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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE FaC CURSO DE SERVIÇO SOCIAL LAIANA FARIAS BEZERRA JUVENTUDE E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: UM ESTUDO SOBRE O ATENDIMENTO AOS JOVENS QUE FAZEM TRATAMENTO NA CASA DE RECUPERAÇÃO E ASSOCIAÇÃO ÁGAPE MARACANAÚ-CE. FORTALEZA CE 2014.2

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEAR FACULDADE CEARENSE FaC CURSO DE SERVIO SOCIAL

LAIANA FARIAS BEZERRA

JUVENTUDE E DEPENDNCIA QUMICA: UM ESTUDO SOBRE O ATENDIMENTO AOS JOVENS QUE FAZEM TRATAMENTO NA CASA DE

RECUPERAO E ASSOCIAO GAPE MARACANA-CE.

FORTALEZA CE

2014.2

LAIANA FARIAS BEZERRA

JUVENTUDE E DEPENDNCIA QUMICA: UM ESTUDO SOBRE O ATENDIMENTO AOS JOVENS QUE FAZEM TRATAMENTO NA CASA DE

RECUPERAO E ASSOCIAO GAPE MARACANA-CE.

Monografia submetida aprovao do Curso de

Bacharelado em Servio Social da Faculdade

Cearense FaC, como requisito parcial para

obteno de ttulo de Bacharel em Servio Social.

Orientadora: Prof. Ms. Igor Monteiro Silva.

FORTALEZA CE

2014.2

Aos meus pais, Maria Ineide Bezerra Farias e Francisco das Chagas Bezerra, por me amarem e sempre me ajudarem em todos os momentos da minha vida e por terem investido na minha educao fazendo com que este sonho se tornasse realidade.

AGRADECIMENTOS

Agradeo primeiramente a Jesus Cristo, o meu Deus que sempre me ajudou

em todos os momentos da minha vida e me proporcionou a oportunidade de realizar

este sonho de fazer uma faculdade, sem nunca me deixar desanimar e nem desistir,

apesar das dificuldades que encontrei durante essa caminhada.

A todos os meus familiares que sempre me apoiaram e me incentivaram,

participando de todos os momentos da minha vida e me influenciando de forma

direta ou mesmo indiretamente para que eu me tornasse a pessoa que sou hoje.

Ao professor Igor Monteiro Silva, meu orientador, pelo seu grande carinho em

ter aceitado o convite para ser meu orientador e pela sua competncia e dedicao

em me ajudar a concluir esta monografia e aos professores que esto fazendo parte

da minha banca examinadora, professora Ana Paula da Silva Pereira e ao professor

Caio Monteiro Silva.

A todos os funcionrios da Associao gape por terem me recebido muito

bem, sempre me ajudando e me fornecendo as informaes necessrias para que

eu pudesse concluir este trabalho. Em especial quero agradecer pastora Regina,

que a fundadora da casa de recuperao, por todo o carinho e ateno que teve

comigo.

s minhas amigas Antnia Erisleide, Claudia Andrade, Luana de Castro,

Majorie Grazielle e Iracema da Silva, pela amizade sincera que cada uma delas me

forneceu durante esses quatro anos, pelo apoio e pelo incentivo. A presena de

todas elas fez com que a concluso da minha formao se tornasse algo muito

prazeroso.

A todos os professores da Faculdade Cearense, os quais sempre

desempenharam o seu trabalho com muita competncia e dedicao e se tornaram

um referencial para mim.

minha me que foi o meu grande incentivo, pois este sonho foi gerado

primeiro no corao dela e ao meu pai que sempre cooperou para que eu conclusse

os meus estudos.

Como feliz o homem que acha a sabedoria, o homem que obtm entendimento, pois a sabedoria mais proveitosa do que a prata e rende mais do que o ouro". (Provrbios 3:13, Bblia Sagrada).

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo compreender como est sendo realizado o tratamento da dependncia qumica com os residentes que esto internados na Casa de Recuperao e Associao gape. Para elaborao desta pesquisa foram tomados como interlocutores os residentes que fazem tratamento nesta casa de recuperao que tenham entre vinte um e vinte e oito anos de idade e alguns profissionais. Apresentamos como categorias principais as drogas, a dependncia qumica e a juventude. Primeiramente fizemos um breve histrico sobre o consumo de drogas no Brasil e sobre suas representaes sociais pelo mundo, depois fizemos uma discusso sobre a dependncia qumica e as polticas pblicas que existem no Brasil para atender essa demanda. O trabalho junto aos dados ocorreu por meio da pesquisa documental, pesquisa de campo e bibliogrfica, atravs dos instrumentais de pesquisa, com realizao de entrevistas semi-estruturadas, que foram gravadas e pela observao simples. A anlise de resultados da pesquisa possibilita contribuir para a compreenso da relao dos jovens com as drogas e a funo das comunidades teraputicas na recuperao do dependente qumico.

Palavras-chave: Drogas. Dependncia qumica. Juventude.

ABSTRACT

This study aims to understand how it is being carried out drug treatment with residents who are admitted to the Recovery House and Agape Association. For preparation of this research were taken as interlocutors residents under treatment in this halfway house that have between twenty one and twenty-eight years old and some professionals. Here such categories drugs, addiction and youth. First we made a brief history of drug use in Brazil and on their social representations around the world, then we discuss addiction and public policies that exist in Brazil to meet this demand. The work with the data occurred through desk research, field research and literature, through the instruments of research, performed semi-structured interviews, which were recorded and the non-participant observation. The survey results analysis enables contribute to the understanding of the relationship of young people with drugs and the role of therapeutic communities in recovering addict.

Keywords: Drugs. Chemical dependency. Youth.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CID-10 Classificao Internacional de Drogas

CT Comunidade Teraputica

OMS Organizao Mundial de Sade

SNC Sistema Nervoso Central

ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

DMSIV Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais

ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

ONU Organizao das Naes Unidas

MS Ministrio da Sade

CONAD Conselho Nacional de Polticas sobre Drogas

SENAD Secretaria Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas

SISNAD Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas

PNAD Poltica Nacional Antidrogas

SPA Substncia Psicoativa

SUS Sistema nico de Sade

CAPS Centro de Ateno Psicossocial

IBGE Instituto de Geografia e Estatstica

ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

FEBRACET Federao Brasileira de Comunidade Teraputica

LSD Dietilamida do cido Lisrgico

IDH ndice de Desenvolvimento Humano

SUMRIO 1 INTRODUO ....................................................................................................... 10

2 USO E ABUSO DE DROGAS NO BRASIL ........................................................... 14

2.1 Drogas: Definies e Padres de Consumo ................................................... 14

2.2 Contextualizaes sobre o Uso de Drogas no Brasil..................................... 18

2.3 As Representaes Sociais do Fenmeno das Drogas ................................. 23

3 OS JOVENS E A DEPENDNCIA QUMICA ........................................................ 26

3.1 Juventude e a Drogadio ................................................................................ 26

3.2 Polticas Pblicas de Ateno Dependncia Qumica ................................ 30

3.3 Dependncia Qumica: Um Problema Social e de Sade Pblica ................. 33

4 UM ESTUDO SOBRE O TRATAMENTO PARA DEPENDENTES QUMICOS NA

CASA DE RECUPERAO E ASSOCIAO GAPE ........................................ 38

4.1 A Relao dos Jovens Acolhidos na Associao gape Com as Drogas ... 43

4.2 Depoimentos dos Profissionais sobre o Trabalho Realizado na Casa de

Recuperao e Associao gape no Processo de Recuperao e

Ressocializao dos Dependentes Qumicos ................................................. 50

5 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 56

REFERNCIAS ......................................................................................................... 58

APNDICES ............................................................................................................. 62

ANEXOS ................................................................................................................... 64

10

1 INTRODUO

O presente estudo tem como sujeitos da pesquisa os residentes que

fazem tratamento de dependncia qumica em regime de residncia teraputica na

casa de recuperao e Associao gape. A preocupao com o uso de drogas em

nossa sociedade no algo recente e extremamente necessrio conhecer as

formas de tratamento que vm sendo utilizadas em nossos dias para atender a esta

demanda.

Esta pesquisa busca compreender como est sendo realizado o

tratamento de dependncia qumica na casa de recuperao e Associao gape.

Com trs objetivos especficos, identificar as aes oferecidas pela instituio para

atender os residentes, descobrir o significado deste tratamento para os usurios e

compreender a viso da equipe multiprofissional acerca dos servios oferecidos pela

instituio. As categorias que utilizaremos sero: Dependncia qumica, Juventude e

Drogas.

A escolha deste tema surgiu aps uma experincia minha no campo de

trabalho na comunidade teraputica Instituto Volta Vida, a qual atende usurios de

lcool e outras drogas. A instituio Volta Vida possui uma equipe de enfermagem,

mdicos, psiclogos, professor de educao fsica e monitores. No segue nenhuma

orientao religiosa e tambm no possui o acompanhamento de Assistente Social,

que um profissional que trabalha com a questo social, atua prioritariamente no

trip Assistncia, Sade e Previdncia que compe a Seguridade Social, e

requisitado para o planejamento e execuo de programas e projetos. A partir desse

primeiro contato com a dependncia qumica, tive o interesse de conhecer o trabalho

realizado em outra comunidade teraputica que fornecesse uma orientao religiosa

e acompanhamento de um assistente social, ento escolhi a casa de recuperao

Associao gape para realizar esta pesquisa.

Atravs desta pesquisa, buscarei compreender como est sendo

realizado o tratamento para dependentes qumicos na casa de recuperao

Associao gape e assim analisar a sua forma particular de atender esta demanda.

Essa pesquisa me proporcionou conhecer os programas de tratamento utilizados

pela instituio e analisar o seu resultado no tratamento do usurio.

Atualmente essa questo est presente em quase todas as aes no

contexto da assistncia social e por isso to importante que o assistente social

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compreenda as causas que contriburam para que houvesse um aumento desta

demanda e reconhecer que esse fato uma das expresses da questo social,

medida que atinge o mundo inteiro em todas as classes sociais, e principalmente as

pessoas mais carentes, as quais tm seus direitos negados.

Esse tema, na atualidade, tem sido muito debatido, e existem vrios livros

e artigos que discutem esta temtica. Algumas pesquisas esto sendo feitas com o

objetivo de compreender o motivo que tem levado os jovens a consumirem droga

cada vez mais cedo, no entanto esta pesquisa buscou compreender as estratgias e

conhecer os programas realizados para o atendimento desta demanda, tendo como

campo de pesquisa uma comunidade teraputica.

Muito se tem feito nos ltimos tempos para que as pessoas se previnam

contra o uso de drogas. Mas tambm muito se tem feito, legal ou ilegalmente, para

que elas continuem sendo usadas. Todas as pesquisas e estudos sobre esta

temtica contribuem para sua compreenso e atravs desta pesquisa tambm

pretendo contribuir apresentando um trabalho que est sendo realizado com

dependentes qumicos em uma comunidade teraputica, analisando os depoimentos

dos profissionais e dos usurios e outras questes que esto envolvidas.

Diante dessa temtica surgem algumas dvidas, como por exemplo: O

que so drogas? Todo usurio de drogas um dependente qumico? Por que a

dependncia qumica necessita de tratamento? De que forma as comunidades

teraputicas podem contribuir no tratamento da dependncia qumica?

Pretendemos no decorrer desta pesquisa contribuir para o esclarecimento

desta temtica e proporcionar uma reflexo sobre esta temtica para que o leitor

possa compreender melhor este assunto que vem sendo to abordado na

atualidade.

Esta pesquisa tem carter qualitativo. A pesquisa qualitativa foi escolhida

por ter um carter exploratrio, e a capacidade de estimular o entrevistado a falar

livremente sobre o assunto abordado. Na pesquisa qualitativa, os dados so

retratados por meio de relatrios e levam-se em conta as opinies do publico

entrevistado. De acordo com Minayo (2010), a pesquisa qualitativa trabalha com o

universo de significados, crenas e valores expressos nas relaes humanas.

Luke e Andr (1986) mencionam algumas caractersticas da pesquisa

qualitativa, cita que ela envolve dados descritivos, obtidos no contato direto do

pesquisador com a situao a qual est estudando, atravs do trabalho intenso de

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campo. Segundo os dois autores, o material obtido nessas pesquisas rico em

descries de pessoas e situaes, inclui entrevistas e depoimentos. Neste estudo,

h sempre a inteno de captar a opinio e ponto de vista dos participantes. A

preocupao com o processo da pesquisa deve ser maior do que com o produto.

Todos os dados estudados so considerados importantes na pesquisa qualitativa.

Os tipos de pesquisas que sero realizados sero: pesquisa de campo,

pesquisa documental e pesquisa bibliogrfica. O Campo de pesquisa , segundo

Minayo (1992), o recorte que o pesquisador faz em termos de espao. Ao entrar no

campo o pesquisador vai ter um contato com o seu objeto de estudo, e necessrio

associar as informaes contidas em campo com a teoria estudada.

A pesquisa documental contribui para complementar as informaes

obtidas, pode incluir leis, normas, jornais, revistas, livros e etc. Os documentos

constituem uma fonte rica de informaes, e podem ser consultadas vrias vezes.

Segundo Gil, trata-se de uma pesquisa que se debrua sobre documentos

existentes que no receberam ainda um tratamento analtico (Gil, 2002, p. 46).

Tendo em vista a existncia de documentos na instituio, como, por exemplo, as

normas e rotinas da instituio e os cronogramas, ambos foram utilizados para

complementar as informaes desta pesquisa.

A pesquisa bibliogrfica importante para informar sobre o que os outros

autores escreveram sobre o tema, quanto mais o pesquisador conhecer sobre o seu

tema, mas ele estar apto para construir seu objeto. Segundo Gil (2002), a pesquisa

bibliogrfica baseada com base em material j elaborado, principalmente de livros

e artigos cientficos que oferecem vrias informaes para o leitor.

Os mtodos de coleta de dados sero: observao e entrevista. A

observao simples foi escolhida porque no tive condies de estar presente

diariamente no campo de estudo. Mas s vezes em que fui a campo busquei

analisar e compreender as relaes estabelecidas. A observao, segundo os

autores Ludke e Andr (1986), possibilita vrias vantagens, como por exemplo, um

contato pessoal do pesquisador com o fenmeno pesquisado. A observao foi

escolhida por ser uma ao bem planejada, que fornece os elementos necessrios

para analisar de forma detalhada o cotidiano amplo e os fatos que ocorrem no local,

o cenrio e o comportamento dos usurios que fazem tratamento neste servio.

A entrevista foi escolhida por desempenhar um papel importante nas

atividades humanas. Na opinio de Ludke e Andr (1986), na entrevista, a relao

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que se cria de interao entre o entrevistador e o entrevistado atravs do dilogo.

A entrevista semiestruturada foi realizada com funcionrios da instituio e com os

usurios que fazem tratamento no local para apurar as suas opinies. Esta foi ideal

porque nela o entrevistador segue um determinado roteiro, mas ao mesmo tempo

permite que o entrevistado faa as necessrias adaptaes. As entrevistas sero

registradas atravs da utilizao de um gravador, pois este instrumento tem a

vantagem de registrar todas as expresses orais, deixando o entrevistador livre para

dar a devida ateno ao entrevistado.

Por tratar-se de pesquisa qualitativa, utilizamos como critrio os

residentes com idade entre vinte um e vinte e oito anos de idade, os quais j esto

no processo de tratamento h pelo menos um ms, considerando que no foi

encontrado um nmero suficiente de jovens nessa faixa etria com mais tempo de

internao. Diante disso a pesquisa contemplou uma amostra de seis desses

sujeitos, os quais tiveram os seus nomes alterados para resguardar o sigilo da

pesquisa (por se tratar de uma comunidade evanglica, escolhi nomes bblicos para

substituir o nome dos entrevistados). Realizamos tambm entrevistas com os

profissionais da instituio, um representante de cada rea, um psiclogo, um

assistente social, um coordenador adjunto e um coordenador administrativo.

Para que o leitor possa ter uma melhor compreenso do contedo que

ser abordado neste estudo, apresentaremos um breve resumo dos trs captulos

que foram assim divididos com a finalidade de fazer uma discusso sobre a maneira

com que o uso de drogas pode se transformar em doena, assim prejudicando a

sade do indivduo e o levando a necessitar de um tratamento contnuo em uma

comunidade teraputica.O primeiro captulo abordar em seu desenvolvimento uma

discusso sobre o uso e abuso de drogas no Brasil e traz algumas definies e

conceitos que rodeiam esta temtica. Discutimos um pouco tambm sobre a

contextualizao histrica das drogas no Brasil e no mundo. O segundo captulo

contempla discusses sobre a juventude e a dependncia qumica, trazendo

conceitos sobre a dependncia qumica e fazendo uma discusso sobre como esta

doena se tornou um problema social e de sade-pblica. O terceiro captulo

abordar a necessidade de um acompanhamento teraputico no tratamento do

dependente qumico, apresentando um pouco sobre a histria e o funcionamento

das comunidades teraputicas, e apresentar ao final a anlise realizada atravs

das entrevistas com os usurios e com os profissionais da instituio.

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2 USO E ABUSO DE DROGAS NO BRASIL

2.1 Drogas: Definies e Padres de Consumo

O termo droga teve origem na palavra holandesa droog, que significa

folha seca; isto porque antigamente a maioria dos remdios eram feitos base de

vegetais. Atualmente, a medicina define drogas como qualquer substncia capaz de

modificar a funo dos organismos vivos, que resultem em mudanas na sua

fisiologia ou no seu comportamento (CEBRID/SENAD, 2010).

Existem muitas outras definies para o termo droga, mas segundo a

Organizao Mundial de Sade (OMS), droga qualquer entidade qumica ou

mistura de entidades que podem alterar a funo biolgica e, possivelmente, sua

estrutura. Algumas drogas so fabricadas em laboratrios como o caso do LSD

(abreviao de dietilamina do cido lisrgico), que , talvez, a droga mais potente

alucingena que existe, e do xtase (3,4 metilenodioximetanfetamina) outra

substncia que alguns psiquiatras e psiclogos acreditavam que deixava a pessoa

mais solta e mais comunicativa. Existem outras drogas que so de origens naturais,

estas so obtidas atravs de determinadas plantas, de animais e de alguns minerais,

como por exemplo, a maconha e o tabaco. Drogas psicotrpicas so aquelas que

atuam sobre o crebro, alterando o psiquismo (CEBRID/SENAD, 2010). Algumas

dessas substncias so utilizadas como medicamentos e em outras situaes como

txicos ou venenos (SENAD, 2013).

Do ponto de vista legal, as drogas podem ser classificadas como ilcitas

ou lcitas. As drogas ilcitas so aquelas proibidas por lei, e as lcitas so aquelas

comercializadas de forma legal, mas que podem estar submetidas a algum tipo de

restrio, como no caso do lcool, cuja venda proibida para menores de 18 anos

(SENAD, 2013).

As drogas psicotrpicas podem ser classificadas em trs grandes grupos:

o das depressoras, das estimulantes e o das perturbadoras da atividade do Sistema

Nervoso Central1 (SNC).

1 O sistema nervoso central, em anatomia, o conjunto do encfalo e da medula espinhal dos

vertebrados, aquele localizado dentro do esqueleto axial (cavidade craniana e canal vertebral). Disponvel em: . Acesso em: 7 set. 2014.

http://www.auladeanatomia.com/Sistema_nervoso_central/

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As drogas depressoras possuem este nome porque diminuem a atividade

do crebro, deixando a pessoa que faz uso dessa substncia desinteressada e

desmotivada pelas coisas que gosta de fazer (CEBRID/SENAD, 2010).

Entre as drogas depressoras est o lcool, que uma das poucas drogas

psicotrpicas que tem seu uso admitido e incentivado pela sociedade. A ingesto do

lcool provoca diversos efeitos, que aparecem em duas fases distintas: uma

estimulante e outra depressora, pois no incio da ingesto a pessoa se sente

desinibida e eufrica consegue se comunicar melhor com os outros, mas com o

passar do tempo fica com sono, apresentando descontrole e falta de coordenao

motora, por isso que quando a pessoa ingere bebida alcolica no deve dirigir, para

evitar que ocorram acidentes. A bebida alcolica, quando consumida de forma

excessiva ao longo do tempo, pode desenvolver dependncia. Os indivduos

dependentes do lcool podem desenvolver vrias doenas, como por exemplo,

esteatose heptica, hepatite alcolica, cirrose e pancreatite (CEBRID/SENAD,

2010).

Alm do lcool existem tambm os solventes e inalantes, a palavra

solvente significa substncia capaz de dissolver coisas e inalante toda substncia

que pode ser inalada. Os solventes e inalantes so as substncias volteis capazes

de deprimir o funcionamento do sistema nervoso central, como o caso do ter e do

clorofrmio. A mistura dessas duas substncias forma uma droga popularmente

conhecida como lol, principalmente pelos meninos de rua, a cola de sapateiro

tambm outro solvente bastante utilizado no Brasil (CEBRID/SENAD, 2010).

Alguns produtos comercias contm solvente, como os esmaltes, a cola,

as tintas, a gasolina etc. Os efeitos dos solventes vo desde a estimulao at a

depresso, na primeira fase a pessoa fica eufrica e depois apresenta depresso.

As pessoas que usam solventes cronicamente tm dificuldade de concentrao e

dficit de memria, e podem adquirir leses da medula ssea, dos rins e do fgado

(CEBRID/SENAD, 2010).

Os tranquilizantes ou ansiolticos tambm fazem parte das drogas

depressoras do Sistema Nervoso Central, elas so capazes de estimular os

mecanismos do crebro que combatem o estado de tenso e ansiedade. Tambm

importante lembrar que estas substncias prejudicam em parte as funes

psicomotoras, prejudicando atividades como dirigir e operar mquinas. Esses

medicamentos quando usados durante muito tempo causam dependncia. Ex:

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diazepam, bromazepam, clonazepam e etc. Os efeitos dos ansiolticos

benzodiazepnicos so grandemente aumentados quando associados com o uso de

lcool e neste caso pode levar a pessoa ao estado de coma (CEBRID/SENAD,

2010).

O pio (a palavra pio em grego significa suco) extrado de uma planta

chamada Papaver somniferum, nele existem vrias substncias as mais conhecidas

so a morfina e a herona, que inicialmente produzem uma sensao de euforia,

mas doses muito grandes podem levar o indivduo ao estado de coma. Essa droga

pode levar o usurio facilmente dependncia, e durante a abstinncia ocorrem

nuseas, vmitos, diarreia, clicas intestinais etc. A morfina receitada por alguns

mdicos para pacientes cancerosos, que geralmente sentem dores muito fortes, mas

de forma bastante cautelosa devido aos seus efeitos txicos (CEBRID/SENAD,

2010).

Outro grupo o das drogas que so estimulantes, elas aumentam a

atividade do crebro estimulando o seu funcionamento. Entre elas esto a cocana

que uma substncia natural, extrada das folhas de uma planta encontrada

exclusivamente na Amrica do Sul, a Erythroxylon coca que vendida na forma de

um p branco e fino. A cocana aspirada destri lentamente a mucosa do nariz,

prejudicando o olfato, e quando entra em circulao no sangue provoca a dilatao

das pupilas, aumentando a presso arterial e o ritmo das pulsaes do corao

(CEBRID/SENAD, 2010).

O crack2 a cocana solidificada e fumada no aspecto de pedra, por

ser fumada alcana rapidamente o pulmo e leva uma absoro instantnea, por

isso a durao dos seus efeitos mais rpida (CEBRID/SENAD, 2010). Sua

principal forma de consumo a inalao da fumaa que realizada atravs de

cachimbo, latas e pequenas garrafas plsticas.

As anfetaminas tambm so drogas estimulantes, elas so substncias

sintticas, produzidas em laboratrio, e tambm conhecidas como ribite ou ice.

Foram produzidas com vrias finalidades mdicas, tais como diminuir o apetite,

aumentar a presso arterial e dilatar os brnquios, etc. A pessoa sob seu efeito tem

insnia, inapetncia (perda do apetite), e se sente cheia de energia. Existem alguns

motoristas caminhoneiros que precisam dirigir por longas horas e fazem uso dessas

2 O nome crack vem do som dessas pedras quando se queimam.

17

substncias para permanecerem acordados e poderem dirigir por mais tempo, mas

essa atitude muito perigosa e pode causar acidentes, pois o corpo necessita de

descanso e repouso (CEBRID/SENAD, 2010).

O tabaco uma planta cujo nome cientfico Nicotiana tabacum, da qual

extrada uma substncia chamada nicotina. A nicotina pode causar aumento nos

batimentos cardacos, na presso arterial e na frequncia respiratria. O uso intenso

de cigarro aumenta a probabilidade de pneumonia, cncer, infarto do miocrdio e

outras doenas (CEBRID/SENAD, 2010). O tabaco pode ser fumado na forma de

cigarros, cachimbos ou charutos. Essa substncia, quando utilizada ao longo do

tempo, pode provocar o desenvolvimento de tolerncia, que a necessidade de

aumentar o consumo da droga para alcanar os mesmos efeitos que antes eram

produzidos atravs de doses menores.

Por ltimo as drogas perturbadoras da Atividade do Sistema Nervoso

Central que modificam qualitativamente a atividade do crebro, causando delrios e

alucinaes. A maconha uma planta que se destaca aqui, no Brasil, e chamada

cientificamente de Cannabis sativa, ela fumada atravs de cigarros conhecidos

como bagulhos ou baseados e considerada por alguns pesquisadores como a

porta de entrada para o uso de outras drogas, como o crack. Com o uso contnuo

da maconha a pessoa poder ter prejuzo de memria e ateno (PAULINO, 1997).

Os cogumelos tambm podem causar alucinaes, no Brasil o cogumelo

Psylocibe cubensis usado para se fazer ch e entre as plantas alucingenas,

destaca-se no Brasil a Datura arbrea, conhecida como trombeteira. Durante a

alucinao a pessoa ouve sons imaginrios ou v objetos que no existem

(PAULINO, 1997).

O LSD (dietilamida do cido lisrgico) considerado uma das mais

potentes drogas alucingenas, seu efeito causa dilatao das pupilas dos olhos,

aumento da presso arterial e o ritmo da pulsao do corao. O LSD ganhou

popularidade na dcada de 60 e incio dos anos 70, e acabou sendo consumido

intensamente por uma gerao que ficou marcada pelas drogas, amor e rocknroll.

Outra droga classificada como perturbadora do Sistema Nervoso Central o xtase

(3,4-metilenodioximetanfetamina), muitos usurios relatam ter episdios depressivos

nos dias aps o uso dessa droga, fadiga e insnia tambm so sintomas comum,

esta droga tambm muito conhecida entre a juventude que sai noite na balada,

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principalmente em raves, por causar a sensao de euforia e de prazer (PAULINO,

1997).

Como explicamos, o termo droga envolve os analgsicos, estimulantes,

alucingenos, tranquilizantes alm do lcool e substncias volteis. As drogas

podem causar dependncia fsica e psicolgica. No entanto, importante ressaltar

que existem vrios padres de consumo de drogas e que alguns indivduos no

fazem o uso abusivo destas substncias. O uso de drogas caracterizado pela

autoadministrao de qualquer quantidade de substncia psicoativa.

O abuso entendido como o padro de uso que aumenta o risco de

consequncias prejudiciais para o usurio. A Dependncia qumica de acordo com o

Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais (DSM-IV) um padro

mal adaptativo de uso, levando a prejuzo ou sofrimento clinicamente significativos

(SENAD, 2013).

Conforme afirma Zagury (2009), existem quatro tipos de usurios de

drogas que podem ser classificados em: experimentador (usa a droga uma ou

poucas vezes e logo abandona), usurio ocasional (usa s quando tem contato com

pessoas que esto usando), usurio habitual (j tem dependncia, mas ainda no

fez rupturas sociais importantes), usurio dependente (apresenta rompimento das

relaes sociais e no consegue mais controlar o uso). Atravs dessa classificao

podemos compreender que nem todo o usurio de drogas um dependente

qumico, e que o habito de usar drogas, assim como a frequncia tambm variam e

podem depender tambm das relaes estabelecidas pelo usurio com os grupos

que frequenta.

2.2 Contextualizaes sobre o Uso de Drogas no Brasil

De acordo com Lorencini (1988), o consumo de drogas sempre existiu na

histria da humanidade, e em cada cultura elas so utilizadas com finalidades

diferentes, msticas, curativas ou podendo ser utilizadas apenas para obter prazer.

Muitas drogas psicotrpicas so utilizadas com a finalidade teraputica, com

prescrio mdica para aliviar ou curar doenas.

Como esclarece Lorencini (1988), em cada lugar e cultura as drogas tm

um significado diferente, variando seus padres de uso, suas funes, seu alcance e

frequncia:

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Enquanto o uso de cocana ilegal na maioria das sociedades, os nativos dos pases andinos mascam as folhas de coca para aliviar a fome e o cansao decorrentes do trabalho em elevadas altitudes. Muito embora mascando as folhas a absoro da cocana seja relativamente baixa, causando apenas efeitos anestsicos, o seu consumo tradicionalmente aceito pela sociedade, constituindo uma prtica lcita na cultura desses povos. Um outro exemplo refere-se ao consumo de bebidas alcolicas, que se tornou uma prtica social lcita em diversos pases do mundo, enquanto rigorosamente proibido nos pases islmicos, por motivos religiosos. Por outro lado, se para o povo islmico do Afeganisto vedado o consumo de bebidas alcolicas, a maconha pode ser consumida livremente (LORENCINI, 1988, p. 35).

Desde o sculo XIX, as substncias psicoativas que antes tinham um

papel significativo na economia comeam a ser vista de outra forma (CARNEIRO,

2003 apud Jorge et al., 2013). Na primeira metade do sculo XX, foram formuladas

concluses precipitadas com a ideia de que a delinquncia social era causada pelo

uso de drogas. Todavia essa viso comea a mudar a partir da constatao dos

casos de dependncia qumica entre os dolos da arte e do esporte, visto que estes

personagens no poderiam ser tratados como delinquentes (JORGE et al. 2013).

No Brasil, a maconha chegou aproximadamente em 1554, trazida pelos

escravos, e conhecida popularmente pelo nome de Cannabis. O uso da maconha

nunca foi bem aceito pela sociedade, j que estava relacionada com o consumo feito

pelos negros e mestios. O consumo da maconha neste perodo era feito pela

populao rural negra, e o seu efeito era associado com a criminalidade, e a

proibio era vista como uma forma de se evitar que ela chegasse aos meios

urbanos (JORGE et al., 2013). O modelo proibicionista de preveno concede mais

nfase substncia e menos aos sujeitos e contextos, estigmatiza os usurios de

drogas, alm de reforar a intolerncia perante as diferenas socioculturais.

Na perspectiva de Gamela (2010, apud Jorge et al., 2013), o controle das

drogas que ocorreu no sculo XIX foi devido ao fato destas representarem um risco

produtividade do trabalho, em pleno auge da Revoluo Industrial. Nesse perodo,

os benefcios e funes das bebidas alcolicas comeam a ser questionados.

A dependncia de lcool, que a droga mais popular entre os brasileiros,

atinge 12% dos adultos e responde por 90% das mortes associadas ao uso de

outras drogas, ou seja, o lcool mata muito mais que as drogas lcitas (BRASIL,

2012).

20

Atualmente, no Brasil, devido aos altos ndices de acidentes no trnsito

por motoristas embriagados, em 19 de junho de 2008, foi aprovada a Lei 11.705/08,

popularmente conhecida como Lei seca, a qual vem contribuindo para a queda da

violncia no trnsito. O motorista que for flagrado dirigindo alcoolizado fica sujeito

multa, suspenso da habilitao e, em casos mais graves, at deteno.

No passado, a cocana e o lcool foram muito utilizados como

anestsicos pela medicina e mesmo hoje a morfina , muitas vezes, aplicada para

aliviar a dor em pacientes que sofrem com o cncer. Os calmantes tm uma

finalidade de acalmar e aliviar sintomas de ansiedade, mas quando so utilizados de

forma descontrolada podem tambm prejudicar a sade do indivduo

(CEBRID/SENAD, 2010).

De acordo com notcias jornalsticas3, o crack chegou ao Brasil no incio

da dcada de noventa, entrando no pas atravs da Colmbia. A droga se

disseminou no estado de So Paulo, principalmente na regio da Luz, conhecida

nacionalmente como Cracolndia. No ano de 2012, a polcia realizou uma ao

para inibir os usurios de drogas nesta regio de So Paulo, de acordo com Limas

(2012), devem ser realizadas aes bem planejadas, sem a utilizao de violncia,

pois no adianta inibir os usurios e no dar as devidas condies para que eles

possam abandonar o vcio, e tambm necessrio o acompanhamento de

profissionais, pois s atravs de um caminho educativo pode se conseguir um

resultado positivo.

Atualmente, o valor de uma pedra de crack custa em mdia R$ 5 e por

ser mais barato em relao ao custo de outras drogas como, por exemplo, a cocana

-cujo preo mdio de um grama de pelo menos R$ 50 - utilizado com mais

frequncia pelas classes mais pobres. Os primeiros efeitos aps fumar o crack

aparecem com 10 a 15 segundos, essa caracterstica faz do crack uma droga

poderosa do ponto de vista do usurio. Porm, a durao dos efeitos do crack

muito rpida. Em mdia, dura em torno de 5 minutos, j a cocana dura de 20 a 45

minutos. Essa curta durao dos efeitos faz com que o usurio volte a utilizar o

crack com mais frequncia, levando-o dependncia muito mais rpido do que com

o uso da cocana.

3 Informao disponvel em: . Acesso em: 16 ago. 2014.

21

O ato de fumar tabaco era visto entre os artistas de Hollywood nos anos

1940-50 como sinal de charme e etiqueta social (MOTA, 2009). A indstria do

cigarro foi responsvel pelas propagandas mais elaboradas que fizeram parte da

cultura brasileira dos anos setenta aos anos noventa, influenciando o

comportamento de uma gerao. Hoje em dia, podemos observar campanhas

antitabagistas que resultaram em leis para coibir o uso de cigarros, principalmente

em locais pblicos. Com isso, podemos perceber que a imagem em torno do uso de

drogas tambm varia de uma poca para outra.

O combate s drogas, no Brasil, teve incio em 1911, aps

comprometimento na Conferncia Internacional do pio, realizada em Haia, mas a

proibio do uso de drogas no conseguiu impedir que o seu consumo continuasse

sendo feito e nem pde controlar o trfico de drogas.

O primeiro grande destaque, no Brasil, no combate s drogas foi com o

decreto de lei n 2.953 de Agosto de 1938, que combate a toxina e traz normas

proibitivas produo, trfico e consumo de drogas. As consequncias do uso de

drogas deixaram de ser um problema do indivduo e passou a ser um problema de

toda a sociedade, atingindo todas as classes sociais.

A lei n 6.368 de 28 de outubro de 1976 recomenda que o tratamento

hospitalar para dependentes de substncias entorpecentes seja obrigatrio apenas

quando o quadro clnico ou as manifestaes psicopatolgicas do dependente o

exigir, alm da criao de servios especializados para atender esta demanda.

Apenas em 2002 ocorreu a primeira mudana significativa na lei, a Lei n

10.409 foi promulgada referendando aes de reduo de danos sociais e sade.

No decreto n 4.345 de 26 de agosto de 2002, foi criada a poltica antidrogas

(PNAD), cada Ministrio passou a ser responsvel por propor sua prpria poltica de

enfrentamento s drogas, (falaremos mais detalhadamente sobre essa poltica no

prximo captulo).

A lei n 11.343 de 2006 adotou a terminologia droga, pois a expresso

substncia entorpecente era inadequada, j que poderia trazer a ideia de que

qualquer substncia que pudesse causar a dependncia fsica ou psquica era

substncia entorpecente.

22

De acordo com notcias jornalsticas retiradas do jornal Estado4, em

2012 foi realizado no Brasil um estudo que indica que o pas o segundo maior

consumidor de cocana e derivados, perdendo apenas para os Estados Unidos, de

acordo com o segundo Levantamento Nacional de lcool e Drogas (Lenade), feito

pela Universidade Federal de So Paulo (Unifesp). Este estudo mostrou que o pas

responde hoje por cerca de 20% do mercado mundial da droga. A Unifesp tambm

divulgou que mais de 6 milhes de brasileiros j usaram crack, cocana, merla ou

xi5. Ainda segundo esta pesquisa 45% dos usurios experimentaram a substncia

pela primeira vez antes dos 18 anos, e de acordo com os pesquisadores esse

contato precoce aumenta a incidncia de doenas psiquitricas.

Outro levantamento realizado pela Fundao Oswlado Cruz (Fiocruz),

ligada ao Ministrio da Sade, em parceria com a Secretaria Nacional de Polticas

sobre Drogas (Senad), do Ministrio da Justia, revelou que cerca de 370 mil

brasileiros de todas as idades usaram regularmente crack e similares nas capitais ao

longo de seis meses, em 2012. E entre as regies do Brasil, o Nordeste lidera o uso

regular de crack e similares, com 40% do total, seguido do Sudeste, do Centro-

Oeste, do Sul e do Norte. Segundo Vitore Maximiano, secretrio da Senad, o alto

uso de crack no nordeste esta relacionado com o ndice de Desenvolvimento

Humano (IDH) local, onde a populao mais carente.

Segundo Paulino (1997), a estrutura da nossa sociedade tem cooperado

para que as pessoas se isolem na tentativa de evitar situaes desagradveis ou

dolorosas. Ultimamente, tem se falado cada vez mais em estresse, condies

precrias de vida, insegurana e etc. E neste cenrio algumas pessoas buscam nas

drogas a soluo para seus problemas e por falta de informaes adequadas

acabam entrando em um caminho perigoso e que em alguns casos pode levar

morte.

O sistema capitalista estimula o consumo, favorece a competitividade e o

individualismo gerando um estado de insegurana e insatisfao na populao, e

isso pode contribuir para a busca de novos prazeres, entre eles pode estar s

drogas.

4 Matria jornalstica retirada do jornal Estado. Disponvel em: . Acesso em: 19 abr. 2014.

5 Oxi o entorpecente obtido da mistura da pasta base de cocana com querosene, gasolina, cal

virgem ou solvente usado em construes. Disponvel em: . Acesso em: 7 set. 2014.

23

2.3 As Representaes Sociais do Fenmeno das Drogas

Segundo Leonardo Mota (2009), apesar do discurso da Guerra as

drogas destacar os seus efeitos malficos, em nenhuma poca os homens

decidiram bani-la totalmente da sociedade. Existem padres diferentes de uso

destas substncias e algumas pessoas no conseguem us-las dentro dos padres

socialmente aceitveis de consumo e por isso trazem prejuzos para a sua sade e

para as relaes sociais.

Devido s consequncias do uso abusivo de drogas alguns indivduos

buscam ajuda para enfrentar o problema e outros so influenciados pela famlia a

buscar tratamento mesmo quando no sentem o desejo de parar de usar a

substncia.

Existem diferentes opinies sobre as formas de se combater o uso de

drogas e vrias estratgias para tratar a dependncia qumica. Leonardo Mota

(2009), explica um pouco sobre cada abordagem que gira em torno desta temtica:

Afirmar que a dependncia qumica um pecado significa propor mtodos de resoluo deste problema atravs de converso religiosa e exortar as comunidades religiosas a abrir novas clnicas que visem a recuperar os dependentes qumicos utilizando como justificativa os preceitos da caridade crist. Pensar a dependncia qumica como um crime institucionalizar uma srie de medidas legais que sejam capazes de coibir o uso e abuso de determinadas substncias psicoativas, seja para coibir futuros delitos, como para proteger as famlias que se sentem ameaadas por este tipo de transgresso. Conceber a dependncia de lcool e outras drogas como uma doena implica elaborar polticas pblicas de sade que possam oferecer tratamento mdico e psicolgico, ao invs do encarceramento ou converso religiosa de adictos (MOTA, 2009, p. 4).

A dependncia qumica, na maioria das religies crists, interpretada

como possesso de espritos malignos, e entre as camadas populares comum o

apelo s igrejas pentecostais para resolver o problema do usurio ou de familiares,

relacionado ao abuso de drogas (MOTA, 2009).

Na esfera da moralidade jurdico-policial, o termo droga designado

principalmente para referir-se s substncias ilcitas, que acaba conduzindo a uma

represso moral e criminal da substncia. O atual modelo proibicionista prev

sanes para quem expor venda e comercializar determinadas substncias

psicoativas. Nesse contexto, o dependente qumico visto como criminoso ou como

um caso perdido. As campanhas antidrogas tm como objetivo evitar o consumo

24

de drogas mesmo que para isso seja necessrio criar representaes pejorativas

sobre tais substncias (MOTA, 2009).

Os controles sociais afetam o comportamento individual, pois

recompensam o comportamento valorizado e pune o comportamento negativamente

valorizado. Dessa forma o usurio de drogas sofre punies e os indivduos passam

a compreender a prtica como algo inconveniente ou imoral (BECKER, 1993). Um

grande nmero de usurios esconde a prtica da famlia e de amigos por temer que

estes rompam relaes com eles caso venham a descobrir a prtica.

Conforme explica Becker o viciado popularmente visto como um

indivduo sem fora de vontade, que no consegue se privar dos prazeres

indecentes que lhe so fornecidos pelas drogas opiceas, tratado de forma

repressiva (BECKER, 1993, p. 45). Nesse sentido, o usurio alvo de processos de

estigmatizao, sendo muitas vezes compreendido como algum perigoso ou sem

futuro pela sociedade e pela prpria famlia na qual est inserido.

As leis que tornam a posse ou a venda de drogas passveis de severas

punies, no conseguem impedir o seu consumo, apenas erguem alguns

obstculos para quem deseja us-las, restringindo a sua distribuio a fontes ilcitas

e fazendo com que usurios de determinadas substncias psicoativas sejam

estigmatizados. Assim se um usurio ocasional desejar usar constantemente a

droga deve comprar diretamente de um traficante ou pertencer a algum grupo que a

utilize.

Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS) a dependncia qumica

um estado psquico e fsico que pode causar vrias doenas crnicas fsico-

psquicas, gerando mudanas no comportamento. No entanto, tambm pode ser

resultado de fatores biolgicos, culturais e ambientais.

Existem diferentes conceitos sobre a dependncia qumica, e Moscovini

faz um resumo sobre as ideias que mais se destacam na sociedade:

Em sntese, os conceitos mdicos surgem como alternativa simblica na sociedade moderna para denominar fenmenos antes qualificados como punio dos deuses, falha de carter, pecaminosidade, possesso de espritos ou demnios etc. Os diagnsticos psiquitricos, via de regra, assumem critrios positivistas, seguindo modelos matemticos que se aplicam biologia. E na medida em que tais distrbios so quantificveis e mensurveis, esta apreciao da realidade encontra boa aceitao na sociedade moderna (MOSCOVICI, 2003, p. 15 apud MOTA, 2009).

25

Como podemos observar o diagnstico da dependncia qumica difcil

de ser compreendido e aceito pela sociedade, e as representaes sociais

construdas sobre tais substncias tambm se modificam ao longo da histria. As

polticas repressivas, no entanto apenas tm agravado esse problema, por isso que

no discurso especializado sobre a dependncia qumica defendido a ideia de que

este problema deve ser tratado como uma questo de sade pblica e no como

caso de polcia.

No prximo captulo, abordaremos um pouco sobre os motivos que tm

levado os jovens a utilizarem drogas, apontaremos alguns direitos da juventude que

devem ser garantidos pelo Estado, e apresentaremos as polticas pblicas e as

formas de tratamento que tm sido utilizadas para atender a essa demanda. As

polticas pblicas visam causar mudanas na realidade do individuo, por isso

necessrio investimento por parte do governo, para que dessa forma as pessoas

no tenham os seus direitos de cidadania violados.

26

3 OS JOVENS E A DEPENDNCIA QUMICA

3.1 Juventude e a Drogadio

De acordo com a definio da ONU (Organizao das Naes Unidas) de

2000, jovens so as pessoas com idade entre 15 e 24 anos. No entanto, o sentido

do termo juventude varia em todo o mundo, e as definies mudaram em resposta

as circunstncias polticas, socioculturais e econmicas. No existe uma juventude,

mas uma multiplicidade de juventudes, que extrapola uma faixa de idade biolgica

(BRASIL, 2004).

De acordo com Pais (2009), em algumas sociedades existiam ritos de

passagens, que demarcavam a transio dos jovens para a fase adulta, mas hoje

em dia muito desses ritos desapareceram, alguns dos marcadores que

permaneceram esto relacionados com a obteno do primeiro emprego, o

casamento, o nascimento do primeiro filho, e at mesmo o cumprimento do servio

militar. Entretanto a trajetria de vida de cada pessoa, muitas vezes, impede que

esses marcos ocorram da forma esperada pela sociedade, pois cada jovem possui a

sua prpria singularidade.

De acordo com o Censo Demogrfico6 de 2000, no Brasil, 20% da

populao era formada por jovens entre 15 e 24 anos, totalizando 34 milhes de

pessoas. No ano de 2010, at o incio da dcada de 80, de acordo com o IBGE a

populao brasileira era considerada como sendo predominantemente jovem. Na

atualidade, algumas mudanas vm acontecendo, e o nmero de pessoas adultas e

idosas est aumentando.

O Estatuto da Juventude foi aprovado em julho de 2013 pelo Congresso

Nacional e sancionado pela presidente Dilma Rousseff em agosto do mesmo ano. A

lei n 12.852/13 dispe sobre o direito dos jovens, sobre as diretrizes das polticas

pblicas de juventude e tambm torna a realizao de polticas especialmente

dirigidas s pessoas entre 15 e 29 anos (BRASIL, 2013).

6 Matria jornalstica sobre o Censo Demogrfico de 2000. Disponvel em:

. Acesso em: 8 out. 2014.

http://www.ibge.gov.br/vamos

27

O Estatuto da Juventude aponta para os direitos que devem ser

garantidos no pas para os jovens, entre eles esto: direito cidadania,

participao social e poltica; direito educao; direito cultura; direito segurana

pblica e outros. O Estado deve reconhecer os jovens como sujeitos de direitos e

criar as condies necessrias para a satisfao de todas as suas necessidades

(BRASIL, 2013).

A juventude marcada por ser uma fase de mudanas, tanto fsicas

quanto psquicas. Nessa fase, geralmente o jovem se sente pressionado pelos pais

e pela sociedade para fazer determinadas escolhas que podero interferir no seu

futuro e nessa fase a droga pode ser vista como a soluo para enfrentar as crises,

os conflitos e as dificuldades internas.

Segundo Abrano (1997, apud Salles, 1988), na dcada de 1950 os jovens

eram vistos como rebeldes sem causa por contestar as normas sociais. A rebeldia

explicada como problema da adolescncia e da cultura juvenil. Na dcada de 70, os

jovens aparecem como ameaadores ordem social pelos movimentos estudantis,

hippie e pacifista. A juventude da dcada de 1980 tida como individualista,

consumista, conservadora e apoltica. J na dcada de 1990, a juventude

caracteriza-se pela conscincia ecolgica, pela liberalizao dos costumes, pelos

movimentos feministas e pela afirmao da diversidade.

Hoje, os jovens continuam a ser associados, na maioria das vezes,

situao de violncia e delinquncia e ao uso de drogas, pois para algumas pessoas

eles ainda no possuem maturidade e responsabilidade suficiente para tomar

decises. A mdia tambm passa essa imagem quando associa os adolescentes a

problemas sociais como crime, gravidez precoce e doenas sexualmente

transmissveis. Sobre esse assunto Lopes e Silva (2009) defendem que:

A juventude de grupos populares urbanos vive de forma intensa a contradio desta sociedade e, ainda, tem que lidar com as expectativas (negativas) sociais geradas sobre eles, resultantes de uma cultura de esteretipos, pr-conceitos, estigmas que acompanham sua insero de classe. Esses jovens tm vivido um processo de invisibilidade social que os coloca margem das aes pblicas, da participao e do acesso aos espaos pblicos. Ganham um lugar social somente quando assumem o papel de perturbadores da ordem, de desocupados e violentos e de criminosos (LOPES e SILVA, 2009, p. 103).

Estudos tm apontado que o nmero de jovens que esto consumindo

drogas est aumentando, e a gravidade deste problema exige uma atitude do

28

governo e da sociedade para criar estratgias de enfrentamento desta realidade.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Geografia e Estatstica (IBGE) revelou que

no ano de 2012 nas capitais brasileiras 7,3% dos adolescentes j experimentaram

drogas ilcitas. Entre os jovens de 13 a 15 anos entrevistados nas escolas de Belm,

6,7% responderam j ter usado algum tipo de droga ilcita alguma vez na vida, j no

Nordeste o nmero de jovens que afirmaram terem usado drogas foi de apenas 5%.

No caso das drogas lcitas como o lcool o estudo aponta que sete em cada dez

adolescentes j experimentaram alguma bebida alcolica. Esse fato deve ser

analisado, pois no est de acordo com o ECA7, j que este probe a venda de

qualquer tipo de bebida alcolica para menores de 18 anos.

Existem vrios fatores que podem levar os jovens a utilizarem drogas. A

desorganizao emocional, o mau relacionamento com a famlia, a timidez, que

pode levar a uma falta de sociabilidade, na qual, muitas vezes, estes jovens no

conseguem ser compreendidos, a falta de confiana e segurana, a dificuldade de

afirmao profissional, todos esses fatores podem levar os jovens a consumir drogas

(CAMPOS, 2012).

O ambiente familiar contribui para o desenvolvimento saudvel dos

jovens. Quando a famlia estabelece uma orientao atravs de apoio e

comunicao, coopera para que o jovem possa assumir desde cedo suas

responsabilidades. A famlia deve estar informada sobre os efeitos das drogas e

suas consequncias, para que possa compreender o que o jovem est passando e

evitar fazer julgamentos e crticas que s agravam a situao. Assim o dilogo

transmite proximidade e segurana, e com isso mais fcil para os pais detectarem

mudanas no comportamento dos filhos (PRATTA e SANTOS, 2006).

O dilogo entre os membros da famlia permite pessoa que est

pensando em usar drogas ou mesmo aquelas que j tenham usado encontrar apoio

e orientao. Pratta e Santos (2006) salientam ainda que,

Assim, por meio do dilogo, os membros da famlia tornam-se mais prximos, aspecto que transmite segurana tanto para os pais (pois esto

7 O ECA (Estatuto da Criana e do Adolescente) foi criado em 13 de julho de 1990, e uma

referncia em termos de legislao destinada infncia e a adolescncia, tendo em vista que as crianas e adolescentes so sujeitos de direitos civis, humanos, e sociais.

29

atentos ao dia-a-dia dos filhos) quanto para os adolescentes (os quais se sentem seguros e valorizados pelos pais), pois tendo uma relao mais prxima, mais fcil para os pais detectarem mudanas no comportamento dos filhos (PRATTA, SANTOS, 2006, p. 321).

H casos de pais que s tomam conhecimento de que seus filhos esto

usando drogas quando estes so chamados s delegacias, outros mais esclarecidos

observam o aparecimento de determinados comportamentos como agressividade,

apatia e excitao (CAMPOS, 2012).

No campo das aes direcionadas juventude, especialmente aos que

esto em situao de maior vulnerabilidade social, existe um grande nmero de

projetos, e estes para terem uma melhor eficcia necessitam estarem se articulando

entre si. Segundo Lopes et al. (2008), necessria uma interao entre a escola, a

comunidade e a famlia e quando isso no ocorre as aes existentes se tornam

insuficientes ou ineficazes para atender as necessidades da populao.

importante que sejam implementadas polticas pblicas que se

dediquem a combater s desigualdades sociais, pois, no Brasil, os jovens pobres,

muitas vezes, acabam tendo os seus direitos fundamentais da cidadania violados. A

insero das pessoas que vivem a ausncia de direitos no mundo do crime acaba

sendo consequncia do abandono e da excluso.

Como bem refora Lorencini (1998):

Grande parte desses jovens urbanos est radicada em assentamentos precrios nos arredores das grandes cidades, e assim encontram razes fortes que os levam a buscar o uso de drogas para compensar a situao de marginalidade e privao. A misria implica maior vulnerabilidade s drogas, tornando-se um dos mais difceis problemas sociais a serem revertidos (LORENCINI, 1988, p. 39-40).

Segundo Silva (2012), as drogas no escolhem raa, idade, sexo ou

classe, entretanto o local onde ela mais se destaca entre jovens de famlias das

classes D e E, ou seja, que sofrem uma maior vulnerabilidade social, com problemas

financeiros e baixo nvel de escolaridade.

Como mostram as pesquisas, o consumo de drogas (tanto lcitas quanto

ilcitas) tem crescido entre os jovens no Brasil. A liberdade de escolha um direito

do cidado, contudo para que ele faa uma escolha de forma consciente

necessrio ter informao. Quando so veiculados mais mitos e preconceitos sobre

30

determinado assunto do que fatos cientficos, acaba trazendo prejuzo para a

sociedade.

3.2 Polticas Pblicas de Ateno Dependncia Qumica

A temtica das drogas envolve toda a sociedade, e por isso muito

importante que tanto os profissionais, estudantes, familiares de dependentes

qumicos, como os prprios usurios de drogas, dentre outros, tenham

conhecimento sobre as leis e as polticas pblicas que tratam deste assunto.

De acordo com Souza (2006), poltica pblica resumidamente o campo

do conhecimento que coloca o governo em ao e quando necessrio prope

mudanas no curso dessas aes. As polticas pblicas so elaboradas com o

objetivo de causar mudanas na realidade, e quando postas em ao ficam

submetidas a sistema de acompanhamento e avaliao.

Durante muito tempo a temtica das drogas foi tratada apenas como

caso de polcia, at o ano de 1998, no Brasil no existia uma poltica especfica no

combate s drogas. Atualmente a dependncia qumica adquiriu, carter de sade

pblica.

Em relao s polticas pblicas que foram implementadas no Brasil,

Alves ressalta que:

A reviso da literatura permite identificar dois principais posicionamentos polticos para o enfrentamento de questes relacionadas ao consumo de lcool e outras drogas: o proibicionismo e a abordagem de reduo de danos. Enquanto as polticas proibicionistas concentram esforos na reduo da oferta e da demanda de drogas, com intervenes de represso e criminalizao da produo, trfico, porte e consumo de drogas ilcitas; as polticas e programas de reduo de danos tm disseminado intervenes orientadas para a minimizao dos danos sade, sociais e econmicos relacionados ao consumo de lcool e outras drogas sem necessariamente coibi-lo. (ALVES, 2009, p. 2310).

Na dcada de 1920, a legislao penal props a internao compulsria

por tempo indeterminado, no ano de 1930 foi promulgada Lei de Fiscalizao de

Entorpecentes (Decreto-Lei n 891/1938) que expressa claramente o

posicionamento proibicionista do Estado brasileiro em relao s drogas. A Lei n.

6.368/1976 aborda sobre o tratamento e a recuperao de usurios de drogas e

afirma que as redes dos servios de sade dos Estados, Territrios e Distrito Federal

31

podero contar com estabelecimentos prprios para tratamento de dependentes

qumicos. A partir da dcada de 2000, as polticas pblicas de drogas brasileiras

tiveram enfoque na reduo de danos.

A Poltica Nacional sobre Droga (PNAD) representa um avano nas

polticas pblicas sobre drogas, a qual tem como pressupostos bsicos:

1.1 Buscar, incessantemente, atingir o ideal de construo de uma sociedade protegida do uso de drogas ilcitas e do uso indevido de drogas lcitas. 1.2 Reconhecer as diferenas entre o usurio, a pessoa em uso indevido, o dependente e o traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada. 1.3 Tratar de forma igualitria, sem discriminao, as pessoas usurias ou dependentes de drogas lcitas ou ilcitas. 1.4 Buscar a conscientizao do usurio e da sociedade em geral de que o uso de drogas ilcitas alimenta as atividades e organizaes criminosas que tm, no narcotrfico, sua principal fonte de recursos financeiros. 1.5 Garantir o direito de receber tratamento adequado a toda pessoa com problemas decorrentes do uso indevido de drogas. 1.6 Priorizar a preveno do uso indevido de drogas, por ser a interveno mais eficaz e de menor custo para a sociedade. 1.7 No confundir as estratgias de reduo de danos como incentivo ao uso indevido de drogas, pois se trata de uma estratgia de preveno. 1.8 Intensificar, de forma ampla, a cooperao nacional e internacional, participando de fruns sobre drogas, bem como estreitando as relaes de colaborao multilateral, respeitando a soberania nacional. [...] (BRASIL, 2010, p.13).

Entre os objetivos da Poltica Nacional sobre Drogas est reduzir as

consequncias sociais e de sade decorrentes do uso de drogas; conscientizar a

sociedade sobre as consequncias do uso indevido de drogas e combater o trfico

de drogas (BRASIL, 2010).

No governo de Luiz Incio Lula da Silva, foi criada a Lei n 11. 343, de 23

de agosto de 2006, que institui o Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre

Drogas Sisnad. Essa Lei substituiu as leis n 6.368/76 e n 10.409/02, sobre

drogas, at ento vigentes no pas. A nova lei esta direcionada para a preveno,

ateno, reinsero social do usurio e dependente de drogas.

O Sisnad prescreve medidas para preveno do uso indevido, ateno e

reinsero social de usurios e dependentes de drogas; estabelece normas para

represso produo no autorizada e ao trfico ilcito de drogas. De acordo com o

pargrafo nico do Artigo 1 da mesma Lei, consideram-se como drogas as

substncias ou os produtos capazes de causar dependncia, que estejam

especificados em Lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo

Poder Executivo da Unio (BRASIL, 2010).

32

Os rgos que so integrantes do SISNAD so: o Conselho Nacional

Antidrogas CONAD; a Secretaria Nacional Antidrogas SENAD; o conjunto de

rgos e entidades pblicos, do poder Executivo Federal, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municpios; as organizaes, instituies ou entidades da sociedade

civil que atendam usurios ou dependentes de drogas e seus familiares. O Conselho

Nacional de Polticas sobre Drogas CONAD o rgo responsvel por estabelecer

as orientaes a serem observadas pelos integrantes do Sistema Nacional de

Polticas Pblicas sobre drogas SISNAD.

O programa Crack possvel vencer foi criado pelo Governo Federal com

a finalidade de prevenir o uso de drogas e promover a ateno integral, ao usurio

de drogas e combater o trfico de drogas. O programa coordenado pelo ministrio

da justia que desenvolve, em parceria com outros Ministrios, uma ao integrada

que envolve trs frentes de atuao: preveno, cuidado e autoridade.

As aes do eixo preveno visam fortalecer fatores de proteo e

reduzir fatores de risco para o uso de drogas, para isso, so oferecidos programas

que busquem fortalecer vnculos familiares e comunitrios. O eixo Cuidado trata de

estruturao de redes de ateno de sade e de assistncia social para o

atendimento aos usurios de drogas e seus familiares. J o eixo Autoridade busca

reduzir a oferta de drogas ilcitas no Brasil, tanto no mbito nacional como local.

O programa Crack possvel vencer trabalha, simultaneamente, na

preveno, no combate, na reabilitao e na reintegrao social, e realizado pelos

Ministrios da Justia, da Sade e do Desenvolvimento Social e Combate fome, da

Educao e da Secretaria de Direitos Humanos, visando oferecer aos usurios de

drogas apoio em todas as suas necessidades. Observada a Lei n 11.343/2006, o

programa rene diversas aes que envolvem diretamente as polticas de sade,

assistncia social e segurana pblica. O Governo Federal disponibiliza recursos

financeiros a estados, municpios e DF, que podero aderir ao programa.

Em maio de 2007, o Governo Federal, por meio de um Decreto

Presidencial (n 6.117/07), apresentou a poltica Nacional sobre lcool, que prope

medidas para reduzir e prevenir os danos sade e vida causados pelo lcool e

as situaes de violncia e criminalidade que tambm estejam associadas ao

consumo de lcool.

As estratgias de reduo de danos visam reduo dos riscos e das

consequncias associados ao uso de lcool e outras drogas para a pessoa, famlia e

33

sociedade (BRASIL, 2010). Apesar do porte de drogas ilcitas para consumo prprio

ainda ser crime, admite-se ao usurio o direito de fazer consumo com reduo de

danos sociais e o de ter acesso aos servios de sade-pblica. Conforme Alves

(2009), os princpios da reduo de danos se baseiam no fato que as drogas sempre

existiram na histria da humanidade e por isso existe a necessidade de se criar

estratgias para reduzir os danos relacionados ao seu consumo.

Ainda de acordo com Alves (2009), as aes de represso produo, ao

comrcio e consumo drogas ilcitas no conseguiram conter esse fenmeno, ao

contrrio, observou-se o crescimento do trfico ilcito de drogas, e do consumo de

drogas ilcitas e lcitas, e que a criminalizao do porte e do consumo de drogas

ilcitas tem sobrecarregado ao sistema de justia.

Com a formulao da Poltica do Ministrio da Sade para Ateno

Integral a Usurios de lcool e outras Drogas, em 2003, afirma-se a

responsabilidade do Sistema nico de Sade (SUS) em garantir ateno

especializada aos usurios de lcool e outras drogas, at ento contemplada

predominantemente por instituies no governamentais, como as comunidades

teraputicas e os grupos de autoajuda e de ajuda mtua.

Todavia, enquanto a poltica do Ministrio da Sade se posiciona em

favor da construo de um modelo de ateno orientado pela lgica da reduo de

danos, com nfase tambm na preveno. A Poltica Nacional sobre Drogas admite

e incentiva a coexistncia de distintos modelos de ateno sade de usurios de

lcool e outras drogas, entre esses modelos esto s casas de recuperao, os

CAPS ad, as salas de Narcticos Annimos etc. No entanto, ambos buscam reduzir

as consequncias sociais e de sade decorrentes do uso de drogas.

3.3 Dependncia Qumica um Problema Social e de Sade Pblica

As drogas proporcionam um bem-estar para o usurio, e podem causar a

dependncia fsica ou psquica. Segundo Paulino (1997), a dependncia fsica faz

com que o organismo necessite da droga tanto como de gua, sua retirada brusca

provoca a chamada crise de abstinncia, uma situao em que a pessoa sofre

alteraes no funcionamento do organismo. A dependncia psquica ocorre quando

o indivduo sente uma vontade incontrolvel de obter a droga, alguns conhecem

34

esse estado de ansiedade como fissura, pois sem a droga a pessoa sente uma

forte sensao de mal-estar.

Pratta e Santos (2006), mencionam que alguns autores consideram a

dependncia qumica como uma doena fatal visto que destri o organismo e pode

levar a uma overdose. Entretanto importante ressaltar que existem vrios padres

de consumo de drogas e que alguns indivduos no fazem o uso abusivo destas

substncias.

necessrio relembrar que de acordo com Zagury (2009), existem quatro

tipos de usurios de drogas que podem ser classificados em: experimentador (usa a

droga uma ou poucas vezes e logo abandona), usurio ocasional (usa s quando

tem contato com pessoas que esto usando), usurio habitual (j tem dependncia,

mas ainda no fez rupturas sociais importantes), usurio dependente (apresenta

rompimento das relaes sociais e no consegue mais controlar o uso).

O uso abusivo de drogas na atualidade corresponde a um grave problema

social e de sade pblica. um problema social porque no sistema capitalista em

que as relaes sociais so desvalorizadas e em que o trabalho, muitas vezes,

desumano o uso das drogas podem se tornar uma sada para aliviar o sofrimento.

Assim, a drogadio no mais do que uma das consequncias da alienao

histrico-social, poltica e econmica, atravs da qual se manifesta a dramtica

dissociao em que vivemos Kalina et al. (1999, p. 88).

Tambm um problema de sade porque a dependncia qumica

considerada pela organizao mundial de Sade (OMS), como uma doena crnica,

mas que pode ser tratada e controlada. Todavia, existe uma resistncia por parte

dos usurios de aceitarem que esto doentes e que necessitam de tratamento, pois

a maioria destes acredita que podem parar de usar quando quiserem e sem ajuda

mdica.

A poltica de Sade Mental atual est centrada no indivduo, assegurando

tratamento, fortalecendo a assistncia ambulatorial com garantia de distribuio de

medicamentos essenciais Sade Mental (BRASIL, 2004). Atravs disso possvel

promover a recuperao, autonomia e reinsero social do indivduo, facilitando a

sua integrao na famlia e na sociedade.

A sade direito de todos e dever do Estado, existem vrios servios

pblicos de ateno aos usurios de lcool e outras drogas que trabalham na

perspectiva de reintegr-los a sociedade, mas nem sempre foi assim. No sculo XIX,

35

houve o surgimento da Psiquiatria, a qual foi considerada como um ramo da

medicina, nesse perodo eram atendidos pela Psiquiatria os mais diversos tipos de

problemas no campo da sade mental ou de pessoas que na poca achava-se que

deveriam ser retiradas do convvio social, como por exemplo: leprosos, usurios de

drogas, mendigos etc.

Pratta et al. (2009, apud FERREIRA; LUS, 2004) relatam que o

atendimento ao usurio de drogas estava vinculado assistncia psiquitrica, e

causava violao dos direitos humanos por ter como base o modelo

hospitalocntrico. A principal funo do hospcio era a de excluir da sociedade um

segmento que era considerado desordeiro/ perigoso, improdutivo para o capital.

Tambm necessrio ressaltar que o modelo biomdico estava diretamente

relacionado assistncia Psiquitrica. A partir de 1970, com a redemocratizao da

sociedade brasileira e com o movimento da reforma psiquitrica, a pessoa com

transtorno mental comea a ter seus direitos civis e sociais garantidos.

Conforme afirma Pratta et al. (2009), na atualidade, foi proposto o modelo

psicossocial, considerando o paciente em sua totalidade, compreendendo que alm

da relao com biolgico devem ser considerados outros fatores sociais. Para a

OMS, a sade corresponde a um estado de completo bem-estar fsico, mental e

social, e no apenas a ausncia de doenas e que a dependncia qumica deve ser

tratada como uma doena crnica e um problema social. O consumo de drogas traz

danos ao indivduo e pode alterar seu estado mental, por isso so chamadas de

substncias psicoativas (SPA), e podem trazer prejuzos biolgicos, psicolgicos e

sociais.

Odailson da Silva (2012) afirma que a depresso e ansiedade atingem

uma grande maioria dos dependentes qumicos, e que no perodo de desintoxicao

so frequentes delrios e quadros depressivos. Por isso muitos dependentes

qumicos fazem tratamento medicamentoso. Os Centros de Ateno Psicossocial

(CAPS,) foram criados em substituio ao aparato manicomial, e tem como proposta

atender as pessoas que sofrem algum tipo de transtorno mental severo, incluindo os

decorrentes do uso de drogas.

O dependente qumico no necessariamente apresenta um transtorno

mental, mas pode vir a ter doenas mentais sequelares que so causadas pelo uso

contnuo de drogas, o que pode lesar o crebro. Entre as doenas esto os

transtornos de dficit de ateno, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia, delrios

36

secundrios (alucinaes auditivas e/ou visuais, recorrentes na dependncia do

lcool). Se um usurio de drogas vier a adoecer, o Estado deve se responsabilizar e

garantir que esta pessoa venha ter um tratamento de qualidade. E aps o tratamento

este indivduo deve ser reinserido na sociedade.

As polticas pblicas, no Brasil, esto comprometidas com a promoo,

preveno e tratamento, na perspectiva da integrao social e produo da

autonomia das pessoas, com o nico objetivo a ser alcanado a abstinncia. A

dependncia do crack se tornou uma questo prioritria a ser enfrentada, muito em

funo de uma visibilidade dada pela mdia, e esta questo hoje ainda sinnimo de

sade mental. Praticamente todas as aes de organizao da rede de servios tm

o crack e a dependncia qumica como eixo central (JORGE et al., 2013).

O Sistema nico de Sade (SUS) tem por finalidade a promoo de maior

qualidade de vida para toda a populao brasileira. A Lei n 10.216, de 06 de Abril

de 2001 garante aos usurios de servios de sade mental e aos que sofrem por

transtornos decorrentes do consumo de lcool e outras drogas a universalidade de

acesso e direito assistncia.

Segundo Jorge et al. (2013), a abordagem ao uso de drogas sempre

ocorreu de forma repressiva, com um carter moralista e militar em relao

preveno ao uso de drogas. No entanto, essa poltica de represso no conteve o

aumento do consumo de drogas ilcitas e nem to pouca das drogas lcitas e ainda

possibilitou o surgimento de estigmas sobre o tema.

A associao entre o usurio de drogas e a criminalidade faz com que

este seja visto pela sociedade como um marginal, e isso dificulta o seu acesso aos

servios bsicos de sade, podendo com isto ocasionar maiores agravos a sua

sade (JORGE et al., 2013).

De acordo com o Ministrio da Sade, necessrio repensar as formas

de cuidar dessas pessoas, para que haja uma interveno precoce, dentro de uma

perspectiva de reduo de danos, pois o uso de drogas, inclusive lcool e tabaco,

tem relao direta com uma srie de agravos sade dos adolescentes e jovens,

entre os quais se destacam acidentes de transito, agresses, depresses clinicas

etc. (BRASIL, 2004).

As propostas de reabilitao dos servios que esto pautados nas novas

formas de tratamento da dependncia qumica devem visar reabilitao

psicossocial. Ao se pensar em novas formas de se tratar a dependncia qumica,

37

baseada na orientao, dilogo e acompanhamento favorece com que seja feito um

combate ao preconceito e a discriminao em relao aos usurios de drogas.

Entre os espaos que fornecem tratamento para a dependncia qumica,

esto as comunidades teraputicas, estas instituies a princpio no so

governamentais, mas na atualidade algumas vm recebendo ajuda do governo. Elas

no possuem um ambiente hospitalar, e seu instrumento utilizado a convivncia

entre residentes por meio da qual eles trocam experincias e fazem estudos que

abordam temas sobre a doena. As propostas e formas de atendimento variam de

uma instituio para outra, pois envolvem diferentes vises de mundo, ideologias e

religies.

Essas instituies so conduzidas e organizadas por algumas normativas

existentes para o seu funcionamento, como, por exemplo, a ANVISA RDC N 29/11

e a Federao Brasileira de Comunidade Teraputica (FEBRACT). Falaremos mais

detalhadamente sobre este servio de tratamento no prximo captulo, pois este foi o

campo escolhido para realizarmos est pesquisa.

38

4 UM ESTUDO SOBRE O TRATAMENTO PARA DEPENDENTES QUMICOS NA CASA DE RECUPERAO E ASSOCIAO GAPE

A Poltica Nacional sobre Drogas do Governo Federal para enfrentamento

do crack e outras drogas reconheceu a importncia de se estabelecer parcerias

entre Estado e as instituies da sociedade civil que prestam servios a

dependentes qumicos, entre os quais esto as comunidades teraputicas.

A Comunidade Teraputica CT um modelo residencial de tratamento

da dependncia qumica e segundo resoluo da ANVISA N 29/11, as

Comunidades teraputicas (CT) so instituies que prestam servios de ateno a

pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependncia de substncias

psicoativas, em regime de residncia, utilizando-se da convivncia entre os usurios

mediante a qual eles se ajudam mutuamente durante o tratamento na busca de

recuperao.

Devido ao crescente nmero de consumidores de substncias

psicoativas, houve uma expanso dos servios que atendem a esta demanda, e

para evitar a m qualidade do atendimento a SENAD (Secretaria Nacional

Antidrogas), ANVISA (Agencia Nacional de Vigilncia Sanitria) e a FEBRACT

(Federao Brasileira de Comunidades Teraputicas) editaram a RDC ANVISA n

101, de 30/05/2001. Esta Resoluo aplica-se prestao de servios por pessoas

fsicas ou jurdicas, de direito privado ou pblico, envolvidas na ateno s pessoas

que possuem transtornos decorrentes do uso de substncias psicoativas. A

inobservncia dos requisitos da Resoluo RDC ANVISA n 1001/01 constitui

infrao de natureza sanitria, e o infrator fica sujeito a penalidades

A Comunidade Teraputica tornou-se uma nomenclatura oficial a partir

da Resoluo 101 da ANVISA, de 30 de maio de 2001, e como j foi mencionado

anteriormente elas prestam servio de ateno a pessoas com problemas

decorrentes de substncias qumicas e tem como modelo bsico de seu

funcionamento: o psicossocial, na inteno de garantir o carter teraputico de suas

aes. Portanto, o tratamento se concentra no fortalecimento fsico, psquico e

espiritual, para que o usurio se mantenha abstmio pelo maior tempo possvel. No

Brasil, a grande maioria destas comunidades est vinculada a orientao religiosa

(principalmente catlica, esprita e evanglica), como no caso da Associao gape

que o nosso local de pesquisa.

39

As comunidades teraputicas surgiram em funo de dois principais

motivos: o primeiro motivo foi a inexistncia de polticas pblicas nessa rea, pois

durante muito tempo a questo do lcool e de drogas foi tratada em nosso pas

como um caso de polcia. At a dcada de 1960, o dependente qumico tinha como

nica opo a internao em manicmios, levando o usurio a ser considerado

como uma pessoa com transtornos psiquitricos. O segundo motivo foi que essas

comunidades teraputicas estavam motivadas a fazer uma evangelizao na

perspectiva de atender s necessidades das famlias e dos usurios e de aumentar

o numero de fieis.

No passado, essas comunidades teraputicas iniciaram seus trabalhos

sem as mnimas condies fsicas e tcnicas, mas na atualidade, as polticas na

rea da sade e da assistncia foram definidas, pois as demandas ficaram mais

complexas. Muitas comunidades avanaram na perspectiva tcnica e profissional do

trabalho que executam junto questo da dependncia qumica. O usurio da CT

passou a ser considerado em sua dimenso integral e no dissociado do seu

contexto social e familiar e deve ter direito a um atendimento com qualidade social.

Em 16 de outubro de 1990, foi fundada a Federao Brasileira de

Comunidades Teraputicas (FEBRACT), que uma sociedade civil, sem fins

lucrativos, inscrita como rgo de Utilidade Pblica Federal (n 26. 170/95-24), e de

Utilidade Pblica Municipal (Dec. n 7.739/93), e est cadastrada na SENAD-

Secretaria Nacional Antidrogas. AFEBRACT iniciou suas atividades em uma poca

em que a maioria das comunidades teraputicas atuavam sem qualquer respaldo

tcnico e, muitas vezes, sem um comportamento tico definido.

A FEBRACT realiza cursos que ministram conhecimentos bsicos a todos

que trabalham em comunidades teraputicas e a representantes de diversas

instituies. Em 1995, havia algumas organizaes que se denominava

comunidades teraputicas, mas estas eram apenas depsitos que exploravam os

dependentes e suas famlias, devido a esse fato a Federao solicitou ao Conselho

de Entorpecentes, que estabelecesse normas mnimas de funcionamento e estas

comunidades teraputicas passaram a ser fiscalizadas. Em 2010, a SENAD fez uma

seleo juntamente com o Ministrio da Sade, para financiamento de leitos em

comunidades teraputicas, todavia a maioria das instituies selecionadas ainda no

estava no cadastro das vigilncias sanitrias dos estados.

40

De acordo com a resoluo RDC ANVISA n 101/01, as comunidades

teraputicas devem ter capacidade mxima de alojamento para 60 residentes,

alocados em no mximo 2 unidades de 30 residentes - por cada unidade - e para os

servios que j existem ser admitido o acolhimento de at 90 residentes.

Ainda de acordo com a resoluo RDC ANVISA n 1001/01, as CT que

prestam assistncia psicolgica e social devem manter uma relao direta entre as

atividades a serem desenvolvidas e os ambientes para a realizao das mesmas.

O pargrafo nico do artigo 7 dispe que:

A existncia ou no de um determinado ambiente, depende da execuo ou no da atividade correspondente, assim como existe a possibilidade de compartilhamento de alguns ambientes, quer seja pela afinidade funcional, quer seja pela utilizao em horrios ou situaes diferenciadas.

No Brasil vem sendo travada uma discusso sobre as estratgias eficazes

de tratamento da dependncia qumica, e a recada tem sido uma preocupao das

comunidades teraputicas, dado ao alto ndice de desistncia do tratamento, que

segundo Jatob (2012) motivado por diversos fatores, entre eles a dificuldade do

dependente de lidar com suas dores e angstias, ou mesmo pelos sintomas da

abstinncia da droga. As condies de estar internado em um ambiente fechado e

longe da famlia tambm podem ser um dos motivos que levam os dependentes

qumicos a abandonarem o tratamento.

De acordo com Jorge et al. (2013), existe um interesse econmico por

trs de algumas entidades que ofertam leitos em comunidades teraputicas e

ressalta que a reforma psiquitrica condena as prticas que restrinjam ou limitem o

exerccio do ir e vir. A reforma psiquitrica construiu durante anos o principio tico do

cuidado em liberdade, mas como podemos observar esta forma de cuidado no esta

acontecendo na prtica devido a vrios fatores.

Existe na nossa sociedade um desejo de se combater as drogas

utilizando para este fim a abstinncia como meta primordial, mas conforme explica

Jorge et al.:

A eficcia do tratamento no esta relacionada a internar o usurio longe da droga e sim no potencial de fornecer motivao para que este usurio possa tomar decises mais condizentes com a sua sade fsica e mental tornar o usurio autnomo, no vitimiz-lo e no situ-lo numa posio de passividade em relao a sua problemtica com o uso (2013, p. 325).

41

necessrio que as estratgias que esto sendo utilizadas para tratar os

dependentes qumicos, sejam analisadas de forma crtica, pois a sade e a

liberdade do usurio so de suma importncia para que ele tenha acesso a seus

direitos garantidos por lei. O dependente qumico tambm deve ser aceito como

sujeito capaz de fazer as suas prprias escolhas, e no apenas como um paciente

incapaz de tomar atitudes coerentes como alguns acreditam.

Em dezembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff forneceu um

oramento de R$ 4 bilhes do governo federal para combater o crack. Nessa mesma

ocasio anunciou a criao de 2.462 leitos destinados ao tratamento de usurios de

drogas.

De acordo com o Jornal Dirio do Nordeste8, em 2012, o Estado do Cear

disponibilizou 478 vagas em comunidades teraputicas para o tratamento de

dependentes qumicos. Esse nmero ainda no suficiente, pois segundo uma

pesquisa feita em 2011 pela Central nica das Favelas h cerca de 100 mil

dependentes qumicos no Cear. Foram selecionadas 10 comunidades teraputicas

para atender esta demanda entre as quais se destaca a Associao gape. O

tratamento para um paciente adulto em uma comunidade teraputica custa entre

R$1.000,00 e R$1.5000,00 para cada internao. Segundo a Pastoral da

Sobriedade Regional Nordeste 1, de cada 100 dependentes qumicos, apenas 5

esto em casas de recuperao, e destes somente 20% concluem o tratamento.

Isso indica que para que o governo consiga combater a drogadio ainda deve

haver muito investimento, seja em fornecer mais vagas em casas de recuperao,

seja em buscar estratgias para manter este paciente em tratamento contnuo at

receber alta.

Nossa pesquisa foi realizada na Casa de Recuperao e Associao

gape, que fica localizada no municpio de Maracana, na Rua Joo Bezerra

Campos - Parque Tijuca. Durante os meses de agosto a outubro pude conhecer um

pouco a instituio e o trabalho que ela realiza com os dependentes qumicos. A

comunidade foi fundada em 18 de julho de 2007. A casa atende dependentes de

lcool e outras drogas, do sexo masculino. No perodo de realizao da pesquisa a

equipe de funcionrios era composta por dois assistentes sociais, dois psiclogos,

8 Disponvel em: . Acesso em: 29 nov. 2014.

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dois monitores (que so internos que j terminaram o tratamento e que agora

trabalham na instituio), quatro auxiliares, um coordenador e uma tesoureira.

A casa localizada em um stio com espao amplo, arejado,

aconchegante, cheio de rvores, tranquilo, higienizado e etc. Os prprios residentes

cozinham, limpam o espao e arrumam os seus quartos, alm de ajudarem nos

cultos cantando e tocando instrumentos. Os residentes tm que obedecer a uma

programao diria e tm horrio para realizar cada atividade inclusive para assistir

TV e tomar banho de piscina. As atividades no so obrigatrias, mas sugeridas, e a

avaliao dos residentes feita atravs do seu desempenho.

Entre as dependncias da casa esto: quatro casares (onde ficam os

quartos dos residentes), uma cozinha, uma quadra de esporte, quatro salas nas

quais ficam os funcionrios, uma igreja e uma rea de lazer com piscina. A casa

possui 59 internos. A internao feita atravs de convnio com o Governo ou

Particular e a durao do tratamento de nove meses, podendo se estender por

mais trs meses; a visita de familiares s ocorre de quinze em quinze dias pela

manh, aos sbados. O tratamento baseado nos 12 passos do programa libertos

em Cristo9 e os monitores so ex-internos que j terminaram o tratamento, e os

auxiliares so internos que esto apresentando um bom desempenho durante o

tratamento.

O objetivo Geral da Comunidade tratar, recuperar e reinserir o

dependente qumico no ambiente social e familiar, atravs da evangelizao e

ensinamentos bblicos, alm de fornecer orientao, acompanhamento psicolgico e

de servio social. As reunies de grupo e partilhas de sentimento so fornecidas

para que eles venham tirar dvidas, fazer questionamentos, trocar experincias e se

ajudarem mutuamente.

Ao chegar instituio, o usurio de drogas e a famlia so acolhidos e

recebem as informaes necessrias para compreender como o tratamento

realizado, e tambm toma cincia das normas e rotinas da casa. A disciplina

trabalhada atravs de um cronograma no qual se incluem a laborterapia, reunies,

limpeza de quarto etc.

9 Esse programa segue a mesma verso do programa Doze passos que utilizado pelos Alcolicos

Annimos e Narcticos Annimos, no qual trata do alcoolismo e da dependncia qumica. Os grupos se renem regularmente para discutir seus problemas e oferecer apoio e ajuda mtua. No entanto o programa libertos em Cristo faz um estudo da bblia durante as reunies.

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Durante o tratamento, o dependente qumico consegue manter um vnculo

de proximidade e de amizade com outros residentes, apesar de em alguns

momentos haverem conflitos ocasionados pela abstinncia ou por divergncia de

opinies, pois estes indivduos acabam tendo que dividir o mesmo quarto,

alimentam-se no mesmo local, e assim podem tambm trocar experincias durante

todo o tratamento. A participao da famlia muito importante pa