mente, todo o meio biótico em seu entorno2.

Também são frequentes os acidentes de tra-balho e de engenharia, como explosões, vazamen-tos, disposição inadequada de resíduos e trans-porte de produtos perigosos10. Entre 1945 e 1991,o Brasil ocupou a segunda posição entre os dezpaíses com maior número de acidentes químicos.Esses acidentes catastróficos estão associados àexistência de vulnerabilidades sociais e institucio-nais nos contextos local, regional e nacional12.

A compreensão da natureza complexa dosproblemas socioambientais e da múltipla deter-minação social da saúde mostra a necessidade deuma abordagem própria aos sistemas comple-xos. Cancio13 destaca a necessidade de abordaros problemas do desenvolvimento de forma sis-têmica, interdisciplinar e intersetorial em todosos níveis da organização social.

Samaja14 considera o contexto de desenvolvi-mento humano segundo a reprodução social. Osprocessos de reprodução social são interdepen-dentes e podem agrupar-se em quatro dimen-sões: a reprodução biocomunal; da autoconsci-ência e da conduta humana (comunal-cultural);a econômica (societal) e a ecológica-política. Asinformações de cada uma dessas dimensões po-dem ser organizadas em uma matriz de dadospara um modelo compreensivo15.

A reprodução biocomunal considera que asociedade se organiza no dia a dia como um or-ganismo vivo, resultando em redes de interaçõesestruturadas; a reprodução da autoconsciência eda conduta humana se refere ao ser humanocomo produtor da cultura, ou seja, de redes sim-bólicas de elaboração e transmissão de experiên-cias e aprendizagem; a reprodução econômica serefere aos processos pelos quais os seres huma-nos devem produzir seus meios de vida materiale a reprodução ecológico-política se reporta aoprocesso de interdependência mediada pelos se-res humanos entre as condições ambientais, asrelações societais, as relações comunais-culturaise as relações biocomunais16.

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Esse modelo interpretativo permite apreen-der a globalidade do problema e orientar inter-venções nos seus diferentes níveis com as suasinterconexões causais17, possibilitando uma con-textualização e a ruptura com o modelo monoou multicausal do processo saúde-doença15.

Considerando os impactos da atividade derefino de petróleo, esse trabalho objetivou carac-terizar os cenários de risco para a saúde e o am-biente decorrentes da instalação de uma refina-ria de petróleo em Pernambuco.

Procedimentos metodológicos

Esse estudo pautou-se pela utilização de dadossecundários e referências da literatura, para ca-racterizar o contexto ambiental, político, econô-mico e social relacionado à refinaria. Foram uti-lizados dados disponibilizados pelo IBGE, Anvi-sa, Condepe/Fidem, CPRH, FIEPE, Sectma, SE-PLAN-PE, Petrobras, Cerest/Cabo, Datasus, SIM,SINAM, SIH, SIAB, além de livros, monografias,dissertações, teses, jornais, revistas de difusão,periódicos indexados (Medline, Lilacs, Scielo),informações obtidas no workshop “Conhecendoa Refinaria Abreu e Lima”, no Estudo de ImpactoAmbiental e Relatório de Impacto Ambiental(EIA/RIMA) da refinaria, assim como a legisla-ção ambiental, os planos de desenvolvimento ezoneamento de Suape e as políticas de integraçãoenergética da América do Sul. A busca de infor-mações nessas fontes de dados foi orientada paraa construção da matriz de dados de acordo como seu marco teórico16, buscando variáveis commaior força explicativa.

Foram utilizadas variáveis para: (1) a carac-terização dos municípios do Cabo de Santo Agos-tinho e Ipojuca e da cadeia produtiva do refinodo petróleo; (2) a identificação dos impactos so-cioeconômicos da operação da refinaria na re-gião e (3) os riscos à saúde e ao ambiente decor-rentes da exposição ao petróleo e seus derivados.

Para examinar com mais profundidade osaspectos políticos e ambientais da categoria deanálise de reprodução ecológico-política, esta foidesdobrada nas dimensões política e ecológica.

Na construção da matriz de dados, conside-rou-se os agravos decorrentes do esgotamentosanitário e efluentes industriais como problemasde reprodução biocomunal. Os relacionados àconsciência e à conduta foram aqueles relaciona-dos ao cuidado da saúde e do ambiente (serviçosde saúde, saneamento e organizações da socie-dade civil). Os problemas no âmbito do merca-

do de trabalho e da família (pobreza, emprega-bilidade, migração) constituíram os dados dareprodução econômica. As situações relaciona-das às políticas públicas, como vulnerabilidadesinstitucionais e sociais, para promoção da saú-de, como conflitos sociais, padrões de produ-ção-consumo e exclusão social foram integradasà categoria da reprodução política. Para a di-mensão da reprodução ecológica, foram consi-deradas as potenciais situações de risco da inten-sa urbanização, as características do refino dopetróleo e seus impactos.

As categorias de análise e as variáveis descri-toras dos problemas foram organizadas em qua-dros que também apoiaram a construção damatriz de dados.

Resultados e discussões

A Refinaria do Nordeste S/A (REFINE, RNESTou Refinaria General José Ignácio Abreu e Lima)é um empreendimento pretendido pela Petrobrasem parceria com a Petróleos Venezuela (PDV-SA)18. Com capacidade para refinar 200.000 bar-ris de petróleo por dia, dos quais 100.000 serãode petróleo brasileiro, e produzir 60.000 barrisde derivados de petróleo por dia, 5.000 já na pri-meira etapa, a REFINE se destinará à produçãode GLP, nafta, gasolina, querosene, óleo diesel eóleo combustível. A previsão é que a REFINEcomece a operar em 201119.

Os danos ambientais decorrentes da instala-ção e operação de uma refinaria provêm tantoda matéria-prima utilizada e de seus derivadosquanto do refino, que é uma atividade impac-tante devido à grande variedade de processos eoperações utilizados na extração das frações19.Muitos dos compostos utilizados e gerados emrefinarias saem das unidades de processamentosob a forma de emissões atmosféricas, efluenteslíquidos ou resíduos sólidos.

Os efluentes líquidos consistem em águas uti-lizadas no processamento, esgotos sanitários echuva. As águas de processo entram em contatodireto com o óleo e são muito contaminadas epassam por tratamento. As unidades de trata-mento de efluentes são também fonte significati-va de emissões atmosféricas e resíduos sólidosem refinarias2 que requerem medidas de enge-nharia para o controle de poluição.

As emissões atmosféricas incluem emissõesfugitivas dos compostos voláteis presentes noóleo cru e nas suas frações, das unidades de pro-cesso, e geradas pela queima de combustíveis na

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produção19. Os poluentes tipicamente geradosincluem hidrocarbonetos voláteis, monóxido decarbono (CO), óxidos de enxofre (SO

x), óxidos

de nitrogênio (NOx), material particulado, amô-

nia (NH3), sulfeto de hidrogênio (H

2S), metais,

ácidos exaustos e compostos orgânicos tóxicos.A poluição sonora é causada principalmente

pelo funcionamento de equipamentos, como tur-binas e motores, e pela operação de veículos detransporte durante as fases de instalação e ope-ração da refinaria2.

Os resíduos sólidos são gerados durante oprocesso de refino, operações de manuseio dopetróleo e no tratamento de efluentes, normal-mente sob a forma de lamas, cinzas de incinera-dores e borras de filtração. Os constituintes típi-cos incluem metais, hidrocarbonetos aromáti-cos, amônia e ácido sulfídrico2.

Importante resíduo sólido, o coque verde depetróleo, embora seja um subproduto do pro-cesso de refino, ganhou valor comercial e passou

a ser comercializado como combustível em for-nos e caldeiras, sendo utilizado em cimenteiras,indústrias de cerâmica, calcinadoras de gesso eoutras. O coque verde possui em sua composi-ção elementos tóxicos presentes no petróleo, taiscomo enxofre, metais pesados e hidrocarbone-tos voláteis. A sua utilização como fonte energé-tica gera, dentre outras substâncias, dioxinas efuranos, reconhecidas pela Organização Mundi-al de Saúde como carcinogênicos20.

A exposição humana pode ser ocupacionalou ambiental, quando esses compostos são libe-rados mediante vazamentos, emissões fugitivas,disposição inadequada de resíduos ou acidentes.Hidrocarbonetos aromáticos e metais pesadosainda podem contaminar animais e plantas, con-taminando água e alimentos21 que, se consumi-dos, podem provocar intoxicação química. Asprincipais consequências dessa poluição sãomostradas nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1. Efeitos à saúde e ao ambiente decorrentes da poluição sonora, emissões atmosféricas, resíduos sólidos eefluentes líquidos produzidos na fase de instalação da REFINE.

Origem

PoluiçãoSonora

Emissõesatmosféricas

Resíduossólidos

Efluenteslíquidos

Poluentes

Poluição sonora

CO(monóxido decarbono)

Resíduos sólidosindustriais classeIII

Efluentes deesgotamentosanitário

Saúde

perda gradativa da audição;interferência no sistema nervoso;incômodo, irritação, exaustãofísica; perturbações no sono; fadiga;problemas cardiovasculares;estresse; aumento da quantidade deadrenalina no sangue;hiperestímulo da glândula tireóide;redução da eficiência do indivíduo;ocorrência de acidentes

dor de cabeça; dificuldade derespirar; tontura; doençascardiovasculares; efeitosteratogênicos no feto

aumento da mobimortalidade pordoenças infecciosas e parasitárias

doenças de veiculação hídrica edecorrentes da ingestão de animaisexpostos aos efluentes

Meio ambiente

perturbação da fauna local

transforma-se em CO2,

contribuindopara o efeito estufa

aspecto estético desagradável;desfiguração das paisagens;contaminação da água, ar e solo;risco de acidentes com animaisdomésticos e silvestres

contaminação dos rios, flora e faunaexistentes na área, podendo levar àmorte desses organismos e extinçãode espécies mais sensíveis

Efeitos na fase de instalação

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Quadro 2. Efeitos à saúde e ao ambiente decorrentes da poluição sonora, emissões atmosféricas, resíduos sólidos eefluentes líquidos produzidos na fase de operação da REFINE.

Origem

Emissõesatmosféricas

Poluiçãosonora

Poluentes

VOCs (acetileno,etano, eteno, GLP,metano, propano,propeno, butano)

COmonóxidocarbono

NOx(óxidos denitrogênio)

SOx(óxidos deenxofre)

H2S

(gás sulfídrico)

Materialparticulado

NH3

(amônia)

Benzeno

Tolueno

Xileno

Poluição sonora

Saúde

irritação no olhos; perda do bem-estar devidoao odor; asfixia, hipóxia, parada respiratória;distúrbios no SNC

dor de cabeça; dificuldade de respirar; tontura;doenças cardiovasculares; efeitos teratogênicosno feto

conjuntivite; tosse, irritação, lesões e distúrbiossistêmicos; problemas no sistema respiratório(insuficiência respiratória, bronquite, infecçãopulmonar, doenças respiratórias agudas,pneumonias, enfisema pulmonar, edemapulmonar); insuficiência cardíaca; distúrbiosno SNC

irritação na pele, olhos e mucosas; reaçõesalérgicas; problemas no dentes; alteraçõesmetabólicas; problemas no sistema respiratório(nosofaringite, pneumonia, bronquite,enfisema e edema pulmonar, choque); danosno sistema imunológico; distúrbios no SNC

irritação dos olhos e vias respiratórias;problemas no sistema respiratório; distúrbiosdigestivos; distúrbios no SNC

irritação nas vias aéreas superiores;agravamento da asma e da bronquite; doençasrespiratórias e cardíacas

lesão tissular; iritação nos olhos e vias aéreassuperiores; problemas respiratórios; problemascardíacos; problemas no sistema digestivo

benzenismo; alterações hematológicas;alterações neurológicas; alteraçõescromossômicas

irritação na pele e nas vias aéreas superiores;anemias; depressão do SNC; distúrbiospsíquicos; doenças neurológicas

irritação na pele, mucosas e olhos; danos nofígado; anemia; problemas no SNC

perda gradativa da audição; interferência nosistema nervoso; incômodo, irritação, exaustãofísica; perturbações no sono; fadiga; problemascardiovasculares; estresse; aumento daquantidade de adrenalina no sangue;hiperestímulo da glândula tireóide; redução daeficiência do indivíduo; ocorrência deacidentes

Meio ambiente

redução da visibilidade; desequilíbrioambiental; danos sobre os materiais;smog fotoquímico; contribuição parao efeito estufa

tranforma-se em CO2 ,

contribuindo para o efeito estufa

danos na vegetação e solo;chuva ácida; smog fotoquímico;contribuição para o efeito estufa

danos na vegetação e solo;chuva ácida

odor desagradável no ambiente;danos na vegetação e solo

prejuízos para a agricultura;danos para a vegetação e solo;contaminação por metais pesados

danos na vegetação e solo

narcose em animais aquáticos;produção de maus odores; poluiçãoda água pelo carreamento superficialou pela infiltração dos detritos paraos corpos hídricos; liberação de gasestóxicos; poluição do ar; alteraçõesquímicas do solo (impactos na biota,danos à saúde humana e aosorganismos vivos)

perturbação da fauna local

Efeitos na fase de operação

continua

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Quadro 2. continuação

Origem

Efluenteslíquidos

Poluentes

H2S

(ácidosulfídrico)

NH3

(amônia)

C6H

5OH

(fenol/ácidocarbólico)

RSH(mercaptans/thiol)

HCl(cloreto/ácidoclorídrico)

HCN(cianeto/ácidocianídrico/prússico)

Saúde

conjuntivite, fotofobia, lacrimejamento e opacificação dacórnea; tosse, expectoração sanguinolenta, respiraçãoacelerada, espasmo brônquico, edema agudo de pulmão,rinite com perda de olfato, broncopneumonia etraqueobronquite); perda de apetite e de peso, náuseas;prurido e vermelhidão; excitação seguida de depressão,fraqueza, dor de cabeça, náuseas, vômito,hiperexcitabilidade, alucinações, amnésia, irritabilidade,delírios, sonolência, fraqueza, convulsões e morte

lesão tissular/queimaduras - amônia líquida;lacrimejamento, edema palpebral, úlcera da córnea, atrofiada íris, atrofia da retina, catarata tardia e cegueira; tosse,faringite, laringite, broncoespasmo, dor torácica, dispnéia,traqueíte, edema agudo dos pulmões, bronquite, enfisemapulmonar e asma; asfixia, parada respiratória; alteração doritmo e batimentos do coração; náuseas, vômitos, sensaçãode queimação e edema dos lábios, da boca e do nariz equando ingerida ingestão ocorrem queimaduras da boca,esôfago, perfuração gástrica

sudorese, cefaléia, vertigens, palidez; fraqueza, tremores econtrações musculares; transtornos digestivos,queimaduras na boca e garganta, dor abdominalacentuada, cianose; danos ao fígado; lesão renal; tosse,dispnéia e parada respiratória; eritema, queimadurasseveras, despigmentação localizada, gangrena dos tecidos enecrose; inchaço na conjuntiva, córnea esbranquiçada edolorida e perda da visão; câncer

Odor forte e repulsivo podendo causar náuseas, enjôos edores de cabeça; quando associado a outras moléculas éaltamente tóxico

irritação, queimaduras sérias até a perda da visão; tosse,queimação, edema de glote e pulomar, sufocamento;descoloração dos dentes; irritação na pele, queimadurasgraves, dermatites, destruição dos tecidos); queimadurasnas mucosas da boca e sistema digestivo - esôfago eestômago- quando ingeridos podendo levar ao óbito

morte por anóxia e alterações no SNC, sistemacardiovascular e no sistema respiratório (morte porsufocamento)

Meio ambiente

odor desagradável noambiente; danos na vegetação(necrose nas partes superioresdas folhas) e solo

danos na vegetação (coloraçãoverde forte e pontos negrosnecrosados nas margens dasfolhas ) e solo; altasquantidades causamsufocamentode peixes e floração devido asuper produção de algas(eutrofização)

incêndios e explosões, além dedanos à fauna, à flora e à vidaaquática

odor desagradável noambiente, danos à fauna, àflora e à vidaaquática.

poluição salina (polui rios ecorpos d´água alterando o pH,podendo contaminar o solo,afetando a flora e a faunaexpostos, eliminando algumasespécies de animais aquáticosem concentrações elevadas)

quando em contato com o artorna-se um potenteexplosivo, causa a poluiçãosalina (eliminação de algumasespécies de animais aquáticosem concentrações elevadas)

Efeitos na fase de operação

continua

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Quadro 2. continuação

Origem

Efluenteslíquidos

Resíduossólidos

Poluentes

Sólidosdissolvidos e emsuspensão

Petróleo cru e seusderivados (BTXou BTEX)

Efluentes deesgotamentosanitário

Metais(Cd, Cr, Cu, Pb,Ni, Zn, P)

NAOH(soda cáustica)

BTX ou BTEX

Enxofre

Metais (Cd, Cr, Cu,Pb, Ni, Zn, P)

Resíduos sólidosindustriaisclasse III

Saúde

sem efeitos diretos observáveis

câncer e problemas descritos paraos hidrocarbonetos benzeno,tolueno e xileno

doenças de veiculação hídrica edecorrentes da ingestão de animaisexpostos aos efluentes

intoxicação causada por ingestãodos animais expostos (crustáceos epeixes)

distúrbios respiratórios,neurológicos, musculares, digestivose dermatológicos; irritação nosolhos e nas mucosas

mesmos danos descritos para asemissões atmosféricas

irritação na pele, olhos e mucosas;reações alérgicas; problemas nodentes; alterações metabólicas;danos no sistema imunológico;problemas no sistema respiratório(nosofaringite, pneumonia,bronquite, enfisema e edemapulmonar, choque)

distúrbios no SNC; intoxicação poringestão de alimentoscontaminados com metais pesados

aumento da morbimortalidade pordoenças infecciosas e parasitárias

Meio ambienteMeio ambienteMeio ambienteMeio ambienteMeio ambiente

assoreamento dos recursos hídricos;diminuição das vazões de escoamento e dosvolumes de armazenamento; inundações;soterramento de animais e de ovos depeixes; aumento da turbidez da água;redução da taxa fotossintética e daquantidade de oxigênio dissolvido; reduçãodo número de espécies e do número deorganismos que vivem no meio afetado

redução da quantidade de luz solardisponível; redução da taxa de fotossíntese,morte de certos organismos (plânctons);aderência do óleo nos corpos dos animais(mamíferos, peixes, pássaros e crustáceos),causando prejuízos à saúde ou morte

contaminação dos rios, flora e fauna,podendo haver morte desses organismos eextinção de espécies mais sensíveis

intoxicação dos organismos aquáticos, taiscomo moluscos, crustáceos, oligoquetos ealgas; modificações severas na fauna e floraaquáticas; redução do número de espécies eeliminação das mais sensíveis

contaminação de esgotos, rios, córregos eoutras correntes de água; danos à flora efauna; poluição do ar e do solo

mesmos danos descritos para as emissõesatmosféricas

chuva ácida; danos à vegetação; alteraçõesquímicas do solo; poluição do ar

contaminação de animais e vegetação;supressão da vegetação; alterações químicasdo solo

aspecto estético desagradável, desfiguraçãodas paisagens; contaminação da água, ar esolo; degradação/restrição do uso do solo;risco de acidentes com animais domésticos esilvestres

Efeitos na fase de operação

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Em refinarias, existe o risco de ocorrerem aci-dentes ampliados, que transpõem a escala espa-cial da indústria, atingindo seu entorno, com efei-tos ecotoxicológicos de curto, médio e longo pra-zos, resultando no aumento do número e da gra-vidade dos eventos22. Além da poluição ambien-tal, existe o risco de explosão ou incêndio23.

O modelo de desenvolvimento adotado peloBrasil, que combina concentração de capital, ex-

ploração da mão-de-obra e abandono ou omi-são do poder público, amplia as situações de ris-co para a saúde12. No Quadro 3, os dados obti-dos foram sistematizados segundo a categoriade análise da reprodução social e em suas sub-categorias.

Analisando a matriz de reprodução social(Quadro 3), no âmbito da reprodução biológica,observa-se que, em 2006, as doenças infecciosas e

Reproduçãobiológica

1. Problemasdareproduçãobiológica noâmbito dasociedade- agravosdecorrentesdosaneamentobásicoinadequado- agravosdecorrentesdos efluentesindustriaissólidos,líquidos egasosos

Reprodução daconsciência e da

conduta

1. Problemas dasocialização noâmbito comunal/societal- problemas doâmbito dosdistritos/bairros,dos serviços desaúde e desaneamento e deoutrasorganizações dasociedade civil:a. poucaparticipação dacomunidade ematividadessolidáriasb. atitude passiva/paternalista dapopulação paramelhorar suasituaçãohabitacional e dodistrito/bairroc. falta de espaçospara diversãod. falta dequalificaçãoprofissionale. baixo nível deescolaridade eausência deprograma deeducação sanitária/ambiental

Reproduçãoeconômica

1. Problemas do âmbitopolítico-jurídico- mudanças de modelose políticas econômico-sociaisa. falta de serviçosbásicos e assistenciaisb. modelo dedesenvolvimentoeconômico etecnológico brasileiroc. distribuição nãoequânime doInvestimento Social2. Problemas no âmbitoda sociedade civila. inserção no mercadode trabalhob. reestruturaçãoprodutivac. fechamento depequenas Indústrias3. Problemas do âmbitofamiliar- pobreza e desocupaçãoa. renda familiarinsuficienteb. desemprego,subempregocriminalidadec. migração (individualou familiar) porproblemas de trabalhod. trabalho de crianças eadolescentes

Reprodução política

1. Problemas do âmbitopolítico: políticas públicasa. debilidade dasinstituiçõesb. falta de ação social sobreo ambientec. uso inadequado dodinheiro públicod. mal uso da informaçãoe. problemas de acesso aosserviços de saúde esaneamentof. déficit dos serviçospúblicosf.1 serviços de saúdef.2 serviços de saneamentof.3 serviço de atenção aotrabalhador – CERESTg. Indefinição ou nãocumprimento dos papéisinstitucionaish. Déficit habitacional2. Problemas do Âmbito daSociedade CivilMudanças Sociaisa. Organização socialb. Padrões de consumoc. Conflitos de Classed. Reelaboração da culturaem decorrência deprocessos migratóriose. Redução dos níveis decidadaniaf. Exclusão social

Reprodução ecológica

1. Problemas da regiãosocioambiental- urbanização acelerada emconsequência da instalação darefinaria:a. degradação ambiental ehabitacionalb. precariedade das habitaçõesc. migraçãod. abastecimento de águainadequadoe. esgotamento sanitárioinsuficientef. Problemas de resíduossólidos domésticos- Refino e transporte dopetróleo bruto e seus derivadosa. Problemas de efluentesindustriais: resíduos sólidos,efluentes líquidos e emissõesatmosféricasb. Contaminação do solo poragentes poluidores - lixocomum, petróleo e seusderivados, com consequenteagravamento das alteraçõespedológicasc. carreamento decontaminantes para cursosd’água superficiais e eventualcontaminação do lençolfreáticod. modificação da qualidadedo are. ecossistemascomprometidos: destruiçãofauna e floraf. sobrecarga/inadequação dainfra-estrutura viária local

Quadro 3. Matriz de reprodução social.

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parasitárias, geralmente associadas ao saneamentoinadequado, representaram a terceira maior cau-sa de internação hospitalar no município de Cabode Santo Agostinho (SIH/SUS) e a quarta causade mortalidade em Ipojuca (SIM/SUS). Com aimplantação da refinaria e de outras indústrias,surgem novas situações de riscos e novas formasde adoecer e morrer, resultando em um duploperfil de morbimortalidade e, consequentemente,na sobrecarga dos serviços de saúde, já insufici-entes para atender a demanda atual.

Em relação ao saneamento, em ambos osmunicípios, há extensas áreas urbanas sem abas-tecimento de água ou abastecidas sob regime deracionamento e não há um sistema de tratamen-to adequado para os esgotos. A coleta convenci-onal dos resíduos sólidos é realizada com baixaeficiência, não há coleta seletiva estruturada e adestinação final dos resíduos se dá em lixões nosdois municípios24. Sem a implementação de me-lhorias, a refinaria agravará esses problemas.

Os serviços de saúde de ambos os municípi-os não têm capacidade instalada e recursos hu-manos suficientes para atender à atual deman-da, especialmente o Centro de Referência em Saú-de do Trabalhador (Cerest) regional, que atual-mente atende doze municípios do estado, cobrin-do 508.536 habitantes. Com a instalação de no-vos empreendimentos, será necessária a amplia-ção e capacitação da rede.

No tocante aos problemas relacionados à re-produção da consciência e conduta, evidencia-sea pouca participação social para a discussão eresolução dos problemas locais e defesa dos in-teresses da população, a exemplo do que ocor-reu na audiência pública realizada para discus-são do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) daREFINE, na qual não houve qualquer contesta-ção para a instalação do empreendimento, mes-mo diante de flagrantes insuficiências do EIA25.Há que se considerar a tradição rural na região, ahistória do coronelismo da cana-de-açúcar, apresença de pescadores tradicionais e a recentevocação turística local devido às praias do litoralsul do estado. Todo esse contexto reúne condi-ções para não haver um movimento sindical for-te ou mobilização social. Ao contrário, a pro-messa desenvolvimentista, de geração de empre-go e as frentes de capacitação e de especulaçãoimobiliária são o grande trunfo para criar umaatmosfera pouco reivindicativa e uma baixa pre-sença do setor público regulador.

A taxa de analfabetismo da população é mui-to alta, sendo de 34,2% em Ipojuca e 23,4% noCabo de Santo Agostinho, de acordo com o cen-

so 200026. A baixa escolaridade reflete a pobreza epode explicar os fatores que contribuem para amesma, e mesmo com a atual oferta de qualifica-ção profissional, dificilmente a população localalcançará postos com melhores remunerações,que pedem mão-de-obra especializada. Esta pers-pectiva poderá reproduzir situações ocorridas emoutros pólos industriais do país, onde após o pe-ríodo de instalação industrial, os trabalhadoresmenos qualificados permanecem nas periferias dacidade, ampliando as desigualdades sociais.

Nas situações de risco relacionadas ao con-texto econômico, destacam-se problemas decor-rentes de renda insuficiente, com 48,7% dos che-fes de família do Cabo de Santo Agostinho e55,5% dos de Ipojuca ganhando até um saláriomínimo26 e a desocupação, em que 15,8% dasfamílias de Ipojuca e 17,4% do Cabo de SantoAgostinho vivem sem renda alguma27. Essa situ-ação leva ao aumento da criminalidade, do tra-balho infantil e da emigração e será agravada pelolargo contingente populacional que migrará parao território estratégico de Suape em busca deemprego. A poluição e o risco de acidente pode-rão reduzir a atividade turística, gerando quedanos lucros e desemprego.

Também é evidente a adoção do modelo de-senvolvimentista em detrimento do desenvolvi-mento sustentável. Apesar da significativa rique-za a ser gerada por esses territórios, a distribui-ção da renda não será equitativa e as condiçõesde vida e de trabalho serão precarizadas.

A instalação de novos empreendimentoscomo a refinaria irá reconfigurar o território19.Isso implica uma reestruturação produtiva, ofechamento de pequenas indústrias e a reduçãoou extinção de várias atividades de subsistência,como a agricultura e a pesca, levando a uma des-caracterização sociocultural dessas populaçõespela perda das atividades produtivas com as quaisse identificavam.

Quanto à reprodução política, há insuficiên-cia de políticas públicas nos três níveis de gover-no e baixa capacidade de atuação das vigilâncias,falta de rigor nas legislações ambientais e traba-lhistas, fragilidade de políticas intersetoriais, fal-ta de uma política de habitação nos municípiosintegrada à política de desenvolvimento urbanoe a autossuficiência organizacional do CIPS nãovislumbra o compartilhamento de responsabili-dades com os municípios de Cabo e Ipojuca, ex-pondo os municípios a um crescimento desor-denado e agravamento do déficit habitacional.

A migração para o território estratégico deSuape e a construção dos empreendimentos em

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territórios tradicionalmente habitados pela po-pulação local promoverão pressões migratórias,com consequente descaracterização sociocultural.

Na reprodução ecológica, já se observam pro-blemas decorrentes da urbanização acelerada, daimplantação e operação da refinaria e armaze-namento e transporte de derivados. Destaca-se ocrescimento desordenado, com habitações demédio e baixo padrão construtivo e presença debolsões de pobreza. Esse processo pressiona ainfraestrutura de abastecimento de água, esgo-tamento sanitário e captação de lixo, provocan-do o surgimento de doenças como esquistosso-mose, dengue e leishmaniose, além da prolifera-ção de doenças sexualmente transmissíveis.

O refino, armazenamento e transporte dopetróleo e derivados poderão contaminar o am-biente e degradar os ecossistemas locais, já mo-dificados pela expansão da policultura, retiradade madeira, expansão imobiliária desordenada,aterramento para construções, instalação de vi-veiros, pesca predatória, poluição dos estuárioscom consequentes impactos na fauna e flora24. Aimplantação da refinaria está removendo exten-sões de áreas de mangue, contribuindo para adegradação ambiental25.

Quanto à infraestrutura viária, a deficiênciana capacidade e qualidade das rodovias será agra-vada pelo intenso trânsito de veículos nas fasesde implantação e operação da refinaria, e os ga-ses liberados pelos veículos terão impacto naqualidade do ar. O trânsito intenso incrementa-rá a morbidade e a mortalidade na região emdecorrência de acidentes, além de contribuir paraa prostituição, disseminação de doenças sexual-mente transmissíveis e exploração infantil.

Segundo Samaja14,16, os problemas do desen-volvimento humano são inseparáveis dos ambi-entes de desenvolvimento social das populaçõesenvolvidas e inseparáveis dos problemas da re-produção social. Essa concepção foi adequadaaos objetivos de analisar os cenários de risco en-volvidos no refino de petróleo no contexto deuma região no Nordeste do Brasil. Dada a com-plexidade dos problemas para a saúde e o am-biente, as ações em vigilância da saúde devem seramparadas por um modelo integrado facilita-dor de ações intersetoriais, interdisciplinares eparticipativas, possibilitando uma abordagemecossistêmica em contraposição à tradicional frag-mentação em atendimento aos problemas de-correntes de empreendimentos da envergadurade uma refinaria de petróleo.

Para assegurar à população um ambientecom qualidade de vida e saúde, para instalação

de obra ou atividade potencialmente causadorade significativa degradação do ambiente, se exigeestudo prévio de impacto ambiental (EIA)28, cujoresultado origina o Relatório de Impacto Ambi-ental (RIMA), que deverá ser divulgado e sub-metido à consulta pública29.

Os EIA/RIMA da REFINE contemplam as-pectos de descrição do projeto (volume I); diag-nóstico ambiental (volumes II, III, IV) e identifi-cação e análise de impactos; avaliação da com-patibilidade com planos, projetos e programasdo governo; avaliação de alternativas locais e tec-nológicas; medidas mitigadoras e compensató-rias; acompanhamento e monitoramentos (vo-lume V). Todavia, apresentam uma análise par-cial e fragmentada da realidade, consequente àausência de elementos contextuais de condiçõesde saúde e sustentabilidade socioambiental.

As avaliações de impacto ambiental feitas noEIA/RIMA se limitam aos ambientes físico e bio-lógico, não incluindo em seu escopo os possíveisimpactos à saúde e os aspectos de proteção, de-monstrando a fragilidade das análises.

O EIA/RIMA não apresenta estudo da qualida-de do ar, limitando-se a afirmar que no CIPS ospoluentes atmosféricos estão dentro dos limitesestabelecidos pela Resolução CONAMA no 03/90.Não constam os poluentes secundários, tais comoo ozônio, resultantes de reações químicas queocorrem na atmosfera e onde participam algunspoluentes primários produzidos pela refinaria; enão foi previsto o cálculo de emissão das fontesde poluição atmosférica. Isso dificultará a pre-venção e a compensação das taxas de emissão depoluentes atmosféricos liberados pela refinaria ougerados a partir dos poluentes primários, bemcomo a diferenciação dos impactos por empresa.

O projeto da refinaria não prevê sistema detratamento adequado para remoção de metais pesa-dos, limitando-se a drenagens dos tanques de ar-mazenamento, e não há projeto para tratamentode resíduos como a soda gasta, gerada a partir dotratamento da gasolina. Em relação ao tratamentoe destinação final dos resíduos sólidos gerados nafase de operação, as informações são superficiais,sendo informado apenas que os mesmos serãocoprocessados junto a outras indústrias.

As limitadas medidas mitigadoras propostaspara os impactos esperados e a negação da inco-mensurabilidade dos valores ambientais em am-bas as análises mostram a insuficiência da abor-dagem dada ao complexo problema socioambi-ental resultante da instalação da REFINE e criamuma perspectiva de impactos negativos sobre asaúde, em particular a dos trabalhadores.

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Procurando suprir essas deficiências, Cancio13

propõe uma matriz para analisar os EIA/RIMA,considerando categorias analíticas e operacionaisque permitem uma abordagem complexa, na me-dida em que envolve os conceitos de vulnerabi-lidade, riscos ambientais, acidentes ampliados, aci-dentes de trabalho, território, fluxos migratórios,entre outros. Essa metodologia poderia ser aplica-da para empreendimentos como a REFINE.

Considerações finais

As refinarias de petróleo representam um inves-timento produtivo potencialmente degradante ea crescente gravidade dos riscos tecnológicos daindústria petroquímica, aliada aos complexoscontextos sociais, econômicos, ambientais e po-líticos em que se insere a refinaria no Estado dePernambuco, pode resultar em impactos sobre oambiente e a saúde das populações. Esses impac-tos atingem negativamente a economia local epromovem a inutilização de regiões turísticas.Nesse sentido, o modelo de desenvolvimento pre-cisa incorporar a preocupação com a sustenta-bilidade ecológica e social.

A implantação da REFINE nesse territóriodesconsidera a sustentabilidade socioambiental,na medida em que pode deteriorar as condiçõesde vida da população e dos trabalhadores, pro-movendo a apropriação dos recursos ambien-tais com exportação de riscos entre regiões e aconcentração de renda e poder. Sua localizaçãoem Suape foi influenciada pela chantagem loca-cional, conhecida como a associação entre fracasatuações política e social voltadas ao controle dapoluição e das injustiças sociais, e que, no Brasil,é responsável por migração de indústrias extre-mamente poluidoras, de áreas onde há maiororganização social para áreas mais pobres30.

A forma como as leis e normas relativas àgestão ambiental são elaboradas e implementa-das na região geram um conflito de competên-cia, em que os papéis dos órgãos gestores ou dosdiversos atores sociais não estão claramente de-finidos ou se sobrepõem. Até o momento, nãohá um Sistema de Planejamento e Gestão Urbanae Ambiental que considere a integração regionalbaseado na sustentabilidade.

As medidas econômicas falham ao conside-rar como externalidade a poluição ambiental.Desta forma, a sociedade, e não o contaminador,é que suporta a carga e o custo de enfrentar osprejuízos sociais, econômicos e ambientais. Des-taca-se ainda a dificuldade de estabelecer nexo de

causalidade entre a exposição e os efeitos na saú-de dos trabalhadores e da população.

Esse novo cenário industrial vai exigir um sis-tema de vigilância à saúde articulado intersetori-almente, com participação e fortalecimento dasorganizações sociais, capaz de atuar sobre os ris-cos e evitar o adoecimento dos trabalhadores eda população no entorno do empreendimento.Essas ações de vigilância devem ser guiadas peloprincípio da precaução, entendido como o reco-nhecimento antecipado dos riscos e contextosnocivos à saúde, ou seja, a intervenção deve ocor-rer antes do acontecimento de eventos nocivos enão apenas agir sobre esses, enfatizando a pro-moção da saúde e a prevenção de riscos.

A construção da matriz de dados com basena reprodução social possibilitou identificar va-riáveis importantes para a construção de indica-dores voltados à vigilância da saúde ambiental,uma vez que permite identificar mudanças signi-ficativas nas configurações das condições de saúdee do ambiente, antecipando nocividades e subsi-diando o planejamento de ações futuras, orien-tado por atitudes precaucionárias, tanto para asredes sociais como institucionais.

As ações de vigilância devem focar os ambien-tes ou contextos onde se desenvolvem os proces-sos reprodutivos da vida social, sendo responsá-vel pela observação das mudanças significativasocorridas nas condições de vida da população,que contribuem para transformar a situação desaúde, antecipando a direção dessas modificações.

Compreende-se que a promoção da saúdedo trabalhador, assim como a de toda popula-ção, depende da qualidade do ambiente e dosmodelos de produção em que estes indivíduos seencontram. Desta forma, pensar em qualidadede vida implica defender modalidades de desen-volvimento sustentável, que enfrentem as crisesde desenvolvimento social e ambiental, buscan-do condições suportáveis de crescimento.

Colaboradores

Todos os autores participaram da concepção edo delineamento da pesquisa. A autora AM Gur-gel escreveu a primeira versão do artigo, a qualrecebeu contribuições dos outros autores. Todosos autores revisaram e aprovaram a versão final.

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Artigo apresentado em 10/06/2009Aprovado em 21/08/2009Versão final apresentada em 31/08/2009

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