Fábio Antunes Gonçalves, Patrícia Antunes Gonçalves
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XXIV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI - UFMG/FUMEC/DOM
HELDER CMARA
DIREITO, GLOBALIZAO E RESPONSABILIDADE NAS RELAES DE CONSUMO
KEILA PACHECO FERREIRA
JOANA STELZER
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D598 Direito, globalizao e responsabilidade nas relaes de consumo [Recurso eletrnico on-line] organizao CONPEDI/UFMG/ FUMEC/Dom Helder Cmara; coordenadores: Keila Pacheco Ferreira, Joana Stelzer Florianpolis: CONPEDI, 2015. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-116-6 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicaes Tema: DIREITO E POLTICA: da vulnerabilidade sustentabilidade
1. Direito Estudo e ensino (Ps-graduao) Brasil Encontros. 2. Globalizao. 3. Relaes de consumo. I. Congresso Nacional do CONPEDI - UFMG/FUMEC/Dom Helder Cmara (25. : 2015 : Belo Horizonte, MG).
CDU: 34
Florianpolis Santa Catarina SC www.conpedi.org.br
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XXIV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI - UFMG/FUMEC/DOM HELDER CMARA
DIREITO, GLOBALIZAO E RESPONSABILIDADE NAS RELAES DE CONSUMO
Apresentao
Apresentao
Cumpre registrar nossa imensa alegria em coordenar e apresentar o Grupo de Trabalho (GT)
denominado 'Direto, Globalizao e Responsabilidade nas Relaes de Consumo', que - em
linda harmonia - apresentou artigos cientficos com profundidade de pesquisa e apurado
senso crtico. As pesquisas apresentadas encontraram pleno alinhamento com o prprio
evento que tinha como mote: Direito, Constituio e Cidadania: contribuies para os
objetivos de desenvolvimento do Milnio. De fato, nesse sentido foi a distribuio das bolsas
do prprio Evento, produzidas com reaproveitamento de banners e painis de outros eventos.
Eram bolsas no standards, cada uma com sua identidade, com suas cores, com sua
sustentabilidade...
Os Objetivos do Desenvolvimento do Milnio foram estabelecidos no ano 2000 e, naquela
ocasio, tinham por escopo oito temas de combate pobreza que deveriam ser alcanados at
o final de 2015. Desde ento, perceberam-se progressos significativos, mas, muito precisava
ser feito ainda. Atualmente, vive-se um momento no qual a Organizao das Naes Unidas
(ONU) adotou a Agenda 2030 (reunidos na sede das Naes Unidas em Nova York de 25 a
27 de setembro de 2015) e que, nas dezessete metas, revelou em seu Objetivo 12 "Assegurar
padres de produo e de consumo sustentveis". Esse item demandar diversas
providncias, dentre as quais: at 2030, alcanar a gesto sustentvel e o uso eficiente dos
recursos naturais, reduzir pela metade o desperdcio de alimentos, alcanar o manejo
ambientalmente saudvel dos produtos qumicos e de todos os resduos, promover prticas de
compras pblicas sustentveis, de acordo com as polticas e prioridades nacionais, entre
outros. Essas preocupaes permearam nosso GT, para as quais foram apresentadas pesquisas
com profundidade no intuito de buscar diretrizes axiolgicas e comportamentais que
assegurem um mundo sustentvel.
O presente volume, portanto, consubstancia coletnea de excelncia acadmica, no apenas
revelada em virtude da seleo pelo sistema 'double blind peer review', mas, pela viso
vanguardista sobre uma sociedade adoecida pelo consumo exagerado (e, desnecessrio, em
muitas ocasies). Em sntese, percebe-se na leitura dos artigos a demonstrao por parte dos
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autores de imperiosa qualificao tcnico jurdica e o devido alerta sobre a vulnerabilidade
de nossa sociedade em assuntos como: a dinamicidade da atividade de Shopping Centers no
Brasil, os contratos de adeso (e seu contraponto na modernidade lquida), a publicidade
como ferramenta de consumo, a relao entre a sociedade de consumo e o meio ambiente,
agrotxicos e seus impactos, manipulao das preferncias de consumo, programas de
milhagem e a publicidade subliminar (e seus efeitos).
As polticas pblicas e o cuidado que o Estado deveria promover nas relaes de consumo
(necessrias para resguardar o cidado brasileiro) tambm se fizeram presentes em pesquisas
que se voltaram para: as agncias reguladoras no Brasil, a responsabilidade das universidades
pblicas pela oferta de cursos de ps-graduao remunerados, a discusso sobre o artigo 28
do Cdigo de Defesa do Consumidor, a poltica pblica de preveno e combate ao
superendividamento, o desenvolvimento sustentvel e educao ambiental, a jurisprudncia
defensiva, os reajustes abusivos dos planos de sade coletivos, a Smula 381, a tutela
coletiva, as redes contratuais, alm do direito do consumidor nas diversas dimenses que o
Cdigo de Defesa do Consumidor apresenta (inclusive sob aspectos criminais).
Investigaes com vertente alm fronteiras tambm foram assinadas pelos colaboradores
dessa obra, mais especialmente pelas discusses nas seguintes reas: cidadania universal e
consumo, harmonizao das legislaes consumeristas no mbito do Mercosul, Amrica
Latina e normatizao do Comrcio Justo, e a publicidade de produtos nano-estruturados na
internet, sob anlise comparativa entre Brasil e Unio Europeia.
A diversidade dos temas apresentados, alm de refletir anseio generalizado sobre os efeitos
perniciosos que a sociedade do consumo tem colhido, trouxe abordagens enriquecedoras, que
o leitor agora tem em mos. Na esteira de nosso festejado marco terico, 'Vida para
Consumo', do socilogo polons Zygmunt Bauman, j se alertava sobre os efeitos e a
mudana da sociedade de produtores (moderna e slida) para a sociedade de consumidores
(ps-moderna e lquida). Nesse processo de mutao os prprios indivduos se tornaram
mercadorias e o mercado o lugar por excelncia onde todos se encontram (ou, se
desencontram...). Essas penetrantes transformaes permearam todas as pesquisas que aqui
esto consolidadas.
Deseja-se agradvel leitura no que as ps-graduaes em Direito tm produzido e que, em
sntese, constituem os mais elaborados estudos da Academia do Direito nacional.
Belo Horizonte, novembro de 2015.
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Profa. Dra. Joana Stelzer - UFSC
Profa. Dra. Keila Pacheco Ferreira - UFU
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TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR
COLLECTIVE PROTECTION OF CONSUMER RIGHTS
Fbio Antunes GonalvesPatrcia Antunes Gonalves
Resumo
A sociedade massificada marcada pela impessoalidade nas relaes entre consumidores e
fornecedores, ou seja, o fornecedor pode estabelecer um contrato feito para atingir milhares
ou at milhes de consumidores ao mesmo tempo, sem se preocupar com a individualidade
de cada consumidor. Dessa forma, surgiram conflitos que atingem no somente o individuo,
mas toda a coletividade, situaes que envolvem o interesse de milhares e at milhes de
consumidores, nascendo, ento, a necessidade da tutela coletiva dos direitos transindividuais
dos consumidores atravs de aes coletivas para responsabilizar aqueles que causem dano
coletividade de consumidores. No Brasil, com o escopo de efetivar a proteo dos interesses
coletivos lato sensu, o Cdigo de Defesa do Consumidor conceituou os interesses
transindividuais como difusos, coletivos e individuais homogneos, alm de descrever,
tambm, o consumidor equiparado coletividade, e alargou as possibilidades da tutela
protetiva do Estado aos direitos lesados ou ameaados de leso em relaes de consumo.
Palavras-chave: Tutela coletiva, Direitos transindividuais, Direitos coletivos do consumidor, Ao coletiva, Direitos difusos, Direitos individuais homogneos
Abstract/Resumen/Rsum
The mass society is marked by the impersonality in relations between consumers and
suppliers, ie, the supplier can establish a contract done to reach thousands or even millions of
consumers at the same time, without worrying about the individuality of each consumer.
Thus, there were conflicts not only affect the individual, but the whole community, situations
involving the interests of thousands, even millions of consumers, rising, then the need for
collective protection of trans-consumer rights through collective actions to blame those who
cause damage to the community of consumers. In Brazil, with the aim of effecting the
protection of collective interests in the broad sense, the Consumer Protection Code
conceptualized transindividual interests as diffuse, collective and individual homogeneous,
and describes also the consumer equated the community, and the extended possibilities the
protective tutelage of the State damaged or threatened rights of injury in consumer relations.
Keywords/Palabras-claves/Mots-cls: Protection class, Transindividual rights, Consumer collective rights, Class action, Diffuse rights, Individual rights homogeneous
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1 Introduo
A Revoluo Industrial provocou substanciais transformaes no modo de produo1, ou
seja, a produo que antes ocorria no ncleo familiar, de maneira artesanal e manufaturada, passa a
ser concentrada em grandes fbricas, com empregados assalariados; com uma produo mecanizada
e em srie o que operou significativas transformaes em quase todos os setores da vida humana2.
Na medida em que a produo de bens de consumo passa a ser em srie, a prestao de
servios tambm deve acompanhar o crescimento de uma populao mundial consumidora e se
adaptar uma fase de prestao de servios para massas.
Neste contexto globalizado3, os consumidores representam um grupo, que, embora tenha
grande importncia econmica, alvo de constantes abusos por parte dos fornecedores.
Essas transformaes4 proporcionaram benefcios evidentes aos consumidores, mas tambm
culminou na exposio do consumidor aos ditames do mercado, e uma vez que no este estava
preparado para esta brusca evoluo nas relaes de consumo, deixando-o desprotegido e
manifestamente em uma relao de desequilbrio diante do fornecedor.
Surge, assim, a necessidade de interveno do Estado para regularizao dessa nova
realidade atravs da criao de um ordenamento que se proponha solucionar esses novos conflitos,
que se caracterizam como complexos, universais, massificados e assim garantir a responsabilizao
daqueles que ferem os direitos coletivos dos consumidores.
2. Tutela Constitucional do Consumidor
A Constituio Federal de 1988 ordenou a existncia de um sistema proteo ao
consumidor, tratou o legislador ordinrio de garantir a tutela do consumidor, atravs da criao de
mecanismos que garantissem a efetiva proteo do consumidor, tanto na esfera administrativa,
quanto na jurisdicional e de uma legislao adequada para garantir a efetividade dos direitos do
1 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, p. 35. 2 Grant McCracken explica o fenmeno do consumo moderno que , acima de tudo, um artefato histrico.
Suas caractersticas atuais so o resultado de vrios sculos de profunda mudana social, econmica e cultural no Ocidente, principalmente a mudana provocada pela globalizao (McCRACKEN, Grant. Cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. p. 21).
3 RBIO, David Snchez; FLORES, Joaqun Herrera; CARVALHO, Salo de Carvalho (Org.). Direitos humanos e globalizao fundamentos e possibilidades desde a teoria crtica: anurio Ibero-americano de Direitos Humanos (2003/2004). 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 28 mar. 2014.
4 VIEIRA, Susana Camargo. Report of the International Law Association - Law in a Changing World (or Laboratories in Democracy?). In: ARROYO, Diego P. Fernandez et al. (Org.). Derecho internacional privado y derecho internacional pblico: un encuentro necesrio. Asuncin: CEDEP/ASADIP, 2011. v. 1, p. 543-550.
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consumidor5.
A Constituio Federal de 19886 dispensou especial ateno defesa do consumidor, e est
presente principalmente nos artigos 5, inciso XXXII, 170, inciso V, e 48 do Ato das Disposies
Constitucionais Transitrias, abaixo transcritos:
Art. 5, inc. XXXII o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.
Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: [...]
V- defesa do consumidor.
Art. 48 ADCT. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgao da Constituio, elaborar cdigo de defesa do consumidor.
A Constituio Federal faz referncia aos direitos difusos e coletivos (inciso III do art. 129),
mas no os definiu. A Constituio, alm de garantir a defesa e proteo do consumidor como
matria constitucional, atribuiu sua regulamentao lei infraconstitucional conforme o artigo 48
do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, pelo qual, o Constituinte originrio
determinou ao Congresso Nacional a tarefa de elaborar o Cdigo de Defesa do Consumidor. Para
tanto, o constituinte concedeu um prazo de 120 dias da promulgao da Constituio, para a
elaborao desse novo estatuto legislativo.
Foi a Lei 8.078/90, que tratou de apresentar os parmetros definidores de direitos difusos e
direitos coletivos, o que fez no seu artigo 81,
Um dos mais marcantes aspectos do Cdigo de Defesa do Consumidor sua preocupao
especial com a proteo coletiva, isto , de toda a coletividade de consumidores. O Cdigo de
Defesa do Consumidor permite a proteo dos consumidores em larga escala, mediante aes
coletivas ou aes civis pblicas.
O Cdigo de Defesa do Consumidor juntamente com a Lei n 7.347/85, que instituiu a Ao
5 Como j dito o direito dos consumidores foi tratado pela Constituio Federal, no art. 5, inciso XXXII, que
trata dos direitos e deveres individuais, no art. 170, ao tratar dos princpios gerais da ordem econmica, em seu inciso V, estabelece a defesa do consumidor como princpio da ordem econmica e o art. 48 do Ato das Disposies Transitrias, que determinou que o Congresso Nacional elaborasse o Cdigo de Defesa do Consumidor.
6 H tambm outros artigos na Constituio Federal de 1988 que tratam do Direito do Consumidor, e que merecem destaque, quais sejam, artigo 24, inciso VIII, que atribui competncia concorrente Unio, Estados e Distrito Federal para legislar sobre responsabilidade por dano ao consumidor; o artigo 150, 5, que determina que a lei estabelea medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e servios; o artigo 175, pargrafo nico, inciso II, que determina lei dispor sobre os direitos dos usurios de servios pblicos; as normas do art. 220, 4, que dispem sobre a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcolicas, agrotxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicao - imprensa, rdio e televiso; o artigo 221 discorre sobre as diretrizes a serem observadas quanto produo e difuso de programas de rdio e televiso.
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Civil Pblica (que a ao de responsabilidade7 por danos morais e patrimoniais causados ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valores artsticos, esttico, histrico turstico, ou
paisagstico, infrao ordem econmica ou ordem urbanstica), se completam indistintamente s
aes que versem sobre direitos difusos, coletivos e individuais8, e formam o chamado
microssistema de tutela coletiva.
3. Consumidor equiparado coletividade
O conceito de consumidor seria a princpio aquela pessoa fsica ou jurdica que consome
bens e utiliza servios, mas um conceito que est em constante evoluo, uma vez que caracteriza-
se como um indivduo com possui mltiplas facetas, podendo ser em um mercado local, ou
mesmo em qualquer parte do mundo pois utiliza a internet no seu dia a dia para adquirir produtos e
servios, alm de ser um consumidor melhor informado9, logo possui um perfil distinto do
consumidor do sculo passado10.
Atento a essas mudanas no conceito de consumidor tradicional, presente no caput do art. 2,
o Cdigo de Defesa do Consumidor no artigo 2, Pargrafo nico do Cdigo de Defesa do
Consumidor equipara a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que haja
intervindo nas relaes de consumo.
Logo, o objetivo do Cdigo de Defesa do Consumidor foi de ampliar o conceito de
consumidor para inserir as pessoas que, embora sejam consumidoras indiretas, tenham sido
alcanadas por um evento danoso comum.
Esse dispositivo tem por objetivo instrumentalizar a tutela coletiva dos interesses difusos,
coletivos e individuais homogneos contidos a partir do art. 81, CDC e assim, a coletividade pode
ser considerada consumidora na medida em que pactue de interesses difusos, coletivos ou
7 Ressalva-se que a responsabilidade civil oriunda da Lei de Ao Civil Pblica, Lei de No 7.347, de 24 de julho
de 1985, aquela sem culpa ou objetiva, sendo suficiente a demonstrao do nexo de causalidade entre o atuar do agente e o dano proporcionado ao ambiente. Entretanto, quanto aos demais bens assegurados pela mencionada lei, h que ser demonstrada a culpa, por ausncia de previsibilidade legal quanto responsabilidade civil objetiva.
8 Outras leis como a Lei da Ao Popular, a Lei do Mandado de Segurana, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n 8.429/92) tambm fazem parte de um microssistema legal de processos coletivos.
9 Com o fim das barreiras comerciais entre os pases e a formao de blocos econmicos tais como Comunidade Europia, fizeram surgir um novo tipo de comprador, o consumidor global, tendo em vista as marcas mundialmente consumidas como Coca-Cola, Nike, Nokia, fazem parte dos hbitos e da vida dos habitantes dos cinco continentes.
10 MARQUES, Claudia Lima. A proteo dos consumidores em um mundo globalizado: studium generale sobre o consumidor como homo novus. Revista de Direito do Consumidor, 2013.
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individuais homogneos11. Jos Geraldo Brito Filomeno afirma:
O que se tem em mira no pargrafo nico do art. 2 do Cdigo de Defesa do Consumidor a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e servios, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que relacionados a determinado produto ou servio. Tal perspectiva extremamente relevante e realista, porquanto natural que se previna, por exemplo, consumo de produtos ou servios perigosos ou ento nocivos, beneficiando-se assim, abstratamente, as referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores12.
Ou seja, se j configurar provado o dano efetivo pelo consumo de determinados produtos e
servios, o que se pretende conferir universalidade ou grupo de consumidores os devidos
instrumentos jurdicos-processuais para que possam obter a justa e mais completa possvel
reparao dos responsveis, circunstncias, essas pormenorizadamente previstas a partir do art. 8 e
seguintes do Cdigo do Consumidor, e sobretudo pelos artigos 81 e seguintes.
Neste sentido, afirma Gregrio Assagra de Almeida que:
o conceito jurdico de consumidor coletivo amplo, de sorte que, no plano da tutela jurdica coletiva do consumidor, no compatvel interpretao restritiva. O CDC reconhece como consumidores uma coletividade de pessoas, determinveis ou no, o que abrange a tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogneos dos consumidores, o que est na esteira da conceituao legal dos direitos massificados estatuda pelo pargrafo nico do art. 81 do CDC.13
Assim, a regra do pargrafo nico permite o enquadramento da universalidade ou conjunto
de pessoas, mesmo que no se constituam como pessoa jurdica. Com isso, pode-se dizer que a
completa designao do amplo sentido de definio de consumidor14.
Desta forma, o Cdigo de Defesa do Consumidor conseguiu viabilizar uma rede protetora
dos interesses difusos e coletivos da massa consumidora, que dota os rgos que tenham
legitimidade para atuar em sua defesa, com mecanismos de preveno para obteno de uma justa
reparao para a eventualidade de existncia de dano15.
4. Tutela Coletiva do Consumidor e sua relevncia
A tutela coletiva est presente no Cdigo de Defesa do Consumidor no apenas nos
conceitos de consumidor por equiparao, mas tambm quando garantiu os direitos bsicos ao 11 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio
cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 149. 12 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, p. 50. 13 ALMEIDA, Gregrio Assagra de. Manual das aes constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.
254. 14 NUNES, Luiz Antnio Rizzatto. Comentrios ao cdigo de defesa do consumidor: direito material - arts.
1 ao 54, p. 129. 15 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, p. 50.
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introduzir os direitos difusos e coletivos no texto do art. 6, incisos VI e VII, que prev alm dos
direitos bsicos do consumidor standart16, mas tambm garante a efetiva proteo preveno e
reparao de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos17, e o acesso aos rgos
judicirios e administrativos para preveno ou reparao de danos patrimoniais e morais,
individuais coletivos ou difusos18.
Ou seja, os direitos da coletividade oferece instrumentos para a concretizao da defesa do
consumidor, como, por exemplo, a existncia de rgos de Defesa do Consumidor, e da
possibilidade de ajuizamento de aes coletivas para responsabilizar o fornecedor de produtos ou
servios19.
Logo, conforme Daniel Assumpo Neves afirma que a tutela coletiva absolutamente
imprescindvel para a tutela dos direitos difusos e coletivos, que sem ela, jamais podero ser
devidamente atendidos com a aplicao da tutela individual20.
Alm disso, imagine a dificuldade que o consumidor encontraria ao reclamar
individualmente perante o Judicirio, direitos quase que insignificantes, se ajuizados
16 Conforme definio de consumidor estabelecida no art. 3, caput, do Cdigo de Defesa do Consumidor
(RODRIGUES, Marcelo Abelha. Anlise de alguns princpios do processo civil luz do ttulo III do Cdigo de Proteo e Defesa do Consumidor. Revista do Consumidor, So Paulo, n. 15, 1995. p. 55).
17 Art. 6 So direitos bsicos do consumidor, inc. VI: a efetiva preveno e reparao de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;.
18 Art. 6 So direitos bsicos do consumidor, inc. VII: o acesso aos rgos judicirios e administrativos com vistas preveno ou reparao de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteo Jurdica, administrativa e tcnica aos necessitados.
19 Kazuo Watanabe observa que o Cdigo de Defesa do Consumidor tem por objeto tanto as aes individuais como as aes coletivas (WATANABE, Kazuo. Demandas coletivas e os problemas emergentes da praxis forense. Revista de Processo, So Paulo, ano 17, n. 67, p. 20-32, jul./set. 1992. p. 623).
20 Daniel Amorim Assumpo Neves e Flvio Tartuce, exemplifica fazendo uma analogia que se valer da tutela individual para a proteo de um interesse coletivo o mesmo que se exigir da parte que se esvazie uma piscina com um garfo. A tarefa naturalmente impossvel de ser cumprida. No direito individual homogneo ou indisponvel de determinados sujeitos - se disponibiliza uma colher para a parte esvaziar a mesma piscina. Ser difcil, trabalhoso, cansativo e demorado, mas a tarefa pode ser cumprida. Aplicar a tutela coletiva nesses direitos permitir que a parte abra o ralo da piscina, o que far com que a gua escoe de maneira mais rpida e eficaz, obtendo-se o esvaziamento da piscina em menor tempo, menos esforo e de forma mais fcil (TARTUCE, Flvio; NEVES, Daniel Amorim Assumpo. Manual de direito do consumidor: direito material e processual, p. 537).
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individualmente, como por exemplo, no caso de danos de pequena monta21.
Conforme citou o Luiz Antonio Rizzatto Nunes:
o consumidor que teve seu direito lesado, porm, dificilmente o consumidor manejaria alguma ao de reparao contra o fabricante, pois o prejuzo do consumidor seria to pequeno, que inviabilizaria a propositura da ao individual, em razo dos seus altos custos, entretanto, os fabricantes lucraram com o prejuzo de milhares de consumidores. nesse contexto que se faz necessria a possibilidade de consumidores veem seus direitos defendidos de forma coletiva, pois ainda que a tutela individual seja importante, ela no suficiente para ser feita uma proteo do consumidor integralmente.22
Fredie Didier Junior e Hermes Zaneti Junior reforam a importncia da tutela coletiva dos
direitos, pois este evitam a proliferao desenfreada dessas causas atmicas, tambm chamadas
individualizadas, bem como, a prolao de decises divergentes e a enxurrada de processos no
judicirio23.
Logo, a tutela coletiva proporciona diversas vantagens24, tais como, a eliminao de decises
contraditrias e a busca de um processo ao alcance de todos os cidados, economia processual25, a
21 Owen Fiss traz exemplo semelhante: Em muitos casos, no h necessidade de desvencilhar os propsitos
pblicos e privados de uma ao judicial iniciada por um cidado. O cidado favorece o interesse pblico por meio da procura por fins privados. H, entretanto, uma categoria de casos de crescente importncia nos tempos modernos na qual os dois propsitos tornam-se distintos. Isto ocorre quando o dano sofrido por um cidado individual no suficiente para dar-lhe uma boarazo para ingressar com uma ao judicial, ainda que o dano agregado seja considervel para a sociedade. Considere-se, novamente, um acordo de fixao de preos. Desta vez, nosso hipottico acordo envolve corretores que lidam com pequenas transaes. O dano imposto a um pequeno investidor pode ser de setenta dlares, mas o prejuzo agregado sofrido pelo conjunto de investidores que chega a milhes de sessenta milhes de dlares. Em tal caso, o sistema jurdico poderia permanecer relativamente indiferente ao fato dos setenta dlares serem algum dia revertidos em favor do investidor, mas no completamente indiferente s ramificaes pblicas do ato dos corretores, em razo da enorme perda social que decorria dele (FISS, Owen. Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdio, constituio e sociedade. Traduo Daniel Porto Godinho da Silva e Melina de Medeiros Rs. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 235). Pode-se pensar que determinada empresa que produz balas, tradicionalmente vende pacotes com duzentas unidades, no entanto, ao invs de colocar duzentas (200) unidades esto colocando apenas cento e noventa e oito (198). Isso aconteceu inmeras vezes com o mesmo consumidor, mas ser que este individualmente ingressaria em juzo para requerer indenizao perante s vezes em que comprou a referida marca.
22 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exerccios, p. 694. 23 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo,
p. 79. 24 Fredie Didier Junior e Hermes Zaneti Junior afirmam que Alm da economia processual, a tutela coletiva
proporciona um maior rendimento da prestao jurisdicional, pois capaz de conferir um tratamento uniforme a questes que afetam uma coletividade, de modo a se propiciar segurana jurdica na soluo de problemas que, de regra, levariam a decises atomizadas e potencialmente conflitantes (DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo, p. 24).
25 GIDI, Antnio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as aes coletivas numa perspectiva comparada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 25.
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desobstruo da mquina judiciria, obviando o ajuizamento de milhares26 de aes individuais27,
que veiculam interesses dispersos e fragmentados na sociedade28 e a ampliao da possibilidade do
cidado poder acessar o Judicirio29.
5. Aes Coletivas
As aes coletivas tem por objeto a tutela dos direitos transindividuais. Segundo a definio
do termo, transindividual refere-se quilo que transcende o indivduo, que vai alm do carter
individual da percepo do interesse existente, que ultrapassa a esfera privada para atingir toda a
coletividade.
As aes coletivas, alm de promoverem uma entrega da prestao jurisdicional mais clere,
econmica e eficaz, acaba por desafogar a abarrotada Justia brasileira quando evita o ajuizamento
de outras aes que podem muito bem serem resolvidas numa nica sentena
Nas relaes de consumo, as aes coletivas so instrumentos de defesa do consumidor em
juzo, que tm como objetivo a reparao, ou a preveno de danos causados aos consumidores nas
demandas coletivas30.
Teori Albino Zavascki afirma que a:
Ao civil pblica a denominao atribuda pela Lei 7.347/85, ao procedimento especial, por ela institudo, destinado a promover a tutela de direitos e interesses transindividuais. Compe-se de um conjunto de mecanismos destinados a instrumentar demandas preventivas, reparatrias e cautelares de quaisquer direitos e interesses difusos e coletivos, nomeadamente as aes de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, ordem urbanstica, a bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico, ordem econmica e economia popular (art.
26 Neste sentido, Srgio Shimura aponta que a ao coletiva pode ter por objeto a defesa de direitos difusos,
coletivos e individuais homogneos, evitando, assim, a proliferao de demandas individuais e o desperdcio de tempo, atividade, energia, e, o que pior, a possibilidade de decises divergentes para uma mesma situao ftica. A demanda coletiva contribui para descobrir a mquina judiciria, obstando o ajuizamento de milhares de aes individuais, veiculadoras de interesses dispersos e fragmentados na sociedade (SHIMURA, Srgio. Tutela coletiva e sua efetividade. So Paulo: Mtodo, 2006. p. 48).
27 No se trata aqui de uma desvalorizao das aes individuais, mas apenas atenta-se para a necessidade de adequao do processo realidade social, servindo o processo como instrumento para garantir meios efetivos para tutelar os direitos constitucionalmente assegurados (LEONEL, Ricardo Barros. Manual do processo coletivo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 28).
28 SHIMURA, Srgio. O papel da associao na ao civil pblica. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias (Coord.). Processo civil coletivo. So Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 153.
29 Tome-se como exemplo, uma das opes onde o ingresso da ao coletiva permitido, em casos envolvendo danos ambientais. O vazamento de petrleo ou o envenenamento de um rio por agentes poluentes de uma fbrica, que podem deixar prejuzos srios, que prejudicam um numero indeterminado de cidados. Contudo, imagine se todos os prejudicados por estes danos ecolgicos acima apontados resolvessem ingressar juzo com aes indenizatrias. Esta a economia que se fala quando se est mencionando dita como um dos objetivos diretos das aes coletivas.
30 Ao coletiva a ao judicial na qual um legitimado autnomo defende direito coletivo latu sensu, e age para obter um provimento jurisdicional que atingir uma coletividade, um grupo, categoria ou classe de pessoas. (ZANETI JUNIOR, Hermes. Processo coletivo. Salvador: Juspodvim, 2006. p. 9).
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1)31.
Para Gregrio Assagra de Almeida, a ao coletiva o instrumento processual
constitucional colocado disposio de determinados entes pblicos ou sociais, arrolados na
Constituio ou na legislao - infraconstitucional na forma mais restrita, o cidado -, para a
defesa via jurisdicional dos direitos coletivos em sentido amplo32.
Humberto Theodoro Jnior afirma que a ao coletiva de ressarcimento de dano aos
consumidores insere-se na nova categoria das aes de grupo, que no Brasil surgiram inicialmente
no mbito do direito do trabalho e, posteriormente, no campo de aplicao da ao civil pblica,
ampliado finalmente pelo Cdigo de Defesa do Consumidor33.
Para garantir a defesa desses direitos, ainda que estes sejam fragmentados e difceis de
serem atribudos a algum individualmente, conferiu-se legitimao ativa a determinados entes
intermedirios, como o Ministrio Pblico, e associaes, cuja tarefa de representar os direitos das
coletividades em juzo em sede de aes coletivas.
Assim, o legislador brasileiro optou por conferir legitimao para agir a vrios entes, desde
organismos estatais at entidades privadas, mesclando as solues adotadas em outros
ordenamentos jurdicos.
Logo, so legitimados para propositura de ao coletiva: Ministrio Pblico, Defensoria
Pblica, Unio, Estados-membros, Municpios, Distrito Federal, autarquia, empresa pblica,
fundao e sociedade de economia mista; associao civil constituda h pelo menos um ano, com
finalidades institucionais compatveis com a defesa do interesse questionado e entidades e rgos da
administrao pblica, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurdica, especificamente
destinados defesa dos consumidores.
5. Direitos tutelados pelas Aes Coletivas
Os direitos transindividuais34 so o gnero, dos quais so espcies: os direitos difusos, os
direitos coletivos estrito sensu (chamados direitos essencialmente coletivos) e direitos individuais
31 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, p. 48. 32 ALMEIDA, Gregrio Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual. So Paulo: Saraiva, 2001. p. 43. 33 THEODORO JNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um equilbrio entre as garantias do
cdigo de defesa do consumidor e os princpios gerais do direito civil e do direito processual civil, p. 119. 34 Pois bem, os interesses ou direitos coletivos podem ser divididos em dois grupos: direitos essencialmente
coletivos, em cujo grupo esto os direitos difusos e coletivos strictu sensu e direitos acidentalmente coletivos, onde se insere os chamados direitos individuais homogneos (PIMENTA, Jos Roberto Freire. A tutela metaindividual dos direitos trabalhistas: uma exigncia constitucional tutela metaindividual trabalhista a defesa coletiva dos direitos dos trabalhadores em juzo. So Paulo: LTr, 2009. p. 9-10).
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homogneos35 (chamados acidentalmente coletivo)36.
Tambm chamados interesses coletivos em sentido amplo, os direitos transindividuais
constituem uma nova categoria de direitos, que no se enquadram nem como interesse pblico nem
como privado. No pblico porque no tem como titular o Estado, nem se confunde com o bem
comum; no privado porque no pertence a uma pessoa, isoladamente, mas a um grupo, classe ou
categoria de pessoas37.
Nas relaes de consumo, podemos citar como exemplos de interesses38 transindividuais:
vtimas de um produto nocivo que foi posto no mercado; contratantes de um consrcio ou de
determinada instituio financeira39; ou ainda, por todos aqueles que possam estar sujeitos aos
efeitos perniciosos de certo produto poluente que tenha sido lanado na atmosfera.
6. Direitos difusos
Segundo o artigo 81, I, do Cdigo de Defesa do Consumidor, os direitos difusos40 so os
transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas ligadas por 35 Quando a doutrina passou a enfrentar o problema das aes coletivas, viu-se inicialmente com srias
dificuldades para definir conceitos para os novos direitos que lhe estariam na base, o que levou alguns juristas a afirmar que estes se tratavam de personagens misteriosos 3. Apesar de certa homogeneidade obtida com relao aos direitos difusos e coletivos, vistos sob o aspecto subjetivo como direitos transindividuais e, no aspecto objetivo como indivisveis, sua conceituao sempre foi objeto de dvida. Porm, com o advento do CDC, esta problemtica restou resolvida no direito brasileiro. O Cdigo estabeleceu, no art. 81, nico, as categorias em que se exerce a defesa dos direitos coletivos lato sensu. So elas: os direitos difusos, os direitos coletivos (stricto sensu) e os direitos individuais homogneos. A mesma soluo foi adotada pelo Cdigo Modelo (ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos coletivos lato sensu: a definio conceitual dos direitos difusos, dos direitos coletivos stricto sensu e dos direitos individuais homogneos. So Paulo, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 02 dez. 2013).
36 Kazuo Watanabe afirma que a tutela coletiva abrange dois tipos de interesses ou direitos: a) os essencialmente, que so os difusos, definidos no inc. I do pargrafo nico do art. 81, e os coletivos propriamente ditos, conceituados no inciso II do pargrafo nico do art. 81; b) os de natureza coletiva apenas na forma em que so tutelados, que so os individuais homogneos, definidos no inciso III do pargrafo nico do art. 81 (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 70).
37 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceitos e legitimao para agir. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. No presente trabalho, a expresses direitos e interesses sero trabalhadas como sinnimas, em razo da ausncia de efeitos pragmticos, sendo consideradas, portanto um mero dissenso terminolgico e doutrinrio. Assim, o que realmente importa reside no fato de que os direitos transindividuais so uma categoria distinta tanto do interesse pblico e do interesse privado, situando-se, portanto, numa posio intermediria entre eles38, mas a doutrina insiste em discutir a diferena entre direito e interesse, embora tal discusso no tenha nenhuma aplicao prtica.
39 Smula n 297 do Superior Tribunal de Justia: O Cdigo de Defesa do Consumidor aplicvel s instituies financeiras.
40 Vicente de Paula Maciel Jnior citando Mauro Cappelletti afirma que os direitos difusos so interesses fragmentados no sentido de que cada um de ns tem um fragmento do interesse difuso (MACIEL JNIOR, Vicente de Paula. Conveno coletiva do consumo: estudo dos interesses, difusos, coletivos e de casos prticos; aspectos comparativos entre experincia do direito do trabalho e do direito do consumidor n formao da legislao material e processual. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 46).
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uma circunstncia de fato41.
Para Jos Alfredo de Oliveira Baracho Jnior, os interesses difusos constituem uma tentativa
de garantir a equiprimordialidade entre o interesse pblico e o interesse privado, atravs do
reconhecimento do carter intersubjetivo dos conflitos jurdicos42.
Fredie Didier Junior e Hermes Zaneti Junior conceituam os direitos difusos:
Assim, reputam-se os direitos difusos (art. 81, par. n., I, do CDC) aqueles transindividuais (metindividuais, supraindividuais, pertencentes a uma coletividade), de natureza indivisvel (s podem ser considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade de sujeitos, no havendo individuao) ligadas por circunstncias de fato, no existindo um vnculo comum de natureza jurdica, v.g., a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada atravs de imprensa falada, escrita ou televisionada, a afetar nmero incalculvel de pessoas, sem que entre elas exista uma relao jurdica base, a proteo ao meio-ambiente e a preservao da moralidade administrativa.43
Neste sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que os direitos difusos:
So interesses metaindividuais que, no tendo atingido o grau de agregao e organizao necessrio sua afetao institucional junto a certas entidades ou rgos representativos dos interesses j socialmente definidos, restam em estado fludo, dispersos pela sociedade civil como um todo (v. g., o interesse pureza do ar atmosfrico), podendo vezes, concernir a certas coletividades de contedo numrico indefinido (v.g., os consumidores). Caracterizam-se pela indeterminao dos sujeitos, pela indeterminao do objeto, por sua tendncia transio ou mutao no tempo e no espao.44
Wilson de Souza Campos Batalha afirma que os interesses difusos45 so os que interessam
indiretamente a toda comunidade, como os relacionados com a proteo do meio ambiente, como os
relacionados com a poluio ambiental, com a defesa da ecologia, com a defesa dos consumidores
41 A expresso direitos difusos j era conhecida pelos romanos, esses direitos difusos representavam o culto
divindade, o direito liberdade e ao meio ambiente. Depois com o Direito Escandinavo, houve a criao da figura do ombudsman, cujos antecedentes se deram na Sucia, no sculo XVI, com o surgimento do Grande Senecal (drotsen), a quem incumbia velar o bom funcionamento e administrao da Justia sob a autoridade do rei. O ombudsman tinha a finalidade de exercer o controle da Administrao Pblica, e com o passar do tempo tambm tinha como finalidade o atendimento dos mais variados direitos coletivos, como consumidor e sade pblica. O ombudsman somente defende os direitos difusos no mbito administrativo, cabendo ao Parquet, tradicionalmente a tutela jurisdicional dos interesses indisponveis da sociedade.
42 BARACHO JNIOR, Jos Alfredo de Oliveira. Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 263.
43 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo, p. 74.
44 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e colocao no quadro geral dos interesses. Revista de Processo, So Paulo, n. 55, p. 165-179, jul./set. 1989. p. 176.
45 Ecologia, qualidade de vida, direitos dos consumidores, direitos humanos, etnia, errio, minorias, economia popular, ordem econmica, abastecimento, patrimnio nacional amplamente considerado, deficientes fsicos, investidores no mercado de valores mobilirios, criana e adolescncia, biossegurana, potencial hdrico, planos de sade, idosos, ordem urbanstica, segurana pblica, disponibilizao de medicamentos, so exemplos dos interesses difusos.
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(Constituio art. 5, XXXII) e dos investidores do mercado contra a poluio financeira (Lei n
7.913, de 07 de dezembro de 1989)46.
Portanto, os direitos difusos47 devem ser estudados segundos os critrios48 da titularidade,
divisibilidade do objeto e quanto origem49.
Quanto titularidade dos direitos difusos, esta pertence coletividade composta por
indivduos indeterminados, conforme explica Jos Carlos Barbosa Moreira:
O conjunto dos interessados apresenta contornos fludos, mveis, esbatidos, a tornar impossvel ou quando menos superlativamente difcil, a individualizao exata de todos os componentes. Sendo que tal vnculo pode at inexistir, ou ser extremamente genrico reduzindo-se, eventualmente, pura e simples pertinncia mesma comunidade poltica e o interesse que se quer tutelar no funo dele, mas antes se prende a dados de fato, muitas vezes acidentais e mutveis; existir, v.g., para todos os habitantes de determinada regio, para todos os consumidores de certo produto, para todos os que vivam sob tais ou quais consequncias deste ou daquele empreendimento pblico ou privado e assim por diante.50
A leso a esses direitos, por consequncia, tambm atingir um nmero indeterminado de
pessoas, toda a coletividade de consumidores, ou pessoas pertencentes a uma comunidade, uma
etnia, ou at mesmo um pas inteiro.
Assim, os direitos difusos superam ncleos individuais cuja titularidade recai sobre pessoas
indeterminadas e indeterminveis, dada a possibilidade de serem atribudos a sujeitos singularmente
considerados51, o que coloca em xeque toda a noo tradicional do direito subjetivo cujas sementes
foram lanadas pelo sistema clssico burgus, e que condiciona o acionamento do Poder Judicirio
46 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito processual das coletividades e dos grupos, p. 45. 47 Mauro Cappelletti afirma que se trata de interesses a procura de um autor, tendo em vista que eles no
pertencem a nenhum indivduo em particular, ou, no mximo, cada indivduo detm uma parcela insignificante destes interesses (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia, p. 31).
48 H ainda outra caracterstica, citada por alguns doutrinadores como Antnio Gidi, qual seja, a intensa litigiosidade, ou tambm chamada de conflituosidade ampla, em funo de envolver um sem-nmero de pessoas. Assim, os direitos difusos no comportam decomposio e essa ou quela pessoa, de modo a obter feixes de interesses individuais, marcado pela nota da divisibilidade, de que titular uma comunidade de pessoas indeterminadas mas determinveis, cuja origem est em alegaes de questes comuns de fato ou de direito (GIDI, Antnio. Coisa julgada e litispendncia em aes coletivas. So Paulo: Saraiva, 1995. p. 30). No entanto, entendemos que essa intensa litigiosidade seja apenas uma consequncia da titularidade e no outra caracteristica dos direitos difusos, pois razo da existncia da dificuldade em quantificar as pessoas que surge tamanha conflituosidade.
49 A titularidade pertence coletividade composta por indivduos indeterminados e indeterminveis; quanto divisibilidade do objeto: o direito difuso essencialmente indivisvel; quanto origem, os direitos difusos nascem mesma situao de fato.
50 MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. A ao popular no Direito Brasileiro, como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos. Revista de Processo, So Paulo, n. 28, p. 7-19, out./dez. 1982, p. 9.
51 OLIVEIRA, James Eduardo. Cdigo de defesa do consumidor: anotado e comentado: doutrina e jurisprudncia. So Paulo: Atlas, 2009, p. 657.
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a uma leso individual, pessoal e direta52.
Os direitos difusos apresentam a indivisibilidade de seu objeto53, pois no possvel sua
diviso e atribuio a determinadas pessoas ou a determinados grupos. O objeto do seu interesse
indivisvel, pois no se pode repartir o proveito, e tampouco o prejuzo, visto que a leso atinge a
todos indiscriminadamente, assim como a preservao a todos aproveita54.
Significa dizer que, quanto aos direitos difusos, no possvel definir claramente seus
contornos como nos direitos coletivos, nem mesmo podem ser aglutinados em grupos bem
delineados e sua existncia no alterada, pelo fato de serem exercidos ou no55.
Pense por exemplo como seria possvel destacar exatamente quais as pessoas lesadas por
uma propaganda enganosa, que consumiram o produto cuja informao falsa fora veiculada em
determinada propaganda.
Quanto origem do direito difuso estes esto interligados por uma mesma situao ftica,
sendo que no existe um vnculo comum de natureza jurdica56, como exemplifica Zanetti, a
publicidade enganosa ou abusiva, veiculada atravs de imprensa falada, escrita ou televisionada, a
afetar uma multido incalculvel de pessoas, sem que entre elas exista uma relao jurdica-base57.
Kazuo Watanabe explica que:
A origem comum no significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vtimas de uma publicidade enganosa veiculada por vrios rgos de imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo sade adquirido por vrios consumidores em um largo espao de tempo e em vrias regies tm, como causa de seus danos, fatos com
52 Os interesses difusos situam-se no extremo oposto dos direitos subjetivos, visto que estes apresentam como
nota bsica o poder de exigir, exercitvel por seu titular, contra ou em face de outrem, tendo por objeto certo bem da vida (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceitos e legitimao para agir, p. 88).
53 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceitos e legitimao para agir, p. 84. 54 Assim afirma Jos Carlos Barbosa Moreira que os direitos difusos apresentam traos bsicos como a
indivisibilidade do objeto do interesse, cuja satisfao necessariamente aproveita em conjunto a todos, e cuja postergao a todos em conjunto prejudica (MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. A tutela dos direitos difusos. So Paulo: Max Limonad, 1984. p. 99).
55 Neste sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso afirma: assim que se encontram os interesses difusos entre os habitantes de uma mesma localidade, entre os que consomem um mesmo produto; entre os que esto sujeitos s emanaes nocivas de uma mesma indstria etc. essa uniformidade de contedo que, no nosso ver, determina a indivisibilidade dos interesses difusos, assim referveis a todos os sujeitos concernentes, indistintamente (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceitos e legitimao para agir, p. 84).
56 Neste sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso exemplifica a questo da origem comum dos direitos difusos: A instalao de uma hidreltrica, que acarretar devastao de florestas e alterao na ecologia local, suscitar interesses difusos; seus portadores acenaro para circunstncias de fato, mesmo contingenciais: a opinio do grupo dominante, contrria obra pbica e favorvel preservao da natureza; o fato de que j haveria um excesso de energia eltrica gervel por outras hidreltricas, etc. Alis, a circunstncia de estarem num plano pr-jurdico, isto desvinculados dos limites demarcados numa norma, o que enseja essa fluidez apresentada pelos interesses difusos (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceitos e legitimao para agir, p. 123).
57 ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos coletivos lato sensu: a definio conceitual dos direitos difusos, dos direitos coletivos stricto sensu e dos direitos individuais homogneos, p. 3.
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homogeneidade tal que os tornam a origem comum de todos eles. Ou seja, o que tm em comum a procedncia, e a gnese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrria.58
So exemplos de direitos difusos: o meio ambiente59, os direitos do consumidor no caso de
uma propaganda enganosa, ou a disponibilizao de produto ou servio no mercado com alto grau
de periculosidade ou nocividade, como por exemplo, a colocao de medicamentos no mercado
com fator-risco bastante superior ao fator-benefcio, ou mesmo um alimento deteriorado60.
Portanto, nas relaes de consumo, inmeros so os direitos que podem ser classificados
como difusos61, como por exemplo, a colocao no mercado de um produto sem as informaes
necessrias na embalagem ou a veiculao de uma propaganda enganosa62.
Em ambos os casos, os titulares do direito a prpria coletividade, um nmero
indeterminado de pessoas, pois no h como aferir quantas e quais pessoas tiveram contato com a
embalagem do produto, ou tiveram acesso propaganda veiculada.
Alm disso, as pessoas esto ligadas por uma situao de fato, qual seja, a colocao do
produto ou a veiculao na mdia, e por fim, seu objeto indivisvel, porque um direito que
pertence coletividade, e eventuais danos que lhe sejam causados ensejaro a propositura de uma
ao coletiva63.
Concluindo, ser, portanto, considerado direito difuso, aquele de natureza indivisvel
pertencente a pessoas indeterminadas ligadas transitoriamente por circunstncias fticas, trata-se de
atos que, em princpio, voltam-se contra toda a coletividade de consumidores, sendo por isso
indeterminados quanto aos sujeitos e ao objeto. 58 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 825. 59 Os direitos ligados rea do meio ambiente tm reflexo sobre toda a populao, pois se ocorrer qualquer
dano ou mesmo um benefcio ao meio ambiente, este afetar, direta ou indiretamente, a qualidade de vida de toda a populao, como a poluio de um rio ou o desmatamento de florestas.
60 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, p. 50. 61 Pedro Lenza explica que nas relaes de consumo so inmeros os direitos que podem ser qualificados como
difusos como, por exemplo, a publicidade enganosa divulgada amplamente atravs da imprensa. Neste exemplo, a publicidade atingir um nmero incalculvel de pessoas, que no podero ser determinadas. A leso ao direito de uma s dessas pessoas, acarreta a leso aos direitos de todas as demais, e a cessao da leso com relao a apenas uma delas tambm beneficia a todas (LENZA, Pedro. Teoria geral da ao civil pblica, p. 71).
62 Luiz Antonio Rizzatto Nunes d o seguinte exemplo sobre direito difuso: Digamos que um vendedor de remdios anuncie um medicamento milagroso que permita que o usurio emagrea cinco quilos por dia apenas tomando um comprimido, sem nenhum comprometimento sua sade. Seria um caso de enganao tipicamente difusa, pois dirigida toda a comunidade (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. As aes coletivas e as definies de direito difuso, coletivo e individual homogneo, p. 86).
63 Neste sentido, Eduardo Arruda Alvim exemplifica uma violao aos direitos difusos da seguinte maneira: exemplo de violao a direito difuso consiste, v.g., na veiculao de propaganda enganosa via televiso ou jornal. Atinge-se um nmero indeterminado de pessoas ligadas por circunstncias de fato (estarem assistindo propaganda via televiso ou lendo o mesmo jornal). O bem jurdico tutelado, doutra parte, indivisvel: basta a veiculao da propaganda enganosa para eu todos os consumidores sintam-se ofendidos. E, ademais, a retirada da propaganda enganosa da televiso ou do jornal, por ser enganosa, acaba por beneficiar todos os consumidores (ALVIM, Eduardo Arruda. Apontamentos sobre o processo das aes coletivas, p. 29).
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7. Direito coletivos (direitos coletivos stricto sensu)
Conforme o artigo 81, II, do Cdigo de Defesa do Consumidor, os direitos coletivos64
compreendem-se como aqueles transindividuais de natureza indivisvel de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrria por uma relao jurdica
base65.
Ada Pellegrini Grinover afirma que por interesses coletivos entendem-se os interesses
comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando sobre um vnculo
jurdico definido que os congrega66.
Os direitos coletivos67 so aqueles direitos transindividuais, ou seja, que no podem ser
mensurados individualmente, dos quais so titulares grupos de pessoas determinadas, ligadas entre
si por uma relao jurdica base. Trata-se de direitos cuja titularidade no abrange a totalidade dos
indivduos, mas grupos homogneos tomados segundo um determinado aspecto68.
Os titulares so ligados entre si ou com a parte contrria por uma relao jurdica base, e no
por mera circunstncia de fato. A relao jurdica base a que se refere o inciso II do pargrafo nico
do art. 81 do Cdigo de Defesa do Consumidor, justamente este vnculo contratual estabelecido
com o fornecedor69, relao jurdica deve ser preexistente leso ou ameaa de leso ao direito do
grupo, categoria ou classe de pessoas.
Se j provado o dano efetivo pelo consumo de tais produtos ou servios, o que se pretende
conferir universalidade ao grupo de consumidores alm dos devidos instrumentos jurdico-
processuais para obter a justa e mais completa possvel reparao dos responsveis, circunstncias
previstas a partir do artigo 8 e seguintes do Cdigo de Defesa do Consumidor e sobretudo pelo art.
64 Ada Pellegrini Grinover entende por interesses coletivos os que so comuns a uma coletividade de pessoas e
somente a elas, assentando-se um vnculo jurdico definido que as congrega, como por exemplo, a sociedade, a famlia. Refere ao que denomina direitos coletivos stricto sensu (GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. So Paulo: Max Limonad, 1984. p. 30).
65 Neste sentido, Mazzili afirma que coletivos em sentido estrito, so interesses transindividuais indivisveis de um grupo determinado ou determinvel de pessoas, reunidas por uma relao jurdica bsica (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 52).
66 GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemtica dos interesses difusos. So Paulo: Max Limonad, 1984. p. 30. 67 Pricles Prade conceitua os direitos difusos da seguinte forma: so os titularizados por uma cadeia abstrata de
pessoas, ligados por vnculos jurdicos fticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situao, passveis de leses disseminadas entre todos os titulares, de forma pouci circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade (PRADE, Pricles. Conceitos de direitos difusos. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 57-58).
68 Para Luciano Velasque Rocha, os direitos individuais homogneos, trata-se de direito difuso, eis que no pode pleite-lo para si sem que uma quantidade indeterminvel de pessoas unidas por um vnculo ftico se beneficie concomitantemente. Desta forma, acabamos por localizar um exemplo de direito difuso e no meramente uma pretenso difusa desvinculado de um processo qualquer (ROCHA, Luciano Velasque. O problema da legitimidade para agir. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 67).
69 BENJAMIN, Antnio Herman; MARQUES, Cludia Lima; BESSA; Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 388.
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81 e seguintes70.
Os direitos coletivos devem ser analisados sob o enfoque da titularidade, divisibilidade do
objeto e a relao jurdica-base.
Quanto titularidade, esta compe-se da coletividade composta de indivduos
indeterminados71, mas pertencentes a um grupo ou categoria. Logo, o Cdigo de Defesa do
Consumidor restringe o universo possvel dessas pessoas, que devem pertencer a um mesmo grupo,
categoria ou classe; assim, uma coletividade perceptvel por vnculos, no havendo desordenamento
ou profuso na titularidade, no sendo possvel a identificao dos titulares pela individualidade,
mas sim pelo grupo ou coletividade, mantendo-se a indivisibilidade do direito72.
Quanto indivisibilidade de seu objeto, significa que o objeto indivisvel, pois pertence a
todos os titulares e ao mesmo tempo a nenhum de modo especfico, contudo aqui os seus titulares
so determinados e conectados por uma relao jurdica preexistente. Hermes Zaneti Junior explica
que cabe ressalvar que a relao-base necessita ser anterior leso (carter de anterioridade).
No caso da publicidade enganosa, a ligao com a parte contrria tambm ocorre, s que em
razo da leso e no de vnculo precedente, o que a configura como direito difuso e no coletivo
stricto sensu (propriamente dito)73.
Podemos citar como exemplo, os estudantes de uma escola privada quando discutem
reajustes na mensalidade escolar74; usurios de um mesmo fornecedor de energia eltrica, muturios
de um mesmo sistema habitacional, sindicato, na defesa dos interesses de seus associados e
segurados de planos de sade pelo aumento das mensalidades75.
Tambm direito coletivo quando se discute a ilegalidade de uma clusula contratual ou
mesmo abusiva de determinado contrato de adeso. Nesta situao, a existencia de uma ao que
pleiteie a declarao da ilegalidade aproveitar a todos de mesma forma; os titulares do direito so
determinados e sero beneficiados com a declarao todas as pessoas que tiverem aderido quele
contrato, e a adeso consiiste na verificao da relao jurdica comum entre todos os titulares do
direito.
70 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, p. 50. 71 Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial n 163.231-SP. 1997/0027182-0. T. 2. Rel. Ministro Maurcio
Corra, j 26/02/1997. Dirio de Justia Eletrnico, Braslia, 29 jun. 2001. 72 ALVIM, Eduardo Arruda. Apontamentos sobre o processo das aes coletivas, p. 31. 73 ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos coletivos lato sensu: a definio conceitual dos direitos difusos, dos
direitos coletivos stricto sensu e dos direitos individuais homogneos, p. 3. 74 Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery trazem o exemplo dos alunos de uma escola em lhes ver
assegurada determinada qualidade de ensino. As pessoas so determinveis tm uma relao jurdica com a parte contrria (escola), e o bem jurdico (qualidade de ensino) indivisvel, na acepo de que no frutvel individualmente (NERY JNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Cdigo de Processo Civil comentado e legislao extravagante, p. 1.394).
75 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, p. 50.
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8. Direitos individuais homogneos
O Cdigo de Defesa do Consumidor no art. 81, pargrafo nico, III, conceitua os direitos
individuais homogneos como aqueles interesses decorrentes de uma origem comum76.
Os direitos individuais homogneos, por sua vez, distinguem-se um pouco dos difusos e dos
coletivos, pois na verdade, esses direitos tem natureza de direito individual, sendo coletivos, apenas
na forma em que so tutelados77.
Ou seja, os direitos individuais homogneos no so coletivos em sua essncia, mas por uma
tentativa do legislador em proteger esses direitos, so formalmente ou acidentalmente coletivos78
para fins de tratamento processual79.
Dessa forma, os direitos individuais homogneos80 em razo de um interesse social podem
ser tutelados coletivamente como meio de alcanar maiores xitos no aspecto da efetiva reparao81,
e embora os direitos protegidos sejam individuais, no se trata de litisconsrcio, mas sim de direito
coletivo latu sensu, na modalidade de direitos individuais homogneos 82.
Por isso, no o caso de ajuntamento de vrias pessoas, com direitos prprios e individuais
no polo ativo da demanda, nem mesmo uma pluralidade subjetiva de demandas, o que ocorre no
litisconsrcio ativo, mas se trata de uma nica demanda objetivando a tutela dos titulares de direitos
individuais homogneos83, mas o caso de um direito coletivo como os demais.
76 O tratamento legislativo consagrador dos direitos individuais homogneos76 tem em si uma funo
estritamente teleolgica, qual seja, a de propiciar uma maior efetividade no acesso justia, tendo em vista a ineficcia dos meios at bem pouco atrs existentes no processo civil brasileiro individual. (FERNANDES, Tycho Brahe; GUIMARES, ngela Silva. A legitimao do Ministrio Pblico na defesa dos direitos individuais homogneos. Florianpolis, nov. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 02 mar. 2013).
77 Neste sentido, Pedro da Silva Dinamarco afirma que os direitos individuais homogneos so verdadeiros interesses individuais mas circunstancialmente tratados de forma e so consequncias da moderna sociedade de massa, em que a concentrao de pessoas em grandes centros e a produo em srie abrem espao para que muitas pessoas sejam prejudicadas por um mesmo fato (DINAMARCO, Pedro da Silva. Ao civil pblica. So Paulo: Saraiva, 2001. p. 60).
78 Para Jos Carlos Barbosa Moreira os direitos individuais homogneos seriam acidentalmente coletivos enquanto os direitos difusos e coletivos stricto sensu seriam essencialmente coletivos (MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos. So Paulo: Saraiva, 1984. p. 195-197).
79 LEONEL, Ricardo Barros. Manual do processo coletivo, p. 108. 80 Originrio das class actions for damanges, aes de reparao de danos coletividade do direito norte-
americano (GIDI, Antnio. Coisa julgada e litispendncia em aes coletivas, p. 19). 81 FERNANDES, Srgio Ricardo de Arruda. Breves consideraes sobre as aes coletivas contempladas no
Cdigo de Defesa do Consumidor. Revista de Processo, So Paulo, n. 71, p. 145-160, 1993. p. 141. 82 O Supremo Tribunal Federal se posicionou pela admisso dos direitos individuais homogneos como
subespcies integrantes dos direitos coletivos, os direitos ou interesses homogneos so os que tm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei 8.078, de 11.09.1990), constituindo-se em subespcie de direitos coletivos [...]. (Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial n 163.231-SP. 1997/0027182-0. T. 2. Rel. Ministro Maurcio Corra, j 26/02/1997. Dirio de Justia Eletrnico, Braslia, 29 jun. 2001).
83 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. As aes coletivas e as definies de direito difuso, coletivo e individual homogneo, p. 82.
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No Recurso Extraordinrio (RE) n 163.231-SP o Supremo Tribunal Federal afirmou de
forma categrica que os direitos individuais homogneos so realmente direitos coletivos e no
individuais.
Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogneos, stricto sensu, ambos esto cingidos a uma mesma base jurdica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque so relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito s pessoas isoladamente, no se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ao civil pblica, porque sua concepo finalstica destina-se proteo desses grupos, categorias ou classe de pessoas.84
Logo, no h dvidas de que os direitos individuais homogneos so coletivos lato sensu,
fazendo parte ampla da proteo e resguardo das aes coletivas85. Os direitos individuais
homogneos86 devem ser analisados sob o enfoque da titularidade, da divisibilidade do objeto e da
origem.
Quanto titularidade, ao contrrio, do que ocorre com as duas categorias j examinadas, so
na verdade direitos individuais perfeitamente atribuveis a sujeitos especficos87, ou ainda, pode se
referir a um nmero de pessoas ainda no identificadas, mas passvel de ser determinado em um
momento posterior.
Os direitos individuais homogneos88 so perfeitamente divisveis entre os titulares, no
entanto, pode se postular a proteo jurisdicional coletivamente, visto que possuem uma origem
ftica comum89.
Miguel Teixeira de Sousa salienta que
Enquanto os interesses difusos stricto sensu e os interesses colectivos correspondem dimenso supra-individual dos interesses difusos lato sensu, os interesses individuais homogneos so a refraco daqueles mesmos interesses na esfera de cada um dos seus
84 Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial n 163.231-SP. 1997/0027182-0. T. 2. Rel. Ministro Maurcio
Corra, j 26/02/1997. Dirio de Justia Eletrnico, Braslia, 29 jun. 2001. 85 Em sentido diverso, Teori Albino Zavascki afirma que os direitos individuais homogneos so direitos
individuais coletivamente tratados (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, p. 42).
86 So homogneos quando afetarem um determinado nmero de pessoas ligadas por uma origem comum. Para admitir, contudo, o tratamento coletivizado de tpicos direitos subjetivos individuais, a lei estabeleceu um requisito especfico, imprescindvel para assegurar a homogeneidade dos interesses, que a formulao de pedido genrico, congruente com a sentena determinada pelo art. 95 do Cdigo de Defesa do Consumidor.
87 Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n 823.063-PR. 2006/00360-0. T. 4. Rel. Ministro Raul Arajo, j 14/02/2012. Dirio de Justia Eletrnico, Braslia, 22 fev. 2012.
88 Embora no tenha utilizado a expresso direitos individuais homogneos, pois foi o Cdigo de Defesa do Consumidor o primeiro diploma a referir-se expressamente aos direitos individuais homogneos, a Lei 7.913/89 j previa a tutela de direitos individuais de origem comum pelo Ministrio Publico, dispondo sobre ao civil pblica de responsabilidade por danos causados aos investidores de mercados mobilirios como ensina Teori Albino Zavaski (Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, p. 166).
89 ALVIM, Eduardo Arruda. Apontamentos sobre o processo das aes coletivas, p. 31.
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interesses. , alis, desta circunstncia que resulta a homogeneidade destes interesses: eles so homogneos no seu contedo, porque os seus titulares o so simultaneamente de um mesmo interesse difuso stricto sensu ou de um mesmo interesse coletivo.90
Nelson Nery Jnior afirma que:
Os direitos individuais homogneos so aqueles cujos titulares so perfeitamente individualizveis, detentores de direito divisvel. O que une esses titulares a ponto de propiciar a defesa coletiva desses direitos individuais, a origem comum do pedido que pretendem fazer em juzo.91
Quanto origem comum92, significa dizer que os direitos individuais tm uma causa comum
ou um nico fato que gerou vrias pretenses. Portanto, os direitos individuais homogneos so
aqueles cujos titulares so perfeitamente individualizveis, detentores de direito divisvel. O que
une esses titulares a ponto de propiciar a defesa coletiva desses direitos individuais a origem
comum do pedido que pretendem fazer em juzo93.
Sendo assim, a caracterstica dos direitos individuais homogneos que o distingue dos
demais, qual seja, a divisibilidade do seu objeto, o que significa que cada um dos seus titulares do
direito pode demandar de forma individual ou coletivamente94.
A divisibilidade do objeto pode ser melhor visualizada no momento da liquidao da
90 SOUSA, Miguel Teixeira de Sousa. A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos. Lisboa: Lex,
2003. p. 53. 91 NERY JNIOR, Nelson. O processo civil no Cdigo de Defesa do Consumidor. Revista de Processo, So
Paulo, v. 61, p. 187-200, 1991. p. 196. 92 Fredie Didier e Hermes Zaneti Junior destaca que a origem comum esta est relacionada s aes de
reparao de danos coletividade do direito norte-americano, conceituados como direitos decorrentes de origem comum, ou seja, os nascidos em consequncia da prpria leso ou ameaa de leso, em que a relao jurdica entre as partes post factum (fato lesivo) (DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo, p. 75-76).
93 Srgio Cruz Arenhart afirma que, os direitos individuais homogneos, por se tratar de direitos individuais idnticos admitem proteo coletiva, por meio de uma nica ao. Assim deve ser porque tais direitos so uniformes, pois nascem do mesmo fato-gnese, ou de fatos iguais, permitindo, ento, resoluo unvoca (ARENHART, Srgio Cruz. Perfis da tutela inibitria coletiva, p. 157). Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n 761.114-RS. 2005/0060864-7. T. 3. Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 19/10/2006. Dirio de Justia Eletrnico, Braslia, 06 nov. 2006.
94 Nas relaes de consumo, os direitos individuais tem grande relevncia, pois torna vivel o pleito de pretenses que, em face de sua insignificncia, dificilmente seriam levadas a juzo a ttulo individual.
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sentena95, sendo possvel tanto a execuo coletiva como a execuo individual a ser promovida
pelas vtimas.
Nas relaes de consumo, a defesa dos direitos individuais homogneos, de forma coletiva,
objetiva que vrios consumidores, vtimas de um fato nico, possam ingressar em juzo, com pedido
homogneo, buscando uma soluo uniforme, com eficcia e agilidade, trazendo tambm a
economia processual, com por exemplo, as vtimas de um mesmo acidente areo, ou consumidores
que adquiriram veculos com um mesmo defeito de srie.
Os direitos individuais homogneos tambm encontram viabilidade do pleito de pretenses
nos acidentes de consumo, que, em face de sua insignificncia, dificlmente seriam levadas a juzo a
ttulo individual, como por exemplo, diversos consumidores que foram atingidos por danos
causados por certo medicamento, ou de inmeros lesados por uma propaganda enganosa, ou dos
ofendidos por uma publicidade abusiva.
Como exemplo, podemos citar a aquisio de um veculo automotor com determinado
defeito de fbrica96, no qual todos os consumidores que adquiram o bem tero direito reparao do
defeito e tambm de eventuais danos que obtiveram.
Estes consumidores podem se utilizar da via individual ou a via coletiva, ante a
caracterizao dos direitos individuais homogneos, pois todos possuem um direito, advindo de
uma mesma origem, e podem ser perfeitamente individualizveis.
J os interesses ou direitos homogneos so aqueles que decorrem de uma origem comum. Exemplo: o acidente ocorrido em 1996 com o jato da TAM, em que pereceram 99 pessoas, contado os passageiros, tripulantes e pessoas de terra, bem como a exploso de gs no Osasco Plaza Shopping com a morte de 44 pessoas, e ferimentos e danos materiais a quase
95 que, na linha da doutrina mais moderna, referente aos processos coletivos, quanto tutela dos direitos
individuais homogneos, h uma ciso da atividade cognitiva, cujo objetivo, na primeira fase, a obteno de uma tese jurdica geral que beneficie, sem distino, os substitudos, sem considerar os elementos tpicos de cada situao individual de seus titulares e nem mesmo se preocupar em identific-los, ficando a prestao jurisdicional limitada ao ncleo de homogeneidade dos direitos controvertidos. Nesta etapa os direitos individuais homogneos so indivisveis e indisponveis. Na segunda fase, a cognio judicial j se preocupa com os aspectos particulares e individuais dos direitos subjetivos. Trata-se da liquidao e execuo do direito individual a que se referem os arts. 91 a 100 do CDC. Nela so verificados os valores devidos para cada um dos titulares dos direitos individuais lesados, que, por sua vez, sero identificados, constituindo a chamada margem de heterogeneidade. Nesta fase, os direitos so divisveis e disponveis, sendo possvel tanto a execuo coletiva como a execuo individual a ser promovida pelas vtimas. Seguindo esta tendncia, o Cdigo de Defesa do Consumidor, ao acrescentar o art. 21 na Lei 7.347/85, assegurou o uso da ao civil pblica para a defesa dos direitos individuais homogneos, determinando a aplicao dos dispositivos do Ttulo III, entre os quais se incluem os artigos relativos s aes coletivas tratada no Captulo II, que tratam da fase da liquidao e execuo.
96 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 52.
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500 outras pessoas.97
Para resumir, os direitos individuais homogneos so aqueles direitos individuais, mas por
apresentarem relevante valor social, foram tratados de forma coletiva, e que possuem uma origem
comum, de um mesmo fato que afeta diversas pessoas individualmente. A ao para a tutela de um
direito individual homogneo a ao coletiva.
Assim, os direitos individuais homogneos, embora pertinentes a pessoas naturais,
individualizadas, quando visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, transcendem
a esfera de direitos puramente individuais e passam a constituir interesses da coletividade como um
todo, exigindo, portanto, a existncia de um instrumento processual nico, qual seja a ao coletiva.
9. Critrio de distino dos direitos coletivos, difusos e individuais homogneos
A distino dos interesses mencionados encontra-se no pedido e na causa de pedir da ao
coletiva98. Assim, depender de como ser tratado e discutido o interesse coletivo para indagar se
estamos diante de um interesse difuso, coletivo ou individual homogneo.
Ou seja, o direito coletivo latu sensu deve ser identificado em uma de suas modalidades
apenas no caso concreto, de acordo com o pedido e com a causa de pedir, pois um mesmo fato pode
originar pretenses difusas, coletivas e individuais homogneas
Nelson Nery Jnior o tipo de pretenso material e de tutela jurisdicional que se procura
obter atravs do ajuizamento da ao coletiva que classifica um direito como difuso, coletivo ou
individual homogneo.
Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que o que existe uma diferena de intensidade, grau
de agregao dos direitos transindividuais, como por exemplo, no caso dos direitos coletivos, estes
so melhor delineados e afetados a segmentos ou categorias sociais bem definidos, que exigem um
grau maior de organizao dos titulares do direito subjetivo e exemplifica como os interesses dos
metalrgicos ou advogados que seriam representados em juzo por entidades como nesses exemplos
o Sindicato dos Metalrgicos ou pela Ordem dos Advogados do Brasil. Enquanto que os direitos
difusos no comportam agregao definitiva, seja pela indeterminao dos sujeitos, como por
97 FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, p. 50-51, Apelao Cvel n 71.502-
4/0. 98 Assim, depender de como ser tratado e discutido o interesse coletivo para indagar se estamos diante de um
interesse difuso, coletivo ou individual homogneo. Tome-se como exemplo uma publicidade enganosa: Num primeiro momento no temos como precisar as pessoas que poderiam ser atingidas pela referida prtica abusiva. Assim, se a ao coletiva visa retirada da publicidade do ar, estamos diante de um interesse difuso, mas, por outro lado, se a ao coletiva deseja indenizao a todos os consumidores lesados, estaramos diante de um interesse individual homogneo.
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exemplo os consumidores, seja pela fluidez e generalidade do objeto (ar atmosfrico, por
exemplo)99.
O Supremo Tribunal Federal ao analisar a referida questo, afirmou que a indeterminidade
a caracterstica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que
envolvem os coletivos100.
O Superior Tribunal de Justia, por sua vez, delineou que:
[...] direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transindividuais, de natureza indivisvel. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstncias de fato; os segundos, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria atravs de uma nica relao jurdica.101
Tome-se como exemplo uma publicidade enganosa: num primeiro momento no possvel
precisar as pessoas que poderiam ser atingidas pela referida prtica abusiva. Assim, se a ao
coletiva visa retirada da publicidade do ar, estamos diante de um interesse difuso, mas, por outro
lado, se a ao coletiva deseja indenizao a todos os consumidores lesados, estaramos diante de
um interesse individual homogneo.
Srgio Cavalieri Filho afirma que somente a partir do pedido ser possvel a definio
quando um direito ser considerado interesse difuso, coletivo e stricto sensu102 e exemplifica a
situao de um medicamento que cause riscos para a gestante: se o pedido for para retir-lo do
mercado, at que seja feita a advertncia quanto aos riscos, ser um direito difuso, pois atinge a
todos de forma indistinta sendo que a origem ser uma situao ftica.
Por exemplo, se o pedido for pra incluso dos riscos na bula, porque o titular determinado,
o interesse ser coletivo. A origem de uma relao jurdica compra do remdio. Se o pedido for o
ressarcimento pelos danos causados pelo remdio, tratar-se- de interesse individual homogneo.
Logo, o fator determinante dos interesses em demanda ser o pedido103.
Pode haver cumulao de pedidos de natureza diversa, como o de suspender, em carter
geral, a cobrana ou o recebimento de mensalidades escolares que contenham parcela indevida
(direito coletivo stricto sensu) cumulado com o de devolver os valores pagos a maior a quem os
efetuou (direitos individuais homogneos). Essa uma razo para que sem forte fundamento legal,
99 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceitos e legitimao para agir, p. 148-149. 100 Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial n 163.231-SP. 1997/0027182-0. T. 2. Rel. Ministro Maurcio
Corra, j 26/02/1997. Dirio de Justia Eletrnico, Braslia, 29 jun. 2001. 101 Superior Tribunal de Justia. Recurso Especial n 105.215-DF. 1996/0053455-1. T. 4. Rel. Ministro Slvio de
Figueiredo Teixeira, j. 24/06/1997. Dirio de Justia, Braslia, 18 ago. 1997. 102 CAVALIERI FILHO, Srgio. Programa de direito do consumidor, p. 310. 103 CAVALIERI FILHO, Srgio. Programa de direito do consumidor, p. 311.
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no se limite a atuao dos legitimados aos interesses difusos, aos coletivos stricto sensu ou aos
individuais homogneos104.
Logo, temos que o estudo da tutela dos direitos transindividuais fundamental, pois uma
mesma ao pode tutelar, ao mesmo tempo, mais de uma das categorias de direitos coletivos105,
como por exemplo, a demanda que a partir da situao de fato do aumento ilegal de mensalidades
escolares, tenha como pedido a declarao da ilegalidade do aumento (direitos coletivos em sentido
estrito); a repetio do indbito dos valores pagos a maior (individuais homogneos) e a proibio
de futuros aumentos (difusos)106.
No entanto, Hugo Nigro Mazzilli explica que o mesmo interesse no pode ser
simultaneamente difuso, coletivo e individual homogneo, mas o que ocorre uma comunho de
situaes de fato que geram diferentes interesses ou direitos. Desta forma, o que se tem de comum
a situao ftica ensejadora de uma possvel ao coletiva, mas na qual se pleitearo direitos
distintos107.
Em sentido contrrio, Nelson Nery Jnior afirma que um mesmo fato pode originar
pretenses difusas, coletivas e individuais108, exemplificando com o ocorrido com a embarcao
Bateau Mouche IV109:
O que determina a classificao de um direito como difuso, coletivo e individual puro ou individual homogneo o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se prope a
104 TESHEINER, Jos Maria Rosa. Aplicao do Direito objetivo e tutela de direitos subjetivos nas aes
transindividuais e homogeinizantes. Revista Brasileira de Processo Civil: RBDPro, So Paulo, ano 20, n. 78, p. 18-34, abr./jun. 2012. p. 22.
105 Hermes Zaneti Jnior explica que A natural proximidade entre os direitos de natureza coletiva pode levar a situaes (no raras) em que uma mesma leso, v.g., publicidade enganosa ou abusiva, merea tutela por ao visando direito difuso, coletivo ou individual homogneo (ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos coletivos lato sensu: a definio conceitual dos direitos difusos, dos direitos coletivos stricto sensu e dos direitos individuais homogneos. So Paulo, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 02 dez. 2013).
106 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 54.
107 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juzo: meio ambiente, consumidor, patrimnio cultural, patrimnio pblico e outros interesses, p. 54.
108 O referido exemplo mostra claramente a presena de trs categorias de direitos: 1) direito individual homogneo: o interesse divisvel e seus titulares individualizveis, mas o que os une a mesma origem comum do pedido que pretendem fazer em juzo); 2) direito coletivo: seria o interesse objeto de ao movida por associao das empresas de turismo, a fim de compelir a empresa proprietria da embarcao a dot-la de mais segurana; e 3) direito difuso que seria a ao ajuizada pelo Ministrio Pblico em favor da vida e segurana das pessoas
109 Para Luciano Velasque Rocha, o exemplo acertado, no entanto, h nele uma impropriedade, visto que sustentar uma caracterizao do direito como difuso, coletivo ou individual homogneo depende unicamente do conjunto formado entre pedido e causa petendi traria o inconveniente de no permitir a existncia de direitos difusos, coletivos ou individuais homogneos seno no bojo de um processo, sendo que no existiria um direito difuso, mas uma mera pretenso difusa e explica que possvel a existncia de direito difuso distinto da pretenso difusa, explicando atravs de um exemplo de respirar ar puro, que possvel a existncia de um direito difuso independente da pretenso difusa (ROCHA, Luciano Velasque. O problema da legitimidade para agir, p. 67).
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competente ao judicial. Ou seja, o tipo de pretenso que se deduz em juzo. O mesmo fato pode dar ensejo pretenso difusa, coletiva e individual. O acidente com o Bateau Mouche IV110, que teve lugar no Rio de Janeiro h alguns anos, pode ensejar ao de indenizao individual por uma das vtimas do evento pelos prejuzos que sofreu (direito individual homogneo), ao de obrigao de fazer movida por associaes das empresas de turismo que tm interesse na manuteno da boa imagem desse setor na economia (direito coletivo), bem como ao ajuizada pelo Ministrio Pblico, em favor da vida e segurana das pessoas, para que seja interdita a embarcao a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso).111
Logo, seria equivocado acreditar que uma mesma situao ftica no possa resultar na
violao a interesses difusos, coletivos e individuais simultaneamente112. A separao, ou melhor, a
categorizao dos interesses coletivos lato sensu em trs espcies diferentes apenas metodolgica.
As relaes causais esto to intimamente ligadas que um nico fato pode gerar
consequncias de diversas ordens, de modo que possvel que dele advenham interesses mltiplos.
o caso, por exemplo, de um dano ao consumidor ou um acidente ecolgico que pode resultar em
danos difusos e, ao mesmo tempo, em danos individuais homogneos113. Portanto, um direito
caracterizado como difuso, coletivo ou individual homogneo de acordo com o pedido formulado,