CENTRO DE ESTUDO EM TERAPIA COGNITIVO- … · como também o registro de pensamentos disfuncionais....

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CENTRO DE ESTUDO EM TERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL Alessandra de Oliveira Mafra Fornereto AS PRÁTICAS DA TERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS) I, II E AD. SÃO PAULO 2014

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CENTRO DE ESTUDO EM TERAPIA COGNITIVO-

COMPORTAMENTAL

Alessandra de Oliveira Mafra Fornereto

AS PRÁTICAS DA TERAPIA COGNITIVO-

COMPORTAMENTAL NOS CENTROS DE ATENÇÃO

PSICOSSOCIAL (CAPS) I, II E AD.

SÃO PAULO

2014

Alessandra de Oliveira Mafra Fornereto

AS PRÁTICAS DA TERAPIA COGNITIVO-

COMPORTAMENTAL NOS CENTROS DE ATENÇÃO

PSICOSSOCIAL (CAPS) I, II E AD.

Monografia apresentada ao Centro de Estudo em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC) – Curso de Especialização, para a obtenção do título de Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Orientadora: Profª. Msc. Eliana Melcher Martins Coorientadora: Profª. Drª. Renata Trigueirinho

Alarcon

SÃO PAULO

2014

Fica autorizada a reprodução e divulgação deste trabalho, desde

que citada á fonte.

Fornereto, Alessandra de O. M. As práticas da Terapia Cognitivo-Comportamental nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) I, II e ad/ Alessandra de Oliveira Mafra Fornereto, Eliana Melcher Martins, Renata Trigueirinho Alarcon – São Paulo, 2014. 37 f + CD-ROM

Trabalho de Conclusão de Curso (especialização) – Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC). Orientação: Profª. Msc. Eliana Melcher Martins Coorientação: Profª. Dr

a. Renata Trigueirinho Alarcon

1. terapia cognitivo comportamental, 2. tratamento, 3. Centro de atenção psicossocial (CAPS) e 4. transtornos mentais. I. Fornereto, Alessandra de O. M. II. Martins, Eliana Melcher. III. Alarcon, Renata Trigueirinho..

Alessandra de Oliveira Mafra Fornereto

As práticas da Terapia Cognitivo-Comportamental nos Centros de Atenção

Psicossocial (CAPS) I, II e ad.

Monografia apresentada ao Centro de Estudos em

Terapia Cognitivo-Comportamental como parte das

exigências para obtenção do título de Especialista em

Terapia Cognitivo Comportamental.

BANCA EXAMINADORA

Parecer: ____________________________________________________________ Orientadora: Profa. Msc. Eliana Melcher Martins _____________________________ Parecer: ____________________________________________________________ Coorientadora: Profa. Dra. Renata Trigueirinho Alarcon ________________________

São Paulo, ___ de __________________ de 2014

DEDICATÓRIA

Á todos os profissionais da saúde mental.

AGRADECIMENTOS

Agradeço o meu marido Rodrigo e a minha filha Sofia pelos muitos momentos de compreensão e incentivo nestes dois anos em que me dediquei ao meu

aprimoramento profissional.

Agradeço, também, a equipe do CETCC e os meus colegas pela experiência de compartilhamento de saberes e experiências.

RESUMO

Este trabalho de pesquisa teve por objetivo verificar como as intervenções da

Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) estão sendo utilizadas pelos psicólogos

que atuam na rede de atenção a saúde mental do Brasil, especificamente nos

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) I, II e ad (álcool e outras drogas) e analisar

quais os resultados obtidos destas intervenções. O método utilizado foi uma busca

no banco de dados Google Acadêmico pelos descritores terapia cognitivo

comportamental, tratamento, Centro de atenção psicossocial (CAPS) e transtornos

mentais, incluindo trabalhos dos últimos 10 anos (2004 – 2014) e excluindo

trabalhos com crianças e adolescentes. Como resultados verificou-se a utilização

maior de duas técnicas específicas da abordagem da terapia cognitivo-

comportamental: o Treinamento em Habilidades Sociais (THS) e a Prevenção de

Recaídas (PR). Observou-se que: a inclusão da família no tratamento,

principalmente das pessoas dependentes de substâncias psicoativas, pode

contribuir mais positivamente no tratamento dos pacientes; que as técnicas estão

sendo mais usadas nas psicoterapias em grupo, por beneficiar um número maior de

pessoas; a TCC também é utilizada por outras áreas da saúde e que há a

necessidade de que mais trabalhos sejam realizados e divulgados, para que mais

profissionais e pacientes possam se beneficiar dos recursos desta abordagem.

Palavras-chave: Terapia Cognitiva Comportamental, Tratamento, Centro de Atenção

Psicossocial (CAPS) e transtornos mentais.

ABSTRACT

This research aimed to verify how the interventions of Cognitive-Behavioral Therapy

(CBT) are being used by psychologists working in mental health care network in

Brazil, specifically the Centers for Psychosocial Care (CAPS) I, II and ad (alcohol and

drugs) and consider which results about interventions. The method used was a

search on Google Academic database by descriptors Cognitive-Behavioral Therapy

(CBT), treatment, psychosocial care center (PCC) and mental disorders, including

studies of last 10 years (2004-2014) and excluding work with children and teenagers.

As results could was greater use of two specific techniques of Cognitive-Behavioral

Therapy (CBT) approach: Social Skills Training (SST) and Relapse Prevention (RP ).

It was observed that: the inclusion of the family in treatment, especially of persons

dependent on psychoactive substances can contribute more positively in the

treatment of patients; techniques which are commonly used in psychotherapy group,

to benefit a larger number of people; that CBT is also used in other areas of health

and that there is a need for more work to be conducted and published so that more

professionals and patients can benefit from the features of this approach.

Keyword: Cognitive-Behavioral Therapy (CBT), Treatment, psychosocial care center

(PCC) and mental disorders.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................09

2 OBJETIVO.................................................................................................15

3 METODOLOGIA........................................................................................16

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES..............................................................17

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................33

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................35

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1 INTRODUÇÃO

No final da década de 60, Aaron T. Beck, professor de psiquiatria e

psicanalista de formação, ao estudar pacientes com depressão observou que os

pacientes interpretavam determinadas experiências de forma tendenciosa. Ao

assinalar essas interpretações e propor alternativas, isto é, explicações mais

prováveis, observou uma redução quase imediata dos sintomas. O treinamento dos

pacientes nessas habilidades cognitivas os ajudou a manter as melhoras.

Beck desenvolveu desta forma, o Modelo Cognitivo que:

(...) propõe que o pensamento disfuncional (que influencia o humor e o pensamento do paciente) é comum a todos os transtornos psicológicos. Quando as pessoas aprendem a avaliar seu pensamento de forma mais realista e adaptativa, elas obtêm uma melhora em seu estado emocional e no comportamento. (BECK, 2013, p.23).

Assim como o Estoicismo (filosofia grega) e as filosofias orientais – como

taoismo e budismo - a terapia cognitiva enfatiza o pensamento como elemento

condicionante das emoções e comportamentos. Um indivíduo que está em

sofrimento psicológico tem sua capacidade de percepção de si, do ambiente e de

suas perspectivas futuras prejudicadas pelas distorções de conteúdo do

pensamento, específicas de sua patologia, que acabam por determinar “vícios” na

forma como interpretam os fatos reais. A forma como ele interpreta as situações de

sua vida influenciará na forma como ele se sente e como ele se comporta (RANGÉ e

cols., 2011, p.21).

Desde 1977, quando Beck e outros autores publicaram os primeiros estudos

científicos sobre a terapia cognitiva, uma série de adaptações e estudos

demonstraram a eficácia desta abordagem para uma ampla gama de transtornos

psiquiátricos, problemas psicológicos e problemas médicos com componentes

psicológicos.

A Terapia Cognitiva (TC), ou Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC),

caracteriza-se por ser uma psicoterapia estruturada, de curta duração, voltada para

o presente, direcionada para a solução de problemas atuais e a modificação de

pensamentos e comportamentos disfuncionais (inadequados e/ou inúteis) (BECK,

1964 apud BECK, 2013, p.22). Atende pacientes com diferentes níveis de:

educação, renda, cultura e idade e é usada, atualmente, em diferentes contextos,

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desde os cuidados primários até a realidade prisional, podendo ser em formato

individual, grupal, para casais e família.

Como o Modelo Cognitivo pressupõe que, em transtornos mentais, o

pensamento disfuncional é um elemento importante, o foco principal do trabalho do

terapeuta e do cliente será a modificação desses pensamentos. Assim, a

identificação e a reestruturação dos três níveis da cognição serão objetivos a serem

perseguidos desde o primeiro atendimento (RANGÉ e cols., 2011, p.22).

Segundo Rangé e cols. (2011, p. 22) o primeiro nível da cognição são os

pensamentos automáticos, que são pensamentos espontâneos, repetitivos e sem

questionamento quanto sua utilidade e veracidade, que são acompanhados de fortes

emoções negativas. É mais facilmente identificado pelo cliente. O segundo nível da

cognição são as crenças intermediárias que são as regras que o individuo cria

durante sua vida para conviver com as ideias absolutas, negativas e não

adaptativas, que tem a respeito de si. Funcionam como um mecanismo de

sobrevivência que o ajudam a lidar e a se proteger da ativação de suas crenças

nucleares, que são o terceiro nível da cognição. As crenças nucleares são mais

profundas, originam-se das experiências infantis, tem uma forma absoluta, negativa,

rígida e inflexível sobre como o individuo pensa sobre si e, por isso, são mais difíceis

de serem acessadas e modificadas, já que resultam da interação da natureza

genética do individuo e de sua hipersensibilidade pessoal à rejeição, ao abandono, à

oposição, às dificuldades inerentes de estar vivo e de componentes externos do seu

ambiente, que podem reforçar ou atenuar fatores positivos e negativos da natureza

geneticamente determinada do indivíduo.

A terapia cognitiva pretende, segundo o mesmo autor:

“ensinar o paciente a ser capaz de reconstruir sua cognição, avaliar o que sustenta ou não suas crenças nucleares negativas e o quanto elas são verdadeiras ou não – possibilitando a construção de crenças nucleares e intermediarias alternativas – e colocar suas regras em um continuum, não mais polarizadas em positivo e negativo” ( RANGÉ e cols., 2011, p.28).

Alguns princípios básicos devem ser seguidos, independentemente da

patologia do cliente que procura pelo tratamento. De acordo com Judith Beck (2013,

p.27) esses princípios enfatizam a colaboração e a participação ativa do cliente, uma

aliança terapêutica sólida, que seja orientada para os objetivos e focada nos

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problemas atuais da pessoa, que seja educativa, ensinando a identificar, avaliar e

responder aos pensamentos e crenças disfuncionais, pois assim o cliente aprenderá

como lidar com suas dificuldades e, desta maneira, prevenir recaídas.

O tratamento com TCC envolve, constantemente: avaliação, identificação de

problemas e delimitação do foco; a Conceitualização de Caso (fundamental na

terapia cognitiva, pois funciona como um mapa que permite a compreensão de como

o individuo se estruturou para sobreviver e como se protegeu de suas crenças

negativas e do ambiente adverso, além de criar o foco nas sessões); intervenções

para diminuir a frequência e intensidade de pensamentos automáticos negativos e

ruminações; identificação e questionamento de regras, visando buscar e testar

alternativas para reduzir a vulnerabilidade do individuo e prevenção de recaída

(RANGÉ e cols., 2011, p.24).

As ferramentas que serão utilizadas pelo terapeuta para conduzir o

tratamento serão as técnicas cognitivas e as técnicas comportamentais. Entre as

técnicas cognitivas, o questionamento socrático é o mais frequentemente usado,

como também o registro de pensamentos disfuncionais. Outros são: a identificação

de erros cognitivos, o exame das evidências (prós e contra os pensamentos

disfuncionais), a reatribuição ou modificação do estilo atributivo, lista de alternativas

racionais e ensaio cognitivo. Já as técnicas comportamentais serão utilizadas para

ajudar as pessoas a romperem com padrões de evitação ou desesperança, enfrentar

gradativamente situações temidas e desenvolver habilidades de enfrentamento.

Entre as intervenções mais importantes estão as de ativação comportamental, a de

exposição hierárquica (dessensibilização sistemática), prescrição gradual de tarefas,

programação de atividades e eventos prazerosos, treinamento de respiração e de

relaxamento (WRIGHT et al., 2008, p.29 e 30).

Devido aos recursos oferecidos pela Terapia Cognitivo- Comportamental, ela

tem sido estudada e adotada em diversas áreas de atuação e em diferentes

realidades em todo mundo. No Brasil, especificamente na Saúde Publica, tem sido

um referencial teórico viável às praticas dos psicólogos, conforme levantamento

demonstrado em uma pesquisa realizada pelo Centro de Referência Técnica em

Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) em 2012. ((CONSELHO FEDERAL DE

PSICOLOGIA, 2013, p.86)

A saúde pública brasileira, através do Sistema Único de Saúde (SUS),

alicerça suas ações e serviços pelos princípios: do acesso universal, garantido a

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todos como um direito, com equidade e integralidade, ou seja, proporcionando o

cuidado do individuo como um todo e respeitando suas diferenças. Segundo

Figueiredo (2008, p.3) o acesso ao SUS inicia-se pela Atenção Básica, considerada

a porta de entrada do sistema, que é responsável por acolher, escutar e oferecer

resposta resolutiva para os problemas dos usuários, minorando os danos e

sofrimento destas pessoas e responsabilizando-se pela efetividade do cuidado,

ainda que seja ofertado em outro ponto de atenção da rede que articula os níveis de

complexidade dos serviços, garantido desta forma, a integralidade das ações. Os

níveis de complexidade são: Atenção Básica ou Primária, Urgência e Emergência, a

Atenção Psicossocial, a Atenção Ambulatorial especializada e os Hospitais A

saúde mental, conforme Amarante (2006), desde o final da década de 70, com a

Reforma Psiquiátrica, instituída em todo mundo, através das ideias de Franco

Basaglia, passa por mudanças na sua forma de assistência. Do modo asilar,

centrado na doença mental e nos hospitais psiquiátricos como principal modo de

tratamento, para o modo psicossocial, que preocupa-se com o sofrimento da pessoa

e considera a sua inserção em grupos sociais e um atendimento em serviços

substitutivos.

No Brasil, esse novo conceito de assistência, foi instituído através da lei

conhecida como Lei Paulo Delgado. O Ministério da Saúde aprova:

A Lei 10.216, de 06 de dezembro de 2001, garante os direitos das pessoas com transtorno mental, e propõe, no âmbito do SUS, uma nova forma de atenção, assegurando o direito ao cuidado, em serviços comunitários de saúde mental. A Lei estabelece ainda, a necessidade de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial para as pessoas com história de longa permanência em hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2001 apud BRASIL, 2013, p.14).

A concretização dessa lei estabeleceu-se através da Portaria nº 336 do

Ministério da Saúde que regula os serviços comunitários de saúde mental,

conhecidos como Centros de Atenção Psicossocial, que se caracteriza por ser um

serviço de saúde aberto e comunitário do SUS.

Ele é um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. Seu objetivo é oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos

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laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental criado para ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos. ( BRASIL, 2004, p. 13).

Os profissionais que compõe um CAPS normalmente são: médico psiquiatra

ou com formação em saúde mental, neurologista ou pediatra com formação em

saúde mental, enfermeiro, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional,

fonoaudiólogo, educador físico, pedagogo, técnico em enfermagem, artesão, técnico

administrativo, dentre outros, conforme o projeto terapêutico proposto.

Os CAPS se diferenciam de acordo com a modalidade de atendimento que

oferta e de acordo com a abrangência populacional que é responsável, assim

podemos encontrar os CAPS I e II que oferecem atendimento diário a adultos; os

CAPS III que oferecem além do atendimento diário, também o noturno; os CAPS i,

para o atendimento às crianças e adolescentes e os CAPS ad, para á população

com transtornos decorrentes do uso e dependência de substancias psicoativas,

como álcool e outras drogas ((BRASIL, 2004, p.22)

As atividades terapêuticas realizadas incluem: psicoterapia individual e/ou

grupal, oficinas terapêuticas, orientação e acompanhamento do uso de

medicamento, atendimento domiciliar e aos familiares, entre outras...

De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República, no Brasil, 23 milhões de pessoas (12% da população) necessitam de

algum atendimento em saúde mental. Pelo menos 5 milhões de brasileiros (3% da

população) sofrem com transtornos mentais graves e persistentes

Dados do Ministério da Saúde dão conta de que existem hoje 1.891 CAPS em funcionamento, com o objetivo de oferecer atendimento à população, realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social de usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários (LABOISSIÉRE, 2013).

No V Congresso Nacional de Psicologia, realizado em 2004 surgiu a

discussão da necessidade de investigação sobre a atuação do psicólogo nas

políticas públicas específicas, principalmente uma maior qualificação e orientação

para as suas práticas. A partir desta demanda o Conselho Federal de Psicologia,

através do CREPOP (Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas

Públicas) desenvolveu uma cartilha “Referências Técnicas para Atuação de

Psicólogas(os) no CAPS - Centro de Atenção Psicossocial”, que diz:

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A pesquisa realizada pelo CREPOP com os psicólogos que trabalham nos CAPS, a qual subsidiou a elaboração dessas referências, aponta para a utilização de uma pluralidade de referenciais teórico, técnicos e conceituais, com maior presença de abordagens de base psicanalítica, abordagens a partir do referencial da psicologia social e abordagens de base comportamental. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p.86)

E ainda:

(...) é preciso recusar teorias que apontem no sentido da normalização e da mera adaptação dos sujeitos. É necessário, no lugar disso, buscar referenciais que subsidiem a perspectiva de atuar para produzir saúde, transformar subjetividades e emancipar os sujeitos. O referencial teórico deve ser capaz de responder a um projeto ético. Esse projeto ético está orientado para a possibilidade da convivência, da diversidade, da sustentação de diferentes existentes, garantida a condição de uma cidadania. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p.85)

Dessa forma torna-se relevante que mais estudos e pesquisas sobre o tema

sejam produzidos e publicados, com o objetivo não só de subsidiar os psicólogos em

suas práticas, mas também para garantir aos usuários dos CAPS o acolhimento,

cuidado e suporte, desde o momento mais grave - a crise, até a reconstrução dos

laços com a vida.

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2 OBJETIVO

O objetivo deste trabalho foi verificar como as intervenções da Terapia

Cognitivo-Comportamental estão sendo utilizadas por psicólogos que atuam na rede

de atenção de saúde mental do Brasil, especificamente nos CAPS (Centro de

Atenção Psicossocial) I, II e ad (álcool e outras drogas) e analisar quais os

resultados obtidos destas intervenções.

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3 METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada nos bancos de dados do Google Acadêmico, que

apresentou 314 títulos pelos descritores: terapia cognitivo-comportamental,

tratamento, Centro de atenção psicossocial (CAPS) e transtornos mentais. Destes

foram incluídos relatos de experiências e ensaios clínicos. Foram selecionados 11

trabalhos, sendo duas dissertações de mestrado, duas monografias de conclusão de

curso de graduação e sete artigos. Também foram utilizadas informações da

Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) do Ministério da Saúde do Brasil, além de livros de

referência sobre o assunto, referências legislativas e do conselho federal de

psicologia.

Os critérios de inclusão foram pesquisas entre os anos de 2004 e 2014, que

mencionavam a utilização de intervenções com base na Terapia Cognitiva

Comportamental nos Centros de Atenção Psicossocial. Os critérios de exclusão

foram estudos realizados em CAPS i e CAPS III, com crianças e adolescentes.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dentre os onze estudos levantados por esta pesquisa, quatro referem-se a

experiências vivenciadas em CAPS I e II, duas são propostas de trabalho para os

CAPS I e II e cinco referem-se ao CAPS ad. A região sul do Brasil concentrou seis

dos estudos, a região sudeste teve dois, o centro-oeste dois e outro um

levantamento realizado no banco de dados Medline (tabela 1).

Tabela 1 : Estudos brasileiros sobre Intervenções da TCC em CAPS do Brasil

Região CAPS I e II CAPS ad

Norte 0 0

Nordeste

Sul

0

4

0

2

Sudeste 1 1

Centro-Oeste 0 2

Outras 1 0

Totais 6 5

Os CAPS surgiram como uma proposta brasileira, para a Reforma

Psiquiátrica, experimentada no mundo, fundamentada nos princípios da Reabilitação

Psicossocial, que surgiu:

(...) como uma estratégia cujo objetivo é proporcionar melhor qualidade de vida possível a sujeitos com vida relacional, laboral e psíquica substancialmente prejudicada, sendo os profissionais mediadores no processo de recuperação da cidadania jurídica, ocupacional, econômica e política (CASES & GONZALEZ, 2010 apud LARA, 2012, p.14). O objetivo da reabilitação são conquistas no campo da autonomia, da socialização e do desenvolvimento das potencialidades, para tanto se fazendo necessários programas estruturados e de qualidade, que contem com ações intersetoriais e busquem suporte nas comunidades locais e nas famílias (LARA, 2012,

p.14).

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Os psicólogos, como outros profissionais, atuam como facilitadores para que

este processo de reabilitação e reinserção social aconteça da melhor forma possível.

As intervenções dos psicólogos são desenvolvidas tanto nos moldes da

clinica clássica, centrada em ações individuais de avaliação psicodiagnóstica e de

psicoterapia, como nos moldes da clinica psicossocial, trabalhando em equipe e com

clientela-demanda, intermediando o dialogo entre os setores públicos e a sociedade

civil, articulando suas ações no âmbito comunitário e familiar.

De acordo com Lara (2012) a abordagem psicanalítica aparece como

predominante em alguns estados, como: Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande

do Norte (FERREIRA, 2008b; FIGUEIREDO e RODRIGUES, 2004: SALES e

DIMENSTEIN, 2009a, 2009b, apud LARA, 2012, p.34), mas estudos no sul do país

apontaram que a Terapia Cognitivo-Comportamental tem ganhado espaço,

aproximando-se, desta forma, mais do contexto de praticas da reabilitação

internacional, onde é utilizada através do modelo psicoeducativo.

O modelo psicoeducativo, segundo Guerra (2004) é focado na aprendizagem

de comportamentos, ora do individuo, ora da família, pensando na adequação do

individuo, da família e da comunidade, o que inclui a leitura da situação para a

modificação dos comportamentos do individuo ou da família para lidar com o quadro

psiquiátrico. Outros modelos são: o sociopolítico, com intervenções focadas nas

realidades locais, buscando uma cidadania possível para as psicoses e o modelo de

orientação clinica baseado na teoria psicanalítica. (LARA, 2012, p.17 e 18).

Guerra (2004) avalia ainda que a operacionalização atual da reabilitação nos serviços comunitários nacionais se dá através de modelos mistos, que não sustentam paradigmas unificados, experimentando e criando a partir dos resultados obtidos em suas praticas. Tal fato pode ser percebido através da pouca literatura cientifica direcionada a avaliação de resultados de intervenções .A despeito do panorama internacional atual, focado no modelo psicoeducativo, a reforma psiquiátrica no Brasil tem grande influencia do campo psicanalítico, que ainda possui certa hegemonia, tanto na compreensão dos sujeitos quanto nas praticas cotidianas (FERREIRA 2008 apud LARA, 2012, p. 18).

Dados obtidos por Lara (2012) através de questionário, respondido por 48

psicólogos dos CAPS I e II catarinenses, demonstraram que embora haja influencia

da psicanálise (35%) nas ações dos psicólogos, outras abordagens teóricas são

utilizadas como meio de entender e atender os sujeitos. As mais citadas foram a

TCC (35%), a Sistêmica (21%) e a Gestalt terapia (13%). Xavier e Monteiro (2013)

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chegaram a dados semelhantes em suas entrevistas com 8 profissionais dos CAPS

ad no Rio Grande do Sul. A TCC, a Sistêmica e a Psicanálise foram relacionadas

como linhas teóricas utilizadas no tratamento de usuários de crack, porém utilizando-

se mais que uma linha, dependendo do caso. E algumas das intervenções são mais

especificas de uma linha teórica determinada, como Treinamento de Habilidades

Sociais e Prevenção de Recaída, da Terapia Cognitiva Comportamental.

O grupo de pesquisa PORT (Psychosis Outcome Research Team) que realiza

pesquisas baseadas em evidências, no caso das psicoses, listou as intervenções da

TCC que mais tem sido pesquisadas e utilizadas em países da Europa e dos

Estados Unidos. Nesta lista encontramos as seguintes intervenções da TCC: o

reconhecimento de sintomas e desenvolvimento de estratégias de enfrentamento, o

treinamento de habilidades sociais, o treinamento sócio-cognitivo, a reabilitação

vocacional, a prevenção de recaída, as intervenções para aumentar a aderência ao

tratamento e as intervenções familiares. As ações são utilizadas para o

reconhecimento e enfrentamento das emoções, do funcionamento social e laboral e

autonomização (LARA, 2012, p.14 e 15). No contexto dos serviços comunitários,

foram citadas: o estimulo ao uso de programas de manejo de ansiedade para o

enfrentamento de estressores ambientais e a reabilitação cognitiva para combater a

deteriorização cognitiva que acontece nas psicoses, a psicoeducação de famílias

para o manejo dos processos comunicacionais e a diminuição de estigma;

programas de autocuidado e higiene; inserção em atividades de lazer e laborais; e

programas de integração comunitária – tais como o manejo de dinheiro, uso do

transporte público e orientação espacial. (CASES & GONZALEZ, 2010; GIRALDEZ

et al, 2010, apud LARA, 2012, p.15)

Muitas destas intervenções foram identificadas neste levantamento sobre as

práticas dos psicólogos nos CAPS brasileiros. As mais citadas foram o treinamento

de habilidades sociais e a prevenção de recaída ( CARDONA, 2013; MAIA et

al.,2013; XAVIER e MONTEIRO, 2013; LARA, 2012; GAVAZZONI e MARINHO-

CASANOVA, 2008; ZIMMER et al., 2006; KANTORSKI, LISBOA E SOUZA, 2005).

Foram relatadas mais experiências no cenário de grupos. Mas as

intervenções da TCC praticadas cabem em ambos os formatos de atendimento, seja

individual (2 trabalhos) como em grupo( 8 trabalhos).

O treinamento de habilidades sociais (THS) é uma técnica cognitivo-

comportamental desenvolvida com o objetivo de aumentar a assertividade do sujeito

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no manejo das situações cotidianas, especialmente as que podem gerar mais

estresse e perda de controle no indivíduo (SAKIYAMA et al., 2012 apud CARDONA,

2013, p 22). Surgiu em 1970 como uma técnica complementar no tratamento de

dependentes de álcool, para o enfrentamento adequado de situações de risco e o

desenvolvimento de habilidades voltadas para o desempenho eficaz do paciente

prevenindo a ocorrência de recaídas (MARLATT & DONOVAN, 2005; ZANELATTO,

2013 apud CARDONA, 2013, p. 22). Tem por objetivo desenvolver um

comportamento social habilidoso, mais adaptado e adequado, onde as opiniões que

o sujeito expressa, os sentimentos, as vontades e atitudes frente uma situação

respeitem tanto a si como os outros. Assim o sujeito estará mais capacitado a

resolver problemas e evitar a ocorrência de problemas posteriores (CABALLO, 2010

apud PEREIRA, 2011, p.4).

Em Lara (2012), Pereira (2011), Zimmer et al (2006), Cardona (2013),Barreto

(2012) e Xavier e Monteiro(2013) o THS faz parte das práticas dos psicólogos tanto

nos CAPS I e II, como nos CAPS ad.

Pereira (2011), especificamente, descreve um treinamento, realizado com

jovens adultos do interior do estado do Rio Grande do Sul que estavam em

tratamento psicoterápico e psiquiátrico. Seu objetivo era favorecer a mudança,

estimular a autoestima e a autoeficácia, estimular o aprendizado entre os

participantes no que tange o comportamento de risco, identificação e

questionamento a respeito dos erros de pensamento e sentimentos, além de instigá-

los a fazer e manter amizades. (SILVA, MURTA, 2009 apud PEREIRA, 2011, p.9).

Para alcançar tais objetivos planejou suas intervenções utilizando as seguintes

técnicas: psicoeducação, vinculação/aliança terapêutica, monitoramento das

emoções, exercício de imagem mental, exploração de habilidades, ensaio

comportamental/dramatização e reforçamento positivo, além do Baralho das

Emoções, que é um instrumento utilizado para registro e monitoramento de

emoções, composto por cartas que expressam sentimentos e diversos formulários

que podem ser utilizados de acordo com a intervenção que será feita (CAMINHA e

CAMINHA, 2011 apud PEREIRA, 2011, p.11).

Como resultado do treinamento, Pereira (2011), de forma geral, observou

mudanças significativas de auto exposição e autocontrole da agressividade,

através da aprendizagem de alternativas de enfrentamento de situações

estressantes de forma mais adequada.

21

Profissionais dos CAPS percebem as atividades dos grupos de Terapia

Ocupacional (T.O) como possibilidade para os sujeitos exercitarem o THS. Barreto

(2012) em entrevistas realizadas com profissionais de um CAPS ad do Distrito

Federal, relatou que os mesmos concretizam a Terapia Ocupacional como meio de

expressão e socialização, inferindo que as atividades e técnicas desenvolvidas pela

T.O favorecem a abertura de novas formas de comunicação e proporciona um meio

do THS.Porém Barreto salientou que a T.O se utiliza de teorias e técnicas diferentes

da TCC (BARRETO, 2012, p. 41)

De acordo com Xavier e Monteiro (2013) nos atendimentos com usuários de

Crack, o THS tem seu enfoque na dificuldade de habilidades do dependente

químico para lidar com algumas situações do dia a dia que o impulsionam a

consumir drogas. As técnicas usadas no THS são verbais e dramatizações (role

play), técnicas estas utilizadas pelos profissionais entrevistados (SILVA & SERRA,

2004 apud XAVIER e MONTEIRO, 2013, p.71).

A dependência de substancia psicoativa (SPA) é uma doença crônica que traz

consequências físicas, psicológicas, psiquiátricas e sociais. No caso dos usuários de

crack, devido o desenvolvimento de comorbidades (depressão maior, ansiedade,

transtornos de personalidade, etc.), há uma dificuldade em se traçar um plano de

tratamento que abordem ambas as doenças, este fato pode justificar a dificuldade

destes usuários de aderirem ao tratamento.

No tratamento para usuários de SPA existem várias abordagens

psicoterapêuticas e inúmeras técnicas e estratégias que buscam melhorar a

qualidade de vida do paciente e, entre elas, algumas técnicas da abordagem

cognitivo-comportamental, da abordagem sistêmica, entre outras, estão sendo

utilizadas como proposta de tratamento para essa população. (CARDONA, 2013,

p.18).

Um dos modelos sugeridos refere-se ao Gerenciamento de Caso (GC).

Segundo Fonseca, Alves & Lemos (2011), o GC deve ser compreendido como:

Uma estratégia centrada no paciente, visando melhorar a integração das diversas modalidades, settings e enquadres terapêuticos, valorizando a continuidade do tratamento e a melhor utilização dos recursos comunitários. O gerenciamento de caso (case management) surge adaptado às dependências, como uma estratégia para lidar com a natureza crônica, multifacetada e passível de crises (recaídas) e fases de recuperação (abstinência mantida). Estratégias de gerenciamento de caso têm sido implementadas em diversas sociedades e culturas, com resultados positivos,

22

tanto na melhoria da adesão ao tratamento quanto na redução do consumo das diversas substâncias (CARDONA, 2013, p. 28)

O GC surgiu nos EUA no final dos anos 60 quando os serviços de saúde

mental passaram a ocorrer em ambulatórios localizados em centros de saúde mental

na comunidade, com assistentes sociais integrando suas equipes. Foi em 1990 que

esse modelo se tornou popular como uma etapa essencial no tratamento aos

usuários/dependentes de substâncias psicoativas, ocorrendo principalmente na

transição entre a internação e o tratamento ambulatorial (SIEGAL, 1998 apud

CARDONA, 2013, p.27).

De acordo com Cardona (2013) os principais objetivos do GC são: auxiliar o

usuário na solução de problemas, no suporte da família e na reinserção no contexto

de trabalho, bem como incentivar a criação de atividades profissionais dentro da

comunidade como fonte de renda, facilitar o acesso do paciente e seus familiares ao

tratamento e manter-se alerta às mudanças nas necessidades, na motivação e nos

problemas dos pacientes e de seus familiares durante o tratamento (FIGLIE &

LARANJEIRA, 2004 apud CARDONA, 2013, p. 28 e 29).

De acordo com Cardona (2013) algumas das abordagens e técnicas utilizadas

pelo Gerenciamento de Caso são: entrevista motivacional, treinamento de

habilidades sociais, prevenção de recaída, tratamento farmacológico e redução de

danos. A TCC é a abordagem terapêutica implementada, em muitas ocasiões, junto

com a prevenção de recaídas e treinamento de habilidades sociais e a abordagem

Sistêmica nas intervenções familiares, pois a identidade (comportamentos, crenças,

sentimentos) de um indivíduo é construída e influenciada no contexto da família a

partir das interações estabelecidas entre seus membros, e essa, por sua vez,

influencia as relações entre os diferentes membros. Isso significa que o sintoma de

um membro da família afeta direta ou indiretamente os outros e tem uma função no

e para o sistema (MIERMONT, citado por BUCHER--MALUSCHKE, 2008 apud

CARDONA, 2013, p. 25).

A técnica do GC, ao longo do tempo, foi aperfeiçoada e dividida em modelos

que se diferenciam conforme a intensidade de provisão de cuidados, metas,

participação do paciente e envolvimento do gerente de casos, a fim de fornecer aos

profissionais uma escolha do modelo que melhor se adapta ao tipo de instituição,

objetivos e necessidades dos pacientes. Os quatro modelos mais utilizados são:

Generalista, Tratamento comunitário assertivo/intensivo, Caso clínico/reabilitação e o

23

Modelo baseado nas potencialidades do paciente (McDONALD, 2005;

VANDERPLASSCHEN et al., 2007 apud CARDONA, 2013, p.32).

Em uma pesquisa de um CAPS ad do Distrito Federal o modelo adotado foi o

baseado nas potencialidades do paciente, que se caracteriza por ser centrado nas

características positivas do paciente, em suas habilidades, no seu sistema de

suporte individual e comunitário e que estabelece um foco nas suas prioridades e no

uso de uma rede informal, que vai além dos serviços de saúde (rede

formal)(McDONALD, 2005; VANDERPLASSCHEN et al., 2007 apud CARDONA,

2013, p.32)

Participaram do programa de GC do DF, duas assistentes sociais treinadas

em GC e quatro usuários dos CAPS ad. Inicialmente foi realizado um mapeamento

da rede socioassistencial no município/território e verificado a possibilidade de

articulação para efetivação da intervenção. Posteriormente realizou-se oito

encontros, divididos em duas fases. Na primeira fase (2 sessões) foram feitas as

avaliações dos sujeitos, identificando os recursos e as necessidades básicas, assim

como áreas que poderiam impactar na sua participação no tratamento (condições de

acesso, insuficiência de recursos financeiros, etc.). Através de Entrevista

Motivacional, procurou-se motivar e engajar os sujeitos em seu tratamento. A

segunda fase (6 sessões) continuou o processo de motivação, porém intervindo e

monitorando suas atividades. Enquanto eles participavam dos grupos disponíveis no

CAPS-ad e dos demais recursos da rede, nesses encontros os objetivos foram o de

organizar e trabalhar questões individuais não contempladas nos grupos e em outros

locais , monitorar a execução de tarefas, chamar algum membro da família conforme

a necessidade (troca de informações, auxílio no tratamento) e compartilhar o caso

com os profissionais do CAPS-ad, que ao final do programa tornaram-se os técnicos

de referencia desses usuários.

Segundo Cardona (2013) os usuários destacaram que o principal aspecto do

programa de GC foi a importância da escuta, do acompanhamento personalizado,

da motivação para o tratamento, da mútua colaboração e do vínculo estabelecido. O

que não acontecia nas atividades normais dos CAPS ad, por serem na maioria das

vezes em grupo, porém perceberam que um trabalho complementava o outro. Já

para as profissionais o tratamento implicou maior dedicação e habilidades para

acolher o usuário, além das habilidades que permitissem encorajar e engajar o

usuário, ter experiência no trabalho com essa população e com o uso de recursos

24

além dos utilizados numa determinada técnica. O profissional precisa acreditar no

usuário, enxergá-lo como um indivíduo com dificuldades, capacidades e

responsabilidades.

Cardona (2013) concluiu que:

Sendo assim, o GC propõe um trabalho personalizado cujo objetivo é valorizar e compreender as particularidades, prioridades, dificuldades, causas e consequências de cada situação ou problemática que interfere nas diferentes áreas de desenvolvimento do sujeito. Esses aspectos auxiliam o usuário a se sentir acolhido, apoiado e respeitado, assim como aportando na reestruturação de seus comportamentos, crenças e sentimentos gerando, desta maneira, a motivação e adesão ao tratamento, reabilitação e reinserção social. (CARDONA, 2013, p.59)

E mais:

(...) levar em consideração as pessoas com quem o usuário estabelece vínculos (família, amigos, colegas, etc.), já que observou-se que o sujeito não usa a droga quando está com seu cônjuge, nem quando está no trabalho e menos ainda quando está com alguém com quem tenha vínculos afetivos. Sendo assim, os vínculos podem ser vistos como fatores protetores ou redutores de dano, além da importância de fortalecer e criar vínculos como parte da reinserção social e da construção de novas redes de relações afetiva. (CARDONA, 2013, p. 72)

Souza e Kantorski (2009) estudaram a utilização de um instrumento

denominado Ecomapa nos CAPS como forma de intervenção para analise individual

da rede social de pacientes em reabilitação. Investigaram as características das

interações e intensidade dos vínculos, demonstrando o sistema de suporte familiar

como fontes de estresse e fusão e como fontes de cuidado através dos

relacionamentos dos indivíduos em suas situações de vida.

Ao investigarem as significações atribuídas pelos sujeitos ao instrumento,

percebeu-se que os mesmos puderam refletir em termos de quantidade de vínculos,

apoios e separações. No geral, se mostraram surpresos com o pequeno número de

vínculos, ou seja, com sua rede social tão pequena. Por unanimidade concordaram

que a experiência de ver refletido no papel o que eles mesmos construíram em suas

vidas foi bastante sofrida, mas que, sobretudo serviu para muitas reflexões quanto a

configuração atual das suas redes e as expectativas com relação a elas. Porém as

pesquisadoras notaram que, pelo fato da investigação e reflexão ter se realizado em

grupo, algumas informações foram omitidas e a ausência delas prejudicaram uma

configuração das redes de apoio de uma forma mais enriquecedora para os sujeitos.

25

As informações, na visão dos membros familiares, nesta configuração, também

poderia enriquecer o Ecomapa.

Tal instrumento se mostra uma fonte rica de informações sobre os sujeitos,

ajudando os profissionais na escolha de intervenções que favorecem o:

(...) desenvolvimento de habilidades sociais e informações de como iniciar ou reestabelecer os contatos sociais perdidos em consequências do uso de substancias psicoativas(SOUZA e KANTORSKI, 2009, p.382).

Até aqui podemos perceber que a inclusão da família e intervenções que as

incluam são importantes nos tratamentos ofertados, seja nos CAPS I e II, como nos

CAPS ad, colaborando desta maneira no desenvolvimento da reabilitação e da

reinserção social dos usuários.

Em levantamento no banco de dados Medline, Rodrigues e Silva (2006)

analisaram a evolução histórica das Intervenções Familiares (IF) para portadores de

esquizofrenia em 21 ensaios clínicos randomizados. Como resultado observaram

que “o conjunto de ensaios evoluiu de uma linha com rudimentos de

procedimentos/técnicas comportamentais, para ensaios de técnicas com

características comportamentais e, finalmente, para ensaios cognitivo-

comportamentais” (p. 105).

De acordo com essas autoras os ensaios relacionados como sendo de Linha

Cognitivo Comportamental foram os de Tarrier et al. (1988) e o ensaio de Sellwood

et al. (2001), pois estas IF consideraram que a atividade cognitiva afeta o

comportamento (modelo mediacional) e que pode ser monitorada e alterada, e que a

mudança do comportamento desejada pode ser alcançada através da mudança

cognitiva, tendo por base o método de Beck (1979).(RODRIGUES e SILVA, 2006,

p.106)

O ensaio de Tarrier et al. (1988) teve como objetivo: primeiro de ensinar

familiares habilidades para administrar a esquizofrenia, identificando componentes

de alta Emoção Expressa (EE) nos familiares e eliminando-os através da mudança

no comportamento do familiar ou do paciente, comportamento esse que detonaria a

resposta negativa; o segundo objetivo foi encorajar um aumento no nível de

funcionamento do paciente, através da identificação sistemática de necessidades e

planejamento de metas para atingir essas necessidades. Citadas como técnicas

utilizadas: psicoeducação sobre esquizofrenia, automonitoramento, reestruturação

26

cognitiva, habilidades pra lidar com dificuldades, programa de estabelecimento de

metas/terapia de resolução de problemas (RODRIGUES e SILVA, 2006, p.102).

Emoção Expressa (EE) define-se por uma variável identificada pelo número

de comentários críticos, grau de hostilidade e superenvolvimento para com o

portador de esquizofrenia (VAUGHN; LEFF, 1976 apud RODRIGUES e SILVA,

2006, p. 105).

O ensaio de Sellwood et al. (2001) não selecionou famílias com base na

variável EE e a sobrecarga familiar (BARROWCLOUGH et al., 1998 apud

RODRIGUES e SILVA, 2006, p.103) foi um dos objetivos da IF. O foco, conteúdo e

quantidade de sessões da intervenção foram determinados através de avaliação

sistemática das necessidades identificadas nos cuidadores (familiares) através da

aplicação de um instrumento, a versão para familiares da Cardinal Needs Schedule

(RCNS). As técnicas citadas foram: técnicas de resolução de problemas,

psicoeducação, intervenções comportamentais cognitivas com familiares e

individuais, monitoramento de sintomas e prevenção de recaídas (RODRIGUES e

SILVA, 2006, p.103).

Rodrigues e Silva (2006) sugerem que ensaios de boa qualidade de IF de

base cognitivo comportamental que privilegiam um maior entendimento aos

familiares sobre a esquizofrenia sejam analisados e adequados, conforme a

legislação nacional, para sua utilização nos CAPS brasileiros.

Sobre esquizofrenia, encontramos também um trabalho realizado em CAPS

do sul do Brasil que experimentaram um tratamento sistemático manualizado para

aplicação em grupo que combina estratégias psicossociais e cognitivas,

denominada de Terapia Psicológica Integrada para Esquizofrenia (Integrated

Psychological Therapy (IPT), desenvolvido por Brenner et al. a mais de 20

anos.(ano).

Zimmer et al (2006) explica que:

IPT consiste em um programa de psicoterapia cognitivo-comportamental dividido em cinco subprogramas: diferenciação cognitiva, percepção social, comunicação verbal, habilidades sociais e resolução de problemas interpessoais; cada subprograma, por sua vez, está organizado em uma série de etapas de complexidade crescente. (ZIMMER et al, 2006, p. 256 )

Segundo Zimmer et al (2006) os três primeiros subprogramas se concentram

no desenvolvimento de funções cognitivas básicas e os dois últimos focalizam o

27

desenvolvimento de tarefas mais complexas de aquisição de habilidades sociais

para correção de interação social inadequada. Esse programa inclui instrução,

aprendizagem de modelos, role-playing, feedback e reforço positivo. Os conteúdos

da psicoterapia envolvem situações de diferentes áreas da vida cotidiana, como

convivência familiar, interação social, dificuldades de execução de tarefas na vida

diária, busca de trabalho, atividades em casa, relacionamento interpessoal,

convivência familiar, atividades de lazer e demais relações sociais relevantes para

os pacientes.

Zimmer que recebeu treinamento de IPT na Espanha, durante seu mestrado

em reabilitação psicossocial (1994-96) vem trabalhando com a aplicação desse

programa em pacientes esquizofrênicos e com treinamento sobre a técnica para

profissionais da saúde em cursos de extensão, seguido de supervisão e discussão

de casos. Suas experiências demonstraram dificuldades quanto à adaptação do IPT

completo para a realidade de cada grupo de pacientes brasileiros. E para poder

entender onde o programa ficava deficitário buscou uma avaliação do ITP dos

próprios pacientes, que relataram, após cada sessão terapêutica da técnica, as suas

percepções. As principais críticas apontadas pelos pacientes referiram-se aos

subprogramas: diferenciação cognitiva e comunicação verbal. Suas verbalizações

com relação a estes subprogramas demonstraram suas dificuldades em participar de

atividades mais teóricas, como de discussão de significado de palavras, elaboração

de frases e de escrever pequenos textos. As autoras observaram que os pacientes

preferem os exercícios práticos dos subprogramas de percepção social, habilidades

sociais e, mais especificamente, dos de resolução de problemas interpessoais. Um

tema recorrente nas falas dos pacientes era sobre o desejo e a necessidade de se

saber mais sobre a doença (esquizofrenia). Para atender esta necessidade foi

desenvolvido um material em transparência para retroprojetor, bastante ilustrativo e

com poucos textos explicativos, extraído de um programa de psicoeducação para

familiares. Esta atenção dedicada a discussão sobre a doença trouxe muita

satisfação aos pacientes (ZIMMER et al, 2006, p.260 e 261).

Zimmer et al (2006) organizaram os dados obtidos com os pacientes na

tabela abaixo:

28

Tabela 2- Percepção subjetiva dos pacientes sobre os subprogramas do IPT.

Subprogramas Aspectos Positivos Aspectos negativos

Sugestões Decisão

Diferenciação cognitiva

Bom para pensar

Repetitivo, parece coisa de criança, cansativo, chato, dificel a parte de definir palavras

Retirar as etapas de definição de palavras

Manter somente a etapa de exercicios com cartões

Percepção social

Ajuda a se concentrar

Sem comentários negativos

Mostrar mais fotos Manter todas as etapas do subprograma

Comunicação Verbal

Melhora a concentração e a memória

Repetitivo, dificil ler, dificil escrever, pouca utilidade prática.

Fazer só as partes das frases

Manter a etapa de repetição literal de frases

Habilidades Sociais

Ajuda a perder a timidez, aprende a conversar, é bom conversar em grupo

Sem comentários negativos

Manter Manter todas as etapas do subprograma

Resolução de problemas interpessoais

Ensina como resolver os problemas em casa, melhora o comportamento, as coisas parecem mais facéis.

Sem comentários negativos

Manter Manter todas as etapas do subprograma

Necessidade de saber mais sobre a doença

Seria bom a gente conversar sobre a doença esquizofrenia, a gente poderia aprender como acontece

Pode incomodar ficar falando dos problemas da gente

Incluir uma sessão de conversa sobre a doença

Incluir uma sessão de psicoeducação

Fonte: http://www.scielo.br/img/revistas/rprs/v28n3/a05tab01.gif

Apesar das criticas, os pacientes apontaram os benefícios do programa IPT,

demonstrando maior participação, principalmente nos exercícios práticos e

reconhecendo suas próprias melhoras.

Zimmer et al (2006) reconhecem as diferenças culturais entre os países e a

dificuldade que há no Brasil em se desenvolver programas altamente estruturados,

com o seguimento de etapas pré definidas e de complexidade crescente, mas

ressaltam que programas de reabilitação psicossocial, principalmente com a

problematica da esquizofrenia, que tiveram experiências positivas mereçem ser

pensados para realidade brasileira, o que justifica a adaptação do IPT.

Destacamos como pontos fortes da técnica do IPT as orientações para avaliar e elaborar lista de problemas, instruir/educar o paciente sobre os objetivos do modelo cognitivo e sua importância no treinamento das habilidades comportamentais, incluindo automanejo através da recordação de instruções e exercícios práticos de tarefas para serem realizados no ambiente dos pacientes. (ZIMMER et al 2006, p.262)

29

Outro exemplo de manual sistematizado em etapas encontrado por esta

pesquisa, que também utiliza a abordagem da TCC, foi o manual de Prevenção de

Recaida desenvolvido por Knapp e Betolote (1994).

A Prevenção de Recaída foi outra das intevenções citadas como mais

utilizadas nos CAPS I e II e CAPS ad brasileiros, sendo relacionadas nos trabalhos

de Cardona (2013), Gavazzoni e Marinho-Casanova (2008), Kantorski, Lisboa e

Souza (2005), Lara (2012), Maia et al(2013) e Xavier e Monteiro (2013).

Segundo Cardona (2013):

A prevenção de recaída (PR) é uma técnica cognitivo-comportamental, elaborada por Marlatt e Gordon em 1980, com o objetivo de proporcionar estratégias ao paciente para prevenir ou manejar possíveis recaídas, por meio da identificação de situações de alto risco (vulnerabilidade à recaída), e fornecer ferramentas para o manejo dessas situações, suas emoções e comportamentos, e dessa maneira, auxiliá-lo a manter as mudanças de hábitos (JUNGERMAN, 2013; SAKIYAMA, RIBEIRO & PADIN, 2012 apud CARDONA, 2013, p.20)

O manual de PR de Knapp e Betolote (1994) foi o instrumento utilizado na

íntegra como uma intervenção com um grupo de prevenção de recaída de álcool e

outras drogas de um CAPS II do Rio Grande do Sul.

De acordo com Kantorski, Lisboa e Souza, (2005) este manual:

(...) sugere a avaliação da motivação para a mudança, construção de um quadro de vantagens e desvantagens, descrição de um dia tipico do individuo dependente, a elaboração de um inventario das habilidades para lidar com situações de risco, de um balanço das situações protetoras e provocadoras do uso, de um quadro global do envolvimento do individuo com as drogas, identificação dos horarios de risco, dos sinalizadores, elaboração de estrategias para lidar com os sinalizadores, levantamento semanal das situações de risco, identificação das saidas de emergencia, modificação do estilo de vida, atividades fisicas e de lazer, desenvolvimento de uma agenda diaria e um plano de recuperação com metas e objetivos (KANTORSKI, LISBOA e SOUZA, 2005, p.8)

A partir da construção do quadro de vantagens e desvantagens de usar ou

não as drogas, das discussões sobre um dia típico e os finais de semana

(observados nos últimos 3 meses) e da identificação de momentos e locais que os

indivíduos notavam seus comportamentos e hábitos que interferiam em sua

recuperação, foi iniciado um trabalho de motivação orientado para a mudança de

comportamentos relacionados ao consumo de drogas. Depois deste processo foram

aplicados os inventários das habilidades de lidar com as situações de risco. Este

30

inventário tem por objetivo avaliar a auto eficácia do individuo, ou seja, avaliar sua

habilidade em lidar e enfrentar com sucesso as situações de risco sem beber ou

usar drogas.As situações de risco foram subdivididas em 6 categorias : lidar com

emoções negativas, lidar com situações difíceis, lidar com a diversão e o prazer,

lidar com problemas físicos ou psicológicos, lidar com o habito de usar álcool ou

drogas e lidar com o tratamento.

No momento da publicação da referida experiência a intervenção estava na

etapa de desenvolvimento de estratégias de enfrentamento de situações de risco e

nas metas individuais, considerando os propósitos de mudanças. A intervenção já

durava há 2 anos, aproximadamente, e 50% deles haviam parado com o tratamento,

por motivos de abandono e alta.

Algumas dificuldades foram encontradas durante a intervenção devido ao

próprio contexto da população trabalhada (limitações financeiras, afetivas e sociais).

Porém Kantorski, Lisboa e Souza (2005) estabeleceram que:

A utilização do embasamento teorico da TCC, associado a principios motivacionais, tem possibilitado o acolhimento das recaidas, a enfase na motivação para o tratamento, estabelecendo-se metas de tempo de abstinencia e modificações no estilo de vida mais realistas e que reforçam a auto-eficácia do paciente, sua auto estima e contribuem para aderencia ao tratamento. Um fator limitante do trabalho desenvolvido tem sido a precariedade com que o serviço tem trabalhado com as familias dos dependentes, não podendo constituir-se uma rede social de apoio, nem tampouco oferecer um suporte eficiente aos familiares. Constatou-se que a falta de intervenção sistematica com as familias tem reduzido a possibilidade de dar amplitude à intervenção realizada, ficando essa muito focada somente nas demandas do individuo dependente químico. (KANTORSKI, LISBOA e SOUZA, 2005, p 12).

Outro trabalho sobre Prevenção de Recaída diz respeito ao tratamento

ofertado para a dependência do tabaco. Desde 2004, segundo Gavazzoni e

Marinho-Casanova(2008), encontra-se disponível na rede de atenção básica e nos

CAPS do Brasil um programa de tratamento específico para o tabagismo elaborado

pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA). Este programa inclui tratamento

medicamentoso e psicoterápico e só pode ser conduzido por profissional da área da

saúde que tenha sido capacitado pelo próprio INCA.

No programa do INCA são indicados medicamentos de reposição de nicotina,

em forma de adesivo e goma, além de antidepressivos. As intervenções

psicoterápicas são realizadas em grupos com quatro encontros em uma semana,

seguidos de dois encontros quinzenais e posteriormente mensais, até completar um

31

ano.As intervenções se utilizam de estratégias comportamentais e cognitivas, sendo

elas: psicoeducação, estratégias para lidar com a fissura, relaxamento, treino

assertivo, prevenção de recaída e reestruturação de crenças.(GAVAZZONI e

MARINHO-CASANOVA, 2008).

Uma experiência relatada por Maia et al ( 2013) de uma programa de

tratamento para tabagismo em um CAPS ad em São Paulo, se utiliza dos mesmos

princípios do INCA, porém com um numero de sessões diferente, seis encontros de

terapia de grupo e quatro encontros com o psiquiatra. A intervenção psicoterápica é

fundamental na TCC, abordando temas como os perigos do fumo, desejo, táticas de

enfrentamento e reconhecimento de sintomas de abstinência, as dificuldades e

benefícios do tratamento e prevenção de recaída.

Esta experiência de São Paulo contou com uma amostra de 367 pacientes

que procuraram por tratamento, destes, 46% compareceram nas 10 sessões

programadas, e 37% tiveram sucesso no tratamento, ou seja, mantiveram-se

abstinentes por 14 dias consecutivos até o ultimo dia do tratamento.

Gavazzoni e Marinho-Casanova (2008) propõe a utilização de uma modelo

espanhol de tratamento que não se utiliza de medicação.

O “Programa Para Deixar de Fumar” foi elaborado por Beconã (1993/1998) e possui formato de 6 sessões, as quais são realizadas semanalmente, de forma individual ou em grupo. Os componentes deste Programa de Intervenção são: informações sobre o tabaco, automonitoramento, controle de estímulos, redução gradual do consumo do tabaco, estratégias para enfrentar os sintomas da síndrome de abstinência e feedback fisiológico. (GAVAZZONI e MARINHO- CASANOVA, 2008)

Algumas dos materiais utilizados na pesquisa, realizada individualmente em

consultório particular, foram: Inventario Beck de Depressão (BECK, RUSH, SHAW &

EMERY, 1982 apud GAVAZZONI e MARINHO- CASANOVA, 2008), o Manual do

participante, adaptado do livro Programa Para Deixar de Fumar (Beconã, 1993 ) que

continha as tarefas que foram realizadas durante as sessões de intervenção, as

tarefas para casa e algumas informações discutidas durante os encontros, folhas de

auto-registro, nas quais os participantes registraram diariamente a quantidade de

cigarros fumados, assim como o horário e as situações relacionadas com cada

cigarro.Para o feedback fisiológico foi utilizado o Medidor de Monóxido de Carbono –

Laboratório Micro Medical: aparelho que mede a concentração de monóxido de

32

carbono (CO) através de um sensor eletroquímico, expressando-a em partes por

milhão (PPM).Outras ferramentas foram usadas.

De acordo com Becoña (1998), o Programa por ele elaborado tem obtido entre 58% e 85% de abstinência ao final do tratamento na população espanhola. No presente estudo, foi observado porcentagem de abstinência de 66% ao final do tratamento e 50% no seguimento de três meses, indicando resultados dentro da faixa de eficiência observada com o mesmo Programa, quando aplicado na Espanha.(GAVAZZONI e MARINHO-CASANOVA, 2008 ).

Gavazzoni e Marinho-Casanova (2008) sugerem em suas conclusões que:

(...) que sejam realizadas pesquisas para avaliar os efeitos desse programa aplicado a fumantes brasileiros em situação grupal. Isso se justifica pela melhor relação custo-benefício dos atendimentos grupais e em amostras mais amplas e diversificadas. Como comentado anteriormente, os dados obtidos sugerem que o Programa Espanhol pode ser uma alternativa menos onerosa em relação aos programas que utilizam medicação na cessação do tabagismo.

33

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo principal desta pesquisa foi o de verificar como as práticas da TCC

estão sendo utilizadas, pelos psicólogos, nos CAPS I, II e ad brasileiros.

Este levantamento resultou na identificação de muitos dos termos utilizados

por esta abordagem teórica nos trabalhos analisados, como por exemplo: a

reestruturação cognitiva, psicoeducação, modificação de crenças e comportamentos,

entre outros. Porém quanto às técnicas, propriamente ditas, o Treinamento em

Habilidades Sociais (THS) e a Prevenção de Recaídas (PR) foram as mais citadas.

Sendo que a Prevenção de Recaídas destinou-se mais ao público dependente de

substância psicoativa. Porém as escolhas das intervenções, realizadas pelos

psicólogos são orientadas de forma a atender as necessidades de resolução dos

problemas específicos de cada público, seja ele o adulto portador de transtorno

mental ou dependente de substância psicoativa.

Ambas as técnicas se propõem a ajudar os pacientes a desenvolverem

estratégias para manejar situações cotidianas causadoras de consequências

estressantes, porém com objetivos diferentes, sendo o THS o de capacitar o

paciente a responder mais adaptativamente a realidade e a PR na manutenção de

mudanças de hábitos que evitarão o retorno ao uso das drogas.

Assim como disse Cardona (2012, p.74) “No Brasil, é necessário desenvolver

programas que atinjam não apenas alvos numéricos, mas processos qualitativos que

garantam o impacto e a efetividade das intervenções”, proporcionando, desta forma,

a redução dos sintomas causadores do sofrimento psíquico e possibilitando uma

melhor qualidade de vida as pessoas que buscam por ajuda.

Dada à demanda de pessoas que necessitam dos serviços públicos, como no

caso dos CAPS, percebeu-se que os profissionais trabalham mais com psicoterapia

de grupo, porém isto não significa que a qualidade do serviço seja diferente da

psicoterapia individual. Esta percepção também foi reconhecida por Rangé e cols.

(2011):

Os grupos vêm sendo privilegiados, pois são uma forma de otimizar recursos, oferecendo tratamento a mais pessoas e reduzindo filas de espera. Ao mesmo tempo, o grupo possui ação terapêutica na medida em que mostra que as pessoas não são as únicas a terem dificuldades emocionais; que podem obter ou dar ajuda a outros membros através de apoio, conforto, empatia, incentivo; que podem aprender ou ensinar com outras pessoas

34

outras formas de lidar com as situações. (BIELING, CABE e ANTONY, 2008 apud RANGÉ e cols., 2011, p.590)

A falta de participação da família no tratamento dos pacientes dos CAPS ad

também foi observada em alguns dos trabalhos analisados ( CARDONA, 2013;

KANTORSKI, LISBOA E SOUZA, 2005 e SOUZA e KANTORSKI, 2009). Salientou-

se nestes trabalhos que a participação da rede de apoio dos pacientes poderia ter

contribuído mais positivamente para o tratamento dos pacientes. O trabalho de

Rodrigues e Silva (2006) sugeriu, com relação às intervenções familiares, que:

(...) devam ser analisados os resultados obtidos pelos ensaios de boa qualidade de modelos de IF de base cognitivo-comportamental, que privilegiam um maior entendimento do familiar acerca da esquizofrenia, com a devida adequação devido às especificidades nacionais, com vistas a sua eventual utilização nos CAPS do país. ( RODRIGUES E SILVA, 2006, p. 106).

Outro aspecto a ser considerado é o de que as práticas da Terapia Cognitivo-

Comportamental nos CAPS brasileiros não são ferramentas exclusivas dos

psicólogos. Este levantamento verificou que outras áreas da saúde como:

assistentes sociais, enfermeiros e psiquiatras, também se utilizam deste

instrumental em seus atendimentos. ( CARDONA, 2013; KANTORSKI, LISBOA e

SOUZA, 2005; MAIA et al, 2013; SOUZA e KANTORSKI, 2009) o que reforça a ideia

de interdisciplinaridade e multidisciplinaridade, preconizada pelo trabalho em equipe

na rede de atenção a saúde mental.

Por fim, como mencionou Rangé e cols. (2011):

As técnicas cognitivo-comportamentais, por sua eficácia comprovada e objetividade, constituem um recurso valioso para o psicólogo no setor saúde, desde que usadas com flexibilidade e criatividade. (RANGÉ e cols., 2011, p. 591)

Porém faz-se necessário a pesquisa e divulgação de mais trabalhos sobre o

tema para que mais profissionais possam se instrumentar para atender esta

realidade.

35

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