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cenografia aplicada a dança

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CENOGRAFIA

Cenografia a arte e cincia de projetar e executar a instalao de cenrios para espetculos teatrais ou cinematogrficos.Para os gregos antigos, a cenografia era a arte de adornar o teatro, e a decorao de pintura que resulta desta tcnica.

Para o Renascimento, a cenografia foi a tcnica que consiste em desenhar e pintar uma tela de fundo em perspectiva( ideia de profundidade e volume). J no sentido moderno, a cincia e a arte da organizao do palco e do espao teatral. A palavra se impe cada vez mais em lugar de decorao, para ultrapassar a noo de ornamentao e de embalagem que ainda se prende, muitas vezes, concepo obsoleta do teatro como decorao.A cenografia marca bem seu desejo de ser uma escritura no espao tridimensional (ao qual seria mesmo preciso acrescentar a dimenso temporal), e no mais uma arte pictrica da tela pintada, como o teatro se contentou em ser at o naturalismo. A cena teatral no poderia ser considerada como a materializao de problemticas indicaes cnicas: ela se recusa a desempenhar o papel de simples figurante com relao a um texto preexistente e determinante.Entre os profissionais envolvidos nas atividades de cenografia esto cengrafo, cengrafo assistente, cenotcnico, contra-regra, pintor, maquinista, forrador, estofador aderecista, pintor de arte, maquetista.

A arte da composio plstica consiste em guiar a ateno do observador ao longo de uma trilha precisa, exatamente na ordem desejada pelo autor. Isto conseguido pelo movimento dos olhos sobre a superfcie da tela, se a composio est numa pintura, ou na superfcie de um filme, se estamos examinando uma tomada(Barba; Svarese,1995, p.159.)4

O conceito de montagem, de acordo com o pensamento de Eisenstein, no implica num arranjo de palavras imagens e relaes, pelo contrrio, implica em uma construo do ritmo para representar um comportamento. De modo que a montagem vem substituir o velho termo composio. (Eisenstein, 1994, p. 8.) 6

A cenografia s existe quando h um cenrio? necessrio haver um cenrio construdo ou pintado para que haja cenografia? As manifestaes teatrais de carter anti-arte, que procuram fugir da execuo de um espetculo propriamente dito, prescindem da cenografia? Patrice Pavis nos responde no seu Dicionrio de Teatro, atravs da sua definio do termo cenografia:A composio uma nova sntese de materiais e fragmentos retirados de seus contextos originais. uma sntese que equivalente ao fenmeno e aos relacionamentos reais que ela sugere ou representa. (Barba; Savarese, 1995, p. 158.)A sknographia , para os gregos, a arte de adornar o teatro e a decorao de pintura que resulta desta tcnica. No Renascimento, a cenografia a tcnica que consiste em desenhar e pintar uma tela de fundo em perspectiva. No sentido moderno, a cincia e a arte da organizao do palco e do espao teatral. tambm, por metonmia, o prprio desejo, aquilo que resulta do trabalho do cengrafo. Hoje, a palavra impe-se cada vez mais em lugar de decorao, para ultrapassar a noo de ornamentao e de embalagem que ainda se prende, muitas vezes, concepo obsoleta do teatro como decorao. A cenografia marca bem seu desejo de ser uma escritura no espao tridimensional (ao qual seria mesmo preciso acrescentar a dimenso temporal), e no mais uma arte pictrica da tela pintada, como o teatro se contentou em ser at o naturalismo. A cena teatral no poderia ser considerada como a materializao de problemticas indicaes cnicas: ela se recusa a desempenhar o papel de simples figurante com relao a um texto preexistente e determinante. (Pavis, 1999, p. 44,45.)

A cenografia a manifestao visual do fenmeno teatral no espao cnico e ficcional, construda no apenas pelo cenrio, mas tambm pelo ator e pela sua relao com a ao dramtica e com o espao, ou ambiente, onde est imerso. Pensando assim, a cenografia que for meramente ilustrativa ficar aqum das possibilidades e do potencial da cenografia.

Para Svoboda, por exemplo, a cenografia ... trabalha com imagens cinticas distribudas no espao e no fluir do tempo15.Tambm no caso de um teatro de origem anti-arte como o de Grotowski ou o de Barba, devemos considerar a cenografia no apenas como ilustrao visual de um texto, mas como a materializao visual e espacial do evento teatral que envolve o ator e o espectador.

Aspectos Histricos da Cenografia e do Edifcio Teatral

A origem do teatro pr-histrica, ele nasceu da forma circular definida pelo pblico que se posicionava em torno do espetculo pri- mitivo. O xam, instrumento de ligao entre a natureza mstica e o ser humano, era o proto-personagem. A intuio dos servios cnicos do xam - o uso do fogo e da fumaa aos ornamentos de penas, peles de animais e instrumentos musicais rudimentares - criava a atmosfera necessria para a suspenso da incredulidade e delimitava o espao de atuao. A experincia xamnica, mais que o rosto pintado com lama como um animal, era assumir uma outra realidade e tomar a palavra, este ato foi fundamental para o desenvolvimento do Drama como o conhecemos. Em todos os rituais xamansticos h teatralidade mas ainda no se definem como teatro. A mscara, como smbolo teatral e mmese facial humana universal, surge naquele momento como objeto de poder e instrumento de religao espiritual. As mscaras so usadas alm dos seus referenciais histricos, englobam conceitos estticos e psicolgicos que ampliam a performance do personagem e do prprio espetculo teatral. Seu uso tem motivaes antropolgicas como a imitao dos elementos, crena numa transubstanciao e principalmente: observar sem ser observado. (Cf.Pavis, 1999p.234)O teatro primitivo utiliza acessrios exteriores, exatamente como seu sucessor altamente desenvolvido o faz. Mscaras e figurinos, acessrios de contra-regragem, cenrios e orquestras (sic!) eram comuns,embora na mais simples forma concebvel. (Berthold, 2001, p.3).

Assim, a diferena essencial entre formas de teatro primitivas e as mais avanadas o nmero de atores e acessrios cnicos para expressar sua mensagem. O palco do teatro primitivo uma rea aberta de terra batida. Seus equipamentos de palco podem incluir um ttem fixo no centro, um feixe de lanas espetadas no cho, um animal abatido, um monte de trigo, milho, arroz ou cana-de-acar. (Berthold, 2001, p.4)

Segundo Theodore Kirby o Drama Original foi definido com a ex- presso Ur-drama e usado ainda hoje para definir o incio das manifestaes dramticas humanas. O prefixo Ur est relacionado cidade de Ur situada na Mesopotmia, cerca de 4000 anos a.C., atualmente localizada no Iraque. As relaes humanas organizaram-se como corpo social e geogrfico, tornaram-se cidades. Hoje sabemos que o primeiro stio humano e social organizado foi Jeric na Palestina, cerca de 8000 anos a.C., onde nasceu tambm a linguagem escrita. (Del Nero, 2003, p.4) O homem deixou de ser nmade, socializou-se, construiu abrigo e criou objetos. Seus espaos tornaram-se lugares, onde eventos sociais foram estruturados pela articulao dos repertrios tcnico e cultural de cada sociedade em seu tempo.

A evoluo do espao cnico

O teatro ocidental tem sua origem na Grcia entre os sculos VII e VI a.C. A eira, piso circular onde gros eram triturados pela m movimentada pela parelha de boi, deu origem orchestra, do verbo danar. (Del Nero, 2003, p.1) Danava-se em festas, festivais e orgias em homenagem s estaes do ano ou colheita ou aos deuses e a Dioniso, o deus do vinho, do entusiasmo e do xtase.

Quando os ritos dionisacos se desenvolveram e resultaram na tragdia e na comdia, ele tornou-se o deus do teatro. (Berthold, 2001, p.103)Em 534a.C., um saltimbanco chamado Tspis chegou da Trcia, nordeste de Atenas, trazendo uma pequena troupe de danarinos e cantores de festivais rurais dionisacos em seu lendrio carro cheio de mscaras. Ele inovou ao criar o embrio do que seria mais tarde a tragdia - o canto do bode. Colocou-se como solista utilizando uma mscara de linho com a expresso de um rosto, assim foi criada a primeira personagem, hypokrites - o respondedor - mais tarde o ator, que apresentava o espetculo dialogando com o condutor do coro. (C.f.Berthold, 2001, p.105)

Espao cnico grego

Os concursos dramticos de Atenas, chamados de Dionisa, situa- vam-se na encosta da colina ao sul da Acrpole no santurio de Dioniso. As tragdias, mmese dos homens superiores, aconteciam exclusivamente durante as Grandes Dionisas, e as comdias, mmese dos homens inferiores, competiam nas Lenias. (C.f. Berthold, 2001) Aristteles , 384 322 a.C., apresentou o conceito de mmesis - relacionando-o arte (techn) e natureza (physis) - de forma diferente da definio platnica. Plato considerava a poesia um ato mimtico onde o poeta representava o mundo sensvel por imitao ou simulao, mmese em Plato definida como a cpia da idia imutvel de realidade. Aristteles no interior da Potica concedeu expresso um outro carter, mais positivo, e de maior importncia como conceito. As aes mimticas em Aristteles possibilitam a criao, resgatam o mundo da mesma forma pela qual ele se realiza, por meio do prprio mundo ativa e criativamente. (C.f. Ducls, 2004) Os conceitos de mmesis - imitao - e katharsis - purificao - foram fundamentais na estruturao da tragdia na potica aristotlica. A criao mimtica aristotlica determinou o Teatro e sua cenografia como espetculo da representao criativa, textual, interpretativa e cnica, lugar onde o homem constri seus significados.

01 - Teatro de Epidauro, Polykleitos. Epidauro, 340 a.C. Planta. 02 - Teatro Grego. Perspectiva da skne e orchestra. Sc V a.C.

O espao cnico grego composto originalmente pelo theatron, a orchestra, e a skne. O theatron - lugar de onde se v - constitudo por degraus em semicrculo no aclive de uma colina e por isso com ex- celente acstica natural, podendo abrigar uma platia de cerca de 14 mil espectadores. A orchestra, onde o coro atua, nasceu do espao circular primordial em areia, tendo em seu centro o thymele, um altar de pedra. A sken, a cena, era originalmente uma tenda onde os atores trocavam de figurinos e posteriormente onde o aparato cenogrfico era guardado. O uso da sken como suporte pictrico era evidente por ser o ponto focal da cena. At o sculo V a.C. os teatros gregos eram construdos em madeira. (C.f. Del Nero, 2003, p.19) As unidades de ao, lugar e tempo da tragdia grega, (...), simplificaram muito o problema da cenografia, que se bastava com fachadas de palcios, templos e tendas de campanha (Magaldi 1986, p.37) A sken foi se transformando da provisria tenda pintada, ainda na fase urea do teatro grego, em arqui-tetura construda em pedra. Criou-se o proskenion, origem da palavra proscnio, que ligava a orchestra sken; o episkenion, os pavimentos superiores da sken, e o theologeion que era o parlatrio elevado para os deuses. Nesta poca os bancos de madeira foram substitudos por assentos permanentes em mrmore. Ainda hoje podemos observar, no conservado teatro do santurio de Asclpios, o teatro de Epidauros, a energia histrica do Teatro.Quanto ao espetculo cnico, decerto que o mais emocionante, mas tambm o menos artstico e menos prprio da poesia. Na verdade, mesmo sem representao e sem atores, pode a tragdia manifestar seus efeitos; alm disso, a realizao de um bom espetculo mais depende do cengrafo que do poeta.(Aristteles, 330 a.C., p.207)Aristteles credita a Sfocles a inveno do cenrio pintado, a katablemata. Ao lado das possibilidades de mascarar a skne e de in- troduzir acessrios mveis como carros (para exposio e batalha), os cengrafos tinham sua disposio os chamados degraus de Caronte, uma escadaria subterrnea que levava ao centro da orchestra, facilitando as aparies vindas do mundo inferior (...)Os mechanopoioi, ou tcnicos, eram os responsveis por efeitos como o barulho de troves, tumultos ou terremotos, produzidos pelo rolar de pedras em tambores de metal e madeira. (Berthold, 2001, p.117) O ekiclema, pequena plataforma rolante sobre a qual um cenrio movia-se pelas portas de uma casa ou palcio, trazia para a frente do palco as atrocidades ,mortes violentas, esquartejamentos perpetradas por trs da skne. Quando o poeta precisava resolver um conflito humano insolvel aparecia cnicamente um elemento surpresa,um dispositivo mecnico vinha de cima a seu auxlio, o deux ex machina.

Poucos originais de squilo, Sfocles, Eurpedes e Aristfanes - e suas docu- mentaes cnicas - chegaram at nossos dias, as nicas referncias visuais sobre os espetculos gregos em sua fase urea foram atravs da pintura em cermica.

O edifcio teatral grego evoluiu pela skne Licurguiana encontrada no Teatro de Dioniso em Atenas, reconstrudo por volta de 330 a.C pelo governador ateniense Licurgo. Possua duas edificaes laterais, os parakenions, que auxiliavam e emolduravam a performance dos atores em frente as portas da skne. A skne Helenstica, construda por volta do sculo II a.C., tem o theologeion coberto por telhado de cermica. Os parakenions so reduzidos sua metade.

Possivelmente eram colocados painis pintados como cenrio entre as colunas. No sculo I d.C. da era romana, o Teatro de Dioniso foi novamente remodelado, a nova skne apresentava diversos balces, em nveis diferentes e bastante ornamentados. A ao na orchestra se profaniza, possivelmente por gladiadores em luta com animais selvagens que tomam o lugar das performances religiosas. Muito do que conhecemos do Teatro de Dioniso permanece deste ltimo perodo. Posteriormente este teatro foi abandonado como espao de espetculos e esquecido por muitos sculos.Porm, o elemento mais importante a trama dos fatos, pois a tragdia no imitao de homens, mas de aes e de vida, de felici- dade [e infelicidade; mas felicidade] ou infelicidade, reside na ao, e a prpria finalidade da vida uma ao, no uma qualidade.(Aristteles, Potica,p.206)

Espao cnico romano

A urbs romana concretiza-se entre os sculos III e II a.C., surgem os ludi romani, primitivas festividades religiosas oficiais, e os ludi scaenici, jogos cnicos, peas histricas e comdias que apresentavam a literatura dramtica romana. O teatro romano cresceu sobre o tablado de madeira dos atores ambulantes da farsa popular. Durante dois sculos, o palco no foi nada mais do que uma estrutura temporria.

Primeiramente, a cortina de fundo (siparium) deu lugar a um galpo de madeira, que servia de camarim para os atores. Na frente do palco, onde por fim a scaenae frons romana tomaria o lugar da skne grega, uma estrutura de madeira coberta, com paredes laterais, foi desenvolvida na poca de Plauto para atender s exigncias cnicas.

O teatro romano fundamentou-se pelo mote poltico panem et circenses - po e circo - e herdou as principais caractersticas espaciais do teatro grego.O edifcio teatral romano era construdo em terreno plano em pe- dra e alvenaria, caracterstica diferenciadora principal do modelo grego, dentro do permetro da urbs romana. A platia, que simula a mesma inclinao do theatron grego com os degraus da arquibancada, passa a ser construda sobre abbadas de pedra e seus assentos so ocupados hierarquicamente pelo pblico. A orchestra agora transformada em semicrculo dispe os primeiros lugares como reserva para os magistrados e os senadores. O proscenium tem sua fachada decorada com colunas, esttuas e baixo-relevos. Um pano de boca, sustentado por um sistema de mastros telescpicos de acionamento vertical, fechavam a cena. Como exemplos, o Teatro de Pompia, que tinha 160 metros de dimetro e 27 mil lugares disponveis, apresentava o fundo de cena ornamentado, esculpido e arquitetnico enquanto que o Teatro de Corinto dispunha de cenrios de madeira praticveis e mecanismos de fosso. O perodo ureo da arquitetura teatral romana situa-se entre os sculos I e II d.C.

A fuso de elementos helensticos e romanos, tanto no sul da It- lia quanto na Grcia durante muito tempo, fez com que espaos teatrais separados por grandes distncias geogrficas e temporais usassem ao mesmo tempo os dois tipos de sistemas cenogrficos - as decoraes pintadas e as puramente arquiteturais.

A cena greco-romana tem as unidades de ao, lugar e tempo como caractersticas de espao cnico. O desenvolvimento do espao cnico grego ao romano formalizou o edifcio teatral. A skne primitiva transformou-se em edifcio construdo e a orchestra deu lugar ao proscnio como lugar da ao teatral. Fachadas de palcios, templos e tendas de campanha foram definidas pelas trs portas fundamentais e os meca- nismos cnicos criados para produzir os efeitos necessrios ao drama.

Espao cnico medieval

O medievo, perodo compreendido entre o sculo X e o incio do s- culo XV, apresentou, segundo Karl Vossler, as produes teatrais como di- logos entre Deus e o demnio, no como um conflito trgico entre Deus e o mundo, mas a submisso do mundo a Deus.

Os dramas litrgicos eram escritos e encenados em latim por membros do clero e se estendiam por vrios dias, versavam sobre os ciclos do Natal, dos Profetas, da Pscoa, os autos da Paixo e os Mistrios.O espao cnico medieval era o prprio interior da igreja, onde a representao dos dramas religiosos confundia-se com a prpria liturgia, em um primeiro momento os fiis participavam como figurantes e, posteriormente, como atores. As encenaes tornaram-se maiores e mais elaboradas, aos poucos deixaram o espao eclesial, a cena migrou para o prtico da igreja e em seguida s reas pblicas como o ptio da igreja, as ruas e a praa do mercado. Surgiu uma nova forma de representao, o cenrio simultneo com indicaes simples e sumrias que sugeriam lugares e revelavam um vnculo da cenografia com o esprito do texto.

As origens do carro-palco remontam a 1264, quando o papa Urbano IV instituiu a festa de Corpus Christi, que foi depois celebrada com procisses solenes por toda a Europa ocidental. A pea frequentemente derivava da procisso teatralmente plasmada. (...) O desenvolvimento do palco processional e do palco sobre carros deu-se de maneira independente da literatura dramtica. Sua natureza mvel oferecia duas possibilidades: os espectadores podiam movimen- tar-se de um local de ao para outro, assistindo a sequncia das cenas medida que alteravam a prpria posio; ou ento as prprias cenas, montadas em cenrios sobre os carros, eram levadas pelas ruas e repre- sentadas em estaes predeterminadas.

As cenas seguiam-se uma a outra, um portal representava a cida- de; uma pequena elevao a montanha; esquerda a boca do inferno era simbolizada por um drago com mandbulas monstruosas e fumaa saindo de suas ventas e direita uma elevao indicava o paraso.

Em 1547, os habitantes de Valenciennes reuniram-se para entre- gar-se ao grande Mystre de la Passion durante vinte e cinco dias. Diante de seus olhos distribuam-se as cenas, sucessivamente, ao longo de um eixo longitudinal, como na scaenae frons da Antiguidade. Os princpios cnicos da Renascena ligam-se ao palco de plataformas com cenrios simultneos das peas francesas do final da Idade Mdia.

Os mestres cnicos medievais desenvolveram tcnicas especficas s exigncias de cada auto e lugar destinado representao. Seu sistema cnico era composto de diversos palcos construdos em carros, plataformas e tablados de madeira onde os cenrios eram montados em sequncia conforme o contedo religioso de cada auto. As imagens, bem como os cenrios, eram o principal meio de informao para a abrangente populao analfabeta medieval.

A linguagem vulgar disseminou-se nas comunidades e o teatro me- dieval foi adquirindo um tom mais popular. Artistas caracterizados com trajes e maquiagem apresentavam-se com situaes teatrais retiradas do cotidiano. Grupos populares foram organizados para as apresenta- es. Palhaos, bufes, comediantes e domadores de animais atuavam em palcos improvisadamente montados sobre carroas, os cenrios quase inexistiam, e deslocavam-se de uma praa outra. Na itlia estas troupes deram origem Commedia dellarte.

Espao cnico elisabetano

O edifcio teatral elizabetano foi construdo em madeira em forma- to poligonal e com at trs nveis. As galerias superiores eram destina- das aos espectadores mais abastados, as galerias inferiores e o centro do edifcio para o pblico popular. O palco elevado do piso popular em aproximadamente um metro e meio onde duas colunas sustentam uma cobertura de duas guas, onde vrias cenas poderiam ser representa- das simultaneamente. O palco tinha pouca caracterizao, utilizavam-se apenas alguns mveis e objetos.Shakespeare oferece material suficiente para a imaginao dos es- pectadores, sugerindo cada ambiente e cada cena no texto dramtico. O cenrio falado um trao estilstico primordial da cena elisabetana. No tratado La Pratique du Thtre, o abade dAubignac exigia que o dcor fosse explicado nos versos, ...para assim conectar a ao com o lugar e os eventos com os objetos, e assim ligar todas as partes para formar um todo bem ordenado.

Espao cnico renascentista

O espao cnico da Renascena retornou aos princpios de har- monia clssica da arquitetura greco-romana proposta por Vitrvio no quinto livro da obra De Architectura sobre o ofcio do projeto para te- atro. O Teatro Olmpico, Vicenza 1585, um dos melhores exemplos de teatro renascentista. Projetado por Andrea Palladio e Vicenzo Scamozzi apresentou caractersticas que uniu o modelo tardo-romano ao ar livre e s reflexes de Vitrvio. A sala principal do Teatro subdividida em trs espaos: a cavea - degraus em madeira destinados platia - contor- nada pela galeria e uma colunata de ordem corntia com esttuas; em seu teto de madeira foi pintado um afresco, provavelmente de autoria do pintor Francesco Maffei em 1634, representando o cu com nuvens o proscnio - rea destinada ao desenvolvimento da ao cnica - o scaenae frons - o cenrio fixo construdo em madeira e estuque com as trs portas clssicas - e em seu interior permanece a cenografia fixa, destinada ao espetculo de inaugurao do teatro representando as ruas de Tebas para dipo Rei de Sfocles. A perspectiva do cenrio foi desenhada por Palladio, seguindo as idias de Sebastiano Serlio, e aps sua morte foi finalizada e construda tridimensionalmente em madeira e estuque por Scamozzi situando o ponto de fuga pintado nos painis de fundo alm da cena construda.

Os pintores do renascimento representaram a natureza como uma paisagem perspectivada na tela estruturando um novo olhar. A pintura transformada criou uma analogia teatralizao do mundo. A perspec- tiva introduziu a cincia na pintura e estabeleceu um modelo de repre- sentao do espao cartesiano em planos bidimensionais. Ela ampliou ilusoriamente a cena e seus criadores uniram as artes pictricas e a arquitetura na cenografia em projetos cnicos. Ela resolveu o problema de palcos reduzidos ampliando suas dimenses por linhas convergentes a um nico ponto situado no centro do cenrio com edifcios, ruas e pra- as, bosques e campos. Esta iluso tica transformou a cena, em planos e ambientes, trazendo a terceira dimenso ao cenrio.Toda a cincia e a arte da perspectiva foram desenvolvidas duran- te o Renascimento para sugerir a presena da dimenso em obras visuais bidimensionais, como a pintura e o desenho. Mesmo com o recurso do trompe doeil aplicado perspectiva, a dimenso nessas formas visuais s pode estar implcita, sem jamais explicitar-se. (Dondis, 1997, p.52)

Vicenzo Scamozzi projetou tambm o Teatro allAntica, Sabbioneta 1588, que constitui o primeiro exemplo de teatro estvel, no vinculado a uma estrutura urbana preexistente, da idade moderna. Seguindo os princpios de implantao teatral renascentista, a sala principal de formato retangular era dividida em dois quadrados, o palco e a cavea semicircular, com galeria e colunata, cada um ocupando metade do es- pao interno. O Teatro de Sabbioneta apresenta uma inovao muito significativa para os teatros da poca que a entrada separada para os artistas, msicos e atores, permitindo um acesso direto aos camarins. Seu palco com piso elevado e inclinado possua cenrio fixo representando uma rua central urbana com uma praa e edifcios ornamentados em perspectiva. Os cenrios fixos foram construdos em madeira, estu- que e tela pintada simulando mrmore e pedra. Scamozzi em seu Teatro de Sabbioneta utilizou mais precisamente os princpios de Vitruvio que seu mestre Palladio no Teatro Olmpico.

O Teatro Farnese, Parma 1618, foi projetado e construdo por Giovanni Batista Aleotti, arquiteto da corte de Ferrara. A sala de espec- tadores em forma de ferradura tinha capacidade para 4 mil pessoas. O palco com 30m de profundidade apresentava a porta regia central alar- gada formando um arco no proscnio dando acesso a um palco interior onde se encontravam escalonados seis pares de bastidores deslizantes. A deciso de Aleotti sobre a ampliao da porta central do palco e seu espao cnico at a parede de fundo deu maior importncia constru- o cnica com planos deslizantes e mquinas de palco proporcionando uma decisiva ruptura formal com a rea de ao transversal do pros- cnio da Renascena. (Berthold, 2001, p. 335) Os painis pintados, os periactos articulados e as mquinas cnicas permitiram a eficincia da esttica ilusionista. A cena abriu-se para o olhar do espectador iniciando o conceito de caixa ilusria largamente utilizado nos teatros italiana.

A caixa cnica e o teatro italiano

A sala italiana apresenta um edifcio retangular dividido em duas partes distintas - a cena e a platia - privilegiando-se a separao, pelo proscnio e a ribalta, entre rea de representao e espao destinado ao pblico. A boca de cena formava a moldura de um quadro vivo que o espectador contemplava como uma pintura. Esta diviso entre palco e platia foi definida posteriormente por Antoine como a teoria da quarta parede, a parede da cena transparente para o espectador que tem a iluso que a cena uma ao real onde os atores atuam independente e livremente. (C.f. Roubine, 1998) O palco italiano resgata o sistema de cortinas do teatro romano invertendo-o. A cortina frontal, marca obrigat- ria da teatralidade, apresenta ...seu carter construtor ou desconstrutor da artificialidade da iluso e das fantasias que ela induz. (Pavis, 1999, p.76) A cortina de fundo, pintada com cenas em perspectiva, aparecia e desaparecia por um poo atrs do palco. O proscnio era iluminado fron- talmente desde a ribalta.

A partir de sua experincia cnica desenvolvida para construo de efeitos e mecanismos cnicos para o espetculo, Nicola Sabattini, arquiteto de palco em Pesaro, escreveu sua pioneira obra Pratica di Fabricare Scene e Machine neiTeatri em 1638. O sistema cnico apre- sentado apoiava-se na iluso propiciada pelas tcnicas de desenho da perspectiva para telas pintadas - trompe lil - e a tecnologia empre- gada na mecanizao cnica, bastidores e objetos presos em roldanas e polias deslizando em trilhos sobre o palco e encaixados em outros tri- lhos no piso do palco, todos articulados com contra-pesos fora da cena. (C.f. Mohler, 1999) As descobertas nuticas e geogrficas iniciaram o desenvolvimento de novos mtodos estruturais, de modo que o teatro transformasse tambm seus meios cnicos. A tecnologia naval e sua no- menclatura: deck, mastro, mezena, brigantina, vela de flecha, joanete, volante, gvea fixa, traquete e outros termos foram transpostos para a nau teatral como carretilha, contrapesos, corda, cunha, entelado, esti- cadores, escora, gornes, etc.

Uma nova forma de cenografia, creditada a Aleotti, espalhou-se por toda a Europa. Sua inveno desenvolveu um sistema de mudana de cenrios, diferente dos bastidores em ngulo e dos prismas giratrios de madeira usados at aquele momento. Consistia em uma srie de mol- duras laterais, como os nossos bastidores, revestidas por tela pintada que deslizavam sobre roldanas e trilhos. (C.f.Berthold, 2001, p. 335) O espetculo teatral, daquele momento em diante, solicitou textos cheios de imaginao para o uso abundante de recursos cnicos. Criaram-se nuvens cinticas em painis pintados, sons, luzes e vos para as Glrias; fogo, fumaa e terremotos para o Inferno; bastidores recortados e perpectivas diagonais para palcios e viagens. Em espaos abertos os fogos-artifcio, fireworks; e as naumaquias, evolues nuticas e blicas em grandes tanques dgua, tornaram-se espetculos extasiantes.Atualmente, noite aps noite, existe um lugar privilegiado onde todas essas maquininhas maravilhosas de ilusionismo so utilizadas mais uma vez (...) tornando o palco um lugar onde o inusitado acontece e resgatando o esprito primordial da unio das artes em sua totalidade, seu nome Broadway. (Del Nero, 1993)

A cena barroca e a opera

A pera como novo estilo dramtico, stillo reppresentativo, origi- nou-se com Dafne - msica de Jacopo Peri, texto de Ottavio Rinuccini e intermdios cantados de Giulio Caccini - encenada em 1594 para um pblico seleto em Florena. (C.f. Berthold,2001, p.324). O novo espe- tculo revivia a aura do drama antigo com o equilbrio entre msica, poesia e teatro. Os cenrios, inicialmente em trompe lil simulando a tridimensionalidade, eram a representao do espao idealizado e evo- luiram mobilidade e ao ilusionismo da cenografia dos mltiplos painis onde perspectivas faziam a viso do espectador mergulhar no palco. A nova maquinaria cnica oferecia possibilidades mais ricas do que o ha- bitual cenrio da Renascena e materializou as caractersticas do melhor perodo do teatro barroco. A evoluo cenogrfica daquele momento aconteceu pela substituio dos periactos pelos bastidores planos de uso mais simples e dinmico.

Giacomo Torelli, o grande mgico do barroco multiplicou as pos- sibilidades de metamorfose cnica representao lrica, criou um sis- tema de alavancas e contrapesos que permitia a mudana de cenrio instantnea ultrapassando formalmente o sistema inventado por Aleotti e desenvolvido por Sabbattini. Por toda a Europa desenvolveu e montou espaos cnicos e feste teatrali onde a maquinaria ganhou primeiro plano no espetculo deixando a msica em segundo lugar. Torelli apresenta uma fluidez do espao da representao unindo sensibilidade e esttica, que mais tarde chamaramos de barrocas - o fascnio da mudana, o jogo da realidade e da aparncia.A arquitetura de palcios ou a perspectiva dos jardins, o inferno, o cu ou a floresta eram gneros solicitados criao da cena opersti- ca; ao final do sculo XVII no havia unidade estilstica, os cengrafos eram contratados conforme sua especialidade visual, efeitos e habilida- des em recriar uma atmosfera especfica.(C.f. Del Nero, 1993) Brain, Vigarani, Dentone, Bernini, cada um a seu modo, expandem a iluso e o virtuosismo cenogrfico do barroco ampliando a monumentalidade dos cenrios e a profundidade do campo visual. Naquele momento o espao cnico deixa de ser usado apenas em sua horizontalidade, com alapes de piso e estruturas suspensas sobre o palco, o eixo vertical dinamiza a cena com criaturas do inferno e glrias no cu.Os Galli-Bibiena, os mestres neo-barrocos, criaram cenrios que rejeitavam a simetria com perspectivas diagonais e uso de complexas escadarias, balces, sacadas e arcos. A arquitetura barroca dos pal- cios, seus interiores e seu paisagismo, projetavam-se em profundidades ilimitadas. A estrutura de palco ilusionista avanou sculo XIX adentro pelo empenho de artistas como Quaglio, Gagliardi e Fuentes.(C.f.Berth old,2001, p.338) A pera ampliou sua abrangncia social, inicialmente atividade nobre e erudita, transformou-se em entretenimento popular a partir do sculo XVII com as novas tecnologias cnicas em uso.

A arte do cenrio em perspectiva barroca - e sua exposio na escrita e na ilustrao - atingiu seu znite nos trabalhos do jesuta An- drea Pozzo. Em seu tratado Perspectivae Pictorium atque Architectorum (Perpectiva na Pintura e Arquitetura), publicado em Roma em 16_3, ele estabeleceu os preceitos para os artistas do barroco e rococ nascente: a perspectiva ilimitada, contnua, que dava a iluso e expanso infinita do espao - a ser conseguida por meio da pintura. (Berthold,2001, p.338)A cena barroca foi criada considerando-se o olhar e o lugar do prncipe, em muitos casos o regente era literalmente includo no es- petculo. A estrutura cnica barroca restringiu a ao dos atores ao proscnio e ao centro da moldura cnica. Apenas com a inveno e o uso da iluminao, eltrica e oxdrica no sculo XIX, que os sistemas ilusionistas dos sculos XVII e XVIII foram superados em eficincia e requinte. O edifcio teatral no barroco, seguiu a concepo italiana, apresentou em particular a planta da platia em forma de ferradura e andares com frisas e camarotes at sobre o proscnio e o palco. O teatro do barroco, mais que o espetculo teatral em si, era o lugar dos aconte- cimentos sociais mais significativos e hierrquicos.

A pera e a integrao das linguagens (gesamtkunstwerk)Richard Wagner, alm de compositor, escrevia os libretos e partici- pava de suas encenaes, deixou-nos textos tericos importantes como A Obra de Arte do Futuro, 1850 e pera e Drama, 1851, em que prope a noo de obra de arte total - gesamtkunstwerk - a sntese de todas as artes. Conceito que define o drama, a arte total, como a unio da msica, da mmica, da arquitetura e da pintura para uma inteno nica - ofere- cer ao homem a imagem do mundo. O lugar onde este acontecimento maravilhoso se realiza a cena teatral; a obra de arte universal que ele engendra o drama. (apud.Borie, Rougemont e Scherer, 2004)Em 1882, Wagner inaugurou, sob a inspirao da arte total, a Festspielhaus em Bayreuth com a pera Parsifal. O ciclo wagneriano apoiou-se na valorizao do texto de concepo mitolgica, realizado so- bre o modelo da tragdia grega, e abandonou o cunho histrico ora uti- lizado nas concepes lricas da poca. Segundo Wagner, o mito provoca a transposio das idias s emoes, finalidade das obras de arte. (C.f. Del Nero, 1993 p.62) As peras, deste primeiro perodo em Bayreuth, ainda seguiam as caractersticas cnicas tradicionais, suas idias se con- cretizaram em sua msica e no edifcio que construiu para ela. Nesta nova arquitetura teatral, sobre proposta no-realizada de Gottfried Semper, os espectadores foram colocados todos de frente para o palco, dispostos em planos em aclive permitindo que todos tivessem uma posio adequada em relao ao espetculo. Segundo concepo de Wagner e projeto de Otto Bruckwald, criou-se um fosso para a orquestra oculto entre o palco e a platia, privileginado-se total viso ao espetculo cnico, o abismo mstico wagneriano.

A pera wagneriana como um edifcio simbitico, teatral e cnico ultrapassou todas as fronteiras do espetculo e ser para sempre o tes- temunho desta inspirao dupla e contraditria que influenciou profunda- mente todo o teatro e as artes posteriores. (C.f. Del Nero, 2003) Apenas sob as reflexes ambientais e cnicas de Adolphe Appia, denunciando o ilusionismo e o decorativismo, pde o drama wagneriano dar as costas ao passado, arqueologia cnica, e tornar-se uma experincia da arte total. A obra de Wagner foi o ponto de partida para Appia, e em menor grau para Craig, bem como s idias do teatro total de Piscator e do te- atro abstrato da Bauhaus. Esperou-se por meio sculo para que estas novas idias fossem implantadas por Vilar, na Frana e Wieland Wagner, quando livrou o palco de Bayreuth dos velhos cenrios e incorporasse os novos conceitos de luz e espao que os reformadores simbolistas do palco haviam planejado. Wieland pde transceder a tradio por sua competncia concebendo os vrios nveis de um espetculo. Herdeiro da instituio bayreuthiana, era conhecedor das mais modernas tcnicas cnicas e definia a encenao como uma obra nica, de um nico pen- samento criador. A contribuio de Wieland Wagner, a partir das pesqui- sas de Appia, foi fazer da encenao lrica uma totalidade significativa, um sistema altamente coerente. Articulava a representao do cantor, a arquitetura cnica, a prpria essncia dos elementos constituintes, dos gestos, dos figurinos, da iluminao. O conjunto cnico tirava sua fora de uma interpretao holstica da obra.A revoluo potencial que a iluminao eltrica permite ao menos imaginar, enriquece a teoria do espetculo com um plo de reflexo e de experimentao, com uma temtica da fluidez que se torna dialtica atravs das oposies entre o material e o irreal, a estabilidade e a mo- bilidade, a opacidade e a irisao etc. (Roubine, 1998 p.23)Adolphe AppiaOs princpios da renovao do teatro moderno iniciaram-se com o suo Adolphe Appia. O contato com o trabalho de Jaques-Dalcroze sobre o movimento e a rtmica teve grande influncia sobre suas trs obras fundamentais: A Encenao do Drama Wagneriano, 1895; A Msica e a Encenao, 1899) e A Obra de Arte Viva, 1921; verdadeiros tratados da esttica teatral (C.f. Borie, Rougemont e Scherer, 2004), transformando o espao cnico em um novo laboratrio de possibilidades. Mais que realizaes concretas, muitos dos projetos de Appia no foram executa- dos. Em esboos e maquetes para Das Rheingold (O Ouro do Reno) e para Parsifal em 1896, deu outra funo luz enfatizando as sombras, criando espaos com maior profundidade e distncia. O pensamento c- nico foi alterado para sempre, as teorias e frmulas estavam superadas, os cenrios em perspectiva no permitiam a ao do ator em toda a ex- tenso do palco, assim os painis tornaram-se arquitetura de volumes e planos sugerindo os lugares cnicos e a atmosfera foi definida pela novas possibilidades da iluminao eltrica dispensando a pintura e o trompe lil como suporte. O texto dramtico musical e o ator, e posteriormente a arquitetura cnica e a luz, tornaram-se assunto de renovao na alma da representao teatral. Suas experincias cnicas devolveram ao ator seu espao primordial de atuao, passando de uma prtica meramente mimtica para a construo formal e abstrata, predominantemente simbolista, um lugar de significados. Appia projetou novas relaes entre o espao e o intrprete, a partir da constatao de que a cenografia tradicional em duas dimenses apresentava-se em desarmonia com o volume tridimensional dos corpos dos atores. O corpo humano est dispensado do empenho de procurar a impresso de realidade, porque ele prprio realidade. O nico propsito da cenografia tirar o melhor proveito da realidade disse Appia .

A cenografia se dinamizou em arquitetura iluminada, mobilidade e fluidez. Seus espaos rtmicos compostos de volumes horizontais e verticais, de escadas e planos inclinados, mapeados por zonas de luz e sombras, privilegiou a cena flexvel onde cada drama pudesse desen- volver-se completamente com todos os elementos integrantes do espe- tculo seguindo um pensamento criador nico transcendendo a prpria representao. O teatro deixou de ser apenas um texto a ser lido; por sua natureza tornou-se um espetculo envolvente onde o encenador assumiu o papel de polarizador de todas as aes e elementos do es- petculo em uma viso artstica nica.Appia projetou volumes e formas arquitetnicas transformando-os em espaos e superfcies estilizadas que chamou de cena interior. Suprimiu toda espcie de representao descritiva chegando a formas puras, espao cnico abstrato e geomtrico. Tristo e Isolda de Appia para o Scala,de Milo, em colaborao com Jean Mercier para Arturo Toscanini, seu Anel dos Nibelungos para o Stadttheater na Basilia, sob a direo de Oskar Wlterlin, e seu cenrio para LAnnonce Faite Marie (O Anncio Feito a Maria), de Paul Claudel, para Hellerau, foram ainda mais longe na luta pela transcendncia metafsica. Sua culminao utpica, divor- ciada do teatro, foi a Catedral do Futuro. Estes novos conceitos espaciais trouxeram para o espetculo cnico a reflexo sobre a construo dos significados, a sugesto em vez de realidade, o smbolo em vez da imitao. Suas idias influenciaram diferentes tendncias cnicas posteriores na Europa, como os movimentos construti- vista e expressionista. Para os simbolistas, o empenho fotogrfico do drama naturalista era uma tela que obstrua a penetrao do olhar em vistas mais profundas. O palco no deveria apresentar um millieu real, mas explorar zonas de estados dalma.

Edward Gordon Craig

Edward Gordon Craig dividiu com Appia os mesmos preceitos e ob- jetivos desta nova cena. Estudou os textos antigos de Serlio, Riccoboni, Sabbatini e Galli-Bibiena, e definiu um tipo de cena para cada perodo da histria do teatro: da antiguidade, do medievo, da Commedia dellarte e a da caixa italiana. Props uma quinta cena, do teatro do futuro. (del Nero, 2003 p.63) O novo teatro baseou-se na arte do espao e do movi- mento, no na arte do ator ou do dramaturgo. Seu palco foi o equilbrio da qualidade simbolista da luz com a construo arquitetnica.Na mon- tagem da pera Dido e Enas, o cenrio era apenas um pano de fundo colorido de azul pela iluminao. Mas este azul expressava a alma, ltat de lme, da pera de Purcell. (...) No Hamlet de Moscou, lanas, setas e bandeiras erguidas em escarpa acentuavam a monumentalidadedas verticais e, abaixadas, transpunham o fim trgico em imagem ti- ca. A natureza holstica do teatro consiste num composto dos mais bsicos elementos de ao, palavras, fala, cor e ritmo. disse Craig (apud.Carlson,1997 p.296)

Assim como Appia, Craig enfatizou a qualidade plstica do corpo humano em relao ao cenrio bidimensional e ao espao cnico cons- trudo em volumes como arquitetura cnica. Considerou o ator como um super marionete, ber-marionette, que deveria retratar as idias de um modo mais estilizado, geral e universal. Em seus desenhos e projetos, os atores, gestos e performances eram expressados como elementos grficos e sintticos. Os braos estendidos de Electra, as costas curva- das de Lear, a silhueta esguia de Hamlet no eram acessrios, mas ele- mentos prvios da viso cnica. (Berthold,2001 p.470) Segundo Craig os seres humanos so elementos pertubadores numa pea porque es- to sempre sujeitos ao capricho pessoal. (...) Este novo personagem da viso simbolista no competiria com a vida, iria alm dela, ao transe e viso. (apud.Carlson,1997 p.287)

Os simbolistas utilizaram a luz eltrica como instrumento estru- tural do novo espao cnico explorando os recursos da teatralidade e rompendo com a representao ilusionista. A cena iluminada integrou o corpo do ator, tornou o espao fluido e o tempo elstico definindo novas atmosferas cnicas. O espao simbolista, mais que a perspectiva pict- rica e a caixa cnica italiana poderia produzir, capturou o olhar moderno pela incluso das sensaes luminosas, cromticas e espaciais, dando cenografia caractersticas mais prximas da concepo arquitetnica.Pela primeira vez havia tcnica disponvel para realizar um tipo de encenao livre das limitaes dos materiais tradicionais. Gradualmente foram definindo-se as caractersticas do teatro moderno, a coexistncia de um desejo de ruptura e a possibilidade de mudana somando-se a descoberta da iluminao eltrica e a negao das teorias e frmulas su- peradas deram condies para a nova transformao cnica. O simbolis- mo como um centro das experincias modernista apresentou os espaos internos e externos em dilogo e a paisagem do drama simbolista, em perspectiva histrica, apresenta o corpo e suas vises psicolgicas como uma evoluo do espao cnico. Luz e cor so objeto de uma teorizao e de uma prtica de carter simbolgico, que prosseguiro sem soluo de continuidade ao longo de todo o sculo XX. (Roubine, 1998 p.34)

As Vanguardas do Sculo XX

O incio do sculo XX foi marcado por idias que convergiram para as necessrias mudanas na criao e o uso do espao cnico no teatro. A palavra de ordem era o progresso exaltando a mquina, a fotografia, o carro e o avio. Os meios de comunicao ganharam espao no cotidia- no. A imprensa, o cartaz e o cinema modificaram a percepo de mundo das pessoas. A sociologia investiga a relao entre sociedade e indivduo, identificando as novas teorias estruturais de mudanas na vida coletiva e urbana. O novo homem tornou-se produto de sua origem social.As experincias cnicas geradas pelos movimentos artsticos nas primeiras dcadas do sculo XX, envolviam desde grandes painis e volumes pintados at construes e mecanismos cinticos. As solues apresentavam uma viso de ruptura pessoal, mecanicista, multifaceta- da e dinmica do mundo como uma extenso scio-visual dos artistas e cengrafos. O conceito de criao como representao de uma viso particular de mundo influenciou a maioria das experincias artsticas do sculo XX. A expanso da fotografia, como novo meio para a imagem representada, e sua popularizao, precipitou o fim da era da represen- tao figurativa e da ambio mimtica cnica. A luz definia o cenrio, planos sonoros definiam os espaos, projees sobre tela ampliavam a cenografia construda e estilizada. A perspectiva destruda indicando uma nova concepo do espao pictrico onde cor e movimento mecnico so exaltados. O diretor moveu-se para o centro da plasmao do espetculo e da crtica teatral. Definia o estilo, moldava os atores, dominava o cada vez mais complexo mecanismo de tcnicas cnicas. O palco giratrio, o ciclorama, a iluminao policromtica estavam sua disposio. (...) Formas de estilo e de jogo teatral seguiram em rpida sucesso dentro de poucas dcadas, sobrepondo-se: naturalismo, sim- bolismo, expressionismo, teatro convencional e teatro liberado, tradio e experimentao, drama pico e do absurdo, teatro mgico e teatro de massa.

Expressionismo

O expressionismo surge como um estado de esprito em ruptura com o passado, gerou um espao cnico influenciado pelas artes e recu- sava as concepes naturalistas e o impressionistas. Altamente visuais, as encenaes eram marcadas por predecessores avessos mmese, como Munch e Van Gogh na pintura, Wedenkind e, especialmente, Strin- dberg no Drama. O drama expressionista, da hiprbole, da alegoria, da tenso entre os estremos, retomou a tradio trgica em espetculos construdos por fragmentos apresentados em episdios. (C.f. Borie, Rougemont e Scherer, 2004)

Os cengrafos expressionistas rejeitavam tudo o que fosse supr- fluo e no consideravam os cenrios como lugares, mas vises sugeridas pela dramaturgia. As atmosferas cnicas eram definidas por luzes e cores contrastantes, arquiteturas distorcidas e planos dentados proporcio- nando cenas diagonais e mltiplas. O nimo inconstante e dilacerado do homem moderno era sintetizado por elementos arquitetnicos como escadas, planos giratrios, volumes e pontes suspensas que se estendiam pelo espao do palco. Os expressionistas visaram no menos que a re- generao espiritual do ser humano e exploraram intensamente as pos- sibilidades do palco moderno e do novo meio que se afirmava, o cinema. Enquanto a cenografia para Der Golem de Paul Wegener, 1920, criada por Hanz Poelzig, era tridimensional e composta por formas distorcidas e texturizadas, a de O Gabinete do Doutor Caligari de Robert Wiene, 1919, criada por Walter Reimann, Walter Rhrig e Hermann Warm, era composta por planos bidimensionais grficos e angulosos. (C.f.Eisner, s.d.) O cinema expressionista oferecia para cengrafos e arquitetos, a oportunidade de investigar os efeitos psicolgicos relacionando ele- mentos como: primeiro e segundo plano, distncias e diagonais, ascen- dncias e descendncias, horizontes altos e baixos, iluminao difusa e concentrada, elaborando um vocabulrio grfico, formal e espacial de alto potencial dramtico.

Futurismo

Em O Manifesto dos Autores Dramticos Futuristas, 1911, introduz os princpios futuristas no teatro, em Proclama sul Teatro Futurista, 1_15, Marinetti especifica os critrios para o teatro do futuro, sinttico por excelncia, que exaltava a espontaneidade, a velocidade, a meca- nizao da vida e a dinmica da mquina. O ser humano fora reduzido a um autmato para integrar este novo teatro sinttico e dinmico. As idias e estratgias futuristas foram rapidamente difundidas por aes e performances atravs de panfletos, jornais, exibies e eventos. A cena proposta por Enrico Prampolini, em Scenografia Futursta, tornava o espetculo, atravs de efeitos cromticos, puro ritmo e movimento. As experincias cnicas futuristas pretendiam remodelar a realidade e no fotograf-la. Poucos espaos cnicos futuristas, pictricos por excelncia, foram montados nos palcos da poca. (C.f.CARLSON,1997 p.332)

Construtivismo

A Revoluo Russa proporcionou ao teatro uma das mais importan- tes e radicais rupturas, a mobilizao poltica colocou os espetculos de massa como veculo de criao e atuao coletiva. Os grandes comcios tornaram-se festivais amadores e populares com coros e canes, tan- ques e armas. Os artistas ligados ao teatro organizavam grupos especial- mente treinados para a agitprop - a propaganda de agitao. Meierhold enterrou o teatro burgus quando declarou que o objetivo do teatro no era criar uma atmosfera e apresentar uma obra de arte acabada, mas, antes, tornar o espectador co-criador do drama .O pensamento - o homem como corpo social indissolvel do cole- tivo - definiu as caractersticas da cenografia construtivista que utilizou projeo de imagens, filmes, motores, mquinas, tipografia e estruturas de metal criando inmeros planos para a ao. Os espetculos contruti- vistas uniu agentes de diversas linguagens, todos participantes da Re- voluo, como artistas plsticos, arquitetos, cengrafos, encenadores, etc. (C.f.Mantovani, 1989 p.37)

Oskar Schlemmer e o teatro da Bauhaus

Os espetculos teatrais na Bauhaus buscavam o jogo das formas e cores, em direo a um teatro abstrato onde a geometria definia as relaes do corpo com o espao. (C.f. Borie, Rougemont e Scherer, 2004) O ator no centro do espetculo com todos os outros elementos ao seu redor e os figurinos buscavam novas possibilidades de percepo do corpo do ator ora restringindo o livre movimento, ora exigindo no- vas atitudes e gestos diante da atuao. Assim, a Bauhaus colocava-se contra as propostas naturalistas. Oskar Schlemmer, pintor, coregrafo, professor e supervisor da diviso de teatro, entendia a anatomia huma- na como ponto de partida para novos conceitos mecnicos sobre o corpo no espao. Em 1922 criou o Bal Tridico, sntese de suas idias sobre um teatro do futuro, que evoluiu em montagens cnicas sucessivas at 1932. Podemos ainda citar O Gabinete das Figuras, 1922/23, e as Dan- as, entre 1926 e 27: Dana do Espao, Dana das Formas, Dana dos Crculos, etc. Schlemmer considerava o Teatro como ...o ponto de encontro do metafsico com a objetividade. (Bauhaus, 2003)

Os estudos de Schlemmer o afastaram das representaes realis- tas, suas idias idealizavam um novo ser humano. Assim como Appia, pressupunha a tenso entre o homem, o organismo vivo e o palco como um dilogo artstico crtico. Em Mensch und Kunstfigur [O homem e a figura teatral] Schlemmer evoca o interesse de Craig, Kleist e Bryusov na marionete, mas afirma que o fantoche nunca deve constituir a essncia do drama, que dionisaco em sua origem. A figura teatral ideal deve ser tanto formal quanto espiritual, tanto homem quanto marionete (algo mais perto da ber-Marionette de Craig); Schlemmer chama-a de Kunst- figur. (Carlson,1997, p241-342) Sua oficina nos atelis da Bauhauscriou mscaras, figurinos e cenrios proporcionando estudos mecnicos, ticos e acsticos. Produziu projetos detalhados para o planejamento e o desenvolvimento dos espetculos. Seus desenhos para figurinos ante- ciparam historicamente os ante-projetos para objetos e ambientes cons- trudos digitalmente, hoje chamados de wire frame.(C.f. Agra, 2004)

Erwin Piscator e o Teatro Total

A proposta de Piscator para um Teatro Proletrio em Berlim tinha como objetivo de propaganda das novas idias revolucionrias vindas de Moscou, nada de produzir arte, criava-se a iniciativa da conquista politica dos hesitantes e indiferentes. O texto era criado a partir de no- tcias de jornais, discursos, dilogos impressos, memrias e artigos. A encenao de Piscator, em palcos bsicos e cenrios com projees de filmes, cartoons e imagens, expandia o texto ao contexto sociopoltico misturando acontecimentos dramticos e a recente histria europia. Erwin Piscator consolidou este novo modo de fazer cenografia incluindo novos meios em sua sntese total de espetculo. Sua preocupao central elevar o teatro s dimenses da histria atravs da tecnologia da cena. Raspoutine e Hop l, Estamos Vivos!, 1927, e As Aventuras do Bravo Soldado Schwejk, 1_2_, so seus espetculos experimentais mais clebres. Para a concepo cnica de As Aventuras... observou as linhas de montagem industriais e utilizou duas esteiras rolantes que atravessavam o palco em sentidos contrrios, permitindo a continuidade ininterrupta da ao e o contraste do nico ator do papel-ttulo com um aparelho exclusivamente mecnico. (C.f.Berthold,2001 p.502)Em 1927, Walter Gropius, ento diretor da Bauhaus em Dessau, projetou para Erwin Piscator o teatro total edifcio idealizado como o espao prprio para os novos espetculos de agitao e propaganda em desenvolvimento. O projeto do Totaltheater, um edifcio teatral poliva- lente que permitiria uma srie de mobilidades e multifunes espaciais, poderia ser utilizado como anfiteatro, arena ou palco lateral. Apresenta- va dispositivos cnicos, como palco giratrio, passarelas laterais e todo tipo de configurao cnica necessria a um espetculo didtico para as massas. O edifcio teatral tornou-se, em sua totalidade, o espao de re- presentao. Sua arquitetura deveria ser capaz de exprimir a realidade das relaes sociais e dramticas, definindo o papel da tcnica no inte- rior do drama sociolgico. (C.f. Borie, Rougemont e Scherer, 2004) Este projeto nunca foi construdo, pois era ousado para aquele momento, mas serviu como modelo de espao cnico ideal para os edifcios teatrais que foram construdos posteriormente.

A Cena Contempornea

O sculo XX viu um ritmo de mudanas sem paralelos: tecnolgicas, sociais, econmicas e demogrficas. O teatro desenvolveu vrias funes sociais, polticas e estticas. Em um discurso aberto que compreende prticas culturais de uso e de representao, testemunhamos a desin- tegrao da estrutura, arquitetnica e cnica, italiana. Atualmente o edifcio teatral e seu espao cnico projetado para abrigar todo tipo de espetculo, encenaes teatrais e performticas incluindo shows e con- certos, transformando-o em centro de representao e significncia urba- na. A demanda por projetos desses novos espaos ultrapassa a formao construtiva espacial tradicional. A emancipao do palco desconstruiu a relao entre cena e o olhar individual, e tornou todo espao disponvel passvel de ser transformado em parte do espetculo. A evoluo teatral materializada pela evoluo de seus edifcios teatrais, espaos e tecno- logias cnicas, deslocou nossos paradigmas construtivos para um novo pensamento sobre a cenografia permitindo a descoberta de novas formas de criao para a arquitetura teatral e o espetculo cnico. Os desdobra- mentos contemporneos das experincias cnicas so apresentados para a contextualizao da histria em nosso projeto cenogrfico futuro.

Peter Brook

Os teatros contemporneos, com toda a sua tecnologia, no su- prem o que necessitam os agentes do teatro. Cada poca evoca uma roupagem especfica. Jean-Guy Lecat, em oficina na cidade de So Paulo em setembro de 2005, apresentou sua experincia arquitetnica e cnica durante anos com Peter Brook descrita no livro Open Circle. Jean- Guy, como Brook, prope o retorno as questes primordiais do espao cnico, pois com o desenvolvimento da cenografia, pouco a pouco, o ator saiu do crculo original do teatro grego, afirma que devemos considerar cada aspecto do espetculo - arquitetura teatral, espao cnico, especta- dores, momento poltico, etc. - procurando integr-los organicamente.O imaginrio tem seu lugar no teatro, quanto mais se mostra me- nos se v. (...) No centro de tudo est o pblico e o ator em uma relao justa, depois construmos as paredes ao seu redor.

Jean-Guy Lecat

O Centro Internacional de Pesquisa Teatral, criado em 1970, o espao onde Brook e seus colaboradores de diversas partes do mundo buscam desaprender o teatro explorando o necessrio para pensar o espao do teatro hoje. Assim, desde o incio do Centro eles visitaram diversos lugares como a periferia parisiense, frica, ndia, Venezuela, Estados Unidos e Afeganisto. Apresentaram-se em diversos espaos convencionais, mas foi em aldeias, garagens, bairros marginais e vilare- jos remotos que este aprendizado fez surgir a necessidade do despoja- mento cnico do espetculo. A organizao do pblico o que definia o espao cnico.

Carmem de Bizet foi encenada no Scala em Milo, que ao contrrio do espao teatral barroco onde o pblico era colocado em seu centro para que todos tivessem a mesma viso do espetculo, Peter Brook solicitou o deslocamento da ao para o meio do pblico, como acontece no teatro grego, invertendo os valores espaciais. O palco estendeu-se pela sala de espetculo do Scala e os camarotes em nveis e forma de ferradura foram absorvidos pela cena em uma continuidade espacial. A clssica diviso palco e platia foi anulada e o edifcio teatral tornou-se cenografia, fez com que os intrpretes dividissem seu espao com o pblico oferecendo uma experincia infinitamente mais rica. Como em seu Thtre des Bouffes du Nord, o espao arquitetnico deixa de ser construo fsica tornando-se o espao do ator, da ao. Peter Brook afirma que o cengrafo tm papel fundamental em criar o teatro contemporneo e define a cenografia como um dilogo completo de um espetculo ao vivo - teatro ou performance ou mediado com a tecnologia , pelcula, vdeo, ou o computador.

Josef Svoboda

Uma das caractersticas predominantes de Josef Svoboda como diretor artstico do Laterna Mgika, teatro que pertence ao Teatro Na- cional de Praga, foi sua consistente atuao entre arte, teoria e tcnica. Desenvolveu pesquisas constantes de tcnica teatral e cinematogrfica, dana e direo de atores. Suas pesquisas tcnicas e procedimentos artsticos do continuidade s questes iniciadas por Adolphe Appia, Gordon Craig, Erwin Piscator, da vanguarda sovitica e da Bauhaus, e aprofundaram a relao entre tecnologia e cenografia pelo sofisticado uso da iluminao, projeo de imagens, mecanismos cinticos e re- cursos audiovisuais que ampliaram os limites do espao de encenao. Integrando elementos inovadores em mecnica, sistemas ticos e ele- trnica, encontrou um equilbrio entre a expresso artstica e funciona- mento histrico do palco.Antes de comear a criar um espao dramtico sempre reflito sobre a fachada, a planta e os cortes do edifcio teatral. (...) Estou se- guro que sem considerarmos as leis da arquitetura no ser possvel criar uma cenografia funcional. A cenografia deve expressar-se atravs dos conhecimentos fundamentais sobre as qualidades do espao que se apresenta. (...) Trata-se da cincia da arquitetura e de sua comunica- o ao mesmo tempo importante e vital. A cincia oferece arte a base racional e a ajuda a refletir seu futuro. (Svoboda, 2003)Svoboda considerava o espao cnico como um espao mgico, lu- gar da ao das foras dramticas, e no mais de um espao ilusionista. Sua cenografia sinttica buscava a simplicidade o que permitia a percep- o global do espetculo. Como sempre os maiores problemas do teatro esto na forma, na luz e o movimento que os une, ou seja, os mesmos problemas do impressionismo. Estes problemas, que tem sido estuda- dos pela fsica sob outros pontos de vista, estruturam a capacidade de adaptao e de percepo que o olho humano tem experimentado com as cores, a perspectiva e a iluso de tica. (Svoboda, 2003) A resposta espacial para o teatro moderno, segundo Svoboda, o seu contato com a arquitetura e a cincia proporcionando solues tcnicas e instrumentais que permitem ao cengrafo ir alm dos limites do espao teatral.

Cenografia o entreato do espao, do tempo, do movimento e da luz no palco. Josef Svoboda (apud.Howard, 2004)

Josef Svoboda criou mais de 700 espetculos no mundo inteiro, projetou para diversos espaos, do drama pera, do bal televiso, de estandes promocionais ao cinema. Seus experimentos com projeo de imagens resultaram na descoberta do Polyekran (telas mltiplas sin- cronizadas) e de novos sistemas de iluminao, som e imagem.

Robert Wilson

Desde os anos 60, Wilson procurou novas possibilidades de perfor- mance teatral aprofundando-se na estrutura da linguagem do espetcu- lo. Desenvolveu um pensamento prprio, combinando preciso e estiliza- o, construindo um trajeto da lgica intelectual visual e esttica. Suas cenas constrem-se a partir da nossa percepo do espao como exten- so do tempo, e as imagens compostas so apenas parte de um todo, so a superfcie para a reflexo sobre o fazer teatral. Isso apenas a pele e sob ela h carne e ossos, a megaestrutura, como se fossem co- lunas. (apud. Midgette,1999) Mais que mero criador de belas imagens, o encenador procura em seus espetculos uma linguagem universal so- licitando do espectador sua experincia presencial e sensorial. Acredita que o pblico deve voltar a vivenciar o teatro literalmente, como em Ou- verture, Festival das Artes de Shiraz no Ir, 1972, que durou uma se- mana ou The Life and Times of David Clark com durao de 12 horas, apresentada no Teatro Municipal de So Paulo, em 1974. Geralmente, ouo melhor uma pera de olhos fechados, cenrios demais atrapalham a msica; por isso quero criar cenrios que me permitam ouvir a pera e difcil encontrar o contraponto, exemplifica. (apud. Midgette,1999)As encenaes de Robert Wilson, embora distantes da construo casual, ainda assim encorajam, ao privilegiar a percepo visual e auditiva em detrimento da interpretao, o interesse terico por um teatro primariamente sensorial, sobretudo na Alemanha, onde se concentram os trabalhos de Wilson na dcada de 1__0. Heiner Mller, colaborador constante de Wilson, disse com aprovao a respeito do teatro deste que o texto nunca interpretado, ele um material como a luz, o tom, o cenrio ou uma cadeira. (Carlson, 1997, p.495)

Wilson afasta-se da estrutura histrica para criar seu prprio m- todo de criao cnica; como encenador transforma conceitos da pin- tura de paisagem organizando as cenas como planos, enquadramentos e espaos para a performance do ator. Cores, formas, luz e sombras: metforas e composies pictricas se integram a figurinos e gestos es- tilizados que esculpem o espao cnico em performances calculadas. Os movimentos de seus atores, inicialmente considerados incomuns e sem sentido, ganharam refinamento medida que o diretor reagiu s convenes do teatro e pera ocidentais recorrendo a elementos de outros gneros tradicionais como o Teatro N. Seja um trabalho de Eurpedes ou uma pea de sua autoria, Wilson comea cada projeto analisando a arquitetura do teatro, sua pesquisa cnica busca possveis novos ca- minhos para o espetculo contemporneo explorando a fragmentao cultural e o multiculturalismo advindo com a globalizao.

Peter Greenaway

Greenaway, como diretor e encenador, une diversas mdias como cinema, televiso e internet criando pinturas tridimensionais ou ambien- tes pictricos. Seus filmes, peras, espetculos e exposies misturam elementos como objetos e atores, voz e msica, imagens e textos, luz e efeitos em sistemas cnicos organizados atravs da decupagem do texto ou roteiro em imagens, atmosferas e espaos. Seu estilo visual inspirado no ritmo editado e frentico que encontramos na televiso.Em TV Dante: The Inferno Cantos I-VIII, 1989, Greenaway e o pintor Tom Phillips recriaram o Inferno de Dante Alighieri para a tele- viso inglesa. A Divina Comdia foi escrita quando Alighieri tinha 35 anos como uma jornada espiritual em trs nveis - Inferno, Purgatrio e Paradiso. Sua viso onrica multi-espacial, principalmente do inferno, foi relevante na concepo visual do trabalho de Greenaway e Phillips. Os oito Cantos no foram representados convencionalmente, Greenaway justaps imagens em movimento, ilustraes, tipografia trilha sonora e narraes recontextualizando a obra original do incio do sculo XIV. O resultado um vdeo dinmico e metafrico pelo submundo de Dante que possibilita diversos nveis de leitura. (C.f.Greenaway, 2004)

Em O Cozinheiro, o Ladro, a Mulher e o Amante, o drama, que apresenta violncia, sexo, comida, vingana e canibalismo, potencializa- do visualmente pelos figurinos e cenrios barrocos. A ltima Tempesta- de, 1991, filme inspirado em A Tempestade de William Shakespeare, faz da tela cinematogrfica um livro aberto atravs de cenrios teatrais e a insero digital de imagens e ilustraes. Greenaway pratica um ...olhar enciclopdico sobre o mundo, ao exerccio das taxonomias fantsticas, aos embustes autorais, profuso de citaes e referncias eruditas, concepo do universo como uma Biblioteca de Babel. Procedimentos que o cineasta radicaliza e exacerba, ao barroquiz-los visualmente atra- vs de um sofisticado aparato tecnolgico, conjugado ao entrecruzamen- to de vrias linguagens estticas e campos disciplinares. (Maciel, 2002)44 - Peter Greenaway, Cenas de 100 Objetos para Representar o Mundo, 1998.A pera, 100 Objetos para Representar o Mundo, por exemplo, foi concebida no-dramaticamente mas como uma espcie de grande cat- logo onde so apresentados os objetos que considera mais representati- vos da humanidade. O crnio de Mozart, o chapu de Freud, um porco, uma cadeira ou ento Deus, como um objeto desenhado pelo homem, re- presentado por um ator. Para a encenao no Brasil em 1998 foi montado um cubo cnico que acomodava palco e platia, na rea externa entre os prdios do CCBB e da Casa Frana-Brasil; em suas quatro paredes foram projetadas imagens dos objetos. Um narrador apresentava a definio literal e metafrica de cada item enquanto uma atriz, representando uma serpente, ironizava o discurso. A trilha sonora da pera, de Jean-Baptiste Barrire, uniu msica e rudos a efeitos acsticos, digitais e o silncio. Objetos e atores interagiam simultaneamente projeo de imagens e textos com a histria da arte como suporte referencial. Greenaway hbrido como diretor, artista e cengrafo em seu processo de criao. isso que eu acho excitante: fazer imagens, seja com a cmera, seja na pera, seja na pintura. Tento criar uma linguagem visual mais sofis- ticada. Sempre fiquei impressionado em ver como somos todos analfabetos visualmente. Para fazer do mundo um lugar que valha a pena, preciso que utilizemos todos os nossos sentidos ao mximo. (apud.Paiva, 1998)

Cena, Histria e Tecnologia

O teatro moderno adotou a forma no lugar da idia. A cenografia contempornea, como mtodo e construo da cena, examina os refe- renciais histricos articulando conceitos cnicos e ambientais inovao promovida pelas novas tecnologias. A experincia miditica do espet- culo desautomatizou e alterou nossa percepo e a prpria linguagem cnica. A ligao histrica entre a paisagem e o teatro, pintura, pers- pectiva e ambiente, relacionou a geografia ao ato da encenao suge- rindo a relao entre o teatro e a cena como uma paisagem construda pelo olhar. Tal significado ampliou dois outros conceitos, diferenciados e definidos, o de espao e de lugar.

O espao na cultura, no texto, e na performance propicia um debate mais vigoroso de conceitos de espao como alternativas ao conceito de cena como representao visual e seus significados culturais. O cengrafo ao observar a evoluo do espetculo teatral pode identificar e ana- lisar os valores culturais inseridos em um tempo e um lugar especfico. Seu conhecimento terico e tecnolgico, presentes nas transformaes dos diferentes espaos de representao, geraro os principais compo- nentes para estruturar a formao profissional e os processos de criaco, projeto e construo cnica explorando continuamente os limites cnicos da performance teatral e da tecnologia cnica para este novo sculo. Sem dvida criar a cenografia destes novos tempos gerenciar conflitos e necessidades, mas antes de tudo compreender o novo pensamento es- pacial que o ser humano vem construindo com as novas tecnologias.Muito do que se faz no teatro contemporneo, deve-se pura inrcia. Jean-Guy Lecat, 2005

O Instrumental Cnico

Um cenrio deve ser estruturado visualmente (espacial, sensorial e pictrico) assim como por uma linguagem (convencional e significativa). Entre estas duas abordagens tericas e instrumentais as idias do incio do sculo XX baseadas na percepo e as correntes contemporneas centradas na significao reside o instrumental para que o cengrafo possa desenvolver seus projetos. O estudo da cenografia baseado na significao sugere que a recepo especfica varia de um determinado tempo e espao para outro, atenuando ou distorcendo as convenes como formato, estilo e significado, bem como da sua associao com outras reas do conhecimento humano. A criao, na qual a percepo se estrutura em primeiras idias como cenas em seqncia grfica de duas dimenses, evolui para um projeto em trs dimenses relacionan- do ator/tempo/espao, permitindo assim a compreenso completa do espao cnico. A investigao e anlise do texto, do espao e do corpo do ator como fontes preliminares para a criao e a articulao, fsica e digital, evolue aos mtodos de representao cnica relacionando-os no espetculo enquanto cena e imagem, iluminao e projees, som e silncio. Definir o instrumental cenogrfico compreende o instante de reflexo necessrio para que sejam elucidados no s as questes pertinentes ao teatro e construo do espao cnico, mas tambm as necessidades da prtica cenogrfica mediante os novos meios contem- porneos, como o cinema e a televiso.A criao e a construo do material cnico exige a compreenso das questes conceituais e prticas especficas da encenao. Uma anlise dos espetculos de acordo com estes princpios proporciona informaes primordiais sobre sua concepo, projeto e construo, am- pliando a compreenso de suas consequncias como um evento esttico e espacial de estimulao social na produo cultural contempornea. Esse contedo pode ser organizado atravs da diversidade de leituras simultneas permitidas pelo espetculo e refere-se aos contextos e con- venes do teatro, performance e instalao de arte, reconhecendo uma escala de intenes expressas como o acoplamento social, a prtica artstica e a interveno poltica.

Espao e corpo

A representao, estado em que o homem atravs do gesto rom- pe com o mundo exterior, o instante de criao dos sentidos e seus significados socioculturais. Como primeiro elemento da representao teatral, o homem cria o espao cnico e o enriquece com o uso de sig- nos ora verbais, cnicos, tteis e sonoros. Como primeiro elemento de mmese, o corpo do ator no se separa da ao, sua imagem e presena individual tornam-se veculos ativos e significantes no personagem. A cenografia no existe como um trabalho de arte autnomo, estar sem- pre incompleta at a ao do ator em seu espao atuando e encontrando o espectador.A cenografia a indicao visual comum do diretor e do cengrafo, para uma pea, pera ou dana, e deve ser apresentada ao pblico como um trabalho cenicamente unificado. Deve compreender as necessidades dos atores, expostos a uma audincia, interagindo no

espao cnico.

O ator interage com informaes fsicas e simblicas que vo compor a cena em uma potica de realidade. Em termos cenogrficos, os estilos de performance do ator, do estilo de sua maquiagem ou figurino ou ce- nografias devem tambm ser unificados. Os atores quando esto em cena so a prpria histria teatral viva. As cenografias da face, smbolos histricos por excelncia da representao facial humana, a maquiagem e as mscaras ampliam a performance do ator e do prprio espetculo teatral. A cinsica estuda a significao dos gestos, das expresses do rosto, das atitudes motoras, das posies corporais. A paralingustica estuda as entoaes e as inflexes da voz, das diversas significaes de um acento, de um sussurro, de uma hesitao, de um soluo ou mesmo de um bocejo. O interpretante no teatro seria essa soma final de propo- sies, reaes e combinaes que se produzem nos intrpretes apenas e exclusivamente no momento da representao. (Coelho Netto, 1980)

Espao e lugar

A fenomenologia do espao abrange questes relativas ao dilogo dos planos e ambientes com seu uso. O espao do teatro, o espao das mdias, o espao urbano e o espao de exibio so definies de es- paos referenciais para a estruturao das disciplinas de projeto, hoje presentes nos cursos de arquitetura, de teatro e das mdias. Podemos definir o conceito de espao enquanto qualidade cnica da superfcie e ambiente disponveis no espetculo, assim temos: espao geomtrico - a distncia entre objetos, existentes ou possveis, de extenso abstrata e significado subjetivo, em uma, duas ou trs dimenses. O espao temporal um perodo ou intervalo de tempo ou durao que define o espetculo enquanto realizao de dimenso fsica e temporal, explora as caractersticas cnicas do acontecimento de forma ampla e completa.

Analisa-se a sequncia do espetculo, alm da medida do tempo real, seja atravs da trajetria de uma ao, de uma narrativa ou de uma proposta conceital predeterminada, como um trajeto de seu incio sua concluso. E o conceito de lugar como um conjunto de elementos co- existindo dentro de certa ordem que pode ser de carter identificador, relacional e histrico. Esta presente definio para a expresso lugar tem carter antropolgico como base. Segundo Marc Aug, esta defi- nio de lugar contrape-se a no-lugar - conceito gerado pela super- modernidade pela abundncia factual, de espaos e a individualizao das referncias culturais. No-lugar o lugar destitudo de significncia histrica e identidade espacial; como exemplos posso citar os locais de passagem, auto-estradas, estaes e aeroportos.Espao e espectadorA primeira coisa para o teatro acontecer ter uma idia, aconte- cer um encontro. (Lecat, 2005) O espetculo constri um ambiente, gnese de uma cadeia infinita de significados, onde o espectador recebe simultaneamente diversos tipos de informaes vindas do cenrio, da iluminao, do figurino, dos gestos, da fala. A produo de mensagens, advinda da obra teatral e emitida pelo binmio autor-ator, utiliza-se de vrios nveis de codificao, ora com referncias internas e estruturais da prpria histria do teatro, ora com referncias externas e semnticas vinculadas possibilidade de decodificao dos receptores-espectado- res. No podemos considerar a ao de uma nica mensagem no espet- culo, necessrio que o espectador, seu repertrio cultural e simblico, descubra o conjunto de intenes e sistemas significantes, sua prpria reflexo sobre a produo de sentido do texto e do espetculo teatral. A relao entre o ato da entrega e o ato do encontro pode acontecer de diferentes formas e modalidades, e definido como simultaneamente dis- tinto e inseparvel. Ela identifica o momento da troca espetculo-espec- tador como um produto da ao cnica construdo por suas informaes sensoriais, tornando-o visvel atravs dos elementos cnicos como um ato perceptivo, relacional e significativo. O espetculo, resultado final da soma de diversos elementos da produo teatral, s encontra reais dimenses em contato com o espectador e varia consideravelmente a cada representao conforme muda o espectador e sua resposta cena, ampliando o texto original e seus significados. (C.f.Aumont, 2004)

Espao e texto

O espao cnico espacializa-se a partir das palavras e manifesta-se com funes diversas dentro da ampla escala de espetculos contempo- rneos. O texto, expresso e contedo teatral, o instante primordial para a gnese do lugar cnico, da ambientao e sua visualidade. A cenografia, como forma e substncia, pensada e criada em relao ao texto dramatrgico como um mapa de possibilidades eletivas. As anota- es e as rubricas existentes no corpo do texto, possibilitam inmeros caminhos e subsdios para o desenvolvimento do projeto e sua produo para que supram as necessidades da encenao. O texto apresenta ini- cialmente uma intenso do que vai ser encenado, aquilo que compre- endido. S possvel identificarmos a existncia de uma significao, identificando a ao de vrios aspectos comunicacionais e lingusticos do texto. Para a cenografia importa a identificao e o uso consciente principalmente dos signos estabelecidos e convencionais para enrique- cer a criao espacial cnica. O texto dramatrgico desenvolvido para que cada ao se dirija do palco - cena - para o espectador - platia. Esse eixo de significao, passvel de inmeros tipos de anlise, permite a identificao de uma fenomenologia da experincia da esttica teatral, da sociologia da representao psicologia do receptor.O texto metalingstico, onde encontraremos os procedimentos cnicos em primeiro plano, proporcionam inmeros subsdios para o projeto e a produo cenogrfica altamente sgnica. Encontramos o des- nudamento de todo o processo teatral na metalinguagem, definida aqui como linguagem utilizada para descrever outra linguagem ou qualquer sistema de significao. A incorporao da dimenso metalingstica ao teatro proporcionou o rompimento dos limites entre a histria, o real e a cena. Essa revelao dos procedimentos da encenao permite que a representao transcenda a prpria dramaturgia integrando organica- mente o texto e o espetculo como uma atividade autoreflexiva que en- riquece assim a dramaturgia e o discurso teatral. O metateatro propicia cenografia o momento de reflexo e autoreferncia que continuamen- te avalia os novos caminhos da representao. O teatro dentro do teatro como instrumento dramatrgico de crtica e transgresso exerce funes lingusticas e estticas na encenao. A metalinguagem na representa- o cnica desautomatiza e altera a percepo e a prpria linguagem, propiciando a intertextualidade e a afirmao da potica teatral.A Metateatralidade uma propriedade fundamental de toda comu- nicao teatral. (Pavis, 1999, p.241)Todo espetculo teatral concretiza-se na construo cnica dos sig- nificados, nos cdigos semnticos dos textos teatrais. Qualquer ao ou fato, real ou fictcio, apresentado cnicamente para que um elemento se coloque no lugar de outro elemento que no seja ele prprio. Como representao revela o carter sgnico que o reveste atravs da referencialidade, significado e intertextualidade. O princpio de estrutura e progresso cnica, como estratgia dramatrgica e conceitual, incentiva a apreciao ampla desses princpios, dentro da composio e anlise do espetculo conforme sua extenso como seqncias expressas atravs de seu desenvolvimento; conforme profundidade, como um mergulho em nveis simultneos e interdependentes; ou amplitude, como exten- so ou campo de interesse dirigido por este material dentro de parmetros escolhidos atravs de seu contexto e inteno.

Espao e Sentido

Compreendemos o mundo contemporneo atravs da vivncia e do aprendizado dirio adquirido pelos sentidos, estas informaes geram o conhecimento que se articula em forma de linguagens. A ce- nografia como instrumento de criao espacial, de imagens, lugares e ambientes exige do profissional cnico a habilidade e a competncia das linguagens que ultrapassam as barreiras histrica, geogrfica e cultural. Esta percepo, mesmo mediada, refere-se a uma experincia individual e subjetiva, favorecida primeiramente pelo fator sensorial, desenvolvi- da, articulada e transformada em um segundo instante pelo intelecto. A construo do saber parte da viso anlise, do universal s diversida- des culturais, do momento instantneo mediao de nossos sentidos. O aprofundamento terico, ambiental, formal e visual da criao cnica possibilita a compreenso do espao como catalizador construtivo dos sentidos humanos e a formao de nossa cultura visual. A cenografia projetada e produzida alm dos seus referenciais histricos em resposta s necessidades representativas, convencionando-se cdigos prprios - visuais e espaciais. A construo dos sentidos do homem abrange conceitos estticos, perceptivos e psicolgicos que evoluem conforme a sociedade em que se insere. Semelhantes aos signos que configuram os significados do espao real, as artes, a pintura e a arquitetura - os signos cenogrficos alteram-se no tempo em forma e contedo. Anlises do espao cnico, sob tcnicas exploratrias do ato de codificar, unem o espao cena, a significao estabelecendo diversos nveis de repre- sentao no espetculo.Se teatro fico, apenas porque, antes de mais nada, ele signo. (Umberto Eco in Helbo, 1975 p.29)Em dilogo com a histria das artes e da arquitetura, o edifcio tea- tral reflete as necessidades e usos sociais em sua estrutura arquitetnica e teatral. A implantao histrica e urbana de um edifcio teatral apresen- ta valores especficos, determinando situaes etnolgicas e sociolgicas, conforme uma relao de uso, ocupao e organizao. Os universos sensoriais adquirem significados diferentes conforme a cultura especfica em que se instalam. H trs tipos de espaos analisados pela proxemia - estudo da relao entre espaos, objetos e pessoas que interagem conforme estados socio-culturais: infraculturais, comportamental e enraiza- do no passado biolgico do homem; pr-culturais, fisiolgico e atualizado constantemente; e microculturais, onde se faz a maioria das anlises proxmicas sob trs aspectos: fixos, espaos que organizam as atividades dos indivduos e seus grupos como as construes e espaos urbanos; semifixos, espaos internos e externos flexveis; e informais, espaos co- dificados inconscientemente como distncias sociais, pessoais e ntimas. (C.f.Hall, 1977) A arquitetura teatral, edifcio e cenografia, permite-nos anlises sgnicas extensas do espao real e cnico respectivamente. Cenografia no apenas um signo que denota e conota um am- biente e/ou uma poca, ou que informa um espao, configurando-o: a boa cenografia a que participa tambm da ao narrativa, que no apenas algo externo a ao, decorativamente, mas que se identifica at com o estado psicolgico dos personagens ou o ambiente da cena. Como o nome est dizendo, a cenografia uma escritura da cena, uma escrita no-verbal, icnica, que deve imbricar-se nos demais elementos dramticos, trgicos ou cmicos. (Pignatari, 1984, p.72).A estratgia de criao dos significados no teatro e na cenografia inicialmente transitarmos reflexivamente pela cultura humana e sua potencialidade representativa. Os universos sensoriais adquirem signifi- cados diferentes conforme a cultura especfica em que se instalam. De- finida como a arte dos sinais ou a cincia geral do signo principalmente pelos autores norte-americanos, a semitica estuda todos os fenmenos culturais como se fossem sistemas de signos ou sistemas de significao (imagens, gestos, vesturios, ritos, etc.). Segundo Peirce (apud. Santa- ella, 2002) fenomenologia a descrio e anlise das experincias que esto em aberto para todo homem, cada dia e hora, em cada canto e esquina de nosso cotidiano, quando algo atinge nossos sentidos a exci- tao exterior produz seu efeito em ns. Assim, nossa conscincia pro- duz um signo, um pensamento entre ns e os fenmenos, estamos em um nvel da percepo, uma camada interpretativa entre a conscincia e o que percebido. O signo um objeto de representao, entenden- do-se como objeto todo e qualquer recurso passvel de ser codificado: texto, imagem ou ato, como uma representao convencionada ou no, que funciona como tal atravs unicamente de suas caractersticas pr- prias, constituindo-se ento de uma abstrao, um modelo reduzido, uma construo semitica. Atravs da fenomenologia identificamos trsA Linguagem Cenogrfica_5olhares analticos primordiais para a construo potica dos significa- dos: o olhar contemplativo, o observacional e o abstrato.O primeiro olhar - contemplativo - o olhar puro que v o que est diante dos olhos sem intermediaes racionais ou reflexivas, ele d experincia sua qualidade distinta, seu frescor, originalidade irrepetvel e liberdade. Esta primeiridade perceptiva, onde a qualidade est em evi- dncia, vai apresentar formas, cores e sons sem linguagem estruturada como objetos sensoriais. O segundo olhar - observacional - aquele que distingue, discrimina resolutamente diferenas e particularidades, ele apenas reage ao mundo e d experincia seu carter factual, de luta e confronto. Esta secundidade perceptiva, onde est a singularidade, vai individualizar estes objetos dentro de nosso conhecimento particular. O terceiro olhar - abstrato - tem a capacidade de generalizar as observa- es em classes ou categorias abrangentes, abstrair as generalidades do objeto particular e aproximar um primeiro e um segundo numa sntese intelectual, corresponde camada de inteligibilidade ou o pensamento em signos atravs dos quais representamos e interpretamos o mundo. A terceiridade, onde est a legibilidade e os smbolos, vai conectar-nos ao mundo em que vivemos socialmente. Neste instante perceptivo a anli- se assume o carter de universalidade e sntese. (C.f.Santaella, 2002)Um signo em sua primeiridade apresenta-se como cone, signo que privilegia a representao distituda de uma reflexo racional, como as representaes por similaridade, em estgio primordial como ima- gens, desenhos, pinturas e formas. Em secundidade apresenta-se como ndice, onde ao e reao geram o signo de efeito causal, rudos ou resduos visuais, sonoros ou olfativos que antencedem ou indicam um fato. E em terceridade apresenta-se como smbolo, onde a sociedade,A Linguagem Cenogrfica_6histria e cultura, e em particular a histria e evoluo do teatro, vo condicionar nossa leitura sgnica. aqui que encontramos a represen- tao em seu estado cultural, organizado e convencional. Um smbolo algo que representa algo por conveno, sua criao e uso possibilita a comunicao e expresso efetiva em nossa cultura contempornea.A Linguagem VisualNo se dissocia da palavra teatro a idia de viso.(Magaldi, 1986 p.7)Sempre que algo projetado, desenhado, pintado, construdo ou gesticulado, o que vemos desse objeto composto a partir de elementos bsicos, no os confundindo com os materiais ou meios de expresso, que constituem a substncia de nossa viso. Os fundamentos da lingua- gem visual foram elaborados na Bauhaus como parte do curso bsico de Johannes Itten por um vocabulrio de elementos bsicos - o ponto, a linha, a forma, a direo, o tom, a cor, a textura, a dimenso, a escala e o movimento - organizados em uma gramtica compositiva de relaes e contrastes - equilbrio e instabilidade, simetria e assimetria, regula- ridade e irregularidade, simplicidade e complexidade, unidade e frag- mentao, economia e profuso, minimizao e exagero, previsibilidade e espontaneidade, atividade e xtase, sutileza e ousadia, neutralidade e nfase, transparncia e opacidade, estabilidade e variao, exatido e distoro, planura e profundidade, singularidade e justaposio, se- qencialidade e acaso, agudeza e difuso, repetio e episodicidade, que oferecem uma grande variedade de meios para a expresso visual de um determinado contedo. Estas relaes no devem ser pensadas como excludentes para construo ou anlise de um produto perceptivo e visual. Estes elementos so a matria-prima de toda informao visualA Linguagem Cenogrfica_7que chega at nossos sentidos. Programas idnticos foram desenvolvi- dos por Kandinsky e Moholy-Nagy, que continuaram a desenvolver esta teoria de projeto como uma linguagem baseada na abstrao. Muitos textos produzidos ao longo da histria reproduzem um ncleo de prin- cpios tericos baseados na pintura abstrata e na psicologia perceptiva espacial e visual, sempre dando-se destaque importncia da percep- o em detrimento da significao.Arnheim e Dondis basearam seus estudos na psicologia da Gestalt, uma teoria desenvolvida na Alemanha durante os anos 20. Gestalt uma palavra em si mesma intraduzvel, trata-se de uma palavra alem que engloba ao mesmo tempo a idia de forma e de estrutura. Esta te- oria pretende demonstrar que no podemos perceber seno totalidades, fenmenos inteiros e estruturados, indissociveis do conjunto no qual eles inserem-se e sem o qual nada mais significam. As gestalts, estas formas totais, so como imagens ricamente coloridas que emergem uma a uma, sucessivamente, de um fundo no qual vo de novo imergir assim que o interesse for perdido por parte do observador. Assim po- demos analisar uma obra visual sobre diversos pontos de vista, um dos mais reveladores a desconstruo em seus elementos constitutivos para melhor compreend-la como um todo. Este processo proporciona a compreenso de qualquer manifestao visual em sua natureza interior bem como sua pr-visualizao ou ainda sua interpretao e recepo. Na verdade, nossa percepo para os gestaltistas, est simultanea- mente ligada aos elementos percebidos e s nossas prprias estruturas mentais que nos fazem, consoante as circunstncias do momento, reu- ni-las desta ou daquela maneira. (Bacelar, 2003)A Linguagem Cenogrfica__Os rigorosos estudos e experimentos gestlticos formularam te- orias acerca da percepo e memria, intelecto e linguagem, conduta exploratria e aprendizagem dentro do indivduo e sua relao com um corpo social. Segundo a Gestalt, o que acontece no crebro no idnti- co ao que acontece na retina. A excitao cerebral no se d em pontos isolados, mas por extenso. (C.f.Gomes Filho, 2002) A percepo visual da forma, como do espao, acontece em um processo instantneo de associao de vrias sensaes, construindo a viso como percepo do mundo exterior de modo global e unificado. O reconhecimento da estrutura de uma linguagem visual especfica faz-se atravs da anlise de cada elemento visual em particular. A percepo do espao cnico prescinde da fundamentao esttica e funcional atravs dos elemen- tos visuais bsicos relacionando-os com elementos mais complexos que predominam na criao e realizao do espetculo. A cenografia, como na arquitetura e na escultura, apresenta-se como o espao ideal para mltiplas e experimentais relaes entre os elementos visuais propor- cionando ao cengrafo maior liberdade, diversidade e preciso de op- es compositivas e criativas.Em todo esforo compositivo, as tcnicas visuais sobrepem-se ao significado e o reforam; em conjunto, oferecem ao artista e ao leigo os meios mais eficazes de criar e compreender a comunicao visual expres- siva, na busca de uma linguagem visual universal. (Dondis, 2000 p.160)Espao e tipografiaA tipografia o elemento essencial da rea de design grfico e in- corporou-se cenografia ainda no construtivismo. Contemporaneamen- te seu uso ampliou-se com as novas formas de criao e reproduo daA Linguagem Cenogrfica__imagem. A articulao da mensagem tipogrfica, inerente criao e uti- lizao de smbolos ortogrficos - letras - e para-ortogrficos - nmeros e sinais de pontuao, sugere nveis de expresso grfica como sua ana- tomia, estrutura e semntica. Um projeto cnico usando como elemento compos