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Universidade do Minho - Escola de Economia e Gestão
Doutoramento em Ciências da Administração - Ano lectivo 2010/2011
Complementos de Gestão Pública: Tema I – Os Fundamentos da Administração Pública
Prof. Joaquim Filipe Araújo e Prof. Miguel Angelo Rodrigues
Recensão estruturada realizada pela doutoranda Teresa Manuela Martins Antunes
O presente estudo tem como objectivo fazer uma breve resenha da origem da administração
enquanto ciência, identificando alguns marcos que caracterizam a sua evolução até meados do
século XX, numa perspectiva da administração do estado. Distingue-se a função política da
função administração e procuram identificar-se algumas das razões pelas quais a
administração do estado se distingue das demais administrações.
Nos tempos mais remotos, a preocupação central da administração era a de discutir a quem
competia fazer leis relegando para segundo plano a outra questão essencial que era a de
perceber como devia a lei ser administrada com esclarecimento, equidade, rapidez e sem
conflitos (Wilson, 1887). Segundo o mesmo autor, a governação está tão entranhada em nós
que nem nos damos conta da necessidade do seu estudo filosófico ou mesmo do que deve ser
estudado em concreto, mas a existência de erros elementares identificáveis pelo mais leigo
dos cidadãos faz crer que o exercício da democracia ainda é incipiente.
Com efeito, a administração é tão antiga quanto a governação, embora o seu estudo enquanto
ciência tenha surgido apenas no século XX, como ramo das ciências políticas (Wilson, 1887).
Waldo (1948) conclui que os princípios da administração pública emergiram antes de 1914 e
cristalizaram nos anos seguintes através da teoria política geral.
Wilson (1887) defende que a ciência da administração existe com vista a estruturar os
caminhos da governação e a fortalecer organização governativa tornando os seus negóciosmenos ineficientes. Segundo este autor, a Europa foi a impulsionadora da ciência da
administração através dos estudos conduzidos por professores franceses e alemães, não tendo
os EUA contribuído inicialmente para o desenvolvimento desta ciência. A corrupção,
secretismo e confusão dos governos não permitiam acreditar que pudessem vir a existir
formulações claras do que significa a boa administração (Wilson, 1887).
Olhando para a história constitucional das nações mais importantes do novo mundo, Wilson
(1887) identifica três tipos de sistemas governativos: primeiro o das regras absolutas e dos
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sistemas administrativos ajustados a essas regras; segundo aquele em que as constituições se
afastam do poder regulatório e o substituem pelo controlo popular e no qual a administração
negligencia estas questões; terceiro, aquele em que o poder soberano procurou desenvolver a
administração sob uma nova constituição que os levou ao poder, sendo estes aqueles
governos que estão à frente das práticas administrativas que usam regras ainda absolutas mas
também esclarecedoras.
Wilson (1887) defende que as funções da administração são semelhantes seja qual for o
sistema político vigente, apontando para uma distinção clara entre administração e política;
Mas defende também que é mais difícil à democracia organizar a administração do que à
monarquia, pois em democracia para se progredir tem que se elucidar e persuadir a opinião
pública, tendo que se gerir múltiplas opiniões e vontades, ao passo que na monarquia apenasse tem que influenciar o rei que tem apenas uma opinião e está no comando. Nas democracias
o avanço tem que ser alcançado através do compromisso, através da conciliação de diferenças,
conjugação de planos e até de sacrifício de princípios (Wilson, 1887).
Goodnew (1900) faz também uma distinção entre política e administração referindo que em
todos os governos existem duas funções nucleares: a expressão da vontade do estado e a
execução dessa vontade, respectivamente, a função política e a função da administração. Para
Goodnew (1900) existem três tipos de autoridade da execução da vontade do estado: a
autoridade judicial, a executiva e a administrativa, defendendo que quanto mais complexo for
o estado, mais diferenciadas as três autoridades tendem a tornar-se.
A administração foi conceptualizada como sendo a função executiva da autoridade, mas os
escritos mais recentes sobre administração referem que, tanto do ponto de vista da
especulação como do expediente, a administração não pode ser considerada uma mera função
da autoridade executiva ou, por outras palavras, a função do exercício do cumprimento das
normas, porque ela é a execução da vontade do estado, o que pode ser mais do que o mero
cumprimento de normas (Goodnew, 1900).
No entanto, o mesmo autor defende que embora as funções do estado devam obedecer ao
princípio da separação de poderes, elas têm que coexistir de forma harmoniosa, caso contrário
o estado paralisa. Por seu turno, para que a harmonia possa existir e para que a real vontade
do estado se torne uma verdadeira norma de conduta geralmente aceite, é necessário que as
duas funções sejam independentes, não obstante a necessidade de subordinação daautoridade executiva à autoridade da vontade e a submissão desta ao controlo da autoridade
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daquela (Goodnew, 1900). Segundo este autor, a governação popular requer que seja a
autoridade executiva a subordinar-se à autoridade da vontade.
Taylor (1912) propõe uma nova filosofia do sistema de administração que designa de
organização científica do trabalho que se orienta por quatro grandes princípios: (1) O estudo
científico do trabalho com vista à criação de métodos de trabalho. O autor sugere que pode
estabelecer-se uma equivalência salarial para dada quantidade de trabalho produzido mas
sendo necessário decompor os processos de trabalho e depois mecanizá-los; (2) A selecção e
treino científico dos trabalhadores, agrupando-os de acordo com as suas habilidades,
acreditando que existe sempre um posto de trabalho adequado às habilidades de cada um; (3)
a aplicação dos métodos de trabalho pelos trabalhadores, dando-se assim a integração dos
dois princípios anteriores; (4) A cooperação entre os empregadores e os trabalhadores,defendendo que existe uma divisão de responsabilidades entre as duas classes.
De acordo com Taylor (1912), a eficácia da aplicação dos quatro princípios pressupõe o
cumprimento de quatro deveres: (1) O desenvolvimento de uma ciência que substitui o
método empírico do trabalho; (2) A necessidade de selecção dos trabalhadores de acordo com
as suas habilidades, partindo do pressuposto que é o trabalho que se ajusta ao homem; (3) O
dever de existir uma cooperação com o trabalhador de modo a garantir que todo o trabalho é
feito de acordo com os métodos científicos aplicáveis; (4) A garantia de que o empregador
assume todo o trabalho que ultrapasse a capacidade previamente definida dos trabalhadores,
distribuindo assim as responsabilidades entre as duas classes.
Por seu lado, Willoughby (1918) preconiza a necessidade sentida ao nível da administração
municipal dos EUA em melhorar os seus métodos de administração, o que estará na origem do
movimento da reforma orçamental. O autor defende que através do orçamento é possível
conhecer as operações passadas, as condições presentes e as propostas para o futuro,
permitindo ainda apurar responsabilidades ao mesmo tempo que fornece os meios de
controlo. O orçamento, enquanto mecanismo central de controlo dos sistemas financeiros da
administração, pode tornar-se um dos instrumentos mais poderosos da democracia, quer
como instrumento que permite correlacionar a acção legislativa e executiva, quer como
mecanismo que permite assegurar a eficiência e economia das acções da administração
(Willoughby, 1918). Segundo este autor, a progressiva adopção do movimento orçamental ao
nível dos governos estatais, veio exigir dos governadores uma redefinição dos seus sistemas de
governação e acentuar a independência da administração relativamente à política, na medida
em que o poder directivo dos governadores se esgota na legislatura.
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Acentuando a independência da administração Weber (1922) preconiza a teoria da burocracia
que tem como princípio subjacente a autoridade legal, racional ou burocrática em que os
subordinados aceitam as ordens dos superiores sem as questionar porque o comando deriva
de normas legítimas. No sector público esta autoridade toma a designação de autoridade
burocrática e no sector privado a designação de autoridade de gestão (Weber, 1922).
Weber (1922) defende que a burocracia assente no princípio da autoridade e dos níveis de
autoridade pressupõem a existência de um sistema altamente hierarquizado que pode ser
encontrado em todas as estruturas, tanto nas do estado como nas eclesiásticas, como ainda na
maioria das organizações privadas, encontrando-se completamente desenvolvida nas
comunidades políticas e eclesiásticas dos estados modernos e na economia privada ao nível
das instituições capitalistas mais avançadas. Assim, para o autor, o cerne da autoridade nãoestá na questão de ser pública ou privada, mas no princípio da competência da norma
(enquanto norma geralmente aceite); Para Weber (1922) torna-se, assim, óbvio que a gestão
moderna se deve basear em documentos escritos, dando origem à separação da esfera pública
e privada, com a necessidade da criação dos escritórios onde se guardam e arquivam esses
documentos e à especialização e profissionalização dos trabalhadores e da própria
administração. Com esta teoria Weber (1922) introduz o pressuposto de um dever de
cumprimento de horário e a execução das actividades em função do tempo disponível e não
da quantidade de tarefas executadas, preconizando que a gestão segue regras gerais mais ou
menos estáveis e exaustivas, as quais podem ser aprendidas pelos trabalhadores.
Segundo Weber (1922) a teoria da administração pública assume que a autoridade para
estabelecer certos assuntos por decreto não dá aos funcionários a capacidade de decidir as
matérias caso a caso, mas apenas de forma abstracta, o que contrasta com a regulação
assente em favorecimentos pessoais e privilégios que dominaram a época do patrimonialismo.
Isto resulta na definição de um estereótipo do burocrata: ele tem uma vocação e é treinadopara se especializar nas actividades inerentes ao cargo que vai ocupar; é nomeado pelo
superior hierárquico, segue uma carreira, tem um salário mensal e é fiel ao cargo (Weber,
1922).
White (1926) refere que o movimento científico da gestão teve um papel muito importante ao
estimular a melhoria dos métodos da gestão pública e talvez tenha desencadeado novos
conhecimentos na filosofia social do controlo científico dos processos produtivos, referindo
que, embora a organização científica do trabalho tenha originado enorme insatisfação
relativamente aos métodos antiquados que caracterizam a organização tradicional do
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trabalho, verificaram-se significativas melhorias por si introduzidas em algumas indústrias, o
que tem levantado a questão sobre se tais melhorias não seriam igualmente aplicáveis ao
sector público.
Gulick (1937) defende uma teoria da administração assente na estrutura da coordenação
imposta à divisão do trabalho, sendo esta a função e razão de ser da organização, não sendo
possível determinar como deve uma actividade ser organizada sem que simultaneamente se
equacione a respectiva divisão do trabalho, não obstante existam limitações a essa divisão. O
autor chama a atenção para o facto de quanto maior for a divisão do trabalho maior ser o
perigo de confusão e maior ser a necessidade de supervisão e de coordenação.
A coordenação do trabalho resulta de um esforço organizado que requer inteligência, vigor e
persistência, tendo como limites o tamanho e o tempo (Gulik, 1937). O mesmo autor defende
que a organização, enquanto meio de coordenação, exige um sistema de autoridade que
reflicta o objectivo da instituição e implica a existência de várias pessoas em vários sítios e uma
autoridade executiva única.
A preocupação central da teoria da organização preconizada por Gulik (1937) assenta em
quatro passos: (1) É função da organização capacitar o director para coordenar e agilizar todas
as subdivisões do trabalho com vista a que o objectivo último da instituição seja atingidoeficientemente; (2) No entanto, existem limitações à capacidade de coordenação, quer do
ponto de vista da limitação do próprio ser humano, quer da própria natureza do trabalho; (3)
Estas limitações tornam necessário que se caracterize o tipo de estrutura organizacional e,
consequentemente, a função; (4) O posto de trabalho ou função pode também ele ser
subdividido dependendo essa subdivisão do tamanho e complexidade da empresa.
Por seu lado, Follet (1926) chama a atenção para o facto de se dever ter em conta as reacções
das pessoas quando lhes são dadas ordens e para as respectivas diferenças em função da
forma como a ordem é dada, antecipando a influência do factor psicológico individual inerente
ao comportamento do ser humano.
Barnard (1938) vem distinguir organizações formais de organizações informais e aventa as
funções destas no seio daquelas, entre as quais a comunicação e a manutenção da coesão
institucional da organização formal assegurando a regulação da vontade de servir e a
estabilidade da autoridade objectiva. Segundo este autor, outra das funções das organizações
informais é a de manutenção do sentimento de integridade, respeito próprio e liberdade de
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escolha. Uma vez que as interacções ocorridas no seio das organizações informais resultem de
escolhas individuas, elas fornecem uma oportunidade para o desenvolvimento pessoal
(Barnard, 1938). Assim, o autor conclui que as organizações informais podem ser vistas como
um meio de manter a personalidade individual balanceando certos efeitos das organizações
formais que tendem a desintegrar a personalidade.
Merton (1940) alerta para as disfunções da teoria da burocracia que pressupõe um sistema
racional puro (em que o comportamento humano é completamente previsível) na medida em
que se verificam limitações à padronização e racionalização completa do comportamento
humano no seio das organizações. O autor refere que as organizações informais são a prova
disso e a sua origem é uma consequência prática da impossibilidade da completa
racionalização e padronização do comportamento humano. Merton (1940) preconiza que as
diferenças individuais existem e que, consequentemente, o comportamento humano não é
perfeitamente previsível, mesmo quando submetido a normas de controlo racionais e legais.
Appleby (1945) refere que a arte de governar exige pessoas com características especiais que
nem todos possuem porque a sua função, a de proteger o interesse público, é distinta das
funções das outras actividades. Os factores que distinguem a função governativa, nem semprefáceis de identificar, são, segundo Appleby (1945): (1) amplitude de alcance, impacto e
consideração; (2) accoutability; (3) e carácter público. Ou seja, a arte de governar é diferente
de qualquer outra profissão porque é mais abrangente do que qualquer outra no seu campo
de acção, porque tem de ter em conta todos os desejos, necessidades, acções e pensamentos
de toda a população, enfim, porque governar é fazer política (Appleby, 1945).
Simon (1946) vem colocar em causa os princípios preconizados pela teoria clássica da
administração que classifica como “provérbios” apelando à necessidade de se desenvolver um
conjunto de conceitos que permitam a explicação relevante de situações da administração. O
autor defende que qualquer princípio ou conceito para ser cientificamente válido tem que ser
operacional, i.e., tem que ter correspondência com factos observáveis.
Simon (1946) defende que a descrição cientificamente válida ou relevante é aquela que, tanto
quanto possível, identifica as decisões que cada pessoa toma e a respectiva influencia que
exerce nessas decisões. Para este autor a decisão é o processo de análise e escolha entre
várias alternativas possíveis com vista a tomar uma decisão e a colaborar na resolução dos
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problemas. Com a teoria da decisão preconizada por Simon (1946) o homem passa a ser visto
como o homem administrativo e não como homem económico ou homem social.
Selznick (1949) defende que a forma de evitar ameaças à estabilidade ou existência da
estrutura organizacional é o mecanismo de cooptação enquanto processo integrador de novos
elementos na liderança ou na orientação política. A cooptação pode ser formal ou informal,
dependendo do problema específico; Para o autor, a cooptação formal ocorre quando existe
necessidade da organização integrar novos elementos, de forma pública e a cooptação
informal pode ser uma resposta à pressão de centros de poder específicos.
Long (1949) salienta que a autoridade legal e o saldo de tesouraria são necessários mas
politicamente insuficientes para a acção governativa. A racionalidade administrativa requer
uma avaliação crítica de todas as forças complexas em mutação das quais depende o apoio,
aquiescência e capacidade de acção e ainda que os objectivos sejam fixados em conformidade
com uma avaliação realística do nível e potencial do poder (Long, 1949). Segundo o mesmo
autor, a teoria da administração negligenciou o estudo da adequabilidade do poder, suas
fontes e limitações, pelo que aventa a necessidade de um estudo aprofundado sobre esta
temática.
Por seu turno, Lindblom (1957) refere que existem dois processos através dos quais o decisorse pode socorrer na tomada de decisão: (1) o método de raíz e (2) o método da comparação
incremental. No entanto, a literatura relativa à tomada de decisão, formulação política,
planeamento e administração pública remete quase sempre para o primeiro quando o
segundo, apesar das suas limitações, tende a ser aquele que mais confiança oferece na análise
de problemas complexos de formulação e de outras análises políticas (Lindblom, 1957).
Em suma, podemos concluir que as questões relativas à administração, embora remontem aos
tempos mais remotos da história do homem, sob as mais diversas formas de organização da
vida em sociedade, apenas no último século conduziram à necessidade de uma ciência da
administração. Na origem desta necessidade identificam-se duas causas principais: o
desenvolvimento económico e social ocorrido a partir da revolução industrial, bem como o
surgimento de novas formas de organização política, designadamente as democracias. Esta
nova conjuntura terá impulsionado o estudo de novas técnicas e processos da administração,
inicialmente aplicadas às organizações privadas. Paralelamente, o tradicional papel do estado
e das suas funções foram sendo questionados e a sua incapacidade de responder àsnecessidades emergentes terá impulsionado a tentativa de transposição das regras do sector
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privado ao sector público. Porém, como foi sendo demonstrado nesta breve resenha, embora
na sua génese as estruturas possam ser similares, existem funções e objectivos tão
diferenciados entre os dois sectores, que se justifica um estudo aprofundado e independente
da ciência da administração aplicada ao sector público.
Bibliografia:
Shrafritz, Jay M. e Albert C. Hyde. Coord.1991. Classics of Public Administration, 3ª ed.
Belmont, Cal: Wadsword publishing Company; Pags. 11-37; 51-74; 80-109; 144-187; 224-236.