CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS · psiquicamente morta aos olhos da pequena criança de quem ela...

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1 CEP CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS TRABALHO FINAL DO CURSO TRAÇOS DEPRESSIVOS, FERIDA NARCÍSICA EO COMPLEXO DA MÃE MORTA (CONCEPÇÕES PSICANALITICAS DE ANDRE GREEN). Eloisa Quadros Fagali SEXTO CICLO / MAIO DE 2015.

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CEP

CENTRO DE ESTUDOS

PSICANALÍTICOS

TRABALHO FINAL DO CURSO

TRAÇOS DEPRESSIVOS, FERIDA NARCÍSICA

EO COMPLEXO DA MÃE MORTA

(CONCEPÇÕES PSICANALITICAS DE ANDRE GREEN).

Eloisa Quadros Fagali

SEXTO CICLO / MAIO DE 2015.

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TRABALHO FINAL DO CURSO

TRAÇOS DEPRESSIVOS, FERIDA NARCÍSIA E O COMPLEXO

DA MÃE MORTA: CONCEPÇÕES PSICANALÍTICAS DE

ANDRE GREEN.

SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO................................................................. ......... ............2

1.1. Retomadas das intenções e elaborações dos trabalhos anteriores

....................................................................................................................... 3

1. 2. Em busca de um tema mais constante nos trabalhos desenvolvido: traços

depressivos e a ferida.........................................................................4

II A FERIDA NARCÍSICA E O VAZIO: TRAÇOS DEPRESSIVOS E O

COMPLEXO DA MÃE MORTA................................................................... 6

2.1 O complexo da Mãe Morta.................................................................... .9

2.2 De Winnicott a ampliações de Andre Green........................................ 10

2.3 O que nos revelam as relações transferenciais dos pacientes

com queixas sobre sentimento do vazio? ........................................... 11

2.4 A precipitação da sublimação: precocidade do processo de

compensação........................................................................................ . 13

2.5 a identificação espelhada e perda de sentidos................................ 15

2.6 Triangulações: projeções agressivas precoces sobre o terceiro..... 15

2.7 O silencio: o vazio e a ferida narcísica................................................. 16

2.8 As relações de transferência: silencio, interpretação

e a experiencia do transitar....................................................................... 17

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 19

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA..................................................... 22

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INTRODUÇÃO

1. Retomadas das intenções e elaborações teóricas dos trabalhos

anteriores

Busco no CEP (Centro de Formação Psicanalítica), desde o inicio o

aprofundamento das concepções psicanalíticas, retornando os conceitos de

Freud, mas com propósitos de ampliar as elaborações psicanalíticas, tendo em

vista a pluralidade de abordagens psicanalíticas e as atualizações

contemporâneas.

Como ressaltei no escrito autobiográfico, que apresentei na primeira

entrevista, vim para o CEP já com uma trajetória percorrida como arte

terapeuta e doutora em psicologia, atuante no Instituo Sedes Sapientiae e PUC

(S.P.). O enfoque fenomenológico inicial mobilizou-me a buscar uma melhor

compreensão sobre a dinâmica do inconsciente, naquele momento que

principalmente lidava como arteterapeuta com os recursos simbólicos que se

apresentavam nos atendimentos clínicos e mesmo nas oficinas arte

terapêuticas desenvolvidas na academia e na orientação e supervisão (Sedes

Sapientiae e PUC). Encontrei em Jung as elaborações sobre o inconsciente e

representações simbólicas que nutri, seja para minha formação pessoal, seja

profissional.

Vale destacar um movimento muito presente na minha trajetória pessoal e

profissional que se configura como a constante procura de novos olhares em

relação à constituição psíquica do sujeito e o manejo terapêutico. Movimento

que me levou à busca do aprofundamento psicanalítico sobre os processos

simbólicos que se apresentam no desenvolvimento psíquico e expressão da

criança. Motivo que gerou a procura de aperfeiçoamentos com base em

Winnicott, e que mantenho como o conhecimento de valor significativo e

destaco, entre outros, nas elaborações teóricas do presente trabalho em que

aprofundo nas concepções de André Green, de acordo com o tema escolhido.

As elaborações psicanalíticas iniciais necessárias à compreensão da teoria de

Winnicott mobilizaram-me para ir à busca do aprofundamento nos conceitos de

Freud, ampliando a formação em psicanálise.

Encontrei no CEP o enfoque plural na formação psicanalítica e a escuta das

práticas clínicas, enfoque que me mobilizaram a continuar na formação.

Agradeço a abertura do professor Sergio Máscoli que me entrevistou com

uma escuta e abertura que gerou maior motivação para ingressar, aos 67 anos,

numa nova formação, direcionando-me para outro enfoque, para além das

atribulações da Academia e das finalizações que investia como segunda

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graduação para a formação em psicologia, concluída no percurso da trajetória

desta formação em psicanálise.

Agradeço a atenção e apoio da Prof Coordenadora Walkiria Del Piccchia

Zanoni, pelo apoio no momento em que era impossível da continuidade à

formação, pelas sobrecargas das minhas funções acadêmicas, mas com

desejos de manter o vinculo no sentido de continuar a formação

posteriormente. Retomei e me encontro com interesse de continuidade,

nutrindo-me das qualidades das orientações e seminários do CEP.

2. A seleção de um tema que se apresentou como constante: traços

depressivos, neurose de angustia e processos narcísicos

Ao retomar os trabalhos que desenvolvi desde o inicio percebi que as

questões associadas ao silencio, vazio em busca de preenchimento, depressão

e narcisismos estavam explicito e implicitamente presentes: o primeiro

associado à busca das origens criativas de Freud, o silencio, depois as

questões sobre a pulsão de morte e o dialogo com o vazio e os

preenchimentos, expressos pela arte de Clarice Lispector e Cecilia Meireles,

com as elaborações psicanalíticas e ilustrações dos meus trabalhos arte

terapêuticos, os trabalhos e elaborações psicanalíticas em torno do

envelhecimento, da pulsão de morte e espelho quebrado, os reinvestimentos

narcísicos, diante do que os meus pacientes de terceira revelavam nas

relações terapêutica, em que aperfeiçoava a escuta e o manejo psicanalítico

Retomando estes trabalhos percebi que busquei encadear os temas, apesar

de focar em cada um os temas elaborados e apresentados em cada ciclo. O

olhar plural permaneceu e sempre em busca do que revela a clinica

contemporânea, apesar das diferentes problemáticas colocadas em foco, nos

trabalhos.

Percebi ao ler cada trabalho que algo se manteve constante de forma

explicita ou implícita e que se referia à pulsão de morte e vida, aos traços de

depressão e aos processos psíquicos associados ao reinvestimento narcísico,

sem deixar de considerar os traços diferenciados das neuroses que muitas

vezes se compõem, segundo o que os pacientes revelam em suas queixas e

na relação transferencial.

Selecionei, portanto como tema para o trabalho final as questões sobre o

narcisismo, considerando o pensamento de Andre Green sobre o complexo da

mãe morta, remetendo-nos ao narcisismo primário, às pulsões de morte e

sentimentos do vazio. Conteúdos psíquicos tão presentes nos pacientes que

continuo atendendo, aperfeiçoando a escuta e os manejos psicanalíticos.

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II A FERIDA NARCÍSICA E O VAZIO: TRAÇOS DEPRESSIVOS E

O COMPLEXO DA MÃE MORTA .

Ao retomar os trabalhos anteriores, destaco o que coloquei em foco sobre a

questão do silêncio e do espaço vazio em que apresento análises de filme

sobre o tema, mas retomo a poesia de Cecilia Meireles para aprofundarmos

sobre o sentido do vazio ou do nunca desenhado e preenchido que nos remete

ao processo narcísico primário em que se apresenta uma ausência, um vazio

que pode se associar a característica da depressão.

Poesia excêntrica

Cecilia Meireles

Ando a procura de espaço Para o desenho da vida. Em números me embaraço E perco sempre a medida. Se penso encontrar saída, Em vez de abrir um compasso, Protejo-me num abraço E gero uma despedida.

Volta-se sobre o meu passo, É já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço, Começa a achar um cansaço Esta procura de espaço Para o desenho da vida. Já por exausta e descrida Não me animo a um breve Saudoso do que não faço Do que faço arrependida.

Esta procura do espaço que nunca é preenchido e que nos remete a uma perda ou a

um vazio que se associa a algo nunca preenchido. O que este vazio nos remete a um

sentido psíquico do luto e que continua insistentemente no desenvolvimento psíquico

das pessoas, dos pacientes e de quem se encontra no lugar de psicanalista?

André Green, em suas elaborações conceituais sobre o que denomina de Mãe Morta

considera um traço significativo que marca as diferenças entre as análises atuais e de

outrora e que se refere às questões em torno dos problemas de luto e às questões do

silencio e do não preenchido.

O conceito de Green sobre a Mãe Morta não se refere à morte física real,

mas à imago 1 que se constitui na psique da criança em consequência de uma

depressão materna. Uma condição de ausência materna que transforma...

1 Imago: protótipo inconsciente de personagens que orienta seletivamente a forma como o

sujeito apreende o outro; é elaborado a partir das primeiras relações intersubjetivas reais e fantasiosas com o meio familiar. ). Deve-se a Jung o emprego desta palavra associada a

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“(...) brutalmente o objeto vivo, fonte da vitalidade da

criança, em figura distante átona, quase inanimada,

impregnando muito profundamente os investimentos de

certos sujeitos que temos em análise e pesando sobre o

destino de seu futuro libidinal, objetal e narcisista. Mãe morte

é uma mãe que permanece viva, mas que está

psiquicamente morta aos olhos da pequena criança de quem

ela cuida” (Green, p.241).

Green refere-se aos aspectos psíquicos dos pacientes observados e que se

associam a neuroses de caráter2 e suas consequências na vida amorosa e na

vida profissional, não evidenciando nestes pacientes, traços característicos da

depressão.

Observei algumas destas características nos relatos de colegas na hora

clinica desde sexto ciclo em que uma paciente faz menção a uma depressão

da sua mãe em que parece ser uma presença ausente de uma mãe

depressiva. A paciente tem receio de sofrer a mesma depressão da mãe. A

paciente parece não mostrar traços depressivos, apesar de se sentir em

conflito e impotente em relação as suas insatisfações profissionais e como

mulher e mãe.

Numa releitura que faço de uma paciente minha relatada em trabalhos

anteriores, uma senhora de 58 anos fala sobre sua eterna insatisfação por não

ser amado o suficiente pelos homens e remete a imagens sombrias de uma

mãe que a rejeitava e que olhava para outro lugar. Uma mãe que nunca a

aceitou e que parecia sempre triste.

imago materna, paterna e fraterna. Enquanto o complexo designa o efeito sobre o sujeito da situação interpessoal no seu conjunto, a imago designa uma sobrevivência imaginária deste ou daquele participante dessa situação. Acrescenta-se que ela não deve ser entendida como um reflexo do real, mesmo que mais ou menos deformada; é assim que a imago de um pai terrível pode muito bem corresponder a um pai real apagado ( Laplanche e Pontalis, Vocabulário da psicanálise, Martins Fontes, 2001, p. 235) Melanie traz este conceito associado as fantasias sobre a mãe nas primeiras relações vinculares primárias. 2 Neurose de caráter: tipo de neurose em que o conflito defensivo não se traduz pela formação

de sintomas nitidamente isoláveis, mas por traços de caráter, modos de comportamento, e mesmo uma organização patológica do conjunto da personalidade. Uma caracterologia de inspiração psicanalítica faz corresponder diversos tipos de caráter às grandes afecções psiconeuróticas (caracteres obsessivo, fóbico, paranoico, etc) ou às diferentes fases da evolução libidinal (caracteres oral, anal, uretral fálico-narcísico, genital, por vezes re na grande oposição caráter genital-caráter prè-genital [...] em oposição ao polimorfismo dos “caracteres neuróticos” houve quem procurasse designar pela expressão “neurose de caráter uma estrutura psicopatológica original. Assim Henri Sauger reserva” a expressão neurose de caráter para os casos em que a infiltração do ego é tão importante que determina uma organização evocativa de uma estrutura prè-psicótica”. Essa concepção inscreve-se na sequencia de uma série de trabalhos psicanalíticos ( Alexander, Ferenczi, Glover ) que procuraram situar as anomalias de caráter entre os sintomas neuróticos e as afecções psicóticas. Segundo uma fórmula de D. Lagache, poderia definir-se como a projeção no sistema do ego das relações entre os diversos sistemas e interiores dos sistemas o que possibilita discernir em determinado traço de caráter que se apresenta como disposição inerente à pessoa, o predomínio de determinada instância ( ego ideal, por exemplo ),

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Ela se sentia como uma gata borralheira mesmo já crescida em que só era

vista para trabalhar. Remete a um pai que nutria uma certa admiração e amor

correspondido. A paciente apresenta traços histéricos e se repete na sua

história insatisfações amorosa com o primeiro marido como qual se separou e

outros companheiros com os quais mantem certa convivência dando apoio,

mas que não se queixa do amor recíproco que implica no carinho. É casada,

bem realizada e ativa profissionalmente, mas mantem questões conflitivas com

sua filha que cuida, mas parece não ter correspondências morosas. Investe na

função de cuidadora, mas cansa se estressa e se sente cobrada nas suas

tarefas de cuidar. Esta paciente nas relações transferenciais conseguiu buscar

o passado que parecia obscuro e atravessa a névoa sombria das suas relações

passadas com sua mãe, aspectos que ela ressaltou que havia esquecido.

Iniciaram-se suas elaborações sobre como se sentia, mas que parecia estar

falando de outra e não dela. Em momentos posteriores falava de buscar a mãe

enterrada e transformar em cinzas para enterrá-la de novo. Sentia que

precisava enterrar de novo e não cuidar mais dela. Acho necessário um ritual

de queima. Inverteram-se, depois dessas ocorrências, suas atitudes em

relação a se entregar e chorar como criança pedindo que cuidasse dela. As

características de controle e comando cuidando de todos que cercavam

começaram a se esvair, iniciando dores no corpo, na cabeça. Alternavam-se

então novos movimentos de controle em relação à filha e ao companheiro.

Progressivamente foram por mim assinalados alguns aspectos associados a

esta defesa dela com conversas sobre a possibilidade de inversão daquele

lugar de ser cuidada ao invés de cuidadora. O mesmo acontecia nas relações

transferenciais comigo em que parecia cuidar e mostrar sua colaboração não

possibilitando a ela deixar que eu desse o suporte para ela se sentir a si próprio

recebendo os meus cuidados e possibilitando ela olhar para si própria.

Percebi também em outros atendimentos psicoterápicos atuais que me

coloca com uma escuta mais psicanalítica, pacientes que expressam

sentimentos constantes que rementem a um vazio que nunca é preenchido, e

que alguns já expressam no processo transferencial a revivências da criança

diante de uma mãe ausente, algumas que remetem também a cobranças da

mãe de natureza sado masoquista, mas que não apresenta relação amorosa

de apoio. Há uma presença com cobranças e maus tratos, mas uma ausência

do cuidado e do amor. Esta paciente se queixa de uma solidão sempre

presente mesmo com as pessoas a sua volta. Muitas buscam o amor perdido

no contato com parceiros, amigos e sempre se queixam de não ser atendido e

que estes parceiros lhes acusam de não saber amar. Gilberto Safra quando se

refere a clinica contemporânea fala desta condição de existir das pessoas que

parecem ter ficado no vazio, diante da mãe presente ausente. Este autor, com

base nos referenciais de Winnicott estende esta questão às condições culturais

associadas a fraturas devido à ausência deste cuidado amoroso. Na vida

contemporânea. .

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Busquei nos conhecimento teóricos de André Green esta questão das

relações primárias em que a relação amorosa criança e mãe está ausente

apesar da presença física da mãe e que gera uma ferida narcísica na criança e

identificação com esta mãe morta: Green conceitua este fenômenos psíquico

como complexo da MÃE MORTA. .

2.1 O complexo da mãe morta: concepção psicanalíticas de Andre Green.

André Green nos fala sobre suas experiências e análises de pacientes que

não apresentavam traços clássicos depressão, mas evocavam em suas

queixas e conflitos processos psíquicos associados ao narcisismo primário:

“apresentam a natureza narcísica dos conflitos invocados, relacionados com a

neurose de caráter, e de suas consequências na vida amorosa e na atividade

profissional” (Green 1988, pg. 247).

Evidenciavam-se em suas queixas sentimentos do vazio que evocavam ou

evidenciavam insatisfações na relação primária da criança com uma mãe viva,

mas ausente: a imago da mãe morta segundo conceituações de Andre Green.

.

Green busca, por meio de suas análises com seus pacientes, a

compreensão sobre a dinâmica psíquica do narcisismo primário e a ferida

narcísica quando há um núcleo central relacionado à imago e complexo da

mãe morta: a relação criança mãe presente, mas ausente.

O referido autor elabora suas concepções sobre as falhas nestas primeiras

relações vinculares a partir dos conceitos de Melanie Klein que analisa os

processos de projeções e introjeções associados às fantasias de onipotência e

impotência, na relação da criança com o seio materno (representação

simbólica do seio materno). O autor traz Lacan nas suas análises considerando

a metáfora associada à imago materna e o valor positivo e negativo das

projeções e introjeções. Lança a hipótese sobre a metáfora da mãe morta, em

que ocorrem as introjeções e projeções da falta, da frustração e sentimentos do

vazio diante da ausência de uma mãe, não morta fisicamente, mas que por

algum motivo sinaliza uma ausência, traços depressivos ou lutos. Condição de

ausência que mobiliza na criança as sensações e sentimentos do vazio e do

não alcançar o sentido do luto.

André Green, apoiado nas reflexões psicanalíticas sobre a perda e o luto que

existem nas primeiras relações da criança com aquela que está lugar da mãe,

aprofunda-se nas concepções psicanalíticas sobre as relações vinculares

primárias da criança e o investimento da libido na relação de dependência

absoluta entre criança e aquela que ocupa o lugar da mãe provedora. Busca as

conceituações de Freud sobre este narcisismo primário e as questões

traumáticas que geram desinvestimento e ferida narcísica, conforme as

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conceituações de Karl Abraham, Melanie Klein, Winnicott, entre outros

autores.

Segundo as bases teóricas psicanalíticas sobre a relação primária entre

criança e objeto (mãe), há um momento em que a presença do objeto é

necessária e outro em que o distanciamento ou separação criança e mãe é

condição para o deslocamento da libido e para a relativa diferenciações e

independência da criança. Nessa relação criança e bebê há um jogo entre

pulsão de vida e de morte, mobilizada pelo princípio do prazer e da realidade,

pelas introjeções e projeções associadas às fantasias narcísicas da criança de

onipotência e impotência, diante da satisfação do desejo e da frustração.

Segundo Klein, o Ego primitivo atua mobilizado pela pulsão de vida com

mecanismos psíquicos compensatórios (defesas) que possibilitam o

deslocamento da libido para si próprio e outro objeto. Quando há um trauma ou

falhas nas relações de suportes maternas (mãe não suficientemente boa,

conforme conceituações de Winnicott) a falta se sobrepõe e lança a criança no

vazio, gerando fixações orais ou ativação das defesas compensatórias que se

apresentam de forma precipitada, prematura, diante da perda ou ausência do

objeto mãe. Os sentimentos de um vazio emergem e se mantem, apesar do

ego acionar as defesas e compensações, mobilizado pela pulsão de vida.

Green aprofunda nas análises dos referidos autores em relação ao

desinvestimento da libido do sujeito em que ocorre na relação criança bebê, as

perdas e separações, no ponto e intensidade necessária para o sujeito

prosseguir no seu desenvolvimento em busca das diferenciações e relativas

relações de independência. Green considera o grande valor das análises

sobre a dinâmica psíquica narcísica primária que favorece o prosseguimento

do desenvolvimento psíquico ou que pode gerar as estagnações ou fixações

que impedem a evolução gradual no processo de constituição do sujeito. O

autor ressalta que há necessidade de ir para além do desenvolvimento que

revela uma evolução gradual, em busca de uma análise mais detalhada para

maiores diferenciações sobre o que conceitua como “salto mutativo”:

diferenciações das alterações que ocorrem na trama das relações criança e

mãe em que se apresentam “ traumas e processos diferenciais relativos as

precipitações de compensações que se caracterizam como ‘ salto mutativo’

(Green, 1988, p. 240). O autor ressalta as precipitações de frustrações e de

compensações defensivas que geram a ferida narcísica e as reações

defensivas que inibem o investimento da libido sobre o objeto e reinvestimento

sobre si próprio e outros recursos que o bebê se agarra para não sucumbir no

vazio. Há necessidade portanto de se diferencia os sentidos e condições da

perda, da depressão e do luto que geram traços diferenciados das depressões

e das defesas reativas. Um dos aspectos que vale destacar se refere ao

processo narcísico nas condições de relação criança e mãe presente mas

ausente, enlutada , por algum motivo não exercendo a sua função necessária

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segundo Winnicott de mãe suficientemente boa que possibilita ao bebê

prosseguir no seu desenvolvimento, atravessando a separação e frustração e

indo em direção a sua constituição como sujeito diferenciado ( eu sou)

2.2 De Winnicott às ampliações de Andre Green

Green valoriza e amplia as concepções de Winnicott sobre o

desenvolvimento psíquico da criança, considerando as perturbações primárias

que se dá na relação vincular “mãe- criança”. Segundo Winnicott, no início do

desenvolvimento psíquico da criança, esta encontra absolutamente dependente

da mãe ambiente, pois precisa ser nutrida suficientemente para atravessar as

frustrações que ocorrerão pela separação. Condição necessária para as

diferenciações do ego e seu fortalecimento, em direção à constituição do

sujeito (Self: eu sou). Há de se considerar a necessária passagem da condição

paradisíaca da relação de dependência absoluta mãe- bebê, para a de relação

de independência relativa. Um momento de frustração alternado com o holding

(suporte materno), em que emerge o gesto espontâneo criativo da criança. Há

necessidade, segundo Winnicott , da boa qualidade dos cuidados maternos

(mãe suficientemente boa), fundamentais para o enfrentamento das frustrações

e constituição das defesas do Ego.

. Green apesar de valorizar e manter como fundamentais este processo de

passagem que se situa entre criança e mãe, apresenta criticas a análise de

Winnicott. Quando este enfatiza em excesso a condição da função materna

suficientemente boa, deixando de lado a atenção sobre a pulsão de morte, que

se apresenta no processo narcísico primário. Green avança a partir das

elaborações de Winnicott, considerando que os cuidados maternos não podem

evitar as frustrações que desempenham papel estruturante para a organização

psíquica da criança e que é importante considerar neste processo as

mobilizações da pulsão de morte que se interconecta com a pulsão de vida.

2.3 A presença e sentidos dos traços depressivos nos analisando:

alterações do processo narcísico primário (relação primária bebê-mãe)

Andre Green, ao valorizar suas experiências clinicas e considerar as

questões transferenciais de seus analisando, ressalta que há pacientes que

apresentam, em qualquer estrutura, uma persistência de traços depressivos

que se mantêm diferenciados da reação depressiva normal própria do

desenvolvimento psíquico da criança, mas que também não se configura como

sintoma clássico de depressão. Ele formula então as seguintes indagações:

1. Quais as relações que são possíveis estabelecer entre a perda do objeto

amado e a posição depressiva, analisando como ocorre o “salto

mutativo” neste trânsito necessário entre a condição de relação de

dependência absoluta e o movimento em busca da relativa

independência?

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O que se evidencia, no processo narcísico primário, considerando

os traumas psíquicos relacionados à presença e/ou ausência da

mãe, e quais os mecanismos de compensação que o ego da

criança aciona?

O que corre, no processo narcísico primário, diante do trauma

associado às perdas e lutos do objeto em que se investiu a libido

e quais as singularidades dos traços depressivos e das defesas

compensatórias do Ego que camuflam ou atenuam as perdas,

luto e identificações com a mãe ausente ou enlutada?

Green lança hipóteses, a partir de sua observação sobre as relações

transferenciais com seus pacientes e analisa a dinâmica narcísica primária e as

defesas do ego, que se apresentam na relação primária da criança com a mãe

ausente apesar de presente. Conceitua, portanto a imago ou complexo da mãe

morta que permanece a partir deste momento narcísico e permanece durante o

desenvolvimento psíquico do sujeito. .

2.3 Os que nos revelam as relações transferenciais dos pacientes com

queixas sobre sentimento do vazio?

Andre Green busca suas análises das experiencia vividas, na relação

transferencial com seus analisando que apresentam a queixa do vazio que se

repetem nas atuais relações amorosas conforme apresentações das citações

abaixo (Green, 1988, p. 246, 247):

“Quando o sujeito se apresenta pela primeira vez frente a um analista,

os sintomas de que se queixa não são essencialmente do tipo

depressivo. Na maior parte das vezes estes sintomas refletem o

fracasso de uma vida afetiva amorosa ou profissional, subtendendo

conflitos mais ou menos agudos com os objetos próximos”.

Na maioria das vezes o paciente evoca as relações ambíguas com a mãe

“Não é raro o paciente contar espontaneamente uma história pessoal

onde o analista penso consegue mesmo que lá, em determinado

momento, deveria ou poderia se situar uma depressão da infância

que o paciente não menciona”. ( Green, 1988,p.247)

Evidenciam-se nestes casos sentimentos de impotência, diante das

tentativas de sair de uma situação conflitiva, com destaques na impotência

para amar, para tirar partido de seus dotes, para aumentar suas aquisições.

Quando ocorrem as soluções para os problemas muitas vezes com qualidade

de desempenho, apresenta uma insatisfação profunda frente aos resultados.

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Não há inicialmente indício de depressão e nem se apresentam os sintomas

clássicos do fenômeno depressivo. Por outro lado, no primeiro plano

revelam-se uma problemática narcísica, feridas narcísicas diante de perdas

atuais, com “exigência do ideal do Eu em sinergia ou em oposição com o

super eu:

“Essa depressão que às vezes se traduziu clinicamente de forma

esporádica só surgirá com toda sua força na transferência. Quanto

aos sintomas neurótico clássico da depressão, eles estão presentes,

mas como valor secundário (...) se são importantes o analista tem a

sensação de que a análise de sua gênese não fornecerá a chave do

conflito”. ( ”.( Green, 1988,p.247)

O referido auto ressalta que a revelação de indícios de depressão só corre

depois de muito tempo de análise que se apresenta como uma depressão

singular em que se alternam a depressão de transferência e um

comportamento exterior onde a depressão não eclode. Dinâmica de

alternâncias que geram sofrimento das pessoas próximas, diante das relações

objeta do paciente com elas em que perdura a ausência do compromisso

associado à amorosidade sobre o outro e o reconhecimento de suas

qualidades e conquistas.

A depressão de transferência refere-se à repetição de uma depressão infantil

que se caracteriza das seguintes formas:

Não é depressão por perda física e real do objeto, ou gerada por uma

separação ou abando de quem representa a mãe. Muitas vezes o fato do

abandono coexiste, mas não é ele que constitui o complexo que Green refere à

mãe morta e que gera a angustia relacionada ao sentimento do vazio. A depressão

que permanece se dá na presença da mãe na relação primária e que sofreu do luto

ou se encontrava deprimida por alguma razão e fatores variantes: perda de um ser

querido, filho, parente, amigo próximo ou qualquer outro objeto investido por esta

mãe, ou uma depressão desencadeada por uma decepção que inflige uma ferida

narcisista.

A depressão da mãe pode ser associada ao infortúnio na família nuclear ou na

família de origem, a ligação amorosa do pai que abandona a mãe, a humilhação, e

outros fatores em que provocam sentimentos de tristeza da mãe e a diminuição do

interesse pela criança. O caso mais grave refere-se à morte de um filho com pouco

tempo de vida em que há ocultação e falta de sinais para a criança reconhecer e

cujo conhecimento introspectivo nunca é possível, pois repousa num segredo

como, por exemplo, o aborto da mãe entre outro.

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2.4 Precipitações da sublimação: precocidade do processo de

compensação e ambiguidade de sentimentos

Na relação vincular da criança com a mãe, ocorre uma mudança brutal

verdadeiramente “mutativo” da imago materna: o trauma narcisista que provoca

a perda do amor e a perda de sentido, pois o bebê não dispõe de explicação

para dar conta do que aconteceu.

Andre Green ressalta então que o bebê como centro do universo materno

fantasia esta decepção como consequência de suas pulsões para com o

objeto-mãe. Segundo o autor, esse trauma será grave se o complexo da mãe

morta sobrevém no momento que a criança descobriu a existência do terceiro

que está presente. Segundo Melanie Klein afirma este terceiro (sinais primitivos

do Édipo) já se encontra lá no inicio das relações primárias e que o novo

investimento da libido se associa a fantasias deste terceiro ser a causa do

desinvestimento narcísico, ou seja, do lutou ausência materna. Ocorre,

portanto uma triangulação precoce e defeituosa. Em outras palavras, a

retração do amor é sentida como o investimento do pai pela mãe ou vice versa

provocando o investimento particularmente intenso e prematuro do pai como

salvador do conflito ou o bode expiatório nessa relação entre a criança e a

mãe. Se considerar que o pai não atinja às solicitações dos cuidados

presenciais maternos, o sujeito se apresenta “preso entre uma mãe morta e um

pai inacessível. seja por que ele esteja, sobretudo preocupado pelo estado da

mãe sem socorrer o filho, seja por que deixa o par mãe-criança sair sozinho

dessa situação “ ( Green, p. 248 )

Segundo as elaborações de Green após tentativas de reparação da criança

diante da mãe envolta num luto, esta se sente frustrada e impotente, lutando

contra a angústia, através de diversas reações, como agitação, insônia,

terrores noturnos, mas prossegue no desenvolvimento do Ego, pondo em ação

uma serie de defesas de outra natureza.

Green ressalta algumas destas defesas que se apresentam diante da

angustia da ausência, do sentimento do vazio: o desinvestimento do objeto

materno, com imagens fantasiosas que representam um assassinato psíquico

do objeto, realizado sem ódio. Diante da fragilidade materna a emergência de

um ódio prejudicaria ainda mais sua imagem. O resultado é a constituição de

um buraco que se situa na trama das relações objetais com a mãe, mantendo

os investimentos periféricos. O luto da mãe modifica sua atitude fundamental

com respeito à criança que aciona a fantasia sobre a incapacidade de amar,

apesar de continuar a amar. A ambiguidade se apresenta repetindo a condição

de amar ou cuidar sem amar pela identificação com a mão presente ausente,

ou seja, a mãe morta. O sentimento de ambiguidade permanece durante o

desenvolvimento do sujeito, sem diferenciações, mantendo assim o vazio.

2.5: a identificação espelhada e a perda de sentidos

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Outro aspecto do desinvestimento narcísico refere-se à identificação da

criança em espelho com a mãe, necessária após os fracassos das reações de

complementaridade (alegria artificial, agitação). Há tentativas de procura de

contato com a mãe (simetria reativa), como por exemplo, uma simpatia em que

não há reparação verdadeira e sim um mimetismo para continuar a possuir o

objeto, já que não é possível tê-lo. O sujeito torna-se como o objeto, sendo ele

mesmo: “condição de renúncia ao objeto e ao mesmo tempo de sua

conservação, segundo o modo canibalístico inconsciente, desde o princípio.

Uma retração que supõe que o sujeito se desfaça do objeto é diferente da

identificação que se produz à revelia do Eu do sujeito e contra a sua vontade,

constituindo-se assim um caráter alienante”. (Green, 1988, p. 249)

Prosseguem-se as relações com objetos posteriores, mas com o sujeito

preso na compulsão à repetição, com desinvestimento de um objeto passível

de decepcionar, repetindo a defesa antiga. O sujeito “está totalmente

inconsciente da identificação com a mãe morta a quem ela se junta no

investimento das marcas do trauma”. (Green, 1988, p. 249)

Andre Green ressalta como o Ego se refere à perda do sentido, explicando

que há uma distância impreenchível entre a falta em que o sujeito se recria e a

intensidade da reação materna, pois se supõe que esta falta está ligada à sua

maneira de ser mais do que a algum desejo interdito de fato, associado à

interdição de ser.

2.6 Triangulações: projeções agressivas precoces sobre o terceiro, o Pai:

Devido à vulnerabilidade da imagem materna, não houve como projetar o

ódio sobre o objeto-mãe, deslocando-o sobre o outro, o terceiro, o pai. Ativa a

fantasia do pai como responsável pelo abatimento da mãe.

Há, portanto como já foi ressaltada, uma triangulação precoce nesta trama da

relação primária da criança com o objeto-mãe, em que é desconhecido o objeto

gerador do luto da mãe. Esta dinâmica psíquica, desencadeia os seguintes

processos psíquicos inconscientes que se entrecruzam, desdobrando-se em

diferentes configurações de processos defensivos como os ressaltados a

seguir:

Desencadeamento de um ódio secundário, colocando em jogo desejos

de incorporação regressiva.

Posições anais tingidos de um sadismo maníaco onde se trata de

dominar o objeto, de maculá-lo e de vingar-se dele.

Excitação auto erótica, que se instaura pela procura de um prazer

sensual puro do órgão no limite sem ternura, sem piedade, mas que nem

sempre é acompanhado de fantasia sádica.

A permanência da resistência a amar o objeto, aspectos que

fundamenta algumas características dos traços histéricos que emergirão

a consciência.

15

Bloqueio do amor, isto é o objeto é procurado pela sua capacidade de

desencadear o gozo isolado de uma zona erógena ou de várias, sem

confluência num gozo compartilhado por dois objetos mais ou menos

totalizados.

O processo de compensação - Dissociações precoces entre o corpo e a

psique, assim como entre sensualidade e ternura.

A busca de um sentido perdido estrutura o desenvolvimento precoce das

capacidades fantasmáticas e intelectuais do Eu. O desenvolvimento de

uma atividade frenética não se realiza na liberdade de brincar, mas na

obrigação de imaginar, assim como no desenvolvimento intelectual se

inscreve na obrigação de pensar.

Nesse sentido, o desempenho e a autopreparação unem-se para

concorrer à mesma finalidade: a preservação de uma capacidade de

superar o desespero da perda do seio pela criação de um seio

remendado com a função de mascarar o buraco do desinvestimento

narcísico enquanto “o ódio secundário e a excitação erótica formigam na

borda do abismo vazio”. A criança dedicará doravante seus esforços

para adivinhar ou antecipar (...)

“A unidade comprometida do Eu, doravante esburacada é

realizada seja no plano d fantasia dando lugar à criação artística,

seja ano plano do conhecimento na origem de uma

intelectualização muito rica, numa tentativa de dominar a situação

traumática que está fadada ao fracasso” (Green, 1988, p.251).

2.5. O silêncio: angústia, luto e feridas narcísicas.

Green, recorrendo aos conceitos de Lacan ressalta que a saída do silêncio,

a passagem ao discurso nunca se dão sem risco. O principal obstáculo a tal

comunicação é o narcisismo. A angustia é frequentemente considerada

incomunicável e considera os seguintes sentidos e movimentos da angustia:

A angústia do Um, da unidade ameaçada é reconstituída, ligada ao

Outro, sobre um fundo do vazio, onde a forma reúne objeto parcial e

objeto total.

A angústia do Dois, do Par onde as figuras da simetria, da

complementaridade, da oposição na diferença do Um e do Outro, joga a

bissexualidade e remete à fantasia da unidade totalizada do par,

sempre buscada, sempre impossível.

A angústia do conjunto, em função do conceito do Um e do Dois que

supõe aproximar a questão não do terceiro, mas da dispersão ou seja,

do despedaçamento:

“conjunto finito ou infinito onde se reencontram a angustia do infans e

angustia do Super eu, à medida que este ultimo proveniente do Isso,

16

torna-se “Potencia do. Destino, uma vez instituída a categoria do

Impessoal" ( Green , 1988,p. 253)

Andre Green, ao retornar aos conceitos de Freud sobre a angustia associada

ao momento do narcisismo primário, ressalta que Freud refuta a ideia de Rank

sobre o trauma do nascimento. É o nascimento que institui a separação entre a

mãe e a criança. Ou seja, “o nascimento não é vivido subjetivamente como

separação da mãe, pois esta é, enquanto objeto completamente desconhecida

para o feto absolutamente narcísico”.

Aproximando os conceitos de luto e de separação, Freud sublinha que as

reações à separação vinculam-se à dor e ao luto, mais do que à angústia, pois

esta ultima está ligada à noção de perigo e é diferente da dor e do luto, que

pertenceriam mais à categoria da ferida narcísica.

No desenvolvimento da teoria de Freud, ele liga a angústia ao excesso de

excitação pulsional, pois há libido demais. Refere-se a “angustia automática”,

em que não se pode esperar nenhum socorro do objeto. A angustia é, por

antecipação, um sinal frente ao perigo de perder o objeto, cuja função protetora

contra o aumento libidinal para além de certo patamar, falhará. É ainda a

angústia do perigo, de deixar uma excitação se desenvolver e cuja satisfação

seria representável. Considera ainda a angústia que nasce da ameaça de

elevação da tensão, devido às recriminações do Super Eu que emerge diante

da ameaça de elevação da tensão.

A questão que se coloca na passagem do feto “absolutamente narcísico” é

que este ignora a mãe, enquanto objeto para os conflitos de desejos entre

libido erótica e libido da fase edípica.

Retomando as conceituações de Winnicott, Andre Green traz à tona o

sentido do “holding” de Winnicott que não é nada além do que “ uma fixação

intrauterina externa da criança (...)

“O que se deve guardar desta situação é a série de inversões dialéticas:

nascimento como catástrofe (separação do útero, corte do cordão

umbilical, passagem para a respiração aérea e para a alimentação

digestiva, inauguração da relação com a mãe e sua negação pela

adaptação da mãe às necessidades da criança nas primeiras semanas

contemporâneas ao estabelecimento do funcionamento pulsional inicial”

(Green 1988, p. 260)

2.6 As relações transferenciais em torno do complexo da mãe morta: o

silêncio, a interpretação e ou a experiencia de transita?

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Green analisa as relações transferenciais do analisando com estas

características associadas ao complexo da mãe morta:

, “as transferências são singulares e a análise é intensamente

investida pelo paciente em que aparece a gama do espectro

libidinal, enraizado profundamente numa totalidade de natureza

narcisista” (Green, 1988, p. 260).

Há a expressão que traduz pela falta de afeto secreta com racionalizações

semelhantes a esta expressão: “sei que a transferência é ilusão e que na

verdade tudo é impossível com você em nome da realidade: para que então a

análise?”.

No processo transferencial, apresentam-se mecanismo de identificação

projetiva associada à idealização da imagem do analista que deve ser mantida,

com tentativas de sedução pela busca intelectual sobre o sentido do perdido e

do sentimento do vazio. Há tentativa de envolver e despertar interesse e

admiração do analista. Apresentam-se riquezas de representações e de auto

interpretação, apesar de pouca influência destas capacidades sobre as

questões de afeto no quotidiano. A linguagem expressa no estilo narrativo

exerce o papel de comover e implicar o analista como testemunha, nos seus

relatos dos conflitos.

Em conclusão, a análise da transferência tem como núcleo central a

negação em bloco de toda a fantasia da cena, em torno da imago da mãe

morta. O desinvestimento da libido e as defesas geram movimentos nas

seguintes direções:

Movimento para frente, em que há uma precipitação do Édipo emergindo

atuações defensivas contra a angústia da fantasia narcísica, na relação

primária no nível oral, com o objeto de amor: a mãe presente, mas ausente

sofre um suposto luto que desvia seu olhar da criança.

Movimento para traz, em direção à fase oral, em que se depara com

angústia do vazio, de não alcançar a mãe. É importante ressaltar que

não há regressão a esta fase oral e sim a revivências da identificação

com a mãe ausente, a mãe morta, presente no primeiro processo

narcísico, na relação oral criança-mãe, em que se acionam,

prematuramente, as defesas para atenuar a angústia do vazio.

A rica atuação prematura das compensações intelectuais ou da criação

artística restabelece a onipotência narcísica ferida, sacrificando as

satisfações libidinais, mas permanece o sentimento de nunca ser amada

ou de não conseguir amar o suficiente.

Segundo Green, a análise de transferência implica em reencontrar a

felicidade primitiva anterior ao aparecimento do complexo da mãe morta, mas

este encontro se constitui como uma revivências, e não regressão

18

transferencial de uma relação com uma mãe viva, desejante do pai e que

passa pela análise da ferida narcísica que consome a criança, no luto materno.

.Apesar das ricas narrativas do paciente, há pouco movimento associativo que

a remeta às fantasias primárias. Quando as associações se dão, há o

movimento discreto de retraimento em que a análise parece ser em relação a

um outro que não está presente.

Há, portanto uma alienação ou o sujeito se desconecta para não ser invadido

pela revivências das fantasias narcísicas primárias, associadas ao vazio, diante

da inalcançável mãe ausente, apesar de se fazer presente. Quando o paciente

cede a esta revivências, o desespero mostra-se com os sentimentos

associados à agonia do vazio.

Segundo Green, o complexo da mãe morta dá ao analista a escolha entre as

seguintes atitudes técnicas:

Uma posição da interpretação, conforme Klein desenvolveu. Esta

conforme Green, não é indicada, por gerar uma precipitação das

compensações defensivas não possibilitando as necessárias revivências

narcísicas e o emergir do complexo da mãe morta.

A solução clássica do silêncio, que repete a relação com a mãe morta, a

mãe muda. Conforme Green, esta situação do silencio tem o risco de cair

no aborrecimento fúnebre, na ilusão de uma vida libidinal. O tempo do

desespero não deixaria de existir e a desilusão será dura.

A terceira posição que Green recomenda como a mais eficiente refere-se

à utilização transferencial do espaço transicional de Winnicott, que

faz do analista um objeto sempre vivo, interessado e acordado pelo seu

analisando, testemunhando sua validade pelos laços associativos que

comunicam a ele.

A capacidade do analisando suportar sua desilusão dependerá da

forma como um analisando se sentir narcísica mente investido pelo

analista. Este deve permanecer sempre atento às proposições do

paciente, sem cair na interpretação intrusiva. Segundo Green nesse

processo transferencial, é possível “estabelecer as ligações fornecidas

pelo prè consciente, suporte dos processos terciários, sem curto circuitá-

lo, indo diretamente à fantasia inconsciente, nunca é intrusivo. Se o

paciente expõe o sentimento é perfeitamente possível mostrar, sem

traumas excessivos o papel defensivo destes sentimentos contra o

prazer vivido como angustiante” (Green, p. 262).

Nesse sentido, quando a análise tiver devolvido pelo menos

parcialmente a vida a esta parte da criança identificada como a mãe

morta ocorrerá uma inversão não facilmente interpretável. A antiga

dependência da criança para com a mãe se inverteu e a criança fica no

19

lugar de cuidar da mãe com traços de morte ou doente. A criança curada

deve sua saúde à reparação incompleta da mãe ainda doente O analista

interpreta para o analisando que tudo se dá como se a atividade deste

visasse oferecer oportunidade de interpretar menos para ele do que para

o analista como se este precisasse do analisando.

Em síntese é importante considerar o sentimento de ambivalência

presente diante da angustia do vazio que se associa ao complexo da

mãe morta. Como analista, “lidamos então com um sujeito preso entre

duas perdas: a morte da presença ou a ausência na vida. Disto decorre

a extrema ambivalência quanto ao desejo de devolver a vida à mãe”

(pág. 263):

Observações e hipóteses em relação às retomadas de análises com

pacientes:

Retomando alguns aspectos que observo em relação a alguns pacientes

já citados como exemplos nos trabalhos anteriores e aos que acompanho

no momento, percebo agora a neurose de angustias com traços

depressivos analisada anteriormente () e que me remete este fenômeno do

complexo da mãe morta e que procuro compreender melhor, considerando

as análises de Green, como aquela que não olhava para mim e que parecia

que sempre estava cuidando dela ) uma delas associada a madrasta, ou a

mãe frágil e muitas se apresentam posteriormente como trazendo o tom da

tristeza e o olhar distante para algo que não estava presente.

Muitas delas já na maturidade (próximo à terceira idade) apresentam o

que Green analisa: um ocultamento da mãe associada à relação edípica, à

nostalgia em relação ao pai, afastamento devido a casamento prematuro e

forçado e não houve a possibilidade de sua escolha. Pacientes que eram

primeiras filhas do “casamento arranjado e distanciado do núcleo familiar”.

Algumas filhas de mulheres imigrantes. Há, em outra paciente, relato de

sua mãe que ela supõe uma feita adquirida a relação de confiança (relação

transferencial) o ocultamente de morte de ilhós prematuro ou de abortos,

carregado de culpa.

Estas pacientes apresentavam grande potencial de realizações, são

ativas com traços de empreendedorismo no seu trabalho doméstico e

profissional. Fenômeno que nos remete aos processos de sublimação que

podem ter ocorrido precocemente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Nas minhas trajetórias durante as leituras, elaborações teóricas, análises

pessoais e supervisões, durante o curso de formação em psicanálise, e,

sobretudo ao retomar os processos de luto e ampliações de sentidos no

20

seminário teórico proporcionado pelos psicanalistas professores Monica

Seinchman e Enrique Mandelbaun mobilizaram-me ainda mais a retomar e

aprofundar nas concepções de André Green sobre ferida narcísica tendo como

núcleo central a imago da mãe morta.

Percebo a necessidade de continuar e de aprofundar na complexidade dos

processos narcísico, sem deixar de reconsiderar as conceituações de Freud e

de demais psicanalistas que focalizam esta relação primária da criança e mãe.

Prossigo nas minhas análises, em função do que se apresentam nas queixas e

relações transferências com meus pacientes, ampliando os conhecimentos em

torno da psicanálise, especialmente diante do que nos revela na clínica

contemporânea.

A formação psicológica que conclui no inicio desta trajetória, em busca da

formação psicanalítica não é empecilho para que eu possa continuar a

aprimorar com supervisões e aperfeiçoamento em relação a escuta e a

transferência psicanalítica, que continuarei a aprofundar nos atendimentos

que realizo, no momento, com adultos, sustentada pelas supervisões.

Durante a trajetória deste curso de formação no CEP, sempre esteve

presente a busca da compreensão psicanalítica que continuo a aprofundar,

principalmente considerando o que o CEP nos fornece em relação às

elaborações psicanalíticas numa perspectiva da pluralidade, sem deixar de

lado a escuta e manejos clínicos, tão presente na formação do CEPIS, na hora

clinica e seminários clínicos, além do espaço que se abre para as práticas em

supervisão.

Em síntese, conforme apresentei na introdução do presente trabalho, descobri

ao fazer a releitura dos trabalhos e ao aprofundar nos estudos contemporâneos

como os apresentados por Andre Green, entre outros autores, a importância de

se compreender e de se ampliar os conhecimentos sobre os processos

narcísicos, em que se instauram as feridas narcísicas e se expressam na arte e

na literatura como uma imersão no vazio e um movimento incessante de busca

do preenchimento dos espaços que nunca se completa.

Devido ao meu grande envolvimento com as expressões artísticas, mantive a

constância do diálogo com as artes durante toda a trajetória das minhas

elaborações de trabalho que me remetiam aos processos narcísicos primários

e a angustia de um vazio que pode se fixar nesse momento.

Meu trabalho terapêutico com enfoque cada vez mais psicanalítico me

convoca para esta escuta e manejo na relação transferencial, presente na

clinica contemporâneas, especialmente com mulheres que se apresentam e

que me remetem ao transito entre os traços histéricos, narcísicos e obsessivos,

sem me deter aos enquadres e fixações em relação às caracterizações das

estruturas neuróticas.

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Nas pesquisas e orientações que busco além do que meus pacientes me

revelam sobre o vazio em que se sente mergulhado, convocam-me a retornar

às elaborações de Abraham, Klein, e Winnicott, ampliadas pelas concepções

de André Green sobre as diferenciações narcísicas e o complexo da mãe

morta. Por este motivo escolhi este o tema para elaboração do meu trabalho

final neste primeiro momento de formação psicanalítica.

Considero a importância de se pensar sobre este lugar fronteiriço que se

apresenta seja nas relações primárias em que se dá o narcisismo primário seja

na relação transferencial psicanalítica, em que se re significa esta condição do

fronteiriço .

Decio Gurfink, em seus comentários sobre a psicanálise fronteiriça, ressalta

que o conceito de fronteiriço é mais do que a caracterização de um quadro

psicopatológico como o de boderline, ou do que a proposição de uma

psicodinâmica característica. Refere-se ao limite e a fronteira que André Green

ressignificar e retoma a relação primária da criança e da mãe, em que o

processo narcísico é colocado em foco.

Gurfink ressalta que a concepção do “fronteiriço” não deve ser só associada

às configurações e estruturas boderline, mas a outras experiências que

transitam entre os diferentes traços neuróticas, que não se fecham num

enquadre de diagnóstico clássico das estruturas neuróticas puras. E mais

ainda, uma concepção de fronteiriço que não se instaura necessariamente no

campo da patologia.

Nessas diferenciações ou singularidades das condições fronteiriças, a

criatividade se faz presente, segundo a concepção de Winnicott.

Winnicott nos remete a este lugar e fronteira que se situa no “entre”, que se

constitui como o espaço potencial entre mãe e bebê, onde acontece a

experiencia de transição no momento de passagem da relação absoluta de

dependência “bebê- mãe ambiente” para a relativa independência, em direção

à constituição do sujeito (Self: eu sou). Nesta fronteira entre mãe e bebê, os

gestos criativos da criança e da mãe se apresentam, em meio às frustrações, e

às ameaças da separação que mobilizam sentimentos de perdas do objeto de

amor ou um sentimento de imersão na agonia do vazio: “o bebê cria o que de

fato está ao seu redor, esperando para ser encontrado. Dessa forma o objeto é

criado (...). É o fenômeno transicional em que o objeto se apresenta na sua

função transicional”. Segundo Winnicott essa criação se amplia

progressivamente na fronteira entre o homem e a cultura, por meio do jogo

constante entre o sentimento do preenchimento prazeroso e da falta.

Green atribui um importante valor a esta processo do transitar, segundo

conceituações de Winnicott, mas acrescenta aspectos que este deixa de lado:

a atuação da pulsão de morte conectada com a pulsão de vida.

22

Considero importante destacar este espaço de transição aprofundando-me

sobre os sentidos das fronteiras que se apresentam, não só como

impedimentos associados às patologias, mas também como uma condição

existencial favorável à criação do sujeito, que emerge da intricada e dialética

rede de relação entre a pulsão de vida e de morte e que nos convoca para

buscar os diferentes sentidos expressos poeticamente pelos literatos e artistas

sobre os sentidos do vazio e a busca incessante e nunca completa dos

preenchimentos.

Concluo, portanto este trabalho, considerando o que mantenho

satisfatoriamente preenchido e também em aberto, imersa nos sentidos dos

vazios que relativamente são preenchidos, na continuidade dos

aprofundamentos teóricos e práticos em relação ao enfoque psicanalítico

clinico. No momento o mergulho tem como foco a compreensão das

concepções de André Green, com retornos constantes às conceituais de Freud

e com apoio das supervisões que pretendo avançar e principalmente atenta à

escuta e processos transferências dos analisandos.

Mantenho nos meu trabalho o tom da Arte e do poético, concluindo, portanto

sobre esta dialética entre o preenchido e o vazio que nos mobiliza a novas

buscas que requer um movimento criativo, Drumond de Andrade expressa com

sua talentosa qualidade poética este movimento do preenchimento nunca

acabado:

“O problema não é inventar. É ser inventada hora após hora e nunca ficar

pronta a nossa edição convincente” (Drumond de Andrade).

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