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AS CENTRAIS NO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL NO BRASIL

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ParaAdalziza Gramuglia Araujo,minha primeira e sempre professora.

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EDSON GRAMUGLIA ARAUJO

AS CENTRAIS NO SISTEMA DE

REPRESENTAÇÃO SINDICAL NO BRASIL

Advogado sindical em São Paulo. Bacharel em direito e mestre em direito do trabalho pelaUSP. Presidente da Comissão de Direito Coletivo do Trabalho daAATSP (Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo).

Professor de direito do trabalho (Escola Superior de Advocacia — OAB/SP).Autor de diversos artigos e verbetes publicados em livros de Direto do Trabalho.

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R

Araujo, Edson Gramuglia

As centrais no sistema de representação sindical no Brasil /Edson Gramuglia Araujo. — São Paulo : LTr, 2013.

Bibliografia

1. Contribuição sindical — Brasil 2. Direito do trabalho — Brasil3. Representatividade sindical — Brasil 4. Sindicalismo — Brasil 5.Sindicatos — Brasil I. Título.

13-06095 CDU-34:331.88(81)

1. Brasil : Centrais no sistema de representação sindical : Direito dotrabalho 34:331.88(81)

Versão impressa - LTr 4824.4 - ISBN 978-85-361-2615-9

Versão digital - LTr 7617.4 - ISBN 978-85-361-2681-4

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AGRADECIMENTOS

Muitas foram as pessoas que, direta ou indiretamente, possibilitaram arealização da pesquisa acadêmica que culmina com a publicação do presentelivro. De todas me tornei tributário e a todas presto meus sinceros agradecimentos.Não posso me furtar, entretanto, a nominar algumas delas.

Agradeço, em primeiro lugar, ao professor Antonio Rodrigues de FreitasJúnior pela generosidade, pela confiança que depositou em mim e, sobretudo,pela grande e velha amizade. Também agradeço aos professores Celso FernandesCampilongo e José Francisco Siqueira Neto pela participação na bancaexaminadora, onde, para além da arguição, ministraram lições de Teoria dosSistemas, o primeiro, e de organização sindical, o segundo.

Sou grato aos professores da Faculdade de Direito da USP Nelson Mannrich,Estêvão Mallet, Ari Possidonio Beltran, Jorge Luiz Souto Maior, Otávio Pinto eSilva, Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, Enoque Ribeiro dos Santos, Ronaldo Limados Santos e Amauri Mascaro Nascimento, cujas aulas tive o privilégio defrequentar durante o curso de mestrado. Não poderia deixar de incluir nesse rolos professores Pedro Romano Martinez, de Lisboa, Júlio Manoel Vieira Gomes,do Porto e Alberto Levi, de Modena.

Agradeço aos amigos e colegas da pós, especialmente à Candy FlorêncioThomé, pelas parcerias, e ao Sandor José Ney Rezende, pela constanteinterlocução. Agradeço, também, ao Adriano Guedes Laimer, pelo incentivo, e àCláudia Santana Martins, pelo inestimável auxílio nas traduções.

Agradeço aos meus sócios Takao Amano e Giselle Scavasin pelo desdobroa que fram submetidos, sem me esquecer da Bianca de Filippo Turati.

Pelo apoio recebido, agradeço, na pessoa dos dirigentes, ao Cid Célio JaymeCarvalhaes e a Maria das Graças Souto, a toda a diretoria do Sindicato dos Médicosde São Paulo, entidade que aprendi a admirar não apenas pela atuação na defesada categoria profissional, mas também pela defesa intransigente do Sistema

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Único de Saúde. Agradeço, com carinho, a todo o pessoal que trabalha no SIMESP,em particular a minha secretária Silmara da Silva.

Por tudo e muito mais, pelo que foi e que será, agradeço à Sonia Chiaradiae aos nossos filhos Giulia e Victor, as razões de ser da minha vida.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO .......................................................................................................... 9

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13

1. SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL NO BRASIL ................................................ 21

1.1. SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO: ESCLARECIMENTOS .................................................... 21

1.2. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES ....................................... 33

1.3. ANTECEDENTES E FORMAÇÃO DO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL ........................ 43

1.3.1. SINDICATOS NO PERÍODO PRÉ-VARGAS ...................................................... 43

1.3.2. DESENHO JURÍDICO DO SISTEMA A PARTIR DE VARGAS ................................... 49

1.3.2.1. OFICIALISMO ............................................................................ 57

1.3.2.1.1. UNICIDADE E ENQUADRAMENTO (CONTROLE ESTATAL) .................. 59

1.3.2.1.2. PARTICIPAÇÃO NOS ÓRGÃOS PÚBLICOS .................................... 62

1.3.2.1.3. ALOCAÇÃO DE RECEITA COMPULSÓRIA .................................... 63

1.3.2.2. NEGOCIAÇÃO COLETIVA ................................................................ 64

1.3.3. ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .................. 66

2. CENTRAIS SINDICAIS NO BRASIL ........................................................................ 78

2.1. FUNDAMENTO ASSOCIATIVO ............................................................................ 78

2.2. PANORAMA DAS CENTRAIS NO BRASIL NO PERÍODO PÓS-ABERTURA DEMOCRÁTICA ............. 83

2.3. PLURALISMO .............................................................................................. 88

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3. LEI N. 11.648/2008: PRINCIPAIS ASPECTOS ..................................................... 92

3.1. ANTECEDENTES ........................................................................................... 92

3.2. CONCEITO LEGAL DE CENTRAL .......................................................................... 98

3.2.1. COMPOSIÇÃO E REPRESENTAÇÃO SUBJETIVA ............................................... 102

3.2.2. REPRESENTAÇÃO GERAL DOS TRABALHADORES E ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO

NACIONAL ...................................................................................... 104

3.2.3. PERSONALIDADE JURÍDICA.................................................................... 110

3.2.4. REPRESENTATIVIDADE TERRITORIAL .......................................................... 115

3.2.5. REPRESENTATIVIDADE POR SETORES DA ATIVIDADE ECONÔMICA ........................ 116

3.2.6. REPRESENTATIVIDADE QUALITATIVA OU NUMÉRICA ....................................... 118

3.3. VANTAGENS LEGAIS .................................................................................... 120

3.3.1. COORDENAR A REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES .................................. 120

3.3.2. PARTICIPAR DE NEGOCIAÇÕES E INTEGRAR OS COLEGIADOS ............................. 127

3.3.3. PARTICIPAR DO RATEIO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL ..................................... 136

CONCLUSÕES: IMPACTO DA LEI N. 11.648/2008 NO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL 145

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 151

LIVROS .......................................................................................................... 151

FILMES .......................................................................................................... 156

APÊNDICE ...................................................................................................... 157

EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO SINDICAL NO BRASIL ........................................................ 159

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PREFÁCIO

Este livro, que ora tenho a satisfação e a honra de prefaciar, é seguramenteuma das mais, se não mesmo a mais instigante pesquisa acadêmica realizadanos últimos anos sobre o tema das relações entre sistema jurídico e representaçãosindical, com referência na experiência brasileira.

Em sua versão original, o texto foi apresentado como dissertação demestrado, defendida junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo— Largo de São Francisco — tendo obtido aprovação da banca então integradapelos professores Celso Fernandes Campilongo e José Francisco Siqueira Neto;sendo por mim presidida na qualidade de seu orientador.

O foco da pesquisa foi endereçado às centrais sindicais: seus antecedentespolíticos, sua ambientação inicialmente tensa na atmosfera institucional dosindicato estatista de Vargas, até sua mais recente fruição do que Edson, compropriedade, designa “vantagens legais”.

O tema das centrais sindicais brasileiras foi bastante investigado no decorrerdos anos oitenta do século passado. Ocorre que as centrais modificaram-sebastante desde então, assim como também se modificou a resposta do Estado àsua presença. Um Estado que inicialmente as rejeitou, mais recentemente nãoapenas as corteja, como patrocina sua inclusão no banquete do “imposto sindical”,assim como acolhe seus apadrinhados em cargos e funções de inúmeros órgãos“colegiados” alocados na burocracia pública. No cômputo dos próprios integrantesdo Governo em 2010, citados por Edson no Quadro II deste livro, cuida-se de ummontante nada desprezível de mais de seis dezenas de “conselhos” na esfera daUnião; sem falar nos “conselhos” e colégios de autarquias, empresas públicas,nem na própria administração direta dos Estados e dos municípios.

Passadas mais de duas décadas do início do processo de criação das centraissindicais hoje existentes, o fenômeno sindical parece ter perdido sua visibilidade;tanto para o olhar dos juristas quanto para o dos sociólogos, até mesmo daquelesdevotados ao estudo das relações de trabalho. Uma grande e injustificada lacuna

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na literatura jurídica e sociológica de nossos dias que o presente estudo de EdsonGramuglia tende a preencher.

A Lei n. 11.648, de 31 de março de 2008, figura no epicentro da maisrecente iniciativa política de favorecimento estatal às centrais sindicais. Comonão poderia deixar de ser, as atenções deste livro são direcionadas ao exame doimpacto desta Lei sobre o ambiente institucional em que se operam as relaçõesentre o sistema político e as centrais sindicais.

Do autor, experiente advogado trabalhista e assessor sindical, não escapamas sutilezas do jogo político que constitui o eloquente “não dito” das falaspalacianas. Em uma nota de pé de página, Edson Gramuglia observa que embora“a Lei n. 11.640/2008 somente tenha sido sancionada em 31.3.2008,coincidentemente ou não, a mesma data do vencimento da contribuição sindicaldescontada em folha dos empregados, o Ministério do Trabalho encontrou meiose tempo hábil para garantir o seu repasse às seis centrais que, a toque de caixa,obtiveram índices de representatividade”.

Sem ceder à tentação do discurso fácil e da retórica de ocasião, este livrooferece um roteiro para a observação do comportamento sistêmico das centraissindicais: de entidades em geral constituídas para desafiar os limites acanhadosda liberdade sindical no modelo Vargas, para dóceis comensais da farta ceia dosfavores e das prerrogativas legais. Em outros termos: as centrais sindicais, queaparentavam ter nascido sob o signo da “ruptura” com o sindicato oficial deVargas, em pouco mais de duas décadas revelaram-se, elas próprias, num deseus vistosos satélites.

Como que numa dança, por movimentos convergentes e regulares,modificou-se também, nesta década, o sentido da ação dos governantes emdireção aos sindicatos. Com a posse de um ex-líder sindical na Presidência daRepública, houve quem imaginasse que estava finalmente configurado o ambientepolítico propício para a reforma do modelo sindical brasileiro. Ledo engano!

É bem verdade que o Governo Lula chegou a enviar um amplo projeto delei, acompanhado de um Projeto de Emenda Constitucional, que, apesar decontrovertido, continha algumas mudanças significativas no traço oficialista dosindicato brasileiro. Seguiu-se, porém, a amarga objeção de muitas liderançassindicais, mas, sobretudo, a uníssona rejeição dos dirigentes de entidades patronais— entidades tanto mais estridentes na retórica em favor da “autonomia sindical”,quanto mais visceralmente dependentes dos favores do Estado.

Logo em 2006, o Governo edita uma Medida Provisória, que se ocupavado reconhecimento legal das centrais, sem, todavia, lhes conferir nenhum favorou “prerrogativa”. Como assinala Edson: essa Medida Provisória não continha

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“nenhuma palavra sobre arrecadação, custeio ou contribuição sindical.Estranhamente o Congresso Nacional disse um sonoro ‘não’ e rejeitou a MP semque a bancada do governo apresentasse muita resistência”.

Um ponto relevante da análise de Edson, sobre a participação das centraisno rateio da contribuição sindical obrigatória, reside na demonstração do quantoseu mecanismo de destinação parece ter sido desenhado para favorecer asentidades menos representativas. Tudo indica que o efeito de privilegiar arepresentação formal em detrimento da representatividade é, para esse fim,intencional. Resta indagar se constitui um paradoxo ou, diversamente, em maisuma evidência do extraordinário artificialismo do sindicato brasileiro, é funçãode sua debilidade política e de sua duvidosa representatividade.

___________

Escrito em linguagem clara, direta e compreensível, vejo este livro comoleitura obrigatória para advogados, juízes do trabalho, auditores e procuradoresdo trabalho, bem como para economistas, sociólogos, administradores de empresae lideranças sindicais, sejam de sindicatos de trabalhadores, sejam de agremiaçõespatronais.

Quer nos agrade ou não, o fato é que a economia e a política, no Brasil,seguem, em grande medida, impactadas pela ação (e pela omissão) dos sindicatoscomo tal reconhecidos pelo Estado. E entre esses, com grande destaque, figuramatualmente as centrais sindicais.

Compreendê-las, em seus aspectos virtuosos bem como em suas limitações,é indispensável para compreender o Brasil em suas dificuldades para se tornarmoderno, solidário e democrático.

São Paulo, outono de 2013.

Antonio Rodrigues de Freitas Jr.Mestre, Doutor e Livre-Docente, foi Secretário Nacional de Justiça (2002),

integrou a equipe de redação do projeto de lei e da PEC da“Reforma Sindical” (2003) e, atualmente, é Professor Associado da Faculdade

de Direito da USP, Procurador Legislativo do Município de São Paulo, advogado eDiretor-Executivo da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo.

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INTRODUÇÃO

As centrais sindicais, objeto de investigação no presente estudo, são aquelasque surgiram no Brasil a partir do início da década de 1980, quando estava emcurso, ainda de maneira incerta, o processo de abertura democrática que culminoucom a promulgação da Constituição Federal de 1988, a partir de quando taisentidades se consolidaram e multiplicaram.

A formação de tais estruturas de representação a partir dos anos 1980,resultante da coalizão de entidades sindicais com vistas à organização horizontalda classe trabalhadora, chamou atenção tanto pelo processo de criação em sicomo pelo caráter geral da representação almejada: um fator e outro se apre-sentaram de maneira acentuadamente atípica em relação aos processos e àscaracterísticas associativas que tradicionalmente se adequavam ao sistema derepresentação sindical, cujos instrumentos jurídicos de sustento impunham, commuita rigidez, o amplo controle estatal sobre a organização sindical. A formaçãolegal de sindicatos se baseava no critério de agrupamento por categorias queeram previamente definidas em enquadramento administrativo, admitindo-se ofuncionamento de um único sindicato por categoria na mesma base territorial.Portanto, a criação de associações de fato, de caráter eclético, sem submissãoao reconhecimento estatal, com a finalidade de coordenar entidades de naturezasindical e exercer representação de classe social, era fato tido como comple-tamente estranho à legislação sindical.

A percepção desse fenômeno como possível forma alternativa de represen-tação coletiva dos trabalhadores em relação ao modelo formal instigou AntonioRodrigues de Freitas Júnior a estudá-lo na dissertação de mestrado que apresentouà Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1987, sob o títuloEstado e representação sindical no Brasil: herança corporativa e formações triviaiscomo dilema(1).

(1) Referida dissertação foi publicada como livro sob o título Sindicato: domesticação e ruptura.São Paulo: OAB/SP, 1989. Essa obra, por ter sido o primeiro fator de motivação para a presentepesquisa, será citada de forma recorrente ao longo do texto.

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Para distinguir o tipo formal do tipo trivial de representação sindical, FreitasJúnior, valendo-se em parte da contribuição de Philippe Schmitter, chamou derepresentação formal o modelo no qual preponderam unidades de representaçãocriadas segundo um padrão legal predisposto, que divide a sociedade em gruposprofissionais homogêneos, ordenados de forma unitária, compulsória e não com-petitiva, tendo o seu campo de ação praticamente delimitado por preceitos legais.Quanto às representações não formais ou triviais, Freitas Júnior as caracterizoupela predominância de unidades constitutivas não obedientes a um padrão legalapriorístico, porque resultantes de opções organizativas dos próprios atores sociais,com a preservação do seu campo de ação aberto(2).

Como uma das hipóteses decorrentes desse estudo, ele considerou que seo fenômeno do surgimento das centrais sindicais (assim como o aparecimentodas comissões de fábrica) significava a formação de um tipo trivial de repre-sentação e se essa formação decorria do esgotamento do modelo formal, entãoseria possível que as novas formações comprometessem o modelo jurídico vigente,inclusive ao ponto de fazê-lo fenecer(3). Também foi considerada a possibilidadede solução inversa, ou seja, de prevalência da negação total das formações triviais,o que causaria sérios gravames aos atores envolvidos(4). Particularmente emrelação às centrais, classificadas como entidades de cúpula, Freitas Júnior abriuuma terceira possibilidade, consistente numa espécie de simbiose entre os doismodelos. Com boa percepção, antes mesmo de terminarem as votações na Assem-bleia Nacional Constituinte, afirmava que:

Tal como supomos, o sistema corporativo brasileiro possui amplacapacidade de funcionalizar e acomodar formações triviais decúpula, progressivamente, à medida que o conteúdo dasrespectivas práticas sindicais tenha como referência o Estadoenquanto termo inaugural e alvo privilegiado de composiçãoentre demandas e apoios.(5)

O que chamou de “acomodação dinâmica entre ambos os tipos de for-mações representativas” poderia enredar uma forma de superação paulatina docorporativismo de Estado(6) em direção à democracia pluralista, minimizando, de

(2) Sindicato: domesticação e ruptura. São Paulo: OAB/SP, 1989. p. 154.(3) Por “modelo jurídico vigente” devemos entender, no contexto examinado pelo autor, aqueleque vigorava antes da Constituição de 1988.(4) Essa solução foi mencionada, mas não foi investigada porque o objeto do estudo era “aquilatara dimensão crítica do dilema” a partir da perspectiva de destruição do sistema de representaçãoformal e os impactos disso “nos padrões de segurança e certeza jurídicas” que predominavamdesde a década de 1930. Ibidem, p. 187.(5) Ibidem, p. 176.(6) Contextualmente referido como um “tipo-ideal”, na terminologia de Max Weber.

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um lado, “a inautencidade e o artificialismo” próprios do modelo oficialista e, dooutro lado, “a rotinização perversa de uma ética de convicção paroquial” queincide forte no campo das representações triviais(7).

Mais de vinte anos passados, tais hipóteses ainda estimulam a reflexão e abusca de novas ferramentas de análise do fenômeno social em foco, não apenasem razão dos seus próprios predicados, mas também em razão das hipótesesque não foram abertas na época em razão da proximidade, considerada na suadimensão temporal, entre o ponto de observação e o seu objeto.

Após o surgimento das centrais sindicais, o país chegou ao processo dedemocratização no final da década de 1980, passando a viver o experimento dademocracia, alicerçado em novos paradigmas para o exercício da cidadania. AConstituição de 1988 consagrou como fundamentos republicanos, a par de outros,os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e o pluralismo político, estegarantidor da liberdade partidária. Nos Capítulos referentes às ordens econômicae social, após intensa polarização entre as correntes que defendiam protecionismojurídico, de um lado, e desregulação, do outro lado, o texto constitucional manteverobusta a presença regulatória do Estado, dispondo sobre vários aspectos darelação de emprego e mantendo as possibilidades de intervenção do Estado naeconomia(8). No campo do direito coletivo do trabalho foram mantidos váriosinstitutos jurídicos advindos da legislação sindical consolidada em 1943, dentreos quais a forma de organização e de representação sindical por categoria, osistema confederativo, a unicidade sindical, a contribuição sindical compulsória ea solução jurisdicional dos conflitos de interesses(9). A nota distintiva na novaordem constitucional, que a fez destoar do direito sindical anterior, foi a instituiçãode salvaguardas contra atos de intervenção e de interferência do Poder Públiconas organizações sindicais, o que, de imediato, provocou o desmonte do modusoperandi do enquadramento sindical e o desarranjo regulatório do processo dereconhecimento de categorias(10) que, não obstante, foram mantidas comounidades constitutivas dos sindicatos.

A partir da nova ordem política e social, verificou-se a multiplicação dascentrais sindicais e um crescente posicionamento delas como interlocutoras

(7) FREITAS JÚNIOR. Op. cit., p. 189.(8) Uma análise detalhada do debate doutrinário travado na Assembleia Constituinte sobre otema foi feita por Freitas Júnior no artigo intitulado “Os direitos sociais e a nova constituiçãobrasileira — protecionismo jurídico e desregulação da relação de emprego”. Revista LTr, SãoPaulo, v. 52, n. 7, p. 799-809, 1988.(9) Posteriormente, o poder normativo da Justiça do Trabalho foi mitigado pela EC n. 45/2004.(10) Imediatamente após a entrada em vigor da nova ordem constitucional, o Ministro doTrabalho baixou a Portaria n. 3.280/1988 criando o Arquivo de Entidades Sindicais Brasileiras— AESB, com função meramente cadastral.

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privilegiadas pelas autoridades de Estado na formulação de políticas públicasvoltadas às questões sociais que, nesse processo, passaram a ser legitimadassegundo a capacidade do sistema político de obter apoio social eficaz. Exemplode diálogo social foi política de valorização do salário mínimo, negociada peloGoverno Lula(11) com as centrais sindicais e as confederações patronais(12). Hátambém registros de diálogo social durante o Governo Fernando HenriqueCardoso(13), muitos dos quais engendraram cizânias entre as próprias centrais,como a política de privatização das empresas estatais e a produção legislativavoltada à flexibilização de direitos trabalhistas.

As centrais, após consolidarem sua legitimação para integrar os espaços dediálogo social, sejam aqueles onde se formulam as macropolíticas ou os destinadosàs políticas setoriais, redobraram a perspectiva de ter atuação sindical plena,com capacidade para contratar normas coletivas de trabalho e demandar noJudiciário como representantes de classe, especialmente para ajuizar ações diretasde inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Quanto a este último aspecto,no entanto, elas encontraram resistências no Poder Judiciário que, por sinal, atéhoje não foram superadas, sobretudo no âmbito do Supremo Tribunal Federal,onde foi pacificado pela maioria o entendimento de que as centrais são asso-ciações civis e não se equiparam nem às confederações nacionais de trabalhadorese nem às entidades de classe de âmbito nacional para os fins do art. 103 daConstituição(14), que elenca as pessoas legitimadas para propor ação direta deinconstitucionalidade.

A necessidade de um marco legislativo dispondo sobre as competênciasdas centrais foi intensamente discutida no Fórum Nacional do Trabalho(15), queinclusive elaborou um anteprojeto de lei contemplando, em detalhes, aorganização sindical sob a forma de central. Entretanto, por depender deaprovação prévia de emenda constitucional, referido anteprojeto não prosperou,motivando o governo a manter entendimentos com as centrais e destacar daquela

(11) Luiz Inácio Lula da Silva governou de 2003 a 2010.(12) As negociações sobre o salário mínimo foram encerradas no governo seguinte, de DilmaRousseff, com o envio ao Congresso Nacional do projeto que foi convertido na Lei n. 12.382/2011, que definiu as regras de correção anual do salário mínimo entre 2012 e 2015, dispondoque a fixação dos valores será feita por decreto do Executivo. A norma foi objeto da ação diretade inconstitucionalidade (ADI) n. 4.568, julgada improcedente pelo Pleno do STF.(13) Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil de 1995 a 2002.(14) Dentre várias decisões no mesmo sentido, confronte-se o acórdão prolatado na ADI 928-1.(15) Para o debate da reforma sindical, incluindo as demandas das centrais, foi criado no primeiromandato do Governo Lula (2003-2006) o Fórum Nacional do Trabalho, com a incumbência decompor um novo modelo de organização sindical para o Brasil, dando ênfase para a eficáciadas negociações coletivas do trabalho e para o exercício da autonomia privada coletiva em suasdimensões organizacional e negocial. A íntegra do anteprojeto de lei, com 238 artigos, estáencartada no livro Compêndio de direito sindical, de Amauri Mascaro Nascimento (2006).

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que seria uma proposta de ampla reforma sindical apenas o reconhecimentoformal dessas entidades, enviando proposta ao Congresso Nacional, sob a formade Medida Provisória. Como lembra Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva(16),a Medida Provisória n. 293 foi editada justamente por ocasião das comemoraçõesdia 1º de maio de 2006 para reconhecer as centrais sindicais como entidades derepresentação geral dos trabalhadores, dispondo sobre o seu reconhecimentopor índice de representatividade e sobre o exercício de determinadas atribuiçõese prerrogativas. Essa Medida Provisória foi rejeitada pelo Congresso Nacional,levando o governo a recolocar a matéria em pauta sob a forma de projeto de leienviado ao Legislativo(17). Com uma nova articulação política, o projeto obteveaprovação e, apesar de ter sofrido algumas modificações, foi sancionado comoLei n. 11.648/2008.

Ao analisar os métodos e as técnicas utilizadas pelo governo para estabelecero reconhecimento legal das centrais com a possibilidade de sua participação norateio da contribuição sindical, Ricardo Antunes afirmou em entrevista concedidaao jornal Valor Econômico que “Lula levou o getulismo ao extremo” (18). Para ele,a nova lei provoca a sujeição do sindicalismo representado pelas centrais sindicaisao Estado mediante o repasse de recursos financeiros. Discorrendo sobre osefeitos da lei pela óptica jurídica, Adriano Guedes Laimer(19) a considera um pontode acomodação para as centrais na estrutura corporativa, fundada na contribuiçãouniversal e compulsória como fonte de sustento das organizações sindicais.Adotando semelhante linha de pensamento, Cássio Casagrande entende que aconexão entre as centrais — criadas livres de padrões legais apriorísticos — e acontribuição sindical — principal instrumento de atrelamento dos sindicatos aoEstado — representa, ao mesmo tempo, “[...] um grande paradoxo político e[de] um contrassenso jurídico”, potencialmente comprometedores da própriaautonomia sindical(20).

Já Amauri Mascaro Nascimento, apercebendo-se do problema por outroângulo, assentou que a nova lei:

(16) O reconhecimento das centrais sindicais e a criação dos sindicatos no Brasil: antes e depoisda Constituição de 1988. In: HORN, Carlos Henrique; SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardoda (orgs.). Ensaios sobre sindicatos e reforma no Brasil. São Paulo: LTr, 2009. p. 38.(17) Projeto de Lei n. 1.990/2007, da Câmara dos Deputados.(18) Valor Econômico, São Paulo, p. A-8, 3 maio 2010.(19) A contribuição sindical e o financiamento das centrais sindicais. Anais do XIV SimpósioMultidisciplinar da USJT, 2008. Disponível em: <http://www.usjt.br/prppg/simposio/pdf/2008.pdf> Acesso em: 30.11.2009.(20) Centrais sindicais: um retorno à era Vargas. Boletim CEDES [on-line], Rio de Janeiro, mar./abr. 2008. Disponível em: <http://cedes.iesp.uerj.br/PDF/08mar%E7o%20abril/centrais%20sindicais.pdf> Acesso em: 11.1.2011.

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[...] veio dar maior consistência organizativa ao sistema que estavadesorganizado e crescia desordenadamente sem qualquer possi-bilidade de controle o que, para o nosso País, foi um mal e umexemplo de que a liberdade sindical é um princípio a ser culti-vado, mas nunca de forma a possibilitar uma experiência igual aque tivemos e que nos deixou a clara conclusão de que a auto-nomia absoluta pode levar a uma situação que a partir de certoponto passa a negar o próprio fim a que se destina.(21)

Para sustentar sua opinião, o jurista fez um levantamento da proliferaçãode agremiações que se intitulam “centrais sindicais”, muitas das quais de âmbitonotoriamente regional. A essa aparição desordenada de “centrais” somou acriação ainda mais complexa de sindicatos por desmembramento de atividades,cujos processos foram desencadeados pela desregulamentação provocada pelaConstituição de 1988. Com isso, ele desloca o foco de preocupação, que deixade ser a possível cooptação das centrais mediante seu envolvimento na formulaçãoe execução de políticas públicas, e volta-se para a necessidade da implantaçãode alguma forma de controle metódico, dentro dos parâmetros constitucionais,sobre os processos de constituição das unidades representativas dos interessesde atividades ou profissões.

Consideradas as circunstâncias históricas, a forma com que se costurou oacordo político para a sua aprovação e o próprio conteúdo da lei, tem sido comuma divergência de enfoques e de opiniões com relação aos efeitos da Lei n. 11.648/2008, bem como quanto ao comportamento das centrais e à maneira comoserão tratadas, especialmente nos aparelhos de Estado.

Em entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, Luiz Werneck Viannanos dá algumas pistas quanto ao futuro da atuação das centrais nos espaçospúblicos ao declarar que vê sinais de que no Governo iniciado em 2011 haverámudança na forma de tratamento dos conflitos sociais e que o movimento sindicalserá deslocado da posição que vinha ocupando nos espaços de Estado nos oitoanos anteriores, voltando à sociedade, para onde os conflitos deverão sercanalizados e democraticamente processados(22). Se essa movimentação ocorrer,a organização sindical necessitará dar um salto de qualidade para se adaptar àsociedade que se modernizou em relação ao Estado. Resta saber, todavia, se ossindicatos, caracterizados pelo marcante vínculo com o Estado, terão adquiridoum repertório suficiente para impulsionar salto dessa magnitude.

Mas qual será, afinal, o impacto que a simbiose criada pelo legislador entreas centrais e a organização sindical causará no sistema de representação de

(21) Aspectos da legalização das centrais sindicais. Revista LTr, v. 72, n. 4, abril de 2008.(22) Folha de S. Paulo, São Paulo, p. A7, 28 fev. 2011.

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interesses? A participação das centrais em espaços públicos institucionais fazconfusão entre as esferas da representação política e representação de interesses?Ou será a interface dos interesses de classe com interesses públicos também ummodo de se aperfeiçoar a democracia? A acomodação ajustada em lei foi operativaou ainda persistem tensões e pontos de conflito entre as centrais e o modelo derepresentação sindical oficial?

Um dos caminhos para buscarmos elementos que possam contribuir nasistematização de respostas às questões levantadas nesta introdução passa pelatentativa de descrever o que será designado nesta pesquisa como sistema derepresentação sindical, tomando-o por ponto de referência para descrevermostambém as centrais sindicais.

O termo sistema foi tomado por empréstimo da Teoria dos Sistemas, deNiklas Luhmann, motivado pela possibilidade de se observar a organização sindicalno Brasil como uma forma particular de emergência, que deriva de outro(s)sistema(s) autopoiético(s) e produz comunicações específicas, podendo adquirircerto grau de diferença funcional. Advirto, no entanto, que essa aproximaçãonão é feita impunemente. O alto grau de complexidade da teoria, aliado a dificul-dades no manejo das suas ferramentas, certamente provoca derrapagens nopercurso. Os deslizes, no entanto, não invalidam a escolha do itinerário em razãodas novas possibilidades de análise que ele oferece. Apenas o abreviam momen-taneamente. Mantêm-se, no entanto, a possibilidade e o desafio da correção decurso para prosseguir na jornada além do que se pôde chegar nesta pesquisa.

Tomando por hipótese que o sistema de representação sindical seja autor-referencial e autopoiético e que tenha adquirido algum código particular para assuas operações, poderemos observar as centrais em relação ao sistema partindodas seguintes premissas: 1) as centrais são fruto da liberdade de associação enão obedeceram a padrões legais apriorísticos no seu processo de criação;2) paradoxalmente, a referência das centrais na sociedade é a organização sindicaloficial; 3) a contribuição sindical obrigatória é uma das fontes de receita dascentrais; e 4) elas têm nos espaços públicos seu palco preferencial de ação.Desde então, cabe perquirir se as centrais sindicais pertencem a outro sistema(que não o sindical), em razão do processo de criação diferenciado, ou se, aocontrário disso, são partes integrantes do sistema oficial, por serem portadorasdo mesmo código de reprodução. Se a segunda hipótese for correta, então aexperiência da Lei n. 11.648/2008 terá em perspectiva essencialmente a atuaçãodas centrais nos espaços do Estado, o que significa a reprodução de códigosgenéticos do sindicalismo oficialista.

Finalizando a introdução, advirto que nesta pesquisa as centrais sindicaisnão serão tomadas em conta pelos seus predicados pessoais, embora eles

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necessariamente tenham de ser tratados. Com essa decisão, pretendo me afastarda principal linha de abordagem que tem habitualmente guiado as discussõessobre a organização sindical, especialmente a partir dos debates instalados nofinal da década de 1970, nos quais a qualidade dos personagens na cena socialtem papel preponderante. Entendo que o argumento da diferença pessoal nãoexplica integralmente as variações da organização sindical, além de trazer ínsitoo alto risco de levar seu condutor à beira do pensamento maniqueísta, pautandoconclusões por resultantes de comparações, que têm como referências os valoresdecorrentes da conotação moral abstraída dos conceitos de moderno/atrasado,democrático/autoritário, autêntico/artificial e que tais. Para os objetivos destadissertação, será menos importante analisar as centrais como atores sociais doque observá-las como resultado de uma operação realizada pela autopoiesis dosistema de representação sindical.

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SISTEMA DE REPRESENTAÇÃOSINDICAL NO BRASIL

1.1. S1.1. S1.1. S1.1. S1.1. SISTEMAISTEMAISTEMAISTEMAISTEMA DEDEDEDEDE REPRESENTREPRESENTREPRESENTREPRESENTREPRESENTAÇÃOAÇÃOAÇÃOAÇÃOAÇÃO: : : : : ESCLARECIMENTOSESCLARECIMENTOSESCLARECIMENTOSESCLARECIMENTOSESCLARECIMENTOS

O presente estudo, como foi esclarecido na introdução, tem por objetivoanalisar, através da pesquisa analítica, os efeitos do reconhecimento legal dascentrais sindicais como entidades de representação geral dos trabalhadores sobreo sistema de representação sindical brasileiro.

Para fixação da noção de sistema de representação sindical, tal como aexpressão será aqui empregada, é conveniente iniciarmos por um breve panoramahistórico-evolutivo das formações de representação sindical no Brasil, eis que apesquisa não se enveredará para outras experiências.

Como se sabe, após algumas décadas de auto-organização e concomitanterepressão, verificadas entre o final do século XIX e o início do século XX, a partirdos anos 1930, a organização sindical no Brasil passou a ser objeto de política deEstado, pela qual se estabeleceu a garantia de organização combinada commarcante tutela estatal. Da edição do Decreto n. 19.770/1931 à promulgaçãoda Emenda Constitucional n. 45/2004 foram produzidas muitas normas, ao saborde conjunturas socioeconômicas e políticas as mais diversas, que interferiram,com maior ou menor intensidade, na organização sindical brasileira, cujos traçosessenciais são delineados por um conjunto de privilégios, incentivos e monopólioslegais que, no curso da história, vem se reproduzindo(23). A deno-minada “legalização das centrais sindicais”, ocorrida em 2008, aparentemente

(23) Ver no Apêndice a relação cronológica das principais normas versando sobre organizaçãoe atuação sindical no Brasil ou nelas interferindo.

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inverteu a lógica até então observada, de condicionamento prévio da organizaçãosindical pelos instrumentos jurídicos. As centrais sindicais foram criadas não emrazão das normas legais, mas apesar delas, sendo certo que a Central Única dosTrabalhadores — CUT(24), primeira central surgida após o regime militar de 1964,nasceu afrontando a proibição, então vigente, de organização intersindical decategorias diversas. O reconhecimento legal das centrais como entidades geraisde representação dos trabalhadores deu-se, portanto, em momento bem posteriorao efetivo início das operações dessas entidades, que têm profícuo histórico deatuação desde a década de 1980. Mesmo não tendo, a seu favor, o reconhe-cimento da titularidade primária para as negociações coletivas de trabalho eapesar de permanecerem desprovidas de legitimidade para ajuizar ações diretasde inconstitucionalidade, as centrais, ainda antes da Lei n. 11.648/2008, firmaram--se como entidades de representação sindical por suas atuações concretas, exem-plificadas na designação e na manutenção progressiva de membros em fóruns econselhos governamentais tripartites, na negociação de temas gerais, como saláriomínimo e redução de jornada de trabalho, e na ostensiva orientação que ditamaos entes filiados nas suas resoluções e nos seus planos de ação.

Dado o momento histórico em que surgiram, quando estava em curso oprocesso de abertura política no Brasil que marcou a transição do regime militarpara a democracia, as centrais sindicais e as comissões de fábrica (representaçãodos trabalhadores nos locais de trabalho) foram analisadas como fenômenosorganizativos “inusitados e estranhos ao desenho institucional do sindical oficial”,conforme acentuou Freitas Júnior no artigo intitulado Outro século de corpora-tivismo sindical no Brasil?(25). Portanto, fenômenos potencialmente capazes degerar tensões e causar irritações internas no modelo oficial, que poderiam sedesdobrar em conflito de soma zero, ou seja, aquele onde as perdas de um ladosão proporcionais aos ganhos do outro lado, como também poderiam resultarem acomodações de convivência.

Sabermos se a legalização das centrais propicia uma mudança de eixo nosistema de representação sindical brasileiro ou se apenas o adapta ao meio emer-gente é uma tarefa que exige opção por uma estratégia metodológica e a escolhade um repertório teórico que possibilite a descrição do sistema de representaçãosindical.

Antes de prosseguir delineando a estratégia escolhida, cabe esclarecer quenão foi adotada, como método de pesquisa, a clássica abordagem comparativaentre o modelo legal brasileiro — agora impactado pela agregação legal das

(24) Central Única dos Trabalhadores, fundada em São Bernardo do Campo no ano de 1983durante o primeiro Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT).(25) Publicado na Revista de Direito do Trabalho, São Paulo: RT, ano 26, n. 100, p. 59-65, out./dez.2000.

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centrais — e os parâmetros traçados pela dogmática da liberdade sindical. Apesarde entender que a representação sindical é um problema de liberdade sindical,especialmente no que concerne aos pontos de tensão entre a liberdade sindi-cal individual e a liberdade sindical grupal, que concorrem nos processos decriação, cisão e aglutinação de entidades de representação(26), considero que háduas ordens de conveniências para não abordar o tema na perspectiva desseprisma observatório. A primeira delas decorre da inexistência de alterações noart. 8º da Constituição Federal(27), de modo que o pluralismo adotado pelolegislador ordinário em relação às centrais não interfere na unicidade preservadapara as entidades pertencentes ao chamado “sistema confederativo”, quais sejam,os sindicatos de categorias, as federações de grupos de categorias e as confe-derações de ramo de atividade ou setor econômico. Quase nada haveria a seacrescentar aos estudos e análises já existentes acerca do grau de liberdadesindical praticado no Brasil após a redemocratização do país, cujo período históricofoi classificado por Amauri Mascaro Nascimento como fase do sindicalismo autô-nomo(28). A segunda ordem de conveniência decorre exatamente da vasta litera-tura sobre o tema da liberdade sindical no Brasil, abordado com muita profusão,tanto em cursos e manuais de Direito do Trabalho como em monografias, ensaios,papers e artigos específicos(29).

Também não será empregada como estratégia metodológica a abordagemanalítica da gênese do modelo de representação sindical implantado no Brasil apartir da década de 1930, seu processo histórico, suas finalidades e seus atributoscomo construção jurídica(30), com o objetivo de estabelecer os paradigmas para a

(26) Orlando Gomes e Elson Gottschalk, ao listarem as liberdades sindicais, alocam a liberdadede fundar um sindicato no rol de liberdades do grupo profissional (Curso de direito do trabalho.Rio de Janeiro: Forense, 2002), mas há autores que entendem que tal liberdade é de titularidadedo indivíduo.(27) Desde 2005 tramita na Câmara dos Deputados Federais a proposta de emenda à Constituição(PEC) n. 369/2005, de autoria do Executivo. Tal PEC foi produzida pelo Fórum Nacional doTrabalho criado no primeiro mandato de Lula e propõe alterações significativas na redação doart. 8º para ampliar a liberdade sindical, estabelecer a representatividade como condição dereconhecimento das entidades sindicais e condicionar contribuições compulsórias à celebraçãode norma coletiva de trabalho. Quase imediatamente após a sua apresentação no Congresso, aPEC n. 369 perdeu força política e somente em 2011 voltou a tramitar com a apresentação deparecer pelo relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC),que se manifestou pela admissibilidade da proposição.(28) A liberdade sindical na perspectiva do direito legislado brasileiro. In: FREDIANI, Yone;ZAINAGHI, Domingos Sávio (coords.). Relações de direito coletivo Brasil-Itália. São Paulo: LTr, 2004.(29) Além dos já citados Gomes e Gottschalk, destaco autores brasileiros como Evaristo de MoraesFilho; Arnaldo Süssekind; Amauri Mascaro Nascimento; José Francisco Siqueira Neto; AdrianoGuedes Laimer; José Rodrigo Rodriguez; Luiz Alberto Matos dos Santos; Zoraide Amaral deSouza; Sandor José Ney Rezende, entre tantos.(30) Notadamente a partir da edição das normas legais que regulamentaram as diretrizes daConstituição de 1937 para as relações coletivas de trabalho.

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compreensão de como se preservam certos institutos vinculados ao modelo quese convencionou denominar “corporativista”, notadamente a arrecadação decontribuições parafiscais, a integração colaboracionista com o Estado(31) e a“universalidade” da representação única(32). Apesar disso, é relevante abrirparêntese para destacar que, adiante do corporativismo de Estado, ocorreu naEuropa, com possibilidades de repercussão no Brasil, o fenômeno do neocor-porativismo, ou corporativismo social, tão bem esmiuçado no ensaio publicadopor Philippe Schmitter em 1974(33), que partiu da indagação se ainda seria oséculo do corporativismo, tal como prenunciara Mihaïl Manoïlesco quarenta anosantes(34). Observando o modus operandi da representação de interesses na Europa,Schmitter descreveu um tipo ideal corporativismo, definindo-o como um sistemade representação de interesses constituído por unidades que se organizam emcategorias singulares, quantitativamente limitadas, obrigatórias, não competitivas,hierarquicamente ordenadas e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas ouautorizadas (quando não criadas) pelo Estado e às quais se assegura um deliberadomonopólio representativo em troca da conformação com certo grau de controleestatal sobre a seleção de seus líderes e sobre a articulação das suas demandas.Estabelecido o conceito de corporativismo, Schmitter diferenciou o tipo derepresentação corporativa de outras três síndromes(35) alternativas: o pluralismo,o monismo e o sindicalismo(36). Adiante disso, demonstrou que da mesma matrizconceitual derivam dois subtipos de corporativismo, que são o corporativismo deEstado, natureza autoritária, e o corporativismo social, de natureza democrática.

O refinamento das definições de Schmitter e o seu alto grau de compatibili-dade com os padrões da representação sindical instituídos no Brasil a partir da

(31) Geradora de protecionismos e favoritismos, cf. FREITAS JÚNIOR, Antonio Rodrigues de.O sindicato na experiência jurídica brasileira: autonomia e liberdade versus favoritismo estatal.In: THOMÉ, Candy Florêncio; SCHWARZ, Rodrigo (orgs.). Direito coletivo do trabalho: curso derevisão e atualização. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 98.(32) Refiro-me ao fato de o sindicato representar todos os integrantes da dada categoria e negociarem nome deles independentemente de adesão dos indivíduos ao sindicato.(33) Still the century of corporatisme? In: PIKE, Frederick; STRITCH, Thomas (ed.). The newcorporatism: social-political structures in the iberian world. Notre Dame: University of NotreDame, 1974. p. 85-131.(34) Trata-se da obra O século do corporativismo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938.(35) No original, syndrome. O termo que deve ser entendido como gestalt (modelo).(36) O sindicalismo, síndrome de natureza “radical e utópica”, foi definido por Schmitter como“um sistema de agregação de interesses (mais do que de representação) em que as unidadesconstituintes são um número ilimitado de categorias singulares, voluntárias, não competitivas(ou melhor, separadas e agrupadas), não ordenadas hierarquicamente nem funcionalmenteespecializadas, não reconhecidas, criadas nem autorizadas pelo Estado ou partido, nemcontroladas em sua seleção de lideranças ou articulação de interesses pelo Estado ou partido,nem exercendo um monopólio representativo, mas resolvendo seus conflitos e ‘alocando seusvalores com autoridade’ autonomamente, sem a interferência do Estado”. Op. cit., p. 98, traduçãodo autor.

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década de 1930(37) constituem um chamariz muito sério que induz o pesquisadora revisitar seu ensaio, não obstante os reparos posteriores que GerhardLehmbruch(38) e Guillermo O’Donnell(39), entre outros, opuseram-lhe, como destacaElisabetta Gualmini(40).

Para as finalidades deste estudo, no entanto, convém fechar as referênciasao Estado Social, caracterizado pela atuação privilegiada, mas circunstanciada,de movimentos sociais e sindicatos, admitindo que, para além dele, há uma ter-ceira forma de organização do Estado, que alguns autores chamam de “pós--moderno” e outros, como Celso Fernandes Campilongo, denominam “pós-social”,onde o exercício da cidadania e a busca por justiça material obedecem a novosparadigmas, com reflexos nas formas sistêmicas de representação, quer políticas,quer de interesses. Eis a constatação de Campilongo:

O descrédito de partidos, casas legislativas e processos eleitorais[...] e o enfraquecimento dos sindicatos significam uma reviravoltanas práticas políticas e nos mecanismos de conquistas de direitose alargamento da cidadania. Para o Estado liberal, a cidadaniaestava vinculada à posição do indivíduo no mercado. O Estadosocial procurou construí-la a partir de uma relação mais equi-librada com o mercado, assentada na expansão da esfera pública.Nos dois momentos — cidadania liberal e social —, as instituiçõesda democracia representativa e as organizações do trabalhocentralizaram seus esforços na regulação estatal. A cidadanialiberal trabalhava na perspectiva da tutela legal dos direitos in-dividuais: uma cidadania restrita aos proprietários. A cidadaniasocial atuava no sentido das garantias normativas dos direitosdos trabalhadores: uma cidadania ampliada. No Estado pós--social, a política alarga-se para além do marco do próprio Estadoe de sua regulação. Sem abrir mão das conquistas da cidadania

(37) Note-se, no entanto, que a concepção de corporativismo em Schmitter, assim como emManoïlesco, não se reporta à representação sindical, abrangendo todas as organizações sociaisque representam interesses.(38) Liberal corporatism and party government, discussion paper (1976). Tradução italiana. In:MARAFFI, M. (a cura di). La società neo-corporativa. Bologna: Il Mulino, 1981. p. 163-198. Nesseensaio, Lehmbruch redefiniu o corporativismo na perspectiva da atuação das representaçõesde interesse na formulação de políticas públicas, chamando de liberal-corporativismo o modeloinstitucionalizado de formação de políticas, onde grandes organizações de interesses colaboramentre si e com as autoridades públicas, não apenas na articulação dos interesses, mas tambémna chamada “alocação imperativa de valores” e na implementação dessas políticas (p. 165).(39) Corporatism and the question of the State. In: MALLOY, James (ed.). Authoritarianism inLatin America. Pittsbourgh: University of Pittsbourgh, 1979.(40) Le rendite del neo-corporativismo (Politiche pubbliche e contrattazione privata nella regolazionedel mercato del lavoro italiano e tedesco). Messina: Rubbettino, 1997.

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regulada, delineia-se um grande campo, não estatal e nãomercantil, de respeito às subjetividades, à autonomia, de combateà burocracia e às formas de exclusão social baseadas no sexo, naraça, na idade, no consumo e na classe. A cidadania pós-social éemancipatória e, por vezes, caminha à margem da regulaçãoestatal: uma cidadania desregulada.(41)

Na perspectiva da sociedade pós-social, a emergência de movimentos sociaisfundados nas comunidades, que preconiza a cidadania desregulada sem prejuízodas garantias conquistadas, pode se tornar fator exógeno que causa irritaçõesou perturbações nos sistemas sociais, incluindo os sistemas de representação,políticos ou de interesses, e os estimula a realizar operações seletivas, pelas quaisapreendem e, ao mesmo tempo, reduzem a complexidade do ambiente, paraatualizar suas possibilidades sem perda de identidade sistêmica. Se assim ocorrer,essas operações seletivas, em grande medida, podem explicar a capacidaderetroalimentação e preservação dos sistemas funcionais na sociedade.

Se considerarmos que representação sindical no Brasil evoluiu de maneiraidiossincrática e adquiriu a partir do final da década de 1930 um elevado grau deorganização de matiz institucional, poderemos, então, considerar a hipótese deque o sindicalismo perdeu algumas das características essenciais de movimentosocial ao tempo que adquiriu certa funcionalidade, potencialmente capaz dediferenciá-lo na sociedade, embora tal diferenciação ainda seja pouco nítida.Essa possibilidade valida o esforço para descrever a representação sindical noBrasil numa perspectiva sistêmica, privilegiando a observação das operações decomunicação que condicionam sua densidade temporal.

Não me refiro à noção clássica de sistema, que o define como conjunto deestruturas interdependentes, ordenadas segundo um princípio unificador. Ahipótese considerada para esta pesquisa é a de que a representação sindical noBrasil evoluiu a ponto de adquirir a consistência de um sistema parcial dasociedade, funcional, autorreferencial e autopoiético, capaz de se diferenciar doambiente pela realização de operações que reproduzem seu código específico.A adoção de tal premissa aproxima a pesquisa da Teoria dos Sistemas desenvolvidapor Niklas Luhmann(42), com o propósito de tomar dela emprestado o instrumental

(41) CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do judiciário: um enquadramento teórico.In: FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros,2010. p. 32.(42) A produção bibliográfica de Luhmann e sobre Luhmann é vastíssima. Para as estritasfinalidades deste estudo foram principalmente consultadas as seguintes obras: a) do próprioLUHMANN. La sociedad de la sociedad. México: Herder, 2007 e Introdução à teoria dos sistemas.Petrópolis: Vozes, 2009, que é uma coletânea de aulas magistrais (Vorlesungen) ministradas duranteo semestre de inverno de 1992, na Universidade de Bielefeld, Alemanha, publicada por JavierTorres Nafarrate; b) de outros autores sobre Luhmann e a sua Teoria dos Sistemas: CAMPILONGO,

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analítico necessário para descrever a representação sindical como um sistemaparcial da sociedade, provido capacidade de autorreprodução seletiva,notadamente quando novos elementos, inclusive os legais, desencadeiamprocessos de variação que irritam o sistema.

Para dar conta da tarefa de estudar o fenômeno da representação sindicalno Brasil como um sistema autopoiético, é necessário iniciá-la por esclarecimentos,ainda que em termos básicos, sobre alguns dos principais conceitos desenvolvidospor Luhmann em sua complexa e sofisticada teoria sistêmica, de modo a permitiro recorrente manejo desse instrumental nas análises que serão feitas.

Um ponto de partida de Luhmann para definir sistema social é o princípioda diferenciação. Para ele, o sistema não é meramente uma unidade, mas umadiferença. De modo autológico, a diferença entre sistema e meio — que possibilitaa emergência do sistema — é a diferença mediante a qual o sistema já se encontraconsumado. O sistema delimita a si mesmo por meio de suas operações recursivas,dentre as quais está a observação. Como sintetiza Campilongo:

Um sistema caracteriza-se pela diferença com seu ambiente e pelasreproduções internas de autoreprodução de seus elementos. Asociedade é um grande sistema social que compreende, no seuinterior, todas as formas de comunicação. A sociedade não écomposta por homens ou por relações individuais, mas sim porcomunicações. Os homens, enquanto sistemas psíquicos e orgânicos,são o ambiente necessário e indispensável da sociedade.(43)

Como observador da sociedade, o ser humano deve ser diferenciado dosistema social e deslocado para o seu ambiente, ao mesmo tempo em que asociedade se torna o ambiente para o ser humano, aqui entendido como a síntesedos sistemas psíquico e biológico. Essa diferenciação é feita pela concepção dosentido como o princípio constitutivo dos sistemas não biológicos. Se o sentidoda consciência é a aquisição evolutiva que constitui os sistemas psíquicos, osentido da comunicação é o tipo específico de operação que constitui e reproduzos sistemas sociais.

Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Saraiva, 2011. LOSANO,Mario G. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. v. III: do século XXà pós-modernidade. SOBOTTKA, Emil Albert. Sem objetivo? Movimentos sociais vistos comosistema social. In: RODRIGUES, Léo Peixoto; MENDONÇA, Daniel de (orgs.). Ernesto Laclau eNiklas Luhmann: pós-fundacionismo, abordagem sistêmica e as organizações sociais. Porto Alegre:EDIPUCRS, 2006. p. 115-128. TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa:Calouste Gulbenkian, 1993. BÔAS FILHO, Orlando Villas. Teoria dos sistemas e o direito brasileiro.São Paulo: Saraiva, 2009.(43) CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Saraiva,2011. p. 66.

4824.4 as Centrais no Sistema de Representação Sindical no Brasil.pmd 12/08/2013, 13:4527