Cenário inédito com juro baixo · Fica mais barato investir e consumir. Bens de prazos longos,...

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Sem Opção Veículo: Correio Braziliense - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto: Finanças - Página: 7 - Publicação: 07/02/20 URL Original: Cenário inédito com juro baixo Cenário inédito com juro baixo Com a taxa básica de juros (Selic) em um novo piso histórico, de 4,25% ao ano, os juros reais (descontada a inflação) estão abaixo de 1% ao ano, um patamar nunca antes foi visto pelo brasileiro, mas a economia continua crescendo pouco. Levantamento feito pela Infinity Asset Management coloca o Brasil com juros reais em 0,91%, no acumulado em 12 meses. E se previsões do mercado se confirmarem e a inflação oficial encerrar o ano em 3,4%, o juro real passará para 0,85%, caso a Selic não sofra alterações até dezembro. Essa nova realidade é uma preocupação para o investidor acostumado em aplicar no mercado de renda fixa e na caderneta de poupança, porque passou a perder dinheiro, avisam analistas ouvidos pelo Correio. Desde 2012, os depósitos na poupança rendem 70% da taxa básica sempre que ela fica abaixo de 8,5% ao ano. Logo, o rendimento passou para 2,98% ao ano enquanto a poupança antiga, válida apenas para depósitos feitos até 3 de maio de 2012, rende 6,17%. “A poupança não é mais um investimento viável, porque perde para a inflação. Quem está deixando dinheiro na caderneta não está conseguindo manter o poder de compra. É preciso correr mais risco para ter um retorno maior, que é o caso de renda variável, como a Bolsa”, comentou a economista Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em economia no Insper. “O novo cenário de juro baixo levou o investidor a diversificar as aplicações. O número de investidores na B3 (Bolsa de Valores de São Paulo) passou de 800 mil para 1,6 milhão no ano passado”, destacou o economista Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Em contrapartida, em janeiro, as retiradas líquidas de recursos da poupança bateram novo recorde, alcançando R$ 12,3 bilhões, conforme dados divulgados ontem pelo Banco Central. No fim do mês passado, o saldo total da poupança ficou em R$ 835,6 bilhões. O diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, lembrou que janeiro é um mês em que o volume de retiradas da poupança é elevado, porque os depositantes costumam sacar para quitar dívidas de começo do ano. Contudo, ele reconheceu que o baixo rendimento da aplicação contribuiu para o volume recorde de retiradas. Oliveira adverte que, se as saídas persistirem, o financiamento da construção civil, que depende desses recursos, pode diminuir. O setor é um dos que mais contribuem para o crescimento da economia. “O rendimento da poupança precisará ser revisto pelo governo, pois pode prejudicar a recuperação da atividade econômica”, explicou. Na avaliação da economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Zara, porém, esse risco não existe, porque “existem outros instrumentos no mercado” para ofertar crédito e financiamentos para o setor imobiliário. Para Juliana, do Insper, e Balassiano, do Ibre, a ameaça de desaceleração não pode ser ignorada, especialmente, em um ano com eleições municipais no Brasil e presidenciais nos Estados Unidos e uma série de incertezas no mercado externo, como o novo coronavírus. A professora lembrou que, como a taxa de juros está muito baixa, “ela não é sustentável por muito tempo”, ainda mais porque a economia está demorando mais do que o normal para reagir ao afrouxamento da política monetária. “Mesmo com os juros baixos, a economia parece estar com o freio de mão puxado. Se continuar nesse ritmo, uma hora o motor vai fundir”, alertou. Em meio às incertezas do mercado externo, a recuperação global mais lenta pode impir um teto de 2% ao avanço da economia brasileira, segundo Juliana. O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, observa que o cenário de taxas tão baixas é inédito no Brasil, e os efeitos disso ainda não estão sendo percebidos. “O efeito maior é no financiamento de longo prazo, tanto pessoa física quanto jurídica. Fica mais barato investir e consumir. Bens de prazos longos, como imóveis, sentem mais positivamente o impacto”, afirmou. Dívida menor

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Veículo: Correio Braziliense - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado -Assunto: Finanças - Página: 7 - Publicação: 07/02/20URL Original:

Cenário inédito com juro baixoCenário inédito com juro baixo

Com a taxa básica de juros (Selic) em um novo piso histórico, de 4,25% ao ano, os juros reais (descontada a inflação) estãoabaixo de 1% ao ano, um patamar nunca antes foi visto pelo brasileiro, mas a economia continua crescendo pouco.Levantamento feito pela Infinity Asset Management coloca o Brasil com juros reais em 0,91%, no acumulado em 12 meses. E seprevisões do mercado se confirmarem e a inflação oficial encerrar o ano em 3,4%, o juro real passará para 0,85%, caso a Selicnão sofra alterações até dezembro.

Essa nova realidade é uma preocupação para o investidor acostumado em aplicar no mercado de renda fixa e na caderneta depoupança, porque passou a perder dinheiro, avisam analistas ouvidos pelo Correio. Desde 2012, os depósitos na poupançarendem 70% da taxa básica sempre que ela fica abaixo de 8,5% ao ano. Logo, o rendimento passou para 2,98% ao anoenquanto a poupança antiga, válida apenas para depósitos feitos até 3 de maio de 2012, rende 6,17%.

“A poupança não é mais um investimento viável, porque perde para a inflação. Quem está deixando dinheiro na caderneta nãoestá conseguindo manter o poder de compra. É preciso correr mais risco para ter um retorno maior, que é o caso de rendavariável, como a Bolsa”, comentou a economista Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em economia no Insper. “O novocenário de juro baixo levou o investidor a diversificar as aplicações. O número de investidores na B3 (Bolsa de Valores de SãoPaulo) passou de 800 mil para 1,6 milhão no ano passado”, destacou o economista Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro deEconomia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Em contrapartida, em janeiro, as retiradas líquidas de recursos da poupança bateram novo recorde, alcançando R$ 12,3 bilhões,conforme dados divulgados ontem pelo Banco Central. No fim do mês passado, o saldo total da poupança ficou em R$ 835,6bilhões.

O diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração eContabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, lembrou que janeiro é um mês em que o volume de retiradas dapoupança é elevado, porque os depositantes costumam sacar para quitar dívidas de começo do ano. Contudo, ele reconheceuque o baixo rendimento da aplicação contribuiu para o volume recorde de retiradas.

Oliveira adverte que, se as saídas persistirem, o financiamento da construção civil, que depende desses recursos, pode diminuir.O setor é um dos que mais contribuem para o crescimento da economia. “O rendimento da poupança precisará ser revisto pelogoverno, pois pode prejudicar a recuperação da atividade econômica”, explicou.

Na avaliação da economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Zara, porém, esse risco não existe, porque “existem outrosinstrumentos no mercado” para ofertar crédito e financiamentos para o setor imobiliário. Para Juliana, do Insper, e Balassiano,do Ibre, a ameaça de desaceleração não pode ser ignorada, especialmente, em um ano com eleições municipais no Brasil epresidenciais nos Estados Unidos e uma série de incertezas no mercado externo, como o novo coronavírus.

A professora lembrou que, como a taxa de juros está muito baixa, “ela não é sustentável por muito tempo”, ainda mais porque aeconomia está demorando mais do que o normal para reagir ao afrouxamento da política monetária. “Mesmo com os jurosbaixos, a economia parece estar com o freio de mão puxado. Se continuar nesse ritmo, uma hora o motor vai fundir”, alertou.Em meio às incertezas do mercado externo, a recuperação global mais lenta pode impir um teto de 2% ao avanço da economiabrasileira, segundo Juliana.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, observa que o cenário de taxas tão baixas é inédito no Brasil, e os efeitosdisso ainda não estão sendo percebidos. “O efeito maior é no financiamento de longo prazo, tanto pessoa física quanto jurídica.Fica mais barato investir e consumir. Bens de prazos longos, como imóveis, sentem mais positivamente o impacto”, afirmou.

Dívida menor

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O novo patamar da Selic é mais positivo para o governo do que para o pequeno investidor, porque a União está conseguindoreduzir sem muito esforço os juros da dívida pública. O corte de 0,25 ponto percentual na Selic proporciona economia, nesteano, de R$ 6,5 bilhões apenas nos títulos do Tesouro Nacional indexados à Selic e nas operações compromissadas do BancoCentral. No ano passado, a economia média ficou em torno de R$ 51 bilhões, conforme cálculo de um técnico do governo, feito apedido do Correio. De acordo com dados do Ministério da Economia, o potencial de redução da conta anual de juros com a Selicmenor é de R$ 104,5 bilhões entre 2019 e 2022.Cheque especial: mais informação

Responsável pelo endividamento de boa parte das famílias brasileiras, o cheque especial vai precisar ter as suas condiçõesapresentadas de forma mais transparente pelos bancos a partir dos próximos meses. Circular divulgada ontem pelo BancoCentral explica que informações como o limite, os juros e o débito do cheque especial terão que ser detalhadas sempre que ocorrentista tirar um extrato bancário.

“A Circular nº 3.981 estabelece a obrigatoriedade de as instituições financeiras detalharem as informações referentes ao chequeespecial no extrato das contas de pessoas naturais ou de microempreendedores individuais (MEI)”, informou o Banco Central,que deu prazo de pelo menos quatro meses para os bancos se adaptarem a essa regra.

A medida vale a partir de 1º de junho para os bancos que estão cobrando a nova tarifa do cheque especial, que entrou em vigorneste ano e corresponde a 0,25% do limite de cheque especial que excede R$ 500. Já os bancos que abriram mão dessa taxa,que é o caso das grandes instituições, terão até 1ª de novembro para se adaptar.

O BC fez questão de listar as informações que deverão constar no extrato dos correntistas e dos MEIs a partir dessas datas. Sãoelas: o limite de crédito contratado; o saldo devido no momento de emissão do extrato; os valores utilizados diariamente; o valore a forma de apuração da eventual tarifa cobrada pela disponibilização do limite de crédito; a taxa de juros efetiva ao mês; e ovalor dos juros acumulado no período de apuração, até a data do fornecimento do extrato.

São informações que, hoje, não são encontradas de forma tão simples pelos consumidores, o que acaba fazendo muita gente seendividar no cheque especial sem perceber. Por isso, a determinação do BC foi bem recebida por educadores financeiros.“Colocar isso de forma evidente no extrato pode ajudar as pessoas a terem mais consciência da sua situação e, assim, tomaremmedidas para sair do endividamento”, afirmou o educador financeiro Jônatas Bueno.

Cautela

Ter cuidado com o cheque especial, por sinal, é fundamental para manter a vida financeira saudável. Esse instrumento decrédito tem uma das maiores taxas de juros do mercado. Os juros passavam dos 271,22% ao ano, ou 11,38% ao mês, segundo aAssociação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). As taxas foram limitadas peloConselho Monetário Nacional (CNM). Ainda assim, o teto é de 158% ao ano, isto é, 8% ao mês, bastante elevado.

“Esta é uma forma muito fácil de se endividar, porque não há constrangimento. É só gastar mais do que se tem na conta-corrente. Por isso, muita gente só percebe que caiu no cheque especial quando a dívida já estourou, visto que a taxa de juros éexponencial e faz a saldo devedor crescer muito rapidamente”, afirmou Bueno. A recomendação para quem estiver devendo éde tentar renegociar a dívida com uma taxa de juros mais atrativa, como a do crédito pessoal ou a do consignado.

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