CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO§ão_Isabel... · Você é uma pessoa muito especial...
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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA
Isabel Cristina das Chagas Oliveira
Educação profissional: formação para o trabalho ou qualificação para o emprego? Reflexões a partir da Pedagogia Crítica e da
Educação Sociocomunitária
Americana
2016
Isabel Cristina das Chagas Oliveira
Educação profissional: formação para o trabalho ou qualificação
para o emprego? Reflexões a partir da Pedagogia Crítica e da
Educação Sociocomunitária
Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação à comissão julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Maria Luísa Amorim Costa Bissoto.
Americana
2016
Oliveira, Isabel Cristina das Chagas.
O47i Educação profissional: formação para o trabalho ou qualificação para o emprego? Reflexões a partir da Pedagogia Crítica e da Educação Sociocomunitária/ Isabel Cristina das Chagas Oliveira. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2016.
244f.
Dissertação (Metrado em Educação). UNISAL – SP.
Orientadora: Maria Luisa Amorim Costa Bissoto.
Inclui Bibliografia.
1. Educação sociocomunitária. 2. Pedagogia crítica. 3. Autonomia. 4. Educação Profissional. 5. Trabalho 6. Emprego 7. Formação de Professores I. Título. II Autor
CDD 370.115
ISABEL CRISTINA DAS CHAGAS OLIVEIRA
“EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: formação para o trabalho ou qualificação para o emprego? Reflexões a partir da Pedagogia Crítica e da Educação Sociocomunitária”.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação – área de concentração: Educação Sociocomunitária. Linha de pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitária: linguagem, intersubjetividade e práxis. Orientadora: Profa. Dra. Maria Luisa Amorim Costa Bissoto
Dissertação defendida e aprovada em 12 de dezembro de 2016, pela comissão julgadora: __________________________________________ Profa. Dra. Maria Luisa Amorim Costa Bissoto – Orientadora Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL
__________________________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos Miranda – Membro Interno Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL __________________________________________ Prof. Dr. Adelino Francisco de Oliveira – Membro Externo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP
AGRADECIMENTOS
Me disseram que ao escrever os agradecimentos sentiria algo incrível, e é
verdade. Nesse momento, sinto uma mistura de euforia, saudosismo, de paz e
acima de tudo de gratidão.
Em primeiro lugar agradeço a Deus que me acompanhou até aqui me dando
fé e perseverança. Ele colocou em meu caminho pessoas que se tornaram
exemplos de vida e de profissionalismo durante toda essa caminhada.
Ao meu esposo Júnio, que viveu e sentiu comigo todos os momentos e
sensações de angústias, de alegrias, de inseguranças e de superação. Só tenho a
agradecer por sua compreensão e apoio pelos inúmeros fins de semana dedicados
exclusivamente a essa pesquisa dos quais esteve sempre do meu lado me ajudando
a buscar forças e a acreditar em mim mesma. Você é metade de mim, minha
conquista é sua conquista!
Aos meus familiares que me apoiaram e também se solidarizaram comigo nos
momentos mais difíceis e também compreenderam minhas ausências durante todo o
período dedicado ao mestrado.
Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, do
Campus pesquisado, em especial à direção geral que não só autorizou a realização
da pesquisa como também apoiou em tudo que precisei; aos professores
participantes da pesquisa que, além de cederem parte do seu tempo para
participarem da pesquisa, trouxeram contribuições que foram muito além das minhas
expectativas iniciais para a dissertação, da qual considero que são coautores na
terceira parte. E as minhas colegas e amigas do Sociopedagógico que durante todo
meu período dedicado ao mestrado compreenderam meu cansaço e me deram
incentivos nos momentos de maior dificuldade.
Agradeço a cada um dos meus colegas do mestrado que dividiram comigo
experiências únicas durante as aulas, os congressos, os seminários, almoços... Em
especial ao Wellington Aires que compartilhou comigo sua generosidade e
conhecimento durante as tarefas nas disciplinas e nas apresentações em
congressos e seminários, você me inspirou a ser uma pessoa melhor.
Aos professores participantes da banca que aceitaram prontamente o convite
para participarem e que além de avaliar contribuíram para a melhoria da dissertação.
À minha orientadora Malu, pessoa eu comecei a admirar desde a primeira
aula. Muito obrigada por ver em mim um potencial que eu desconhecia, por me fazer
conhecer e viver, verdadeiramente, o mundo acadêmico! Obrigada por fazer cada
aula ser inesquecível! Repito sempre para os meus colegas que existe uma Isabel
antes da Malu e uma Isabel depois da Malu. Você, com certeza, faz a diferença na
vida de todos que passam por você. Você é uma pessoa muito especial que tem um
lugar só seu no meu coração.
Saibam que vocês só reforçaram o meu entendimento de que estamos aqui
para servir e sermos servidos, que não se faz nada sozinho e que todos são, direta
ou indiretamente, responsáveis uns pelos outros.
RESUMO
O objetivo central dessa pesquisa é investigar os contornos epistemológicos da
educação profissional, nos cursos técnicos integrados ao ensino médio,
discutindo sua natureza de formação para o trabalho ou de qualificação para o
emprego. Partimos do princípio de que a educação profissional deve contribuir
com a formação para o trabalho, de maneira que leve o educando a se
desenvolver como cidadão crítico e consciente do mundo em que vive, agindo
como sujeito capaz de transformar sua realidade, de forma autônoma. A
metodologia é a de investigação qualitativa, na modalidade pesquisa-ação, e a
coleta de dados se deu mediante a análise documental e encontros de grupo
focal, no ambiente escolar, com professores que atuam na Educação Profissional
Técnica de Nível Médio nos cursos Integrados de um Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia, sobre questões que envolvem esta modalidade
de educação. A primeira parte do trabalho trata do levantamento conceitual em
relação à educação profissional e os pressupostos da pedagogia crítica. Em
seguida, traça-se um panorama do histórico da Educação Profissional no Brasil,
para tentar compreender a que se deve a forma como essa é atualmente
concebida, em especial quanto às tensões entre a formação para o trabalho e/ou
a preparação para o emprego. Na segunda parte discorremos sobre a formação
de professores no Brasil, destacando a problemática que isso vem representando
na Educação Profissional, analisamos a legislação sobre a Educação Profissional
no Brasil, e, no esteio dessa a criação dos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, os princípios que justificaram sua fundação, o perfil
esperado para a ação docente, para a formação do alunado e para a ação com/na
sociedade. E, ao final, levantamos uma reflexão sobre o perfil do professor para
atuar na Educação Profissional, que, em nosso entender, deve pautar-se na
pedagogia crítica e nos princípios de uma educação sociocomunitária. Na terceira
e última parte tratamos dos procedimentos da pesquisa propriamente dita, do
percurso metodológico, e da coleta e análise dos dados. A pesquisa colaborou
para a discussão da educação profissional recolocando alguma de suas tensões,
apresentando contribuições da pedagogia crítica e da educação sociocomunitária.
Como resultado, identificamos, com base na análise dos documentos e nas falas
dos participantes que a instituição investigada tem como objetivo proporcionar aos
alunos uma formação integral/ holística, portanto, voltada mais para o trabalho do
que para o emprego.
Palavras-chave: Educação Profissional. Pedagogia Crítica. Trabalho e Emprego.
Formação de Professores. Educação Sociocomunitária. Autonomia.
ABSTRACT
This research aims to investigate the epistemological milestones of professional
education, specifically in the technical courses integrated to high school, discussing
its characteristic of work formation or job qualification. This work has as one of its
principle the idea that professional education must contribute to work formation,
helping students to develop as critical citizens aware of the world where they live in,
acting as subjects able to transform their reality autonomously. Methodology
framework followed the path of qualitative action research and data collection
happened through document analysis and focus group meetings. Those took place in
the school with teachers who work with high school professional education in the
Federal Institutes of Education, Science and Technology, and covered issues related
to this specific kind of teaching. The first part of this work is a conceptual discussion
about professional education and the principles of critical pedagogy. Next, it is made
a historical panorama of professional education in Brazil in an attempt to
comprehend the roots of its current understanding, specially the tensions between
work formation and / or job qualification. The second part addresses teacher
formation in Brazil, highlighting its implications to professional education. Brazilian
legislation related to professional education is analyzed, specially the one which
creates the Federal Institutes of Education, Science and Technology, focusing on the
expected teaching profile, students formation and action within society. A discussion
about the teaching profile for professional education is also made, considering the
principles of critical pedagogy and socio-community education. The third part brings
the methodological procedures of the research, including data collection and
analysis. The research collaborated to the discussion of professional education,
replacing some of its tensions, presenting contributions of critical pedagogy and
socio-communitarian education. As a result, we identify, based on the analysis of the
documents and the participants' speeches, that the research institution aims to
provide the students with a holistic / holistic education, therefore, geared more
towards work than employment.
Keywords: Professional Education. Critical Pedagogy. Work and Job. Teacher’s
Formation. Socio-community Education. Autonomy.
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: Expansão dos Institutos Federais ..........................................................49
Quadro 02. Mudanças nos sistemas produtivo........................................................115
Quadro 03. Mudanças nos sistemas de trabalho....................................................116
Quadro 04. Mudanças nos sistemas organizacionais e de gestão.........................116
Quadro 05. Mudanças nos sistemas educacionais e na formação profissional......117
Quadro 06. Caracterização dos sujeitos..................................................................135
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01. Evolução do número de ingressantes, matriculados concluídos e
evadidos em cursos ofertados pela Rede Federal de 2009 a
2013...........................................79
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Eixos Estruturantes da Formação do Professor da Educação Profissional.
..................................................................................................................................156
Figura 2- As cinco competências para o professor da educação profissional.........157
Figura 3- Interrelação das cinco competências para a formação do professor da
educação profissional...............................................................................................158
Figura 4- Formação inicial e formação continuada .................................................160
LISTA DE ABREVIATURAS
CBO- Classificação Brasileira de Ocupações
CEB- Câmara de Educação Básica
CEFAM- Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
CEFET- Centro Federal de Educação Tecnológica
CEJUVENTE- Comissão Especial de Políticas Públicas de Juventude
CNE- Catálogo Nacional de Cursos
CEPAL- Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CNE- Conselho Nacional de Educação
CONIF- Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Profissional
CNJ- Conselho Nacional da Juventude
EPTNI- Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado
ETECs- Escolas Técnicas do Estado de São Paulo
FATECs- Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo
FNDE- Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
GF- Grupo focal
IF- Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOA- Lei Orçamentária Anual
MEC- Ministério da Educação
MP- Medida Provisória
MTE- Ministério do Trabalho e Emprego
PDI- Plano de Desenvolvimento Institucional
PEC- Proposta de Emenda Constituciona
PLANFOR- Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
PPC- Projeto Pedagógico do Curso
PPI- Projeto Pedagógico Institucional
PPP- Projeto Político Pedagógico
PRE- Pró- Reitoria de Ensino
PROEJA- Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
PROEP- Programa de Expansão da Educação Profissional
PROJOVEM- Programa Nacional de Inclusão de Jovens
PRONATEC- Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
SENAI- Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAC- Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAT- Serviço Nacional de Aprendizagem em Transportes
SENAR- Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SETEC- Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
SPPE- Secretaria de Políticas Públicas e Emprego
UNESCO- Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 21
PARTE I. A educação/qualificação para o trabalho/emprego: (in) definições ................. 29
1.1. Trabalho e emprego: algumas definições ..................................................................... 40
1.2. Histórico da educação profissional no Brasil................................................................... 53
1.2.1. Algumas críticas ao decreto 5154/04 ............................................................................... 60
1.2.2. Planfor ..................................................................................................................................... 62
1.3. As políticas públicas para a educação profissional da juventude ............................ 65
1.3.1. Políticas públicas para a juventude: o que se entende por juventude? ............... 67
1.4. Principais instituições de educação profissional no Brasil na atualidade .............. 76
1.4.1. Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia ........................................... 77
1.4.2. Das possibilidades para uma educação profissional que seja emancipadora .... 83
PARTE II. A formação docente e as especificidades necessárias para atuar na
educação profissional técnica de nível médio ......................................................................... 91
2.1. Aspectos históricos da formação de professores no Brasil ........................................ 93
2.2. Legislação que trata da formação docente para atuar na educação profissional 101
2.3. Das diretrizes que orientam a educação profissional técnica integrada ao ensino
médio ................................................................................................................................................. 108
2.4. Entendendo a “nova” proposta de professores para atuar na educação
profissional ...................................................................................................................................... 112
PARTE III. Desenvolvimento da pesquisa ............................................................................... 123
3.1. Percurso metodológico ....................................................................................................... 123
3.1.1. Análise dos documentos que orientam os cursos técnicos integrados ao ensino
médio ................................................................................................................................................. 127
3.1.2. Organização e desenvolvimento do grupo focal ........................................................ 132
3.1.2.1. Da contextualização dos sujeitos ................................................................................ 134
3.1.2.2. Dos encontros dos grupos focais ............................................................................... 137
3.1.2.3. Da análise dos encontros do grupo focal ................................................................. 140
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 171
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 175
APÊNDICE 1- Termo de consentimento livre e esclarecido para autorização da
pesquisa na instituição ................................................................................................................. 189
APÊNDICE 2- Formulário de consentimento livre e esclarecido para participação dos
professores no grupo focal ......................................................................................................... 191
APÊNDICE 3- Transcrição dos encontros ............................................................................... 193
MEMORIAL
Minha história com a educação, de uma forma geral, foi marcada inicialmente
pelo meu ingresso no curso de Pedagogia no ano de 2005, em uma cidade
localizada no estado de Minas Gerais, no qual pude ter um olhar diferente para as
questões envolvidas nos processos de ensino e aprendizagem. Até então, enquanto
aluna, questionava muito sobre a forma como aconteciam as aulas, e com o
processo de educação, que havia recebido até então, com pouca significação dos
conhecimentos trabalhados para a minha vida pessoal, ou para perspectivas de vida
profissional, ou, ainda, para uma compreensão mais crítica da sociedade.
No último ano da faculdade, ao fazer um dos estágios obrigatórios, recebi a
proposta de trabalhar em uma escola particular que oferecia desde a educação
infantil até o ensino médio. Onde acabei trabalhando por cinco anos como
professora da educação infantil. Embora considerasse à época uma experiência
fantástica atuar na educação infantil, por ter a oportunidade de colocar em prática o
que estava aprendendo e perceber o quanto a aprendizagem pode ser prazerosa
para os alunos e para o professor, ainda não me sentia como agente de mudança,
pois eu era considerada pelos colegas professores do ensino fundamental e médio,
como “babá de luxo”, o que me causava certa frustração. Embora eu
compreendesse o quanto o trabalho com a educação infantil fosse importante,
percebia que nem os próprios colegas, nem a direção, enxergavam a importância
dessa fase para o desenvolvimento das crianças.
No ano seguinte, em 2009, fui convidada como professora substituta para ser
professora no ensino fundamental I, em uma escola da rede pública, na minha
cidade natal, Bambuí. Nessa oportunidade, por ser professora iniciante, fui
direcionada pela coordenadora pedagógica para a “turma problemática”, pois as
“turmas boas” já tinham sido escolhidas pelas professoras efetivas da escola. Mas
como para mim não havia, como até hoje não há, esse tipo de separação entre
turmas “boas” ou “ruins”, esse foi um desafio ao qual me entreguei de corpo e alma.
Assim que começaram as aulas percebi alunos com pouca autoestima e baixo
autoconceito, pois, afinal de contas, eles sabiam que estavam na “turma
problemática”.
Percebi que poucos tinham apoio, ou mesmo estrutura familiar, para apoiá-
los, além de estarem, praticamente, todos em situação de alta vulnerabilidade
socioeconômica. Eu, com pouca experiência, me envolvi intensamente com aqueles
alunos, busquei diferentes alternativas, ao menos aquelas que estavam ao meu
alcance, para fazer com que o momento em que estivessem na escola fosse
significativo para as suas vidas. E, em pouco tempo, os resultados vieram, pois
vários deles passaram a ser destaques na escola, pelo seu desempenho acadêmico.
Considerei que esse resultado tinha tanto sido pelos investimentos didáticos e
pedagógicos que eu havia feito, como pelo reconhecimento de que precisavam da
confiança e da percepção positiva, por parte do professor.
Essa foi a primeira turma do ensino fundamental com a qual trabalhei, e que
me marcou profundamente, permitindo que eu compreendesse realmente o quanto a
educação pode transformar a vida das pessoas. Essa experiência me ensinou muito
mais do que aquilo que pude aprender nos quatro anos de faculdade. Tive a
oportunidade de fazer com que muito daquilo que me incomodava, enquanto aluna,
pudesse ser diferente para aqueles meus alunos. A partir de então, tenho me
dedicado à área da educação com muito empenho, profissionalismo e respeito ao
educando.
No ano de 2010 fiz uma especialização, também na área de educação, no
campo da Educação Infantil, onde ainda trabalhava que me despertou ainda mais a
vontade de aprofundar-me em outros estudos sobre a educação. O mestrado
passou a ser uma meta, a qual, por motivos pessoais, durante cinco anos teve que
ficar apenas como um sonho hibernado.
Durante quatro anos, entre aqueles de 2009 e 2012, minha rotina foi essa,
trabalhar no período da manhã com os alunos do ensino fundamental e no período
da tarde com turmas de educação infantil, da rede privada, na cidade de Bambuí.
Até que prestei um concurso em 2012, para ocupar o cargo de Pedagoga, no
Instituto Federal de São Paulo e fui aprovada.
No ano de 2013, fui nomeada e me mudei de Bambuí-MG, para o estado de
São Paulo. Ingressei como pedagoga no Instituto Federal de São Paulo, Campus
aqui pesquisado, onde tive a oportunidade de construir novos conhecimentos sobre
a educação, percebendo outras perspectivas que a educação poderia trazer, dessa
vez no campo da educação profissional. Com esse contato direto com a educação
profissional percebi o quanto ela é carregada de incertezas, tensões e indefinições.
O que me motivou a dedicar minha dissertação a essa modalidade de educação.
Passei a trabalhar com muitos profissionais que buscam, dentro das suas
condições, desempenhar um bom trabalho, com intuito de proporcionar uma
educação transformadora na vida dos alunos, no sentido de acompanhá-los tanto na
formação técnica como na sua emancipação cidadã. Em vários momentos do
cotidiano profissional surgiam discussões a respeito de qual é a proposta de
educação dos Institutos Federais, como tratar da educação profissional, e outras.
Dos ricos diálogos e discussões, inteirando-me das divergências sobre os possíveis
entendimentos em relação a questões fundamentais para a educação brasileira,
minha vontade de realizar o sonho do mestrado, que estava adormecida, veio à
tona.
No início de 2015 foi criado no campus pesquisado um grupo de estudos
sobre tópicos educacionais diversos, em que era livre a participação. Como
participante, pude perceber que havia, por parte dos professores e da
Coordenadoria Sociopedagógica (apoio discente e docente), muitas discussões
sobre qual a educação que se pretendia nos cursos profissionais integrados ao
ensino médio. Tornou-se patente que o que eu percebia como angústias
profissionais, no que se refere à identidade desses cursos, também angustiava a
maioria dos meus colegas. Com a entrada no mestrado, então, no ano de 2015,
após passar pelo processo seletivo, comecei a cursar as disciplinas do mestrado, e
outras concepções e construções teóricas foram emergindo. E com base nessas, e
com o apoio da minha orientadora, chegamos a esse trabalho, que, acredito,
contribuirá para nossa práxis educativa, no Instituto Federal em que atuo. Considero
também que debater, e abrir o diálogo sobre a educação profissional brasileira é
uma ação necessária, dada as fragilidades, mas, também, às potencialidades que
marcam essa modalidade de ensino.
Trouxe neste memorial apenas um pouco da minha história direta com a
educação. Porém, acredito que essa história se constrói desde o momento que
nascemos até aquele em que morremos. Tentei ser breve, não querendo aqui
desmerecer todos os outros fatos que me fizerem ser quem eu sou e que ainda
estão por vir, e me reinventar.
21
INTRODUÇÃO
A educação profissional, entendida como uma modalidade de educação pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB de 1996 possui características
próprias, e tem passado por modificações constantes, ao menos desde meados do
século XX, e que ainda atualmente não está identitariamente definida, em sua
complexidade. Mostra-se alvo frequente de mudanças nas políticas públicas, que lhe
atribuem, muitas vezes, o papel de interferir nas taxas do desemprego; ou pela
própria volatilidade do trabalho e do emprego na contemporaneidade, com profissões
surgindo e desaparecendo velozmente; com novas formas de gestão do tempo
dedicado ao trabalho, pelo uso das tecnologias; ou pelo próprio movimento de
adaptação/renovação do capital, dentre outras. Consideramos que não há ainda,
portanto, uma clareza epistemológica e no cotidiano da prática dos profissionais que
trabalham nessa modalidade de educação, se a educação profissional pode ser
considerada uma qualificação para o emprego ou uma formação para o trabalho.
Diferenciação importante para se pensar sobre o modo como a prática pedagógica se
dará, para questionar a formação dos sujeitos, o ideal de ser humano socialmente
esperado, e as perspectivas de alienação ou de emancipação1 do estudante.
Debruçar-se sobre essa diferenciação é o que se propõe a realização dessa
pesquisa. Afinal de contas, se a educação profissional deve “preparar um bom
profissional”, o que se entende por isso? O que significa preparar um “bom
profissional” na contemporaneidade? Como as instituições de educação profissional,
em especial os Institutos Federais, e, sobretudo, o campus onde foi realizada a
pesquisa, respondem a isso? Essas são as questões que caracterizam o problema
dessa investigação.
Partimos do princípio de que a educação profissional deve contribuir com a
formação para o trabalho, de maneira que leve o educando a se desenvolver como
cidadão crítico e consciente do mundo em que vive, agindo como sujeito capaz de
1 Por emancipação entenderemos, acompanhando Martins (1993), a ampliação das possibilidades de
pré-disposições objetivas, das capacidades subjetivas orientadas à satisfação ou êxito das próprias necessidades, enfim, à capacidade de “disposição humana de “guiar” a sua vida pela razão, apoiado pelos juízos críticos de responsabilidade de decisões (= imperativos morais de comportamento) e atitudes, ao longo desse processo emancipador” (MARTINS, 1993, p. 54).
22
transformar sua realidade, de forma autônoma. E não para a qualificação para o
emprego, ao menos quando isso for considerado como alienação, ou quando se
transformam os sujeitos em “ferramentas” para a execução de determinadas tarefas,
reduzindo-se às capacidades humanas a uma instrumentalidade vazia (MERÇON,
2012).
Trata-se de conceitos distintos, aqueles de trabalho e de emprego, em que se
entende o trabalho como algo inerente à vida humana, pelo qual o ser humano se
realiza, para transformar seu contexto de vida e criar as condições para a sua
sobrevivência. Assim entendido, o trabalho pode ser concebido como princípio
educativo, inclusive pelas instituições de educação profissional. Já o conceito de
emprego, criado para atender às demandas do mundo capitalista, exige controle do
comportamento, subordinação pautada em uma relação de dependência econômica,
e, muitas vezes, de instrumentalização do ser.
Dentro do exposto, o objetivo dessa pesquisa é investigar os contornos
epistemológicos da educação profissional, nos cursos técnicos integrados ao ensino
médio, do Instituto Federal de São Paulo no Campus pesquisado, localizado no
interior do estado, na mesorregião de Piracicaba, discutindo sua natureza de
formação para o trabalho ou de qualificação para o emprego. Diferenciação, em
nosso entender, fundamental para que a educação, nessa modalidade de ensino, se
configure, de fato, como uma educação emancipatória. Como resultados esperados,
acreditamos que conhecendo e discutindo as concepções dos docentes a esse
respeito seja possível aprimorar as práticas educacionais, o currículo, a formação
continuada do docente e a produção do conhecimento na área.
Partimos do princípio de que a educação profissional deve oferecer uma
educação que contribua para a formação integral dos seus alunos, não se limitando
apenas ao preparo para exercer uma determinada profissão. Assim, preparando seus
alunos com uma formação para o trabalho, não para o emprego.
Uma proposta de educação integral dentro da formação humanista pode ser
compreendida como uma “pedagogia rizomática” “(...) na qual uma multiplicidade de
fatores e processos é colocada a disposição do estudante, de modo a que ele
aprenda a fazer suas escolhas, produzir suas conexões, construir seu processo de
aprendizagem em meio ao múltiplo e ao diverso” (GALLO, 2011, p 02).
23
Considerando ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, por educação integral
entendemos aquela que se baseia na proposta humanista de trabalhar o
desenvolvimento conjunto em termos dos seus aspectos físicos, moral, intelectual e
social em condições de liberdade e dignidade.
Para Gadotti (2009, p. 37) “Todas as escolas precisam ser de educação
integral, mesmo que não sejam de tempo integral. Trata-se de oferecer mais
oportunidades de aprendizagem para todos os alunos”. O autor compreende que a
educação integral é a integralidade, isto é, “um princípio pedagógico onde o ensino
da língua portuguesa e da matemática não está separado da educação emocional e
da formação para a cidadania. Na educação integral, a aprendizagem é vista sob
uma perspectiva holística”.
Compreendendo o histórico da educação profissional, que desde sua
existência veio para atender às necessidades de mão de obra, vinculadas às
características dos modos de produção de cada época, entende-se mais a ausência
de identidade que ainda existe em relação a essa modalidade de educação. Em
1909, foi criada a Escola de Aprendizes Artífices, primeiro nome dado ao Instituto
Federal, para “dar uma oportunidade” para os filhos dos trabalhadores, ou jovens,
que “desvalidos” da sorte de terem apoio financeiro e/ou familiar para continuarem os
estudos, encontrariam no ensino profissional uma forma de sustento. Essa
concepção “assistencialista” – que também pode ser entendida por um viés
disciplinador e controlador da juventude pobre, concebida historicamente como
potencial fonte de problemas sociais - ficou incorporada a essa modalidade de
ensino, que carrega até atualmente essas concepções de “favor”, “oportunidade” ou
“controle”, para atender aos social e economicamente marginalizados.
Os documentos que direcionam os cursos técnicos integrados ao ensino médio
como, será visto adiante, propõem uma educação diferente daquela tecnicista,
pregada há décadas atrás, e contemporaneamente criticada. Mas, na prática do
cotidiano escolar, o que se modificou? Quais os espaços e perspectivas de se
construir uma educação profissional que leve à autonomia e emancipação daqueles
que procuram a educação profissional? Em especial, os jovens, faixa etária tratada
nessa investigação. Os professores possuem uma formação que os preparem para
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atender a essas especificidades? Ou reproduzem os modelos tecnicistas, mais clara
ou mais veladamente? Como eles se veem nesse processo?
Por educação tecnicista, Saviani (1999), entende o parcelamento do trabalho
pedagógico com a especialização de funções, trabalhando com um ser, embora
completo, de forma fragmentada. Para ele, o elemento principal da educação
tecnicista é a organização racional dos meios, em que professores e alunos
assumem uma posição secundária, de serem apenas executores de um processo
cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de
especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. Portanto, cabe
à educação tecnicista “(...) proporcionar um eficiente treinamento para a execução
das múltiplas tarefas demandadas continuamente pelo sistema social. A educação
será concebida, pois, como um subsistema, cujo funcionamento eficiente é essencial
ao equilíbrio do sistema social de que faz parte” (SAVIANI, 1999, p 25). Essa
proposta de educação tecnicista é oposta a concepção de educação que propomos
na pesquisa, pois trazemos como pressupostos para a educação profissional uma
educação emancipadora, transformadora, que segue os princípios da pedagogia
crítica e da educação sociocomunitária.
Metodologicamente, esta pesquisa é uma investigação qualitativa, na
modalidade de pesquisa-ação. Os sujeitos da pesquisa são professores, que atuam
nos cursos técnicos integrados ao ensino médio, de um campus do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, com formações e experiências
diversas, uma vez que o critério para se trabalhar nos Institutos Federais é possuir
curso superior na área pretendida. O Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de São Paulo existe desde 2008, e o Campus onde foi realizada a
pesquisa iniciou suas atividades em 26 de julho do ano de 2010, sendo que os cursos
aos quais dedicamos nossa pesquisa, Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio,
tiveram início em sua oferta totalmente no campus no início de 2015. Ou seja, há a
participação desde o início dos cursos desses professores, sujeitos da pesquisa. E,
em assim sendo, essa investigação se torna, portanto, motivo de reflexões,
investigações, incertezas, e de angústias, presentes em suas práticas. Essa
característica de disparar a reflexão sobre a prática, visando a uma qualificação
dessa, é que faz com que essa pesquisa tenha sido planejada como pesquisa-ação.
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A construção dos instrumentos para a coleta dos dados fez uso da análise
documental, tanto da legislação federal quanto dos documentos institucionais, que
normatizam as diretrizes para os cursos Técnicos de Nível Médio, e do grupo focal,
com professores do campus em foco. Os encontros do grupo focal foram
incorporados às discussões de temas tidos como relevantes pelos professores
participantes, estando esses conscientes de que os dados levantados estariam sendo
direcionados para a pesquisa. O grupo focal foi percebido por eles como um
elemento para discutir a prática.
A escolha em se trabalhar com o grupo focal se deu por acreditar que essa é
uma forma democrática de expressão, com a garantia de que toda e qualquer opinião
seria respeitada. O grupo focal tem por característica constituir-se numa discussão
em grupo, deixando os participantes à vontade para expressarem suas opiniões, sem
a preocupação com respostas prontas, ou corretas, uma vez que se gera um debate.
Para as pesquisadoras abaixo:
O GF é um método de investigação particularmente poderoso, uma vez que se assenta na dinâmica criada pelas interações entre os membros participantes. Encorajando o pensamento entre os membros do grupo e promovendo a reflexão em torno das contribuições verbais dos outros participantes. As discussões emergidas no seio destes pequenos grupos permitem ao investigador aceder quer às respostas cognitivas, quer as respostas emocionais dos participantes [...] (CAIRES; FERNÁNDEZ JANSSEN, 2016, p. 196).
A primeira parte do trabalho trata do levantamento de teorias, no campo da
educação e da sociologia, sobre a definição de alguns conceitos fundamentais para o
desenvolvimento da pesquisa, tais como educação e qualificação, trabalho e
emprego, o que se entende por juventude. Com base nos pressupostos da pedagogia
crítica traz um panorama de como a concepção que temos sobre educação
profissional se relaciona com esta pedagogia. Em seguida, traça-se um panorama do
histórico da Educação Profissional no Brasil, para tentar compreender a que se deve
a forma como é concebida hoje, em especial as tensões entre a formação para o
trabalho e/ou a preparação para o emprego.
Na segunda parte é feito, inicialmente, um resgate histórico sobre a formação
de professores no Brasil, mostrando que não há historicamente o cuidado com a
formação de professores para trabalharem na Educação Profissional. Em seguida,
26
analisamos a legislação sobre a Educação Profissional no Brasil, e, no esteio dessa a
criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, os princípios que
justificaram sua fundação, o perfil esperado para a ação docente, para a formação do
alunado e para a ação com/na sociedade. Destacamos as Diretrizes para a Educação
Profissional dos Cursos Técnicos de Nível Médio. E, ao final, levantamos uma
reflexão sobre o perfil do professor para atuar na Educação Profissional, de natureza
emancipatória.
Na terceira e última parte trataremos dos procedimentos da pesquisa
propriamente dita. Como resultados que podem ser apontados, consideramos que
os professores que participaram da pesquisa não tiveram uma formação para
trabalhar com a Educação Profissional técnica de Nível Médio. Essa falta de
preparação durante a formação docente fez com que eles aprendessem, na prática,
tentativa e no erro, na busca constante por aperfeiçoamento, como trabalhar com
esta modalidade de educação. Os professores da instituição pesquisada se colocam
na condição de aprendentes e afirmam que ainda estão se adaptando a todas as
necessidades que esta modalidade de educação exige. Acreditam que estejam
trabalhando para proporcionar aos alunos uma formação integral, prioritariamente
humanista, e por isso voltada mais para o trabalho do que para o emprego, mas
nem sempre suas ações estão alinhadas a essa proposta, pois esbarram em
problemas que limitam suas ações. Os professores reconhecem que as condições
de trabalho no Instituto Federal propiciam que o trabalho seja mais integrado, que
haja momentos para discussões e reflexões sobre a educação, o que tem sido
importante para o aprimoramento sobre a prática docente. É interessante notar que
a partir do terceiro encontro, que aconteceu no dia 16 de agosto, ficou evidente a
preocupação desses professores sobre a atual situação política e econômica vivida
pelo país, predominantemente de incerteza, e de que forma as decisões que serão
tomadas impactarão a continuidade dos trabalhos nos Institutos Federais (IF’s). A
todo o momento, os professores falavam sobre o medo de que se percam as
características, que próprias do IF, favorecem as condições para uma educação
diferenciada.
A pesquisa realizada teve impactos significativos na perspectiva profissional
docente da pesquisadora, que pode compreender melhor o porquê de tantas
27
indefinições sobre esta modalidade de educação, que parece, tantas vezes, estar à
deriva em meio a um sistema educacional já fragilizado. Foi possível também fazer
uma escuta mais reflexiva sobre a prática docente, o que pensam, o que sentem,
quais as perspectivas desses professores. Para a instituição e para os professores
que dela participaram foi uma oportunidade de poder discutir e refletir sobre a sua
ação docente, sobre a educação profissional e sobre a qualidade e as tensões, que
caracterizam a educação profissional, em especial na instituição-alvo dessa
investigação.
29
PARTE I. A educação/qualificação para o trabalho/emprego: (in) definições
Não se pode falar em educação/qualificação para o trabalho/emprego no
Brasil sem se referir à educação profissional. Na educação profissional de formação
técnica, como é o caso do curso aqui pesquisado, o tema trabalho é um dos
principais assuntos entre os jovens e os docentes. Contudo, percebemos que no
cotidiano escolar esse termo, trabalho, é usado como sinônimo de emprego, o que
consideramos se deva pela própria fragmentação do conceito de trabalho.
Banalizado como emprego, as tensões que seriam possíveis de serem levantadas,
ao se refletir sobre o significado do trabalho para os seres humanos e suas
sociedades, raramente o são. Reafirma-se, assim, a necessidade de separar esses
termos, o que será feito no decorrer desse trabalho.
Apple (2006, apud McCarthy 2011, p. 55) fala que o esforço neoliberal na
educação visa uma escolarização em que as necessidades das economias sejam
atendidas pela produção de capital humano que seja capacitado, adaptável e
flexível. E além de conceber as escolas como produtoras de “capital humano”, “(...) o
neoliberalismo possui uma agenda cultural igualmente preocupante: ela implica
mudar radicalmente o modo como pensamos nós mesmos e quais deveriam ser as
metas do ensino”. Assim, o neoliberalismo tem conferido às instituições de educação
a transformação da educação em mercadoria.
Esta modalidade de educação/qualificação tem como uma de suas propostas
a inserção do egresso no “mundo do trabalho”. No texto em tela, educação/formação
profissional está relacionada ao trabalho e qualificação profissional está relacionada
à preparação para o emprego. Pois, embora os documentos que orientam a
educação profissional, que serão discutidos na segunda e terceira parte, afirmem a
necessidade de uma formação integral, voltada para o desenvolvimento holístico dos
alunos, a preocupação das escolas muitas vezes está em qualificar o aluno para
atender às demandas do mercado, o que é entendido então como preparação para o
emprego, e que será discutido adiante. Utilizaremos o termo formação profissional
no decorrer do texto, por ser o termo utilizado nos documentos oficiais atuais, mas
discutiremos continuamente porque este não é o termo mais correto para a
abordagem de preparação para o emprego. Conforme entendemos, muitas vezes, o
que se pratica no cotidiano escolar da educação profissional, é a qualificação para o
30
emprego. Pretende-se, então, em conformidade com os objetivos dessa pesquisa,
analisar criticamente se a educação que se pratica no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo, no campus investigado, está voltada
prioritariamente para formação para o trabalho ou para a qualificação para o
emprego.
Mas qual seria a diferença entre educação e qualificação? Ao final, parecem
ser a mesma coisa, e muitas vezes, no cotidiano escolar, são utilizadas como
sinônimos. Pretende-se, inicialmente, apresentar tais conceitos, que trazem a
compreensão das diferentes concepções que se têm dessas, segundo alguns
autores.
A educação é compreendida, de acordo com Gadotti (2005), como um
requisito fundamental para o acesso ao conjunto de bens e serviços disponíveis na
sociedade. Como direito, ela é condição necessária para o indivíduo usufruir de
outros direitos constituídos em uma sociedade democrática. Para ele, a educação
se funda na apropriação do conhecimento, e este não está restrito à escola, pois
pode acontecer a todo o momento e em qualquer lugar. O autor compreende
também que a educação é um fenômeno social, e, portanto, produto e produtora de
múltiplas determinações sociais.
Rodrigues (2011) explica que na sociologia a educação é compreendida como
um componente da vida social responsável pela organização das experiências
diárias individuais e coletivas da humanidade, responsável pelo desenvolvimento da
personalidade e garantia da sobrevivência humana. Para ele, o ato de educar está
relacionado a três recursos da vida social, que estão interligados: as técnicas ou
pedagogias embutidas nas práticas educacionais; as normas, que podem ser
estabelecidas através de leis e regulamentos jurídicos, que normatizam os grupos
sociais; e os valores, que são julgados e com os quais se pode concordar ou
discordar, segundo os critérios dos diferentes grupos da sociedade, compartilhados
pelos indivíduos. Por causa desses três elementos, a educação não pode ser
considerada neutra: “Olhar a educação do ponto de vista da sociologia é
compreender que se a pedagogia é o fundamento das práticas educacionais, as
crenças, os valores e as normas sociais são os fundamentos da pedagogia”.
(RODRIGUES, 2011, p. 09).
31
Para definir educação, Durkheim (2014), afirma que é preciso considerar os
sistemas educacionais que já existiram e os que ainda existem para, por meio da
comparação, identificar os pontos em comum, que os perpassam. Após analisar
diferentes culturas, seria possível entender que cada sociedade tem um ideal sobre
a formação do indivíduo, tanto no aspecto moral quanto naqueles intelectual e físico.
E que, portanto, para uma sociedade, a educação seria o modo pelo qual se
preparam as crianças para dar sequência à sua própria existência. E, ainda reforça,
“a educação consiste em uma socialização metódica das novas gerações”
(DURKHEIM, 2014, p. 54). Rodrigues (2011) compreende que para Durkheim a
educação é essencialmente o processo pelo qual o indivíduo aprende a ser membro
da sociedade, e que, portanto, a educação é essencialmente socialização. Por isso,
não existiria uma educação única, já que a educação é considerada socialização, e
sabendo que existem diferentes sociedades, logo existem diferentes formas de
educação, mesmo havendo algumas crenças e valores comuns a todas elas. Desta
forma, a educação permite que a sociedade, que é considerada um processo,
continue viva, por “sermos iguais e diferentes ao mesmo tempo” (RODRIGUES,
2011, p. 29).
Paro (1997b, p. 108 apud Paro 1999, p. 08) entende a educação como
“apropriação do saber historicamente produzido. Disso decorre a centralidade da
educação enquanto condição imprescindível da própria realização histórica do
homem”.
Com base nos apontamentos dos autores anteriores, trazemos como
perspectiva que fundamenta a pedagogia crítica a concepção de educação segundo
Freire. O autor é referência na área da educação no Brasil e no mundo. Ele não
discute o termo educação somente como ação do conhecimento ou uma
metodologia, ele busca trazer para a reflexão dos leitores a ideia de algo que vai
além, como forma de intervenção no mundo e de que podem participar desse
processo todos os envolvidos em qualquer ato da vida cotidiana. Essa educação que
ele propõe é libertadora e requer respeito e valorização por todas as formas de
conhecimento, não somente aquele formal, obtido nos bancos escolares.
Para Freire (1996), a educação é uma forma de intervenção no mundo.
“Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou
32
aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o
seu desmascaramento” (FREIRE, 1996, p 96). No pensamento freiriano a educação
é a possibilidade de superação das relações verticais entre opressores e oprimidos.
Em que, por meio do diálogo e da reflexão crítica da realidade haja possibilidade de
transformação desta. O autor entende a educação como uma “ação especificamente
humana” e concebe que não existe educação neutra. Para ele, a qualidade de ser
política é inerente à sua natureza. “É impossível, na verdade, a neutralidade da
educação (...). A educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele
educador. Ela é política” (FREIRE, 1996, p.107).
Freire (1986) propõe uma educação que seja libertadora, transformadora, e
defende que essa educação seja democrática, desveladora, desafiadora, que leve
ao ato crítico, à leitura da realidade e à compreensão de como funciona a sociedade.
Ele entende que a educação não acontece apenas dentro das escolas, ela acontece
em diversos lugares e cita os movimentos sociais como prática de uma educação
libertadora. O autor afirma que a luta pela transformação/mudança na sociedade não
acontece só dentro da escola, embora esta seja parte da luta pela mudança. “Assim,
em última análise, a educação libertadora deve ser compreendida como um
momento, ou um processo, ou uma prática onde estimulamos as pessoas a se
mobilizar ou a se organizar para adquirir poder” (FREIRE, 1986, p. 47). Ele entende
que a educação não é questão apenas de método, mas de uma relação de mão
dupla de respeito e valorização pelos conhecimentos dos indivíduos, em que quem
ensina aprende e quem aprende também ensina. Essa é uma relação de divisão de
poder, que se alinha a proposta da educação sociocomunitária que propõe
justamente o compartilhamento do poder.
Já a qualificação é entendida por Desaulniers (1997, p. 53), no âmbito dos
países capitalistas, “como um processo que, na maioria das vezes, insere-se num
sistema formal de escolarização, tendo como finalidade preparar os indivíduos para
o trabalho”. Ferretti (2004, p.413) acrescenta que a qualificação é como “um rol de
tarefas e uma lista de atributos pessoais”, o que torna o termo vinculado à
valorização de determinados comportamentos, em detrimento de outros. Tais
comportamentos são aqueles tidos como apropriados para o trabalho, como saber
33
seguir instruções, controlar os impulsos, adequar a forma de pensar à lógica da
produção, etc.
Segundo Teixeira (2010), para Dewey a educação pode ser definida como
“(...) o processo de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual lhe
percebemos mais agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir
o curso de nossas experiências futuras” (DEWEY, 1978 apud TEIXEIRA, 2010, p.
37). Por essa definição, a educação é entendida como uma preparação inseparável
da vida. Teixeira (2010) discute ao trazer esse conceito de Dewey com uma
avaliação de que não há como dissociar a educação da vida, ela acontece em um
processo dinâmico em que enquanto se vive se educa. Segundo o autor:
Enquanto vivo, eu não estou, agora, preparando-me para viver e, daqui a pouco, vivendo. Do mesmo modo, eu não estou em um momento preparando para educar-me e, em outro, obtendo o resultado dessa educação. Eu me educo por intermédio de minhas experiências vividas inteligentemente. Existe, sem dúvida, certo decurso de tempo em cada experiência, mas assim as primeiras fases como as últimas do processo educativo têm todas igual importância e todas colaboram para que eu me instrua e me eduque– instrução e educação que não são os resultados externos da experiência, mas a própria experiência reconstruída e reorganizada mentalmente no curso de sua elaboração (TEIXEIRA, 2010, p. 38).
Segundo o Ferretti (2004), o conceito de qualificação teve início com a
racionalização do gerenciamento dos modos de produção, iniciado com o modelo
taylorista e seguido por aquele taylorista-fordista. Ambos os modelos são
reconhecidos por utilizarem formas racionalizadas de organização da produção
industrial, e revolucionaram a indústria durante o século XX, sendo que ainda hoje
vigoram, especialmente naqueles setores produtivos onde não há grande variação
nos processos produtivos. Esses dois sistemas visavam a maximização da produção
e do lucro por meio da exploração da força de trabalho dos operários, e impactaram,
pela força com que configuraram a organização social, a delimitação dos papeis de
cada indivíduo na sociedade, as relações interpessoais, a hierarquização social
baseada no tipo de cargo/função ocupada, etc.
O taylorismo propôs a ideia da gerência científica do trabalho para melhor
otimizar e garantir a eficiência produtiva, estabelecendo uma série de passos para
tanto: planejamento, treinamento dos profissionais, de acordo com suas aptidões,
34
aprimoradas pelas instruções recebidas; controle das operações executadas na
produção, verificando se estavam sendo corretamente executadas; execução
designada, ou seja, cada qual deve realizar apenas as tarefas que lhe são atribuídas
e a singularização das funções, isso é, as tarefas são subdivididas em partes,
decompostas em suas características essenciais, como movimentos, espaço,
material, etc., e cada funcionário faria apenas uma determinada parte da tarefa total.
Segundo Ribeiro (2015, p. 66) uma das características fundamentais sobre a
gerência científica proposta por Taylor está na separação entre quem pensa e quem
executa: “Está claro, então, na maioria dos casos, que um tipo de homem é
necessário para planejar e outro tipo diferente para executar o trabalho” (TAYLOR,
1987: 35, apud RIBEIRO, 2015, 66). Esta racionalização da atividade produtiva
exige que o trabalhador se mantenha constantemente focado na realização da parte
que lhe cabe na cadeia de produção, para executar a sua função no tempo
determinado, obtendo-se, assim, maior produtividade e de forma “adaptada” às
“qualificações” dos sujeitos. Dessa forma, reduzia a humanidade que havia no
trabalhador fazendo deste apenas um instrumento de execução para atender às
necessidades do capitalismo.
O fordismo, assim como o taylorismo se preocupava com a questão do
controle e da otimização da produção e do lucro. Inovou quando introduziu a esteira
rolante, o que acelerou ainda mais o processo de produção, moldando operários
ainda mais disciplinados e alienados nas suas funções mecânicas e repetitivas. Com
a esteira rolante, o fordismo intensificou, automatizou e mecanizou o controle da
força de trabalho já existente no taylorismo. Com a expressão “homem massa” o
fordismo não queria controlar apenas o processo de trabalho, mas a vida particular
dos operários. Assim, intensificou/ introduziu conceitos que interferiam de tal modo
na vida dos operários que, segundo Ribeiro (2015), mudou o estilo de vida dos
americanos. A autora afirma que o fordismo estabeleceu um padrão de organização
do trabalho de interferência na vida produtiva e pessoal dos operários que se
mantém, em alguns casos, até os dias de hoje. No final dos anos de 1960, por vários
motivos, como pelas manifestações de insatisfação dos estudantes e dos
trabalhadores contra o controle e exploração a que estavam sendo submetidos, a
saturação do mercado, a redução do consumo, dentre outros fatores, houve uma
35
crise no fordismo, levando a uma readequação nos processos produtivos. No
entender de Clarke (1991, p. 120), tal readequação levou a mudanças profundas,
que modelaram produtos, modos de produção, a relação dos trabalhadores com os
modos de produção e de toda a sociedade com o consumo:
A subseqüente crise do fordismo leva à fragmentação econômica, social e política da qual deve surgir um novo regime "pós-fordista". À medida que a produção fordista se aproxima de seus limites, surgem novos métodos de produção. A saturação dos mercados de massa leva a uma crescente diferenciação dos produtos, com uma nova ênfase no estilo e/ou na qualidade. Produtos mais diferenciados exigem turnos de trabalho mais curtos, e, portanto, unidades de produção menores e mais flexíveis. Novas tecnologias fornecem os meios pelos quais se pode realizar vantajosamente esta produção flexível. Entretanto, estas novas formas de produção têm implicações profundas. Uma produção mais flexível requer máquinas mais flexíveis e de finalidades genéricas, e mais operários "polivalentes", altamente qualificados, para operá-las. Uma maior qualificação e flexibilidade exige que os operários tenham um grau mais alto de responsabilidade e autonomia. Uma produção mais flexível também requer formas mais flexíveis de controle de produção, ao passo que relações de produção mais flexíveis requerem o desmantelamento das burocracias corporativas
Além desses dois modos de produção, por volta dos anos de 1950, após sair
de uma guerra, o Japão, incentivado para reerguer sua economia, constrói um novo
modelo de produção chamado de toyotismo. O toyotismo trouxe uma ideia diferente
do taylorismo e do fordismo, com a proposta da acumulação flexível, pela qual a
fabricação e a estocagem dos produtos aconteceriam conforme a demanda do
mercado, pelo sistema chamado just in time. Essa flexibilização também acontecia
na diversificação das atividades desempenhadas pelos operários, que deixaram de
operar apenas uma única máquina para operar cinco: era a ideia de um homem para
cada cinco máquinas. A flexibilização que isso exigia trouxe, fortemente, a
concepção de qualificação dos trabalhadores, do trabalho em equipe, a garantia do
“emprego vitalício”, em que somente nos períodos de maior produção se
subcontrataria, com salários mais baixos outros funcionários, dentre outras
características. O toyotismo espalhou-se não só pelo oriente, mas também pelo
ocidente.
O toyotismo tentou se diferenciar do taylorismo e do fordismo trazendo uma
proposta de fazer o convencimento dos trabalhadores de que era uma forma
produtiva capitalista mais participativa e justa. Mas Kuenzer (1999) crítica essa
36
proposta ao dizer que essa forma de organização flexível do trabalho, na verdade,
esconde, sob a ideia da valorização da “visão e participação” do trabalhador, uma
nova configuração do trabalho, que intensificou o uso da força de trabalho,
explorando-o ainda mais a serviço do capital. Assim como os demais sistemas, tinha
como objetivo o controle e o lucro. Nesse sentido, Gounet (1999, p. 52) traz a
reflexão sobre a exploração nas indústrias automobilísticas, como foi o caso da Ford
e da Toyota, que são modelos de exploração da força de trabalho, que aumenta
ainda mais a desigualdade:
O sistema de acumulação na indústria automobilística aparece com o um fantástico processo de marginalização, de exclusão, de estratificação social. Pode-se falar de dualização, pois não é apenas uma diferenciação entre classes sociais ou uma divisão de condições no interior da classe operária. (...) O sistema de acumulação provoca uma diferenciação social ainda mais pronunciada. E essa tendência à desigualdade é tudo, menos democracia.
Por força de trabalho Marx (1982, p. 187) compreende “(...) o conjunto das
faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e na personalidade viva de um ser
humano, as quais ele põe em ação toda a vez que produz valores de uso de
qualquer espécie”. O autor entende que a força de trabalho é vendida como uma
mercadoria e a maneira de não precisar vender a força de trabalho é se o indivíduo
possuir os meios de produção. Mas ser ou não possuidor dos meios de produção
não é uma questão de escolha.
Para Marx (1982, p, 189) a natureza não produz os possuidores dos meios de
produção e os possuidores apenas das forças de trabalho. Segundo ele, essa
relação não tem sua origem na natureza: “Ela é evidentemente o resultado de um
desenvolvimento histórico anterior, o produto de muitas revoluções econômicas, do
desaparecimento de toda uma série de antigas formações da produção social”.
Para Kuezer:
[...] formas de divisão social e técnica do trabalho e da sociedade a partir do taylorismo/fordismo, tinha por finalidade atender às demandas de educação de trabalhadores e dirigentes, dada uma clara definição de fronteiras entre as ações intelectuais e instrumentais, em decorrência de relações de classe bem demarcadas que determinavam o lugar e as atribuições de cada um (KUENZER, 1999, p. 167).
Ferretti (2004, p. 403) aponta que pelas influências desse período “o olhar
lançado pela área educacional à qualificação profissional foi profundamente
37
marcado pela sua dimensão especificamente técnica”, uma visão em que
predominava a concepção de que a qualificação profissional apenas preparava o
indivíduo para exercer tecnicamente uma determinada função. Nessa perspectiva, o
seguimento da educação profissional recebia, e ainda recebe, fortes influências
desse período, que se dão no âmbito da educação e do trabalho, respondendo aos
interesses da sociedade capitalista.
Com base nessas primeiras reflexões sobre educação e qualificação
podemos entender que a educação pode acontecer em situações e locais diversos.
Ela pode acontecer tanto nas experiências individuais, como na interação social, nas
práticas escolares, ou fora delas. É um processo que busca contribuir para o
desenvolvimento da humanidade dos sujeitos, em suas dimensões social, cultural,
ética, entre outras, ou seja, na integralidade do indivíduo. É concebida como
essencial para o desenvolvimento humano e devendo partir do princípio da liberdade
para que seja transformadora. Pode ser capaz de empoderar os indivíduos para que
sejam agentes de mudança no mundo. Já a qualificação se dá em ambientes
destinados para uma determinada finalidade produtiva, tendo ligada à sua essência
a ideia de aprimoramento de determinadas funções, por meio de instrução
circunscrita para atingir objetivos, específicos para atender a uma determinada
demanda do capital.
Porém, mesmo após esta breve explanação sobre as diferenças entre
educação e qualificação, o que se pode perceber é que nas sociedades industriais
modernas todos os termos estão interligados, de uma maneira ou outra, à questão
do trabalho, o que deve ser considerado, segundo Frigotto (1998, apud OLIVEIRA;
ALMEIDA, 2009, p. 158) como:
Os processos educativos e formativos, que ao mesmo tempo são constituídos e constituintes das relações sociais [...] passam por uma ressignificação no campo das concepções e políticas. Estreita-se ainda mais a compreensão do educativo, do formativo e da qualificação, desvinculando-os da dimensão ontológica do trabalho e da produção, reduzindo-os ao economicismo do emprego [...].
Na concepção de Freire (1987) a educação, em contextos neoliberais, não é
pensada na perspectiva da emancipação, mas na perspectiva de atender ao
imediatismo do mercado, mantendo uma relação de subordinação entre opressores
e oprimidos. Nessa perspectiva de atender apenas às necessidades do mercado, o
38
desenvolvimento humano, necessário para a formação de pessoas autônomas, é
contabilizado simplesmente através de números, que são gerados a partir das forças
produtivas, sem ser considerado o contexto social, cultural, histórico e político de
cada indivíduo, que também compõe essas forças; contexto que faz ou deveria fazer
parte do processo da educação, por meio da qual o desenvolvimento humano
transcorre. Neste aspecto, Rodrigues (2011, p. 31) acrescenta a esta discussão o
questionamento sobre o ato de educar, e questiona se a educação “pode ser algo
mais do que um mecanismo de manutenção da ordem” estabelecendo a separação
entre a classe trabalhadora/ oprimida e a classe dominante/ opressora. Em relação a
isso, Apple assim se posiciona:
A fim de entender a educação e agir sobre ela nas suas complicadas conexões com a sociedade como um todo, devemos nos envolver no processo de reposicionamento, isto é, devemos ver o mundo pelos olhos dos despossuídos e agir contra os processos ideológicos e institucionais que reproduzem condições opressivas (APPLE, 1995, apud APPLE; AU; GANDIN, 2011, p. 14).
Há que se considerar também que a escola não consegue fugir dos
parâmetros ditados pelo sistema capitalista, passando, de forma consciente ou não,
a ser reprodutora de uma ideologia que preza pela manutenção da separação de
classes e que é ditada pelo consumo. Assim, cabe reconhecer que a posição que é
trazida pela pedagogia crítica, como aqui argumentado, pode ser uma forma de luta
e resistência a essa situação:
Apesar de reconocer que la escuela es un instrumento más de trasmisión ideológica a favor del poder, este enfoque sostiene que los sujetos involucrados en el proceso educativo no sólo gozan de la posibilidad de resistir, sino también de intervenir para modificar la realidad social. Con respecto a las relaciones que se establecen en el aula, se considera que el educador tiene corno misión ser un facilitador del diálogo, que el aprendizaje debe darse en un plano horizontal por medio de la interacción comunicativa entre maestro y alumno, y que la escuela no es únicamente una reproductora del orden y cultura dominante, sino que también puede convertirse en un lugar alternativo de creación cultural (BORQUEZ, 2006, p. 104).
A pedagogia crítica, que tem dentre alguns dos seus principais autores Freire,
Giroux e McLaren, é uma proposta de educação que, como aqui afirmado,
colaboraria para transformar a educação profissional atual, trazendo a possibilidade
da formação de indivíduos mais críticos, autônomos e, como consequência, mais
39
emancipados, mudando o status quo. Analisaremos, a seguir, alguns pontos da
pedagogia crítica que, nos parecem estar diretamente ligados à questão da
educação profissional, para refletir e mais bem compreender suas inter-relações.
Como defende Giroux (2013), essa pedagogia não é uma metodologia
didática, que possa ser aplicada independentemente do contexto. Pelo contrário,
representa o resultado de lutas sociais, inspiradas pela educação popular, e outras
perspectivas educacionais assemelhadas, em seus propósitos, tendo como
precursor Paulo Freire e que está relacionada com as especificidades dos contextos
dos sujeitos, ou das comunidades, constituindo-se em um projeto político e moral:
En este contexto, la enseñanza se convierte en sinónimo de un método, técnica o la práctica de un entrenamiento en habilidades artesanales como. Por otra parte, la pedagogía crítica debe ser visto como un proyecto político y moral y no una técnica. La pedagogía es siempre política, ya que está conectado a la adquisición de la agencia. Como proyecto político, la pedagogía crítica ilumina la relación s entre el conocimiento, la autoridad y el poder. Se llama la atención sobre las cuestiones relativas a quien tiene control sobre las condiciones para la producción de conocimientos, valores y habilidades, y se enciende como el conocimiento, las identidades y la autoridad se construyen dentro de conjuntos particulares de relaciones sociales. Asimismo, llama la atención sobre el hecho de que la pedagogía es un intento deliberado por parte de los educadores para influir en cómo y qué conocimientos y subjetividades se producen dentro de conjuntos particulares de relaciones sociales (...) Lo más importante, toma en serio lo que significa entender la relación entre la forma en que aprendemos y cómo actuamos como agentes individuales y sociales, es decir, que se ocupa de enseñar a los alumnos no sólo a pensar, sino a luchar a brazo partido con sentido de responsabilidad individual y social, y lo que significa ser responsable de las acciones propias como parte de un intento más amplio para ser un ciudadano activo que puede ampliar y profundizar las
posibilidades de la vida pública democrática (GIROUX, 2013,s/p).
Segundo Borquez (2006), McLaren(1998) tenta sintetizar as características e
metas mais importantes da pedagogia crítica, quando afirma que a pedagogia crítica
está associada ao símbolo hebreu tikkun, que significa "curar, reparar y transformar
el mundo ... ". E completa, trazendo a perspectiva de McLaren sobre a proposta
libertadora da pedagogia crítica:
[...] la pedagogía crítica proporciona dirección histórica, cultural, política y ética, para los involucrados en la educación que aún se atreven a tener esperanza. Irrevocablemente comprometida con el lado de los oprimidos [...] dado que la historia está fundamentalmente abierta al cambio, la liberación es una meta auténtica y puede alumbrar un mundo por completo diferente [...], los teóricos críticos generalmente analizan a las escuelas en una doble forma: como mecanismos de clasificación en el que grupos seleccionados
40
de estudiantes son favorecidos con base en la raza, la clase y el género, y como agencia para dar poder social e individual (MCLAREN, 1998, p. 196 apud BORQUEZ, 2006, p. 105).
Na perspectiva da pedagogia crítica, acreditamos que a educação profissional
pode ser um espaço de resistência e luta no que se refere à condição de uma
educação transformadora. Que possibilite a todos os envolvidos serem agentes
críticos, reflexivos, e que assumam uma postura ativa para transformar a escola e,
consequentemente, a sociedade contemporânea. Não pretendemos, contudo,
assumir uma postura ingênua, em relação a isso. Sabemos que a pedagogia crítica
tem já uma história de lutas em prol de uma educação emancipatória e
transformadora, das dificuldades enfrentadas, e que os esforços dessas lutas, várias
vezes enveredam para aquilo que parece “insucesso” (KINCHELOE, 2008). Afinal,
se fosse efetiva, estaríamos em um caminho que parece cada vez de maior
alienação? Essa é uma pergunta que pode ser feita. Mas também outra poderia ser
feita: Aonde estaríamos, enquanto sociedade, se esforços como aqueles da
pedagogia crítica não fossem feitos? Entendida a pedagogia crítica e a educação
profissional como processos, compreende-se aqui que a caminhada é perseverante,
contínua, não havendo espaço para desesperança. Nem, tampouco, para a
ingenuidade.
1.1. Trabalho e emprego: algumas definições
É fundamental para esta pesquisa investigar se a educação profissional
oferecida atualmente assume a preocupação com a formação integral do aluno, que
busque, além da qualificação para o mundo do trabalho, a formação para autonomia
e emancipação dos jovens, direcionando-se para o que vem sendo aqui entendido
como educação profissional voltada para o trabalho. É importante saber de que
forma as instituições que oferecem esta modalidade de ensino pensam e efetivam a
formação profissional, que pode e deve propiciar ao aluno também a continuidade
nos estudos ou ingresso/reingresso no mundo do trabalho. Assim, antes de tudo, se
faz necessário aprofundarmos aqui, para mais bem discutir a concepção da
educação profissional, entender os conceitos, e fazer a distinção, entre trabalho e
emprego.
41
Segundo Lazzareschi (2009 p.07), “trabalho e emprego não são palavras
sinônimas (...) trabalhar significa criar utilidades para a satisfação das necessidades
humanas relativas à sobrevivência, às necessidades sociais, culturais, artísticas,
espirituais e psíquicas”. O trabalho existe desde a antiguidade, imprescindível para
atender às necessidades humanas, e é por meio da transformação da natureza
(inclusive da própria natureza humana) efetivada pelos seres humanos para
viabilizar a vida, isso é, pelo trabalho, que o mundo vem sendo modificado, tanto na
criação e transformação de bens materiais quanto na prestação de serviços.
Segundo Fromm (1983, p. 34), toda concepção de auto-realização do homem
para Marx só pode ser plenamente compreendida se ligada à concepção de
trabalho. Para ele, o trabalho “(...) é ou deveria ser, quando livre, a expressão da
vida”. Para o autor:
O trabalho é a expressão própria do homem, uma expressão de suas faculdades físicas e mentais. Nesse processo de atividade genuína, o homem desenvolve-se a si mesmo, torna-se ele próprio; o trabalho não é só um meio para um fim- o produto- mas um fim em si mesmo, a expressão significativa da expressão humana (...) (FROMM, 1983, p. 48).
Marx (1982, p. 202) compreende que, “o trabalho é um processo de que
participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria
ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”. E
aponta:
O trabalho como criador de valores de uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem, quaisquer que sejam as formas de sociedade, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana. (...) O homem, ao produzir, só pode atuar como a própria natureza, isto é, mudando as formas da matéria. E mais. Nesse trabalho de transformação, é constantemente ajudado pelas forças naturais (MARX, 1982, p. 50).
Ele atribui como “caráter da espécie” a essência do homem que se realiza
universalmente no decorrer da história pela atividade produtiva humana. Segundo
Fromm (1983) o trabalho para Marx deveria ser considerado uma atividade de
liberdade e não uma mercadoria.
Para Gadotti (2012), o trabalho constitui-se num valioso instrumento de
formação técnico-científica e cultural, desenvolvendo no jovem a responsabilidade
social ao mesmo tempo em que intervém na preparação para a vida social. Saviani
entendendo o trabalho como necessário à vida social e assim se expressa:
42
Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos sob o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. E um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico (SAVIANI, 2006, p. 04).
Rodrigues (2011, p. 34), corroborando com essa ideia, aponta a reflexão que
deve ser feita entre o trabalho e as relações sociais, pois, “Ao mesmo tempo em que
o trabalho é o intermediário da relação do homem com a natureza, ele é, também, o
intermediário da relação dos homens uns com os outros”.
Frigotto (2001) nos aponta duas dimensões do trabalho, sendo que a primeira
está subordinada a responder às necessidades do ser humano enquanto um ser
histórico-natural. Esta dimensão busca atender aos imperativos do ser humano para
manter-se vivo. A segunda dimensão está centrada no trabalho como princípio
educativo necessário a toda vida humana. Com base nessas duas dimensões, o
trabalho, então, pode ser entendido como algo propriamente humano, que emerge
como atividade criativa, livre e inalienável do ser humano, permitindo-lhe (re)criar e
renovar continuamente a existência humana. Mas, tendo em vista as situações de
opressão, que também podem ser geradas pelo trabalho, pois devido ao valor que
lhe é intrínseco como possibilidade de transformação da realidade, se torna
instrumento de poder, considera-se um dever que o respeito aos demais seres
humanos seja apreendido e socializado.
Moura (2004) compreende o trabalho como princípio educativo em sentido
ontológico, por mediação entre o homem e a natureza, sendo entendido, portanto,
como elemento central na produção da existência humana. Por essa mediação, o
homem gera conhecimentos que são histórica, social e culturalmente acumulados,
ampliados e transformados.
Gadotti (2012, p. 51), ao referir-se ao trabalho, enfatiza que “Admitindo-se que
o homem se realiza pelo trabalho, também temos de admitir que ele pode “perder-
se” nele. Sendo uma necessidade humana, o processo de trabalho que escapar ao
domínio do homem e alienar o próprio homem”. Mas, o ser humano pode tornar-se,
43
ao menos em alguma medida, consciente do processo de alienação, aprendendo a
dominar os instrumentos que utiliza, compreendendo as relações de exploração
próprias ao sistema capitalista, buscando escapar daquilo que parece inevitável: não
ser dominado por estes.
Fromm (1983, p. 50), ao tratar do tema da alienação, assim se coloca: “O
conceito do homem ativo e produtivo, que compreende e controla o mundo objetivo
com suas próprias faculdades, não pode ser plenamente entendido sem o conceito
de negação da produtividade: a alienação”. Segundo o autor, para Marx alienação
significa que ”o homem não se vivencia como agente ativo de seu controle sobre o
mundo (...). Alienar-se é vivenciar o mundo e a si mesmo passivamente,
receptivamente, como sujeito separado do objeto”.
Para Marx (1983, apud Peixoto, 2010, p. 33) “a alienação humana está no fato
de haver no processo de produção uma relação que impede e constrange a
realização do trabalho como “objetivação”, ou seja, como realização da natureza
humana”. Nesse sentido compreende-se que a alienação surge com a propriedade
privada que resulta na divisão social do trabalho:
Com esta divisão surge a separação entre os que dirigem e os que executam o processo de trabalho. Há, pois, nesta relação, a instauração da alienação. O trabalhador é constrangido a atender suas necessidades mais imediatas, tais como: comer, beber, vestir, etc., se não o fizer porá em risco sua própria existência. Ao fazer de sua capacidade de trabalho um meio para atingir determinados fins, a sua atividade deixa de ser uma atividade livre (auto-atividade) e torna-se trabalho alienado (MARX,1983, apud
PEIXOTO, 2010, p. 33).
Diferentemente do trabalho que requer criatividade e liberdade, o emprego é
limitado a exercer determinadas tarefas, sem que haja espaços para a reflexão. Ou
para a conscientização, como entendida por Freire: o processo de formação de uma
posição crítica, não ingênua, em relação aos fenômenos da realidade objetiva, como
aqueles envolvidos na opressão dos trabalhadores (DAMO, MOURA, CRUZ, 2011).
O emprego é um conceito típico da sociedade capitalista: “O emprego é uma
relação contratual de trabalho entre o proprietário e o não proprietário de trabalho,
isto é, da capacidade de trabalhar dos não proprietários dos meios de produção, em
troca de uma remuneração, um salário” (LAZZARESCHI, 2009, p.9). Pode, então,
ser entendido como a venda da força e do tempo do trabalhador, que os trocam por
44
um valor, uma “paga” pelos seus serviços. Além de manter uma situação de
subordinação e alienação no exercício das atividades, como aponta Oliveira (2012),
quanto mais se é moldado pela rotina e pela disciplina imposta pelas condições do
emprego, mais se reduz a capacidade de criticidade quanto às situações às quais os
trabalhadores são submetidos, afetando sua humanização. Para Gadotti (2012, p.
57) esta forma de trabalho “suga a força criadora de valor, em meios de subsistência
que compram pessoas” como se compra qualquer outro objeto:
Como mercadoria o homem não possui valor em si. Seu valor deriva da relação de troca, enquanto está na origem do lucro, da mais valia e da acumulação do capital. O trabalhador, diz Marx, sai sempre do processo como nele entrou, fonte pessoal de riqueza, mas desprovido de todos os meios para realiza-la em seu proveito. Uma vez que, antes de entrar no processo, aliena seu próprio trabalho, que se torna propriedade do capitalista e se incorpora ao capital, seu trabalho durante o processo se materializa sempre em produtos alheios (GADOTTI, 2012, p. 57).
Nesse sentido, Marx (1982, p. 209) traz a questão do que chamamos hoje
de emprego fazendo uma análise que nos ajuda a diferenciar melhor o trabalho de
emprego:
O processo de trabalho, quando ocorre como processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, apresenta dois fenômenos característicos. O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho. O capitalista cuida em que o trabalho se realize de maneira apropriada e em que se apliquem adequadamente os meios de produção [...]. Além disso, o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador. O capitalista paga, por exemplo, o valor diário da força de trabalho. Sua utilização, como a de qualquer outra mercadoria, por exemplo, a de um cavalo que alugou por um dia, pertence-lhe durante o dia.
Marx, segundo Fromm (1983, p. 49) tinha como discussão central “(...) a
transformação do trabalho alienado e desprovido de significado em trabalho
produtivo e livre (...)”.
Também Masson e Mainardes (2011, p. 82) defendem a formação para o
trabalho e não para o emprego: “Cabe esclarecer que a ampla formação humana
pressupõe a formação para o trabalho, mas esta não significa a formação para a
empregabilidade, concebida de forma restrita e fundamentada nas demandas
instáveis do mercado de trabalho”.
Frigotto (2001) denomina o emprego de trabalho/emprego ou trabalho
assalariado, que sob o capitalismo, deixa de ter centralidade como valor de uso em
resposta às necessidades vitais dos seres humanos, passando a ter sua
45
centralidade como valor de troca. Com o objetivo único de gerar lucro ao capital, que
tem em sua essência o acumular, o concentrar e o explorar.
Segundo Oliveira e Almeida (2009, p. 160), no período dos anos de 1990, o
conceito de empregabilidade ganha destaque, passando a ser entendido como uma
possibilidade de redução dos riscos sociais ocasionados pelo desemprego. Nesse
período, “havia uma forte tendência a caracterizar a empregabilidade como uma
possibilidade de visualizar o futuro, na perspectiva de “arranjar” um emprego e,
sobretudo, de se manter nele”. Nesta perspectiva, pode-se compreender que a
educação, em especial a chamada “educação profissional”, foi conivente com as
demandas do capitalismo. E, como tal, reduziria os processos educativos a
“treinamentos”, tornando as pessoas aptas para o desenvolvimento das funções que
seriam mais necessárias ao mercado.
Segundo Westbrook (2010), Dewey compreendia que o pensamento era uma
função mediadora e instrumental que havia evoluído para servir aos interesses da
sobrevivência e do bem-estar humanos. A pedagogia de Dewey se apoiava no
pragmatismo, que ele preferia chamar de instrumentalismo. Nessa proposta, as
ideias teriam importância se servissem de instrumento para a resolução de
problemas da vida real em que o foco era a ação, a experiência, por meio da qual
promovia- se ao educando o aprendizado útil e significativo. Segundo Lorieri (2000),
o conhecimento resultante da compreensão presente na experiência: “é um meio,
um instrumento da, na e para a ação (...) a verdade é que uma ideia,
intelectualmente, não pode ser definida por sua estrutura, mas só por sua função e
uso”. (DEWEY, 1933 (1979), apud LORIERI 2000, p. 53).
Em sua natureza, muitas das instituições que oferecem a educação
profissional tiveram, ou ainda têm, a concepção da educação ofertada apenas como
um meio para o aluno conseguir um emprego, o que reforça e reproduz uma
perspectiva mercadológica e instrumentalista da educação. Esse modelo ofertado
seria, em nosso entender, qualificação profissional, quando muito, e não educação
profissional. E estas instituições serão “abastecedoras” de um mercado que sequer
receberá todos os profissionais formados.
Com base nessas reflexões sobre trabalho e emprego, argumentamos que o
trabalho é transformador da sociedade e do próprio homem, enquanto o emprego
46
visa atender a uma demanda das forças produtivas, mantendo o status quo dos
proprietários dos meios de produção, e reduzindo a dimensão humana. Segundo
Silva e Cunha (2002, p. 77) há a necessidade de mudança na atualidade em que
vivemos:
O mundo globalizado da sociedade do conhecimento trouxe mudanças significativas ao mundo do trabalho. O conceito de emprego está sendo substituído pelo de trabalho. A atividade criativo, crítico e pensante, preparado para agir e se adaptar rapidamente às mudanças dessa nova sociedade produtiva passa a depender de conhecimentos, e o trabalhador deverá ser um sujeito.
Conforme Abramo (2004), a questão do trabalho está entre os assuntos que
mais mobilizam os jovens. Contudo, o que pode ser observado em documentos que
tratam das políticas públicas por meio de programas como o Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Programa Nacional de
Inclusão de Jovens (Projovem), que se ocupam da relação educação e trabalho, é o
predomínio de um enfoque na formação tecnicista, reduzindo a “educação para o
trabalho” em qualificação para determinadas formas de emprego. Esse tipo de
opção traz grandes preocupações, pois a concepção da educação, seja ela
profissionalizante ou não, deve ser concebida como uma formação holística/integral,
por princípio, não reducionista. Ao pensar no trabalho como prática reflexiva da ação
humana, não apenas como a execução de determinada função, podemos constatar
que a formação oferecida a esses jovens é contraditória com a concepção de
educação que se prega nas legislações educacionais, como na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) vigente, decreto 5154/04, Plano Nacional de
Educação (PNE, 2014), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio (2012), dentre outras legislações, que tratam
desta modalidade de educação. Ainda, os referidos programas, estando voltados
prioritariamente a jovens e adultos de baixa renda, reforçam modelos históricos de
“educação assistencialista” da juventude e de adultos, fazendo uso de formas
precarizadas de “preparar para o trabalho”, “anunciadas” quase como sendo um
favor para esse público.
Müller (2009) afirma que há ainda, na contemporaneidade, preconceito em
relação às atividades laborais, de caráter manual/braçal, preconceito que parece ter
se iniciado no Brasil já no período colonial. De acordo com a autora:
47
A formação profissional no Brasil, desde a atuação dos jesuítas, foi sempre entendida como uma modalidade reservada às classes populares, aos caboclos, aos portugueses pobres, escravos e índios, que deveriam ocupar-se do “saber-fazer” e de quem dependeria o conforto da vida cotidiana (MÜLLER, 2009, p. 02).
No Brasil, desde os primeiros anos de colonização, a educação já era
privilégio de poucos, era destinada para uma minoria, a elite. Aos demais, restavam
as ocupações braçais. A primeira iniciativa formal de ensino de profissões desde a
colonização do país veio com as corporações de ofícios, que eram associações que
sobreviviam a partir de um patrimônio formado pelas cotas pagas pelos seus
membros. Os ofícios ensinados eram tarefas artesanais que exigiam dos
aprendentes força braçal e habilidade. Essas corporações de ofícios exerciam o
papel de formação profissional e de produção e tinham como objetivo principal a
“regulamentação do processo produtivo artesanal” (MÜLLER, 2009, 04).
Segundo a autora, nas corporações de ofícios havia uma hierarquia
estruturada entre os mestres, que estavam no topo da hierarquia como “detentores”
do poder, que ofereciam e contratavam trabalhos, ensinavam os ofícios, aplicavam
as provas, organizavam o ensino e monitoravam o trabalho com rígida disciplina.
Abaixo dos mestres estavam os oficiais, que eram aprendizes com alguma
graduação e que após passar pelo exame de proficiência também eram
considerados como mestres. E, por fim, havia os aprendizes que eram os
ingressantes nas corporações de ofícios que seriam “capacitados” para uma
determinada profissão.
Em 1809, foi criado o Colégio de Fábricas no Rio de Janeiro para oferecer
formação de aprendizes e artífices, que pode ser considerado a primeira intervenção
governamental sobre a formação profissional de jovens. Porém o Colégio de
Fábricas foi desativado em 1812 por não haver uma demanda industrial que o
justificasse.
Em 1827 o Estado passa a ser responsável pela organização escolar
brasileira com o propósito da diminuição do analfabetismo e que com a
profissionalização dos pobres, esses “resguardariam a sociedade dos riscos de
violência e revoltas” (MÜLLER, 2009, 09). Nesse sentido, as escolas
profissionalizantes se tornam referente à caridade e assistencialismo, como tentativa
48
de “velar” a desigualdade existente, que ainda perdura na visão de muitos na
contemporaneidade.
Em meados do século XIX surgem as Sociedades Propagadoras de Instrução
Popular, organizada pela sociedade civil e mantida por patronos ricos, que tinha por
objetivo ministrar cursos de artes e ofícios em Liceus. Os alunos eram operários que
estudavam no período noturno. Com a ebulição da industrialização no Brasil, em
1909 foram criadas as escolas técnicas de formação profissional em nível primário.
Foi somente em meados dos anos de 1940 que a educação profissional
passou a ser considerada uma função conjunta da sociedade e das entidades
empresariais, perdendo um pouco dos contornos de assistencialismo, embora
continuando a pautar-se por modelos instrucionista de preparação para o exercício
de uma determinada profissão, ainda acompanhando o modelo das corporações de
ofícios, embora atualizado para atender às novas formas do capital. Segundo a
autora, em 1942, por meio do decreto 4.048/42, foram criados cursos específicos
para a formação profissional para atender os anseios da indústria por meio da
criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) que se tornou um
elo preparador de mão de obra qualificada que tinha como proposta a aproximação
da profissionalização às reais necessidades das empresas no país. O SENAI tinha
como discurso o desenvolvimento do bem-estar social atrelado ao crescimento
econômico e ao aumento da produtividade, por meio da racionalização da formação
para o trabalho.
O decreto 2208 de 1997, do governo de Fernando Henrique Cardoso, que foi
substituído em 2004, no governo Lula, pelo decreto 5154, apontava para a educação
profissional como forma de qualificação para o emprego, ainda destinado aos
desfavorecidos, numa valorização da aprendizagem do “ofício” em detrimento de
uma formação humanística, que favorecesse a continuidade dos estudos, em níveis
mais avançados de ensino.
Diversos discursos governamentais têm afirmado, na última década, os
efeitos da expansão da educação profissional na inclusão social e na redução da
pobreza (EVANGELISTA, SHIROMA, 2006). Mas, segundo as próprias autoras, e
também para Oliveira (2012), a mera oferta ou a mera participação nos cursos de
educação profissional não garante a redução da pobreza e da exclusão social. Pois,
49
esta forma de “educação profissional” assume apenas um caráter de política
compensatória de Estado, para os “desfavorecidos”. Esse tipo de formação continua
pautado no treinamento ocupacional está focado em atender somente às demandas
do mercado. Não dando condições para que os seus egressos construam autonomia
e criticidade, continuando a se comportarem como agentes passivos do processo
educacional.
Embora tenha havido nos últimos oito anos um aumento significativo no
número de instituições que oferecem essa modalidade de educação, em especial
com a expansão dos Institutos Federais, não houve acompanhamento na mesma
proporção da preocupação com a qualidade da oferta desses cursos. Com base no
quadro 1 é possível ter ideia da expansão dos Institutos Federais em quantidade de
campi, número de matrículas nos cursos regulares e de investimentos aplicados nos
últimos anos com base na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Quadro 01: Expansão dos Institutos Federais
Fonte: Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF, 2016).
Em que pese tal expansão, parece continuar também a haver uma “seleção”
de público, no que se refere à educação profissional. No campus aqui investigado, a
procura majoritária é por alunos em situação de vulnerabilidade social2. Para Gadotti
(2012, p. 65), “a formação cultural do proletariado só será completa numa sociedade
2 Janczura (2012, p. 304, citando CARNEIRO e VEIGA, 2004), assim define vulnerabilidade social:
“em sociedades baseadas em economia de mercado, a pobreza representa a primeira aproximação da maior exposição a riscos, principalmente em contextos em que famílias pobres não contam com uma rede pública de proteção social (acesso a bens e serviços básicos que viabilizem melhores oportunidades para enfrentar as adversidades). A ausência de recursos materiais alimentará outras fragilidades: baixa escolarização, condições precárias de saúde e de nutrição, moradias precárias em locais ambientalmente degradados e condições sanitárias inadequadas (necessidades insatisfeitas). Famílias e pessoas em tais condições de vida disporão de um repertório mais reduzido para enfrentar as adversidades, o que, nos termos de Sen (2000), é denominado privação de capacidades”.
50
em que for abolida a divisão social do trabalho, que divide os que “fazem” dos que
“pensam”, porque esta divisão o embrutece espiritualmente”, tornando-o alienado.
Na perspectiva freireana, podemos trazer a discussão de educação bancária para
complementar a questão da alienação como reproduzida nos cursos profissionais,
que reforça a condição do aluno como agente passivo do processo, “recebedor e
estocador” de informações. Nas palavras de Freire:
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância,
segundo a qual esta se encontra sempre no outro (FREIRE, 1987, p 38).
A questão do público da educação profissional, acima referida, pode ser lida
com um olhar para o histórico da educação profissional, que será abordado na
sequência da argumentação.
Sobre a tomada de consciência, Gadotti (2012) parte do pressuposto de que
essa não é espontânea, nem inata. A tomada de consciência exige esforço e
atuação de elementos externos e internos aos sujeitos. Neste caso, a educação é
um elemento que pode exercer forças tanto internas quanto externas, podendo ser a
chave para contribuir diretamente com uma mudança na concepção dos seres
humanos sobre seu lugar no mundo. Saviani (2006, p.01) aponta que “Trabalho e
educação são atividades especificamente humanas. Isto significa que,
rigorosamente falando, apenas o ser humano trabalha e educa”.
Em relação às concepções da educação profissional, Prestes e Véras (2009,
p.54) apontam que há várias concepções existentes, sendo possível considerar
todas como factíveis, mesmo defendendo posições distintas, a respeito da Educação
Profissional. Uma das concepções defende e vislumbra na Educação Profissional
uma oportunidade para aqueles que seriam “vítimas” do mundo capitalista. Para os
defensores e teóricos dessa perspectiva, “(...) o papel da política de qualificação do
trabalhador é o de possibilitar aos trabalhadores pobres, desempregados, jovens,
idosos, mulheres e negros”, a oportunidade que nunca tiveram de serem
qualificados ou requalificados, profissionalmente. A crítica que se faz a essa
concepção é a de que as políticas públicas são pensadas para os “desvalidos de
51
sorte”, termo utilizado pelas Escolas de Aprendizes Artífices no período de sua
criação, no ano de 1909, e que acabou se perpetuando ao longo dos tempos.
Mesmo que não seja evidenciado, como nos aponta Arruda (2010, p. 03), quando
trata da reforma da educação profissional com o Decreto nº 2.208 de 17 de abril do
ano de 1997, que ao efetuar a desvinculação entre o ensino médio e o ensino médio
técnico “a tendência seria que as vagas deste último fossem ocupadas por alunos
oriundos das camadas populares, estes sim interessados em uma formação estrita
para o mercado de trabalho”. Em pesquisa realizada pela autora, foi demonstrado,
em relação a essa legislação, que embora o foco tenha sido as camadas populares,
a reforma não propiciou a democratização desse público à educação profissional,
especificamente nos cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio. Nessa
colocação, a autora se posiciona também entendendo que a educação ofertada é
limitada à formação para o emprego e não para o trabalho. Questionamento que
também fazemos durante a pesquisa e que tentaremos compreender melhor durante
os encontros com os docentes do Instituto Federal de São Paulo do campus
investigado.
Numa outra concepção, se considera que a passagem dos jovens pela
educação profissional pode propiciar o domínio de saberes que os ajudem a
desenvolver mais autonomia, para intervenções sociais conscientes, para o
exercício da cidadania, enfim. Nesta perspectiva, Oliveria (2012), destaca que a
educação profissional deve ser valorizada não somente em virtude da habilitação
profissional, mas em especial, naquilo que lhe dá sentido, a formação humana. Para
ele, a educação profissional, assim como a educação básica e educação superior,
são espaços fundamentais para elaboração e agregação das dimensões políticas,
afetivas, intelectuais, dentre outras. Nessa dimensão, as práticas de formação
devem acontecer considerando a necessidade da indissociabilidade entre o pensar e
o fazer como processo fundamental para que a educação profissional seja
emancipadora.
Contudo, para se pensar na educação profissional para a juventude, que
propicie a autonomia e a emancipação, na qual acreditamos, é preciso compreender
alguns aspectos importantes nas discussões existentes sobre esta modalidade de
educação, em seus avanços e retrocessos conceituais. Até a década de 1980, era
52
aceitável ou recomendado que os cursos de Educação Profissional, especialmente
de Nível Médio, qualificassem seus alunos para exercer uma tarefa específica, que
era ditada pelo sistema industrial, de base mecânica. Mas, contemporaneamente,
esse perfil profissional rígido de atender a esse tipo de sistema industrial, reduziu-se,
em virtude das inovações tecnológicas, que trouxeram sofisticações ao processo
industrial, o que exigiu uma mudança na forma de oferta desses cursos. No entender
de Almeida:
A educação profissional que vinha sendo oferecida, os currículos de ensino e a própria estrutura do sistema de formação profissional existente foram concebidos para um padrão de produção assentado, sobretudo, no trabalho assalariado em ocupações tradicionais no setor industrial. As qualificações oferecidas eram voltadas para o exercício de tarefas em postos de trabalho específicos, adequadas à relativa rigidez funcional que caracterizava os processos produtivos. [...]. Assim, esse tipo de formação profissional, que foi bem-sucedido em qualificar trabalhadores no passado, rapidamente se revelou inadequado para enfrentar as mudanças no perfil de qualificação hoje (ALMEIDA, 2003, p.02).
Esse “novo” modelo de educação profissional, que prepara para o trabalho e
não para o emprego, deve se preocupar em formar o egresso para que saiba atuar
não só em sua área de formação profissional, de modo restrito como pregado pelos
modelos taylorista, fordista e toyotista. Propõe uma formação integral, que garanta
que o formando tenha condições de pensar e agir em diferentes situações e
ambientes, não somente naquele profissional, com postura ética e autônoma. O que
exige também uma mudança de paradigmas nas instituições e em todos os
envolvidos no processo de educação profissional, e requer um novo olhar sobre
esse. Resta questionar se esse “novo” modelo não estaria, por sua vez, também
reduzindo, por detrás de um discurso humanista, a formação do trabalhador para um
novo cenário profissional, em que a flexibilização das demandas trabalhistas seja a
tônica.
E, ainda numa outra concepção, há aqueles, que segundo Wermelinger;
Machado e Filho (2007) não valorizam a Educação Profissional, como modalidade
de ensino, por julgarem que as pessoas que a procuram não possuem as
competências básicas, quer culturais, quer cognitivas, quer econômicas, sociais, ou
outras, suficientes para dar continuidade aos seus estudos. Entendendo que a
educação profissional existe para manter certa estratificação social, em que os que
53
procuram por esta modalidade de educação seriam aqueles trabalhadores, ou filhos
de trabalhadores, que receberiam uma educação que os manteria sempre na
condição de mão de obra qualificada. Nessa visão haveria claramente a
desvinculação entre o pensar e o fazer nos cursos de Educação Profissional.
Prestes e Véras (2009) fazem críticas à abordagem da qualificação
profissional, pois apontam para a insuficiência dessa em garantir tanto a inserção
como a permanência dos trabalhadores no mundo do trabalho, além de indicar o
“descompasso entre a geração e transmissão de informações produzidas nos
treinamentos - restritos e localizados” (PRESTES; VÉRAS, 2009, p.53).
Segundo Wermelinger; Machado e Filho (2007, p. 208) um aspecto que
causaria a desvalorização da educação profissional seria “A baixa definição dos
objetivos, finalidades e proposições dessa modalidade de ensino, que certamente
podem ser tomados como fatores que contribuem para esse entendimento”. Embora
exista uma legislação própria para esse seguimento, há ainda, nos próprios
Institutos Federais, importantes responsáveis pela oferta da Educação Profissional
na contemporaneidade brasileira, dificuldade em definir qual proposta de educação
deve atender na prática, causando uma falta de identidade para essa modalidade
educacional. Essa falta de identidade causa fragilidade e dá espaço para que haja
diferentes práticas pedagógicas em uma mesma rede de educação:
A educação profissional é, antes de tudo, educação. Por isso mesmo, rege-se pelos princípios explicitados na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, a liberdade de aprender e ensinar, a valorização dos profissionais da educação e os demais princípios consagrados pelo artigo 3.º da LDB devem estar contemplados na formulação e no desenvolvimento dos projetos pedagógicos das escolas e demais instituições de educação profissional (BRASIL, PARECER CNE/CEB Nº 16/99, p.17).
1.2. Histórico da educação profissional no Brasil
Segundo Saviani (2006), nas comunidades primitivas esteve o ponto de
partida entre educação e trabalho. Esta relação se dava no compartilhamento dos
conhecimentos validados pela própria comunidade, que os transmitiam para as
novas gerações, dando continuidade à construção de um fundo de saberes,
54
essencial à continuidade da espécie. Não havia ainda a divisão de classes nem de
terras, tudo era feito em comum, ao mesmo tempo em que se educavam.
Mas, como consequência da complexidade dos modos de organização social,
começou a haver a divisão das terras e de outros bens necessários à produção e à
dominação, como as armas, e a divisão do trabalho, provocando uma ruptura na
relação de comunidade existente nas sociedades primitivas. Como implicação
dessas divisões, e da subsequente diferenciação social, houve também a distinção
da educação, que antes era identificada com o próprio processo de trabalho comum,
comunitário, realizado cotidianamente.
A educação passa a ter duas modalidades centrais, uma para a classe
daqueles que dominavam os instrumentos para a geração de riquezas, que
propunha a formação intelectual “na arte da palavra e nos exercícios físicos de
caráter lúdico ou militar”. E a outra modalidade foi “direcionada ao próprio processo
de trabalho” (SAVIANI, 2006, p. 06), assim, de caráter eminentemente prático,
laboral. A partir dessa divisão, se institucionaliza a educação.
Segundo Garcia (2000, p. 01) a então formação profissional, primeiro nome
dado ao que chamamos hoje de educação profissional, ficou marcada no Brasil
desde o “(...) início com o estigma da servidão, por terem sido os índios e os
escravos os primeiros aprendizes de ofício”:
[...] numa sociedade onde o trabalho manual era destinado aos escravos (índios e africanos), essa característica ‘contaminava’ todas as atividades que lhes eram destinadas, as que exigiam esforço físico ou a utilização das mãos [...]. Aí está a base do preconceito contra o trabalho manual, inclusive e principalmente daqueles que estavam socialmente mais próximos dos escravos: mestiços e brancos pobres (CUNHA, 2000, apud WERMELINGER, MACHADO e FILHO, 2007 p. 213).
Com as transformações dos modos de produção surgem outros modelos de
educação. Na Idade Média, há a crescente influência da religião nessa relação,
constituindo-se a Igreja católica, e depois aquelas de matriz protestante, fortes
fatores de impacto. Com a Revolução Industrial e o crescente avanço do modo de
produção capitalista, e a formação dos Estados-nação, inicia-se a concepção da
educação como função do Estado, amarrada a essa a ideia de escola como coisa
pública, e daí gratuita e obrigatória. Em todo esse processo evidenciou-se a
separação entre escola e aqueles detentores dos meios de produção de riquezas,
55
por um lado, e a formação para o trabalho e os outros membros da sociedade que
deveriam alimentar, com a força do seu trabalho e também, pelo consumo dos bens
produzidos- esses meios de produção; e, dessa forma, ainda, aprofundou-se a
distinção entre o trabalho intelectual e aquele manual. Em que com isso segundo
Saviani (2006, p. 10):
[...] o domínio de uma cultura intelectual, cujo componente mais elementar e o alfabeto, se impõe como exigência generalizada a todos os membros da sociedade. E a escola, sendo o instrumento por excelência para com viabilizar o acesso a esse tipo de cultura, e erigida na forma principal, dominante e generalizada de educação. Esse processo assume contornos mais nítidos a consolidação da nova ordem social propiciada pela industrial moderna no contexto da Revolução Industrial.
O sistema capitalista fomentou a centralização da vida nas cidades, e o êxodo
rural, pois a população volta-se para a produção industrial, processo que se
acentuou por volta do final do século XVIII e primeira metade do século XIX. As
crescentes e contínuas mudanças nos novos processos de trabalho, com a
operacionalização de máquinas cada vez mais complexas, aprofunda a ruptura entre
o trabalho intelectual e o trabalho manual, realimentando também mudanças nas
formas de se educar, do que se concebia como educação, quem teria direito a essa,
e de que maneira seria ofertada.
Com a necessidade de operacionalização e manutenção das máquinas
industriais criaram-se cursos profissionais, realizados nas próprias fábricas ou em
escolas próprias para atender às novas demandas. Reforçando o dualismo entre as
escolas de qualificação geral, ligada à intelectualidade para a elite e as escolas de
qualificações técnicas, voltadas para a profissionalização dos proletários,
marginalizados, desvalidos de sorte ou desfavorecidos de fortuna:
Considerando: que o augmento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletarias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da lueta pela existencia: que para isso se torna necessario, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensavel preparo technico e intelectual, como faze-los adquirir habitos de trabalho proficuo, que os afastara da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da Republica formar cidadões uteis à Nação (BRASIL, DECRETO Nº 7.566, DE 23 DE SETEMBRO DE 1909).
56
A educação profissional, nesse discurso, seria vista como uma formação, que
exigiria do trabalhador a habilidade nos trabalhos manuais como meio de atender às
necessidades do mercado e “tirar-lhes da ociosidade ignorante”. Pensamento que
ainda parece vigorar, na contemporaneidade, por uma parte da população brasileira,
que entende a educação profissional como específica para um determinado grupo,
considerado o dos menos favorecidos economicamente. Isso demonstra que o
estigma construído durante anos ainda não se desfez, reflexo de uma sociedade
dividida em classes.
Segundo Garcia (2000, p.5), foi no governo “de Nilo Peçanha que o ensino
profissional no Brasil teve um grande impulso: em todas as capitais do Brasil foram
criadas escolas de profissionalização. Em 1910 estavam instaladas dezenove
escolas”, embora em situação precária tanto nas estruturas físicas como em
recursos humanos. Estas escolas de profissionalização eram chamadas de Escolas
de Aprendizes e Artífices, e eram ligadas ao Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio. Em 1918, é aprovado o decreto nº13064, que traz algumas alterações
para as Escolas de Aprendizes e Artífices. Dentre as mudanças estão: a
desvinculação dessas escolas ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e a
vinculação diretamente ao Ministério da Educação e Saúde Pública; além da
mudança no nome dessas escolas que passam a se chamar Liceus. “Percebemos
nesse período total desvinculação entre formação profissional e educação; aos
trabalhadores era destinada uma formação voltada para o treinamento,
adestramento” (GARCIA 2000, p. 07).
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) elucidam que apenas na metade do século
XX o analfabetismo passa a ser motivo de preocupação da elite intelectual brasileira.
Neste momento, a educação torna-se objeto de políticas de Estado para o povo.
Contudo, mantinha-se a dualidade entre as formas de educação, contemplando
duas realidades díspares. Havia, de um lado, a formação geral/intelectual ofertada
para aqueles de maior poder econômico, e, em alguma parcela destinada também a
formar quadros de burocratas, necessários às funções de escrituração, e a formação
para a preparação de mão de obra para a execução de ofícios manuais, para
aqueles com menor poder econômico. Essa discriminação se arrasta até os dias de
hoje, gerando ainda preconceito quanto ao tipo de formação provida aos cidadãos.
57
Esses mesmos autores discorrem sobre esse dualismo, que se destaca na década
de 1940, com a organização das leis orgânicas que regulamentam a separação
entre o ensino tradicional/geral e o ensino profissional, oficializando esta divisão. A
equivalência entre as duas modalidades de ensino é estabelecida apenas na década
de 1950, por meio das leis de equivalência, e da primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) em 1961, em que os concluintes dos cursos técnicos poderiam
então, ter acesso a cursos superiores, assim como os concluintes da formação
geral.
No período de 1968 a 1973, a educação profissional assume uma atuação
importante para responder às necessidades da produção capitalista, como sendo
uma formação intermediária entre os operários que não tinham nenhum tipo de
formação e aqueles conhecidos como profissionais da elite. Esta necessidade de
capacitação profissional era necessária para atender um mercado em ebulição:
Acordos assinados pelo governo brasileiro com a USAID (United States Aid International Development) demonstravam a intenção de se ampliar ao máximo as matrículas nos cursos técnicos e de promover uma formação de mão-de-obra acelerada e nos moldes exigidos pela divisão internacional do trabalho. Com o aumento da procura de empregos, acarretada, inclusive, pela rápida urbanização, os empregadores passaram a exigir o nível de escolaridade cada vez maior como modo de seleção preliminar (FRIGOTTO; CIAVATTA e RAMOS, 2005. p.08).
Com o surgimento da primeira LDB de 1961, foi instituída a educação
profissional compulsória no então ensino secundário, com o propósito de atender a
demanda por profissionais de nível técnico. Utilizava-se do discurso de que aqueles
que não conseguiam um lugar no mercado de trabalho era porque não tinham a
formação profissional necessária. Vendendo a ilusão de que a certificação de um
curso técnico seria garantia de uma boa colocação no mercado de trabalho,
transferindo a responsabilidade da empregabilidade ou a falta dela para a própria
população. Como afirmam Oliveira e Almeida (2009, p. 157) “A disseminação de
cunho ideológico era de uma perspectiva de desenvolvimento dos países do
Terceiro Mundo e, para os indivíduos, a promessa de garantia de melhores
empregos e ascensão social, vinculado à tese do pleno emprego”. Mas esta
compulsoriedade não durou muito, visto o próprio esgotamento da ideia de pleno
58
emprego, pelas importantes crises econômicas que afetaram o mundo na década de
1970.
Retomou-se então o distanciamento entre a modalidade de ensino geral, que
volta a se preocupar com a educação para a preparação intelectual, própria para o
ensino superior, e a modalidade de ensino técnico, que preparava prioritariamente
para as profissões de base manual. Ficando as escolas técnicas federais da época
responsáveis pela oferta dos cursos técnicos, além daquelas pertencentes ao
Sistema S, como as do SENAI criado em 1942, e SENAC criado quatro anos depois
em 1946 pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
(CNC). Em se tratando do plano de valores, mantinha-se o entendimento de que os
cursos de nível superior não eram destinados ao grupo dos proletários, oriundos da
classe trabalhadora, e vice-versa. Aos proletários e filhos de proletários cabiam os
cursos de nível técnico, que os prepararia, os treinaria, como mão de obra
qualificada, de acordo com as demandas do mercado de trabalho. Havia, inclusive,
uma diferença em relação à carga horária das aulas dos cursos técnicos, que por
serem direcionadas para uma determinada profissão, não proporcionavam o número
de horas curriculares para garantir a formação educacional geral mínima necessária,
de forma que os discentes dos cursos técnicos não poderiam dar continuidade em
seus estudos posteriores, e ingressarem no ensino superior.
Ao final da ditadura militar, em 1985, houve uma mobilização nacional pela
inclusão na constituição do direito à educação pública gratuita, democrática e laica.
Foi proposta também a formação da educação voltada para vinculação da formação
integral, tendo o trabalho como princípio educativo. Preocupados com a visão que a
educação profissional carregou durante muito tempo de que a formação exercida era
praticamente um “adestramento em técnicas produtivas” (FRIGOTTO, CIAVATTA e
RAMOS, 2005, p. 9), foi proposta então a formação integral e politécnica.
A concepção da politecnia tinha a intenção de romper com a dicotomia entre a
educação básica e a educação técnica. Nesta visão, a educação técnica não teria
como fim atender aos interesses do mercado e não seria um fim em si mesma,
podendo possibilitar aos egressos a possibilidade de continuidade nos estudos. A
politecnia é definida por Saviani como:
59
Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Está relacionada aos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho e tem como base determinados princípios, determinados fundamentos, que devem ser garantidos pela formação politécnica. (SAVIANI 2003, apud FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005 p. 14).
Para Gadotti (2012), a politecnia tem por finalidade fazer compreender e viver
a estrutura econômica-social, a partir de sua inserção na atividade de produção para
intensificar sua capacidade de ação.
Para Wermelinger, Machado e Filho (2007, p. 211) “O conceito de politecnia
pressupõe ultrapassar o conhecimento meramente empírico e requer formas de
pensamentos mais abstratas”. O que significa ir além da formação exclusivamente
técnica, mas que enseja um trabalhador com perfil mais amplo, que seja consciente,
criativo e crítico, que busque sempre a autonomia.
Para Saviani a palavra politecnia significa literalmente “múltiplas técnicas”, o
que leva ao conceito da totalidade pela junção de técnicas fragmentadas. Enquanto
o termo tecnologia, pouco utilizado na época de Marx, traz o sentido da unidade
entre a teoria e a prática. Nas palavras do autor:
De fato, a palavra “politecnia”, como eu próprio também destaquei no livro mencionado, publicado em 1989, literalmente significa múltiplas técnicas, multiplicidade de técnicas; daí o risco de entender esse conceito como a totalidade das diferentes técnicas fragmentadas, autonomamente consideradas. Tecnologia, por sua vez, literalmente significa estudo da técnica, ciência da técnica ou técnica fundada cientificamente (SAVIANI, 2006, p. 163).
Manacorda (2007, p. 48) faz, com base na leitura de Marx, um comparativo
entre os termos politecnia e tecnologia, que se alinha ao já apontado por Saviani
(2006):
Mas, parece-nos, principalmente, que o politecnicismo sublinha o tema da disponibilidade para os vários trabalhos ou para as variações dos trabalhos, enquanto a tecnologia sublinha, com sua unidade de teoria e prática, o caráter de totalidade ou onilateralidade do homem, não mais dividido ou limita do apenas ao aspecto manual ou apenas ao aspecto intelectual (prático-teórico) da atividade produtiva.
Para o autor, o termo politecnia destaca a ideia de multiplicidade de
atividades enquanto o termo tecnologia propõe uma formação única de que seja
unificada a teoria e a prática. Na compreensão desse termo, há oposição entre a
divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, dando ao indivíduo a “(...) plena
manifestação de si mesmo (...)” (MANACORDA, 2007, p. 48).
60
A proposta da educação profissional e tecnológica visa, então, superar a
dualidade estabelecida entre as distintas classes sociais, sendo que com a
integração da educação geral à formação técnica se favoreceria a formação integral
do sujeito da educação.
Segundo Oliveira (2012), com a aprovação da última LDB, de 1996
(atualmente vigente), e com a reforma da educação profissional, no ano de 1990,
aconteceram algumas mudanças significativas na relação educação e trabalho.
Como exemplo, a instituição do decreto nº 2208/97, que regulamentou o § 2 º do art.
36, e os artigos 39 a 42 da LDB de 1996, que normatizam a educação profissional.
Este decreto, que propunha uma educação profissional tecnicista, foi revogado em
2004, com a mudança de governo do Brasil, que tinha como intensão reformular a
proposta da educação profissional. Surge então o Decreto nº 5154/04, que
estabelece as diretrizes da educação profissional e tecnológica do capítulo III da
LDB. Este capítulo define a educação profissional e tecnológica, que passa a
abranger os seguintes cursos: de qualificação profissional, inclusive formação inicial
e continuada de trabalhadores; de educação profissional técnica de nível médio e de
educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação.
Embora a educação profissional tenha passado e ainda passe por uma visão
reproducionista, a favor da elite, Dewey, em 1915, já trazia a concepção de uma
formação para o trabalho, transformadora. Ele criticava o modo de educação em que
os trabalhadores tinham que se adaptar às demandas do capital e defendia “um tipo
de educação profissional que, em primeiro lugar, modificasse o sistema laboral
existente e, finalmente, o transformasse” (DEWEY, 1915, p. 412 apud
WESTBROOK, 2010, p. 29).
1.2.1. Algumas críticas ao decreto 5154/04
Sem a intensão de defender ou refutar, mas de analisar as propostas dos
decretos nº 2208/97 e o decreto 5154/04, o que é necessário quando se trata da
regulamentação da educação profissional, fazemos, aqui, alguns apontamentos. O
decreto nº 2208/97, que regulamentava a educação profissional e tecnológica e que
em 2004 acabou sendo substituído, tinha uma proposta sobre educação profissional
61
diferente do que se propõe atualmente. Seu artigo 5º propunha que a educação
profissional de nível técnico “[...] terá organização curricular própria e independente
do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a
este” (BRASIL, 1997). Reforçando o dualismo existente entre a educação geral e a
educação profissional, preocupava-se apenas com a preparação para a
empregabilidade. Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), enquanto a LDB
9394/96, sinalizava para a formação profissional de forma integrada à formação
geral, esse decreto não só proibia a oferta de forma integrada como reforçava a
fragmentação entre elas.
Diferentemente do decreto 5154/04, em vigor, que não só menciona a
necessária articulação entre o ensino técnico com o ensino médio como prevê
também as formas em que serão ofertadas. Nesse, a Educação Profissional
Técnica poderá ocorrer de forma integrada ao Ensino Médio, podendo ser na
mesma instituição de ensino ou em instituições de ensino distintas; concomitante
para os alunos que já estão cursando o ensino médio, de forma subsequente para
aqueles que já concluíram o ensino médio ou, ainda, de forma integrada ao Ensino
Médio, do qual trataremos com mais profundidade, posteriormente.
Ainda, no artigo 9º, do decreto 2208/97, a concepção do currículo desta
modalidade de ensino é entendida como algo instrucionista: “As disciplinas do
currículo do ensino técnico serão ministradas por professores, instrutores e
monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional
[...]” (BRASIL, 1997). É percebido que ao mencionar os profissionais para atuar nesta
modalidade de educação, neste caso para os cursos técnicos de nível médio,
confundem-se os papéis de funções diferenciadas, acentuando-se a ideia de que os
alunos serão instruídos a realizarem determinados procedimentos, que os tornarão
técnicos em alguma profissão, não havendo preocupação com a formação para os
professores desta modalidade de educação. Reforçando a ideia de que a educação
para essa modalidade não se preocupava com a formação integral do educando,
visando principalmente a qualificação para o emprego.
No Decreto 5154/ 04, em seu o artigo 3º, aponta-se para a oferta dos cursos
e programas de formação inicial e continuada segundo itinerários formativos. Que
são compreendidos, pelo próprio Decreto, como “[...] consideram-se itinerários
62
formativos ou trajetórias de formação as unidades curriculares de cursos e
programas da educação profissional, em uma determinada área, que possibilitem o
aproveitamento contínuo e articulado dos estudos”. (BRASIL, 2004, incluído pelo
Decreto nº 8.268, de 2014). O que pode ser entendido como o reconhecimento de
uma tentativa de romper com a oferta fragmentada e descontínua de formação
profissional anterior, não a percebendo como um fim em si mesma, mas, também,
como uma maneira de “fazer avançar” a formação profissional dos alunos,
“costurando” percursos curriculares, como modo de “criar atalhos” para abreviar a
duração dos cursos e, dessa forma, do próprio processo formativo.
O decreto acima trata sobre “a indissociabilidade entre teoria e prática”, que
nos leva a crer na mudança na concepção da Educação Profissional. Vista antes
como treinamento para determinada função, sem que houvesse o desenvolvimento
do pensamento crítico e reflexivo. Atualmente, propõe-se que para esta mesma
modalidade não basta apenas saber executar bem uma determinada tarefa, é
preciso também compreendê-la em seu contexto, e integralidade.
1.2.2. Planfor
No âmbito das políticas públicas de formação profissional do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) é necessário abrir espaço para análise também do Plano
Nacional de Formação Profissional- PLANFOR. Criado em 1995, tinha como objetivo
qualificar 20% da população econômica ativa (OLIVEIRA, 2006). Atualmente,
denominado como Plano Nacional de Qualificação é entendido como uma política
pública de qualificação profissional, voltada para o atendimento a setores da
população considerados como “grupos vulneráveis e sob- risco social”, visando
potencializar a empregabilidade, como proposta segundo o Ministério do Trabalho e
Emprego (TEM) /Secretaria de Políticas Pública e Emprego (SPPE):
a) aumento da probabilidade de obtenção de trabalho e de geração ou elevação de renda, reduzindo os níveis de desemprego e subemprego; b) aumento da probabilidade de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de rotatividade; c) elevação da produtividade, da competitividade e renda (BRASIL, 1999 apud BATISTA, 2009, p. 3).
63
A política de qualificação profissional, segundo Oliveira (2006, p. 104) “(...)
voltada aos setores marginalizados ou em risco de exclusão social, implementada
pelo MTE, veio atender às exigências das agências multilaterais”. Em especial ao
Banco Mundial, que defendia que a educação profissional deveria desvincular-se do
Ministério da Educação. O governo brasileiro, atendendo ao Banco Mundial, alterou
a oferta da educação profissional para ser oferecida apenas após a conclusão do
ensino médio, fortalecendo novamente o dualismo existente entre educação básica
e educação profissional. O que favoreceu, por meio de uma sistemática dos cursos
em módulos, a visão fragmentada desses cursos, que seriam regidos pela lógica do
mercado. O PLANFOR teve os mesmos pressupostos estabelecidos nas
recomendações da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL): educação
para a competitividade, em que a educação profissional não seria uma alternativa
para quem quisesse uma educação básica de qualidade. Com esta proposta, a
certificação profissional ficou sob responsabilidade do empresariado, o que colocava
esta modalidade de educação dominada pelos interesses da produção. Segundo
Oliveira (2006, p. 106) as instituições que ofereciam educação profissional,
especialmente as escolas técnicas e agrotécnicas brasileiras, em especial da rede
federal, passaram a ser “meros agentes empresariais de formação de recursos
humanos”.
Neste período, o Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP),
que atualmente é de responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), era financiado principalmente pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento. Oliveira (2006) ressalta, que a primeira condição para que o
PLANFOR obtivesse resultado, seria a articulação deste com as políticas de criação
de empregos, em que a capacitação profissional fosse vinculada apenas ao
atendimento das demandas do mercado.
Com base crítica sobre uma educação voltada para a empregabilidade,
Batista (2009), após uma análise do PLANFOR, conclui que ao utilizarem o termo
empregabilidade e a oferta de cursos por competências, não possibilitavam a
formação para a autonomia. Assim, os jovens e adultos que buscavam na educação
uma melhor oportunidade no mercado de trabalho, eram considerados apenas como
“treinandos” pelo PLANFOR:
64
[...] a noção de competências e a ideologia da empregabilidade são formas de produção do consentimento, instrumentos ideológicos que visam capturar e manipular a subjetividade do trabalhador. Esses conceitos são expressões de uma sociabilidade perversa que anula, discrimina e exclui os sujeitos e, depois, torna-os culpados por esta situação (BATISTA, 2009, p. 22).
A utilização do termo “treinando” nos remete, novamente, à preparação para o
emprego e não para o trabalho, uma vez que, em se tratando de seres humanos,
que possuem habilidades próprias, o treinamento não trará transformações para
suas vidas nem de suas famílias: a mudança nas condições de existência fica
podada. Apenas continuarão reproduzindo e mantendo uma sociedade onde poucos
possuem o conhecimento e, consequentemente, o “poder”.
Ao pensar na questão da reprodução exercida na educação, Bourdieu (2014)
faz uma crítica às escolas, que muitas vezes reproduzem a divisão de classes
existente na sociedade e conservam as desigualdades, ao invés se serem agentes
de transformação desse modelo. Considerando que a classe burguesa se diferencia
da classe trabalhadora por inúmeras características como a cultura, o modo de falar,
as oportunidades, os valores, dentre outras, o autor avalia que essas diferenças não
são levadas em consideração pelas instituições de educação que ignoram e
desprezam estas diferenças socioculturais e continuam privilegiando os valores e
princípios das classes burguesas, das quais os que a ela não pertencem, precisam
conformar e adaptar, mesmo que não haja significado para eles. Nesse sentido,
Bourdieu (2014, p. 25) compreende que a ação pedagógica é uma violência
simbólica por usar de seu poder de maneira impositiva que reforça as relações de
subordinação:
Todo o poder de violência, isto é, todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força.
A educação, mesmo sendo política, como afirmou Freire (1996), tende a se
colocar como neutra nas instituições escolares como uma maneira de “mascarar”
suas reais intenções. Que intencionalmente querem reproduzir uma sociedade
desigual, que mantenha cada grupo em seu devido lugar. Como afirma “Assim, a
função mais dissimulada e mais específica do sistema de ensino consiste em
65
esconder sua função objetiva, isto é, dissimular a verdade objetiva de sua relação
com a estrutura das relações de classe” (BOURDIEU, 2014, p. 248):
(...) em razão da inércia particular que a caracteriza, sobretudo quando está investida da função tradicional de conservar e de transmitir uma cultura herdada do passado e dispõe de meios específicos de autoperpetuação, a Escola está em condições de impor às exigências externas uma retradução sistemática porque conforme aos princípios que a definem enquanto sistema (BOURDIEU, 2014, p. 174. grifos do autor).
Histórica e socialmente a dualidade na educação profissional não está apenas
entre educação técnica e ensino médio. Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005),
os cursos tecnólogos também enfrentam uma distinção no nível de ensino superior.
Com a lei n. 6.545/78, e a transformação das Escolas Técnicas Federais em Centros
Federais de Educação Tecnológica (CEFET), pode-se estender a discussão para
entender qual a proposta dos cursos tecnólogos, que se equiparam aos cursos
superiores, mas possuem suas especificidades.
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), compreendem o curso tecnólogo como de
nível intermediário entre os cursos técnicos e as engenharias, já que os tecnólogos
estão se formando para as atividades mais práticas de execução que propriamente
as atividades de planejamento:
Ter-se-iam, assim, atingidos os objetivos preconizados para países de economia dependente e consumidor de tecnologias importadas: política de capacitação de massa, barateamento dos custos profissionalizantes, adequação e atendimento às necessidades do mercado de trabalho, criação de caminhos alternativos às universidades, e, finalmente, o não aniquilamento da necessária camada de técnicos adequados ao processo de reestruturação produtiva (FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005, p. 11).
Na continuidade dessas discussões trataremos das políticas públicas voltadas
para a educação profissional da juventude.
1.3. As políticas públicas para a educação profissional da juventude
Segundo Bucci (1997), a definição do conceito de políticas públicas é a de
que essas devem estabelecer uma relação intrínseca com a proteção e garantia de
direitos individuais, sociais, econômicos, culturais, entre outros. Para a autora, as
66
políticas públicas se definem para a realização de objetivos específicos pelo governo
e conta com a participação de agentes públicos e privados: “Políticas públicas são
os programas de ação do governo para a realização de objetivos determinados num
espaço de tempo certo” (BUCCI, 1997, p.95).
Consideramos, aqui, que esse cerne das políticas públicas encontra-se
fragilizado, em sua efetivação, no Brasil, ao menos naquilo que tange a áreas como
educação e saúde. Oliveira (2012) entende políticas públicas como a materialidade
da intervenção do Estado na sociedade civil, que, no uso do poder, utiliza-se dessa
intervenção para implantar ou reformular medidas que pretendem solucionar
problemas já conhecidos. Estas intervenções deveriam envolver todos ou um
determinado grupo específico no seu planejamento e/ou execução, já que resvalam,
mais direta ou indiretamente, na população como um todo. Mas, novamente, aqui,
esse é outro ponto de fragilidade, pois, na maioria das vezes as políticas públicas
são pensadas por um grupo reduzido de personagens, que nem sempre tem o
conhecimento – ou interesse- suficiente para problematizar e propor alternativas
efetivas de intervenção. As políticas públicas se materializam e adquirem força no
âmbito do Estado e, nesse sentido, Oliveira (2012, p.146) afirma como podem
ampliar as capacidades humanas:
[...] a qualificação profissional, compreendida como capacidade de ampliação das capacidades humanas, intelectivas e de base técnicas, assume a condição de direito dos trabalhadores brasileiros, devendo se realizar como forma de ampliar tais capacidades intelectivas e laborais, articuladas a um projeto de formação humana [...] possui dimensão e sentido públicos. Logo, deve ser assumida como de responsabilidade do Estado, na forma de promoção e execução.
Acompanhando Peter (2012), consideramos que para compreender as
políticas públicas se deve, inicialmente, levantar os seguintes questionamentos: a. o
que se está colocando como o problema a ser enfrentado/encaminhado pelas
políticas públicas?; b. quem delimitou tal problema, e em quais bases?; c. quais
setores sociais serão atingidos, e como? d. quais os recursos financeiros, materiais,
humanos, institucionais que serão empregados, quem arcará com os custos de tais
recursos e concordam com isso?
67
1.3.1. Políticas públicas para a juventude: o que se entende por juventude?
As políticas de educação profissional para a juventude entraram
decisivamente na agenda política como alternativa para “superação do quadro de
pobreza e de exposição às drogas e à violência que acomete a juventude brasileira”
(SILVA, 2012, p. 163). Cabe nesse momento, refletir sobre as políticas de educação
profissional para a juventude. Mas quando se fala em juventude, de que grupo de
pessoas está se falando? O que melhor define a juventude nos dias de hoje?
A juventude está definida, segundo o Estatuto da Juventude (2013), como:
“§1º Para os efeitos desta Lei, são consideradas jovens as pessoas com idade entre
15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”. León (2005, p. 13) também aponta
para a utilização cronológica para a definição de juventude no Brasil: “(...) tem-se
utilizado a faixa etária entre os 12 e 18 anos para designar a adolescência; e para a
juventude, aproximadamente entre os 15 e 29 anos de idade, dividindo- se por sua
vez em três subgrupos etários: de 15 a 19 anos, de 20 a 24 anos e de 25 a 29 anos”.
O autor nos traz um dado interessante sobre o entendimento de juventude no que se
refere ao recorte cronológico nos países ibero-americanos, em que se verifica uma
grande diferença entre eles:
[...] entre 7 e 18 anos em El Salvador; entre 12 e 26 na Colômbia; entre 12 e 35 na Costa Rica; entre 12 e 29 no México; entre 14 e 30 na Argentina; entre 15 e 24 na Bolívia, Equador, Peru, República Dominicana; entre 15 e 25 na Guatemala e Portugal; entre 15 e 29 no Chile, Cuba, Espanha, Panamá e Paraguai; entre os 18 e 30 na Nicarágua; e em Honduras, a população jovem corresponde aos menores de 25 anos (CEPAL e OIJ, 2004, apud. LEÓN, 2005, p. 13)
Porém, a definição do que é juventude vai muito além da limitação
cronológica do tempo:
[...] definir juventude implica muito mais do que cortes cronológicos, vivências e oportunidades em uma série de relações sociais, como trabalho, educação, comunicações, participação, consumo, gênero, raça etc. Na realidade, essa transversalidade traduz que não há apenas um grupo de indivíduos em um mesmo ciclo de vida, ou seja, uma só juventude (CASTRO; ABRAMOVAY 2002, p.17).
Silva (2012, p. 164), aponta que até pouco tempo a compreensão de
juventude estava predominantemente relacionada a uma cronologia determinada, ao
qual se encontra subjacente uma visão estável e bem delimitada do
68
“amadurecimento biológico”. Mas, com todas as mudanças sociais ocorridas nas
últimas décadas, esta definição cronológica/ biológica, não deve mais ser concebida.
Nesse sentido, segundo Silva (2012, p. 165), “[...] a juventude se prolonga até depois
dos 30 anos, o que significa um terço da vida”.
Segundo Castro e Abramovay (2009, p. 217), podem-se adotar duas formas
de se tentar caracterizar a juventude. Uma delas adota a perspectiva de que a ideia
de juventude está representada por um “contingente populacional com
características comuns”. A outra forma concebe a “juventude como um grupo dotado
de identidade própria, dentro de uma perspectiva social, histórica e cultural”. Porém,
as autoras apontam para a ótica que descarta parcialmente o marco teórico como o
que pode caracterizar a juventude valorizando a categoria sociológica do jovem.
Defendendo que a juventude vai adquirindo autonomia pessoal compatível com as
transformações sociais, “[...] o que assim significaria que ela representa uma fase
mais propícia à redefinição das bases de socialização geracional”.
Nesta mesma linha de pensamento, León (2005) entende que a juventude
corresponde a uma construção social, histórica, cultural e relacional em que vão se
transformando. Ele também concorda que o recorte na categoria etária não é
suficiente para compreender e definir a juventude de forma justa, mas vê nesse
recorte um valor necessário quando se trata de fazer algumas delimitações:
A definição da categoria juventude pode ser articulada em função de dois conceitos: o juvenil e o cotidiano. O juvenil nos remete ao processo psicossocial de construção da identidade e o cotidiano, ao contexto de relações e práticas sociais nas quais o mencionado processo se realiza, com fundamentos em fatores ecológicos, culturais e socioeconômicos. (LEÓN, 2005, p. 14).
Carrano (2003, apud Silva 2012, p. 166) entende que é “mais adequado
compreendê-la como uma complexidade variável, que se distingue por suas
diferentes maneiras de existir, nos diferentes tempos e espaços”. Para o autor, a
noção de juventude é resultado da experiência histórica social de um determinado
indivíduo e varia de acordo com a formação humana. Nesta perspectiva, a juventude
é uma definição cultural, que, dessa forma, está em constante transformação,
conforme as bases culturais de uma sociedade também se modificam. Na sociedade
brasileira o jovem é visto como um ser em transição entre a infância e a fase adulta.
69
Mas, mais que um momento de transição, é um período, relativamente extenso de
tempo, em que o indivíduo está se estabelecendo no mundo, traçando suas
escolhas profissionais, sua maneira de se portar em diferentes ambientes,
adequando ou reinventando-se neles. É uma fase que pode ser bastante intensa,
em que começam a tomar decisões por si próprios, a dimensionar o impacto dessas
em seu futuro, que agora passa a depender deles. Como em nossa cultura,
espelhando aquelas das culturas urbanas, as crianças são tuteladas até chegar
nessa fase da vida, os jovens sentem muitas dificuldades em decidir quais caminhos
escolher. Ou seja, a situar-se com autonomia no mundo. Ao mesmo tempo em que
são cobrados para fazerem escolhas “maduras”, muitos parecem não possuir a
experiência suficiente para fazê-las, o que não significa que não tenham potencial
para tanto. Também nesse período os jovens, numa maneira ampla, ainda não
possuem uma plena credibilidade social, o que faz com que sejam vistos como
quase-adultos potencialmente responsáveis, mas, ainda, fonte de instabilidade para
a sociedade.
Os dados sobre a população jovem devem ser levados em consideração para
se entender a importância em ter atenção especial com esse grupo, principalmente
em relação às políticas públicas:
Não é por acaso que existe atualmente um movimento político para a juventude, pois, pelas características demográficas, os países latino-americanos e caribenhos vivem uma “onda jovem”, formada por uma população majoritariamente juvenil. Compõe um setor que, por um lado, carece de estruturas dentro das políticas públicas e, por outro, é um nicho de mercado promissor e em potencial [...] Frente a estas características, o Brasil possui uma população jovem formada por 34.236.060 habitantes (IBGE, 2013), o que significa 18% da população do país com idade entre 14 e 24 anos (BARREIRO; MALFITANO, 2014, p. 135).
Para Silva (2012), esta compreensão da diversidade juvenil é importante para
a formulação de políticas específicas e adequadas para esse público. Pois, na
maioria das vezes, essas políticas são pensadas e definidas utilizando-se de
critérios apenas econômicos, ou etários, e sem a participação dos próprios jovens,
maiores interessados, em sua elaboração, execução ou avaliação. Ferindo o próprio
Estatuto da Juventude, em seu Art. 4o, que assim coloca: “O jovem tem direito à
participação social e política e na formulação, execução e avaliação das políticas
públicas de juventude” (BRASIL, 2014). Essa ausência de voz dos jovens na
70
formulação e implantação de políticas públicas, ou mesmo o recorte sobre o qual se
fundamentam (viés econômico, por exemplo, centralizando-se na juventude
vulnerável economicamente) geram políticas que redundam no controle social, mas
sem transformar a sociedade.
Segundo Malfitano (2011, apud BARREIRO; MALFITANO, 2014), há pouco
tempo é que se passou a ter um enfoque das políticas públicas sobre a juventude.
Em meados da década de 1980, houve a possibilidade de elaboração e
implementação de políticas públicas, em diversas questões sociais, com enfoque
inicialmente no público infanto-juvenil, mas com maior atenção para a infância e a
adolescência, deixando-se de lado, nesse momento, a juventude. As políticas
voltadas para a juventude começam a ter maior atenção a partir do ano de 1994,
porém, com propostas e ações que visavam especialmente à prevenção da violência
e o controle comportamental desse grupo, que era visto como ameaça para o
restante da população. Segundo Sposito e Carrano (2003, apud BARREIRO;
MALFITANO, 2014), tinham um efeito compensatório, relacionado nomeadamente
às questões socioeconômicas que atingiam a juventude. Originaram-se, dessa
forma, propostas simplistas de redução da violência, principalmente focadas na
juventude economicamente vulnerável, com medidas emergenciais, que não tinham
como preocupação a prevenção da violência e a oferta de novas possibilidades para
os jovens, em especial para aqueles em situação de conflito com a lei, pois viam
nesses, uma ameaça à sociedade.
A partir dos anos 2000, segundo Freitas (2012), a institucionalização de
políticas públicas no Brasil passou a ter o entendimento de que é preciso políticas
específicas para atender as questões que afetam a juventude. Entendendo que as
Políticas Públicas objetivam atender grupos específicos para resolver problemas
também específicos da população, o que nos preocupa é o que aponta Freitas
(2012, p. 185) de que para a juventude se mantêm “ainda nos dias de hoje a
categorização de que as políticas para juventude devem destinar-se aos jovens em
“situação de risco social””. Quem delimita quem é o jovem em situação de risco
social? A juventude brasileira, como um todo, não apresenta problemas específicos,
que deveriam ser contemplados, numa lógica de que a atenção a um determinado
problema não excluiria a preocupação com outros problemas? Ainda, se as políticas
71
públicas feitas até hoje, para a juventude em “situação de risco”, não estão sendo
suficientemente eficazes, haja vista a precariedade de perspectivas de vida da
nossa juventude3, e se o foco continua o mesmo, algo precisa ser repensado. Para
Castro e Abramovay (2002, p. 33): “Apreendidos como vítimas, ora como promotores
de um problema social específico (violência), os jovens são representados como
uma espécie de ameaça à estabilidade do sistema”. E continuam:
[...] apesar dos jovens inscritos para participarem como beneficiários de programas serem oriundos de estratos sociais baixos, não se dever frisar tais jovens com “grupo de risco”, sob pena de representar um retrocesso, visto que esse tipo de referência não contribui para a construção de cidadania, mas, ao contrário, estigmatiza e exclui (CASTRO; ABRAMOVAY, 2002, p. 33).
Outra crítica feita pelas autoras é que essas políticas são muitas vezes
desconhecida ou ignoradas pela sociedade. Segundo as autoras, há uma tendência
a inauguração ou lançamentos com eventos festivos, mas nem sempre houve uma
análise para saber as reais necessidades da comunidade. Além disso, muitas vezes
não há preocupação com o processo de implantação, implementação e avaliação
dos programas. E criticam, ainda, que muitas vezes se pensa apenas na questão
material como, por exemplo, na criação de quadras de esportes para ocupar os
jovens nos tempos livres por uma determinada região. Mas se limita somente a
construção da quadra “não se faz um acompanhamento crítico e nem uma prestação
de contas à população sobre gastos públicos. Não há propriamente preocupação
com políticas universalistas e específicas, orientadas para a diversidade de seus
beneficiários em termos geracionais, que resgatem as identidades” (CASTRO e
ABRAMOWAY, 2002, p. 37).
Sobre os apontamentos dessas autoras, pode-se observar que houve
avanços na agenda pública no que se refere às políticas públicas para a juventude,
mas também apontam para o recorte de classe social, que continua a priorizar a
população jovem pobre. Nesse sentido, fazemos um questionamento sobre como
favorecem para que se garanta o acesso aos direitos sociais de todos os jovens,
inclusive daqueles que não se encontram em situação de vulnerabilidade 3 Dados do IBGE (Indicadores Sociais, 2015) mostram sobre a população jovem brasileira entre 15-29 anos de idade que, 22,5% só estuda, 13,1 % estuda e trabalha, 44,5 % só trabalha e 20,0% não estuda e não trabalha.
72
econômica, mas podem enquadrar-se em outras vulnerabilidades? Entendemos que
deve, sim, haver uma preocupação com políticas públicas para grupos específicos,
porém, não devem ser reduzidas somente a ações que visam atender à juventude
negra ou àquelas econômica e socialmente marginalizadas, por exemplo. Precisam
ser mais abrangentes, para a juventude brasileira como um todo, sob pena de não
se efetivarem como públicas.
Acreditamos que devam trabalhar com propostas que possam ajudar na
construção e no desenvolvimento de habilidades importantes na defesa dos direitos,
permitindo que todos os jovens, pobres ou não, negros ou não, sejam cidadãos
conscientes, seres de direitos e agentes de transformação. Para isso é preciso que
essas políticas se preocupem em ajudar na construção do empoderamento e na
emancipação dos jovens, devendo, portanto, agirem equanimemente, contemplando
as especificidades da situação econômica e de estigmas sociais.
Segundo Barreiro e Malfitano (2014, p. 139), “o movimento de discussão de
uma agenda para a juventude iniciou-se por solicitação da Presidência da República,
com a criação da Comissão Especial de Políticas para a Juventude (CEJUVENTE),
em 2003, sediada na Câmara Federal de Deputados”. Embora seja importante
reconhecer que já havia movimentos trabalhando nas questões que envolvem
interesses da juventude de formas isoladas e que se fortaleceram a partir dessa
comissão. Segundo esses autores, em um mapeamento dos programas federais já
existentes voltados à juventude, promovido quando do estabelecimento dessa
Comissão, foram identificados 45 programas com 135 ações, das quais apenas 19
ações eram, de fato, destinadas para a juventude. Através desses dados, fica
evidente a fragmentação e a fragilidade das políticas brasileiras para a juventude.
Como resultado desse processo foi criado a lei Nº 11.129, de 30 de junho de 2005,
que institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), a criação do
Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e a Secretaria Nacional de Juventude.
O ProJovem foi lançado em 2005, como programa emergencial e
experimental, destinado a executar ações integradas que propiciassem aos jovens
brasileiros, na forma de curso previsto no Art. 81 da LDB elevação do grau de
escolaridade visando a conclusão do ensino fundamental e da qualificação
profissional, voltada a estimular a inserção produtiva cidadã dos jovens entre 18 e 24
73
anos. Reestruturado em 2008, e mantida a proposta inicial de elevação de
escolaridade, a qualificação profissional e a inclusão cidadã, passou a ser
denominado de Projovem Integrado, se dividindo em quatro modalidades, para
atender aos jovens com diferentes perfis com idades entre 18 e 29 anos. O
Projovem Urbano, que ficou sob responsabilidade da Secretaria Geral da
Presidência da República; o ProJovem Campo, coordenado pelo Ministério da
Educação; o ProJovem Trabalhador, de responsabilidade do Ministério do Trabalho
e Emprego; e o ProJovem Adolescente regulado pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome.
Já o Conselho Nacional da Juventude tem como desígnio formular e propor
diretrizes da ação governamental, voltadas especialmente para a promoção das
políticas públicas para a população jovem. A Secretaria Nacional de Juventude ficou
responsável pela função de articular intersetorialmente as ações em âmbito nacional
para a juventude.
Catro e Abramoway (2002, p. 21) sugerem como forma de obter melhores
resultados por meio das políticas públicas, que estas sejam propostas de maneira
participativa “de/para/com” a juventude: “Entende-se que esse deva orientar uma
política em que o elemento integrador, quer nas ações que fazem parte de políticas
universais, quer nas políticas específicas para jovens (...)”. As autoras compreendem
que existem alguns vieses em paradigmas conceituais sobre juventude que devem
ser analisados, pois, para elas, são decisivos para a ausência ou ineficácia de
políticas públicas para a juventude. Como exemplo citam três fatores que dificultam
a eficiência e eficácia dessas políticas: não conceber os jovens como atores com
identidades próprias; não considerar a diversidade existente entre as juventudes
abandonando a compreensão de que vêm de contextos diferentes e por isso são
heterogêneas e; pensar sempre no jovem como o futuro, abandonando a concepção
do jovem como agente histórico no presente.
Pensando na juventude em sua amplitude, não há como não refletir na
questão da formação profissional e do trabalho, que são uns dos pontos principais
de preocupação desse grupo. O artigo 14 do Estatuto da Juventude (2013) afirma
que “O jovem tem direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, exercido em
74
condições de liberdade, equidade e segurança, adequadamente remunerado e com
proteção social”.
Contemporaneamente, alguns programas governamentais destinam-se à
formação educacional e profissional para os jovens, assim, além do ProJovem,
temos o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec),
instituído pela Lei n. 12.513, de 26 de outubro de 2011, ainda pouco estudado em
seus princípios e formas de efetivação. O Pronatec faz parte do programa Brasil sem
Miséria e tem como proposição oferecer a jovens e adultos, inclusive àqueles
trabalhadores, “maiores oportunidades”, por meio de cursos de formação inicial e
continuada. Há inúmeras críticas tanto quanto à fragilidade dessa proposta quanto à
superficialidade da formação oferecida. Não aprofundaremos, aqui, nessas críticas,
mas para uma verificação dessas ver Scavo e Bezerra (2014), Franzoi, Silva e Costa
(2013) e Saldanha (2012).
Muito tem se discutido nas instituições de educação, especialmente nas
instituições de educação profissional, sobre a formação que se deve proporcionar
aos jovens. Com base na elaboração de políticas públicas para a juventude, tem-se
discutido a efetividade das possibilidades de inserção da juventude no mercado de
trabalho, na educação, na política e na cultura. As legislações como a LDB 9394/96,
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio, Parecer 5154/04, dentre outros, assinalam para uma educação para a
emancipação, que leve o jovem a ser protagonista, que tenha uma formação
holística, enfim, sempre um discurso da oferta para uma formação integral. Porém,
com poucas práticas efetivas para que essa proposta de educação se concretize.
Em uma análise crítica, diversos programas voltados para a juventude
brasileira, especialmente no que se refere à educação ou qualificação profissional,
apresentam em suas propostas falhas perceptíveis, embora reconheçam-se suas
contribuições. Como já mencionado anteriormente, um ponto em questão é que são
programas, na maioria das vezes, isolados uns dos outros, o que já seria prejudicial
à efetivação do proposto nessas legislações, por não haver uma sequência ou uma
complementação entre eles. Outro ponto que destacamos é que esses programas
tendem a demonstrar que são a solução definitiva dos problemas enfrentados por
determinado grupo social, dando a entender que são um fim em si mesmos, como
75
se bastassem para resolver os problemas que envolvem a juventude. As políticas
públicas para educação e trabalho são precárias no Brasil e muitos programas de
educação profissional possuem estratégias descontextualizadas e descontínuas,
que poucos valores agregam à formação dos jovens, que buscam nelas novas
oportunidades. Nesse sentido, a educação profissional ou qualificação profissional
aparecem como “soluções” para os problemas enfrentados pelos jovens, como
desemprego, pobreza, violência, drogas entre outros. Sobre o uso desse argumento
Segnini (2000, p. 75) observa:
O desemprego crescente de trabalhadores escolarizados, sobretudo nos setores mais modernos da sociedade, é tomado como um dos argumentos para tornar relativa essa perspectiva instrumental da educação que se expressa como se fosse capaz de garantir o emprego ou, até mesmo, o trabalho.
O problema está em entender que a educação/ qualificação profissional, por
si só, não consegue solucionar tudo isso. Segundo Arruda (2010, p. 02), na visão de
Mészáros (2002), ao transferir a responsabilidade do desemprego para a educação
ou qualificação profissional está se transferindo também para o próprio indivíduo
essa responsabilidade, além de promover “uma inversão na ideologia de
meritocracia da sociedade capitalista: a meritocracia pelo trabalho cede lugar à
meritocracia pela educação”. O argumento de que a formação profissional poderia
solucionar o problema do desemprego, embora pareça lógico em sua formulação, se
sustenta apenas quando a economia se encontra “aquecida”. O discurso de que é
preciso se profissionalizar para garantir uma vaga no mercado de trabalho, ou é
preciso se qualificar para manter-se no mercado de trabalho, precisa ser
reelaborado. Isso se a concepção de formação profissional estiver ligada somente à
qualificação profissional, que prepara o educando apenas para exercer uma
determinada profissão/função. Nessa perspectiva, Segnini (2000, p. 79), afirma que:
A qualificação assim compreendida expressa relações de poder no interior dos processos produtivos e na sociedade; implica também o reconhecimento que escolaridade e formação profissional são condições necessárias, mas insuficientes, para o desenvolvimento social. Isso porque se sabe que somente políticas e ações concretas, que possibilitem real desenvolvimento social e econômico (distribuição de renda, reforma agrária, reforma do sistema de saúde e educacional), podem estar superando desigualdades e construindo condições sociais que redundam em cidadania. E só encontram sentido social no interior de um projeto de
76
desenvolvimento econômico que possibilite direitos sociais, entre eles, o trabalho.
Na concepção da educação profissional, em que há a preocupação com a
educação holística que prepara também para o trabalho, não há necessidade em
mudar o discurso, uma vez que este já deve ser de que a educação profissional
pode contribuir para a transformação da sociedade. Entendendo-se que manter um
registro em carteira e a venda da força de trabalho por um valor no final do mês, não
é o suficiente para garantir a cidadania. A relação educação e trabalho deve
contribuir para uma formação ética, cidadã, crítica, reflexiva, que leve à autonomia e
à emancipação. A questão é investigar se e como se configura, na educação
profissional, a fundamentação legal, e o exercício dessa, para a formação integral do
jovem.
1.4. Principais instituições de educação profissional no Brasil na atualidade
A educação profissional é ofertada em todo o país e ganhou muita atenção
nos últimos oito anos. Dentre as instituições que oferecem educação profissional
destacam-se: O Centro Paula Souza, que é uma autarquia do Governo do Estado de
São Paulo, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência,
Tecnologia e Inovação e conta com a oferta de cursos técnicos em 219 Escolas
Técnicas Estaduais (Etecs) e cursos de tecnologia com 66 Faculdades de
Tecnologia (Fatecs), reunindo aproximadamente 283 mil alunos em cursos técnicos
de nível médio e cursos tecnológicos, em mais de 300 municípios no estado de São
Paulo, segundo dados do site oficial, disponíveis em: http://www.cps.sp.gov.br/#.
Outra oferta de educação profissional no país é o Sistema S, conhecida assim
por integrar diversas organizações e instituições, cujos nomes se iniciam com essa
letra, já acima referida. Segundo o Portal Brasil (2015), o Sistema S conta hoje com
11 instituições, e dentre as organizações e instituições do Sistema “S” se destacam:
o Serviço Nacional de Aprendizagem na Indústria (SENAI), que oferece educação
profissional na prestação de serviços de assistência técnica e tecnológica para a
indústria; o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), que se dedica à
oferta de educação profissional para trabalhadores na área de comércio e serviços;
o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), que oferece educação
77
profissional para trabalhadores rurais; o Serviço Nacional de Aprendizagem em
Transportes (SENAT), que oferece educação profissional para trabalhadores na área
de transportes, dentre outros. Os cursos, em sua maioria, são oferecidos
gratuitamente, e em alguns casos, quando oferecidos por instituições particulares,
são cobrados valores considerados mais baixos do que de instituições particulares
normalmente cobram pelos seus cursos.
1.4.1. Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Em se tratando de instituições que oferecem educação profissional e
tecnológica, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, possuem
destaque nessa investigação, tanto em termos de sua representatividade no Brasil
quanto para nosso interesse como objeto de pesquisa. Tais instituições se fazem
presentes em todo o território nacional e tem em sua proposta ofertar uma educação
profissional que visa à formação holística dos educandos, previstas em seus
documentos direcionadores. No intuito de dar maior espaço para a educação
profissional, o governo federal, investiu entre os anos de 2011 e 2014, mais de R$
3,3 bilhões nessa modalidade de ensino, ampliando a oferta de cursos e vagas por
meio do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica. O que, consequentemente, teve um aumento significativo na oferta de
cursos não só para a juventude brasileira, mas também para aqueles que, já adultos,
pretendem retornar aos estudos e buscar novos horizontes pessoais e profissionais.
A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica teve início
em 23 e setembro de 1909, por meio do Decreto 7566, com a criação de 19 escolas
chamadas de Escola de Aprendizes e Artífices. Essas que não tinham sido criadas
“para todos”, destinavam-se para os filhos do proletariado, para treinamento laboral,
como forma de garantir um lugar definido na estrutura social, afastando esses jovens
do crime e da ociosidade. Em um regime rigoroso disciplinar, condicionava seus
alunos a serem passivos, disciplinados e obedientes. Em 1937, por meio da Lei nº.
378 transformaram as Escolas de Aprendizes Artífices em Liceus Industriais, dada a
exigência da mecanização da produção industrial brasileira, mas sem mudanças na
forma com que pregavam a educação profissional.
78
No ano de 1942, segundo Cunha (2012), pelo Decreto nº 4127, de 25 de
fevereiro, os Liceus transformam-se em Escolas Industriais e Técnicas. As quais, por
sua vez, organizavam seus cursos para atender às demandas da indústria, com a
mesma forma de ensino disciplinado e restrito à qualificação profissional. Em 1959
estas escolas transformam-se em Escolas Técnicas Federais, ganhando autonomia
na gestão e na didática e ampliando a oferta de cursos técnicos. Após quase duas
décadas, três Escolas Técnicas Federais (Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro) se
transformam em Centros Federais de Educação e Tecnologia. Esse processo
continuou de forma gradativa para outras Escolas Técnicas Federais, até o ano de
2008. Em dezembro de 2008, por meio da Lei nº 11.892, a Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica criou o Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia, passando automaticamente todas as escolas técnicas vinculadas às
universidades federais à condição de campus do Instituto Federal. Esta lei inclui
também a Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, Centros Federais
de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET-RJ e de Minas Gerais
- CEFET-MG; escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais e o Colégio
Pedro II no Rio de Janeiro.
Os Institutos Federais, que são equiparados às universidades federais, são
instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares
e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas
diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos
técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas (BRASIL, 2008).
Segundo o portal do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF), os Institutos Federais
contam com 564 campi espalhados pelo Brasil, com 846.710 mil matrículas. Não
entraremos aqui na questão da permanência e evasão nos Institutos Federais,
considerando que cabe estudo dedicado especialmente a este tópico. Mas
levantamos aqui que esse tema deva ser alvo de preocupação, pois atinge números
altos, como exposto no gráfico a seguir:
79
Gráfico 01. Evolução do numero de ingressantes, matriculados concluídos e evadidos em cursos ofertados pela Rede Federal de 2009 a 2013:
No âmbito dos objetivos dessa investigação, o foco está no investimento que
se teve, especialmente nos últimos 8 anos, nesta modalidade de educação e na
efetividade da proposta de educação profissional e tecnológica, delineada em seus
documentos direcionadores.
Segundo Arcary (2015), a Rede Federal de Educação Profissional, que
completou no ano de 2014 seus 105 anos de existência, teve maiores e
significativas transformações no que se refere à educação pública, nos últimos
quinze anos. Desde o fim da ditadura militar, em 1985, nenhuma outra esfera da
educação pública no Brasil mudou tanto quanto essa modalidade de ensino. Em
especial, e que mais nos interessa, são as mudanças de ordem qualitativa, para as
quais são fundamentais mudanças de ordem conceitual e epistemológicas, da
educação profissional.
Por meio de um acordo firmado entre os Institutos Federais (IF’s) e o
Ministério da Educação (MEC), sobre a forma de distribuição dos cursos, foi
estabelecido que do total das vagas ofertadas, um mínimo de 50% devem ser
destinadas para cursos técnicos de nível médio, que englobam os cursos
concomitantes e subsequentes, integrados ao ensino médio e o Programa Nacional
de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
80
Educação de Jovens e Adultos (Proeja), com obrigatoriedade de no mínimo 10% da
oferta. E, ainda, a oferta de 20% das vagas destinadas a cursos de licenciatura ou
formação pedagógica. Podendo os outros 30% serem divididos, de acordo com as
necessidades regionais, entre cursos Tecnólogos, bacharelados, engenharias, pós-
graduação lato sensu e stricto sensu. Além da oferta de cursos de formação inicial e
continuada, cursos de educação a Distância, dentre outros. Segundo Pacheco,
Essa organização pedagógica verticalizada, da educação básica a superior, é um dos fundamentos dos Institutos Federais. Ela permite que os docentes atuem em diferentes níveis de ensino e que os discentes compartilhem os espaços de aprendizagem, incluindo os laboratórios, possibilitando o delineamento de trajetórias de formação que podem ir do curso técnico ao doutorado (PACHECO, 2010, p. 09).
Um ponto importante, além do aumento significativo no número de oferta da
educação profissional e tecnológica, está no novo sentido que se dá, pelo menos
documentalmente, na concepção da educação profissional e tecnológica. Nesse
sentido, o MEC, em 2005, anunciou como compromisso:
Corrigir distorções de conceitos e de práticas decorrentes de medidas adotadas pelo governo anterior, que de maneira explícita dissociaram a educação profissional da educação básica, aligeiraram a formação técnica em módulos dissociados e estanques, dando um cunho de treinamento superficial à formação profissional e tecnológica de jovens e adultos trabalhadores (BRASIL, 2005, apud SILVA 2012 p. 174).
Na avaliação de Silva (2012), o decreto 5154/04 cumpriu parcialmente com
esta proposta, principalmente com a possibilidade da oferta dos cursos técnicos
integrados ao ensino médio e da obrigação de integração entre a formação técnica e
a formação geral. Mas, também avalia que mesmo com este avanço legal, ainda
existem muitos “entraves”, que dificultam esta interação como, por exemplo, o perfil
dos professores, as estruturas físicas, a estrutura curricular fragmentada, entre
outros pontos, que não permitem maior liberdade para a efetivação de uma
educação, de fato, transformadora. Nesse aspecto, Pacheco (2010, p. 09) afirma
que as propostas dos IF’s “devem ir além da compreensão da educação profissional
e tecnológica como mera instrumentalizadora de pessoas para ocupações
determinadas por um mercado”. O autor reforça que a emancipação dos jovens está
entre um dos principais objetivos dos IF’s. Para ele, a perspectiva da educação para
81
o trabalho nos IF’s é entendida como “potencializadora do ser humano, enquanto
integralidade, no desenvolvimento de sua capacidade de gerar conhecimentos a
partir de uma prática interativa com a realidade, na perspectiva de sua
emancipação” (PACHECO, 2010, p. 22).
Além da expansão na educação profissional e tecnológica, Frigotto, Ciavatta e
Ramos (2005, apud Silva 2012) ainda acrescentam que na política da educação
profissional, a partir da eleição do governo do Partido dos Trabalhadores, além do
plano de expansão dos IF’s, houve a realização de alguns programas, já
anteriormente citados, como a integração do Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de
Jovens e Adultos (Proeja); o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem);
o Programa de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); dentre outros
programas, que representam uma expansão significativa na oferta da educação
profissional para a juventude. Mas que, segundo esses autores, estão desintegrados
de outras políticas públicas, e, praticamente sem terem sido discutidos e
encampados pela comunidade, extremamente dependentes de dotação
orçamentária estatal.
O que os torna fragilizados em cenários de turbulências político-econômicas,
ou mesmo das figuras que ocupam posições decisórias na esfera estatal, ou seja,
são políticas públicas, mas não têm se configurado como políticas de Estado. Se
mostram, dessa forma, mais bem caracterizados mesmos como “programas”, a
nomenclatura como são adjetivados oficialmente, o que indica seu caráter de
provisoriedade. Para Marinho e Façanha (2001, p. 01), algumas características dos
programas sociais são: “a. elaborados para atender a objetivos genericos, multiplos,
e de dificil verificacao a priori”; “b. à sua descentralização operacional, envolvendo
entidades e instituições de administração complexa e burocráticas, dificultando a
coordenação das ações”; “c. às regras de financiamento e de repasses adotadas
que, em geral, não são integradas e estruturadas pelos objetivos que se pretende
estimular”; d. aos períodos de vigências dos programas, que nem sempre
claramente postos, e geralmente não alinhados aos fechamentos dos anos fiscais e
orçamentários, redundam numa instabilidade de recursos financeiros, que ameaça a
continuidade dos programas.
82
Sobre a falta de integração entre esses programas, Macedo (2012, p. 225)
identifica como um problema em relação a essa forma de fazer políticas públicas,
que “As propostas específicas para a juventude ainda são vistas como um conjunto
de caixinhas (...)”, colaborando para uma fragmentação das políticas públicas para a
juventude, faltando conjunto e integralidade nas propostas, que surgem de formas
isoladas e que não dialogam.
Segundo Silva (2012), é preciso refletir sobre o que foi e está sendo feito
tanto política quanto ideologicamente sobre os investimentos na educação
profissional, no sentido de entender se verdadeiramente estão trazendo a ação
transformadora para a juventude, no que diz respeito à autonomia e emancipação,
como está proposto em documentos e diretrizes dos IF’s; como será adiante tratado.
Segundo o autor, o crescimento da rede federal de educação profissional é uma
oportunidade histórica para “oxigenar” o debate sobre a educação profissional
transformadora, para além dos interesses do capital.
Dentre os objetivos dos IF’s, destacamos aqui o inciso V do artigo 7º da Lei nº
11.892, propõe o estímulo e apoio a processos educativos que levem à geração de
trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento
socioeconômico local e regional. Pode-se entender que a expansão da rede federal
de educação profissional e tecnológica pode ser uma boa oportunidade para
incentivar o debate acadêmico e político, para mobilizar não só docentes, mas
discentes e gestores, como também toda a comunidade escolar para a construção
de alternativas verdadeiramente emancipatórias.
Os discursos da maioria das instituições de educação profissional, seguidos
das legislações que as regem, referem-se à educação para a emancipação, mas é
preciso investigar se na prática essas instituições, em especial o Instituto Federal de
São Paulo no campus aqui investigado, estão envolvidos com a formação integral do
alunado, que levaria à autonomia e à emancipação do jovem, e que possibilite
também uma formação para o trabalho e não para o emprego.
83
1.4.2. Das possibilidades para uma educação profissional que seja
emancipadora
Cada Instituição de educação possui suas diretrizes traçadas por legislações
próprias, de ordem externa, assim como documentos importantes, que normatizam
as práticas e os que são constituídos internamente, como, por exemplo, o Projeto
Político Pedagógico (PPP), os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPCs), dentre
outros. Esses documentos têm como propósito estabelecer a forma de trabalho que
cada instituição de educação adotará, baseadas em seus princípios ideológicos,
metodológicos, formas de avaliação, enfim, os pressupostos que as direcionam.
A questão está em entender se a proposta posta na legislação, em especial
no caso da educação profissional para os cursos Técnicos Integrados ao Ensino
Médio, vigora, ou se está ainda conduzida e amalgamada, na prática cotidiana, com
os princípios de uma educação acrítica e passiva, às quais se encontra subjacente a
concepção de que a função da educação profissional é preparar para o emprego,
oferecendo, dessa forma, condições de mobilidade social para jovens de baixa
renda, conforme posto por Prestes e Véras (2009). Ou, ainda, segundo a concepção
expressa por Wermelinger; Machado e Filho (2007), de que aqueles que estão na
educação profissional não teriam condições, de várias ordens, para dirigirem-se à
educação superior, valendo-se, assim, da educação profissional como
“terminalidade” dos estudos.
Ou, ainda, se no momento em que se cria o Projeto Político Pedagógico, os
Projetos Pedagógicos de Cursos e outros documentos direcionadores, se pensa em
uma atuação para que a educação profissional transforme a situação de
conformidade com a natureza das coisas, e que traga para os educandos a
possibilidade de refazerem suas histórias por meio de uma educação
transformadora, que possibilite que eles possam configurar novas realidades de
vida, pautadas na liberdade, na democracia e no empoderamento dos educandos.
Não pretendemos, novamente, adotar uma postura ingênua, de que a educação, por
si, será capaz de operar transformações radicais na sociedade, mas acreditando que
pode ser impulsionadora de outras formas de conceber a realidade, a partir daí,
gerando-se um movimento de transformação.
84
Empoderamento é um termo continuamente referido nos discursos ligados à
educação emancipatória. Pinto 1998 (apud Carmo, 2007) define empoderamento
como sendo um processo de reconhecimento, criação e utilização de recursos e de
instrumentos pelos indivíduos, grupos ou comunidades, que se traduzem em
acréscimo de poder. Seja esse poder de ordem psicológica, sociocultural, político
e/ou econômico, levando a aumentar a eficácia dos sujeitos no exercício da
cidadania. Para uma educação que empodere é necessário considerar que não se
“dá poder” ao outro, não se pode pressupor que esta ou aquela instituição ou
educador dará, oferecerá o empoderamento aos seus educandos. Isto deve fazer
parte do princípio da instituição, que em suas práticas cotidianas, trabalhará e
constituirá as condições para que a construção do empoderamento dos seus
educandos se efetive. Isso exige constituir espaços de diálogo, de tomadas de
decisão coletivas, do exercício de uma gestão participativa e democrática, o que se
traduz não só no empoderamento dos estudantes, mas também dos docentes,
funcionários e comunidade acadêmica. Assim, se impulsiona o compartilhamento do
empoderamento com famílias, comunidades e outros ambientes sociais, para
semear e cultivar a transformação social.
A proposta da pesquisa não visa pensar na revolução da educação
profissional, como salvadora do mundo. Mas tem em seu propósito entender, na
prática, como se dá a formação para a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio nos cursos Integrados, sem ter a ideia inocente de que a instituição escolar é
a única responsável pela formação da consciência crítica dos indivíduos. Porém,
pensamos nesta como sendo um dos espaços que pode propiciar reflexões para a
formação voltada para a autonomia e emancipação. Oliveira (2012) ressalta que
para que a educação profissional não fortaleça a alienação dos jovens é preciso que
haja a indissociabilidade entre o pensar e o fazer na educação profissional, o que
poderá favorecer seu potencial criativo.
Azevedo (2009, p. 9) afirma que “a educação profissional tem um importante
lugar na educação”. Mas não pode ser entendida como um molde que apenas “[...]
hipervaloriza a aprendizagem da manipulação de objectos técnicos”. Para o autor, a
educação profissional deve valorizar “[...] a aprendizagem e a capacidade de diálogo
com os outros sobre os contextos, os objectos, o seu uso, as suas finalidades, as
85
influências recíprocas entre as partes e o todo, ou seja, sobre um quadro mais vasto
de uma aprendizagem tecnológica (tecnos+logos)”, de forma que favoreça a
manifestação da própria humanidade.
É preciso reflexão sobre os aspectos relevantes para o entendimento de
como os jovens podem desenvolver criticidade em suas práticas para não se
tornarem alienados por uma sociedade que busca manter o poder. Na proposta de
uma educação transformadora, os jovens devem colocar-se como agentes de
mudanças. Como destacou Oliveira (2012, p. 96):
Não entendo a escola como local de confecção de mentalidades revolucionárias ou anticapitalistas, mas considero que a passagem pelos bancos escolares ou pelos espaços educativos deve propiciar aos indivíduos o domínio de saberes qualificadores para uma intervenção social mais consciente e mais autônoma.
Rodrigues (2011), baseado no pensamento de Marx e Engels sobre a questão
da educação para a emancipação, nos faz refletir sobre qual o papel que a
educação exerce nas escolas. Entendida pelos autores como uma valiosa arma a
favor da emancipação do ser humano, a educação também mostra-se com poder
suficiente para alienar os sujeitos, e se será emancipatória ou alienante dependerá
ainda dos contextos dos demais grupos sociais com os quais o aluno estará em
contato. Pois a educação não é neutra, e pode revolucionar, da sua maneira, as
situações as quais alguns grupos sociais são expostos, ou apenas manter a relação
de desigualdade social, com base no poder aquisitivo e intelectual que os sujeitos
possuem, com lugares e condições distintas.
Assim, volta-se a questão sobre que proposta de educação profissional se
pratica no Instituto Federal de São Paulo no campus investigado? O que será
discutido na terceira parte desta pesquisa, por meio da análise dos dados
construídos ao longo dessa investigação, principalmente a partir dos encontros
presenciais com os professores do campus, que vivem este questionamento
diariamente, especialmente nos cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio. Há
diversos elementos envolvidos nessa questão, tanto quanto ao que os próprios
alunos esperam/buscam em sua formação profissional, até o que os professores
entendem por educação profissional. A educação praticada está valorizando apenas
a formação para o emprego que visa abastecer o mercado de trabalho mantendo
86
uma situação de poderes já estabelecida, considerando, com Frigotto (2001, p.80)
que:
Neste horizonte a educação em geral e, particularmente, a educação profissional se vincula a uma perspectiva de adestramento, acomodação, mesmo que se utilizem noções como as de educação polivalente e abstrata. Trata-se de conformar um cidadão mínimo, que pensa minimamente e que reaja minimamente. Trata-se de uma formação numa ótica individualista, fragmentária - sequer habilite o cidadão e lhe dê direito a um emprego, a uma profissão, tornando-o apenas um mero “empregável” disponível no mercado de trabalho sob os desígnios do capital em sua nova configuração.
Ou propõe e pratica uma formação para o trabalho, que vai muito além da
profissionalização, que visa à formação integral dos jovens?
Para uma educação profissional emancipadora, que objetiva proporcionar a
formação integral dos alunos, Frigotto (2001) aponta para cinco aspectos essenciais
a serem contemplados. São eles: que esteja pautada pela solidariedade e igualdade
entre os seres humanos; que a educação básica seja pública, laica, unitária, gratuita
e universal, centrada na ideia de direito subjetivo do ser humano; que seja uma
educação técnico-profissional sustentável e indissociável da educação básica; que
não se reduza a Educação Profissional como política focalizada apenas na geração
de emprego, ou preventiva ao desemprego e, por fim, que seja um processo que
articule organicamente as relações sociais de produção e as relações políticas,
culturais e educativas elaboradas com e para a sociedade, garantindo a participação
dos próprios interessados na elaboração, execução e avaliação dos processos.
Nesse sentido, Gadotti (2012) aponta para a necessidade de unir o ato
produtivo e o ato educativo, explicando que a unidade entre educação e o trabalho
deveria ser admitida como um meio decisivo para a emancipação do ser humano.
Assim, a interação entre o ensino e o trabalho seria a maneira dos homens e
mulheres saírem da condição de alienação. Segundo Gadotti (2012), Marx se
opunha à “profissionalização”, reservada unicamente para a classe trabalhadora,
pois defendia que a educação deveria ser pública, com acesso para todos; a
educação gratuita, de responsabilidade do Estado; e a educação pelo trabalho.
Frente a esta proposta de educação para a emancipação, Ribeiro (2003, apud
OLIVEIRA; ALMEIDA 2009, p. 163) compreendem que:
87
Hoje não se discute mais a educação somente para o trabalho, mas a educação integral do homem para o trabalho e para a cidade. À medida que o conhecimento passa a ser o elemento-chave do novo paradigma produtivo, a transformação educacional torna-se um fator fundamental no desenvolvimento dos seus requisitos básicos: capacidade inovadora, criatividade, integração e solidariedade. Uma nova abordagem para a educação traz implícita a necessidade de uma nova organização institucional, ou de uma reformulação de papéis dos atores envolvidos no processo da educação.
Mas até que ponto as instituições de educação profissional também se
envolvem com estas mudanças? De que forma isso se dá? Como se posiciona em
relação à dicotomia, apontada por Desaulniers, entre o “mundo da formação”,
especialmente aquela humanista, e o discurso da “qualidade total” da gestão
empresarial:
Em face dessa realidade, enquanto o mundo do trabalho defronta-se com as orientações que configuram a Qualidade Total (TCQ), que se efetiva através de um controle rigoroso da organização do processo de trabalho e da gestão, baseada numa metodologia que se apoia nos resultados das organizações junto ao mercado, o mundo da formação está impelido a produzir/formar o trabalhador que corresponda a tais exigências. A desarticulação que caracteriza esses dois mundos, mais ou menos acentuada dependendo da época, constitui-se hoje em um obstáculo a essa nova dinâmica imposta pelo avanço do capitalismo, tanto para o capital como também para o trabalho. E, nesse contexto, a produção de trabalhadores com uma nova “performance” exige estratégias de cunho pedagógico, que sejam devidamente planejadas, pois não há mais como esperar por aquela competência produzida naturalmente, de forma espontânea como, em geral, vinha acontecendo até bem pouco tempo (DESAULNIERS, 1997, p. 55).
Face à necessidade de mudança e de desmistificação da concepção da
educação profissional como aquela que assume, quase que automaticamente, o
sentido de “preparação para o trabalho”, para o que concorre, fortemente, seu
retrospecto histórico no Brasil, há a necessidade de compreender as novas
proposições da educação profissional. O decreto 5154/04, alterado pelo decreto nº
8.268, de 2014, reconhece a diferença entre trabalho e emprego quando, dentre as
premissas da educação profissional, em seu parágrafo II, aborda a articulação que
precisa ser feita dos esforços nas áreas da educação, do trabalho e do emprego, e
da ciência e tecnologia. Ainda, neste mesmo artigo, no parágrafo III, reconhece-se a
centralidade do trabalho como princípio educativo. O que, de certa forma, pode nos
mostrar que a concepção da educação profissional, que inicialmente se pautava
numa visão tecnicista, pode estar voltando seu olhar, contemporaneamente, para
88
uma educação profissional pensada na formação também para o mundo do trabalho,
mas não unicamente para o trabalho ou para o emprego. Sobre esta nova proposta
para a educação profissional, Oliveira (2012) enfatiza que a política da educação
profissional, que fundamenta o trabalho como princípio educativo, propõe uma
formação integradora e integrada, que pode contribuir para um projeto de formação
humana para além do trabalho. Preocupação compartilhada por Moura:
[...] é fundamental que o professor atente para o fato de que o trabalho como princípio educativo não se restringe ao “aprender trabalhando” ou ao “trabalhar aprendendo”. Está relacionado, principalmente, com a intencionalidade de que através da ação educativa os indivíduos/coletivos compreendam, enquanto vivenciam e constroem a própria formação, o fato de que é socialmente justo que todos trabalhem, porque é um direito subjetivo de todos os cidadãos, mas também é uma obrigação coletiva porque a partir da produção de todos se produz e se transforma a existência humana e, nesse sentido, não é justo que muitos trabalhem para que poucos enriqueçam cada vez mais, enquanto outros se tornam cada vez mais pobres e se marginalizam – no sentido de viver à margem da sociedade (MOURA, 2014, p. 99).
No contexto de grandes transformações capitalistas na atualidade, Oliveira
(2012) traz a discussão de que a educação profissional se revela também como um
fator de desenvolvimento, de competitividade, de qualidade e produtividade,
necessárias à nova cultura do trabalho. Essas mudanças trouxeram a necessidade
de mais investimentos na formação profissional, que busca agora não apenas um
profissional que saiba exercer mecanicamente uma determinada função. A demanda
hoje é por profissionais que tenham capacidade de pensar, agir, decidir, que tenha
responsabilidade. Observando que isso também pode se constituir numa “armadilha”
para as esperanças de uma educação emancipatória, pois ao se priorizar as
capacidades contemporâneas requeridas ao mercado, pode-se, mais uma vez,
constituir-se uma educação profissional alienante, daí a importância de uma
formação que vai além da preparação para a formação de um bom profissional, pois
este poderá se tornar apenas um executor de tarefas.
Assim, é necessária, para não cair nessa “armadilha”, que se pense em uma
educação para a vida. Silva (2012) aponta para a necessidade de o sistema
educacional dar ênfase à educação ao longo da vida e reforça que seja pública,
gratuita, de qualidade e participativa. Que esta nova concepção de educação
profissional assuma o compromisso de superar os processos de exclusão social,
89
que encontre políticas públicas de educação e trabalho que valorizem e pratiquem a
construção da autonomia e emancipação da juventude brasileira. Sobre a educação
ao longo da vida Gadotti (2009, p. 32) compreende que:
A educação ao longo de toda a vida implica ensinar a pensar, saber comunicar-se, saber pesquisar, ter raciocínio lógico, fazer sínteses e elaborações teóricas, saber organizar o seu próprio trabalho, ter disciplina para o trabalho, ser independente e autônomo, saber articular o conhecimento com a prática, ser aprendiz autônomo e a distância... enfim, adquirir os instrumentos necessários para continuar aprendendo sempre.
O estatuto da juventude, em seu artigo 2º, cita como primeiro princípio a
promoção da autonomia e emancipação dos jovens. E que a emancipação destes
“refere-se à trajetória de inclusão, liberdade e participação do jovem na vida em
sociedade” (BRASIL, 2013). Sobre a questão da autonomia, Freire (1996), em
“Pedagogia da Autonomia”, trata da necessidade de se respeitar a autonomia,
entendida como a consciência de quem decide os rumos do seu devir, e a dignidade
do educando, o que ele considera um “imperativo ético”. Uma educação para a
autonomia não é um favor que se concede, mas algo que respeita a identidade do
educando. Que a consciência do ser inacabado, constantemente ressaltada em seu
livro, traga reflexões sobre a necessidade de liberdade do educando para que possa
construir, aos poucos, a sua autonomia, o que pode levar à emancipação.
Pacheco (2010, p. 23), ao abordar a autonomia, afirma que o conceito
pressupõe “liberdade de agir ou, em outras palavras, a possibilidade de autogestão,
autogoverno, autonormação. Exprime também certo grau de relatividade, pois se é
autônomo sempre em relação a outrem”. Assim como também Gadotti (2004), ao
afirmar que o significado de educar, que ele acredita ser a habilidade de
potencializar ao educando a capacidade de buscar respostas para suas perguntas,
se confunde com o formar para a autonomia. E, neste sentido, a educação deve ser
“autoeducação”. Ele entende que autonomia está associada à liberdade e, dessa
forma, traz a seguinte definição: ‘’autonomia vem do grego e significa capacidade de
autodeterminar-se, de autorrealizar-se [...] autonomia significa autoconstrução,
autogoverno [...] e que, portanto, será sempre relativa e determinada historicamente”
(GADOTTI, 2004, p. 10).
90
A formação na educação profissional deve ser voltada para a emancipação e
para o enfrentamento da alienação a que muitos brasileiros são sujeitados. Dessa
forma, a educação deve desenvolver-se nas múltiplas dimensões do humano, e
nesta perspectiva “o sujeito juvenil passa a ser um ator político-chave da
transformação, como sujeito em emancipação e emancipador” (SILVA, 2012, p.
176). Azevedo (2009) reforça essa posição, ressaltando que as escolas, os Institutos
Federais de Educação Profissional e Tecnológicas e outras instituições de
educação, devem ser entendidos como lugares que oportunizem e assumam a
responsabilidade de construir com os educandos o ensino voltado para a
cooperação, a autonomia, a liberdade e a emancipação.
Por estes apontamentos iniciais, é possível se ter ideia da carga de
paradigmas que a educação profissional carrega no âmbito do espaço brasileiro,
repercutindo nas dimensões administrativa, política, histórica, cultural e pedagógica.
A partir dessas reflexões iniciais percebe-se a importância de discutir como se dá o
entendimento desta modalidade de ensino nos Institutos Federais e como ela
acontece na prática.
91
PARTE II. A formação docente e as especificidades necessárias
para atuar na educação profissional técnica de nível médio
Em um cenário de uma sociedade, entendida hoje pela Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura - UNESCO como Sociedade do
Conhecimento, a informação está presente em tempo real a todo o momento e em
qualquer lugar. Tendo no conhecimento o seu princípio de poder, as instituições de
educação, incluindo aquelas de educação profissional, não se sustentam mais sobre
a ideia do “enciclopedismo”, como forma de garantir a boa formação de seus alunos.
Pois, se a informação está ao alcance de quase todos, não faria sentido frequentar
uma instituição de educação apenas para este fim. Por outro lado, também é uma
sociedade em que o conhecimento é a “moeda de troca”, ou seja, quem detém o
conhecimento, quem o valida como “correto”, quem tem os meios para produzi-lo e
divulgá-lo, detém mais poder. As instituições de educação, inclusive aquelas de
educação profissional, precisam assumir uma nova postura e uma nova perspectiva
no que se refere à educação, em nosso caso, a educação profissional.
Numa sociedade que se organiza em torno da volatilidade gerada pela
crescente velocidade de produzir e disseminar informações, Bauman (2009) em
entrevista a Porcheddu (2009), considera possível utilizar o temo modernidade
líquida. Nessa concepção, o autor faz uso da metáfora da fluidez dos líquidos para
explicar a impermanência, volatilidade e flexibilidade da modernidade (BAUMAN,
2013). Essa modernidade líquida requer novas posturas das instituições em todos os
aspectos, principalmente na mudança de concepção do que se entende por
educação e, consequentemente, na transformação das práticas docentes. Em se
tratando da educação profissional, a mudança deve acontecer também na
concepção do que se entende como educação profissional. Que deve ir muito além
do simples ato de o professor, “detentor de todo o saber”, “passar” seus
conhecimentos para tentar instruir seus alunos sobre uma determinada profissão. A
educação profissional, como está proposta em documentos direcionadores
contemporâneos, traz aquilo que acreditamos seja a melhor forma da educação sair
da condição de reproducionista da desigualdade social. Essa foi incorporada pela
escola, e para que a escola se transforme precisa propiciar a descristalização e a
92
mudança de paradigmas, em prol de uma sociedade mais justa. O que,
consideramos, está na proposta da pedagogia crítica, que, juntamente com a
educação sociocomunitária, sustenta a discussão teórica dessa investigação:
Muchos de los partidarios del modelo reproduccionista, consideran que existe una correspondencia entre la escuela y el universo económico (ya que la función primordial de los centros educativos es calificar la fuerza de trabajo para el mercado laboral, según las necesidades de la clase poseedora de los medios de producción), pero al mismo tiempo estiman que la fuerza laboral útil es sometida a los valores dominantes, por medio de la reproducción ideológica que ejercen los que poseen el poder y la riqueza (BORQUEZ, 2006, p. 104)
Quando se trata de mudança, não se pode conceber que a simples mudança
nas metodologias pedagógicas seja capaz de trazer transformação. Como nos fala
Freire (1986, p. 48):
O educador libertador tem que estar atento para o fato de que a transformação não é só uma questão de métodos e técnicas. Se a educação libertadora fosse somente uma questão de métodos, então o problema seria mudar algumas metodologias tradicionais por outras mais modernas. Mas não é esse o problema. A questão é o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a sociedade.
É necessária uma mudança de concepção, que passe por momentos de
debate e reflexão para que todos os envolvidos no processo, tanto a comunidade
interna quanto a comunidade externa às instituições escolares, destacando nessa
parte os professores que atuam na educação profissional, realmente compreendam
a necessidade da mudança de paradigmas. É preciso que, por meio do processo
reflexivo, haja a tomada de consciência dos professores de que a educação
profissional contribua para a formação holística de seus alunos, não se limitando à
construção de conhecimentos relacionados à área específica de profissionalização,
mas que contribua para a construção de uma educação para a emancipação,
entendendo e responsabilizando-se pelo processo de educação integral dos sujeitos.
Especialmente na educação profissional técnica integrada ao ensino médio, em que
além da formação geral da Base Nacional Comum Curricular, característica do
ensino médio, o professor deve se preocupar com a formação profissional, que
habilite o aluno a se tornar um profissional competente dentro da sua profissão
técnica e, ao mesmo tempo, empenhar-se na formação humanística, que busca
contribuir para a formação ética, humana, solidária, crítica e autônoma dos alunos,
93
ou seja, uma formação integral. De acordo com Kuenzer: “Enfim, ele deverá
promover situações para que seus alunos transitem do senso comum para o
comportamento científico” (KUENZER, 1999, p. 171), sem se esquecer dos
conhecimentos/conteúdos básicos que lhe serão cobrados.
Para melhor organização, essa parte da dissertação será dividida em três
subtemas: o primeiro aborda o histórico da formação de professores para melhor
entender o contexto atual. Existe um preparo docente para atender à modalidade da
educação profissional? Como acontece o processo de entendimento e adaptação
dos professores para se trabalhar com a educação profissional? Os professores têm
formação que se alinham às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio? O que a legislação prevê sobre as exigências
para formar professores para atuarem nesta modalidade de educação?
Em seguida, é feita uma análise nas Diretrizes para os cursos de Educação
Profissional Técnica de Nível Médio. Por fim, com base em alguns autores como
Rehem (2009), Freire (1987), Kuenzer (2008), Gariglio (2012), Borquez (2006),
Mezirow (2013), dentre outros, trazemos algumas reflexões sobre o que se espera
do “novo” professor para trabalhar com esta modalidade de educação na
contemporaneidade. Estas são algumas das questões que se pretende discutir no
decorrer dessa segunda parte, entendendo que as transformações sociais ocorridas
nas últimas décadas configuram a necessidade de mudanças no que se refere ao
trabalho e nas formas de emprego, que requerem na contemporaneidade um perfil
profissional diferente, com novas competências.
A partir da reflexão desses subtemas, será dada abertura para a discussão da
terceira parte da dissertação, que trata do desenvolvimento da pesquisa, da coleta e
análise dos dados.
2.1. Aspectos históricos da formação de professores no Brasil
Rehem (2009), ao fazer uma pesquisa para tentar compreender o perfil e a
formação para os professores da educação técnica, constata que são raras as
formações específicas para os professores desta modalidade de educação. Ela
aponta que a maioria dos professores que nela atua utilizam-se ainda do “improviso”
pedagógico. Reconhecemos que na contemporaneidade há a exigência de uma
94
formação profissional docente diferente daquela de três décadas atrás, em que
bastava saber executar bem sua função como profissional de determinada área,
para ser entendido como competente para ensinar. Pouco se referia à reflexão, à
criatividade e à colaboração, pois com o surgimento das indústrias, um bom
executor de tarefas correspondia perfeitamente às necessidades do mercado. Como
exposto na primeira parte desta dissertação, atendia-se à qualificação para o
emprego e não à formação para o trabalho.
Segundo Saviani (2009), a necessidade de uma formação do docente foi
apontada por Comenius no século XVII. O primeiro estabelecimento dedicado à
formação de professores surgiu em 1684, em La Salle, em Reims, instituída por São
João Batista como Seminário dos Mestres. Mas somente após a Revolução
Francesa, no século XIX, é que se entendeu o problema da falta de “instrução
popular”. Havendo, então, a criação das escolas chamadas de Normais para a
formação de professores. Em Saviani encontramos que: “A primeira instituição com
o nome de Escola Normal foi instalada em Paris em 1795. Além de França e Itália,
países como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos também foram instalando, ao
longo do século XIX, suas Escolas Normais” (SAVIANI, 2009, p. 143).
A partir da instalação de escolas “Normais” foi realizada uma separação em
que a Escola Normal Primária se destinava à formação de professores para o ensino
primário e a Escola Normal Superior se destinava à formação de professores em
nível secundário. Em 1802, a Escola Normal de Pisa, que se dedicava aos estudos
de nível secundário, seguindo os moldes de Paris organizava seus estudos sem o
cuidado com a formação didático-pedagógica, pois sua preocupação era com o alto
padrão dos estudos sobre conhecimentos específicos. No Brasil, a preocupação
com a formação para professores acontece após a independência (1822) e pode-se
tentar entender esse seu processo inicial de formação dos professores brasileiros a
partir de alguns marcos, como a Lei das Escolas de Primeiras Letras, promulgada
em 15 de outubro no ano de 1827. Antes dessa lei, tanto no período colonial, pelos
colégios jesuítas, pela reforma pombalina e até nos cursos criados por D. João VI,
não havia atenção com a formação específica para professores. A lei das Escolas
das Primeiras Letras (1827) determinava que os professores deveriam ser treinados
por meio do método mútuo e que aqueles que pretendiam ser professores deveriam
95
cursá-los nas capitais, com investimentos financeiros próprios (BORGES; AQUINO;
PUENTES, 2011).
Com a promulgação do Ato Adicional, em 1834, foi colocada sob
responsabilidade das províncias a instrução primária, que adotava a formação dos
professores, seguindo os moldes europeus, por meio das Escolas Normais. A
primeira Escola Normal do país é instituída um ano depois, no estado do Rio de
Janeiro. Passando nos anos seguintes a serem abertas em outros estados do país,
porém, “[...] tiveram existência intermitente, sendo fechadas e reabertas
periodicamente” (SAVIANI, 2009, p. 144). Essas escolas pregavam uma formação
específica, que deveria seguir os princípios didáticos e pedagógicos daquela época.
O foco estava em que os professores tivessem domínio dos conteúdos, que
deveriam ser transmitidos a seus alunos, sem maiores preocupações com a didática,
com as diferentes formas de aprendizagem, com os contextos que cada aluno vivia,
com o despertar da consciência crítica, com a responsabilidade social e outros
aspectos considerados importantes, contemporaneamente, pela pedagogia crítica.
A ideia da educação como construção do conhecimento, abordada na
primeira parte dessa dissertação, ainda não era considerada. Percebe-se, na
literatura referente a esse período inicial da educação brasileira, a utilização
constante de termos como “treinamento”, “transmissão de conhecimento”,
entendendo que o professor seria o detentor único do saber e os alunos “tábuas
rasas”. O professor se constituindo como o centro do processo pedagógico. A
educação tida como uma via de mão única, na qual o professor era o instrutor, e o
aluno, o aprendiz. Avanço conceitual para a época, mas que foi o precursor da
prática da educação bancária, no Brasil:
Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos. Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos recebidos (...). Na verdade, o que
pretendem os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e
não a situação que os oprime”, e isto para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os domine (FREIRE 1987, p. 39).
Por se tornar alvo de muitas críticas sobre a ineficiência qualitativa e
quantitativa, as Escolas Normais, em especial aquela de Niterói, foi alvo de uma
96
experiência que não durou muito. A proposta de Couto Ferraz, presidente da
Província do Rio de Janeiro em 1849, fechou a Escola Normal de Niterói na tentativa
de substituir as Escolas Normais por professores adjuntos, que modificariam a forma
de atuação dessas escolas. Nesta proposta, futuros professores deveriam passar
um determinado período atuando como ajudantes dos regentes das classes mais
experientes, numa espécie de “estágio”, e após esse período esperava-se um
aperfeiçoamento de seus conhecimentos e práticas de ensino. Porém, não houve
muito êxito e adesão a essa proposta, que cinco anos depois foi retomada pelas
Escolas Normais.
No período entre os anos de 1890 e 1932 houve avanços das Escolas
Normais no Brasil, estabelecendo-se um padrão em sua organização e
funcionamento com a reforma da instrução pública do estado de São Paulo. Em
1890, houve uma tomada de consciência sobre a importância de uma boa formação
docente para melhoria da qualidade do ensino. Essa reforma trouxe dois pontos
importantes: o primeiro se referia ao enriquecimento dos conteúdos curriculares e a
ênfase nos exercícios práticos de ensino. O segundo ponto foi a criação da escola
modelo de São Paulo, que serviu de referência para que as escolas fossem
sistematizadas por uma organização padrão, tanto em seu currículo quanto na
preparação pedagógico-didática, e, assim, entendida como avanço na formação dos
professores em todo o país. Mas, após uma década seguindo a escola modelo e
seus padrões, houve um esmorecimento dessa ideia, por ser entendido que não
houve mudanças significativas no quadro de formação docente.
Inicia-se então uma nova fase na formação de professores, com a abertura
dos Institutos de Educação, que passam a ter preocupação não somente com o
ensino, mas também com a pesquisa. Segundo Saviani (2009, p. 145), os principais
institutos desse período com inspiração na ideia da Escola Nova foram o “Instituto
de Educação do Distrito Federal, concebido e implantado por Anísio Teixeira em
1932 e dirigido por Lourenço Filho; e o Instituto de Educação de São Paulo,
implantado em 1933 por Fernando de Azevedo”. Com o objetivo de transformar as
Escolas Normais em Escolas de Professores, para atender a uma pedagogia que
buscava a formação em seu caráter científico e não somente prático, como nas
propostas anteriores, propôs um currículo que incluía as seguintes disciplinas:
97
1) biologia educacional; 2) sociologia educacional; 3) psicologia educacional; 4) história da educação; 5) introdução ao ensino, contemplando três aspectos: a) princípios e técnicas; b) matérias de ensino abrangendo cálculo, leitura e linguagem, literatura infantil, estudos sociais e ciências naturais; c) prática de ensino, realizada mediante observação, experimentação e participação. Como suporte ao caráter prático do processo formativo, a escola de professores contava com uma estrutura de apoio que envolvia: a) jardim de infância, escola primária e escola secundária, que funcionavam como campo de experimentação, demonstração e prática de ensino; b) instituto de pesquisas educacionais; c) biblioteca central de educação; d) bibliotecas escolares; e) filmoteca; f) museus escolares; g) radiodifusão (SAVIANI, 2009, p. 146).
Os dois Institutos de Educação foram elevados a nível universitário entre os
anos de 1934 e 1935 e passaram a ser referências para a organização dos cursos
de formação dos professores para as escolas secundárias. Com o decreto Lei nº
1.190, de 4 de abril de 1939, organizou-se decisivamente a Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Brasil, que foi reconhecida por todo o país originando o
esquema chamado de 3+1 para os cursos de licenciatura e pedagogia, que vigora
até os dias de hoje. Nesse esquema 3+1, os três primeiros anos os estudos são
focados no conhecimento de disciplinas específicas da área de estudo e, no quarto
ano, havia uma preparação voltada para a formação pedagógica. Nesse período, o
modelo de formação dos professores em nível superior perdeu a referência de
origem, em que o suporte era as escolas experimentais, às quais competia fornecer
uma base de pesquisa, que pretendia dar caráter científico aos processos
formativos. Consequentemente, em finais da década de 1930, até meados da
década de 1940, os cursos normais centraram a oferta da formação profissional,
adotando-se “um tratamento de escola profissional para os cursos normais”
(SCHEIBE, 2008).
A partir do ano de 1964, com o golpe militar, foram realizadas algumas
mudanças na formação de professores, dentre essas estando a alteração na
nomenclatura do ensino primário e médio, que passaram a ser chamados de
primeiro e segundo graus. E a substituição das escolas Normais pela habilitação
específica do segundo grau, que habilitaria ao exercício no primeiro grau. Como
reflexos dessas mudanças, em 1972 houve uma divisão no magistério, sendo que
com o curso de duração de três anos o professor estaria habilitado para atuar até o
ensino fundamental I. Com a habilitação no curso de quatro anos, o professor estaria
98
habilitado para lecionar no ensino fundamental II e segundo grau. Devido a tantas
mudanças, que pouco contribuíram para a melhoria da formação docente, no ano de
1982 foi proposto e implantado os Centros de Formação e Aperfeiçoamento do
Magistério (CEFAMs), como proposta de revitalizar as Escolas Normais, mas que
também não tiveram êxito.
No ano de 1971, a lei nº 5692/71 previu que para atuar nas últimas séries do
primeiro grau e no segundo grau, haveria a necessidade de habilitação em nível
superior. No ano de 1980 houve um movimento em favor da reformulação dos
cursos de licenciatura e pedagogia, que lutavam pela “docência como a base da
identidade profissional de todos os profissionais da educação” (SILVA, 2003, apud
SAVIANI, 2009, p. 148). Com esse movimento, foi entendido que os cursos de
pedagogia, além de formarem para os cargos de direção, coordenação e orientação
pedagógica também seriam responsáveis por formar docentes para os primeiros
anos do ensino fundamental. Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases atual,
em 20 de dezembro de 1996, estabelece-se a formação necessária mínima para
atuar na educação básica e educação superior.
Saviani (2009) reitera sua crítica sobre a falta de linearidade no que se diz
respeito à formação docente no Brasil, assim como tudo que envolve o sistema
brasileiro de educação em que “[...] a precariedade das políticas formativas, cujas
sucessivas mudanças não lograram estabelecer um padrão minimamente
consistente de preparação docente para fazer face aos problemas enfrentados pela
educação escolar em nosso país” (SAVIANI, 2009, p. 148).
Tentamos, até aqui, trazer um retrospecto sobre a formação docente no
Brasil, mas o que pode- se notar é que não é mencionado, durante o percurso da
formação docente, uma preparação ou habilitação para os profissionais que
atuariam na educação profissional. A mesma inconstância com que essa aparece
nos documentos oficiais, e que indica a fragilidade das suas definições e objetivos,
também é encontrada na legislação da formação docente para atuar na educação
profissional. Consideramos que a educação profissional não tinha destaque como
uma modalidade de educação. Compreendendo que ela está presente no Brasil já
há tempos, seria de se esperar que houvesse uma preparação/formação específica
para a atuação nesta modalidade, pois possui muitas especificidades.
99
Como aponta Gariglio (2012), mesmo com todo o crescimento da educação
profissional, em consequência à expansão das indústrias no Brasil, a formação para
os professores para atuarem na educação profissional não alcançou reconhecimento
suficiente para investimentos, reforçando o pouco valor dado a essa modalidade de
educação. Como bem lembra, fica evidente, por meio do Decreto 2208/97, que
permitiu que a presença do professor da educação profissional pudesse ser
substituída pela presença do instrutor ou monitor. Reforçando o valor reducionista do
treinamento como qualificação para o emprego, a que se prestava a educação
profissional proposta naquele período. Mas cujos ecos podem ser encontrados até a
atualidade.
Paulo Freire, com o pensamento de uma proposta diferenciada de educação,
na perspectiva da pedagogia crítica, aliás, como inspirador dela, influenciou bases
teóricas críticas da educação, que podem ser projetadas para a educação
profissional. Um entendimento pioneiro, com um profundo impacto no campo da
educação, com sua publicação em Pedagogia da Autonomia (1996), poderia ser o
disparador para se pensar numa atuação docente diferenciada, e, especialmente,
nos cursos de educação profissional. Destacamos alguns pontos que são
fundamentais em sua proposta: a atuação docente, em que não basta apenas o
saber rigoroso, é preciso que o professor tenha respeito pelos saberes dos
educandos. Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática, pois “A prática docente
crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o
fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 1996, p. 39). Reconhecendo que por meio
da reflexão o professor pode melhorar sua prática. Freire aponta para a importância
de o professor ter respeito pela autonomia do educando, assim como entende que
ensinar exige a convicção de que a mudança é possível:
O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar (FREIRE, 1996, p. 74, grifos do autor).
É nessa perspectiva do educador, da educação, e da escola como agente de
transformação, que propomos que uma “nova” visão da atuação docente se estenda
100
para a educação profissional. Que transcenda para além da reprodução de uma
sociedade, em que predomina o capitalismo paralisante, que cria um mundo
desumanizado. Em que o valor está no ter e não no ser e cujo movimento a escola,
que, se não pode constituir-se, isoladamente, como salvadora, também pouco
reage, reforçando essa condição.
Por isso a nossa preocupação com a formação e com a prática do professor
da educação profissional, que pode ser um fator de mudança de paradigmas, ou o
mantenedor dessa cultura. É preciso que se trabalhe com um novo perfil de
professor, que vai muito além de ser bem qualificado no que se refere a sua área de
atuação. É preciso investir em sua formação humana e para atender às
especificidades que a Educação Profissional exige, frente ao cenário contemporâneo
do trabalho. Nas palavras de Kuenzer:
Na transição da hegemonia do paradigma taylorista/fordista de organização e gestão do trabalho para os novos paradigmas, tendo em vista as novas demandas de acumulação que deram origem a um novo regime fundado na flexibilização, configura-se uma nova concepção de educação profissional que, por consequência, traz novas demandas de formação de professores (KUENZER, 2008, p. 20).
Gariglio (2012) aponta para a pouca atenção dada à formação de professores
para atuar na educação profissional, especialmente nos cursos técnicos, pois
atende, de forma superficial, às necessidades específicas desta modalidade de
educação. Há pouco estudo sobre a formação dos professores para a educação
profissional e pouca organização das instituições ou dos próprios educadores em
torno de debates a respeito, que acontecem em momentos específicos para tratativa
do assunto, de forma descontínua e fragmentada. O que reforça a ideia da educação
profissional, que se tinha há décadas atrás, de uma educação especificamente
tecnicista e instrucionista. A desatenção dada à produção intelectual para a
formação de professores da Educação Profissional vem contribuindo para reforçar a
ideia de que esses profissionais não pertencem à área da educação, e que a estes
cabe, apenas, o domínio dos conhecimentos específicos da área de atuação de
forma mecânica e pouco reflexiva. Trazendo novamente a necessidade dessa
pesquisa, que pretende investigar como a educação que se pratica no campus aqui
101
pesquisado, nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, se coloca em relação
às afirmações de Gariglio, acima referidas.
2.2. Legislação que trata da formação docente para atuar na educação
profissional
Rehem (2009) considera alguns elementos fundamentais para a formação do
professor da educação profissional técnica de nível médio, esses elementos se
dividem em três categorias. A primeira é ter conhecimento aprofundado, experiência
e visão crítica sobre o mundo do trabalho e tudo aquilo que se relaciona com a vida
profissional. A segunda é que o professor tenha domínio pedagógico para dar
significado ao aprendizado, e proporcione aos alunos, que vêm de contextos
diferentes, o interesse e a motivação em aprender e que traga, na proposta de uma
formação profissional, conhecimentos necessários não apenas para desempenhar
uma determinada profissão, mas que contribua para uma formação para a vida
cidadã. E, por fim, que tenha domínio dos conhecimentos específicos de sua área de
atuação.
Mas, para que o professor tenha todas as competências citadas
anteriormente, é necessária uma formação que contemple essas novas exigências.
A questão volta-se, então, para a formação dos professores para atuar na educação
profissional. Há um preparo específico para esses profissionais? O currículo em que
esses professores são formados contempla as especificidades da educação
profissional? Como se dá essa formação? Ao ingressar na educação profissional,
especialmente nos cursos técnicos integrados, os professores se sentem seguros
para atender às expectativas que a educação profissional contemporânea
necessita? Qual a formação inicial e continuada que esse profissional recebe para
trabalhar com educação profissional? Ela é suficiente?
Não questionamos se os professores que atuam nos cursos técnicos
integrados ao ensino médio possuem domínio sobre o conhecimento específico de
sua área de atuação. No caso dos Institutos Federais, o processo de seleção é
rigoroso quanto aos domínios dos conhecimentos específicos e à titulação, sendo
algo que não colocamos em discussão, aqui. Mas, o que nos interessa para essa
102
pesquisa é entender se aqueles outros conhecimentos, fundamentais para a
educação profissional contemporânea, também fazem parte do rol de
conhecimentos docentes e se são, de fato, colocados em prática. Esses
professores, ao ingressarem nos cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio,
compreendem e concordam com a proposta da educação profissional voltada para o
trabalho por meio de uma formação holística, como orientam os documentos
institucionais? Compreendem a importância da formação contínua para acompanhar
as mudanças no trabalho, ou mesmo para as transformações sociais da juventude?
Kuenzer (1999) faz uma observação interessante ao relatar que após tantas
mudanças no mundo do trabalho, e nas políticas educacionais, essas não são
completamente compreendidas, por muitos dos professores que atuam na educação
profissional. Como apontado na primeira parte dessa dissertação, não há ainda
clareza no que se refere às propostas para a educação profissional, o que é
entendido por Wermelinger; Machado e Filho (2007) como uma falta de identidade.
E se a própria instituição de educação profissional não tem claro o que se pretende
com a educação que oferece, é ainda mais difícil para os professores, ao iniciarem
na educação profissional, ter essa compreensão. Nessa perspectiva, é que
pretendemos refletir sobre a formação desses professores, para tentar compreender
as possíveis respostas que poderiam ser dadas às perguntas levantadas
anteriormente.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 20 de
dezembro de 1996, e alterada pela Lei nº 12.014, de 2009, estabelece que a
formação necessária para atuar na educação básica é:
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009) I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009) II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009) III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim. (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009) (BRASIL, 1996).
103
E o artigo 62 complementa a formação de professores para atuação na educação
básica, a qual também cabe para os cursos profissionais técnicos de nível médio:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal (BRASIL, 1996).
Rehem (2009) aponta que na formação docente, especialmente nos cursos
de licenciatura, que deveriam preocupar-se principalmente com a formação de
professores, está longe de ser um preparo como ela chama de “formação para os
formadores de profissionais”. A crítica se baseia na pouca importância que se dá às
disciplinas pedagógicas nos cursos de licenciatura, em que a preocupação está na
formação específica da área. E acrescenta que as universidades, ainda nos dias de
hoje, se preocupam em ensinar seus licenciandos a transmitir o que aprenderam de
forma mais dinâmica, o que não deixa de ser uma reprodução de modelos bancários
de ensino, que pouco favorecem a aprendizagem profissional para o trabalho. A
autora aponta para algumas falhas, que são decisivas para a permanência de uma
formação, que embora pretenda ser mais dinâmica, em seu discurso, ainda tenha
em sua raiz tal base conservadora. Ela considera a fragmentação dos currículos
desses cursos como um dos problemas mais impactantes na formação docente no
Brasil:
[...] a cisão entre a formação nas disciplinas específicas e a formação pedagógica; a dicotomia entre teoria e prática; a dificuldade de influenciar efetivamente os formandos na transformação das práticas escolares; a fragmentação do objeto da formação num currículo constituído por disciplinas estanques que não dialogam entre si (REHEM, 2009, p. 100).
Porém, o Brasil vive historicamente uma escassez de professores, uma vez
que esta não é uma profissão valorizada tanto financeiramente quanto na questão
de reconhecimento. Sendo, então, formados esses profissionais muitas vezes de
forma incompatível com as verdadeiras necessidades de uma formação docente
transformadora:
Esse fato pode ser compreendido, historicamente, pela negligência das políticas educacionais em relação à formação docente para os cursos de ensino profissionalizante, configurada pela dualidade do ensino no Brasil
104
que conduziu o ensino técnico a uma posição subalterna no sistema educacional, realidade que aos poucos tem se transformado em função dos investimentos federais junto à educação Profissional (MOURA, 2014, p. 07).
Segundo Moura (2014, p. 07), a partir de 2008, com a criação dos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, houve um grande aumento da
demanda por professores para atuar nos cursos de educação profissional,
principalmente nos cursos técnicos de nível médio, que correspondem a 50% das
vagas oferecidas em cada um dos 564 campi espalhados pelo país. A orientação na
lei de criação dos Institutos Federais, lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, no
Art. 7º, parágrafo 1º, é de “ministrar educação profissional técnica de nível médio,
prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino
fundamental [...]”. Sendo que nem todos os professores possuem a formação
adequada para atuar nessa modalidade de educação, contando com professores
com diferentes formações como bacharéis, tecnólogos, engenheiros e licenciados,
uma vez que a exigência, na maioria dos editais, para ingresso do professor nos
Institutos Federais, é de possuir curso superior na área a qual está concorrendo,
variando de acordo com cada edital.
Trazendo, como consequência, a atuação de um grupo heterogêneo de
professores em um mesmo curso, surgindo muitas vezes conflitos no que se refere à
concepção e à prática da educação profissional. Pois, trazem em sua bagagem,
além da formação, suas histórias, culturas, ideologias entre outros aspectos que
compõem o perfil docente. Em alguns casos, acabam atuando de forma
fragmentada, distanciando-se uns dos outros, fazendo com que o curso integrado
não aconteça da forma interdisciplinar, como é proposto.
Com toda essa diversidade de formação dos profissionais, uma das
alternativas é a oferta de cursos de formação pedagógica e continuada, para tentar
proporcionar para esses profissionais maior compreensão sobre as especificidades
da modalidade de educação da qual fazem parte. Como tentativa de minimizar esse
distanciamento na formação dos professores, foi implementada a Resolução
CNE/CEB Nº 02/97, para tentar atender a ausência de formação pedagógica dos
professores que ingressaram nos Institutos Federais e que não possuíam
licenciaturas para cumprir em caráter especial a complementação/formação
pedagógica, que habilitará o professor a formação equivalente a de um licenciado.
105
Vale ressaltar que não se sabe muito sobre a eficiência dessa
complementação/formação pedagógica, pois há pouco estudo a respeito, havendo
espaço para uma pesquisa específica para esse assunto. E também não
entendemos como negativo o fato de haver professores com diferentes formações
lecionando em um único curso, pois compreendemos que a diversidade contribui
para expandir as possibilidades educativas, ampliar as concepções de mundo, e
enriquecer o curso com conhecimentos e experiências diversas, que podem se
complementar. Compreendemos que talvez o que se necessita nesses casos é da
promoção de momentos específicos, como grupos de estudos, encontros
pedagógicos, projetos de formação interdisciplinares ou transdisciplinares, cursos de
formação continuada, entre outros, que promovam a reflexão, o compartilhamento
de experiências, entre outras ações que propiciem o alinhamento da proposta de
educação da instituição, para que o curso realmente seja integrado e caminhe em
direção à oferta de cursos de qualidade, que propiciem tanto a formação profissional
como a formação humana e cidadã.
Moura (2014) usa a expressão “subalterna” ao se referir à forma como o
ensino técnico é considerado no sistema educacional. Conceito que a pedagogia
crítica propõe-se a discutir, como uma de suas principais lutas em favor da
transformação da desigualdade educacional e social existentes. Pois, na medida em
que a escola é reprodutora do mundo capitalista na qual está inserida, mantém ou
reforça a relação ideológica, que Freire (1987) chama de relação entre opressor e
oprimido. Quando se associam às problemáticas do ensino técnico e da preparação
para o trabalho à oferta desses cursos para aqueles com poucas “opções” de
mobilidade social, entramos num processo de recrudescimento dessa posição de
subalternidade. Nessa relação, os opressores desumanizam os oprimidos como
forma de dominação, e como decorrência desse processo desenvolve-se uma
“paralisia”, que “incapacita” a sair da condição de subalternidade em que foram
colocados. Nesse sentido, Freire (1987, p. 32) trata da condição de passividade, a
qual os oprimidos são colocados, de forma inconsciente: “Até o momento em que os
oprimidos não tornem consciência das razões de seu estado de Opressão “aceitam
fatalisticamente” a sua exploração”. E destaca que os diálogos e reflexões críticas e
libertadoras devem acontecer com os oprimidos, e pouco a pouco, ir construindo
106
uma rede de empoderamento que poderá levar à emancipação. Pois, para o autor,
“(...) a reflexão, se realmente reflexão, conduz à prática” (p. 33).
A Lei nº 11.892, 29/12/2008, que cria os Institutos Federais, traz como
atribuição para os Institutos Federais a oferta de Educação Profissional Técnica de
Nível Médio, Tecnológica de Nível Superior, Licenciaturas, cursos de Formação
Inicial, Continuada e de cursos para jovens e adultos (PROEJA), além de poderem
também oferecer cursos de bacharelado, engenharias, e cursos de pós-graduação
Lato Sensu e Stricto Sensu. O que implica e exige dos professores ter competências
para atuar nas diferentes áreas do conhecimento, podendo transitar desde os cursos
de Nível Médio até os cursos de Pós-Graduação, já que não há separação entre os
professores dentro do IF. E, segundo Carvalho e Souza (2014, p. 888): “Esta
complexidade na oferta de educação profissional e tecnológica, abrangendo níveis e
modalidades distintos, não veio acompanhada de políticas de formação docente”.
Segundo a Resolução Nº 6, do ano 2012, que define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Profissional, no que se refere à formação
docente para atuar nesta modalidade de educação, em seu Art. 40, trata: “A
formação inicial para a docência na Educação Profissional Técnica de Nível Médio
realizar-se-à em cursos de graduação e programas de licenciatura ou outras formas
(...)”. Ainda nesse artigo, o parágrafo 2º, aponta que para aqueles professores não
licenciados, “é assegurado o direito de participar ou ter reconhecido seus saberes
profissionais em processos destinados à formação pedagógica ou à cerificação da
experiência docente”, podendo ser equivalente às licenciaturas excepcionalmente
cursos de pós- graduação lato sensu, que abarque formação pedagógica;
excepcionalmente para os professores que tenham mais de 10 anos de experiência
docente como forma de reconhecimento dos seus saberes; e na obtenção de uma
segunda licenciatura, mesmo que esta não seja a que o professor foi aprovado em
concurso para lecionar. A preocupação com a qual nos deparamos, nesse artigo, é
que os prazos para que se cumpram essas excepcionalidades, ou seja, para que os
professores atendam a esta resolução, é até o ano de 2020. Para uma lei que foi
criada em 2008, como é o caso da criação dos IFs, verifica-se um déficit de 12 anos
da oferta desses cursos. Reforçando que não entendemos que, com isso, os
professores que ora atuam na educação profissional não sejam competentes para o
107
exercício de suas atividades, mas preocupamo-nos como a forma com que os
professores se preparam para a educação profissional, havendo muitas vezes,
dificuldades para atender às necessidades que esta modalidade de educação
necessita.
Entendendo que há professores que são engenheiros, licenciados,
graduados, tecnólogos entre outros, em suas formações iniciais, exercendo a
docência em um mesmo curso, há de se preocupar com o posicionamento e a
concepção que cada um carrega consigo sobre o que é educação e o que é
educação profissional, pois balizadores daquilo que ele leva para a sala de aula, e
marca sua prática pedagógica. Em se pensando na Educação Profissional Técnica
de Nível Médio como uma possibilidade de formação integral para a autonomia e
emancipação, de que formas pensam e propõem sua efetivação?
Na contemporaneidade, há a necessidade de uma concepção de educação,
por parte dos professores, para que haja mudanças no sistema de ensino-
aprendizagem, que vem mostrando-se uma face perversa na contribuição da
manutenção da desigualdade educacional e social. Espera-se deles que ajudem na
tomada de consciência dos seus alunos, para que enxerguem e construam
subsídios para sair da condição de alienação, em que muitas vezes se encontram.
Sobre o modelo reproducionista e as relações de poder estabelecidas no cotidiano
escolar, Bórquez (2006, p. 103) nos afirma:
En suma, los modelos reproduccionistas consideran a la escuela como um apéndice ideológico del Estado, que tiene corno función principal reproducir las relaciones de poder. También estiman que la escuela es un instrumento que desempeña un papel reproductor de las relaciones sociales y culturales
dominantes.
O que acreditamos seja uma forma de transformação, a qual a pedagogia
crítica se propõe a discutir, é a resistência contra o sistema capitalista, que
condiciona os sujeitos para uma situação de passividade, e na luta, por parte dos
educadores e de todos os envolvidos, para reverter a condição que a escola
assumiu. Principalmente nos cursos técnicos, que acabam sendo entendidos por
muitos como um favor para os mais pobres e “desvalidos de sorte”, como forma de
manter a ordem estabelecida pela elite. Para que haja uma mudança nesse cenário,
Kuenzer (2011 apud Moura 2014) esclarece que mesmo o professor estando
108
submetido ao capital, ele pode contribuir para a transformação da realidade. Como
formadores, podem contribuir para a formação de sujeitos autônomos, que sejam
capazes de compreender criticamente as relações estabelecidas pelo capitalismo e
que possam como seres emancipados, resistir e somar forças para também reverter
e superar essa situação. Como afirma Borquez (2006, p. 109) sobre a pedagogia
crítica contemporânea, que “(...) en su vertiente comunicativa, es que las clases
subalternas tienen la capacidad de resistir à la hegemonía dominante, más aún,
tienen la capacidad de proponer nuevas concepciones del mundo”.
Como crítica a uma não especificidade para a formação de professores e a
todos os pontos “fracos” na formação desses profissionais, é preciso conhecer
também o que a legislação atual normatiza sobre a Educação Profissional Técnica
Integrada ao Ensino Médio. E de que forma as bases legais contribuem para uma
educação profissional transformadora e emancipadora. Ou não...
2.3. Das diretrizes que orientam a educação profissional técnica integrada ao
ensino médio
Segundo a Resolução Nº 6, de 20 de setembro de 2012, que define as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Médio, a
Educação Profissional Técnica de Nível Médio pode acontecer de maneira articulada
ou concomitante ao Ensino Médio. Para nosso enfoque, optamos pela forma
articulada integrada. Esses cursos são planejados seguindo o Catálogo Nacional de
Cursos (CNC) mantidos pelos órgãos do MEC e Classificação Brasileira de
Ocupações (CBO), que tratam da parte profissionalizante. Indicando qual a carga
horária necessária para o curso, a infraestrutura mínima necessária, o campo de
atuação a que será habilitado o concluinte, quais as possibilidades de certificação
intermediária em cursos de qualificação profissional, se existem possibilidades de
formação continuada em cursos de especialização técnica no itinerário formativo e
possibilidades de verticalização para cursos de graduação nesse itinerário. Essas
diretrizes devem direcionar a construção do Projeto Pedagógico dos cursos técnicos.
Em se tratando dos cursos integrados ao Ensino Médio, estes são orientados
também pela Resolução Nº 2, de 30 de janeiro de 2012, que trata das Diretrizes
109
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, que orientam aquilo que se refere à
Educação Básica. Sendo duas orientações/diretrizes diferentes, uma vez que os
cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio seguem uma orientação que se refere
à parte profissionalizante e outra que se refere à educação básica, a Resolução Nº 6
(2012) é uma tentativa de fazer a junção dessas duas diretrizes, a fim de que haja
integração entre as duas propostas e se faça um curso realmente integrado.
Em seu Art. 5º, a Resolução Nº 6 explicita a finalidade dos cursos de
Educação Profissional Técnica de Nível Médio, que “têm por finalidade proporcionar
ao estudante conhecimentos, saberes e competências profissionais necessários ao
exercício profissional e da cidadania, com base nos fundamentos científicos-
tecnológicos, sociohistóricos e culturais”. Ou seja, propõe uma formação integral,
que ao mesmo tempo em que forma para uma determinada profissão técnica, forme
também para a vida. Assim, trazemos novamente para nossa discussão a questão
de como se efetiva essa proposta nas instituições que oferecem esses cursos, em
especial nos Institutos Federais, sabendo que não há um preparo específico para os
professores, em relação à atuação na educação profissional.
A Resolução Nº 6 traz em seu Art. 6º, os princípios desses cursos, dos quais
destacamos:
I - relação e articulação entre a formação desenvolvida no Ensino Médio e a preparação para o exercício das profissões técnicas, visando à formação integral do estudante; II - respeito aos valores estéticos, políticos e éticos da educação nacional, na perspectiva do desenvolvimento para a vida social e profissional; III - trabalho assumido como princípio educativo, tendo sua integração com a ciência, a tecnologia e a cultura como base da proposta político-pedagógica e do desenvolvimento curricular; IV - articulação da Educação Básica com a Educação Profissional e Tecnológica, na perspectiva da integração entre saberes específicos para a produção do conhecimento e a intervenção social, assumindo a pesquisa como princípio pedagógico; V - indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da aprendizagem; XV - identidade dos perfis profissionais de conclusão de curso, que contemplem conhecimentos, competências e saberes profissionais requeridos pela natureza do trabalho, pelo desenvolvimento tecnológico e pelas demandas sociais, econômicas e ambientais (BRASIL, 2012).
Com base nesses princípios, que orientam os cursos Técnicos Integrados ao
Ensino Médio, pode-se dizer que a educação proposta vai ao encontro da educação
integral/holística, que vimos descrevendo desde o início. Essa formação propõe que
110
se contemplem aspectos ligados ao desenvolvimento profissional e humano. Mas a
questão que se discute aqui é se, na prática escolar cotidiana, é possível abarcar
toda essa proposta em um curso com duração, normalmente, de três anos, sendo
que os professores, que atuam diretamente nesses cursos, não foram preparados
para atender a todas essas demandas. Não se apresenta, dessa forma, algo simples
de se resolver ou efetivar.
O Instituto Federal tem no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), um
documento direcionador, que discute e define as metas da instituição como um todo
e de cada campus particularmente, que são avaliados anualmente e rediscutidos a
cada cinco anos. Este documento tem, entre um de seus objetivos, verificar se cada
campus está cumprindo com o acordo da oferta de 50% de suas vagas a cursos
Técnicos de Nível Médio e 20 % para cursos de licenciaturas. Nele também é feito
um estudo sobre os cursos que se pretende ofertar para os próximos cinco anos.
Como missão o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo
tem: “Construir uma práxis educativa que contribua para a inserção social, para a
formação integradora e para a produção do conhecimento” (PDI, 2014, p. 27). Essa
formação integradora se refere a uma formação, que contemple não somente a
formação profissional, mas a formação que vise a cidadania, a autonomia, as
relações humanas, como é apontado de forma mais específica no Projeto Político
Pedagógico.
O Projeto Político Pedagógico do Campus aqui analisado, documento de
grande importância e recém-aprovado (2016), afirma que opta pela adoção de uma
pedagogia emancipatória. Com o propósito de favorecer a construção de estratégias
de inclusão, nos diversos níveis e modalidades de educação em que atua, para
possibilitar a formação e construção de sujeitos autônomos.
Tais diretrizes reafirmam o compromisso dos Institutos Federais com a
formação humanística de docentes e discentes, que precede a qualificação para o
trabalho e enxerga a educação profissional e tecnológica baseada na integração
entre ciência, tecnologia e cultura.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) acima referido propõe como objetivo
central
[...] agregar à formação acadêmica a preparação para o mundo do trabalho, discutindo os princípios das tecnologias a ele relativas. Compreende-se,
111
para isso, que seja preciso derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura, na perspectiva da emancipação humana (Projeto Político Pedagógico da instituição, 2016).
E, como orientado nos documentos-guia dos IF’s, propõe a indissociabilidade
entre o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Sua organização e
desenvolvimento baseiam-se na concepção do trabalho como princípio educativo,
com o propósito não de formar somente para o exercício do trabalho, mas para a
vida. Tem, em sua proposta, o que é chamado de “tripé da educação”, pois toda sua
atuação é voltada para a indissociabilidade entre a pesquisa, a extensão e o ensino,
que devem propiciar um espaço educativo capaz de formar, qualificar e emancipar
os sujeitos. Está proposta no documento a ideia de uma educação transformadora,
concepção esta que está no centro da proposta da pedagogia crítica:
Deixa explícito, neste espaço, que a perspectiva de Educação Profissional a ser vivenciada pelos sujeitos em presença estabelece com o mundo do trabalho uma relação dialética, por se basear, de um lado, no reconhecimento dos saberes e práticas fundamentais para o exercício das atividades profissionais, mas também procurar desenvolver olhares críticos e transformadores dos problemas sociais que assolam a realidade social contemporânea (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2016, P. 80).
No PPP fica clara a diferenciação entre trabalho e emprego, reforçando-se o
entendimento do trabalho como princípio educativo, inerente ao ser humano, em que
“a concepção de trabalho não pode ser tomada como sinônimo de “emprego” ou
mera ocupação, mas sim como aspecto basilar e de caráter formador do indivíduo,
processo responsável pelo desenvolvimento das dimensões complexas da vida
humana” (PPP 2016, p. 85). Com base nesses apontamentos, é possível
compreender o posicionamento que o campus adota no que se refere à sua
concepção de educação. E complementamos que se preocupam com a relação
entre trabalho e educação “[...] tendo sempre como meta a colaboração na formação
de cidadãos preparados para a vida, e não apenas para o desempenho de
determinadas funções técnicas”. (2016, p. 85). Após pesquisar sobre a proposta de
educação prevista nos documentos que direcionam o Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo, no Campus aqui analisado, precisamos
compreender melhor como se dá a efetivação dessas propostas, se e como os
professores as compreendem e de que forma as efetivam.
112
2.4. Entendendo a “nova” proposta de professores para atuar na educação
profissional
Segundo Kuenzer (1999), na atualidade há a necessidade de um novo perfil de
profissional, que desenvolva diferentes e novos papéis na vida profissional, ou seja,
que tenha uma formação para o trabalho, entendendo o trabalho como foi disposto
na primeira parte desta pesquisa. Que sua ação seja acompanhada de humanidade,
que contribua para a transformação de seus alunos em sujeitos críticos e
autônomos. Esse novo profissional precisa ter desenvolvida sua autonomia e
criticidade, para se posicionar diante dos dilemas e dificuldades que o trabalho
exige, e não ser apenas mais um “transmissor” daquilo que sabe, aceitando
acriticamente às condições que lhe são condicionadas. O professor, como
participante ativo direto do processo educacional, precisa acompanhar essas
mudanças: “O professor, como profissional, não escapa a essas exigências. E esses
requerimentos ficam mais evidentes quando se trata do professor que forma,
diretamente, profissionais para atuação na vida produtiva” (REHEM, 2009, p. 20).
Posição também defendida por Kuenzer:
A mudança da base eletromecânica para a base microeletrônica, ou seja, dos procedimentos rígidos para os flexíveis, que atinge todos os setores da vida social e produtiva nas últimas décadas, passa a exigir o desenvolvimento de habilidades cognitivas e comportamentais, tais como análise, síntese, estabelecimento de relações, rapidez de respostas e criatividade em face de situações desconhecidas, comunicação clara e precisa, interpretação e uso de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos, eleger prioridades, criticar respostas, avaliar procedimentos, resistir a pressões, enfrentar mudanças permanentes, aliar raciocínio lógico-formal à intuição criadora, estudar continuamente, e assim por diante (KUENZER, 1999, p. 169).
Há décadas atrás, em que tudo parecia sólido e cristalizado, em que havia um
padrão a ser seguido e não havia espaço para contestações ou inovações, os
trabalhadores precisavam memorizar e incorporar bem sua função de forma rápida,
pois, depois, bastava o aprendiz repetir automaticamente o que havia aprendido e
então estava apto ao exercício de sua profissão, até sua aposentadoria. No entender
de Rehem (2009, p. 38): “Os conhecimentos adquiridos tinham utilidade para
solucionar as situações pelo resto da vida, em razão dos contextos previsíveis e
duráveis em que se vivia”. Nesse contexto imutável e cristalizado, a educação
113
instrucional cabia perfeitamente, pois assegurava que o “conhecimento” adquirido
seria útil para toda a vida, garantindo o sustendo do trabalhador. Na ideia do
desenvolvimento humano como algo dinâmico, multidirecional e multifacetado, que
transcorre ao longo da vida, trazida por Bronfenbrenner (2005), sistematizada no
Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano, a concepção de estabilidade do
processo de desenvolvimento, ou da sua linearidade, bem como da aprendizagem
em si, não faz sentido, pois, contrariamente, se argumenta que o desenvolvimento e
a aprendizagem humanos ocorrem numa ecologia, ou seja, na
progressiva acomodação mútua, ao longo do curso da vida, entre um ser humano ativo e em crescimento e as propriedades cambiantes dos contextos imediatos nos quais a pessoa desenvolvente vive, conforme esse processo é afetado pelas relações entre esses contextos e por aqueles mais amplos, nos quais tais contextos estão embebidos (BRONFENBRENNER, 2005, p. 107).
Essa mudança da modernidade na contemporaneidade, no que se refere à
liquidez e à flexibilidade, requer dos professores necessidades diferentes das
relatadas anteriormente, que se limitavam ao instrucionismo. O que inclui também
outras compreensões do que significa o desenvolvimento humano e a
aprendizagem, como exposto nas colocações de Bronfenbrenner. Necessita-se hoje
de uma pedagogia que seja crítica e favoreça a transformação na vida dos alunos, e
que traga em sua proposta um movimento e uma luta constante na tentativa de que
a educação possa ser transformadora e possa trazer mudanças também no mundo
que vivemos. Com base nos princípios da educação sociocomunitária e da
pedagogia crítica entende-se que a educação, deve lutar e impulsionar uma
mudança social, como nos aponta Borquez (2006, p. 105):
[...] a educación debe impulsar el cambio social, que favorezca la disminución de las desigualdades económicas, sociales, raciales, de género, etc., pero también se propone incidir en la formación de buenos ciudadanos, que sean capaces de luchar por mejores formas de vida pública, comprometiéndose con los valores de la libertad, igualdad y justicia social
A busca por essa educação, que traga mudanças na sociedade, passa pela
teoria de Mezirow (2013), que nos traz a discussão da aprendizagem
transformadora, termo que temos utilizado durante o discorrer de toda a dissertação.
Uma teoria que se alinha às propostas da pedagogia crítica, pois se baseia na
“profundidade da aprendizagem”, com o objetivo de que os alunos saiam da
114
condição de um conhecimento limitado, ingênuo, acomodado e acrítico para uma
situação que promova o conhecimento crítico e reflexivo. Para que sejam capazes
de avaliar e questionar com profundidade as situações ao seu redor e tenham
condições de serem agentes de transformação, capazes de trazer mudanças. Essas
mudanças devem começar pelas suas próprias estruturas de referência, que são
definidas por Mezirow (2013, p 112) como “[...] as estruturas culturais e linguísticas
por meio das quais interpretamos significados, atribuindo coerência e significância à
nossa experiência”. Essas estruturas moldam e delimitam a percepção, cognição e
sentimentos, preestabelecendo as perspectivas e propósitos, definindo então as
ações. De modo que aquilo que não se encaixar nessas estruturas pode ser
facilmente rejeitado. Havendo a aprendizagem transformadora, o sujeito é capaz de
modificar essas estruturas, muitas vezes fixadas, deixando-as mais abertas, flexíveis
e reflexivas, para uma nova forma de se conceber e se colocar no mundo, não mais
como agente passivo, mas como ser ativo e capaz de gerar transformações. Essa
nova forma de se colocar contribui para o empoderamento e para formação de
alunos mais autônomos e emancipados.
Mas, essa aprendizagem transformadora depende muito da concepção de
educação profissional que os professores têm e como eles a praticam. Para isso,
entende-se que é importante que o professor esteja preparado para trabalhar com
as especificidades da educação profissional, que em muitas ou na maioria das
vezes, recebe alunos que vivem em situações de alta vulnerabilidade social e
acríticos, acostumados com uma educação que lhes foi oferecida de maneia a levá-
los ao conformismo. Esses alunos deverão receber uma educação diferenciada
nesta modalidade de educação, que propicie a formação holística, segundo as
diretrizes. Essa educação deve contemplar a formação profissional técnica
escolhida, os conhecimentos próprios da Base Nacional Comum Curricular e a
formação para vida cidadã. Não é uma tarefa fácil, principalmente para aqueles que
não tiveram em sua base de formação elementos que abordassem esses aspectos.
Entendendo que não há, ou que há de forma reduzida, uma formação específica
para os professores trabalharem com a educação profissional, como propiciar tudo
isso?
115
Ramíres (1999, p. 19), ao falar da necessidade em se fazer as coisas de outra
maneira, traz algumas reflexões interessantes e pertinentes sobre essa discussão:
“Hoy día la sociedad está demandando una formación pertinente, de calidad y con
equidad social. En consecuencia, no se trata de “hacer más de lo mismo” sino hacer
las cosas de otra manera”. O autor faz um comparativo de maneira clara, em formato
de quadros, para discutir as mudanças de paradigmas no que se refere à educação
e ao trabalho, do que era considerado necessário na era industrial e do que é
necessário hoje, na era do conhecimento. Conforme exposto abaixo:
Quadro 02. Mudanças nos sistemas produtivos
Fonte: A. Ramírez, Galeano. Manual de capacitación para directivos de centros de formación (montevidéu, Cinterfor/OIT, 1999), p. 40.
116
Quadro 03. Mudanças nos sistemas de trabalho
Fonte: A. Ramírez, Galeano. Manual de capacitación para directivos de centros de formación (montevidéu, Cinterfor/OIT, 1999), p. 40.
Quadro 04. Mudanças nos sistemas organizacionais e de gestão
Fonte: A. Ramírez, Galeano. Manual de capacitación para directivos de centros de formación
(montevidéu, Cinterfor/OIT, 1999), p. 41.
117
Quadro 05. Mudanças nos sistemas educacionais e na formação profissional
Fonte: A. Ramírez, Galeano. Manual de capacitación para directivos de centros de formación (montevidéu, Cinterfor/OIT, 1999), p. 41.
Nessa nova conjuntura, denominada como a era do conhecimento, a riqueza
é medida pelo nível de conhecimento e tecnologia que se incorpora aos produtos e
serviços e, por isso, a grande valorização no desenvolvimento intelectual e criativo
da população. Conhecer é poder. Cabe pensar como e quem o controla...
Para Rehem (2009, p. 76), ao professor de educação profissional “cabe
fornecer os mapas e a bússola para que o educando possa navegar no complexo
mundo do trabalho, enfrentando as ondas do mercado sem se deixar sucumbir,
apesar das tempestades”. Nesse sentido, é importante no processo da educação
profissional trabalhar com os alunos a autonomia juntamente com os conhecimentos
necessários para cada profissão e que vão além da parte técnica, para que ao
118
ingressar no mundo do trabalho, o profissional tenha habilidades para lidar com
diferentes situações. Assim, reforça-se que a nova proposta de educação
profissional deve ser voltada para a formação para o trabalho e não para o emprego,
como já discutido anteriormente.
Trabalha-se aqui com a concepção de professor proposto pela pedagogia
crítica. Freire (1987, p. 12), entende que o professor deve-se colocar na condição de
ensinar e aprender ao mesmo tempo, pois “Quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender”. Nessa proposta da educação crítica, o professor
não é o único que pode ensinar. E reforça a ideia do ser inacabado e da
aprendizagem para ao longo da vida, em que os professores podem e devem ser
agentes transformadores e libertadores de uma condição a qual, muitas vezes, os
alunos são reféns. Nessa perspectiva, Au (2011) traz o pensamento de Freire, que
se sustenta sobre a afirmação de que “retirar o direito do sujeito à consciência e
remover seu “direito de transformar o mundo” é opressivo”. De acordo com a
pedagogia crítica, que prega que a educação deve ser libertadora, essa prática
docente precisa ser refletida. E por isso tamanha preocupação com os professores,
que atuam diretamente na educação profissional, que podem contribuir para essa
libertação e transformação na sociedade ou, simplesmente, reforçar as
desigualdades e as injustiças sociais. Freire (1986) relata bem essa questão de que
a educação pode transformar uma sociedade, como também pode ser reprodutora
dela:
[...] a educação, especificidade humana, como um ato de intervenção não está sendo usado com nenhuma restrição semântica. Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto à que aspira a mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto à que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a História e manter a ordem injusta (FREIRE,1986, p. 106).
Esse profissional deve se colocar na condição de mediador do conhecimento,
que trabalha juntamente com os conteúdos básicos necessários a cada disciplina
questões como ética, relacionamentos interpessoais, valores, cidadania, respeito,
entre outros valores importantes para que esses alunos se tornem críticos e
autônomos. Assim, entende-se que o professor da educação profissional, que fez a
119
escolha ao trabalhar com esta modalidade de educação, deve ter em seu trabalho
algumas competências:
[...] entendemos que o professor da educação técnica é um profissional que optou por ser professor, ou seja, além dos conhecimentos acerca do mundo do trabalho, e dos conhecimentos disciplinares que detém, prendeu, em bases científicas, a ensinar o que sebe fazer. Isso requer formação docente, que desenvolva, com competência, a educação para o trabalho, para conduzir pessoas no processo de aprender a trabalhar [...] educar para o trabalho deve implicar na formação integral do homem, mesmo tomando o trabalho como foco do processo formativo. Ainda que se considere a atividade econômica como a razão de ser da existência da educação profissional, sua entrega não deveria ser reduzida a esta. (REHEM, 2009, p. 77).
A mesma autora (2009) considera alguns eixos fundantes na formação
docente para atuar na educação profissional, para que ele possa, além das
capacidades exigidas para a formação de futuros profissionais, também atentarem-
se à formação pessoal para a autonomia e a emancipação, ou seja, para a formação
integral do discente:
Sendo o professor de educação técnica um profissional da aprendizagem para o trabalho, ele é, nessa condição, um profissional da gestão de condições de aprendizagem e da regulação interativa, em sala de aula e no mundo do trabalho. Para fazê-lo com autonomia, sua formação deve, portanto, contemplar a aquisição desse saber-ensinar, que vai apoiar-se no saber disciplinar de sua formação acadêmica e em sua experiência na respectiva área profissional no mercado de trabalho (REHEM, 2009, p. 109).
Em sua pesquisa, Rehem (2009) compreende que são necessários três eixos
de competências para o professor da educação profissional, que devem estar
articulados. O primeiro diz respeito aos saberes disciplinares adquiridos na formação
acadêmica específica de cada área, que permitem um conhecimento sólido, que
traga a reflexão crítica acerca de sua atuação. O segundo, diz respeito aos saberes
da experiência profissional relacionados com sua área de formação acadêmica.
Nesse eixo, o professor tem propriedade para entender as especificidades do
mercado de trabalho e pensar em como sua atuação pode contribuir para a inserção
dos futuros alunos neste. E a terceira diz respeito a saberes pedagógicos e
didáticos, para que o professor tenha condições de gerir as relações do processo de
formação que relacionem as diferentes possibilidades da educação profissional em
diferentes ambientes com a aplicação da prática reflexiva dos conhecimentos. Com
120
a articulação entre esses três eixos, o professor tem mais possibilidades de fazer
escolhas relevantes e de adequá-las às necessidades de seus alunos de forma
contextualizada com o mundo do trabalho e com seus contextos de vidas.
Contudo, não se pode dizer que com uma formação que se baseie nesses
três eixos teria-se já o suficiente para garantir uma boa formação para o docente da
educação profissional, pois um profissional não se faz somente com um bom curso,
que siga determinados padrões. Há de se tomar cuidado, porém, em não esperar
que a formação inicial do professor contemple todos os aspectos necessários para a
formação de um bom profissional. Ele deve ter uma boa base que o subsidie, mas
essa deve ser entendida apenas como formação inicial, sendo necessária a
formação continuada, essencial para sua atuação diferenciada:
Conceituamos a formação contínua como um processo que: se efetiva desde a formação inicial e se estende por toda a vida profissional do professor; enfatiza o desenvolvimento da competência pedagógica; propicia espaços e modos de reflexão sobre a prática desenvolvida; possibilita inovações e prevê possibilidades de ida e volta à ação; está fundado no conhecimento histórico e socialmente construído, questionado/criticado/aperfeiçoado pelos professores. Ao se efetivar no espaço institucional de trabalho, a formação contínua aprofunda o compromisso do professor com o aluno, o conhecimento e a construção coletiva. Além disso, torna possível o reconhecimento do professor como pessoa e profissional sensibilizado/estimulado para seu autodesenvolvimento (RIBAS, 2000, p.57 apud REHEM, 2009, p. 130).
Gadotti (2009, p. 54) afirma que: “Ao lado do direito do aluno aprender na
escola, está o direito do professor dispor de condições de ensino e do direito de
continuar estudando”.
Para que o docente da educação profissional atue de forma condizente com
uma nova proposta de educação emancipatória é preciso a interferência de outras
questões, diretas ou indiretamente relacionadas com a sua formação. Assim como
consideramos que a educação dos nossos jovens é uma construção, um processo
que depende de outras influências, como por exemplo, o seu contexto de vida,
precisamos considerar também essas especificidades, que interferem direta ou
indiretamente na formação dos professores. Contextos esses que, na maioria das
vezes, não são considerados pelos professores, formadores dos futuros professores
que atuarão na educação profissional. Com uma formação tecnicista e conteudista,
ao ingressar nesta modalidade de educação, esses professores precisarão de um
121
enorme esforço para efetivar práticas diferentes daquelas a que foram submetidos,
durante o processo de formação inicial. Ou, no caso de se conformar com a maneira
como ocorreu sua graduação, simplesmente irão reproduzir o modo como lhes foi
ensinado, dando continuidade a um processo de formação sem significação e que
se limita aos conteúdos específicos da área de atuação, dificultando a construção da
autonomia para seus alunos e para si próprios, uma vez que não entendem a
preocupação com temas para além dos conteúdos, como necessária em sua
atuação:
A los maestros ya no se les pide que sean innovadores, pensar críticamente, o que sean creativos. Por el contrario, se han reducido a la guarda de los métodos, los ejecutores de una cultura de la auditoría, y se les priva de asumir la autonomía en sus aulas. Según los conservadores, los grandes maestros han cometido el pecads en las últimas décadas de centrarse demasiado en la teoría y no lo suficiente en la práctica clínica, y por "teoría" entienden lo que la pedagogía crítica y otras teorías dicen: instrumentos que permiten a los futuros profesores situar el conocimiento escolar,las prácticas y los modos de gobernanza dentro de amplios contextos históricos, sociales, culturales, económicos y políticos. Reducción de la pedagogía para la enseñanza a métodos e instrumentos de evaluación basados en datos indicadores de desempeño que supuestamente miden la capacidad escolar y sirven para mejorar el rendimiento de los estudiantes. En lugar de proporcionar los mejores medios para hacer frente a las "verdades difíciles acerca de la desigualdad de la economía política de América". Tal pedagogía produce la estafa de "culpar a las desigualdades en los individuos y grupos con puntajes bajos." (GIROUX, 2013, s/p)
Na proposta de educação profissional aqui buscada é esperado do professor
uma postura diferenciada, não aquela de ensinar o que sabe por meio de instrução
acrítica:
Dele é esperada uma mediação capaz de fazer aprender pela interação, experimentação, vivência, testagem, pesquisa, acerto e erro, comprovação, provocação, intercâmbio, observação, criticidade, ação e reflexão. Cabe, ao professor, promover a aprendizagem assistida na direção da autonomia, e não apenas, uma aprendizagem ensinada (REHEM, 2009, p. 79).
Com essas atribuições do professor, acredita-se que os alunos se tornarão
sujeitos mais autônomos. Com esse formato de educação os alunos farão
diretamente parte do processo de ensino e aprendizagem, uma vez que também
consideramos que o professor não é mais o único detentor do saber e o único
122
responsável pela educação, ele também está em processo de aprendizagem e que
esta acontece ao longo de toda a vida, do seu processo de desenvolvimento.
Na próxima parte exporemos o processo de construção e análise dos dados,
refletiremos sobre os relatos dos professores que trabalham com a Educação
Profissional Técnico de Nível Médio nos cursos Integrados. Com base nesses
relatos, esperamos que seja possível compreender como os professores concebem
a proposta de uma educação profissional emancipatória. Tentaremos discutir se é
possível contemplar aquilo que está solicitado nos documentos, que direcionam esta
modalidade de educação, de que forma se efetivam, e os obstáculos que aí se
colocam.
123
PARTE III. Desenvolvimento da pesquisa
3.1. Percurso metodológico
Trataremos aqui da pesquisa propriamente dita, explicando a metodologia
utilizada, os processos para a construção dos dados e a análise dos documentos
direcionadores da educação profissional nos cursos técnicos integrados ao ensino
médio do campus investigado tentando compreender se a educação que se pratica é
formação para o trabalho ou qualificação para o emprego.
Acompanhando a hipótese dessa investigação, partimos do pressuposto de
que não há clareza de como a educação profissional deve acontecer, em especial
nos cursos técnicos integrados ao ensino médio. Buscamos tentar responder
algumas questões que estão no cotidiano dos professores, que trabalham com esta
modalidade de educação, fundamentando-nos nas ideias na pedagogia crítica e da
educação sociocomunitária, que se preocupam com uma educação para a
autonomia e para a emancipação dos jovens, e que se coadunam com nossas
perspectivas para essa pesquisa.
Esta pesquisa é uma investigação qualitativa, na modalidade de pesquisa-
ação, e foi realizada em uma instituição de educação profissional em um campus do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, localizado no
interior do estado, na mesorregião de Piracicaba. Embora o campus exista desde
2010, somente no ano de 2015 foram implantados os cursos técnicos integrados ao
ensino médio oferecidos totalmente dentro da instituição. Antes disso, eram
oferecidos dois cursos “integrados”, que aconteciam em parceria com a Secretaria
de Estado da Educação, em que os alunos cumpriam no período da manhã a
formação básica na escola parceira e no período da tarde faziam a parte
profissionalizante no IF. Essa nova forma de oferta no campus, dos cursos técnicos
integrados ao ensino médio, de maneira integral e integrada, é algo que está ainda
em processo de adaptação, tanto para os alunos, quanto para os professores,
gestores e equipe pedagógica, que estão constantemente buscando aprimorar seus
conhecimentos sobre como e de que maneira deve-se trabalhar com esta
124
modalidade de educação, de modo a proporcionar uma educação que seja, de fato,
transformadora, como propõe a pedagogia crítica e a educação sociocomunitária.
Em termos de estrutura, o contexto onde foi desenvolvida a pesquisa está
assim organizado. A instituição conta hoje com mais de 500 alunos, com previsão de
que no ano de 2017 haverá aproximadamente 780 alunos. Atuam como servidores
68 professores e 41 servidores técnicos administrativos, que ingressam por meio de
concurso público, com exceção dos professores substitutos. Hoje o campus conta
com 5 professores substitutos, que ingressaram por meio de processo seletivo
simplificado, sendo que podem atuar no campus por no máximo 2 anos. Além
desses profissionais, atuam as empresas terceirizadas para manutenção predial,
limpeza, segurança e portaria contando hoje com 13 profissionais. O prédio utilizado
pela instituição não é próprio, ele foi cedido numa parceria público-privada pelo
período de 25 anos, dos quais 6 anos já foram utilizados. No ano de 2016 a
prefeitura municipal doou ao IFSP um terreno, no mesmo bairro onde está situada a
instituição para a construção de um campus que seja mais adequado para atender
às demandas dos cursos. Mas ainda não se iniciou a construção por falta de verbas.
A estrutura física do prédio utilizado conta hoje com 10 salas de aula, totalizando
509,55 m², 1 biblioteca com 273,62 m², 2 salas administrativas com 140,88 m², 3
laboratórios de química totalizando 556,71 m², 6 laboratórios de informática com
254,94 m², 1 laboratório de física com 32,94 m², 1 sala de apoio pedagógico com
52,60 m², além de áreas para serviços de apoio com 271,28 m², e outros espaços de
convivência com 947,48, 00 m², totalizando 3040 m² de área.
O campus oferece hoje dois cursos técnicos integrados ao ensino médio
podendo o aluno escolher a área técnica de Química ou Informática no ato da
inscrição. Esses cursos têm duração de três anos e o ingresso acontece por meio de
um “Vestibulinho” realizado no final do ano anterior ao ingresso. Esse curso oferece
40 vagas por ano em cada uma das áreas com ingresso anual. O campus também
oferece o curso Técnico em Química concomitante/ subsequente (4 semestres), que
é destinado para os alunos que já cursaram o ensino médio ou que estão cursando
o segundo ano do ensino médio. O ingresso nesse curso também se dá por meio de
um “Vestibulinho”, que acontece ao final do primeiro semestre de cada ano. O curso
é semestral e o ingresso se dá uma vez por ano. A instituição também oferece
125
cursos superiores em Tecnologia em Processos Químicos (7 semestres), Tecnologia
em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (6 semestres) e Licenciatura em
Química (8 semestres). Esses cursos são semestrais, com ingresso por meio da lista
de classificação no SISU ao início de cada ano letivo. O campus também atua como
polo de dois cursos EaD, Técnico em Secretaria Escolar e Técnico em
Administração. Para esses cursos o ingresso é por meio de Vestibulinho com 40
vagas disponíveis.
A instituição também oferece cursos de extensão abertos para a comunidade.
Para participar dos cursos, os candidatos precisam apenas se inscreverem e
atenderem aos requisitos previstos no edital. Esses cursos são de curta duração e
oferecidos pelos próprios professores e servidores com carga horária que varia de
30 a 80 horas, com turmas entre 20 e 40 alunos. Esses cursos variam de acordo
com a demanda da região e com a disponibilidade dos professores. Dentre os
cursos oferecidos em 2016 temos: Conversação em Língua Inglesa – Nível Básico;
Conversação em Língua Inglesa – Nível Intermediário; Libras Básico; Conversação
em Língua Inglesa II; Damas e Xadrez em Ambientes Virtuais; Ensino de Algoritmos
e Programação WEB usando PHP; Excel Intermediário; Inglês Básico I; Introdução a
Programação Python; Língua Espanhola I; Língua Espanhola II; Matemática para o
ENEM; Português para Estrangeiros e Redação Científica
Além desses cursos já ofertados, iniciará em 2017 o curso de Técnico em
Administração, na educação de Jovens e Adultos (PROEJA). O curso será
semestral, com ingresso anualmente de 40 jovens e adultos. Está em fase de
finalização também dois cursos de Pós- graduação lato sensu em Gestão de
Tecnologia da Informação e Tecnologia da Informação e Comunicação na Educação
com previsão para iniciar no segundo semestre de 2017.
E, em assim sendo, essa pesquisa se torna motivo de reflexões,
investigações, incertezas, e de angústias, presentes nas práticas dos profissionais
desta instituição. Essa característica de trazer a reflexão sobre a prática, visando a
contribuição para a qualificação, é que faz com que essa pesquisa tenha sido
planejada como pesquisa-ação.
Segundo Franzolin, Minghini e Lourenço (2013), a pesquisa-ação é uma
forma de estudo qualitativo, que tem como característica o envolvimento tanto do
126
pesquisador quanto dos membros de uma organização, sobre a análise de um
assunto ou problema, que seja de interesse dos participantes, e que faça avançar a
qualidade do trabalho profissional ali desempenhado. É uma proposta
intervencionista de pesquisa, que se preocupa com as práticas e com os envolvidos
em um contexto especifico, e busca contribuir com reflexões e melhorias para um
determinado problema.
Para Greenwood e Levin (2007, apud Franzolin; Minghini e Lourenço 2013, p.
228), a pesquisa-ação tem entre os seus objetivos: “assessorar os participantes a
identificar seus problemas no ambiente de trabalho, encontrar e implantar possíveis
soluções”; possibilitar a verbalização de tensões e conflitos, de forma igualitária
entre os participantes, e propor a reflexão sobre a relação desses com os
problemas, para pensarem em possíveis intervenções.
A construção dos instrumentos para a coleta dos dados fez uso da análise
documental e de sessões de um grupo focal, como será explicitado posteriormente.
A análise documental foi feita por meio da legislação federal e dos documentos
institucionais, que normatizam as diretrizes para os cursos Técnicos de Nível Médio.
Dentre os documentos analisados estão: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional- LDB 9394/96; a Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012 que define as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio; o Projeto Político Pedagógico do campus; os Projetos Pedagógicos dos
Cursos, o documento Concepção e Diretrizes do Instituto Federal, o Plano de
Desenvolvimento Institucional, Resolução 94/2015 de 29 de setembro de 2015 que
aprova a Organização Didática do Instituto Federal de São Paulo, O Projeto
Pedagógico Institucional (PPI) aprovado pela resolução Resolução, 866, de 04 de
junho de 2013 e da lei 11.892 de 29 de dezembro de 2018, lei de criação dos IFs.
127
3.1.1. Análise dos documentos que orientam os cursos técnicos integrados ao
ensino médio
A leitura e análise dos documentos teve início no mês de abril de 2016. Com
base na leitura desses foi possível identificar a concepção de educação profissional
contida nos documentos direcionadores do IF para os cursos técnicos integrados ao
ensino médio. E foi possível a verificação dessa concepção na prática docente
cotidiana, por meio dos encontros do grupo focal, para entender se as propostas
contidas nos documentos estavam, de fato, sendo efetivadas. As categorias de
análise que foram usadas, e que emergiram das reflexões feitas a partir da revisão
de literatura foram: trabalho/emprego, contornos da educação profissional técnica
integrada ao ensino médio e autonomia/emancipação.
Em relação aos contornos da educação profissional técnica integrada ao
ensino médio. As Concepções e Diretrizes dos Institutos Federais trazem como
proposta para os IFs uma educação que seja diferente daquela proposta quando da
sua criação, e que perdurou por muitos anos, trazendo uma educação pauta e
apoiada na descristalização da visão reduzida que se tinha da educação profissional
à época. Segundo esse documento, entendendo os IFs como a efetivação de
políticas públicas, pretende-se trabalhar na “superação da representação existente
(de subordinação quase absoluta ao poder econômico) e estabelecer sintonia com
outras esferas do poder público e da sociedade, na construção de um projeto mais
amplo para a educação pública” (CONCPEÇÕES E DIRETRIZES DOS INSTITUTOS
FEDERAIS, 2010). Mostra-se, assim, preocupada com a formação integral, como
aqui já discutida anteriormente, e com a transformação social. Esse mesmo
documento traz como principal função:
[...] a intervenção na realidade, na perspectiva de um país soberano e inclusivo, tendo como núcleo para irradiação das ações o desenvolvimento local e regional. O papel que está previsto para os Institutos Federais é garantir a perenidade das ações que visem a incorporar, antes de tudo, setores sociais que historicamente foram alijados dos processos de desenvolvimento e modernização do Brasil, o que legitima e justifica a importância de sua natureza pública e afirma uma educação profissional e tecnológica como instrumento realmente vigoroso na construção e resgate da cidadania e da transformação social (CONCPEÇÕES E DIRETRIZES DOS INSTITUTOS FEDERAIS, 2010).
128
Considerando-se a distinção entre trabalho e emprego, nos documentos
analisados percebemos que há preocupação institucional em romper com o histórico
da educação profissional, que pregava uma educação tecnicista destinada aos
marginalizados pela sociedade. Dessa forma, prioritariamente inclinada ao emprego.
Buscando como compromisso a oferta de cursos que possam trazer a redução das
desigualdades sociais, como apontados no PPP (2016), em que, acompanhando os
processos de transformação no mundo, no ensino, no mundo do trabalho, se
trabalhe “com a perspectiva de diminuição das desigualdades sociais no Brasil”.
Essa ideia é reforçada por meio do Plano de Desenvolvimento Institucional (2014-
2018), que traz como missão dos IFs: “Construir uma práxis educativa que contribua
para a inserção social, para a formação integradora e para a produção do
conhecimento”. Entendemos que o PPP traduz uma preocupação com a formação
para o trabalho, no sentido que faz referência ao conceito de práxis educativa ou a
reflexão sobre a prática, que favorece a transformação, formação integradora,
produção do conhecimento. Contudo, no documento não há a explicitação das
bases ideológicas ou teóricas que fundamentaram esses conceitos, sendo assim, a
nossa afirmação é uma inferência. Mas que é referendada por outros pontos
semelhantes, conforme segue.
O PPP (2016) traz como proposta uma educação integral, por meio da qual se
desenvolva com os alunos, além das competências específicas para a atuação
profissional, os princípios da ética, da política, da cidadania, da inclusão social e da
sustentabilidade:
Desse modo, pautado pelos princípios da ética, da política, da cidadania, da inclusão social e da sustentabilidade vinculada à Educação Ambiental, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Campus XXXX, busca formar cidadãos contextualizados e integrados ao meio em que vivem, e que poderão exercitar e concretizar posturas mais críticas sobre os sistemas produtivos atuais e sobre as condições econômicas e socioambientais em que se inserem (Projeto Político Pedagógico 2016).
Nos Projetos Pedagógicos dos cursos é possível verificar essa intenção na
identificação de expressões como: “formação humanística”, “relação entre teoria e
prática”, “trabalho como princípio educativo”, “compreensão da totalidade do
processo produtivo”, “formação integral”, “visão holística do mundo do trabalho”
dentre outras, que mostram uma concordância com os outros documentos que
129
regem a educação brasileira contemporânea, demonstrando a preocupação com a
formação integral dos alunos e não simplesmente com a preparação em formar um
técnico em alguma profissão. Os PPCs, por exemplo, justificam a oferta dos cursos
na área de Química e de Informática (duas áreas atualmente oferecidas nos cursos
técnicos integrados do campus) para atender às demandas locais e regionais e que
leve à emancipação e autonomia. Acompanhando um dos objetivos da lei de criação
dos IFs 11.892, que traz em seu artigo 7º, parágrafo “V - estimular e apoiar
processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do
cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional”. É
possível afirmar, dessa maneira, que há uma organicidade na filosofia institucional,
ao menos naquilo que tange aos seus documentos direcionadores. E que se dirige à
outra das nossas categorias de análise, a autonomia/emancipação.
A Organização Didática (2015) traz em seu Art. 6º, que trata dos currículos,
que esses cursos devem ter como princípio “práticas que se estabelecem com o
diálogo entre técnicos, professores, estudantes e comunidade vinculados a uma
visão histórica, ética e política”. Podemos observar, aqui, que há uma preocupação
com princípios que também identificamos na concepção da educação
sociocomunitária, naquilo que se associa à autonomia e emancipação: a
participação ativa, de todos os envolvidos no processo, a base sócio-histórica dos
processos educacionais e sociais. Mas esses são conceitos que também carecem,
contudo, de definições que favoreceriam a operacionalização dessas intenções: o
que se entende, por exemplo, como comunidade? E qual seria a “visão histórica,
ética e política” referida? Entendemos que se parte de uma proposição crítica de
currículo, mas a falta de explicitação facilita tanto com que os pressupostos da
Organização Didática não sejam bem compreendidos, como que sejam apropriados
por perspectivas contrárias à tal proposição.
A Organização Didática do IFSP também traz no Capítulo VII- sobre o
Registro e da Verificação do Processo Acadêmico, em seu artigo 30, parágrafo §3º
que as avaliações serão norteadas pela concepção formativa, processual e
contínua, pressupondo a contextualização dos conhecimentos e das atividades
desenvolvidas, a fim de propiciar um diagnóstico do processo de ensino e
aprendizagem, que possibilite ao professor analisar sua prática e ao estudante
130
comprometer-se com seu desenvolvimento intelectual e sua autonomia.
Demonstrando a preocupação com o desenvolvimento dos alunos e reconhecendo o
pressuposto processual que é a educação. Pensando-se na formação profissional
de nível médio, e na questão da autonomia/emancipação, o que essa proposição de
verificação do processo acadêmico significa, em termos dessa formação?
Consideramos que uma avaliação que deixe de ser “avaliativa” e se volte para ser
formativa, ainda está distante de se constituir em realidade, por várias razões,
algumas sendo: falta de modelos de práticas formativas de avaliação, de referenciais
teóricos, concepções de ensino-aprendizagem dos docentes e dos alunos, o caráter
instrucional, que ainda marca o ensino técnico. Por outro lado, onde fica a questão
da autonomia na prática escolar cotidiana? Qual o espaço que os alunos e os
docentes têm, no planejamento das aulas, na sua execução, no uso de recursos e
materiais, para se manifestarem? Pela vivência da pesquisadora na instituição e
pelas falas no grupo focal, entendemos que os professores têm certa liberdade eles
têm “certa liberdade” para definirem as formas de avaliação, de metodologias, mas
são limitadas pelo currículo e pelos documentos direcionadores. Em relação aos
alunos, observa-se que há pouco espaço para a participação deles.
A resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012, que define diretrizes
curriculares nacionais para a educação profissional técnica de nível médio, em seu
Art. 14 traz a ideia de um currículo amplo, que proporcione aos alunos
oportunidades de formação que vão além da oferta de uma simples profissão, mas
de uma formação para a vida, como pode ser identificado:
Os currículos dos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio devem proporcionar aos estudantes: I - diálogo com diversos campos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como referências fundamentais de sua formação; II - elementos para compreender e discutir as relações sociais de produção e de trabalho, bem como as especificidades históricas nas sociedades contemporâneas; III - recursos para exercer sua profissão com competência, idoneidade intelectual e tecnológica, autonomia e responsabilidade, orientados por princípios éticos, estéticos e políticos, bem como compromissos com a construção de uma sociedade democrática; IV - domínio intelectual das tecnologias pertinentes ao eixo tecnológico do curso, de modo a permitir progressivo desenvolvimento profissional e capacidade de construir novos conhecimentos e desenvolver novas competências profissionais com autonomia intelectual; V - instrumentais de cada habilitação, por meio da vivência de diferentes situações práticas de estudo e de trabalho;
131
VI - fundamentos de empreendedorismo, cooperativismo, tecnologia da informação, legislação trabalhista, ética profissional, gestão ambiental, segurança do trabalho, gestão da inovação e iniciação científica, gestão de pessoas e gestão da qualidade social e ambiental do trabalho.
Essa é a proposta contida em um documento, mas como será visto na análise
do grupo focal, os currículos dos cursos técnicos integrados do campus não
conseguem, ainda, contemplar todos esses itens. Essa afirmação foi corroborada
pelos argumentos que poderão ser identificados nas falas dos professores
participantes da pesquisa, no encontro de número seis. Novamente colocamos, aqui,
a dicotomia trabalho/emprego: todos os pontos postos indicam uma concepção de
formação para o trabalho, mas com base no currículo, parecem se concretizar, na
prática, como um direcionamento para o emprego. Como entender isso?
O Projeto Pedagógico Institucional (PPI), aprovado pela resolução Resolução,
866, de 04 de junho de 2013 traz uma questão que é considerada muito importante
para os IFs, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que também
pode ser notada no PPP:
Considerar que o ensino e a extensão não podem ser analisados separadamente do mundo do trabalho, nem ser compreendidos sem a alimentação da pesquisa. Esta, por sua vez, não pode ser compreendida sem o campo da aplicação do ensino e da extensão. Todos se retroalimentam em função das necessidades sociais e econômicas e das demandas profissionais, em permanente atualização.
O PDI (2013) também aponta para a valorização da articulação entre teoria e
prática ao defender a “(...) articulação do conhecimento teórico com as atividades e
acontecimentos rotineiros, propiciando uma aprendizagem significativa, rompendo
assim com a dicotomia teoria/prática”. Trazendo a discussão que tivemos no início
dessa pesquisa ao estudar o histórico da educação profissional que propunha uma
ação dissociada da reflexão. Pensamos que a efetivação do tripé ensino-pesquisa e
extensão poderia romper com a formação para o emprego e direcionar a formação
para o trabalho. Porém, em um curso de 03 anos, com um currículo que se mostra
estruturalmente compartimentalizado, há espaço e condições para a efetivação
desse tripé?
Após análise dos documentos acima citados, compreendemos que houve
evolução no que se refere à concepção de educação profissional de nível técnico,
132
desde sua implantação nos IFs. E que esse avanço também se estendeu às
categorias de autonomia/emancipação e trabalho/emprego. Isso, contudo, não nos
dá garantias de que a educação profissional de nível médio, na instituição
pesquisada, venha sendo, de fato, transformadora, pois depende também de como a
comunidade acadêmica, que compõe essa instituição, bem como a comunidade em
que está inserida, compreendem esta modalidade de educação. E mesmo, como já
citado anteriormente, de clarificar-se para, e de discutir-se com, a comunidade
interna e externa, o que tais concepções, de trabalho/emprego,
autonomia/emancipação, e de educação profissional significam para elas. Mas o fato
de já constarem dos documentos direcionadores, se mostra um passo importante na
luta por uma educação que valorize e respeite as especificidades do ser humano e
reconheça nessas especificidades uma possibilidade de contribuir para sua
formação integral, para o trabalho como princípio educativo.
Como dito anteriormente, também foi utilizado como instrumento de coleta de
dados sessões de grupos focais, formados por professores do Instituto Federal de
São Paulo, do campus analisado, como será descrito abaixo. Nesses encontros do
grupo focal foram propostos pela pesquisadora, com base em discussões e
encontros de grupos de estudos, ocorridos antes e durante a pesquisa, como parte
das atividades dos docentes, temas tidos como relevantes para o desenvolvimento
da pesquisa. Tais temas foram aceitos pelos participantes, por serem considerados
como relevantes para as reflexões sobre a prática docente.
3.1.2. Organização e desenvolvimento do grupo focal
O grupo focal tem por característica constituir-se numa discussão em grupo,
deixando os participantes à vontade para expressarem suas opiniões, sem a
preocupação com respostas prontas, ou corretas, uma vez que se gera um debate
democrático. Por meio do grupo focal é possível propiciar momentos para se discutir
e compartilhar assuntos do interesse de todos e que pode, por meio do diálogo e
das reflexões, impactar na prática dos participantes.
Segundo Caires, Fernandes e Janssen (2016, p.195), os grupos focais são
metodologias de recolha de dados que ganharam destaque nos últimos 30 anos nas
133
pesquisas ligadas às Ciências Sociais “(...) como forma de recolher informações
acerca das percepções, atitudes, sentimentos e/ou opiniões em torno de um
determinado tema”. No grupo focal, a entrevista, que normalmente é regida por uma
situação mais formal e individualista, acaba por ser reconceituada como um espaço
para discussão entre os participantes, de maneira mais informal, favorecendo com
que o processo de coleta de dados se torne mais democrático, emergindo uma troca
de concepções e ideias, promovendo também a reflexão entre os participantes sobre
os temas tratados. É importante observar, ainda, que os dados levantados no grupo
focal não são somente aqueles expressos verbalmente, mas também aqueles que
transparecem nas expressões faciais, corporais, nos silêncios, nos comentários
feitos em voz baixa, dentre outras formas de comunicação não verbal. Nessa
proposta, os participantes da pesquisa não são apenas objetos de pesquisa, mas
colaboradores, e, de certa forma, coautores, pois ajudaram na avaliação sobre a
análise dos dados.
A preparação para o grupo focal se deu ainda no primeiro semestre de 2016 e
aconteceu concomitantemente à escrita da pesquisa, feita nas duas primeiras partes
dessa dissertação. Inicialmente, foi realizada uma reunião com o diretor geral da
instituição para expor a ideia da realização do grupo focal com os professores da
instituição e informado também qual era o objetivo da pesquisa. A direção recebeu
bem a proposta e disponibilizou que o grupo focal pudesse acontecer durante o
período das atividades dos docentes e da pesquisadora, desde que não fosse
interromper as aulas, por compreender que os temas discutidos poderiam contribuir
para a prática pedagógica do campus.
Após a autorização da direção geral por meio do termo de consentimento livre
e esclarecido, foi pensado com cuidado em quais professores, que atuam nos
cursos técnicos integrados ao ensino médio, seriam convidados para participarem
da pesquisa. Um dos pontos levantados pela pesquisadora é que não seria de tanta
contribuição se houvesse professores apenas de uma única área ou com uma
mesma formação, ou mesmo uma linha única de pensamento educacional. Pois,
uma das características dos IFs é essa diversificação de professores atuando junto,
daí o cuidado em convidar professores que espelhassem essa diversificação. A
partir da definição de se trabalhar com um grupo que pudesse representar a
134
heterogeneidade existente nos IFs, e no campus em questão, é que se chegou aos
participantes da pesquisa, como poderá ser visto no quadro 06, de caracterização
dos sujeitos.
3.1.2.1. Da contextualização dos sujeitos
Os sujeitos da pesquisa são professores dos cursos técnicos integrados ao
ensino médio das áreas de Química, Informática, Gestão e do Núcleo Básico
Comum. Inicialmente o grupo seria composto por 10 professores, porém a partir do
terceiro encontro, outro professor, sabendo dos temas que estavam sendo
discutidos manifestou interesse em participar também do grupo focal, passando
então a ter um grupo composto por 11 professores. No grupo dos 11 professores, 4
participantes são do sexo feminino e 7 participantes do sexo masculino com idades
que variam de 30 a 54 anos. Há nesse grupo professores de disciplinas teóricas e
de disciplinas práticas. Esses professores possuem formações e experiências
diversas como pode ser observado no quadro número 6. O intuito da escolha de
professores com formações, contextos e áreas diferentes se deu de forma
consciente com o propósito de poder ter uma mostra da diversidade que atua em
uma mesma instituição e em um mesmo curso. O que inicialmente poderia ser
entendido como algo complexo, mas segundo os próprios professores participantes,
essa diversidade é vista por eles como uma possibilidade enriquecedora de ampliar
os conhecimentos e diversificar as práticas docentes, pois eles compartilham, em
diferentes momentos, suas experiências.
Todos os professores vêm de experiências docentes anteriores e todos
concordam que trabalhar com esta modalidade de educação é algo novo e
desafiador. A maioria dos participantes trabalha com os cursos técnicos integrados
desde sua implantação no campus, perto de completar dois anos, com exceção de
um professor que tem experiência com a educação profissional, mas com os cursos
técnicos integrados ao ensino médio está há pouco tempo.
135
Quadro 06- Caracterização dos sujeitos
Participantes Sex
o
Idade Tempo de
experiênci
a docente
Tempo nos
cursos
técnicos
integrados
ao ensino
médio
Formação acadêmica
P14 F 33 anos 6 anos e
meio
2 anos Licenciada em química; Mestre
no Ensino Químico e Pós-
graduada Lato sensu em Gênero
e Diversidade na Escola.
P2 M 41 anos 9 anos 2 anos Técnico em Química; Bacharel e
Licenciado em química; Mestre
em Química Inorgânica, Doutor e
Pós-doutor em química; Pós-
graduado Lato sensu em Gestão
Pública e graduando em
Licenciatura em Filosofia.
P3 M 40 anos 13 anos 4 anos e
meio
Tecnólogo em processamento de
dados; Pós-graduação lato sensu
em análise de sistemas e em
gestão pública; Mestre em
Ciência da Computação,
Licenciado no Ensino da
Computação (complementação
pedagógica) e cursando Pós-
graduação lato sensu em EJA.
P4 M 33 anos 6 anos 1 ano Licenciado em Química; Mestre
em química; Doutorando em
educação.
P5 M 40 anos 12 anos 2 anos Graduado em Letras; Pós-
graduação lato sensu em
Educação; Mestrando em
Educação.
P6 F 53 anos 25 anos 2 anos Licenciada e bacharel em
Ciências Sociais; Mestre em
Trabalho e Sindicalismo; Doutora
em Ciências Sociais: As
transformações do perfil da
classe trabalhadora com a
inserção das novas tecnologias
4 Números atribuídos aleatoriamente.
136
nos processos de trabalho.
P7 M 30 anos 6 anos 5 anos Bacharel em Sistemas de
informação; Pós-graduação lato
sensu em Banco de Dados;
Licenciado em Computação
(programa R2- complementação
pedagógica) e Mestrando em
Educação.
P8 F 33 anos 4 anos 2 anos Licenciada em Química; Mestre
em Química Inorgânica.
P9 F 54 anos 12 anos 4 anos Graduada em Engenharia
Química; Mestre em Engenharia
Química; Doutora em Engenharia
de Alimentos.
,P10 M 32 anos 6 anos 1 ano e meio Bacharel em Administração;
Mestre em Administração; Doutor
em Administração e Pós-
doutorando em Administração.
P11 M 48 anos 20 anos 5 anos Bacharel em Química; licenciado
em Química, mestre em Química
e doutor em Química.
Fonte: Arquivo pessoal da autora
Os participantes foram convidados para participar do grupo focal após uma
breve explicação sobre a proposta da pesquisa. Foram convidados inicialmente 12
sujeitos, e aceitaram o convite os 11. A razão da recusa foi por incompatibilidade de
horário uma vez que, um dos convidados ministrava um curso de extensão no
horário em que iriam acontecer os encontros. Eles receberam e assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido que constava, além da proposta da pesquisa,
informações sobre a livre participação, a possibilidade de deixar de participar da
pesquisa a qualquer momento, quanto ao anonimato dos participantes, dentre outros
informes. O modelo do termo de consentimento livre e esclarecido consta anexo da
dissertação, para consulta.
Com os professores formalmente convidados, foi pensado em possíveis
temas para serem apresentados e validados, ou não, pelos participantes. Os temas
137
tratados estavam ligados às categorias de análise já citadas: trabalho/emprego,
educação profissional técnica integrada ao ensino médio e autonomia/emancipação.
Esses temas foram apresentados e discutidos no primeiro dos seis encontros do
grupo focal, sendo que ficou decidido que o tema do último encontro ficaria em
aberto, pois possivelmente poderia surgir alguma ideia de tema com base nos
encontros antecedentes. A ideia levada foi a de que, embora os temas fossem
pensados para atender às necessidades da pesquisa, que esses fossem decididos
com os participantes e não para os participantes. Os temas dos encontros ficaram
sendo, então: Encontro 1- Conhecendo melhor a formação e o contexto dos
professores participantes; 2- Compreender a questão do trabalho e emprego;
entender o que a legislação prevê sobre os cursos técnicos integrados ao ensino
médio e avaliar que tipo de educação se pratica no Campus XXX: formação para o
trabalho ou qualificação para o emprego; 3- Avaliar alguns documentos que orientam
a educação profissional nos cursos técnicos integrados ao ensino médio; 4- Discutir
sobre a formação continuada e sobre a heterogeneidade de professores que
trabalham nos cursos técnicos integrado ao ensino médio; 5- Discutir e refletir sobre
as competências necessárias para o professor da EPTNM e 6- Analisar os currículos
desses cursos e as concepções de educação que estão contidas nele.
Após avaliação dos temas propostos pela pesquisadora e aprovados pelo
grupo focal deu-se início à discussão. Os pontos levantados e os apontamentos dos
participantes serão descritos a seguir. Um acordo feito entre a pesquisadora e os
professores participantes foi que, ao finalizar os encontros e trabalhados os dados
dos encontros, esses seriam discutidos com os participantes antes de finalizada a
dissertação. Essa proposta se deu pelo fato de que não se pode falar de educação
sociocomunitária e pedagogia crítica e manter uma postura unilateral. É preciso que
aqueles envolvidos no processo sejam verdadeiramente participantes ativos nesse,
não só na coleta dos dados, mas na sua análise também.
3.1.2.2. Dos encontros dos grupos focais
O grupo focal foi organizado em seis encontros, realizados às terças-feiras,
com duração de uma hora e meia cada encontro. Os encontros aconteceram no
138
horário das 17h15mn até às 18h45 min, pois alguns dos participantes davam aulas
até às 17 horas e retornavam para sala de aula às 19 horas, sendo considerado pela
pesquisadora uma gentileza dos participantes cederem seus horários de intervalo e
de jantar para participarem da pesquisa. Ao início de cada encontro a pesquisadora
fazia uma contextualização teórico-reflexiva do tema, de modo que os participantes
pudessem relacioná-los com suas práticas diárias nos cursos técnicos integrados ao
ensino médio. Após a contextualização eram trazidas algumas questões
disparadoras, a partir das quais os participantes conversavam, até se formar uma
discussão sobre o tema. Todos os encontros foram filmados utilizando-se de duas
câmeras, posicionadas em ângulos diferentes, para que pudessem captar, além das
falas, as expressões não verbais, que também são importantes nos grupos focais.
No primeiro encontro, realizado no dia 02 de agosto de 2016, participaram 9
professores. Antes de iniciar a discussão do primeiro tema, a pesquisadora
reafirmou o compromisso de dar um retorno aos participantes e à direção geral da
instituição, dos resultados encontrados após a finalização da pesquisa. Após
explicar verbalmente a dinâmica do grupo focal e verificar se os participantes haviam
compreendido a proposta dos grupos focais, iniciou-se a discussão do primeiro
tema.
O objetivo do primeiro encontro foi de conhecer melhor o perfil dos
professores, discutir sobre a formação de cada um dos participantes e como se deu
ou está se dando o processo de “adaptação” desses nos cursos técnicos integrados
ao ensino médio.
No segundo encontro, que aconteceu no dia 09 de agosto, e contou com a
participação de 9 professores teve o objetivo de refletir sobre o que os participantes
entendem sobre os conceitos de trabalho e emprego, compreender melhor suas
definições e, com base nesses dois tópicos, refletir sobre como se dá a prática
desses professores e que propostas de educação estão/são assumidas por eles.
O terceiro encontro, realizado no dia 16 de agosto, contou com a participação
de 10 professores. Nesse encontro, retomou-se a discussão do encontro dois para
avaliar as práticas docentes e tentar identificar se elas se propõem à formação para
o trabalho ou para o emprego. Em seguida foi avaliado o que a legislação prevê
139
sobre o ensino para esta modalidade de educação e se, de fato, os docentes
concordam e cumprem com as propostas apontadas na legislação.
O quarto encontro realizado no dia 23 de agosto, contou com a participação
de 10 professores. Nesse encontro teve início um novo participante que não havia
sido convidado inicialmente, mas que, ao saber pelos outros colegas participantes
sobre os temas discutidos nos encontros, procurou a pesquisadora e manifestou
interesse em participar. O objetivo do encontro foi com base nos apontamentos
iniciais dos professores de que não tiveram formação para trabalhar com a
educação profissional, identificar se houve ou há capacitação oferecida pelo IF e
avaliar como é para os professores trabalharem em diferentes modalidades de
cursos, da diversidade que é trabalhar com professores com formações e
experiências diferentes.
No quinto encontro, realizado no dia 30 de agosto, participaram 10
professores. Esse encontro teve por objetivo avaliar quais as necessidades que a
educação profissional contemporânea traz e quais são as competências necessárias
para os professores que nela atuam, tendo como parâmetro os estudos de Rehem
(2009), que discute exatamente esses pontos em um livro dedicado especificamente
ao perfil e à formação necessários aos professores da educação profissional técnica.
O sexto e último encontro realizado no dia 06 de setembro teve a participação
de 10 professores e foi dividido em dois momentos. O primeiro momento teve como
objetivo avaliar e refletir sobre os currículos dos dois cursos técnicos integrados ao
ensino médio, oferecidos atualmente no campus. Avaliar se eles contemplam a
legislação e quais as propostas de educação estão contidas neles. Se essas
propostas atendem às expectativas desses professores e se o currículo facilita ou
dificulta o cumprimento de uma proposta de educação integral que leve á autonomia
e emancipação dos jovens que deles participam ou favorecem uma educação que
entendida como reproducionista que aliena os alunos. O segundo momento, como
solicitado anteriormente pelos participantes, não teve um tema definido, com o
objetivo que a conversa fluísse sem que houvesse um tema direcionador, tornando-
se um momento de integração mais descontraída dos saberes docentes.
Buscou-se em cada encontro proporcionar um ambiente acolhedor em que
cada participante se manifestasse quando se sentisse à vontade para falar do
140
assunto em discussão, dessa forma, será possível perceber durante a análise dos
dados que alguns professores se colocaram, verbalmente, mais que outros. O que
não significa que aqueles que falaram menos não tenham contribuído com a
pesquisa, apenas não se sentiram tão à vontade para falar sobre determinados
temas ou, como alguns mesmos disseram, foram contemplados, em alguns
momentos, nas falas dos colegas. Mas analisaremos os grupos focais a seguir.
3.1.2.3. Da análise dos encontros do grupo focal
O primeiro encontro do grupo focal aconteceu no dia 02 de agosto. A primeira
e a segunda questões levantadas no grupo focal foram sobre a formação e a
experiência docente de cada um dos participantes, a partir da qual se originou o
quadro número 06, sobre a caracterização dos sujeitos. Nele podemos compreender
a diversidade que caracteriza os professores que trabalham nos cursos técnicos
integrados ao ensino médio do campus pesquisado. Dentre os perfis de formação
temos engenheiros, licenciados, tecnólogos e bacharéis. Todos os professores
tiveram experiências como docentes antes de irem para o IF, que variaram de 4 a 25
anos.
Organizamos a análise dos dados de forma a contemplar, nas diferentes
falas, as três categorias por nós pensadas, e à luz dos referenciais teóricos.
Quando perguntados se os professores tiveram uma formação que contribuiu
para trabalharem com as especificidades dos cursos técnicos integrados ao ensino
médio, como eles se adaptaram a esta modalidade de educação e se esse foi um
“processo tranquilo”, foi unânime, nas respostas dos professores, que não tiveram
uma formação que possibilitasse a compreensão para trabalhar com estes cursos,
entendidos por eles com características diferentes dos cursos superiores e também
dos cursos de ensino médio somente. Nas falas dos participantes:
Na minha formação inicial eu não tive uma disciplina específica para trabalhar a EPT (Educação Profissional Técnica), eu compreendo também que naquela época não havia, embora já houvesse demanda desses cursos, não havia oferta deles de maneira tão expressiva como é hoje. O curso era construído e estruturado pelo viés bacharelesco. Dito isso, reflito sobre a aplicação de a maioria de nós não termos tido essa formação nos cursos de formação inicial. A gente tende a colocar na EPTNM (Educação Profissional Técnica de Nível Médio) metodologias e concepções de ensino
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voltadas para nossa formação, pelo viés bacharelesco. Aí está o que alguns colegas apontaram sobre a distância entre o que a formação que a gente oferta e a necessidade do mundo do trabalho. Há uma desconexão entre o perfil que a gente forma e o profissional que o mundo do trabalho está solicitando e necessitando (P4, 02 agosto de 2016).
Me preparei para ser professor na preparação para dar minhas aulas, aprendi dando aula. Hoje há melhor preocupação na licenciatura para esta modalidade, mas mesmo assim a sala de aula é algo revelador em que se aprende na prática em que se aprende a trabalhar com essa diversidade. “eu que fiz licenciatura não me sinto tão preparado, penso na dificuldade de quem não fez (P5, 02 de agosto de 2016). Às vezes eu fico refletindo sobre um ponto, que eu não tenho ainda uma resposta, porque ficou claro aqui que não existe preparação para quem fez licenciatura trabalhar com os cursos Técnicos integrados e para nós, bacharéis, preparação nenhuma. Mas da mesma forma eu fico pensando assim, mesmo que tivesse essa formação para trabalhar com esses cursos eu acredito que por mais que tenha esse preparo, quando você entrar na sala de aula é totalmente diferente (P7, 02 de agosto de 2016). Não tive formação nenhuma, na verdade eu tive uma “antiformação” pelos meus professores” me formei e fui para a indústria. Hoje sinto que me formo com meus alunos e com as trocas de experiências com meus colegas (P9, 02 de agosto de 2016).
Essas falas mostram um pouco do que os professores participantes da
pesquisa trazem sobre a falta de formação acadêmica para trabalhar com esta
modalidade de ensino. E como isso impacta os contornos da educação profissional
de nível médio. Eles consideram que estão em constante processo de aprendizagem
e que está acontecendo de maneira contínua, por meio da reflexão sobre a prática.
Contudo, observa-se, também, que há poucas referências, nas falas dos docentes,
sobre a busca por bases teóricas que subsidiassem a prática didática. Os
professores se colocaram na condição de aprendentes:
Quando nós chegamos aqui no campus não sabíamos como formar um técnico, tínhamos experiência dos cursos superiores e a teoria dos cursos de Ensino Médio e fomos adaptando (...) fomos nos formando juntos e ainda estamos em formação (P2, 02 de agosto de 2016). Eu considero que a adaptação de início foi muita na prática, não houve uma reflexão crítica prévia e mesmo depois que iniciou o processo. A exemplo do que os colegas disseram, fazendo uma avaliação crítica, eu considero que eu reproduzi o que eu estava acostumado no ensino médio e fundamental em escolas particulares voltadas para o vestibular. Depois de um tempo essa adaptação passou de uma experiência prática para uma experiência mais teórica. Eu passei a me questionar a respeito de determinados assuntos, e na tentativa de responder a essas questões eu fui buscar grupos de estudo dentro e fora da instituição. Então eu tive uma
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adaptação mais prática no início e agora uma adaptação mais teórica (P4, 02 de agosto de 2016). Essa adaptação não foi e não está sendo fácil para mim, antes de entrar aqui eu trabalhava em uma escola particular e lá eu já tinha a apostila, a aula pronta, e eu só tinha que estudar aquilo e ir lá aplicar. Então estávamos formando alunos apenas para o vestibular, era o foco deles. Aí quando entrei no IF eu vi uma coisa diferente, eu não só estou preocupada com os alunos que querem prestar um vestibular, mas formar ele para o mercado de trabalho e principalmente formar um cidadão. São três coisas juntas que a gente tenta fazer o possível para tentar contemplar (P8, 02 de agosto de 2016). A adaptação está sendo um processo de tentativa e erro, numa busca de autoconhecimento e autoaprendizagem, tentando entender o que se aplica do que eu aprendi e o que eu preciso melhorar e aperfeiçoar (P10, 02 de agosto de 2016).
Um ponto identificado nesse encontro foi que, embora os participantes
afirmem que não tiveram formação e que estão em processo de adaptação, eles
apontam que o campus pesquisado oferece oportunidade para que possam refletir e
aperfeiçoar suas práticas, inclusive em relação a poderem participar desse grupo
focal, como podemos verificar nas falas a seguir:
Essa questão da oportunidade que a gente tem aqui dentro do campus de ter essas discussões, inclusive de ter esse grupo focal está contribuindo bastante pra nossas reflexões. Nós tínhamos no grupo da Química esses tipos de discussões que contribuía muito nessas trocas de ideias e de experiências. Mas essa adaptação é realmente um desafio e a cada dia a gente reflete (P1, 02 de agosto de 2016). (...) nesses dois últimos anos aqui no IFSP acho que agora estou saindo da fase do encantamento em que nos últimos 20 e tantos anos de ensino superior privado em que eu só dava aula. Particularmente aqui no IFSP considero uma das experiências mais ricas em toda a história na educação, matéria que lecionei vários anos. Não tinha visto ainda um projeto de educação como este com uma riqueza de oportunidades que me deixou impactada. Pelas boas condições de carreira, trabalho, de ter dedicação exclusiva, com jornada de trabalho para sala de aula menor com tempo maior para preparação didática e com a integração entre ensino, pesquisa e extensão. Que permitem que a gente tenha feito nesse ano reflexões dessa experiência e pensarmos limites e possibilidades na EPTNMI (educação profissional Técnica de nível médio nos cursos integrados), limites e possibilidades de integração das disciplinas do Núcleo Básico Comum com as disciplinas técnicas não só da grade, mas de transcendência e transposição de uma matéria para outra. Tenho a sensação de estar recomeçando de novo, particularmente tem sido muito estimulante porque é uma equipe muito integrada, afinada, respeitosa nas diferenças. O que temos aqui não sei se outras instituições têm, de cruzarmos e conversarmos, experimentarmos, tem sido muito gratificante (P6, 02 de agosto de 2016).
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Um privilégio que nós temos aqui no IF essa possibilidade de discutir, a outra é o privilégio de sermos selecionados para participar desses encontros que nós estamos tendo no grupo focal e trazer para esse ambiente de discussão que é muito rico não só para o seu trabalho, mas para nós também. Faz a gente pensar e repensar ver o ponto de cada um, ver o que nós temos de comum, o que nós temos incomum e aí é pensar em nossas práticas (P3, 16 de agosto de 2016).
Isso, por um lado, pode configurar uma ideia de autonomia do docente em
relação ao seu próprio processo formativo. Mas será que é assim mesmo? Os
docentes podem perceber essa autonomia, que, no contexto desse trabalho, está
referendado na conceituação de Gadotti (2004) como auto- realização humana, mas
se consideram emancipados para trabalharem na sua formação, pensando-se em
emancipação como conceituado por Martins (1993)? Quais as reflexões que podem
advir, a partir dessas ponderações, das diferenciações entre trabalho/emprego em
relação a como os docentes da educação profissional de nível técnico percebem sua
própria prática pedagógica?
Foi uma tônica, nas falas dos professores, a referência à falta de preparo.
Porém, acompanhando Moura (2008), o que caracterizaria a função do docente da
Educação Profissional, que tornasse possível tratar de uma formação específica
para exercê-la?
Isso nos leva a fazer a seguinte reflexão: existe um conjunto de saberes inerentes à profissão docente que a justifiquem como tal? Se a resposta for sim, temos que fazer outra pergunta: por que, então, existe uma grande liberalidade no mundo do trabalho e na sociedade em geral no sentido de que outros profissionais, que não têm a formação docente, atuem como tal? Nossa resposta é: apesar de existir um conjunto de saberes próprios da profissão docente (VEIGA, 2002), essa não tem reconhecimento social e do mundo do trabalho compatível com sua importância para a sociedade, por isso não há esse rigor (MOURA, 2008, p. 31).
Ou seja: a exigência de uma formação de qualidade para o docente que atua
na educação profissional de nível técnico, e, por conseguinte, a própria educação
profissional para essa modalidade, parece não contar com o respaldo da sociedade,
incluindo aí as instituições formadoras.
Pelas falas dos docentes podemos resgatar também uma das propostas da
educação sociocomunitária, pois, segundo Martin (1995, p. 7): “O objetivo último da
educação comunitária é desenvolver o processo pelo qual os membros de uma
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comunidade aprendem a trabalhar juntos para identificar problemas e buscar
soluções para esses”. Nesse sentido, afirmamos que o campus em questão está em
busca desse sentido de comunidade, ao buscar identificar os seus problemas e
também em buscar, juntos, soluções para estes.
No segundo encontro, inicialmente, foi feita uma dinâmica em que os
participantes simularam duas situações distintas. Na primeira delas, simularam uma
linha de produção com prazos, incentivo à competitividade por meio de bônus,
pressão por parte do chefe, trabalho fragmentado, etc., no sentido daquilo que se
refere ao taylorismo/ fordismo, e que simularia o conceito de emprego. A segunda
etapa se referia à ideia do trabalho como princípio educativo, de liberdade e
criatividade em que o trabalhador conhecia todo o processo da construção de um
determinado objeto, não havia pressão quanto ao tempo para finalização, pois houve
respeito pelo tempo de cada um, além dos participantes poderem aprimorar suas
práticas aos poucos e podendo ousar da criatividade para dar características
diferentes a um mesmo tipo de objeto. Após a dinâmica foi feita uma reflexão para
compreender melhor o significado de trabalho e emprego.
A partir da reflexão sobre esses termos, trabalho e emprego, foi proposto que
os participantes pudessem, por meio das suas práticas diárias, identificar se a
educação que praticam pode ser considerada formação para o trabalho ou
qualificação para o emprego:
Eu fiquei pensando que as técnicas, os procedimentos vão sendo mudados e o que a gente faz aqui no IF nos laboratórios, nas aulas, na maioria das vezes vai ser diferente do que ele (o aluno) vai ter no trabalho. Então eu acho que uma formação integral, pensando na questão da autonomia, que ele consiga se desenvolver no trabalho com responsabilidade, com criticidade (P1, 09 de agosto de 2016). (...) a gente tenta trazer essa formação mais integral, mais para o trabalho e não necessariamente para uma empresa específica, nós buscamos uma qualificação mais ampla, pelo menos a gente tenta (P2, 09 de agosto de 2016). Pois assim como os colegas já mencionaram que o nosso objetivo é formar para a vida, e se é para a vida então a gente tem o objetivo de contribuir para formação do indivíduo por um viés mais antropológico, formar o cidadão por um viés mais sociológico e formar para o mundo do trabalho (P4, 09 de agosto de 2016). Então o que eu acho que nós temos que buscar é essa formação preocupada com o processo, com a formação completa na área de
145
conhecimento, mas também com todos os processos que envolvem essa prática. Nos nossos cursos nós temos que buscar isso. No Médio Integrado eu percebo que, até mesmo pelo nosso contexto hoje, a formação técnica e a formação básica conversa, dialoga bastante. Acho que a gente tem tudo para buscar essa formação (P5, 09 de agosto de 2016). Assim que assumi aqui comecei a entender essa dinâmica transformadora, rica, porque os nossos alunos de nível médio têm a oportunidade de formação que os alunos do ensino superior das instituições públicas têm no Brasil (P6, 09 de agosto de 2016). (...) a gente cobra tanto hoje a autonomia do aluno, mas o professor não deve formar o aluno, o aluno deve se formar e ele ter essa autonomia de seguir a carreira e a vida que ele achar melhor e interessante para ele. Essas possibilidades eu acredito que o IF tem dado para os alunos, a gente tem colocado várias possibilidades na frente deles, e eles com a autonomia deles vão decidir o caminho que querem seguir. E isso é o mais importante talvez numa escola (P7, 09 de agosto de 2016). Eu acredito que o ensino deve partir de uma forma que ele consiga conjugar a formação geral/ holística, mas também a formação de um especialista naquilo que ele buscou. Nós temos essas duas especialidades e nós devemos buscar essa integração entre as duas (P10, 09 de agosto de 2016).
Com base nas falas, os participantes consideram que devem proporcionar
aos alunos uma formação integral/ holística, que estaria voltada mais para o trabalho
do que para o emprego. Contudo, pelas falas também se nota uma indefinição
quanto as categorias trabalho e emprego: formar para o trabalho seria oferecer uma
“qualificação mais ampla”? Ou mais autônoma? É conjugar o aprendizado técnico
com aquele de conhecimentos gerais? É formar para a vida? Se pensarmos,
acompanhando a ideia, própria da pedagogia crítica, de que: “As estratégias de
formação dos trabalhadores não podem ser dissociadas de projetos de
desenvolvimento social. Portanto, é necessário reconhecer que qualquer leitura que
se faça sobre educação profissional pressupõe uma opção política acerca da
sociedade (...)” (ARAUJO, 2008, p. 56), de qual posição os professores partem, ao
pensar no que seria uma educação profissional para o trabalho?
Os docentes consideram também que ainda não conseguem que suas ações
se alinhem completamente a essa proposta, de formar para o trabalho, pois
encontram vários desafios, que limitam suas práticas.
Nesse mesmo encontro foi apresentada a lei de criação das Escolas de
Aprendizes e Artífices no ano de 1909, instituição que originou os IFs, e foi feita uma
breve comparação com a lei de criação dos IFs do ano de 2008. Ao ler em voz alta o
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trecho que trata do objetivo que criação das Escolas de Aprendizes Artífices no ano
de 1909, houve por parte dos participantes uma reação de espanto. Ficou visível,
em suas expressões faciais, a “indignação” pela proposta que embasou os cursos
de educação profissional naquele tempo. Foi pedido para que os professores
avaliassem as possíveis mudanças, ou não, entre essas duas leis de criação de
cursos profissionalizantes. A lei de criação das Escolas de Aprendizes Artífices em
seu decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, propõe uma educação voltada
para atender a um público específico “às classes proletárias” como uma forma de
afastar “os pobres e desvalidos da fortuna da ociosidade ignorante, do vício e do
crime”. Enquanto a criação dos Institutos Federais, aprovada pela lei nº 11.892, de
29 de dezembro de 2008, propõe uma educação que não se limita a um
determinado grupo da sociedade e que traz em sua proposta não mais a ideia de
afastar os marginalizados da ociosidade, mas de promover uma educação que seja
voltada para a formação profissional e cidadã. Para os docentes:
Há uma grande diferença sim, parece que primeira, parece que a função da escola era tirar vagabundo da rua e colocar ele para trabalhar. Na criação do IF pode ver que a visão já é outra, da emancipação do cidadão. E acho que a principal relação aqui não é a formação para o emprego, para empresa, para a indústria e sim a emancipação do cidadão no desenvolvimento da região. Não que seja um desenvolvimento industrial ou algo parecido, mas o desenvolvimento com o conhecimento gerado (P2, 09 de agosto de 2016). O primeiro fala da questão dos desvalidos da sorte e aí o atual deixa bem claro a perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional, da geração do trabalho e renda que não restringe e fala da educação que é para todos, é aberta para todos (P3, 09 de agosto de 2016). É evidente a diferença no ano de 1909 em que a formação estava voltada para uma capacitação mais técnica como uma alternativa a violência e em 2008 a formação estava mais voltada para a construção de um cidadão como uma alternativa a atual realidade socioeconômica. Fica evidente atualmente, pelo menos na documentação, que a instituição tem como objetivo formar cidadãos (P4, 09 de agosto de 2016). O aluno precisa ser um agente transformador do mercado, não alguém que se adapta ao mercado (...). Acho que a gente precisa realmente pensar nessa formação para a transformação (P6, 09 de agosto de 2016).
Os professores parecem ver a proposta do IF pesquisado de fato como
“emancipação do cidadão”, vinculada ao desenvolvimento da comunidade onde o
aluno está inserido, e não como servindo a um propósito assistencialista. Contudo,
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avançamos aqui algumas ideias: quais são as ações que vem sendo realizadas para
atingir as diretrizes colocadas na legislação de criação dos Institutos Federais?
Damos como exemplo a oferta de cursos de extensão quando da elaboração da
programação para a oferta dos cursos que serão oferecidos à comunidade, em que
nem sem sempre há a participação desta na definição de quais são suas reais
necessidades ou interesses. Poderia haver, conforme pensamos, ações para
impulsionar projetos de economia solidária, que favoreceriam, em nosso entender,
uma formação para o desenvolvimento da comunidade. Pelos documentos da
Aontas (2004), a ideia de empoderamento dos jovens, pela perspectiva de uma
educação (sócio) comunitária, emerge como vinculada ao desenvolvimento da
capacidade para a ação social, o que dá um senso de empoderamento individual e
coletivo, com habilidade para lidar com as questões de justiça social. No texto do
documento: “A Educação (sócio) comunitária tem como intenção o empoderamento
dos participantes com as habilidades, conhecimentos e análise coletiva para desafiar
a opressão e engajar-se em ações para trazer mudanças” (AONTAS, 2004, p.02).
No encontro de número três, realizado no dia 16 de agosto de 2016, foram
feitas análises de alguns documentos que orientam a educação profissional, em
especial os cursos de foco dessa pesquisa, alguns desses documentos foram
avaliados pela pesquisadora na coleta de dados da legislação. Nesse encontro
tivemos como ponto para discussão a análise e reflexões acerca do documento:
Concepção e Diretrizes do Instituto Federal, sugerido por uma das participantes, e
da resolução nº 06 de 2012, que trata da finalidade dos cursos de educação
profissional técnica de nível médio, da formação integral, em especial o artigo 5, que
se refere aos seus princípios norteadores. Sobre essa base foi discutido se, e de
que forma, os participantes efetivam as propostas contidas nesses documentos. Foi
identificado que nem todos os professores tinham conhecimento sobre esses
documentos. Por esse motivo, as principais propostas desses documentos foram
projetadas na parede para favorecer a discussão conjunta.
Analisando os princípios norteadores contidos no artigo 5, propostos pela
resolução 06 de 2012, que estão citados na segunda parte desta dissertação, os
professores dedicaram-se para debater como colocam em prática os objetivos do
decreto e fizeram os seguintes apontamentos:
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O participante 2 cita uma mudança em sua prática com o uso do celular e faz
uma crítica ao uso de apostilas:
A mudança da prática também é muito importante. Há três anos estávamos reclamando dos alunos usando celular em sala de aula e hoje não incomoda mais, na verdade até ajuda, às vezes eles fazem a pesquisa durante a aula. Há uma descrença de que fora das apostilas não funcionam, mas nós podemos provar que funciona (P2, 16 de agosto de 2016). Eu tenho observado, fazendo uma reflexão sobre a minha atuação, que eu tenho tentado fazer exatamente isso (contemplar os princípios contidos no artigo avaliado) de maneira individual há mais tempo. Dentro das disciplinas que eu ministrava ou ministro, desenvolver a parte técnica, a parte cultural, a parte social. Por exemplo: na química trabalhando modelos atômicos, além de trabalhar o conceito de modelos atômicos, discutir um pouco a vivência desses cientistas, então fazendo uma abordagem histórica, relacionando com a nossa realidade (P4, 16 de agosto de 2016). Queria lembrar que nós temos a organização didática, e isso faz muita diferença, a gente tem o tempo para fazer essa pesquisa. Quando eu trabalhava nas escolas particulares e do estado eu tinha que seguir aquele caderninho achando que ele era o máximo. A nossa pedagogia hoje é focada no aluno e não mais no professor (P6, 16 de agosto de 2016). Tento trazer assuntos que são do interesse dos próprios alunos eles me ajudam a pesquisar. Para você despertar o interesse do aluno você tem que saber o que interessa ao aluno. Que seja o celular como ferramenta. Eu vejo os nossos alunos muito criativos. Eu tento sempre fazer um link da teoria com a prática e dos relacionamentos interpessoais e da postura como futuros profissionais. Trazendo sempre para a realidade (P9, 16 de agosto de 2016).
Sobre o documento Concepções e Diretrizes do Instituto Federal, apenas dois
dos participantes já tinham lido, não havendo, portanto, muitas manifestações a
respeito deste. A participante 6 aponta:
Esse documento tende a se tornar velho dentro do próprio IF, pois tem grupos de discussão e a gente vê que ele não é um documento muito apreciado por muita gente que está na parte mais política e administrativa. Ele fala em promoção de equidade, como é que você consegue equidade? Equidade é você partir do princípio de que as pessoas têm diferentes posições na sociedade e cabe ao Estado promover condições de equiparação mínima para que todos possam concorrer a partir de um certo patamar, que é a justiça social. Isso também já está velho, com corte de bolsas. A Assistência Estudantil teve um corte grande e essa reedição de que a educação é um privilégio... Por isso que eu gosto desse documento, acho que ele em si traz uma concepção de princípios para o professor em sala de aula que é muito importante também. Se a gente pensar que a educação é um privilégio, a gente precisa olhar para as diferenças econômicas dos nossos alunos como uma dimensão cognitiva (...). Não é só bolsa de assistência estudantil que vai garantir isso, é a “bolsa” da nossa dedicação, o nosso tempo com o aluno também. E nesse documento a
149
questão do vestibular não está colocada, o acesso às universidades é uma consequência e eu acho que os nossos alunos terão condições, até o mais pobrezinho aqui do São João (bairro marginalizado pela cidade), de entrar em uma boa universidade (P6, 16 de agosto de 2016).
Sobre a questão da educação para a justiça social, Pacheco (2010, p. 5)
aponta que a educação deve estar vinculada a um projeto que busque “não apenas
a inclusão nessa sociedade desigual, mas a construção de uma nova sociedade
fundada na igualdade política, econômica e social: uma escola vinculada ao mundo
do trabalho numa perspectiva radicalmente democrática e de justiça social”.
Por justiça social Hardiman e Jackson (2007) entendem a plena equidade de
participação de todos os grupos em uma sociedade modelada mutuamente para
contemplar as necessidades de todos. A justiça social, segundo esses autores,
envolve que todos tenham um sentido de agência e de responsabilidade social com
os outros, com a sociedade, e com o mundo como uma forma de romper com a
opressão:
O objetivo da educação para a justiça social é capacitar as pessoas para desenvolver a análise crítica, as ferramentas necessárias a compreensão da opressão e a socialização dessa em sistemas sociais, desenvolver o sentido de agência e de capacidade para interromper e mudar padrões e comportamentos opressivos, bem como a nós mesmos e as instituições e comunidades das quais somos parte (HARDIMAN; JACKSON, 2007, p.1).
Consideramos que a justiça social e a equidade, termos que foram apontados
por essa participante, bem como as falas dos demais docentes, em relação às
estratégias didáticas que visem engajar o aluno no processo de conhecer, quer
levando-o a pensar na construção histórica desse conhecimento, quer fazendo-o
refletir sobre como a tecnologia dos celulares pode ser usada para aprender os
conteúdos escolares e profissionais, se coadunam com os conceitos de autonomia,
empoderamento, pedagogia crítica e educação sociocomunitária, como aqui
expostos. E parece indicar uma guinada promissora nos contornos da educação
profissional de nível médio. Ainda, pensamos que os encontros dos grupos focais
tenham colaborado para que essas respostas surgissem, pois as reflexões sobre
esses temas foram constantes durante os encontros semanais.
No quarto encontro, realizado no dia 23 de agosto de 2016, foi feita uma
reflexão juntamente com os participantes com base na Lei nº 11.892, 29/12/2008,
que cria os Institutos Federais, e traz como atribuição para os IFs a oferta de
Educação Profissional Técnica de Nível Médio, Tecnológica de Nível Superior,
150
Licenciaturas, cursos de Formação Inicial, Continuada e de cursos para jovens e
adultos (PROEJA), além de poderem também oferecer cursos de bacharelado,
engenharias, e cursos de pós-graduação Lato Sensu e Stricto Sensu. Essa
diversidade na oferta de educação exige dos professores ter competências para
atuar nas diferentes áreas do conhecimento, podendo transitar desde os cursos de
Nível Médio até os cursos de Pós-Graduação, já que não há separação entre os
professores dentro do IF. Segundo Carvalho e Souza (2014, p. 888) “Esta
complexidade na oferta de educação profissional e tecnológica, abrangendo níveis e
modalidades distintos, não veio acompanhada de políticas de formação docente”.
No primeiro encontro todos concordaram que não tiveram formação inicial
para trabalhar com a educação profissional. Assim, foi perguntado aos participantes
se, após o ingresso no IF, houve cursos/encontros/capacitação oferecidos pela
instituição de formação continuada. De modo geral pode-se identificar que houve a
oferta de formação, mas pouco, se levado em consideração as demandas dos
docentes, como pode ser observado nas falas que seguem:
Agora nesse semestre teremos o início de um curso ofertado pelo IF, o IFSP para todos que é um curso com 200 horas a distância sobre educação inclusiva que já estava sendo preparado há algum tempo e só agora conseguiram colocar em prática (P1, 23 de agosto de 2016). Depois de muitas conversas a gente acaba chegando a alguns acordos, por tentativas e erros, mas não fomos orientados sobre como fazer (P2, 23 de agosto de 2016). Existia uma política de capacitação/complementação pedagógica na política do IF, mas quando eu entrei já não existia mais. Eu e o P7 tivemos que fazer essa complementação por conta própria. Hoje voltou a oferecer em uma parceria do IF com outras instituições. O IF cresceu de forma descontrolada, então a gente precisa de uma boa conversa para ajudar a resolver essa situação e equalizar o nosso trabalho, não necessariamente de uma capacitação (P3, 23 de agosto de 2016). Parece que há uma demanda para a capacitação na parte inclusiva ou na educação profissional. No caso do curso a distância do “IFSP para todos” o número de candidato excedeu 3 vezes o número de vagas mostrando uma demanda reprimida. Considerando que também deve haver uma demanda reprimida na capacitação para a formação para a educação profissional e tecnológica (P4, 23 de agosto de 2016) Percebo que há a ausência da formação e quando ela acontece é de modo precário. Que acaba fazendo com que o profissional passe por mais tempo desenvolvendo essas habilidades na prática, no dia a dia. Eu ressalto a importância da formação continuada para conseguir fazer transposição do
151
conhecimento científico, que é o perfil do professor polivalente para funcionar bem em todas as áreas (P5, 23 de agosto de 2016). Desde que entrei não tive nenhum tipo de curso de capacitação oferecido pelo IF. Somente aqui no câmpus, nós temos nos organizado para fazer grupos de discussões (...) (P9, 23 de agosto de 2016).
O participante P2 aproveita para informar que já existe nos IFs a preocupação
com a formação de professores para atender às necessidades próprias da formação
para a educação profissional. Desde 2015 se tornou obrigatório que se trate das
especificidades da educação profissional nas licenciaturas oferecidas pelo IF e
comenta: “Uma coisa interessante na reformulação da licenciatura é que foi incluída
a disciplina de educação profissional no curso de todas as licenciaturas do IFs” (P2,
23 de agosto de 2016).
É interessante destacar que durante esse encontro alguns participantes
ressaltam que embora quase não haja a oferta de cursos de formação continuada
oferecidos por parte da Reitoria, o campus em questão busca alternativas por
iniciativa própria para aprimorar suas práticas: “Aqui nós temos essas discussões,
mas eu fico pensando nos outros campi que não têm esses momentos” (P2, 23 de
agosto de 2016). E o participante 7 continua: “Como não tem essa política de
capacitação, felizmente temos um grupo que desafio imposto é desafio a ser
cumprido, que busca se esforçar e cumprir” (P7, 23 de agosto de 2016).
O P10 pontua o fato de embora não haver a oferta por parte do IF para
aperfeiçoamento ressalta a auto-capacitação como um momento de incentivo à
formação continuada. Foi observado, nesse momento, que os participantes P1, P4,
P7, P8 e P11 acenaram com a cabeça, indicando concordarem com a fala do
colega:
Para mim que venho da indústria e ensino privado, por mais que eu concorde com esse déficit do IF oferecer mais capacitação para os professores, gostaria de destacar que no IF em nosso plano de trabalho, há espaço para nossa auto-capacitação e formação contínua. Foi com grande satisfação que eu recebi essa notícia de ter essa possibilidade. O IF se preocupa com isso e fornece espaços, dentro da nossa carga horária de trabalho, para isso (P10, 23 de agosto de 2016).
Além dos grupos de estudos e outras atividades organizadas pelo próprio
campus, é interessante ressaltar que existe uma comissão chamada “formação
152
continuada”, da qual a própria pesquisadora faz parte, juntamente com outros
professes e outros servidores, que tem como atribuição a busca permanente para a
formação continuada dos servidores do campus pesquisado.
Após discutir as questões sobre a formação continuada, foi perguntado aos
participantes o que eles pensavam a respeito dessa diversidade de cursos que um
mesmo professor deve atender (médio, tecnólogo, licenciatura, cursos de pós-
graduação Lato e Stricto sensu, além dos cursos de Formação Inicial e Continuada,
PROEJA). O objetivo da questão era saber como era para eles transitar por todos
esses cursos:
É rico e a gente consegue explorar isso aí. Nós aprendemos muito com a experiência de vida com os outros. Sobre essa transitação, são professores muito diferentes em cursos muitos diferentes. É importante a gente verificar onde o professor melhor se encaixa, acho que deveria ter professor por curso, separando quem serão os professores do técnico, do superior, da licenciatura (P3, 23 de agosto de 2016).
Embora considere uma experiência rica, o P3 é partidário de uma divisão por
curso para que o professor trabalhe onde melhor se adapte. E a P8 ressalta que é
possível fazer uma realocação dependendo do perfil do docente:
Aqui a gente tem a opção de escolher, de acordo com o nosso perfil, em qual lugar a gente se encaixa. Como nós temos professores diversos, eles podem se encaixar onde dão mais certo. Mas é a nossa realidade por causa da nossa conversa, não sei se acontece nos outros campi.
Os P9 e P11 consideram que a questão do perfil é importante para direcionar
os cursos em que o docente irá trabalhar, mas consideram a possibilidade de atuar
em todos os cursos uma experiência positiva em que o P11 comenta: “Eu gosto da
ideia. Aqui a gente consegue realocar o professor de acordo com as modalidades
que ele tem um perfil melhor para trabalhar” (P11, 23 de agosto de 2016). E o P9
complementa:
É importante ver onde o professor se encaixa, mas eu já dei aula em praticamente todos os níveis de curso e eu vejo que são públicos diferentes e que devemos trabalhar de maneiras diferentes. É um desafio grande, mas é enriquecedor e prazerosa (P9, 23 de agosto de 2016).
153
O P4 também considera que essa diversidade pode ser considerada como
algo positivo, principalmente pelo fato de poder conviver e trocar experiências como
professores de formações diferentes da sua:
A diversidade dos cursos exige a diversidade de diferentes profissionais, eu sento ao lado de uma pedagoga e educadora física e de um engenheiro. Nessa mesma sala tem um colega formado em linguística, outro em computação. Essa peculiaridade do IF contribui para a formação de um professor com características que o IF precisa para atuar em diferentes áreas. Um fato que potencializa isso é a situação de que não há uma divisão institucional da localização de onde o professor vai ficar de acordo com a sua formação. Diferentemente das universidades que são divididas em departamentos (...) (P4, 23 de agosto de 2016).
E o P10 relembra que nos editais dos concursos públicos para ingressarem
como professores no IF não há essa distinção sobre os níveis de atuação dos
professores, pois todos são nomeados na Carreira de Magistério do Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico (EBTT) com regime de dedicação exclusiva:
Eu vejo inicialmente que é a questão da seleção pelo concurso público, ele não está preocupado em fazer essa separação entre os professores e não se preocupa com as questões técnicas ou pedagógicas como melhor formação em nível de mestrado ou doutorado. Pois no concurso ter ou não esse além não é um limitador para ingressar ou não no IF é apenas atribuído pontuação a mais na prova de títulos. O que se preocupa é com a exigência mínima e o que você tem além é apenas para complementar. Vejo como positivo ter vários professores diferentes atuando em um mesmo curso, porque isso oferece aos alunos a oportunidade de ter uma visão de mundo diferente. Eu chego à conclusão de que professores precisam ser super-homens e as professoras precisam ser mulheres- maravilhas porque nós temos de ter a formação acadêmica, temos a complementação e formação pedagógica e da experiência profissional fora da área acadêmica, na indústria, nas empresas e nós não conseguimos fazer essa seleção. Esse professor não vai vir pronto e tem que se oferecer meios para esse profissional se desenvolver (P10, 23 de agosto de 2016).
Seguindo na mesma questão da diversidade que é o IF, foi perguntado aos
participantes, tendo em um mesmo curso (como é o caso do integrado) professores
com diferentes formações engenheiros, tecnólogos, licenciados, bacharéis entre
outros, como era para eles viver essa “mistura” de formações. Percebe-se pelas
respostas que, de maneira geral, eles consideram a experiência positiva: “Acredito
que para os alunos é bastante enriquecedora essa diversidade, de poder conhecer
154
diversos profissionais. É diferente, mas considero importante, bastante significativo”
(P1, 23 de agosto de 2016). E os demais:
Com essa diversidade, por mais que tenha diferenças nas ideias, de ideologias sobre a educação, talvez seja algo que enriquece também. Diferentes metodologias, flexibilidade, com o plano de ensino construído por nós, sem ter que trabalhar com as apostilas que tem dado certo (P2, 23 de agosto de 2016).
Essa diversidade múltipla exige uma competência para a atuação. Como a formação e a filosofia de vida é muito diferente no grupo, exige a necessidade de uma competência para administrar essa diversidade, administrar e respeitar os posicionamentos dos demais colegas seja eles políticos entre outros. Essa característica, além de contribuir para sermos profissionais melhores, contribui para sermos pessoas melhores. Eu percebo que a gente pode passar a ser menos preconceituoso. É bom! (P4, 23 de agosto de 2016).
O P5 também considera uma boa experiência e destaca que os alunos
precisam de um tempo para se adaptarem às diferentes maneiras de ensino dos
professores. Mas também considera essa diversidade rica:
É interessante e rico esse processo, eu tenho visto que os professores aqui são muito envolvidos e que aquele que tem mais habilidade de trabalhar com a prática, trabalha com ela, quem gosta mais da parte teórica vai trabalhar mais nessa parte. Essa riqueza de possiblidades é interessante, quanto mais diversidade melhor. Nós saímos de institutos que atuavam de maneiras isoladas e a nossa prática de sala de aula, muitas vezes é reprodução da nossa formação engessada e ter essa liberdade de experimentar essas maneiras diferentes é às vezes angustiante mesmo. Os alunos precisam de mais ou menos seis meses para se adaptar a nossa forma diferenciada de educação (P5, 23 de agosto de 2016). Eu vejo que é um ganho para o professor e para os alunos, essa além de diferente é enriquecedora. Na outra universidade que eu trabalhava, chamavam esses professores de Frankenstein, mas acho que aqui está mais para super- homem e mulher maravilha. E a formação do aluno vai ser pluridisciplinar mesmo até contribuindo para sua criticidade, para sua formação política (P9, 23 de agosto de 2016).
Tardif (2014) aponta que os diversos saberes dos professores e seu saber
didático têm origem social, para além da aprendizagem científica. Isso tem como
consequência reconhecer que são formados nos vários grupos, associações,
experiências de vida, dos quais os docentes participam. São, dessa maneira,
dinâmicos e também configurados pelos próprios alunos, colegas de trabalho,
contextos de práticas, etc. E as experiências de formação docente para a educação
155
profissional de nível médio devem contemplar essa diversidade e esse caráter social
dos saberes docentes, pois, de outra forma, as iniciativas de formação continuada
correm o risco de ser mais do mesmo. Ao pensar-se na concepção da educação
sociocomunitária, que como já dito, se preocupa com o empoderamento e a
autonomia dos sujeitos, o poder deve ser compartilhado da maneira a mais
equânime possível. Sendo que todos os envolvidos no processo educacional
participam ativamente da construção dos saberes, como protagonistas. Nessa visão
da participação de todos, inclusive dos alunos, estes passam a ser agentes de
mudança e de transformação social. Gadotti (2009, p. 55) também defende a
educação para a justiça social como forma de reduzir as desigualdades advindas
entre opressores e oprimidos: “Ela é a precondição do desenvolvimento e da justiça
social. Na era do conhecimento, socializá-lo é distribuir renda. Não há
desenvolvimento sem inovação tecnológica e não há inovação sem pesquisa, sem
educação, sem escola”. E, principalmente, sem trocas de saberes.
No quinto encontro, foi trabalhada uma apresentação power point, baseada
no livro de Rehem (2009), que trata do perfil e formação do professor de educação
profissional técnica, discutido na segunda parte desta dissertação, criada pela
própria autora e disponibilizada na internet, por meio do link:
http://docplayer.com.br/11654487-Cleunice-rehem-mestre-em-educacao-assessora-
mec-seres.html. Foi feita uma discussão, com os participantes do grupo focal, para
verificar a posição desses em relação aos pontos abordados pela autora.
Inicialmente, foram analisados os eixos estruturantes da formação dos professores
da educação profissional desenhado por Rehem em formato de pirâmide:
156
Figura 1- Eixos Estruturantes da Formação do Professor da Educação Profissional
Fonte:http://docplayer.com.br/11654487-Cleunice-rehem-mestre-em-educacao-assessora-mec-seres.html
O P2 julgou que não foi uma boa escolha esse formato para apresentar os
eixos estruturantes, pois, segundo ele, dá a ideia de agirem de forma isolada. E
acrescenta que na licenciatura oferecida pelo campus, eles tendem a trazer esses
eixos de manieta articulada:
Tradicionalmente estão muito separados esses três eixos, pelo menos dentro da nossa formação. Nós tentamos, na nossa licenciatura tentamos fazer essa integração. A partir do momento que você usa uma outra figura para fazer a junção desses temas, diminuiria a impressão de fragmentação entre os eixos (P2, 30 de agosto de 2016).
E o P11 destaca a ausência da parte humanística, que ele considera
importante ser um dos eixos estruturantes:
Eu gostaria de pensar em outro ponto que é a capacidade de se comunicar com o aluno, isso me parece muito técnico, falta a parte humanística que eu acho importantíssima na educação, é o amor a profissão e aos seres humanos mesmo, o respeito ao outro ser que está ali, naquele momento tentando aprender, empatia pelo outro. Os professores que eu me lembro,
157
são mestres que eu tinha muita empatia, seja em qualquer modalidade de educação (P11, 30 de agosto de 2016).
Dando sequência à apresentação de Rehem (2009), com base nos três eixos
estruturantes apresentados anteriormente, a autora apresenta um quadro com as
cinco competências que ela julga serem necessárias ao professor da educação
profissional. A imagem foi projetada e avaliada pelos participantes:
Figura 2: As cinco competências para o professor da educação profissional
Fonte:http://docplayer.com.br/11654487-Cleunice-rehem-mestre-em-educacao-assessora-mec-seres.html
Seguida da imagem da inter-relação entre elas:
158
Figura 3: Inter-relação das cinco competências para a formação do
professor da educação profissional
Fonte:http://docplayer.com.br/11654487-Cleunice-rehem-mestre-em-educacao-assessora-mec-seres.html.
Os participantes, em sua maioria, concordam com a necessidade das cinco
competências para uma boa atuação docente, mas, novamente, a disposição em
que estão colocadas foi algo incômodo para os participantes, como pode ser
observado nas falas que seguem: “Acho que elas contemplam, mas o que preocupa
é que elas estão fragmentadas. Nos cursos de hoje essas competências estão mais
integradas do que antes” (P1, 30 de agosto de 2016). E seguem:
Na questão do integrado isso é mais aflorado, tem todo aquele lado paternal, maternal, toda ação de medir muito o que e como você vai discutir com os alunos. É um momento propício para discutir as questões de valor, de ética e de profissionalismo e o bacana da autora é que ela fez uma ligação entre as competências, estão totalmente interligadas. Mas eu vejo que vai além. A educação tem que ter como propósito preparar a pessoa para o todo e não especificamente para o mercado (P3, 30 de agosto de 2016). De tão amplas, essas reflexões que estamos fazendo estão se encaixando nessas competências. O fato das setas interligando me faz pensar na inter-relação entre elas. Entendo que estamos propondo uma nova competência que estaria relacionada que seria o poder de ter uma visão holística de todas as competências apresentadas. Mas seria uma sexta competência. São muito amplas essas competências e toda vez que eu penso tudo está contemplado dentro delas (P4, 30 de agosto de 2016).
O que devemos levar em consideração é a constituição do sujeito professor, porque tem toda uma motivação, por que escolheu ser professor, etc. É
159
importante levar em consideração essa construção e essa atuação em sala vem muito antes dele ser professor (P5, 30 de agosto de 2016).
O que eu vejo na figura é uma tentativa da autora de criar um modelo conceitual teórico, que não é muito diferente de outras áreas como a administração e a educação. É um modelo teórico e genérico que vai com poucos pontos tentar resumir ou abranger uma quantidade grande de fatores. Em todo modelo não é possível acrescentar tudo aquilo que você precisa abordar, mas eu acredito que ela comtempla bastante. Eu faria o layout diferente, colocaria em forma de pentágono e essas setas interligando, acho que ficaria mais claro (P10, 30 de agosto de 2016).
É interessante não se preocupar em ensinar apenas o conhecimento técnico porque isso hoje é tudo muito descartável. O importante é ensinar a pensar a profissão, o trabalho, as relações. Eu acho que o problema está na figura, talvez um pentagrama expressasse melhor. Mas contempla bastante (P11, 30 de agosto de 2016).
Já o P2 reflete que cinco competências não são suficientes para dizer o que é
necessário para um professor. E se preocupa com o fato de alguém ou alguma
instituição usar o livro da autora como uma cartilha:
São muito mais do que cinco, e, enumerar e dizer que são apenas as cinco para ser um bom profissional(...) se fosse por exemplo uma interpretação de uma lei, ok, mas temos as nossas características e interpretações. Acho perigoso também alguém utilizar esse gráfico para falar que precisamos aprender apenas isso para formar o professor da educação profissional, pegando como cartilha como base para o professor porque é muito mais amplo (P2, 30 de agosto de 2016).
E a P8 faz uma reflexão sobre a abstração dessas competências, pois
entende que se desconsidera o contexto dos envolvidos nesse processo. E também
critica a forma como foi disposta a apresentação da autora:
A impressão que eu tenho é que essas competências são muito abstratas, da maneira como ela está pondo e é tecnicista também. Como se a gente tivesse em um papelzinho que dissesse de forma programada como formar o professor. E nessa abordagem, eu posso estar sendo injusta por não conhecer a autora, precisaria ler. A impressão que dá é que a competência é uma coisa que vem de fora e a subjetividade do professor? Mesmo com o último item, é um item mais técnico que não compreende a formação do professor ao longo do processo. A gente nunca termina de modo individual. A gente vai se constituindo de forma dialética (...). Minha impressão é que a autora traz isso de uma forma compartimentalizada, e é mais complexo do que isso. Se eu entendesse de gráficos, sugeriria outra representação. Acho muito genérico, precisamos aprender também os contextos dos alunos. Acho que isso deveria estar explicito na competência dos professores. Acho que é muito mais complexo do que ser portador de uma competência pedagógica que se encerra no domínio de uma sequência didática. Eu posso fazer uma sequência didática maravilhosa, mas a realidade é muito mais pulsante (P6, 30 de agosto de 2016).
160
A autora discute, em seu livro, a importância da formação continuada para ser
um bom professor, não só nesta modalidade de educação, mas, nesse caso, dando
foco para a educação profissional de nível médio. É preciso trabalhar/ investir de
forma igualitária na formação inicial e na formação continuada. Ainda utilizando a
apresentação da autora, foi analisada a seguinte imagem:
Figura 4: formação inicial e formação continuada
Fonte:http://docplayer.com.br/11654487-Cleunice-rehem-mestre-em-educacao-assessora-mec-seres.html.
Os professores que se manifestaram concordam que a formação continuada
tem o mesmo grau de importância que a formação inicial. Os participantes também
demonstram preocupação ao dizer que no IF há condições para que o professor
busque a formação continuada, mas reforçam que não é o retrato da maioria dos
professores no Brasil: “Eu compartilho da ideia da autora e faço uma ralação com o
IF, eu vejo que o projeto do IF está alinhado a essa proposta de ter a grande
possibilidade de fazer uma formação continuada, inclusive recebendo” (P4, 30 de
agosto de 2016). Para o P5:
161
O que a gente percebe é que nem sempre tem esse direito de ter a formação inicial e a continuada, acho que a gente faz parte de um grupo muito pequeno no universo da educação que tem condição de manter o equilíbrio para poder buscar a formação continuada e ter espaço para pesquisa. Porque se a gente for pensar, essa formação continuada dificilmente aparece nas outras instituições. Então eu concordo com essa divisão. Mas eu só acho que não é a realidade da educação brasileira (P5, 30 de agosto de 2016).
O P5 se sensibiliza com a ausência dessa possibilidade na realidade da
maioria dos professores brasileiros e se sente privilegiado por fazer parte de uma
pequena parcela desses profissionais que têm essa possibilidade. O que deveria ser
um direito garantido acaba sendo visto como um privilégio:
Acho que a formação continuada é inerente ao ofício, todas as profissões do mundo se caracterizam pela pesquisa contínua. A questão é que diferentemente da medicina, a carreira é precária, depende da estrutura da carreira, da remuneração do professor... e o pior que nessa falta de condição a culpa recai sobre o professor. É importante também que o professor que busca a formação continuada tenha liberdade na instituição que trabalha para aplicar os conhecimentos adquiridos, principalmente inovadores. Pois muitas vezes as instituições não dão espaço para isso (P6, 30 de agosto de 2016). Então a formação continuada dever existir sempre porque a teoria sempre muda, e ele precisa estar antenado a isso, sempre haverá práticas e metodologias inovadoras, principalmente em relação as TICs, e ele precisa estar antenado naquilo que está acontecendo também fora da academia seja nas indústrias ou nos comércios (P10, 30 de agosto de 2016). Poucos professores têm oportunidade da formação continuada nas outras instituições, porque além de não terem incentivos na carga horária, ainda precisam trabalhar em mais de uma instituição para conseguirem uma remuneração mínima e aí esse cara não tem nenhuma condição ou tempo para investir na formação continuada. E pior, ele acaba formando outros cidadãos com pouca base. É a questão de o país querer enfrentar efetivamente esse problema, por enquanto a gente vai sobrevivendo (P11, 30 de agosto de 2016).
Sobre a importância da formação continuada, Freire (1986, p. 62) nos faz
refletir sobre a importância em proporcionar ao professor o aperfeiçoamento para
melhorar a prática docente e ser agente de transformação:
Os professores deveriam ter nas mãos, através das próprias organizações, não só a defesa de seus salários, mas também o direito de ter melhores condições para o trabalho educacional. Em segundo lugar, os professores precisam conquistar o direito de prosseguir sua formação. Os professores cujo sonho é a transformação da sociedade, têm de ter nas mãos um processo permanente de formação (...).
162
O Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Câmara dos Deputados, 2015)
destaca, em suas metas 15 e 16, a necessidade e as estratégias para a formação
continuada docente, em todos os níveis e modalidades de ensino. E, também
destaca, na meta 17, a necessidade de valorizar a profissão docente, pois, sem isso,
somente com a formação continuada, não será possível o empoderamento, a
autonomia e a emancipação do docente. Essencial para que aquela do aluno
aconteça.
Ainda no quinto encontro, a P6 traz uma reflexão importante sobre o papel
social da escola e alerta para o cuidado de não se tornarem reprodutores do sistema
de classes, em que estarão apenas a serviço do capital:
O papel social da escola é importante, pois se nós não prestarmos atenção, nós estaremos formando aqui um exército industrial de reserva de técnicos cuja função para o mercado é baratear a mão de obra por meio da concorrência para o emprego. Então eu acho que a competência da gente é fazer esse debate com a sociedade local e regional também, não só em sala de aula. Com o projeto de desenvolvimento local e aí nós enfrentamos dispositivo políticos poderosos porque talvez o interesse do mercado seja mesmo de formar uma mão de obra maior e mais barata. É uma competência que a gente tem que ter inclusive psicológica para lidar com esse ambiente hostil que é o mercado. Como é que eu formo um aluno dizendo seja o melhor, ultrapasse os demais? É uma violência para o professor e para o aluno.
Pensando na contribuição da P6, observamos que Gatti (2016), aponta 08
problemas atualmente enfrentados, na educação brasileira, para a formação
continuada do docente:
Resumindo, nos cursos de formação de professores, e em seu exercício de trabalho, interferindo em sua qualidade, oito pontos podem ser apontados: a) ausência de uma perspectiva de contexto social e cultural e do sentido social dos conhecimentos; b) a ausência nos cursos de licenciatura, e entre seus docentes formadores, de um perfil profissional claro de professor enquanto profissional (em muitos casos será preciso criar, nos que atuam nesses cursos de formação, a consciência de que se está formando um professor; c) a falta de integração das áreas de conteúdo e das disciplinas pedagógicas dentro de cada área e entre si; d) a escolha de conteúdos curriculares; e) a formação dos formadores; f) a falta de uma carreira suficientemente atrativa e de condições de trabalho; g) ausência de módulo escolar com certa durabilidade em termos de professores e funcionários; h) precariedade quanto a insumos para o trabalho docente.
Pelos relatos dos participantes, parece que a formação continuada, nos IF’s,
de forma geral, tem enfrentado menos problemas do que as instituições municipais,
163
particulares ou estaduais. Contudo, consideramos que vários dos pontos citados por
Gatti (2016) interferem na efetivação de uma formação docente para a autonomia e
a emancipação, como uma maior inter-relação dos cursos/propostas de formação
com a comunidade, e mesmo com a criação de comunidades de aprendizagem; a
indefinição quanto a quem é o docente da educação profissional; a falta da
interdisciplinaridade; a rigidez dos conteúdos curriculares, que ainda se mostram
instrucionais e compartimentalizados.
No sexto encontro, realizado no dia 06 de setembro, a primeira parte desse
último encontro teve como tema proposto e aceito pelos participantes a análise dos
currículos dos cursos técnicos em informática integrados ao ensino médio e técnico
em química integrado ao ensino médio. Foi perguntado aos participantes se o
currículo adotado hoje pelo campus contempla suas perspectivas de educação para
os cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio.
Segundo o Projeto Político Pedagógico (2016) do campus:
O foco central quando refletimos sobre currículo é buscar a orientação de
uma ação educativa de forma ampla e integrada, o que vai muito além de
listas de conteúdo, somatórias de cargas horárias e matrizes curriculares,
envolvendo acima de tudo e preponderantemente uma perspectiva social e
política [...].
.
Mas pode ser observado, pelas falas que seguem que, de maneira geral, os
participantes não estão satisfeitos com o currículo atual dos cursos e fazem críticas
em especial à Pró-reitora de Ensino na Diretoria de Educação Básica, responsável
pela avaliação dos Projetos Pedagógicos dos Cursos antes de serem enviados para
o Conselho Superior (órgão que aprova os cursos).
Os currículos dos cursos são construídos por uma comissão nomeada em
portaria, que se responsabiliza pela construção de um Projeto Pedagógico de Curso,
que deve seguir as normas vigentes. Os participantes falam de algumas limitações,
que em seu entender, impedem que a educação por eles praticada não se efetivem
completamente como formação para o trabalho. Eles fazem críticas quanto às
limitações impostas pela reitoria, que criam uma “falsa autonomia”. E criticam o
currículo engessado, que faz com que tenham que fazer uso de um “currículo oculto”
para que possam contemplar suas perspectivas de educação:
164
Desde que começamos a implantação do integrado a gente não tinha flexibilidade e, portanto, que foi mudando e cortando até chegar ao que temos hoje. Eu concordo que o que temos não é o ideal, mas toda vez que tentamos algo novo não é aceito pela PRE. É no currículo oculto que a gente consegue trabalhar de forma mais integrada. Se eu tivesse que entrar em uma sala só para dar aula eu não entraria (P1, 06 de setembro de 2016).
Nós até tentamos quando estávamos construindo os PPCs dos nossos cursos propor um currículo diferenciado, mas quando enviamos para a PRE eles cortaram tudo, então o que nós temos é o feijão com arroz. Eu acho que a nossa estrutura é feijão com arroz, é o que tem pra hoje. É muito complicado formar o aluno com essa estrutura e esperar, além disso, deles. (...) não é uma estrutura que eu acho ideal, embora eu tenha ajudado a elaborar. Porque temos a flexibilidade para fazer do nosso jeito, mas quando a gente manda para a PRE eles mandam cortar o que é diferente, uma falsa flexibilidade (P2, 06 de setembro de 2016).
A reitoria não dá liberdade para o campus inovar nos PPCs dos cursos, que acabam limitando as possibilidades de inovação e criando uma falsa autonomia. A nossa estrutura já vem engessada e a gente tenta reinventar, mas se a gente não atender, não é aprovado. Para mim esse currículo não é o que eu gostaria, essa proposta é de um curso integrado e integral, que não é integrado, que é extremamente massacrante, no entanto, atende a legislação. Com isso a gente volta lá no início da nossa discussão, a gente está formando para o mercado para o emprego ou para o trabalho? E aí nós chegamos à conclusão que estamos formando para a vida (P3, 06 de setembro de 2016).
(...) E aí eu fico pensando, que tamanho seria esse currículo para atender esses objetivos de formação? Então eu fico pensando que por mais que nos esforcemos, nós não vamos conseguir chegar a um currículo que consiga atender esse objetivo. Por outro lado, é claro que a gente pode ter um currículo que se aproxime mais da idealidade que esse, e nesse sentido nós temos muito a caminhar. Assim eu estou reconhecendo as minhas limitações e de todos nós. Um exemplo é que para gente a visão de mundo que a gente tem é a de que conhecimento só é conhecimento se ele for científico. Foi a pouco tempo que eu entendi que é só um dos óculos que nós temos para enxergar a realidade. Tem o conhecimento cientifico, a popular, o religioso, o místico. Temos limitações individuais que vem desde a nossa base de formação e a limitação de entender a visão que temos da escola, para que serve a escola? A gente muitas vezes entra na sala sem refletir muito sobre os objetivos das aulas, para que eu peço para o cara aprender e guardar isso sendo que nem eu mesmo saberia fazer aquilo se eu não tivesse estudado para a aula anteriormente. Embora eu veja que estamos longe do currículo ideal, eu avalio que a gente, no Campus XXX, está muito além dos currículos de escolas técnicas profissionalizantes que não são dos IFs isso não só para o que está escrito, mas pela visão de mundo (P4, 06 de setembro de 2016).
Eu acho que a gente não deve pensar em quantas disciplinas seriam necessárias para dar conta do currículo, porque não é uma questão quantitativa e sim qualitativa. Acho que a cada semestre, dialogando com os colegas das outras áreas, me permite dar um salto qualitativo na dimensão do cognitivo não só como a transmissão de um cérebro para o outro, mas de um corpo para o outro que faria a gente pensar não só em estratégias alternativas didáticas, mas nas relações interpessoais mais ricas e
165
qualitativamente diferentes. Muitas vezes nós trabalhamos de forma “oculta” com a interdisciplinaridade (P6, 06 de setembro de 2016)
Quando eu olho o nosso currículo, eu vejo tudo separado, não vejo a integração do curso. E nisso fica difícil os alunos perceberem a ligação de uma disciplina com outra. E dá para fazer a associação com qualquer disciplina, mas da forma como está sendo posta aqui fica difícil (P8, 06 de setembro de 2016).
Por essas falas é possível identificar que os participantes não estão satisfeitos
com o currículo atual e atribuem uma parte dessa insatisfação ao fato de serem
limitados pela PRE/ DEB, que não são abertas a propostas inovadoras. Tendo o
campus que trabalhar, como dito por um dos participantes, como o “arroz com
feijão”, ou seja, com uma proposta tradicionalista de educação.
No entender de Orlowski (2001, p. 168), as proposições curriculares no Brasil
dificilmente têm sido “puras” - mesclam o controle técnico dos conteúdos, da
organização institucional, das práticas didáticas e avaliativas com teorias de cunho
social:
O governo neoliberal se apropria de um discurso crítico e emancipatório não coerente com a sua prática e enfatiza a Educação Profissional como direito à educação e trabalho. Tal discurso, presente na legislação e pronunciamentos do gênero, coloca a qualificação para o trabalho como instrumento para a democracia, igualdade e liberdade, não deixando de estabelecer o vínculo deste com o mercado de trabalho. Respondendo às necessidades do capital, este é quem define as regras, e assim, o compro- misso da Educação Profissional passa a ser com a hegemonia dominante.
Reforçamos que o currículo não é neutro, e o fato do IF’s terem uma posição
ainda “tradicional”, em relação ao currículo, leva a tensões com o que é proposto
nos seus documentos direcionadores.
Por outro lado, consideramos que a tomada de consciência dessa limitação,
pelos professores, é um passo importante, no sentido de transformá-la. Segundo Au
(2011) a pedagogia crítica e libertadora de Freire trabalha para atingir duas metas: a
primeira é de capacitar os estudantes e os professores para a compreensão crítica
da sua relação com o mundo. A segunda meta está relacionada com a primeira, e
propõe que a pedagogia, ao ajudar a desenvolver a consciência, ajuda também a
capacitar os estudantes e os professores a tornarem-se pessoas mais conscientes
de seu contexto e da sua condição de sujeito, com poder de escolha. E ao tornarem-
se sujeitos críticos, com poder de escolha, tornam-se então agentes críticos capazes
de transformar suas realidades.
166
A Educação Sociocomunitária, em nosso entender, pode colaborar para isso
ao
favorecer a emersão das diferentes vozes que compõem as múltiplas educações, que vão nos configurando construindo a nossa subjetividade- enquanto vamos sendo inseridos nas malhas de relações sociais, que constituem o viver. A escuta atenta destas vozes, o colocá-las em diálogo, levantando a discussão de suas contradições e ideologias, é fundamental para que tenhamos uma tessitura da realidade mais crítica e emancipatória. É por meio desta discussão que a educação para a autonomia é possível (BISSOTO, 2012, p. 54).
É importante registrar nesta pesquisa que, embora não fosse um dos temas
proposto, porém de igual importância a estes, foi identificado que, a partir do terceiro
encontro, nas falas e nas expressões faciais e corporais dos participantes, a
manifestação de insegurança e preocupação sobre a atual situação política e
econômica vivida pelo país e a preocupação sobre de que maneira os IFs poderiam
ser afetados. Para o P4: “(...) nos preocupa bastante o fato de sermos
surpreendidos hoje pelo cancelamento do CONEPT por falta de verba que é
consequência do ajuste fiscal” (P4, 23 de agosto de 2016). E, ainda:
(...) a gente está assombrada com ameaças de mudanças nessa realidade. Eu acho que nesse final de ano a gente vai ter oportunidade de perceber se esse projeto vai permanecer ou se ele vai sofrer uma ruptura profunda porque vou deixar registrado e a instituição precisa ser analisada dentro do contexto em que há uma situação de impedimento do governo federal, da presidenta da república, assume em presidente interino que não é simpático a esse projeto. E as medidas que vem sendo tomadas indicam que a gente terá nivelamento com as políticas anteriores, seja no formato de maior número de aulas, seja nos cortes. A gente teve essa semana a notícia do corte nas bolsas de pesquisa do CNPQ para os IFs, e isso tudo gera impacto na nossa previsão. Como a gente vai atuar? Estamos chegando no momento de fazer um diagnóstico da realidade do município, de fazer pesquisas na região. Eu queria deixar registrado na pesquisa essa consciência de que o que está em sala de aula não está desconectado do mundo, do que acontece no contexto global (P6, 16 de agosto de 2016).
O participante (P4), no encontro realizado no dia 30 de agosto, pontua:
(...) existe uma preocupação que foi relatada na última reunião geral em que o diretor geral comentou que já se cogitou em uma reunião da SETEC em Brasília de praticamente transformar os professores dos IFs em “dadores” de aulas. E isso implica na inviabilização da formação continuada que hoje acontece dentro da nossa carga horária de trabalho.
Em diferentes momentos, durante os seis encontros com os professores
participantes da pesquisa, foi possível identificar falas que trazem a concepção de
educação profissional que eles carregam consigo. Essas falas retratam um desejo
167
de uma educação transformadora, mas que esbarra em alguns problemas como, por
exemplo, a questão estrutural. O fato de o campus não possuir prédio próprio. Ele
foi cedido por 25 anos, dos quais 6 anos já se foram. Assim, o prédio é pequeno e
com poucos espaços para os professores trabalharem fora da sala de aula. “(...)
Estamos tentando fazer, mas às vezes a gente esbarra em problemas estruturais”
(P5, 06 de setembro de 2016).
Outro fator limitante, como já mencionado pelos participantes, é o
engessamento do modo de se distribuir os componentes curriculares, de modo que
as disciplinas são postas de forma fragmentada, o que acaba dificultando os
trabalhos interdisciplinares ou transdisciplinares. E o projeto humanista
(emancipatório, de autonomia dos sujeitos) para uma educação profissional
transformadora.
O P5 aponta para a preocupação de existir um abismo entre a proposta de
educação dos IFs e o que os alunos trazem da formação anterior. Alguns outros
participantes manifestaram-se concordando com a fala do colega:
(...) quando a gente recebe os alunos vindos das outras escolas, há um abismo entre como o aluno vem e como nós esperamos esse aluno. Então a gente ao invés de fazer o trabalho proposto, precisa antes retomar e trabalhar os conhecimentos mínimos que ele já deveria vir sabendo e nós passamos praticamente o primeiro bimestre tentando fazer esse nivelamento (P3, 30 de agosto de 2016).
Freire (1986, p. 133) faz críticas aos currículos que tradicionalmente não
respeitam os contextos dos alunos. Ele afirma que não é contra um currículo ou um
programa, mas a forma autoritária com que esses são impostos é algo que precisa
ser repensado. Ele defende a participação crítica dos alunos e dos professores na
construção deste documento, que fará parte da vida deles, “eles têm o direito de
participar”, diz o autor. Que critica também a aceitação dos alunos em não fazerem
parte da tomada de decisão de questões referentes às suas rotinas acadêmicas por
estarem acostumados a terem sempre alguém decidindo por eles e não com eles. E,
acrescentamos, que se não houver a consciência de que a instituição escolar
precisa constituir-se numa comunidade, se pretende pautar-se por outras
perspectivas educacionais, isso nunca acontecerá.
168
Nesse sentido Santomé (2011, p. 87) critica e chama de Cavalo de Troia o
currículo que limita a construção da criticidade e da autonomia dos alunos. “(...) o
currículo baseado em disciplinas não ajuda os alunos a adquirir uma compreensão
minuciosa da realidade, ou, por extensão, de questões sociais, culturais, políticas e
religiosas”. Para ele, o modelo de currículo fragmentado, que usamos, transforma os
conteúdos em parcelas desconexas, que não se relacionam como se o
conhecimento fosse desconectado da realidade ou dos outros conteúdos,
possibilitando que os alunos não tenham a visão do todo. O autor afirma que o
currículo pode deixar de ter essa rigidez e de reforçar a segregação: “O currículo
pode tornar-se não um motivo de divisão, mas um espaço para nossa união- espaço
em que o direito de ser diferente e de respeitar mutuamente nossos direitos
legítimos torna-se possível” (SANTOMÉ, 2011, p. 97).
Uma observação importante, é que nos primeiros encontros, as falas estavam
mais positivas que nos últimos encontros. Não sabemos se pelo vínculo que foi se
fortalecendo no decorrer dos encontros, causando um ambiente de maior
segurança, ou se pelos problemas sobre a situação política e econômica que
também foram avançando, juntamente com o cronograma dos encontros, ou ainda
se as duas coisas juntas. O que pode ser notado, é que ao final, os participantes
acabaram desabafando algumas de suas angústias e expressando, seja nas falas
ou nas expressões faciais, preocupação com o rumo que a educação dos IFs e do
Brasil, de uma maneira geral, está tomando.
No dia 25 de outubro de 2016, aconteceu o sétimo encontro, em que a
pesquisadora apresentou aos participantes da pesquisa os dados trabalhados como
forma de poder haver a contribuição deles sobre o registro das falas. Participaram
do encontro 7 professores. Nesse encontro, a pesquisadora projetou na parede a
análise dos dados dos 6 encontros anteriores e fez a leitura para os participantes.
Esses foram contribuindo com suas análises, o que resultou nos dados
apresentados aqui.
A pedido do grupo gostaria de deixar registrado que estamos vivendo,
lamentavelmente, um momento importante na educação brasileira. Como exemplo a
criação e possibilidade de aprovação da PEC 241, que congela por 20 anos o gasto
púbico, que terá como limite a despesa do ano anterior corrigida pela inflação. Esse
169
fato preocupa muito os participantes, que temem pelo sucateamento da educação
no país. Outro ponto para ser registrado é a proposta da Medida Provisória (MP)
746/2016, que foi enviada ao congresso nacional para reforma do ensino médio, em
caráter de urgência. Os professores entendem que é necessária a reformulação do
ensino médio, porém, essa era uma discussão que já estava em andamento há
algum tempo, posição colocada por alguns dos participantes da pesquisa, que
integraram uma das comissões, que estudava uma nova proposta. Dessa forma,
entendem que não se pode mudar uma estrutura de ensino de uma hora para a
outra, sem ouvir os principais interessados nesse assunto, os professores, os
alunos, e a comunidade, de maneira geral, de forma democrática.
Sobre a questão da democracia, Dewey (1895, apud Westbrook, 2010, p. 20)
defendia a participação dos estudantes para que a escola fosse considerada
democrática:
[...] para a escola fomentar o espírito social das crianças e desenvolver seu espírito democrático, precisava organizar-se como comunidade cooperativa. A educação para a democracia requer que a escola se converta em “uma instituição que seja, provisoriamente, um lugar de vida para a criança, em que ela seja um membro da sociedade, tenha consciência de seu
pertencimento e para a qual contribua.
Infelizmente, na escrita, mesmo com um grande esforço para tentar
representar fidedignamente os encontros, não é possível captar todas as emoções,
entonações e expressões envolvidas durante os encontros. Mas, pelas falas
registradas nos seis encontros do grupo focal, nota-se que há envolvimento por
parte dos docentes em trabalhar com uma educação profissional que não seja
instrucionista e alienante. Identifica-se que há preocupação, por parte do grupo, em
proporcionar aos alunos, mesmo enfrentando dificuldades, uma educação que leve à
autonomia e emancipação.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) do campus, que foi construído de forma
participativa, evidencia essa política de formação integral quando traz que:
Na busca por uma formação profissional, científica e tecnológica, os Institutos Federais, tal como prefigurado em sua Lei de criação (Lei n° 11.892/2008) objetiva “construir uma práxis educativa que contribua para a inserção social, a formação integradora e a produção do conhecimento”. (Art 2º). Assim, o IFSP, em consonância com seus objetivos e princípios assume compromisso em sua ação educativa com o desenvolvimento
170
integral do cidadão trabalhador (Projeto Político Pedagógico do campus
pesquisado, 2016).
Freire (1986, p. 204) propõe, e nós concordamos, dentro da pedagogia
libertadora, a aula libertadora e entende que esta pode ser uma maneira de
resistência às condições de opressão impostas: “A aula libertadora não aceita o
status quo e os mitos de liberdade. Ela estimula o aluno a desvendar a manipulação
real e os mitos da sociedade. Nesse desvendamento, mudamos nossa compreensão
da realidade, nossa percepção”. É essa também uma das propostas da educação
sociocomunitária, que propõe a discussão e o descortinamento das situações de
opressão, para todos possam agir com liberdade e criticidade para desenvolver-se
individualmente e em comunidade.
Trazendo como base teórica a pedagogia crítica e a educação
sociocomunitária, deixamos claro que a concepção de educação profissional que
acreditamos vai além de uma profissionalização. Propomos, desde o início dessa
pesquisa, uma educação integral, como defende Gallo (2011, p. 2): “(...)
proporcionar um processo educativo singularizante, no qual cada estudante possa
viver seus próprios encontros e produzir seus aprendizados, em relação solidária
com seus colegas e com os educadores”, tomando “o ser humano não mais como
unidade, mas como multiplicidade em constante transformação”.
Essa proposta, que se insere nos princípios de uma pedagogia crítica,
coaduna-se com os pressupostos de uma educação sociocomunitária, que também
pensa em uma educação em que todos os envolvidos no processo educacional
tenham representatividade, sejam ativos, autônomos e agentes de transformação.
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação profissional sofreu e ainda sofre interferências que a tornam,
ainda hoje, uma modalidade de educação da qual não se tem muita clareza de suas
reais propostas ou identidade. Por ter sido considerada por muito tempo restrita a
uma determinada classe da população, marginalizada pela sociedade, e por ter
como propósito inicial a qualificação de mão de obra de maneira tecnicista, carrega
um estigma difícil de desconstruir. Na contemporaneidade, a legislação da educação
profissional, ao menos naquelas aqui analisadas, além de não limitar a oferta para
uma parte específica da população, propõe uma formação integral, que seja não
somente para a profissionalização, mas para a vida.
O objetivo central dessa pesquisa foi investigar os contornos epistemológicos
da educação profissional, nos cursos técnicos integrados ao ensino médio,
discutindo sua natureza de formação para o trabalho ou de qualificação para o
emprego. Partimos do princípio de que a educação profissional deve contribuir com
a formação para o trabalho, de maneira que leve o educando a se desenvolver como
cidadão crítico e consciente do mundo em que vive, agindo como sujeito de
transformação. Como hipótese, trouxemos a ideia de que os professores ainda não
tinham clareza sobre a educação que devem praticar nesta modalidade de
educação, se voltada para o emprego ou para o trabalho.
A partir da compreensão de que a formação para o trabalho é diferente da
preparação para o emprego foi possível entender qual a proposta de educação está
se assumindo na instituição pesquisada.
A investigação buscou relacionar as concepções trazidas na pedagogia crítica
e na educação sociocomunitária com o trabalho desenvolvido no IFSP referente ao
campus pesquisado. E buscou fazer isso ao propiciar discussões e reflexões sobre
as análises das práticas docentes dos professores desse campus, de modo a
verificar se elas estão, ou não, contribuindo para a formação integral voltada para
autonomia e emancipação na educação profissional dos alunos dos cursos técnicos
integrados ao ensino médio. Ou se continuam reproduzindo a cultura da educação
profissional de anos atrás, que de maneira tecnicista e instrucionista, se preocupava
172
apenas em preparar mão de obra qualificada e acrítica para atender às demandas
do mercado.
A metodologia utilizada na pesquisa qualitativa foi a pesquisa-ação, como
uma tentativa de melhor compreender a questão das práticas docentes numa
possibilidade de aprimoramento da atuação profissional. Por meio de encontros de
grupo focal, buscamos trazer reflexões e possíveis soluções para os
problemas/desafios encontrados. Consideramos que a pesquisa colaborou para
trazer um aprofundamento sobre as categorias de análise trabalho e emprego,
autonomia e emancipação, nos cursos técnicos integrados ao ensino médio, em
relação à instituição, e a educação profissional de nível médio, de forma geral. Por
serem cursos considerados recentes, e pelos profissionais do campus parecerem ter
uma postura de aceitar desafios, acredita-se que a pesquisa poderá contribuir para a
reflexão que pode levar a uma prática transformadora.
Ao fazer análise dos documentos que orientam a educação profissional, é
possível identificar que exige- se atualmente, do professor desta modalidade de
educação, ações diferentes daquelas anteriores, em que o professor era apenas o
instrutor/ adestrador de comportamentos. Esse novo formato de educação requer
profissionais sensíveis à formação integral, que se preocupem com o
desenvolvimento cognitivo, com a formação para o trabalho dos alunos, mas que
também se preocupe com sua formação para a cidadania, para a vida. Essa
proposta de educação não centra- se no professor, pois esse, atua como mediador
do conhecimento, e este passa a ser construído em um processo participativo que
leve à autonomia e emancipação dos envolvidos. Mas, ao analisar o perfil dos
professores que trabalham com esses cursos, na instituição investigada, percebe-se
que há desafios a serem superados. Espera-se que esse profissional contribua para
essa formação integral, mas entendendo melhor a dinâmica dos IFs, com
profissionais com diferentes formações e diferentes perspectivas, identificamos que
é preciso investir mais em formação continuada para que eles possam atuar de
maneira mais segura e mais alinhada a essa ideia de formação para o trabalho e
não para o emprego.
Acompanhando as bases da educação sociocomunitária e da pedagogia
crítica, para que esta educação seja então voltada para o trabalho e não para o
173
emprego, para que ela se efetive como uma educação transformadora é preciso que
todos os envolvidos no processo educacional tenham clareza, consciência e
envolvimento dessa proposta para que, de fato, ela aconteça. Os professores não
podem ser os únicos responsáveis pela mudança desse paradigma. Os próprios
documentos orientadores do IF mostram que deve haver a participação de toda a
comunidade escolar. É preciso que tanto a comunidade escolar interna quanto a
externa se apropriem deste debate. Todos precisam desenvolver a consciência
crítica de que são agentes de transformação e que possuem poder para intervir
naquilo que lhes é necessário. Os professores são agentes de conscientização
dessas comunidades e entre si também, mas não podem assumir a
responsabilidade sozinhos. Pois como já mencionado em Aontas (2004), a educação
sociocomunitária, propõe o engajamento de todos os envolvidos em ações para
trazer transformações. Tendo na proposta da educação sociocomunitária o
compartilhamento equânime de poder, todos devem se sentir responsáveis para que
a proposta, em especial aqui, da mudança de qualificação para o emprego se volte
para formação para o trabalho. E quanto mais a gestão for participativa e
democrática, quanto mais a instituição assumir-se e fortalecer-se como comunidade,
mais haverá espaço para que a formação para o trabalho se afirme.
Ao discutir sobre os temas propostos no grupo focal, pudemos notar que os
professores têm buscado constantemente compreender qual a melhor forma de
trabalhar esses cursos para atenderem à legislação. Mas ainda há muito que ser
trabalhado, não só na questão da ação docente, mas com mais investimentos
estruturais, mais abertura para que os campi exerçam sua autonomia, investimento
na formação continuada, enfim, mais valorização para esse projeto que pode ser
transformador na vida dos alunos e da comunidade na qual está inserido. Ou pode
ser apenas mais uma forma de manter a desigualdade social.
Conclui-se que as concepções epistemológicas dos professores sobre a
educação profissional, do campus investigado, estão voltadas mais para o trabalho
que para o emprego. Eles compreendem a importância em trazer uma educação que
ajude a desenvolver a autonomia, criticidade, protagonismo e emancipação dos
jovens. Embora trabalhem visando atingir esses objetivos, encontram problemas que
impedem que essas práticas se efetivem totalmente.
174
É importante registrar que essa pesquisa não termina aqui com a conclusão
do mestrado. Como pedagoga da instituição em questão, entendo que a educação é
um processo que nunca se esgota. Assim, sinto-me responsável por continuar essas
discussões levando para um grupo maior durante as atividades de formação
continuada, semanas de planejamento e reuniões gerais, discussões que
contribuam para a práxis, para que ela se estenda para todos os professores
envolvidos na educação profissional. Acompanhando Freire,
Entre nós, mulheres e homens, a inconclusão se sabe como tal. Mais ainda, a inconclusão que se reconhece a si mesma, implica necessariamente a inserção do sujeito inacabado num permanente processo social de busca. Histórico-sócio-culturais, mulheres e homens nos tornam seres em quem a curiosidade, ultrapassando os limites que lhe são peculiares no domínio vital, se torna fundante da produção do conhecimento (FREIRE, 1996, p. 32).
Com base na fala de Freire (1996) pensamos na questão da inconclusão
como uma possibilidade de estar na busca constante pelo conhecimento, que não se
esgota em uma dissertação, mas que abre caminhos para continuar
permanentemente na busca dele.
175
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189
APÊNDICE 1- Termo de consentimento livre e esclarecido para autorização da
pesquisa na instituição
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) responsável ____________________________________
Eu, Isabel Cristina das Chagas Oliveira, aluna regularmente matriculada no curso de Mestrado em
Educação do Centro Universitário Salesiano- unidade universitária de Americana gostaria de convidar o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Campus XXX, a participar do trabalho investigativo a
ser por mim desenvolvido como parte da minha pesquisa de mestrado, sob a orientação da profa. Dra. Maria
Luísa Amorim Costa Bissoto e cujo objetivo é pesquisar os contornos epistemológicos da educação profissional
no Brasil, discutindo sua natureza de preparação para o trabalho ou de qualificação para o emprego, e
investigando as concepções de professores do Instituto Federal acima citado sobre essa diferenciação, em nosso
entender, fundamental para que a educação, nesse nível de ensino, se configure, de fato, como uma educação
emancipatória. Como resultados esperados, acreditamos que conhecendo e discutindo as concepções dos
docentes a esse respeito seja possível aprimorar as práticas educacionais, a formação continuada do docente e a
produção do conhecimento na área. Esses são os principais benefícios antevistos para essa investigação.
A investigação seguirá os pressupostos da metodologia da pesquisa qualitativa, na modalidade de
pesquisa-ação, envolve pesquisa bibliográfica, análise de documentos institucionais e grupos focais com
professores que atuam na educação profissional do Instituto referido. Recebi os esclarecimentos de que a
participação nessa pesquisa não traz complicações médicas ou legais de nenhuma ordem, propondo-se 06
reuniões de discussão profissional, com participação voluntária, na forma de grupos focais, que não
comprometerão os horários de trabalho dos docentes, sendo uma pesquisa de risco mínimo, obedecendo aos
critérios de ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme a Resolução de número 510/16, do Conselho
Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos utilizados oferece risco à dignidade dos participantes.
Gostaria de deixar bem claro que a participação de cada sujeito nessa investigação é voluntária. Se
qualquer participante decidir não participar ou quiser desistir de participar, em qualquer momento, da referida
investigação, tem absoluta liberdade de fazê-lo. Nenhuma restrição lhe será imposta.
As atividades desenvolvidas nessa investigação, bem como os resultados alcançados com a mesma,
poderão ser eventualmente publicados, mas será mantido o mais rigoroso sigilo, através da omissão total de
quaisquer informações que permitam identificar os participantes; salvo expressa concordância, por parte de todos
os envolvidos, quanto ao contrário. Neste processo poderá haver também a gravação, em meio audiovisual, de
momentos de acompanhamento da investigação, mantendo-se a prerrogativa quanto ao anonimato dos sujeitos.
Informo também que os dados coletados serão destruídos após 05 anos do término da pesquisa.
Comprometo-me a apresentar uma devolutiva quanto à investigação desenvolvida, ao término dessa, à
Instituição e aos participantes; e a seguir rigorosa conduta ética, no curso da investigação.
A participação nessa investigação não envolve nenhum benefício material ou econômico para nenhuma
das partes: os prováveis benefícios advirão da contribuição para o desenvolvimento e da produção de
conhecimento, que favoreçam o avançar de questões relacionadas à esfera educacional.
190
Se você tiver qualquer pergunta em relação ao programa, por favor, entre em contato com a própria
pesquisadora, pelo telefone: (19) 9 9978 6053 ou pelo e-mail: [email protected]
Atenciosamente,
Mestranda: Isabel Cristina das Chagas Oliveira
Assinatura:_______________ Data _________________
Consinto na participação
Nome: __________________________________
Assinatura _____________________ Data ____________________
191
APÊNDICE 2- Formulário de consentimento livre e esclarecido para
participação dos professores no grupo focal
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) professor (a) ________________________________________________________
Eu, Isabel Cristina das Chagas Oliveira, aluna regularmente matriculada no curso de Mestrado
em Educação do Centro Universitário Salesiano- unidade universitária de Americana gostaria de convidá-lo (a),
a participar do trabalho investigativo a ser por mim desenvolvido como parte da minha pesquisa de mestrado,
sob a orientação da profa. Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto e cujo objetivo é pesquisar os contornos
epistemológicos da educação profissional no Brasil, discutindo sua natureza de preparação para o trabalho ou de
qualificação para o emprego, e investigando as concepções de professores do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo Campus XXX sobre essa diferenciação, em nosso entender, fundamental para
que a educação, nesse nível de ensino, se configure, de fato, como uma educação emancipatória. Como
resultados esperados, acreditamos que conhecendo e discutindo as concepções dos docentes a esse respeito seja
possível aprimorar as práticas educacionais, a formação continuada do docente e a produção do conhecimento na
área. Esses são os principais benefícios antevistos para essa investigação.
A investigação seguirá os pressupostos da metodologia da pesquisa qualitativa, na modalidade de
pesquisa-ação, envolve pesquisa bibliográfica, análise de documentos institucionais e grupos focais com
professores que atuam na educação profissional do Instituto referido. Recebi os esclarecimentos de que a
participação nessa pesquisa não traz complicações médicas ou legais de nenhuma ordem, propondo-se 06
reuniões de discussão profissional, com participação voluntária, na forma de grupos focais, que não
comprometerão os horários de trabalho dos docentes, sendo uma pesquisa de risco mínimo, obedecendo aos
critérios de ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme a Resolução de número 510/16, do Conselho
Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos utilizados oferece risco à dignidade dos participantes.
Gostaria de deixar bem claro que a sua participação nessa investigação é voluntária. Se você decidir não
participar ou quiser desistir de participar, em qualquer momento, da referida investigação, tem absoluta liberdade
de fazê-lo. Nenhuma restrição lhe será imposta.
As atividades desenvolvidas nessa investigação, bem como os resultados alcançados com a mesma,
poderão ser eventualmente publicados, mas será mantido o mais rigoroso sigilo, através da omissão total de
quaisquer informações que permitam identificar os participantes; salvo expressa concordância, por parte de todos
os envolvidos, quanto ao contrário. Neste processo poderá haver também a gravação, em meio audiovisual, de
momentos de acompanhamento da investigação, mantendo-se a prerrogativa quanto ao anonimato dos sujeitos.
Informo também que os dados coletados serão destruídos após 05 anos do término da pesquisa.
Comprometo-me a apresentar uma devolutiva quanto à investigação desenvolvida, ao término dessa, à
Instituição e aos participantes; e a seguir rigorosa conduta ética, no curso da investigação.
A participação nessa investigação não envolve nenhum benefício material ou econômico para nenhuma
das partes: os prováveis benefícios advirão da contribuição para o desenvolvimento e da produção de
conhecimento, que favoreçam o avançar de questões relacionadas à esfera educacional.
192
Se você tiver qualquer pergunta em relação ao programa, por favor, entre em contato com a própria
pesquisadora, pelo telefone: (19) 9 9978 6053 ou pelo e-mail: [email protected]
Atenciosamente,
Mestranda: Isabel Cristina das Chagas Oliveira
Assinatura:____________________________ Data _________________
Consinto na participação
Nome: __________________________________
Assinatura _______________________________ Data ____________________
193
APÊNDICE 3- Transcrição dos encontros
ENCONTRO DIA 02 DE AGOSTO DE 2016
OBJETIVO 1: Explicar a proposta do grupo focal e propor os temas para os
encontros;
OBJETIVO 2: Conhecer melhor a formação e o contexto que constitui cada um
dos professores participantes.
QUESTÕES DISPARADORAS
1- Experiência docente de cada participante e a quanto tempo trabalham na
EPTNM Integrado:
2- Qual a formação de cada um dos participantes?
3- Vocês consideram que tiveram um preparo/ formação para trabalhar na
EPTNM?
4- Como foi o processo de “adaptação” na EPTNM? Foi ou está sendo
difícil?
P1-
1- 6 anos e meio e 2 anos EPTNM Integrado
2- Licenciatura em química, mestrado no Ensino Químico e especialização em
gênero e diversidade na escola.
3- “Não aproveitei as disciplinas pedagógicas” motivos: na família tinha pressão
para fazer exatas, juntando a imaturidade de não entender ainda a
importância dessa formação pedagógica e na universidade tinha aquela
separação entre a área norte eram as disciplinas de exatas que eram
consideradas as difíceis e a área sul das disciplinas humanas, que tinham
certo preconceito de que não precisava estudar, esse preconceito se perdeu
quando passei a ser docente. Não teve estímulo nas disciplinas pedagógicas
na graduação.
194
4- Essa questão da oportunidade que a gente tem aqui dentro do câmpus de ter
essas discussões, inclusive de ter esse grupo focal está contribuindo bastante
pra nossas reflexões. Nós tínhamos no grupo da Química esses tipos de
discussões que contribuía muito nessas trocas de ideias e de experiências.
Mas essa adaptação é realmente um desafio e a cada dia a gente reflete.
P2-
1- 9 anos como docente e 2 anos nos cursos técnicos integrados ao ensino
médio;
2- Técnico em química, Bacharel e Licenciado em química, Mestre em Química
Inorgânica, Doutor e Pós-doutor em Química, Pós-graduado Lato sensu em
gestão pública e graduando em Licenciatura em filosofia.
3- A experiência que temos no IFSP é diferente das outras instituições que
oferecem licenciatura. Nessas outras universidades as disciplinas
pedagógicas são totalmente desvinculadas das outras disciplinas. Acontecem
até em prédios separados, os professores da educação e os professores das
áreas específicas divergiam em suas ideias. Aqui, no IFSP, temos uma
experiência diferente em que os cursos são realmente integrados e os
professores de todas as disciplinas (física, pedagogia) estão sempre se
reunindo para pensarem sobre o curso como um todo, diferente da formação
que eu tive. Quando nós chegamos aqui no campus não sabíamos como
formar um técnico, tínhamos experiência dos cursos superiores e a teoria dos
cursos de Ensino Médio e fomos adaptando (...) fomos nos formando juntos e
ainda estamos em formação.
4- A experiência que eu tive quando eu comecei no curso técnico, eu comecei a
dar aula como eu dava no bacharel e depois de um tempo que eu fui perceber
que era o ensino técnico, mas também era EM e foi um processo dialético
porque precisa de uma formação cidadã, você tem a formação técnica ou a
formação da racionalidade técnica específica e depois a formação para o
mercado de trabalho, da responsabilidade de formar um profissional que vai
atuar em um laboratório e pode ser que seja algo perigoso. Toda essa
195
formação parte para o mercado de trabalho, do cidadão e da acadêmica, São
três processos que foram dinamizando até chegar ao que temos hoje, não sei
se a gente chegou, mas estamos trabalhando para a formação desse
profissional técnico. Estamos no caminho.
P3-
1- 13 anos como docente e 4 anos e meio nos cursos técnicos integrados ao
ensino médio;
2- Tecnólogo em processamento de dados; Pós-graduação lato sensu em
Análise de Sistemas e em Gestão Pública, Mestre em ciência da computação,
Licenciado no ensino da computação (complementação pedagógica) e
cursando Pós-graduação lato sensu em EJA.
3- Comecei a carreira docente como um “bico” para juntar dinheiro para o
casamento. Mas deu tão certo, foi tão bom que eu aprendi com meus colegas
e com meus professores o que devo ou não fazer e me rendeu bons frutos. Aí
fiquei longos anos na graduação e antes do IF me aventurei no Centro Paula
Souza em num curso técnico e fiquei desesperado, porque senti que não era
“pra” mim. Porém levei isso como desafio e percebi que eu precisava
entender os alunos e foi um trabalho fascinante que eu mais aprendi do que
ensinei. No final do ano fui eleito o melhor professor e eu fiquei muito feliz
porque significou que a minha prática docente funcionou. Mas funcionou pelo
fato de entender as necessidades dos alunos e trabalhar encima disso aí.
Quando vim para o IF já tinha uma “pequena bagagenzinha nas costas”, mas
uma visão totalmente diferente das outras instituições e aqui eu senti
necessidade de buscar a qualificação e fui fazer licenciatura. Interessante que
quando pegava os documentos que falavam das práticas pedagógicas
percebi que muito do que estava escrito era feito na prática. Vi que o mesmo
conteúdo pode ser trabalhado de formas diferentes dependendo de cada
turma. Por isso o professor deve se reinventar sempre e ser o artista dentro
da sala de aula.
4- Eu vejo que na nossa equipe, mesmo estando em seguimentos diferentes,
estamos num viés que trilha para um mesmo caminho. Sabemos que temos
196
dificuldades, mas sabemos que não precisa ser sistemático que a gente tem
que se reinventar, estudar, que cada aula é um desafio e uma experiência. E
isso parte desde a nossa direção, gerência e coordenadores que nos dá essa
liberdade para podermos buscar, junto com nossos alunos qual a melhor
forma de buscar essa técnica, de passar o conteúdo, e a melhor metodologia.
Pegando na questão da formação minha e do P7 que somos da área de
informática, é muito complicado muitas vezes explicar para um aluno a teoria,
como por exemplo, na disciplina de lógica, é muito difícil ensinar o cara a
pensar, é muito difícil. É diferente de você pegar uma linguagem de
programação que já tem suas estruturas que basta seguir o roteiro e pegar
sua ideia e sua lógica, para nós da área técnica agente tira de letra. O difícil é
ensinar a pensar, mas se vc não ensinar a pensar, ensinar a lógica, o cara
não chega mais para frente.
P4-
1- 6 anos docente 1 ano EPTNM Integrado
2- Licenciado em Química; Mestre em química; Doutorando em educação.
3- Na minha formação inicial eu não tive uma disciplina específica para trabalhar
a EPT, eu compreendo também que naquela época não havia embora já
houvesse demanda desses cursos não havia oferta deles de maneira tão
expressiva como é hoje. O curso era construído e estruturada pelo viés
bacharelesco. Outro ponto é que as formações dos nossos professores eram
“bacharelescas” porque todos os professores que não ministrassem aulas nas
disciplinas pedagógicas eram bacharéis. Dito isso, reflito sobre a aplicação de
a maioria de nós não termos tido essa formação nos cursos de formação
inicial. Agente tende a colocar na EPTNM metodologias e concepções de
ensino voltados para nossa formação, pelo viés bacharelesco. Aí está o que
alguns colegas apontaram sobre a distância entre o que a formação que a
gente oferta e a necessidade do mundo do trabalho. Há uma desconexão
entre o perfil que a gente forma e o profissional que o mundo do trabalho está
solicitando e necessitando.
197
4- Eu considero que a adaptação de início foi muito na prática, não houve uma
reflexão crítica prévia e mesmo depois que iniciou o processo. A exemplo do
que os colegas disseram, fazendo uma avaliação crítica, eu considero que eu
reproduzi o que eu estava acostumado no EM e fundamental em escolas
particulares voltadas para o vestibular. Depois de um tempo essa adaptação
passou de uma experiência prática para uma experiência mais teórica. Eu
passei a me questionar a respeito de determinados assuntos, e na tentativa
de responder a essas questões eu fui buscar grupos de estudo dentro e fora
da instituição. Então eu tive uma adaptação mais prática no início e agora
uma adaptação mais teórica.
P5-
1- 12 anos de experiência docente e 2 anos nos cursos técnicos integrados ao
ensino médio.
2- Graduado em Letas; Pós-graduação lato sensu em Educação; Mestrando em
Educação.
3- Me preparei para ser professor na preparação para dar minhas aulas, aprendi
dando aula. Hoje há melhor preocupação na licenciatura para esta
modalidade, mas mesmo assim a sala de aula é algo revelador em que se
aprende na prática em que se aprende a trabalhar com essa diversidade. “eu
que fiz licenciatura não me sinto tão preparado, penso na dificuldade de quem
não fez...”. Sobre a questão do mercado de trabalho, há algo que me deixa
intrigado há muitos anos, desde a graduação. Sobre o papel e a função da
escola na mudança de papéis, pois quando a escola deixou de ser um
instrumento de transformação externo e o externo passou a transformar a
escola, aí entramos nesse conflito e principalmente nesse desafio da
formação do aluno da EPTNM que será formado para a atuação técnica e
também e para do núcleo básico crítica e humana. Penso como esses alunos
são privilegiados por receberem uma formação em que eles transformem o
externo. Porque todos aqui têm a preocupação com a formação integral, para
o trabalho, mas com uma visão crítica para o trabalho.
4- Talvez o que esteja acontecendo de diferente é que aqui não temos o setor
norte e o setor sul relatado pelos colegas. No IFSP percebo que há uma
198
aproximação e essa aproximação contribui para uma educação diferente
principalmente nos nossos cursos de licenciatura. Não há esse
distanciamento que favorece uma boa formação. Quando eu cheguei aqui eu
fiquei encantado com essa possibilidade de trabalho que a gente não
encontra em outro lugar. Essa adaptação por eu já ter certa experiência com
Ensino Médio, diante dessa formação técnica surge um novo desafio. Com a
minha disciplina, minha formação vai contribuir para esse curso técnico para
que ele não seja simplesmente um curso técnico, não ensine somente a
executar uma tarefa sem pensar. Fazer com que os alunos do técnico siam
com uma formação cidadã.
P6-
1- Licenciada e bacharel em Ciências Sociais; Mestre em Trabalho e
Sindicalismo; Doutora em Ciências Sociais: As transformações do perfil da
classe trabalhadora com a inserção das novas tecnologias nos processos de
trabalho.
Gostaria de salientar que ter licenciatura não é garantia de boa atuação, pois
dependerá da instituição em que se trabalha, pois algumas limitam a atuação
docente de acordo com sua perspectiva engessada de educação.
2- A EPTNM era posta de uma perspectiva do tecnicismo, não foi colocado na
minha formação. Embora minha área discuta a questão do trabalho. Não tive
a formação, mas trabalhei no curso de pedagogia por muitos anos, inclusive
na supervisão de estágio. E no superior, nos cursos de pedagogia a gente
tem uma vantagem porque quando os estágios acontecem e são vários
semestres, o aluno é aluno durante toda sua vida e agora vai atuar nos vários
estágios e as memórias são retomadas. O que caracteriza a docência é essa
constante situação de aluna enquanto professora, pois não há docência sem
deiscência. Não é que a licenciatura não se prepare, é que há situações que
são irresolvíveis no mundo do trabalho. Se a gente não se adequa ao ritmo
institucional, a cultura empresarial, a cultura do trabalho, agente se desloca.
Na escola não, agente se reinventa, a gente está sempre à frente do mercado
de trabalho. Tanto do ponto de vista de planejamento, quanto nas questões
199
que podemos trazer para o debate. Diferentemente das empresas que têm
uma cultura estanque e inflexível às mudanças. E o trabalhador na situação
de trabalhador é uma situação de vida ou morte, mas enquanto aluno ele
pode experimentar. Agente prepara tanto e tão bem para o mercado de
trabalho que não necessariamente o mercado vai aceitá-lo. Sobre escola e
trabalho, não existe o trabalho deslocado da vida humana, no trabalho as
questões de hierarquia, de poder de socialização, todas estão ali no trabalho.
Talvez o externo queira censurar algumas questões que estão discutidas no
trabalho e estão sendo discutidas aqui dentro.
3- Faço dois anos aqui no IF o mês que vem e nesses dois últimos anos aqui no
IFSP acho que agora estou saindo da fase do encantamento em que nos
últimos 20 e tantos ano de ensino superior privado em que eu só dava aula.
Particularmente aqui no IFSP considero uma das experiências mais ricas em
toda a história na educação, matéria que lecionei vários anos. Não tinha visto
ainda um projeto de educação como este com uma riqueza de oportunidades
que me deixou impactada. Pelas boas condições de carreira, trabalho, de ter
dedicação exclusiva, com jornada de trabalho para sala de aula menor, com
tempo maior para preparação didática e com a integração entre ensino,
pesquisa e extensão. Que permitem que a gente tenha feito nesse ano
reflexões dessa experiência e pensarmos limites e possibilidades na EPTNMI,
limites e possibilidades de integração das disciplinas do NBC com as
disciplinas técnicas não só da grade, mas de transcendência e transposição
de uma matéria para outra. Tenho a sensação de estar recomeçando de
novo, particularmente tem sido muito estimulante porque é uma equipe muito
integrada, afinada, respeitosa nas diferenças. O que temos aqui, não sei se
outras instituições têm, de cruzarmos e conversarmos, experimentarmos, tem
sido muito gratificante.
P7-
1- 6 anos docente e 5 anos nos cursos técnicos integrados ao ensino médio.
2- Bacharel em Sistemas de informação; Pós-graduação lato sensu em Banco
de Dados; Licenciado em Computação (programa R2- complementação
pedagógica) e Mestrando em Educação.
200
3- Considero que em momento algum na minha formação houve o preparo para
lecionar em qualquer nível de educação, não somos preparados para ser
professor e caímos de paraquedas dentro de uma sala de aula com 40 alunos
cada um com particularidades com uma formação cultural, social e econômica
e é a hora que a gente vê que precisa correr atrás por conta própria”. Final do
século 19 e 20, com a globalização quando se ensinava o profissional técnico
era ensinar o cara a apertar parafuso com um trabalho quase irracional.
Estamos vivendo numa hoje na era do conhecimento /da informação que não
basta ensinar apenas a “apertar o parafuso” e está pronto. Hoje em dia essa
parte técnica robotizada e a formação técnica parte muito da formação crítica,
cultural e humana. Não adianta formar o melhor programador se ao chegar no
mercado de trabalho ele não souber trabalhar em grupo, não souber tomar
decisões. O mundo muda muito rápido e precisa saber se reinventar a todo
momento.
4- Às vezes eu fico refletindo sobre um ponto, que eu não tenho ainda uma
resposta, porque ficou claro aqui que não existe preparação para quem fez
licenciatura trabalhar com os cursos Técnicos integrados e para nós,
bacharéis, preparação nenhuma. Mas da mesma forma eu fico pensando
assim, mesmo que tivesse essa formação para trabalhar com esses cursos eu
acredito que por mais que tenha esse preparo, quando você entrar na sala de
aula é totalmente diferente. Por exemplo, você vai num curso de seis meses
para aprender a andar de bicicleta, aí o cara te explica tudo, você faz prova e
fica tudo certo. Mas quando você terminar o curso e for subir na bicicleta,
você vai cair, vai patinar, vai demorar um tempo até você começar a pedalar,
andar uma pequena distância, depois de algum tempo vai pedalar mais e ir
mais longe até começar a conseguir fazer algumas manobras. Eu acho que é
a mesma questão, é obvio que ter uma formação é muito importante, mas
quando a gente vai para sala de aula a gente cai os primeiros tombos e aos
poucos vai se adaptando. Eu estou me adaptando e acho que essa
adaptação não vai acabar nunca. A gente vai se reinventando, em fim,
quando você cai nesse curso, além da parte técnica tem outras séries de
questões que você tem que se preocupar. Eles estão entrando na
201
adolescência então, às vezes, você tem que ser um pai e um professor ao
mesmo tempo, aconselhar, puxar a orelha de vez enquanto e dize que não é
por aí. Mas é obvio que a preparação, a formação anterior ajudaria muito,
mas depois também é importante continuar buscando melhorar.
P8-
1- 4 anos como docente e 2 anos nos cursos técnicos integrados ao ensino
médio.
2- Licenciada em Química; Mestre em Química Inorgânica.
3- Embora tenha feito licenciatura “só senti mesmo como ensinar, na prática.
Depois que a gente entra na sala de aula é que a gente aprende a ensinar.
4- Essa adaptação não foi e não está sendo fácil para mim, antes de entrar aqui
eu trabalhava em uma escola particular e lá eu já tinha a apostila, a aula
pronta e eu só tinha que estudar aquilo e ir lá aplicar. Então estávamos
formando alunos apenas para o vestibular, era o foco deles. Aí quando entrei
no IF eu vi uma coisa diferente, eu não só estou preocupada com os alunos
que querem prestar um vestibular, mas em formar ele para o mercado de
trabalho e principalmente formar um cidadão. São três coisas juntas que a
gente tenta fazer o possível para tentar contemplar esses três. Nem sempre é
possível, tem dias que a gente foca mais em um, no outro dia foca mais em
outro, mas estou tentando trabalhar dessa forma. Então para mim está sendo
um desafio muito grande, mas ao mesmo tempo é muito bom porque estou
aprendendo muito com isso. Estou tentando também ser cada vez mais uma
boa professora para eles. Tentando fugir da forma como eu trabalhava e
também da minha formação desde quando eu era criança até eu me formar.
Fugindo um pouco disso para tentar passar um pouco disso parar eles, que
não temos que nos preocupar só com o vestibular, tem que aprender um
determinado conteúdo, mas que ele vai servir para a vida e para o mercado
de trabalho.
P9-
202
1- 12 anos docente e 4 anos nos cursos técnicos integrados ao ensino médio.
2- Graduada em Engenharia Química; Mestre em Engenharia Química; Doutora
em Engenharia de Alimentos. Não fiz licenciatura, mas me considero um
pouco intuitiva.
3- Não tive formação nenhuma, na verdade eu tive uma “antiformação” pelos
meus professores me formei e fui para a indústria, hoje sinto que me formo
com meus alunos e com as trocas de experiências com meus colegas.
4- Eu acho que a minha adaptação foi suada, trabalhosa, eu sentia uma agonia
muito grande. Até porque dou muitas aulas na linha de OPU (Operações
Unitárias) que é uma disciplina que tem muitos livros para engenharia, mas
para cursos técnicos não tinha. Então como direcionar para um curso técnico
quando não se tinha livros? Hoje já tem um pouco. Buscava com meus
colegas algumas experiências que eles faziam de iniciação científica,
buscando nos livros de Química como fazer iniciação em laboratórios, mas
ela não foi fácil. Vi muito tutorial, já levei meus alunos para ferro velho para
verem equipamentos porque para ir fazer visita técnica na indústria era
complicado a questão do transporte. Então, tentando buscar maneiras de
trazê-los para a parte da realidade da indústria mesmo.
P10- ausência justificada (entrevista realizada no segundo encontro).
1- 6 anos de docência e 1 ano e meio na EPTNM.
2- Bacharel em Administração; Mestre em Administração; Doutor em
Administração.
3- Nos cursos que eu realizei não havia preocupação com a preparação para a
EPTNM.
4- A adaptação está sendo um processo de tentativa e erro, numa busca de
autoconhecimento e autoaprendizagem, tentando entender o que se aplica do
que eu aprendi e o que eu preciso melhorar e aperfeiçoar. Eu tento minimizar
essa distância trazendo exemplos práticos e vivências profissionais nas
indústrias e nas empresas para que essa distância diminua um pouco.
203
TRANSCRIÇÃO ENCONTRO 2 DIA 09 DE AGOSTO DE 2016
OBJETIVOS: Compreender a questão do trabalho e emprego; entender o que a
legislação prevê sobre os cursos técnicos integrados ao ensino médio e
avaliar que tipo de educação se pratica no Campus XXX: formação para o
trabalho ou qualificação para o emprego.
O encontro iniciou- se com o agradecimento da presença de todos e com a
chamada oral. Para iniciar a discussão do tema trabalho e emprego, foi feito uma
dinâmica “dobradura do chapéu”. A dinâmica tinha como propósito simular
primeiramente uma cadeia de produção (emprego) em que cada indivíduo realizava
uma parte do processo da construção do chapéu. Nesse momento eles eram
estimulados a produzirem em maior quantidade possível e como recompensa
receberia um “bônus” pela produção, não havia conhecimento do que se estava
produzindo, não havia tempo para reflexão e nem espaço para criatividade. No
segundo momento, houve liberdade para fazerem o mesmo produto, mas agora
cada um poderia conhecer o processo de construção do início ao fim, não havia
pressão para uma produção em números porque estavam preocupados com a
qualidade do produto. Houve espaço para explorar a criatividade.
Questão 1: Após a finalização da dinâmica, os participantes voltaram para seus
lugares e foi feita uma reflexão para saber como se sentiram durante a atividade.
Como foi essa experiência?
Questão 2: Falar do segundo momento da dinâmica em que houve o tempo
necessário para cada um fazer o seu próprio chapéu. Como foi essa experiência?
Questão 3: Que tipo de educação nós praticamos nos cursos Educação Profissional
Técnica de Nível Médio Integrada, seria mais uma formação para o trabalho ou uma
qualificação para o emprego?
P1-
204
1- Eu me senti pressionada e não me saio bem com pressão, ter que fazer
rápido, competir...
2- XXX
3- Eu fiquei pensando que as técnicas, os procedimentos vão sendo mudados e
o que a gente faz aqui no IF nos laboratórios, nas aulas, na maioria das vezes
vai ser diferente do que ele (o aluno) vai ter no trabalho. Então eu acho que
uma formação integral, pensando na questão d autonomia, que ele consiga
se desenvolver no trabalho com responsabilidade, com criticidade. Então eu
não vejo que ele tem que sair excelente em alguma técnica ou em alguma.
P2-
1- Acho que a gente já tinha discutido isso em um dos encontros do grupo de
estudos sobre trabalho e emprego. Nesse momento o participante questiona
a P6 sobre a questão de que desde a antiguidade havia a separação entre os
que pensavam os filósofos e religiosos que tinham um alto poder aquisitivo
enquanto que o trabalho manual era realizado pelos escravos e pessoas de
baixo poder aquisitivo que apenas reproduziam as profissões de seus pais.
Nesse momento a P6 contextualiza e explica: estamos acostumados a pensar
na história de forma linear e apenas no ocidente, mas que se formos analisá-
la num todo, veremos que o que acontece é a questão do preconceito com os
trabalhos manuais e certa separação entre o pensar e o fazer por meio da
escolarização. Segundo ela, a grande questão para nós é a separação e o
preconceito com o trabalho manual. A criação pode estar presente em
espaços que a gente não valoriza a inovação tecnológica muitas vezes
acontece no chão de fábrica. Hegel fala que esse preconceito manual está
presente na dialética escravo/senhor em que os senhores vivem da
exploração do trabalho manual, mas acabam caindo numa vida de ostentação
e isso vai dando poder para o escravo. Um pouco é preconceito nosso do
escravo que tem seus saberes e domina suas práticas, o conhecimento tácito.
2- Acho que isso que é interessante, numa linha de produção você não tem
noção do que está fazendo e quando você produz é algo que você mesmo
205
pensou ou pelo menos você está trabalhando sabendo de onde que começou
e para onde é que vai. Na questão do emprego é sempre uma relação de
troca onde o empregado sempre sai perdendo porque ele está vendendo a
sua força de trabalho e produzindo para que alguém lucre porque ele não tem
capital para produzir da mesma maneira.
3- Eu não queria falar o nome de outras escolas, mas, por exemplo, o SENAI,
que você tem aquelas simulações de empresas, nas indústrias que os alunos
vão lá tentar fazer as mesmas coisas que se faz na indústria. Isso é uma
qualificação para o emprego acho que isso a gente não faz aqui. Não sei se
porque os cursos são direcionados para a indústria diretamente e aqui tanto
na informática quanto na química a gente tenta trazer essa formação mais
integral mais para o trabalho e não necessariamente para uma empresa
específica, nós buscamos uma qualificação mais ampla, pelo menos a gente
tenta.
Outra coisa que eu penso e que eu li é sobre a falência da formação
profissional. Porque você tem um especialista que trabalha na indústria que
trabalha totalmente com a racionalidade prática, ele sabe na prática como
apertar o botão, como apertar o parafuso, mas não tem a teoria. Já o
acadêmico tem a teoria só que ele não a prática. Mas o ideal é juntar os dois,
quando você tem uma reflexão sobre sua prática pedagógica, e é isso que
estamos tentando fazer, fica mais rico do que só a racionalidade prática e
racionalidade técnica. Você faz uma reflexão sobre o que acontece no curso,
sobre o que acontece no decorrer dele e como a gente pode modificar ele.
Acho que é muito mais rico. Quando eu estudei no curso técnico tinha essa
visão de que o cara que trabalha na indústria vai formar melhor o aluno do
que o cara que vem da academia. Se for extremamente acadêmico ou se for
extremamente prático tem deficiências nos dois. Agora a reflexão sobre a
prática pedagógica sobre como você faz, porque tem aquela titulação, como
vai ensinar aquela titulação é que é importante.
Na área da química, por ser muito acadêmica, acabamos sendo muito
tradicionais pela formação bacharelesca. Então essa visão inovadora só tem
206
na área mais pedagógica, na área específica da química a gente é muito
tradicional.
P3-
1- Uma questão que eu vejo interessante é a situação que cada um tem o seu
tempo de aprender e para fazer. Por exemplo, o P4 pensando na
engrenagem, talvez ele por ele estar na posição que ele estava (durante a
dinâmica) não era bom para ele, talvez ele precisasse ficar no fim porque ele
teria o tempo dele, as habilidades e as competências dele que ele já
desenvolveu. Eu vejo que na educação é a mesma coisa com os alunos, às
vezes a gente quer “serializar” a educação. Tem que ser o A, depois o B, só
que a gente pode ver todas as vogais e não precisa ser primeiro o A e depois
o B e a gente vai montando formas de buscar o conhecimento. E essa
questão do estímulo, eu acho meio errado é a questão de adestrar. Minha
crítica ao governo de São Paulo em relação à educação é que os nossos
professores são adestrados, motivados ao bônus. Anualmente são
carregados esses bônus para que o professor trabalhe durante o ano eu acho
isso aí um absurdo. Eu acho que esse bônus deveria ser a valorização do
professor no dia a dia na sala de aula. Mas vale a gente pensar nessa
situação em que eu vou incentivar para que você faça, no nosso caso a
balinha. Na questão do desempenho do professor ele é incentivado a ter o
bônus e aí ele pensa apenas no valor de remuneração e não está errado
porque ele tem bocas para sustentar, contas para pagar, mas muitas vezes
ele deixa a questão da educação, do aprendizado e o empenho na escola fica
em segundo plano, o foco dele é alcançar os números para atingir a meta.
2- Essa dinâmica tem muito a ver com algumas piadas que a gente conta “eu
não quero procurar trabalho não, eu quero um emprego”. Pois eu entendo
que a primeira etapa é o trabalho e a segunda é o emprego. Nesse momento
a pesquisadora apenas esclareceu um pouco sobre as definições que estão
presentes na dissertação entre trabalho e emprego.
207
3- Acho que a principal função nossa é estimular o aluno a pensar e aí a
consequência do aprendizado leva a prática. E a prática é a mesma situação,
são os mesmos procedimentos, a forma pedagógica que a gente ensina
aqueles procedimentos. Mas, muitas vezes no mercado, é diferente, o
mercado tem suas necessidades e suas exigências. Mas acho que o principal
propósito nosso é estimular e dar a condição para o aluno que está
“engatinhando” levantar e andar e isso vai depender de cada um deles.
Precisamos tomar cuidado em relação às nossas práticas para ver se nossas
aulas não estão sendo “roteirizadas” a gente tem um roteiro e é esse que eu
vou seguir e não conseguir trabalhar se por acaso precisar sair do roteiro. É
pensar nos porquês. Antigamente a gente tinha os especialistas que só eram
bons no que faziam como apertar a porca da roda, se fosse preciso mudar o
profissional não saberia fazer. É isso que a gente tem que tomar cuidado,
para não repetir o que era feito há anos atrás.
Temos que fazer um paralelo entre o conservador e o inovador, nós estamos
na questão da inovação. Nós pensamos muito em novas tecnologias, novas
formas de resolver problemas do cotidiano, na verdade a gente tá formando
profissionais para profissões que não existem ainda, para resolver problemas
que não foram criados ainda.
P4-
1- Foi uma experiência muito ruim, porque eu tenho aversão à competição, nem
em sala de aula, nem na natação...
2- Em relação a esse segundo momento, não teve a pressão, nesse momento a
competição entre a equipe A e a equipe B deixou de existir e não havendo
isso é possível ver que a originalidade surgiu e a decoração de cada um é
diferente. É interessante a gente refletir como a competição e a pressão pode
estar presente no dia a dia em nossas aulas. Se a gente não se atentar, de
maneira indireta, isso faz que os alunos incorporem isso no mundo do
trabalho. E quando tem competição não é prazeroso, deixa de ser
colaborativo.
208
3- Pois assim como os colegas já mencionaram que o nosso objetivo é formar
para a vida, e se é para a vida então a gente tem o objetivo de contribuir para
formação do indivíduo por um viés mais antropológico, formar o cidadão por
um viés mais sociológico e formar para o mundo do trabalho.
P5-
1- Só acho interessante ressaltar da minha parte que nesse processo de
alienação, todo conhecimento que tem, por exemplo, no notebook, pensar
que cada peça é produzida em um lugar diferente e depois na linha de
montagem cada funcionário vai colocar uma pecinha. Eu penso que será
também que não é uma forma de proteger todo esse conhecimento? Porque
quando você coloca um especialista somente naquilo e junta vários
especialistas eles não dominam o todo e isso é uma relação de poder, se
fosse dominado por uma pessoa acho que perderia o domínio de controle e
de poder para proteger essas informações. Nesse momento de produção do
chapéu, eu percebi que cada um, motivado por essa competição e pelo bônus
ficava pensando na mão de obra escrava e vejo que os operários passam por
isso sempre e isso faz com que eles de alguma maneira se afastem da
própria criticidade.
2- Na segunda parte, cada um com a sua liberdade e com o seu tempo pode
colocar o seu conhecimento e agregar algo que não foi imposto. Eu enxergo
isso porque você consegue colocar o seu conhecimento e a sua criatividade.
E eu reforço que não é que as pessoas não tenham criatividade, acho que as
pessoas estão numa competição imposta motivada pelos bônus. Nesse
momento ele lembra que quando trabalhava no estado de Minas Gerais,
trabalhava com o incentivo do bônus que chegava sempre atrasado. Que era
um processo de alienação que o fazia parar de pensar criticamente no
processo e ficava preocupado apenas com os números.
O homem não nasceu para esse trabalho forçado, se formos pensar,
trabalhamos a vida toda buscando parar de trabalhar, a aposentadoria. Não
nascemos para o emprego, nascemos para o trabalho.
Só reforçando essa questão do preconceito eu fiz uma disciplina sobre a
questão do trabalho no mundo em que o professor deu o seguinte exemplo:
209
Tinha um professor sentado na varanda da sua casa lendo um livro, aí o
vizinho chegou e perguntou: Descansando? E o professor respondeu: Não,
trabalhando. Num outro dia o professor estava de folga no jardim podando a
grama e o vizinho perguntou: trabalhando? Não, descansando. Porque ha
uma visão destorcida da questão do trabalho.
3- Acho que aqui nós temos a oportunidade de trabalhar com uma educação em
que uma não anula a outra. No momento que fala do generalista e do
especialista eu enxergo que a formação técnica pode acontecer, buscar a
perfeição até mesmo porque eu entendo a preocupação. Se um profissional
for formado para construir viadutos, vejam o exemplo de BH que caiu um, por
isso se não tiver conhecimento eu acho que vai gerar um problemão. Então
que nós temos que buscar a perfeição então é essa formação técnica com
uma preocupação com o processo e sem desconsiderar o humano. Eu não
consigo enxergar uma anulando a outra. Apesar de que a gente vê casos de
gente que sabe tudo e não sabe nada, e têm os especialistas que sabem só
daquilo e que se pedir para ela abrir uma porta em que a fechadura, ao invés
de puxar pra baixo ter que puxar pra cima não consegue abrir a porta. Então
o que eu acho que nós temos que buscar é essa formação preocupada com o
processo, com a formação completa na área de conhecimento, mas também
com todos os processos que envolvem essa prática. Nos nossos cursos nós
temos que buscar isso. No Médio Integrado eu percebo que, até mesmo pelo
nosso contexto hoje, a formação técnica e a formação básica conversa,
dialoga bastante. Acho que a gente tem tudo para buscar essa formação. Em
que uma não anule a outra.
P6-
1- A mim toca as hierarquias, além do processo fordista que foi lembrado fica
bastante explícita a questão da alienação do trabalho alheio. Eu estava
brincando, até para a gente simular as questões de conflitos nas relações de
trabalho em que aquele que se considera um bom trabalhador também está
relacionado com essa situação de pânico, de alienação. Não sei por que, mas
o estímulo de um bônus me coloca na situação de um animal que está sendo
adestrado, e não qualificado. O trabalho que é uma dimensão humana, para
210
mim que é uma dimensão estruturante da personalidade, da subjetividade e é
uma dimensão da qual a gente transforma a natureza, a gente entra em
contato com a natureza, descobre as mil facetas da natureza, se defende dela
e se apropria dela em determinados tipos de relação. Nas situações de
trabalho, historicamente a gente se coloca numa dimensão de animais
adestrados porque nos cabe, cabe a todo mundo e essa dimensão de criação
cabe a poucos. A gente vive numa situação que quem cria é quem tem os
meios de produção, é o dono da fábrica. Aos demais cabe cumprir ordens. É
obvio que a gente está numa era pós-fordista da flexibilização, mas a gente
passou a buscar o bônus não porque o patrão me oferece, a gente introgetou
essa condição de trabalhar para ter o bônus e essa sensação é muito ruim.
Você a trouxe para gente de uma forma bem bacana.
2- Eu senti muito quando entrei aqui no IF o significado daquela história do
passarinho que nasceu no cativeiro e quando você abre a gaiola ele não sabe
que ele pode sair. Se a gente é adestrado para uma linha de produção vai ser
muito difícil se tornar outro instantaneamente. Eu estou trazendo uma vida de
transição, uma vida toda corporativa, de ter horários regulados, a hora que eu
podia ir ao banheiro e as infecções urinárias que são doenças comuns a
quem é professor. E vim para uma realidade em que a gestão é participativa,
em que os horários são diferentes. É como se eu não tivesse sido formada
para essa nova realidade.
3- Há dimensões em que a gente precisa ter noção do que a gente considera
certo ou errado, acho que uma educação totalmente tecnicista que não
permita que a gente faça em qualidade, mas sim em quantidade, para quem?
Para qual público consumidor? Mesmo a roupa que você compra uma roupa
em um departamento da classe C ela vai ter que necessariamente se mal
cortada? Acho que a gente pode se permitir sim estabelecer critérios de
valores acho que na nossa profissão de educar nos permite. Acho que a
gente não precisa ter pudor em relação a isso, não quero dizer que a gente
confronte de uma maneira negativa, o que o outro considera certo ou errado,
mas o que nos guia é sempre uma noção de perseguir aquilo que a gente
acha certo ou errado. Quando o profissional vai trabalhar com a excelência na
211
na profissão técnica, o que é que a gente pensa? A gente pensa que o nosso
aluno é uma pessoa inserida em relações mais amplas então ele precisa
superar essa fronteira entre treinar e achar que não é o papel dele olhar para
o funcionário e perceber se ele está mais pálido ou menos pálido, perceber se
ele está sendo molestado de alguma maneira, perceber como vão as relações
de trabalho na empresa. Não só por causa da dimensão da produtividade,
mas pela relação humana. A pessoa já vai passar o dia inteiro na fábrica que
é um ambiente insalubre, de tensão, não se pode achar que todo esse
processo é desvinculado das relações humanas que estão ali, se vai perder
um dedo ou se não vai, se vai ficar surdo, o camarada não quer colocar a
proteção auricular, então a gente insiste muito nessa separação entre técnico
e humano e que na verdade ela não existe. Acho que nós, a escola, forçamos
muito a barra em discutir esse assunto que na verdade não existe. A menos
que nós vamos ser totalmente monstruosos com as pessoas que estão
trabalhando com a gente. Você vai ficar surdo sim, vai perder o pulmão sim e
é o que temos para hoje.
Essa discussão a gente tem muito no grupo de estudos, eu tenho
acompanhado o curso de formação de professores e é tão bom ouvir essa
preocupação com a teoria nos cursos técnicos, porque a tendência em cursos
atuais é diminuir nos cursos de pedagogia, licenciaturas, as matérias teóricas.
E as aulas de práticas são importantes, os estágios também são muito
importantes, porque no estágio não é simulação. Mas a gente precisa retomar
essa dimensão da teoria e da abstração porque parece que a gente está
priorizando a “historinha”, o contexto e não está trazendo isso dentro de uma
perspectiva teórica e as pessoas não sabem mais abstrair. Aí a questão da
autonomia é obtida quando a gente teoricamente tem essa percepção, as
teorias pedagógicas, as escolas pedagógicas, as políticas educacionais, tudo
isso ajuda a gente como professora para formar um aluno, futuro professor,
futuro técnico. Porque se não a gente fica inseguro achando que tem que
levar uma receita de bolo. A gente esquece que a escola é uma organização,
eu acho que aqui, por ter uma gestão muito democrática, acho que a gente
ainda precisa inserir mais os alunos nas instancias gestoras. A entrada dos
212
alunos nas comissões gestoras vai dar para eles essa dimensão da
organização. Nós próprios esquecemos que aqui é uma organização, é uma
escola, mas é uma empresa, uma autarquia, ela contrata, seleciona, paga
contas, ela pensa nos recursos, pensa no layout, no planejamento... Talvez a
gente esqueça que não estamos trabalhando fora do mercado de trabalho,
isso é uma grande empresa, uma grande organização, mas as nossas
relações hierárquicas com os alunos faz a gente esquecer isso. Esse
distanciamento de que eu sou doutora e o aluno irá apenas receber, acho que
é um problema muito sério da postura do professor, mas a gente não percebe
que somos uma empresa.
O aluno precisa ser um agente transformador do mercado, não alguém que
se adapta ao mercado. Coisa que eu tenho muita implicância é essa lógica
darwinista da adaptação. Acho que a gente precisa realmente pensar nessa
formação para a transformação.
P7-
Pegando não só no caso dos alunos que são do Médio Integrado, pensando
na área de informática, nós temos ex- alunos que são funcionários públicos,
inclusive alguns que trabalham aqui. Tem um ex- aluno que está ingressando
no mestrado, ou seja, vai seguir a carreira acadêmica; temos alunos e ex-
alunos que estão em grades empresas multinacionais e temos alunos e ex-
alunos que estão em pequenas empresas aqui da cidade. Então a gente vê
como é bastante grande, então se a gente está dando a possibilidade de um
cara seguir uma carreira acadêmica, seguir uma carreira profissional, seja
dando continuidade ao negócio que a família já tem, seguindo a carreira
pública, eu acho que a gente está de uma forma sim, dando todas as
ferramentas, não para a gente formar os alunos, mas para eles se formarem.
Porque a gente cobra tanto hoje a autonomia do aluno, mas o professor que o
professor não deve formar o aluno, o aluno deve se formar e ele ter essa
autonomia de seguir a carreira e a vida que ele achar que é interessante para
ele, buscar e alcançar os objetivos que ele achar que é interessante. Essas
213
possibilidades eu acredito que o IF tem dado para os alunos. A gente tem
colocado várias possibilidades na frente deles, e eles com a autonomia deles
vão decidir o caminho que querem seguir. E isso é o mais importante talvez
numa escola. E já abrindo um parêntese com relação ao que o P10 falou, eu
estava em um evento em Campinas em maio, o DevCamp que é a maior
Conferência de Desenvolvimento de Software do interior de São Paulo e eles
reservaram um auditório só para falar do ser humano nesse processo. E uma
dessas palestras foi de um cara que trabalha na LOCALWEB e ele falou
justamente isso aí, até pouco tempo atrás era todo mundo especialista, o cara
fazia uma parte, passava para o outro que fazia outra, que passava para o
cara que ia testar e se desse errado voltava de novo. E hoje ele está falando
do desenvolvedor que é flextek, que tem uma noção de tudo, mas ele
continua exercendo aquela função de especialista. Por exemplo, o P3 vai
fazer alguma coisa e vai me passar, eu não vou saber só mexer naquela
parte que é minha responsabilidade, eu vou saber o que ele fez e eu tenho
um poder crítico de ter essa troca de experiências entre um e outro. Isso é
uma tendência que está acontecendo, principalmente na nossa área.
P8-
1- Eu me senti literalmente dentro de numa linha de produção e percebi que o
negócio é que quanto mais produzir e quando eu analiso o que fizemos, não
foi um trabalho tão bem feito, cada um fez uma parte e quanto mais se produz
mais imperfeito vai saindo.
2- Xxx
3- Eu sempre lembro quando estava aprendendo titulação (na faculdade) e o
professor falava: vocês estão aqui fazendo titulação, então a gente faz e
ensina da maneira certa, mas se vocês forem para uma indústria, ao chegar
lá, as coisas são diferentes. Os procedimentos não serão idênticos ao que
estão aprendendo aqui. Pode ter equipamentos mais sofisticados que
mudarão um pouco o processo. Em outros lugares, é tudo automático, mas
mesmo a gente fazendo do método mais primitivo, a gente é capaz de pensar
214
o que a gente está fazendo, uma vez que a técnica lá, querendo ou não,
embora os aparelhos sejam diferentes, a técnica é a mesma e se alguma
coisa dá errado, a gente sabe pensar em como corrigir. Então acho que isso é
o principal, apesar de os métodos aplicados serem diferentes, a teoria
aplicada é a mesma. A gente dá a faca e o queijo e eles têm que aprender a
cortar.
P9-
1- Xxxxx
2- Xxxxxx
3- Hoje eu estava no médico e ele comentou sobre essas questões de
formação, e ele questionou se é melhor um engenheiro mecânico que é
instruído por engenheiros mecânicos que estão na indústria, ou um
engenheiro mecânico que é ensinado por doutores. Eu vejo o IF com um
corpo docente de doutores e mestres muitas vezes “despreparados” para
atuar nos cursos técnicos. Porque nós não estamos efetivamente diante de
um emprego na indústria ou dentro de um laboratório. Mas eu ainda acho que
essa questão de trabalhar na extensão, no estágio, essa questão do núcleo
básico comum, quando mistura tudo, que é uma coisa muito particular do IF,
ela é muito rica para a gente aprender a trabalhar, mesmo que, com muitos
doutores e mestres, a formar esse cidadão crítico e com autonomia. Porque
essas várias reuniões, essa vontade de entender o que é o IF hoje, faz com
que a gente fale muito, debata muito e a gente começa a perceber que o
cidadão é esse cara que às vezes implica, às vezes questiona, e que muitas
vezes ele aprende, nem que seja com um trabalho manual como um projeto
de extensão e ele aprende que na hora que não tiver dinheiro ele sabe que
pode fazer uma coisa assim, que é um trabalho, diferente do que ele se
formou, e assim eu ainda acho que ele forma um cidadão mais completo.
Essa mescla que virou o IF tem a capacidade de formar um cidadão ainda
mais completo do que, por exemplo, uma escola técnica faz.
215
Acho muito interessante a pedagogia por projetos, porque quando você joga
um projeto, você faz o aluno perceber a resolução de um problema. E ele se
envolve, vai atrás de uma teoria até onde ele precisar, para resolver aquele
problema específico. A gente já está fazendo alguma coisa assim e por isso
que eu acho que isso é muito interessante para juntar. Se ele tiver esse
treinamento ele tem muito mais chance de dar certo no mercado de trabalho.
Eu prefiro trabalhar com a realidade, eu falo para o meu aluno “manda quem
pode, obedece quem tem juízo” e você faz os teus planos. Se você quer ficar
dois anos em uma determinada situação, você faz o teu plano e as
dificuldades você tem que aguentar. Porque daqui a três anos você pode
estar em outro lugar. Então acho que essas dificuldades que a gene também
enfrenta, eles também precisam enfrentar, porque uma hora ele vai ter que
aprender a “engolir sapos”.
P10-
1- A dinâmica me fez refletir bastante no sentido da produção em massa, da
linha de montagem, me lembrou o modelo taylorista/fordista de se trabalhar
onde se valorizava a especialização do trabalhador em uma determinada área
em que ele se capacitava para “apertar a roda do interior direito do automóvel
e ele fazia isso a sua vida toda. E com isso foi criando a figura do
profissional especialista que você acabava tendo o produto final, no nosso
caso do chapéu. Uma política voltada para a produtividade e por questões
quantitativas apenas.
2- Xxxxxxx
3- Para mim é um pouco difícil falar sobre o Campus XXXX, porque estou aqui a
pouco tempo e ainda estou assimilando essa cultura e essa filosofia com
relação aplicada aqui. Mas vou comentar sobre o que eu vejo nesse sentido.
Questões técnicas, muito se vê sobre a preparação para formar um
especialista. Nós temos escolas preocupadas em formar esses especialistas
e inserí-lo no mercado de trabalho, alienado, que só vai saber fazer aquilo,
que não tem uma visão holística do que é uma organização, do que é uma
216
empresa, do que é uma sociedade, ou nós ficamos preocupados em formar
esse cidadão generalista que conhece um pouco de tudo, que domina muitas
das áreas do conhecimento e vai depender dele como ele vai interpretar lá
fora e como ele vai aplicar isso lá fora. Eu acho que as duas são perigosas,
no seguinte sentido: você vai formar um aluno generalista, mas ele vai sair
com uma titulação, um título em técnico (no nosso caso em química ou em
informática) aí ele vai chegar lá no mercado e não vai saber fazer uma
titulação ou ele não vai conseguir assimilar aquilo que o professor transmitiu
em sala de aula como conteúdo na prática efetiva de uma empresa. Então
acho que nós temos que tomar muito cuidado porque há uma linha muito
tênue para não formar só o especialista e não formar só o aluno generalista
que sabe um pouco de tudo, mas não faz nada bem feito, mais ou menos a
história do pato que faz um pouco de tudo, ele nada, ele canta, ele anda, mas
é totalmente desengonçado, ele é totalmente generalista, ele sabe um
pouquinho de tudo, mas na essência ele não é o melhor naquilo que ele faz.
Então acredito que o ensino deve partir de uma forma que ele consiga
conjugar essas duas situações, que tenha essa formação geral/ holística, mas
que eu forme também um especialista naquilo que ele buscou. Nós temos
duas especialidades assim como em outras instituições existem outras. E nós
devemos buscar essa integração entre as duas.
TRANSCRIÇÃO DO ENCONTRO 3 DIA 16 DE AGOSTO DE 2016
OBJETIVOS: Avaliar alguns documentos que orientam a educação profissional
nos cursos técnicos integrados ao ensino médio
O encontro iniciou- se com o agradecimento da presença de todos e com a chamada
oral. Em seguida foram apresentados alguns documentos que orientam e EPTNM e
discutido com os participantes.
Questão 1: Foi apresentado um comparativo do que o primeiro decreto que deu
origem do IFSP em 1909 com a lei de criação do IFSP em 2008. Houve mudanças?
O que mudou? Para quem era e para quem é essa educação? Qual era o propósito
antes e qual é hoje?
217
Questão 2: Análise e reflexões acerca do documento: Concepção e Diretrizes do
Instituto Federal.
Questão 3: Após leitura do artigo 5 da resolução nº06 de 2012, que trata da
finalidade dos cursos de EPTNM, da formação integral pergunta-se: Como
efetivamos essas propostas na prática? Citar exemplos.
P1-
1- Xxxx
2- Xxx
3- xxxx
P2-
1- Há uma grande diferença sim, parece que primeira via como função da escola
tirar vagabundos da rua e coloca-los para trabalhar. Na criação do IF pode ver
que a visão já é outra, da emancipação do cidadão. Não sei se é tão ruim ter
crianças com diferentes classes porque aí elas reconhecem outras situações
que não só aquela da escola de elite e conhece outras realidades. E acho que
a principal relação aqui não é a formação para o emprego, para empresa,
para a indústria e sim a emancipação do cidadão no desenvolvimento da
região. Não que seja um desenvolvimento industrial ou algo parecido, mas o
desenvolvimento com o conhecimento gerado.
2- Xxxx
3- A mudança da prática também é muito importante há três anos estávamos
reclamando dos alunos usando celular em sala de aula e hoje não incomoda
mais, na verdade até ajuda, às vezes eles fazem a pesquisa durante a aula.
Há uma descrença de que fora das apostilas não funcionam, mas nós
podemos provar que funciona.
P3-
218
1- O primeiro fala da questão dos desvalidos da sorte e aí o atual deixa bem
claro a perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional, da
geração do trabalho e renda que não restringe e fala da educação que é para
todos, é aberta para todos. No senário atual no nosso campus se formos
fazer uma análise socioeconômica dos nossos alunos, você vai ver que tem
aquele com necessidade dentro de casa, aqueles que os pais ganham para
sobreviver e aqueles afortunados que mandam na cidade. Ai que eu vejo uma
incoerência, dado ao propósito inicial dos desvalidos da sorte e também
daqueles que vem buscar uma educação de qualidade. No entanto eu vejo
que os pais não estão muito preocupados com a educação de qualidade, mas
sim para deixar de pagar uma escola particular para trocar de carro, para
viajar e outras situações. Muitas vezes, tirando a vaga de um desvalido de
sorte. Eu vejo que a gente tem a lei de cotas que auxilia muito em respeito a
essas questões, senão nós seriamos uma escola pública privada. Eu vejo que
devia analisar e pensar um pouco no que a gente pode fazer, porque muitas
vezes a gente fica com o pé no freio pensando se dentro das questões que a
gente está realizando a gente está procurando o desenvolvimento regional?
Será que muitas dessas ações que a gente quer realizar vem da visão do
aluno de querer mudar. Será que de certa forma a gente não deixa de fazer o
que é previsto na legislação?
2- xxxxx
3- A reitoria não dá liberdade para o campus inovar nos PPCs dos cursos, que
acabam limitando as possibilidades de inovação e criando uma falsa
autonomia. Estudando na especialização da EJA eu li a seguinte frase: Para
você ensinar mandarim para João, primeiro você tem que conhecer João e
também conhecer o mandarim. Então primeiro eu preciso conhecer quem é o
meu aluno, quais são suas necessidades, o que ele precisa, de onde ele vem,
quais são suas perspectivas, estimular ele em relação a busca, para depois
ensinar aquilo que eu sei um pouco. É esse estímulo que faz parte de nós
educadores.
A visão que muitas vezes a gente tinha na questão do integrado, é um filho
que nós trabalhamos e colocamos. Eu vejo que em algumas discussões,
219
alguns têm a visão de formar o aluno para passar nas melhores
universidades, sendo que muitas vezes, a nossa percepção é formar aquele
aluno para superar as dificuldades encontradas lá fora e que leve uma
bagagem profissional. Então agora é que está começando a encaixar, que é
fomento regional. Não é mandar grandes cérebros para a USP, a gente pode
reter esses grandes cérebros aqui na nossa escola. Estamos no segundo ano
do integrado (nosso) e parece que agora é que essa engrenagem começou a
girar e a gente tá num pensamento coletivo. Porque nas perspectivas
anteriores, nas reuniões anteriores a ideia era formar o melhor aluno para ele
ir para fora, isso é errado! Nós não somos instituição privada, não precisamos
vender o nosso produto. O nosso produto a gente tem vender por aqui e
trazer para atender o arranjo local e regional. Eu vejo que o propósito nosso
hoje está encaixando, a gente está formando o aluno para o mundo.
Independente se ele vai querer ir para a instituição A ou B, se ele vai quer
ficar aqui, se ele vai querer entrar no mercado de trabalho, devemos dar
autonomia para que ele possa fazer o que ele desejar. Mas eu vejo que a
gente tem racha, tem visões diferentes, e isso é saudável, agora o que eu
tenho é que respeitar. Como exemplo, se eu não concordo com a visão da
colega, eu devo respeitar.
É um privilégio que nós temos aqui no IF é essa possibilidade de discutir, a
outra é o privilégio de sermos selecionados para participar desses encontros
que nós estamos tendo no grupo focal e trazer para esse ambiente de
discussão que é muito rico não só para o seu trabalho, mas para nós
também. Faz a gente pensar e repensar ver o ponto de cada um, ver o que
nós temos de comum, o que nós temos e incomum e aí é pensar as nossas
práticas.
Nesse momento o professor faz uma indagação sobre a preocupação com a
educação que os alunos recebem antes de ingressar no IF e como
poderíamos ajuda-los. Faz uma crítica sobre o uso de apostilas que
engessam o trabalho docente e critica a política do município que vê nessa
questão das apostilas uma possibilidade de lucro. Além disso, faz a crítica ao
220
não incentivo à qualificação profissional/formação continuada dos professores
na rede municipal.
P4-
1- É evidente a diferença em que em 1909 a formação estava voltada para uma
capacitação mais técnica como uma alternativa a violência e em 2008 a
formação estava mais voltada para a construção de um cidadão como uma
alternativa a atual realidade socioeconômica. Fica evidente atualmente, pelo
menos na documentação, que a instituição tem como objetivo formar
cidadãos. Então é necessário que não haja privilégio, seja de uma formação
de outra. Se a parte técnica precisa ser sólida, ela precisa estar permeada de
uma reflexão humana. Para que e para quem a formação técnica vai ocorrer?
2- Xxx
3- Eu tenho observado, fazendo uma reflexão sobre a minha atuação que eu
tenho tentado fazer exatamente isso, de maneira individual há mais tempo.
Dentro das disciplinas que eu ministrava ou ministro, desenvolver a parte
técnica, a parte cultural, a parte social. Por exemplo: na química trabalhando
modelos atômicos, além de trabalhar o conceito de modelos atômicos, discutir
um pouco a vivência desses cientistas, então fazendo uma abordagem
histórica, relacionando com a nossa realidade. A partir de certo momento eu
percebi que existe a possibilidade de fazer essa discussão holística não só
individual, mas coletiva, aliás, preferencialmente coletiva envolvendo outros
colegas. O resultado é muito melhor porque se outros professores, com
conhecimentos diferentes trabalham em conjunto, vai fortalecer o que eu
tenho feito. Outra importância que eu vejo é que quando dois, três, quatro
professores trabalham em cima de um determinado tema, há uma sinergia, o
resultado é melhor que se os quatro professores estivessem trabalhando
individualmente. Mas confesso que isso é novo, por causa da minha origem,
da minha formação inicial e dos lugares onde eu iniciei minha carreira. Daí
surge a importância da formação continuada, de reflexões como desse grupo,
mesmo que voltado para o meio acadêmico, mas esse espaço possibilita
221
essa reflexão. E aí a gente vai tomando consciência de que trabalhar
coletivamente é melhor e mais gostoso, embora seja desafiador.
Eu penso que nós temos efetivado de forma reflexiva e crítica. É constante
nos debates entre os professores, trocas de ideias e embates de concepções
de escola e eu vejo esses embates, desde que sejam respeitosos, de forma
positiva porque significa que a atuação está sendo refletida.
P5- (ausência justificada)
P6-
1- Eu acho que fala muito para gente o que é o IF aquele documento de
concepções e diretrizes do IF. A gente precisaria lê-lo com bastante cuidado,
a gente leu numa situação da formação continuada e ele é muito interessante.
O IF que tem mais de um século assume essa posição de governo, ele é uma
política de governo. Acho que a própria dificuldade do P3 de pensar ela
também está relacionada com esse momento de crise. Assim que assumi
aqui comecei a entender essa dinâmica transformadora, rica, porque os
nossos alunos de nível médio tem a oportunidade de formação que os alunos
do ensino superior das instituições públicas têm no Brasil. Nós temos uma
carga horária exclusiva, jornada de aulas diminuta; uma possibilidade de fazer
ensino, pesquisa e extensão que impacta diretamente na formação geral
desse aluno. Só que a gente está assombrada com ameaças de mudanças
nessa realidade. Eu acho que nesse final de ano a gente vai ter oportunidade
de perceber se esse projeto vai permanecer ou se ele vai sofrer uma ruptura
profunda porque vou deixar registrado que a instituição precisa ser analisada
dentro do contexto em que há uma situação de impedimento do governo
federal, da presidenta da república, em que assume em presidente interino
que não é simpático a esse projeto. E as medidas que vem sendo tomadas
indicam que a gente terá nivelamento com as políticas anteriores, seja no
formato de maior número de aulas, seja nos cortes. A gente teve essa
semana a notícia do corte nas bolsas de pesquisa do CNPQ para os IFs, e
isso tudo gera impacto na nossa previsão. Como a gente vai atuar? Estamos
222
chegando no momento de fazer um diagnóstico da realidade do município, de
fazer pesquisas na região. Eu queria deixar registrado na pesquisa essa
consciência de que o que está em sala de aula não está desconectado do
mundo, do que acontece no contexto global. E esse documento que a gente
não sabe se vai permanecer como documento norteador das políticas
públicas para os IFs deixa claro que a finalidade dessas instituições é de fato
promover um fomento regional que venha das próprias necessidades locais.
Acho que ele tem um viés da escola como redentora das situações, dos
alunos e a escola sozinha não vai promover redenção nenhuma. Mas acho
que é mais interessante do que a gente ter os modelos como SESI e SENAI.
2- Esse documento tende a se tornar velho dentro do próprio IF tem grupos de
discussão e a gente vê que ele não é um documento muito apreciado por
muita gente que está na parte mais política e administrativa. Ele fala em
promoção de equidade, como é que você consegue equidade? Equidade é
você partir do princípio de que as pessoas têm diferentes posições na
sociedade e cabe ao Estado promover condições de equiparação mínima
para que todos possam concorrer a partir de certo patamar, que é a justiça
social. Isso também já está velho, com corte de bolsas, Assistência Estudantil
teve um corte grande e essa reedição de que a educação é um privilégio. Por
isso que eu gosto desse documento, acho que ele em si traz uma concepção
de princípios para o professor em sala de aula que é muito importante
também. Se a gente pensar que a educação é um privilégio, a gente precisa
olhar para as diferenças econômicas dos nossos alunos como uma dimensão
cognitiva. E a P9 faz muito isso, por estar na extensão, e vê a educação no
sentido profissionalizado, com o seu artesanato, com o seu cuidado, com
aquele aluno que tem uma história de vida de maior carência que entra
porque a concorrência aqui ainda é baixa. Ele entra com uma defasagem
intelectual muito grande que não é necessariamente cognitiva. E a gente tem
uma jornada de trabalho que permite a gente trabalhar o tempo todo no
corredor. Não é só bolsa de assistência estudantil que vai garantir isso, é a
“bolsa” da nossa dedicação, o nosso tempo com o aluno também. E nesse
documento a questão do vestibular não está colocada, o acesso às
223
universidades é uma consequência e eu acho que os nossos alunos terão
condições, até o mais pobrezinho aqui do São João (bairro marginalizado
pela cidade), de entrar em uma boa universidade.
3- Queria lembrar que nós temos a organização didática, e isso faz muita
diferença, a gente tem o tempo para fazer essa pesquisa. Quando eu
trabalhava nas escolas particulares e do estado eu tinha que seguir aquele
caderninho achando que ele era o máximo. A nossa pedagogia hoje é focada
no aluno e não mais no professor.
Sobre a crítica levantada pelo P3 sobre o uso das apostilas, a professora
pontua: eu vejo que com as nossas licenciaturas a gente forma professores
com uma formação mais crítica em que vão reivindicar que os conselhos
municipais da educação sejam de fato conselho, da gestão do FUNDEB.
Pensamos a ciência e arte como uma coisa sem fronteira, a técnica e a ética
como dimensões que não tem fronteira. “Manda quem pode e obedece quem
tem juízo” sim, mas qual é o limite? Essa ideia de compartilhar e de planejar a
gente tem feito aqui, com o pé no chão.
P7- (ausência justificada)
P8-
1- xxxx
2- xxxxx
3- xxxx
P9-
1- xxxx
2- xxxx
3- Essa questão de fomentar a economia local eu acho que é válida a gente
valorizar a cultura local, valorizar o interior, mas também se o aluno quiser ir
para Harvard ou para UNICAMP, ele possa ir. Que eles reconheçam e
tenham orgulho de suas raízes.
224
Acho que passa um pouco pelas reuniões mesmo, seja num grupo como
esse, ou seja, na questão das nossas reuniões de quarta. Porque o mais rico
nessa troca além de trabalhar com projetos em comum, é essa troca de
experiências e vivências que a gente tem tido tempo para discutir. Na maioria
das vezes, com base nessas conversas eu implementado coisas que eu faço
em sala de aula. Tento trazer assuntos que são do interesse dos próprios
alunos, eles me ajudam a pesquisar. Para você despertar o interesse do
aluno você tem que saber o que interessa ao aluno. Que seja o celular como
ferramenta. Eu vejo os nossos alunos muito criativos.
Eu tento sempre fazer um link da teoria com a prática e dos relacionamentos
interpessoais e da postura como futuros profissionais. Trazendo sempre para
a realidade.
P10-
1- Xxx
2- Xxxx
3- Xxxxx
TRANSCRIÇÃO DO 4º ENCONTRO DIA 23/08
Objetivo:
Discutir sobre a formação continuada e sobre a heterogeneidade de
professores que trabalham nos cursos técnicos integrados ao ensino médio
Trazer o que a lei de criação dos IFs determina para atendimento para
contextualizar o início da discussão:
A Lei nº 11.892, 29/12/2008, que cria os Institutos Federais, traz como
atribuição para os IFs a oferta de Educação Profissional Técnica de
Nível Médio, Tecnológica de Nível Superior, Licenciaturas, cursos de
Formação Inicial, Continuada e de cursos para jovens e adultos
(PROEJA) além de poderem também oferecer cursos de bacharelado,
engenharias, e cursos de pós-graduação Lato Sensu e Stricto Sensu.
225
Essa diversidade exige dos professores ter competências para atuar
nas diferentes áreas do conhecimento podendo transitar desde os
cursos de Nível Médio até os cursos de Pós-Graduação, já que não há
separação entre os professores dentro do IF. E segundo Carvalho e
Souza (2014, p. 888) “Esta complexidade na oferta de educação
profissional e tecnológica, abrangendo níveis e modalidades distintos,
não veio acompanhada de políticas de formação docente”.
Questão 1: No primeiro encontro todos concordaram que não tiveram formação
inicial para trabalhar com a educação profissional. Após o ingresso de vocês no IF,
houve cursos/encontros/capacitação no IF de formação continuada? Se houve,
quando e com qual propósito específico foi?
A título de informação para as duas perguntas seguintes:
Segundo a Resolução Nº 6 de 2012 que Define Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Profissional, no que se refere à formação
docente para atuar nesta modalidade de educação, em seu Art. 40
trata: “A formação inicial para a docência na Educação Profissional
Técnica de Nível Médio realizar-se em cursos de graduação e
programas de licenciatura ou outras formas (...)”. Ainda nesse artigo o
parágrafo 2º, aponta que para aqueles professores não licenciados, “é
assegurado o direito de participar ou ter reconhecido seus saberes
profissionais em processos destinados à formação pedagógica ou à
cerificação da experiência docente”, podendo ser equivalente às
licenciaturas excepcionalmente cursos de pós- graduação lato sensu
que abarque formação pedagógica; excepcionalmente para os
professores que tenham mais de 10 anos de experiência docente como
forma de reconhecimento dos seus saberes; e na obtenção de uma
segunda licenciatura, mesmo que esta não seja a que o professor foi
aprovado em concurso para lecionar.
226
Questão 2: O que vocês pensam a respeito dessa diversidade de cursos que um
mesmo professor deve atender (médio, tecnólogo, licenciatura, cursos de pós-
graduação Lato e Stricto sensu, além dos cursos de Formação Inicial e Continuada e
PROEJA? Como é para vocês transitar por todas essas modalidades?
Questão 3: Tendo em um mesmo curso (como é o caso do integrado) professores
com diferentes formações engenheiros, tecnólogos, licenciados e bacharéis, como
vocês vêm essa mistura de formações?
P1-
1- Agora nesse semestre teremos o início de um curso ofertado pelo IF, o IFSP
para todos que é um curso com 200 horas a distância sobre educação
inclusiva que já estava sendo preparado há algum tempo e só agora
conseguiram colocar em prática.
2- Xxxx
3- Acredito que para os alunos é bastante enriquecedora essa diversidade, de
poder conhecer diversos profissionais. É diferente, mas considero importante,
bastante significativo.
P2-
1- Pra mim foi um pouco confuso, eu tenho a formação acadêmica e tenho a
formação pedagógica. Mas a formação pedagógica ou é muito teórica ou ela
está focada no E.M. A gente tem uma formação que é totalmente abstrata
para o E.M. Quando eu entrei aqui eu tive muita dificuldade no ensino técnico
de identificar o que era importante para o aluno do ensino médio profissional
aprender. Eu fiz a licenciatura, mas não foca no ensino profissional, foca só
no E.M. Depois de muitas conversas a gente acaba chegando a alguns
acordos, por tentativas e erros, mas não fomos orientados sobre como fazer.
São importantes competências além das específicas, de trabalhar em grupo e
outras que você não encontra na teoria.
Aqui nós temos essas discussões, mas eu fico pensando nos outros câmpus
que não têm esses momentos.
227
Uma coisa interessante na reformulação da licenciatura é que foi incluída a
disciplina de educação profissional no curso de todas as licenciaturas do IF.
2- O ensino médio é sempre um desafio diário que a gente aprende muito, dei
aula no PRONATEC e foi muito bom para mim, enquanto outro professor não
se deu bem nesse curso. Mas é sempre um desafio.
3- Com essa diversidade, por mais que tenha diferenças nas ideias, de
ideologias sobre a educação, talvez seja algo que enriquece também.
Diferentes metodologias, flexibilidade, com o plano de ensino construído por
nós, sem ter que trabalhar com as apostilas que tem dado certo.
P3-
1- Existia uma política de capacitação/complementação pedagógica na política
do IF, mas quando eu entrei já não existia mais. Eu e o P7l tivemos que fazer
essa complementação por conta própria. Hoje voltou a oferecer em uma
parceria do IF com outras instituições. O IF cresceu de forma descontrolada,
então a gente precisa de uma boa conversa para ajudar a resolver essa
situação e equalizar o nosso trabalho, não necessariamente de uma
capacitação.
2- É rico e a gente consegue explorar isso aí. Nós aprendemos muito com a
experiência de vida de com os outros. Sobre essa transitação, são
professores muito diferentes em cursos muitos diferentes. É importante a
gente verificar onde o professor melhor se encaixa, acho que deveria ter
professor por curso, separando quem serão os professores do técnico, do
superior, da licenciatura.
P4-
1- Mais recentemente, em alguns encontros realizados pela PRE tem discutido,
o objetivo central não é discutir especificamente a EPT, mas os assuntos
permeiam bastante esse tema. Um exemplo é o CONEPT que é discutido
bastante sobre isso. Nesse sentido, nos preocupa bastante o fato de sermos
surpreendidos hoje pelo cancelamento do CONEPT por falta de verba que é
consequência do ajuste fiscal. Seria a segunda edição e quase não tem esse
tipo de política, e a recente política está deixando de existir. Parece que há
228
uma demanda para essa capacitação na parte inclusiva ou na educação
profissional. No caso do curso a distância do IFSP PARA TODOS o número
de candidato excedeu 3 vezes o número de vagas mostrando uma demanda
reprimida. Considerando que também deve haver uma demanda reprimida na
capacitação para a formação para a educação profissional e tecnológica.
2- A diversidade dos cursos exige a diversidade de diferentes profissionais, eu
sento ao lado de uma pedagoga e educadora física e de um engenheiro,
nessa mesma sala tem um colega formado em linguística, outro da
computação. Essa peculiaridade do IF contribui para a formação de um
professor com características que o IF precisa para atuar nas diferentes
áreas. Um fato que potencializa isso é a situação de que não há uma divisão
institucional da localização de onde o professor vai ficar de acordo com a sua
formação. Diferentemente das universidades que são divididas em
departamentos. Mesmo o departamento de química é subdividido em outras
áreas como o departamento da química inorgânica, orgânica e assim por
diante. Essa diversidade se por um lado possibilita a formação dos
professores de modo que eles sejam melhores professores, por outro lado
apresenta um dificultador porque é preciso estar atendo para as
peculiaridades, para todas as modalidades de cursos. É uma instituição
diferente e quando se coloca tudo isso na balança é positivo porque se o
professor conseguir administrar essas características e conseguir ir
incorporando um pouco do que cada colega tem para oferecer isso vai
contribuir para a formação de profissionais diferenciados.
3- Essa diversidade múltipla exige uma competência para a atuação. Como a
formação e a filosofia de vida é muito diferente no grupo, existe a
necessidade de uma competência para administrar essa diversidade,
administrar e respeitar os posicionamentos dos demais colegas. Essa
característica, além de contribuir para sermos profissionais melhores,
contribui para sermos pessoas melhores. Eu percebo que a gente pode
passar a ser menos preconceituoso. É bom!
P5-
229
1- Percebo que há a ausência da formação e quando ela acontece é de modo
precário. Que acaba fazendo com que o profissional passe por mais tempo
desenvolvendo essas habilidades na prática, no dia a dia. Eu ressalto a
importância da formação continuada para conseguir fazer transposição do
conhecimento científico. Que é o perfil do professor polivalente para funcionar
bem em todas as áreas.
2- Completando o que o p10 falou sobre os editais do IF. O edital de 2014
valorizou a titulação, o de 2015 valorizou mais a experiência profissional. É
interessante definir o perfil e acho quando a gente trabalha com o que
realmente gosta o trabalho fica diferenciado.
3- É interessante e rico esse processo, eu tenho visto que os professores aqui
são muito envolvidos e que aquele que tem mais habilidade de trabalhar com
a prática, trabalha com ela, quem gosta mais da parte teórica vai trabalhar
mais nessa parte. Essa riqueza de possiblidades é interessante, quanto mais
diversidade melhor. Nós saímos de institutos que atuavam de maneiras
isoladas e a nossa prática de sala de aula, muitas vezes é reprodução da
nossa formação engessada. Ter essa liberdade de experimentar essas
maneiras diferentes é às vezes angustiante mesmo. Os alunos precisam de
mais ou menos seis meses para se adaptar a nossa forma diferenciada de
educação.
P6- (ausência justificada)
P7-
1- Como não tem essa política de capacitação, felizmente temos um grupo que
desafio imposto é desfio a ser cumprido, que busca se esforçar e cumprir.
Acho que quando a gente ensina para os alunos até aquilo que eles não
querem ser, acho que estamos fazendo o nosso trabalho.
P8-
1- XXX
230
2- Aqui a gente tem a opção de escolher, de acordo com o nosso perfil, em
qual lugar a gente se encaixa. Como nós temos professores diversos, eles
podem se encaixar onde dão mais certo. Mas é a nossa realidade por
causa da nossa conversa, não sei se isso acontece nos outros campi.
3- Acho que às vezes os alunos não percebem, por imaturidade mesmo e
com o tempo vão assimilando que são professores com formações
diferentes e cada um vai dando uma visão diferente.
P9-
1- Desde que entrei não tive nenhum tipo de curso de capacitação oferecido
pelo IF. Somente aqui no câmpus, nós temos nos organizado para fazer
grupos de discussões.
Em conversas que eu tive com as empresas eu percebi que além da
formação técnica, eles prezam pelo profissional que tem iniciativa,
proatividade.
2- É importante ver onde o professor se encaixa, mas eu já dei aula em
praticamente todos os níveis de curso e eu vejo que são públicos diferentes e
que devemos trabalhar de maneiras diferentes e é um desafio grande, mas é
enriquecedor e prazeroso.
3- Eu vejo que é um ganho para o professor e para os alunos, essa abertura é
uma riqueza que além de diferente é enriquecedora. Na outra universidade
que eu trabalhava, chamavam esses professores de Frankenstein, mas acho
que aqui está mais para super- homem e mulher maravilha. E a formação do
aluno vai ser pluridisciplinar mesmo até contribuindo para sua criticidade, para
sua formação política.
P10-
1- Para mim que venho da indústria e ensino privado, por mais que eu concorde
com esse déficit e doe que IF precisa oferecer mais capacitação para os
professores, gostaria de destacar que no IF em nosso plano de trabalho, há
espaço para nossa auto- capacitação e formação contínua. Foi com grande
satisfação que eu recebi essa notícia de ter essa possibilidade. O IF se
231
preocupa com isso e fornece espaços, dentro da nossa carga horária de
trabalho para isso.
2- Eu vejo inicialmente que é a questão da seleção pelo concurso público, ele
não está preocupado em fazer essa separação entre os professores e não se
preocupa com as questões técnicas ou pedagógicas como melhor formação
em nível de mestrado ou doutorado. Pois no concurso ter ou não esse além
da formação mínima não é um limitador para ingressar ou não no IF é apenas
atribuído pontuação a mais na prova de títulos. O que se preocupa é com a
exigência mínima e o que você tem além é apenas para complementar. Vejo
como positivo ter vários professores diferentes atuando em um mesmo curso,
porque isso oferece aos alunos a oportunidade de ter uma visão de mundo
diferente. Eu chego à conclusão de que professores precisam ser super-
homens e professoras precisam ser mulheres- maravilhas porque nós temos
que ter a formação acadêmica, a complementação e formação pedagógica e
da experiência profissional fora da área acadêmica, na indústria, nas
empresas e nós não conseguimos fazer essa seleção. Esse professor não vai
vir pronto e tem que se oferecer meios para esse profissional se desenvolver.
Eu me arrisco a dizer, se você encontrar um profissional desse com todas
essas competências ele não vai estar disponível. Então a formação
continuada deve existir sempre, porque a teoria sempre muda e ele precisa
estar antenado a isso, sempre haverá práticas e metodologias inovadoras,
principalmente em relação as TICs, e ele precisa estar antenado naquilo que
está acontecendo também fora da academia seja nas indústrias ou nos
comércios.
P11- (primeira participação)
1- Acho que o IF tem uma memória fantástica e uma memória totalmente técnica
e essa memória tem passado com o tempo. E quem já entra nos novos campi
não resgata essa memória. Nós estamos construindo uma memória nova da
nossa escola e vai depender muito do que a gente está fazendo ou vai fazer
para as outras gerações entendenderem que a gente está se aprimorando,
está tentando.
232
2- Eu gosto da ideia. Aqui a gente consegue realocar o professor de acordo com
as modalidades que ele tem um perfil melhor para trabalhar.
3- Xxxx
4.1. Eu gostaria de pensar em outro ponto que é a capacidade de se
comunicar com o aluno, isso me parece muito técnico, falta a parte
humanística que eu acho importantíssima na educação, é o amor a profissão
e aos seres humanos mesmo, o respeito ao outro ser que está ali, naquele
momento tentando aprender, empatia pelo outro. Os professores que eu me
lembro, são mestres que eu tinha muita empatia, seja em qualquer
modalidade de educação.
TRANSCRIÇÃO DO 5º ENCONTRO DIA 30/08
Objetivo:
Discutir e refletir sobre as competências necessárias para o professor da
EPTNM
Apresentar as figuras de Hehem para ser avaliado e discutido pelos professores
disponível em ppt ou http://docplayer.com.br/11654487-Cleunice-rehem-mestre-em-
educacao-assessora-mec-seres.html
Como vocês avaliam as figuras abaixo? Concordam com essas propostas?
Mudariam alguma coisa?
Avaliação 1: Eixos de competências para o professor da EPTNM (pirâmide)
Avaliação 2: As cinco competências que Rehem atribui ao professor da EPTNM e a
interrelação entre elas.
Avaliação 3: Para ser um bom professor da EPTNM é preciso trabalhar/ investir de
forma igualitária na formação inicial e na formação continuada.
P1-
233
1- xxxx
2.- Acho que elas contemplam, mas o que preocupa é que elas estão
fragmentadas. Nos cursos de hoje essas competências estão mais integradas do
que antes.
3- xxxx
P2-
1. Tradicionalmente estão muito separados esses três eixos, pelo menos dentro
da nossa formação. Nós tentamos, na nossa licenciatura fazer essa integração. A
partir do momento que você usa outra figura para fazer a junção desses temas,
diminuiria a impressão de fragmentação entre os eixos.
2. Eu acho que é muito pouco, acho que o professor é formado de forma
globalmente. Acredito que essas entrariam. Se você pegar cada ponto
desses seria um livro, e tem várias teorias sobre cada um deles. São muito mais
do que cinco, e, enumerar e dizer que são apenas as cinco para ser um bom
profissional... se fosse por exemplo uma interpretação de uma lei, ok, mas temos
as nossas características e interpretações. Acho perigoso também alguém utilizar
esse gráfico para falar que precisamos aprender apenas isso para formar o
professor da educação profissional, pegando como cartilha como base para o
professor porque é muito mais amplo.
3- xxxx
P3-
1- xxxx
2. Na questão do integrado isso é mais aflorado, tem todo aquele lado paternal,
maternal, toda ação de medir muito o que e como você vai discutir com os
alunos. É um momento propício para discutir as questões de valor, de ética e de
profissionalismo e o bacana da autora é que ele fez uma ligação entre as
competências que estão totalmente interligadas. Mas eu vejo que vai além. A
234
educação tem que ter como propósito preparar a pessoa para o todo e não
especificamente para o mercado.
Nosso objetivo, no caso da informática é ensinar o aluno a lógica, ensinar a
pensar, ele construir o pensamento e aplicar as técnicas de programação. Não a
aprender uma linguagem de programação, até porque muda muito. Se você
trabalhar a base do conhecimento para programação, ele vai conseguir
desenvolver.
3.- A realidade da maioria dos professores no Brasil, o ganha pão dele é a aula,
então ele vai correr somente atrás de aula porque é o ganha pão da família. O
piso nacional no Brasil é uma vergonha e tendo que correr atrás de mais aula e
mais aula, que dinheiro vai sobrar para ele investir na formação continuada? A
qualificação vai ficando para depois. Isso interfere até no nosso trabalho porque
quando a gente recebe os alunos vindos das outras escolas, há um abismo entre
como o aluno vem e como nós esperamos esse aluno. Então a gente ao invés de
fazer o trabalho proposto, precisa antes retomar e trabalhar os conhecimentos
mínimos que ele já deveriam vir sabendo e nós passamos praticamente o
primeiro bimestre tentando fazer esse nivelamento.
P4-
1- xxxx
2.- Essas afirmações que têm sido feitas eu entendo que estão se encaixando
em uma das cinco competências apresentadas pela autora. De tão amplas,
esses reflexões que estamos fazendo estão se encaixando nessas
competências. O fato das setas interligando me faz pensar na interrelação entre
elas. Entendo que estamos propondo uma nova competência que estaria
relacionada que seria o poder de ter uma visão holística de todas as
competências apresentadas. Mas seria uma sexta competência. São muito
amplas essas competências e toda vez que eu penso tudo está contemplado
dentro delas.
235
3.- Eu compartilho da ideia da autora e faço uma ralação com o IF, eu vejo que o
projeto do IF está alinhado a essa proposta de ter a grande possibilidade de fazer
uma formação continuada, inclusive recebendo. E aliado a isso, existe uma
preocupação que foi relatada na ultima reunião geral em que o Waldo comentou
que já se cogitou em uma reunião da SETEC em Brasília de praticamente
transformar os professores dos IFs em dadores de aulas. E isso implica na
inviabilização da formação continuada que hoje acontece dentro da nossa carga
horária de trabalho.
P5-
1- xxxx
2.- O que devemos levar em consideração é a constituição do sujeito professor,
porque tem toda uma motivação, por que escolheu ser professor, etc. É
importante levar em consideração essa construção e essa atuação em sala vem
muito antes dele ser professor.
3.- O que a gente percebe é que nem sempre tem esse direito de ter a formação
inicial e a continuada, acho que a gente faz parte de um grupo muito pequeno no
universo da educação que tem condição de manter o equilíbrio para poder
buscar a formação continuada e ter espaço para pesquisa. Porque se a gente for
pensar, essa formação continuada dificilmente aparece em outras instituições.
Então eu concordo com essa divisão, mas eu só acho que não é a realidade da
educação brasileira.
P6-
1- xxxx
2. A impressão que eu tenho é que essas competências são muito abstratas, da
maneira como ela está pondo é tecnicista também. Como se a gente tivesse em um
papelzinho que dissesse de forma programada como formar o professor. E nessa
abordagem, eu posso estar sendo injusta por não conhecer a autora, precisaria ler.
A impressão que dá é que a competência é uma coisa que vem de fora e a
subjetividade do professor, mesmo com o último item, é um item mais técnico que
236
não compreende a formação do professor ao longo do processo. A gente nunca
termina de modo individual. A gente vai se constituindo de forma dialética. O papel
social da escola é importante, pois se nós não prestarmos atenção, nós estaremos
formando aqui um exercito industrial de reserva de técnicos cuja função para o
mercado é baratear a mão de obra por meio da concorrência para o emprego. Então
eu acho que a competência da gente é fazer esse debate com a sociedade local e
regional também, não só em sala de aula. Com o projeto de desenvolvimento local e
aí nós enfrentamos dispositivo políticos poderosos, porque talvez o interesse do
mercado seja mesmo de formar uma mão de obra maior e mais barata. É uma
competência que a gente tem que ter inclusive psicológica para lidar com esse
ambiente hostil que é o mercado. Como é que eu formo um aluno dizendo seja o
melhor, ultrapasse os demais? É uma violência para o professor e para o aluno.
Minha impressão é que a autora traz isso de uma forma compartimentalizada, e é
mais complexo do que isso. Se eu entendesse de gráficos, sugeriria outra
representação. Acho muito genérico, precisamos aprender também os contextos dos
alunos. Acho que isso deveria estar explicito na competência dos professores. Acho
que é muito mais complexo do que ser portador de uma competência pedagógica
que se encerra no domínio de uma sequencia didática. Eu posso fazer uma
sequencia didática maravilhosa, mas a realidade é muito mais pulsante. O momento
que você permite que o aluno fale você dirige o debate em sala de aula, o momento
de você estancar uma sangria, são questões pesadas. No livro Pedagogia da
autonomia de Paulo Freire, ele apresenta todas essas dimensões, mas acho que ele
coloca de uma dimensão mais completa. Na sociologia nós falamos que o todo é
diferente da soma das partes. Eu tenho todas essas partes, mas se eu somá-las,
não vai dar o todo, que no dia a dia eu mobilizo essas competências. Nessa
proposta parece que desconsidera o que falava Paulo Freire sobre considerar os
saberes do aluno.
3.- Acho que a formação continuada é inerente ao ofício, todas as profissões do
mundo que se caracterizam pela pesquisa contínua. A questão é que diferentemente
da medicina, a carreira é precária, depende da estrutura da carreira, da
remuneração do professor... e o pior que nessa falta de condição a culpa recai sobre
237
o professor. É importante também que o professor busque a formação continuada e
que tenha liberdade na instituição que trabalha para aplicar os conhecimentos
adquiridos, principalmente inovadores. Pois muitas vezes as instituições não dão
espaço para isso.
P7-
1- xxxx
2- xxxxx
3- xxxxx
P8- (ausência justificada)
P9- (ausência justificada)
P10-
1- xxxx
2.- O que eu vejo na figura é uma tentativa da autora de criar um modelo
conceitual teórico, que não é muito diferente de outras áreas como a
administração e a educação. É um modelo teórico e genérico que vai com
poucos pontos tentar resumir ou abranger uma quantidade grande de fatores. Em
todo modelo não é possível acrescentar tudo aquilo que você precisa abordar,
mas eu acredito que ela comtempla bastante. Eu faria o layout diferente,
colocaria em forma de pentágono e essas setas interligando, acho que ficaria
mais claro.
P11-
1- xxxx
2. É interessante não se preocupar em ensinar apenas o conhecimento técnico
porque isso hoje é tudo muito descartável. O importante é ensinar a pensar a
profissão, o trabalho, as relações. Eu acho que o problema está na figura, talvez um
pentagrama expressasse melhor. Mas contempla bastante.
238
Se fosse em uma escola técnica privada teria que ter a sexta competência que seria
a do professor saber jogar o jogo. Porque se você não se adequa ao jogo você está
fora. Aqui é mais leve.
3- Poucos professores têm oportunidade da formação continuada nas outras
instituições, porque além de não terem incentivos na carga horária, ainda precisam
trabalhar em mais de uma instituição para conseguirem uma remuneração mínima e
aí esse cara não tem nenhuma condição ou tempo para investir na formação
continuada. E pior, ele acaba formando outros cidadãos com pouca base. É a
questão de o país querer enfrentar efetivamente esse problema, por enquanto a
gente vai sobrevivendo.
TRANSCRIÇÃO 6º ENCONTRO 06/09/2016- último
Objetivo:
Analisar nosso currículo e as concepções de educação que estão contidas
nele.
O encontro teve início com uma breve explicação sobre o que é o currículo oficial,
currículo oculto e currículo real.
Após uma breve conversa sobre o que é cada um, foi feita uma reflexão com base
na análise dos currículos dos cursos técnicos integrados ao ensino médio oferecidos
pelo campus.
Observação: O nosso Projeto Pedagógico de Curso, antes de ser aprovado passa
por uma rigorosa avaliação da PRE/DEB e de pareceristas externos antes de ser
encaminhado para o Conselho Superior que aprova ou não os cursos. Com base
nessa informação podemos dizer que o nosso currículo atende a legislação e os
documentos institucionais. Certo? Alguém discorda?
239
Questão 1: O que entendemos por currículo?
Questão 2: Esse currículo contempla suas perspectivas de educação para os
cursos Técnicos Integrados ao Nível Médio?
Questão 3: Se vocês pudessem alterar esse currículo agora, o que vocês
mudariam? (não foi possível trabalhar com esta questão)
P1-
1- Xxxx
2- Desde que começamos a implantação do integrado a gente não tinha
flexibilidade e, portanto que foi mudando e cortando até chegar ao que temos
hoje. Eu concordo que o que temos não é o ideal, mas toda vez que tentamos
algo novo não é aceito pela PRE. É no currículo oculto que a gente consegue
trabalhar de forma mais integrada. Se eu tivesse que entrar em uma sala só
para dar aula eu não entraria.
P2-
1- Nós até tentamos quando estávamos construindo os PPCs dos nossos cursos
propor um currículo diferenciado, mas quando enviamos para a PRE eles
cortaram tudo, então o que nós temos é o feijão com arroz.
2- Eu acho que a nossa estrutura é feijão com arroz, é o que tem pra hoje. É
muito complicado formar o aluno com essa estrutura e esperar além disso
deles. Talvez um projeto por temas, por eixos temáticos, de modo a ele
(aluno) resolver os problemas e a buscar ferramentas. Agora se você colocar
tudo isso aqui para ele (aluno), não é garantia de que ele vai aprender. É uma
estrutura que você coloca que dependendo de como vai ser ensinado, não é
uma estrutura ideal. A partir do aluno que a gente quer formar, quais as
disciplinas ou conteúdos que eu deveria trabalhar para desenvolver o meu
aluno. Geralmente os professores pegam o plano de ensino e trabalha o que
está lá muitas vezes sem saber que aluno se quer formar. Quer dar a
disciplina dele, quer ensinar, mas isso não quer dizer que o aluno aprendeu.
Não é uma estrutura que eu acho ideal, embora eu tenha ajudado a elaborar.
Porque temos a flexibilidade para fazer do nosso jeito, mas quando a gente
240
manda para a PRE eles mandam cortar o que é diferente, uma falsa
flexibilidade.
P3-
1- A reitoria não dá liberdade para o câmpus inovar nos PPCs dos cursos, que
acabam limitando as possibilidades de inovação e criando uma falsa
autonomia. A nossa estrutura já vem engessada e a gente tenta reinventar,
mas se a gente não atender, não é aprovado.
2- Para mim esse currículo não é o que eu gostaria, essa proposta é de um
curso integrado e integral, que não é integral que é extremamente
massacrante, no entanto, atende a legislação. Com isso a gente volta lá no
início da nossa discussão, a gente está formando para o mercado para o
emprego ou para o trabalho? E aí nós chegamos a conclusão que estamos
formando para a vida. A gente vem amadurecendo, vem aprimorando. E
inicialmente, quando eu comecei a carreira eu apenas ensinava, sem
preocupar com o que eu estava trabalhando. Hoje eu mudei muito minha
forma de pensar, de avaliar, de ensinar e hoje eu reavaliei que eu preciso
ajudar o aluno a buscar o conhecimento, a pensar. É o aprender a aprender.
Eu lanço os desafios e vou junto com ele buscar. Acho que essa reflexão
passa por muitos de nós e isso significa que estamos amadurecendo e agindo
diferente.
P4-
1- Xxxx
2- Tenho pensado se o que eu tenho feito em sala de aula é o ideal. Estou
tentando. O nosso currículo é ideal? Eu acredito que não, pois acredito que
nunca vamos chegar ao ideal. E aí eu fico pensando, que tamanho seria
esse currículo para tender esses objetivos de formação? Então eu fico
pensando que por mais que nos esforcemos, nós não vamos conseguir
chegar em um currículo que consiga atender esse objetivo. Por outro lado, é
claro que a gente pode ter um currículo que se aproxime mais da idealidade
241
que esse, e nesse sentido nós temos muito a caminhar. Assim eu estou
reconhecendo as minhas limitações e de todos nós. Um exemplo é a visão de
mundo que a gente tem, a visão de mundo que a gente tem é a de que
conhecimento só é conhecimento se ele for científico. Foi a pouco tempo que
eu entendi que é só um dos óculos que nós temos para enxergar a realidade.
Tem o conhecimento cientifico, o popular, o religioso, o místico... Temos
limitações individuais que vem desde a nossa base de formação e a limitação
de entender a visão que temos da escola, para que serve a escola? A gente
muitas vezes entra na sala sem refletir muito sobre os objetivos das aulas,
para que eu peço para o cara aprender e guardar isso sendo que nem eu
mesmo saberia fazer aquilo se eu não tivesse estudado para a aula
anteriormente.
Embora eu veja que estamos longe do currículo ideal, eu avalio que a gente
está muito além dos currículos de escolas técnicas profissionalizantes que
não são dos IFs isso não só para o que está escrito, mas pela visão de
mundo. E isso está muito relacionado com a oportunidade que a gente tem de
refletir, de debater, de estudar que amadurece o grupo. Quando eu trabalhava
na iniciativa privada, eu ia lá só pra dar aula, não havia reflexão.
Estou começando a pensar que a escola não está com essa bola toda, de
conseguir formar. Estou começando a achar que o negócio é lá fora, é na
sociedade e, por mais que a gente faça a interdisciplinaridade, por mais que a
gente consiga enxergar as coisas que a gente ainda não enxergou a gente
não vai conseguir contribuir muito para a formação, é lá dentro de casa, é na
sociedade e não só dentro da escola, extrapolar os muros.
P5-
1- O currículo é muito complexo, porque é decidido, sabe-se lá por quem, uma
estrutura básica com possibilidades de alguma alteração, mas com uma
estrutura pré-definida e ao executar esse currículo... ainda não sabemos
definir o que é o currículo. Mudou-se o nome de grade curricular para
estrutura curricular, mas a ideia continua a mesma. Às vezes não vemos
quais são as reais necessidades da região para pensar no currículo.
242
2- Talvez esse trabalho de interdisciplinaridade entre várias disciplinas pudesse
melhorar essa integração. Será que a gente está sabendo como fazer?
Estamos tentando fazer, mas às vezes a gente esbarra em problemas
estruturais. A gente ainda esbarra em medos se estamos fazendo certo.
P6-
1- A gente chama a ciência de conhecimento, mas ela é uma das formas das
formas de conhecimento. É uma forma de poder.
2- Eu acho que a escola ainda está trabalhando o aluno do pescoço para cima,
a gente se preocupa com o intelecto, com a questão cognitiva, só que a gente
separa, a gente pensa o indivíduo como psicofísico como entidades
separadas. Quando tem um problema em sala de aula a gente encaminha,
terceiriza para o Sociopedagógico como se a gente não visse o aluno como
um ser integral e muitas vezes não reconhece que quando está transmitindo
uma aula técnica de sociologia, segundo o autor tal que fala do conceito tal,
eu esqueço que eu estou falando para um corpo, que incide sobre o
psicológico do aluno porque você está mexendo com valores muito profundos
do aluno. Então eu acho que a gente não percebe a dimensão integral do
aluno, trabalhando só do pescoço para cima. Isso eu falo das escolas de uma
forma geral. Nós próprios temos uma formação cartesiana, formados para
transmitir para o cérebro do outro, não para o corpo do outro.
Eu acho que a gente não deve pensar em quantas disciplinas seriam
necessárias para dar conta do currículo, porque não é uma questão
quantitativa e sim qualitativa. Acho que a cada semestre, dialogando com os
colegas das outras áreas, me permite dar um salto qualitativo na dimensão do
cognitivo não só como a transmissão de um cérebro para o outro, mas de um
corpo para o outro que faria a gente pensar não só em estratégias
alternativas didáticas, mas nas relações interpessoais mais ricas e
qualitativamente diferentes.
Muitas vezes nós trabalhamos de forma “oculta” com a interdisciplinaridade.
P7- (ausente)
243
P8-
1- Xxxx
2- Quando eu olho o nosso currículo, eu vejo tudo separado, não vejo a
integração do curso. E nisso fica difícil os alunos perceberem a ligação de
uma disciplina com outra. E dá para fazer a associação com qualquer
disciplina, mas da forma como está sendo posta aqui fica difícil.
P9- (ausente)
P10-
1- Xxxx
2- Eu vejo com bons olhos a ideia do Projeto Integrado como componente
curricular, mas no curso de Química aparece apenas no primeiro ano. Acho
que deveria acontecer em todos os anos.
A questão das disciplinas optativas deveriam ser melhor exploradas. Elas
poderiam ser uma tentativa de trabalhar com as demandas, dependendo do
interesse e da necessidade dos alunos. Acho que seria uma forma de quebrar
o gesso da proposta por meio das disciplinas optativas.
P11-
1- xxxxxxx
2- Os alunos do integrado têm muita energia e a gente não dissipa essa energia
e essa energia não dissipada é que leva à evasão, à desmotivação. Acho
que a gente pode ser um norte, mas não tem como sermos ideal porque
somos seres diferentes e em constante mudança. O que precisamos é de
romper com esse sistema.
Quando eu entrei aqui e me chamou muito a atenção porque eu sempre
trabalhei em escolas particulares e me chamou atenção o nível
socioeconômico que era bem diferente do que eu estava acostumado. A
244
gente ouvia fazer que não estava bom, mas eu tive a confirmação quando vim
parar aqui. Quando comecei, a impressão que eu tive é que aqui seria um
lugar de inserção social e nós vamos tentar fazer das tripas coração para
fazer com que alguns aqui consigam uma inserção no mercado de trabalho,
sair da clandestinidade e de melhorar a condição de vida de algumas
pessoas. Ainda não mudou muito, eu acho que a gente está com um grupo
com bastante dificuldade e o público do integrado está dividido em dois
grupos, daqueles de classe média e daqueles que realmente passam
necessidade. Trabalhar com esse pessoal que passa necessidade é
efetivamente gratificante saber que você pode estar de verdade fazendo
diferença na vida deles.