(che 347) amor, paixão e promessas - lynn kurland

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Amor, Paixão e Promessas Lynn Kurland Inglaterra, 1200 Mais uma chance para sonhar... Sem terras, bens ou título de nobreza, Rhys de Piaget não poderia pedir a mão de Gwennelyn de Segrave, mas ele sempre seria o dono do seu coração. Rhys e Gwen eram almas gêmeas, tinham sido feitos um para o outro. Ele, um cavaleiro honrado, educado e gentil. Ela, uma amante dos contos de menestréis, romântica e sonhadora. No entanto, Gwen estava prometida a outro homem, e Rhys temia perdê-la para sempre... Até que o inesperado aconteceu, uma reviravolta do destino, que trouxe a Rhys e a Gwen uma segunda chance de amar, e outra chance de sonhar... 6

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Amor, Paixão e PromessasLynn Kurland

Inglaterra, 1200 

Mais uma chance para sonhar...

Sem terras, bens ou título de nobreza, Rhys de Piaget não poderia pedir a mão de

Gwennelyn de Segrave, mas ele sempre seria o dono do seu coração.

Rhys e Gwen eram almas gêmeas, tinham sido feitos um para o outro. Ele, um

cavaleiro honrado, educado e gentil. Ela, uma amante dos contos de menestréis, romântica

e sonhadora.

No entanto, Gwen estava prometida a outro homem, e Rhys temia perdê-la para

sempre... Até que o inesperado aconteceu, uma reviravolta do destino, que trouxe a Rhys e

a Gwen uma segunda chance de amar, e outra chance de sonhar...

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Capítulo 1

Inverno do ano de Nosso Senhor 1200.

Ayre, Inglaterra.

 

Ela acabaria morrendo, o que seria uma pena. Tão nova e conhecendo apenas

o primeiro sabar da verdadeira liberdade. Mas não havia como negar o pavor da

situação. Quem imaginaria o nível de destreza necessária para montar um cavalo?

Talvez se houvesse pasado mais tempo na estrebaria do que bordando no solar de sua

mãe.

Mas era muito tarde para lamentar-se. Só o que podia fazer agora era

segurar-se à sela com uma mão e na crina do cavalo com a outra, e observar como o

campo e os acontecimentos mais notáveis de sua vida desfilavam ao seu lado a uma

velocidade vertiginosa. Seus pecados também pareciam decididos a apresentarem-se

com toda pressa, talvez para adiantarem-se à possibilidade de que o cavalo ou a

  jogasse contra uma árvore ou para cima, deixando-a com um montão de ossos

quebrados sobre a erva silvestre.

   Roubar . Fora pior dos pecados, embora parecesse a única escolha. Ela

 precisava de uma espada para a recém-descoberta vocação e ninguém lhe daria

nenhuma. Havia evado alguns dias para decidir quem seria a vítima adequada dentro

do castelo de seu noivo. Felizmente o mau estado do salão nobre e a embriaguez dos

cavaleiros, facilitaram a tarefa. A espada largada ao lado do dono, estava coberta pela

sujeira.

Era evidente que isso já tinha ocorrido a outros, porque o caipira se limitou a

soltar umas quantas maldições e a receber as condolências de seus companheiros e

depois continuou com suas atividades rotineiras.

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Quanto à contrição, talvez também devesse se arrepender do dano corporal

que causou a um par de cavalheiros e a uma criada quando ia escapando pelo estábulo

com sua recém adquirida espada, tentando que ninguém descobrisse sua identidade.

 Nunca teria imaginado que o só o feito de caminhar com uma espada atada ao quadril

 pudesse ser tão perigoso para os que estavam por perto.

Mentira. Bom, isso lhe causava pontadas de vergonha, mas que outra coisa

 poderia ter feito? Ganhar uma aposta jogando dados era algo perfeitamente aceitável,

embora jamais tivesse atirado um dado em sua vida. E se podia ganhar um animal no

 jogo, porque não o melhor corcel de Alain do Ayre? O moço do estábulo engoliu sua

mentira sem dificuldade e aparentemente ficou impressionado por sua habilidade paraapostas.

Além disso, a habilidade para mentir e roubar era uma qualidade muito

aceitável em um mercenário. De verdade, suspeitava que esse talento mais que

conveniente, era necessário. Talvez isso compensasse sua falta de perícia com uma

espada.

E com um cavalo, claro. Seus dentes batiam castanholas ao saltar violentamente sobre o lombo do veloz corcel. Lástima que as rédeas não fossem outra

coisa que uma agradável lembrança, já que estavam penduradas e oscilando fora do

seu alcance. Certamente lhe teriam servido para controlar o animal.

Seu terceiro pecado não retrocedia em seu potente empenho de lhe atrair a

atenção, mas não lhe fazia caso. Embora quanto mais forte golpeavam a terra os

cascos do cavalo, mais forte ressonava em sua cabeça o som da palavra: cobiça.Cobiçava um homem, e seguro que isso era algo de que devia arrepender-se. Dava

igual se a reputação do homem fazia fugir em busca de refúgio a qualquer donzela

sensata; diziam que não lhe interessava absolutamente a sorte do matrimônio, mas ela

acreditava em outra coisa. Mas fazia um bom punhado de anos que não o via, de modo

que era possível que tivessem trocado as coisas. Tinha motivos para duvidar; fazia

tempo que deveria ter retornado da França.

Mas não tinha retornado, portanto só o que podia fazer ela era especular, não

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só a respeito de seus sentimentos por ela, mas também sobre a verdade das histórias

que circulavam a respeito dele. Por isso tinha decidido tomar o assunto em suas mãos

e sair em sua busca. Se eram certos os rumores de que já não desejava uma esposa,

restava a possibilidade de que não se oporia a contar com outra espada para guardar 

suas costas. E se tinha que dedicar dois largos meses a adquirir destreza para poder 

oferecer-lhe pois que fosse. Teria sir Rhys de Piaget, queria ele ou não.

O valor e a perícia comentadas de sir Rhys eram qualidades desejáveis; do

seu mau gênio se podia fazer caso omisso, e sua tenaz dedicação à esgrima poderia

finalmente voltar-se para ela. Convencê-lo que se casasse com ela poderia requerer 

que ela asseasse um pouco sua pessoa e aprendesse as habilidades necessárias que se propunha adquirir, mas estava segura de que conseguiria. Por muitos que fossem os

 perigos que encontrasse em sua busca, por muitos que fossem os rigores de uma vida

com um mercenário enquanto melhorava sua destreza no manejo da espada, tudo isso

valeria a pena se ele fosse o prêmio.

Certamente isso era preferível ao infernal futuro que tinha deixado a léguas

atrás em Ayre.Encolheu-se de medo ao ver aparecer ante ela um muro baixo de pedras. Mas

ao que parecia o cavalo a achou muito do seu agrado, se a alegria eqüina com que

saltou por cima era uma indicação. Gwen se agarrou a sela ao mesmo tempo em que

lhe fechavam os dentes de repente com uma forte tremedeira. Imediatamente percebeu

que refletir sobre seu destino era uma atividade perigosa, posto que devesse centrar 

toda a atenção em sua montaria.Enquanto quase voava através do campo, parecia-lhe que tinha transcorrido

uma eternidade desde que conseguiu montar na sela uma vez fora das portas de Ayre.

A velocidade era uma vantagem, então; quando Alain descobrisse sua fuga ela já

estaria bastante longe caminho de Dover. Estava segura de que não lhe custaria nada

vender seu anel de compromisso e encontrar passagem para o continente. Se não,

seriam necessários mais roubos e mais mentiras. Era uma sorte que tivesse provado

ambas as coisas quando ainda estava em terreno conhecido. Seguro que já saberia

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fazer ou um ou outro com não muito mais que um pouquinho de nervos.

Pela extremidade do olho viu uma figura escura; arriscou-se a dar um

segundo olhar e viu um homem cavalgando para ela. Teria se posto rígida de terror,

mas lhe deu medo mover-se e teve que contentar-se em soltar um débil chiado que

imediatamente se apagou nas rajadas de vento. Santos misericordiosos, acaso Alain já

teria notado sua ausência e enviado alguém a procurá-la? Ou seria outro mercenário

empenhado em lhe roubar a espada e o cavalo?

Ah, seja o que fosse, a primeira prova de seu valor chegaria antes do que

tinha pensado. E bem que iria talvez. Igual a seus vícios, sua perícia com a espada

seria posta a prova pela primeira vez enquanto ainda estava em chão inglês.Se soubesse parar ao cavalo o tempo suficiente para tirar a espada, claro.

O homem chegou até ela e continuou cavalgando para seu lado.

— Vai-te, caipira! — gritou-lhe.

Percebeu que seu tom era o que teria usado sua mãe para repreender a um

criado recalcitrante; tentou uma voz mais em tom mercenário.

— Deixe-me em paz, eeh...!Espremeu os miolos em busca de uma palavra convenientemente vulgar, mas

se distraiu ao ver a incrível exibição de perícia do cavaleiro que ia ao seu lado.

Sem muito mais que uma leve ruga de concentração na fronte, o jovem se

inclinou, estendeu uma mão enluvada e agarrou as rédeas. Uma palavra dita em tom

seco e um saudável puxão nas rédeas bastaram para que o cavalo diminuísse o passo

até deter-se com graça e majestade. Gwen sentiu uma gratidão tão imensa pelo fim domovimento que não conseguiu encontrar a língua para falar. Bom, é que também a

tinha ocupada em passá-la pelos dentes para assegurar-se de que todos continuavam

residindo em seus lugares correspondentes.

Satisfeita por ter sobrevivido à viagem até esse momento, mostrou os dentes

ao homem e estirou a mão para agarrar as rédeas; mas a retirou imediatamente. Ela

 podia estar suja, sim, mas se via bastante limpa comparada com o homem que tinha

adiante. Tocá-lo não era algo que estivesse segura de desejar fazer.

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A julgar pelo estado de sua puída capa, o homem estava a muitíssimo tempo

viajando. Teria muito melhor aspecto se tivesse barbeado as bochechas com mais

freqüência, porque a barba que levava se via suja e emaranhada. Barbear-se também

lhe teria tirado um pouco da sujeira que adornava seu semblante. A verdade é que em

toda sua pessoa teria ido bem um bom esfregão.

Um mercenário pensou; e certamente um bom, a julgar por sua aparência;

que lástima não ter tempo para sentar um momento a conversar com ele; poderia tê-la

aconselhado sobre como conduzir-se.

Suspirou pesarosa e dirigiu a mente para a tarefa que tinha entre mãos, vale

dizer, recuperar suas rédeas para reatar a marcha.— Solta meu cavalo, demônio — ordenou com a voz mais rouca que

conseguiu.

— Seu cavalo? — perguntou ele com voz zombadora. Por que será que essa

idéia ultrapassa os limites de minha imaginação?

— Talvez porque a usa menos que eu a minha, replicou ela, lhe dirigindo um

olhar que esperava fosse feroz.— Os ladrões de cavalos são enforcados, sabe?

— Este, ganhei jogando dados.

Comprovou que desta vez nem sequer tinha titubeado ao soltar essa mentiria.

Estava começando a acreditar que talvez aprender a jogar o jogo de dados seria uma

 boa adição ao seu repertório. Quanta coisa poderia adquirir assim?

— De quem, moço?— De Alain de Ayre, e isso não é teu assunto. Agora me passe essas

malditas rédeas.

O homem se limitou a negar com a cabeça, sorrindo.

— Alain é muitas coisas, mas não tão mau jogador. Nenhum menino o teria

derrotado tão completamente para desprender-se deste exemplar.

— Então me conhece muito pouco — disse ela, olhando as rédeas e

desejando que o cavalo ao mover-se se aproximasse mais para lhe fazer mais fácil a

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captura -, porque sou muito esperto, sabe? Não só com o jogo de dados, mas também

com a espada. E, além disso, acrescentou, sou um cavaleiro condenadamente bom.

Inclinou-se e de um puxão lhe tirou as rédeas.

E na seguinte respiração, comprovou que o cavalo já não estava debaixo

dela.

Estendida no chão com a cara enterrada na terra pensou se talvez devesse ter 

executado o movimento com um pouco mais de elegância. Ao princípio estava muito

sem fôlego para dar-se conta de que já não tinha as rédeas na mão nem que o cavalo já

não estava perto para esmagá-la e lhe tirar a vida. Sim, ouviu que o homem lhe

gritava, mas o zumbido nos ouvidos demorou uns momentos em sossegar o suficiente para entender o que lhe dizia.

-... pisoteado, estúpido! Santos do céu, desde quando os moços ingleses

sabem tão pouco de equitação? Maldito seja, vai me dar tantos problemas como

imaginei. Maldito seja o cavalheirismo; deveria fazer um hábito de não praticá-lo.

Como se tivesse tempo para ajudar a um moço estúpido que de toda maneira vão

enforcar dentro de duas semanas.E assim continuou xingando, enquanto Gwen se levantava com grande

esforço. Quando esteve de pé, olhou para todos os lados em busca de seu cavalo.

— Lá! — disse o homem assinalando com gesto impaciente para o caminho

 por onde ela tinha vindo. O cavalo baio só estava um pouquinho distante-. Voltou para

o Ayre, seguro que a procurar a alguém que saiba montá-lo.

Gwen refletiu sobre sua situação. Estava sem cavalo e machucada; tinha poucas possibilidades de chegar à França se fizesse o caminho a pé. Olhou o jovem e

logo o seu manso cavalo. Ao que parecia só ficava uma solução. Jogou para trás a

capa, apoiou a mão no punho de sua espada e plantou os pés separados a uma distância

masculina.

— Espantou meu cavalo. Acredito que terei que agarrar o teu em troca.

Isso ao menos conseguiu acabar com a diversão do jovem, que a olhou

 pestanejando, atônito, como aflito por essa idéia.

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— É uma brincadeira, não é?

Ao ver sua expressão, Gwen adquiriu coragem; pelo visto sua aparência era

muito mais ameaçadora que o que se atreveu a esperar; possivelmente era efeito do

novo giro que tinham tomado seus desordenados cabelos com o corte; não estava nem

a metade satisfeita com o corte que fez nas tranças com a faca para comer, mas era

evidente que lhe dava um aspecto perigoso; sem dúvida a abundante fuligem com que

se lubrificou a cara contribuía ainda mais para lhe dar uma aparência sinistra. Se seu

aspecto intimidava assim aos que lhe aproximavam, talvez não fosse precisar mentir 

nem roubar tanto como tinha temido. A idéia de ter intimidado a alguém ainda mais

sujo que ela, lhe produziu uma nova quebra de onda de coragem.Com um gesto da mão lhe indicou que descesse do cavalo.

— Desmonte, se não quer me obrigar a tirar minha espada.

A comissura da boca do homem começou a curvar-se sob sua emaranhada

 barba. Medo pensou Gwen, satisfeita. Sim, o assunto era muito mais fácil de que o que

tinha pensado.

O jovem se inclinou sobre sua sela.— Vejamos se te entendi bem, lhe disse. Quer que desmonte e te entregue as

rédeas de meu cavalo. A você?

— Sim.

— A você, que não foi capaz de controlar esse lastimoso animal dos

estábulos de Ayre?

Gwen apertou os dentes.— É um belo corcel, forte e fogoso, protestou. Ao ver em sua expressão que

estava menos que convencido, acrescentou: Além disso, inclusive ao mais experiente

dos mercenários lhes acaba a sorte de vez em quando.

O jovem soltou uma espécie de bufo e começou a tossir, com os olhos

 banhados em lágrimas. Gwen considerou a idéia de derrubá-lo do cavalo enquanto ele

tentava recuperar o controle, mas a contra gosto desprezou o pensamento. Não seria

cavalheiresco fazer isso a um homem no momento em que tinha tanta dificuldade para

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respirar.

— Por todos os Santos, resfolegou o jovem.

Gwen cruzou os braços sobre o peito e franziu o cenho.

— Não tem nada a temer. Não te farei nenhum dano se desmontar 

imediatamente e me deixa continuar meu caminho. Ainda restam muitas léguas por 

 percorrer antes do por do sol.

Ele limpou as lágrimas com o dorso da luva, manchando de pó a cara; depois

soltou outro bufo e aparentemente conseguiu dominar o medo.

— Segue-te toda a gente de Ayre ou só Alain?

— É provável que toda a guarnição, respondeu ela impaciente. Como te podeimaginar, tenho pouco tempo para perder. E agora, obedece-me ou devo tirar minha

espada?

O homem apeou afogando outra exclamação de medo; ao menos ela pensou

que era de medo. Seguia limpando-se as lágrimas os olhos e lhe estremeciam os

ombros; só podia ser medo, não havia outra explicação possível.

Ele tirou a poeirenta capa, deixou-a sobre a sela de montar e se afastou uns  passos do cavalo. Gwen dedicou um momento a revolver-se na inveja que lhe

 produzia que ele tivesse um cavalo que ficava quieto onde o deixavam; depois dirigiu

a mente a outros assuntos, ou seja, o homem que tinha diante levava uma espada que

 pelo visto não lhe estorvava para mover-se; e no punho da espada havia um rubi do

tamanho do punho de um menino. Quem era? Como tinha obtido uma espada assim e

um cavalo por cuja posse qualquer cavalheiro se humilharia?Por desgraça, não teria as respostas a essas perguntas; já tinha perdido mais

tempo com ele que o que tinha. Plantou os pés mais firmes na terra e se obrigou a

voltar para sua tarefa.

— Vejo que não quer cooperar, disse. Deixa-me sem alternativa, senão te

fazer dano corporal.

Ele encolheu um ombro negligentemente.

— É um risco que terei que correr. Ainda necessito do meu cavalo.

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— Como quer então. Dói-me fazer isto — disse ela, e apertou os dentes,

esforçando-se para tirar a espada roubada da vagem. Mas vejo que é uma alma teimosa

 — resfolegou, inclinando-se um pouco para equilibrar-se melhor— que talvez tenha

menos desenvolvido o desejo de viver muitos anos.

Conseguiu tirar a espada, com expressão triunfal, e o brusco movimento

quase a jogou no chão. Apoiou a espada onde esta pareceria querer, com a ponta

cravada no chão, e se inclinou sobre ela como se isso fosse o que queria fazer.

— Uma última oportunidade para te perdoar a vida, disse.

— É muito bondoso.

— Sim, esse é um traço do qual quero me liberar, concordou ela. Empunhoua espada e a pôs vertical, só me estorva em meus trabalhos mercenários.

— Compreendo que te estorve.

Gwen sentiu um leve golpe de inquietação ao notar que ele ainda não tirara

sua espada. Parecia-lhe bastante injusto matá-lo assim, tal como estava, mas já não lhe

tinha dado amplas oportunidades de salvar-se?

Levantou a espada e tratou de brandi-la. Santos do céu, esses últimos mesesdeveria ter levantado outras coisas além de agulhas de costurar. A espada não era

muito pesada, mas para os braços não treinados lhes resultava muito difícil movê-la.

Com um grunhido conseguiu pô-la direito apontando para o homem. Dirigiu-lhe seu

olhar mais feroz e moveu a lâmina em gesto significativo.

— Deveria ter ficado na cama esta manhã, disse ele movendo a cabeça.

— É muito tarde para lamentar-se, disse ela e moveu a espada com supremocuidado.

Movê-la resultou mais fácil do que tinha esperado, mas a espada não queria

lhe dar nenhuma idéia sobre onde devia enterrá-la primeiro.

— Vais matar-me então? — perguntou ele educadamente. Tenho pressa,

tenho que fazer muitas coisas antes que se ponha o sol.

— Vou matar-te, disse ela com os dentes apertados. Esta espada é mais

 pesada que as que costumo usar.

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— Talvez se a movesse com mais entusiasmo, poderia enterrar isso aqui ou

aqui.

— Isso eu sei.

Começou a suspeitar que ele a acreditava menos destra que o que deveria

crer. Deu-se impulso para lhe dar um golpe e o peso da espada quase a lançou ao chão,

mas se arrumou para recuperar o equilíbrio. Colocou para trás o cabelo que lhe caía

sobre os olhos e o olhou carrancuda.

— Já está disposto a gritar pedindo paz?

— Ainda não.

— Então luta comigo. Levantou novamente a arma. Nem sequer tiraste suaesp...

«Espada» quis dizer, mas a palavra ficou dissipada em seu assombro ao

sentir que a espada abandonava sua mão. Fascinada, viu-a elevar-se no ar e logo voltar 

a cair, brilhante à luz do sol. O homem a agarrou limpamente com a mão esquerda,

depois embainhou a sua, a que nem sequer lhe viu tirar! E avaliou a dela com olhar 

experiente.— Aço adamasco, observou admirado. Pelo menos tem bom olho. Enterrou a

espada no chão junto a ele. De quem a roubou?

— Ganhei a...

— O jogo de dados, acabou ele com um suspiro. Mentir é pecado, sabe? E

roubar também.

— Qualidade desejável em um mercenário implacável, corrigiu ela. Agora, posto que pegou minha espada de um modo tão desonroso, não me deixa outra

alternativa senão te matar com minha faca.

Ele se golpeou a fronte com uma mão emitindo um gemido. Interpretando

isso como bom sinal, ela se agachou a pinçar sua bota para tirar a adaga. Tirou-a com

um gesto triunfal, com a esperança de que parecesse que ela o tinha planejado tudo

 para chegar a esse momento.

O homem não se moveu, de modo que se armou de coragem e lançou uma

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 punhalada ao ar com toda a força que conseguiu reunir.

Mas apunhalar ao homem que tinha adiante era outra história.

Ele moveu a cabeça com tristeza e estalou a língua.

Talvez se limitasse a lhe enterrar a adaga no braço com que usava a espada, a

ferida seria suficiente para lhe impedir brandi-la, mas não acabaria com ele. Ocorreu-

lhe pensar que provavelmente em seu futuro como espadachim mercenário mataria a

um grande número de homens, mas talvez isso viesse depois, quando tivesse mais

estômago para fazê-lo. De momento, em seu primeiro triunfo, teria que bastar uma

simples ferida.

Levantou a faca e ordenou a seu corpo lançar-se para diante. Mas nem seu braço nem seus pés quiseram colaborar.

— Muito tempo entre tapeçarias, maldita seja — balbuciou em voz baixa.

Impôs-se disciplina e voltou a tentar. Obrigou a adaga a baixar e sentiu um

indício de satisfação ao ver que ia direto para o braço do homem. E então,

repentinamente, sentiu a mão firmemente agarrada em um forte punho, e a adaga

abandonou sua mão. Depois o homem a olhou atentamente e franziu o cenho.— Vimo-nos antes?

Santos do céu, isso era a única coisa que lhe faltava, que a reconhecesse e a

levasse de volta ao Ayre.

— Não, nunca — respondeu, apertando os dentes e tratando de liberar a

mão. É meu feroz ar mercenário que te confundiu. Sem dúvida viu expressões

similares nas caras de muitos combatentes.— Não, respondeu ele e continuou olhando-a.

Olhou-lhe o cabelo cortado, meteu a faca sob o cinturão e lhe pôs uma mão

no ombro para tê-la quieta. Antes que ela pudesse protestar começou a lhe limpar a

cara com a borda da manga da túnica. Mas ao parecer não ficou satisfeito com isso

 porque molhou com saliva os dedos e lhe esfregou com eles as bochechas.

— O que pretende? — resmungou ela.

Ele a fez girar até que o sol lhe deu na cara e ela teve que piscar ante a

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luminosidade. De repente lhe jogou o cabelo para trás metendo-o detrás das orelhas, e

ficou imóvel, com a boca aberta.

— Gwen?

«Sim», esteve a ponto de dizer ela, mas então caiu na conta de que ninguém

que andasse rondando tão longe de seu castelo podia saber quem era. Olhou-o

carrancuda.

— E você seria...?

— Ai, que logo me esquecem estas belas donzelas, disse ele sorrindo irônico.

Embora tenha de reconhecer, acrescentou lhe dando um puxão na orelha, que embora

não esteja muito mais limpa que a primeira vez que nos vimos, cheira muito melhor.Nesse instante ela compreendeu.

— Santos do céu misericordiosos, exclamou. É você.

— Sim, chérie, sou eu.

Gwen franziu o cenho; não tinha sido sua intenção estar coberta de lodo na

 próxima vez que visse o homem que tinha na sua frente. Abriu a boca para fazer a

vintena de perguntas que devia lhe fazer, mas nesse momento divisou na distância aum destacamento de cavaleiros que vinham em sua direção. Reconheceu facilmente o

corcel branco de Alain de Ayre, que vinha à cabeça. Guardou as perguntas.

— Aí vem Alain, se limitou a dizer.

— Maldição! — exclamou ele e olhou para trás por cima do ombro.

— Estiveste no Ayre? — perguntou-lhe voltando-se para ela.

Ela assentiu.— Temos muito que falar, disse ele muito preocupado. Mas será depois,

acrescentou olhando novamente para trás. É possível que não me reconheçam com

esta cara.

— Poderia ser que não tivéssemos tanta sorte. Olhou-o com olhos

avaliadores. Evidentemente teremos que inventar alguma mutreta para explicar porque

estamos juntos.

Ele abriu muito os olhos e começou a retroceder.

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— Não, isso não.

— Devemos.

— Não devemos; não me recuperei desde a última vez...

— O que outra opção temos?

Ele moveu a cabeça com firmeza.

— Temos várias...

Gwen soube que só podia fazer uma coisa. Com um sorriso de pena jogou

atrás o braço e logo fez voar o punho até enterrá-lo... Diretamente no nariz de sir Rhys

de Piaget.

 

Capítulo 2

Inglaterra, 1190.

 

Rhys cavalgava no final da guarnição de seu pai adotivo, fechando a marcha,

e ficou boquiaberto ao ver o castelo que se levantava ante ele. Tinha visto muitíssimo

da Inglaterra e da França, tomando em conta sua tenra idade, quatorze anos, e se

considerava amadurecido e bastante enfastiado, mas tudo o que tinha visto durante a

viagem pelas terras do Segrave o tinha deixado quase sem fala. Pensou que talvez

Segrave lhe parecesse magnífico devido ao que tinha deixado no Ayre. Segundo seu

critério, Bertram do Segrave não era pobre, mas sua modesta riqueza e sua pequena

torre de comemoração empalideciam até a insignificância comparadas com o que tinha

visto esse dia.

As muralhas do castelo eram sólidas e estavam em bom estado. Os terrenos

que rodeavam as muralhas exteriores estavam limpos de árvores e de qualquer tipo de

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vegetação que pudesse dar refúgio a um inimigo. Além disso, ao que parecia ali

usavam o fosso para defesa, o qual era uma surpresa para ele. No Ayre o fosso era

simplesmente um lugar para atirar o lixo, o que fazia sofrer os habitantes do castelo

tanto como a qualquer inimigo que caísse no fosso. Embora pelo que a defesa se

referia, Ayre talvez tivesse vantagem, porque a água imunda podia manter um exército

à distância.

A ponte levadiça baixou brandamente até ficar encaixada em uma estrutura

que parecia feita com o propósito para recebê-la; não se parecia em nada à ponte

grosseira que dava as boas-vindas ao descuidado pátio de Ayre. Rhys dedicou um

momento a admirar o belo edifício e depois puxou as rédeas do cavalo para olhar paratrás, ao caminho por onde tinha vindo. Por muito interessante que fosse o castelo, não

se podia comparar com os campos que acabava de atravessar.

Por todos os Santos, que terra mais formosa.

Havia-lhe custado um enorme esforço manter-se sobre a montaria essa

manhã. Seu desejo tinha sido caminhar por esses campos, agachar-se a sentir a terra

deslizar-se por entre seus dedos, cheirar as ervas e flores. Desejava percorrer oscampos palmo a palmo, sentir a terra sob seus pés e perder-se no sonho de que esse

lugar poderia ser dele.

— Rhys?

Voltou-se a olhar ao homem que o tinha chamado, e se quadrou, por 

costume.

— Sim?Montgomery do Wyeth, o Capitão do guarda do Bertram, sorriu.

— Mocinho, está olhando para o lado equivocado. A beleza do Segrave se

encontra dentro das muralhas, não fora.

— Falham-lhe os olhos, capitão, respondeu Rhys movendo a cabeça. Nada

 pode comparar-se com o que já vi.

— Ai, a sabedoria da juventude — comentou Montgomery, não sem

amabilidade. Não te relatei suficientes histórias sobre a donzela do Segrave para

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excitar sua curiosidade?

— O que é uma donzela a não ser um meio para obter terra? Além disso, é

uma menina.

— Tem nove verões — disse Montgomery com sorriso malicioso, e promete

herdar a considerável beleza de sua mãe. Venha, pequeno, olhe-a e veja senão tenho

razão.

— Como queira — respondeu Rhys a contra gosto, e desejou acrescentar:

«Que bem me fará isso?».

Gwennelyn de Segrave estava tão por cima dele em posição social, que

 poucas possibilidades tinham de estar na mesma sala com ela, e muitas menos de quelhe permitissem admirá-la. Além disso, era uma menina, e as meninas não lhe

interessavam absolutamente.

Sua terra, em troca, era uma história totalmente diferente.

Mas não tinha nenhum sentido desejar o que jamais poderia ter, de modo que

seguiu ao Montgomery pela ponte até o pátio de armas. Aproximaram-se uns moços

 para levar os cavalos. Rhys desmontou e começou a caminhar para o estábulo, masnesse momento o chamou seu pai adotivo. Deteve-se e se voltou a olhá-lo.

— Deixa-os, filho — lhe disse Bertram aproximando-se. Agora não tem

nenhuma necessidade de te ocupar dessas coisas.

Rhys inclinou a cabeça respeitosamente.

— Obrigado, milorde, mas prefiro me ocupar de meu cavalo.

Bertram o olhou um momento em silêncio e depois moveu a cabeça sorrindo.— Como queira, Rhys. Quando tiver acabado venha se reunir conosco na

sala grande. Apresentarei ao William do Segrave, que me disse expressamente que

deseja te conhecer. Suponho que quer ver por si mesmo como se comporta um moço

feito cavalheiro tão jovem.

Rhys assentiu e se dirigiu ao estábulo. Embora não lhe resultava de todo

agradável, estava acostumado ao interesse que provocava por ter sido feito cavalheiro.

Por todos os Santos, como se ele tivesse pedido que o nomeassem cavalheiro na

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 batalha do Marchenoir, e nada menos quando acabava de completar quatorze anos.

Mas quem era ele para dizer não ao Felipe da França? Sobretudo considerando as

relações de sua família com o monarca francês. Embora tivesse escolhido um caminho

diferente de seu pai e seu avô, seguia sendo um Piaget, e Felipe o considerava dele.

Quando terminou de atender ao seu cavalo, Rhys já tinha esquecido as

intrigas políticas e a terra de Segrave e tinha a mente ocupada em pensar em encher a

  barriga. Talvez em troca da apresentação William lhe desse uma boa comida.

Recordava-se que Joanna de Segrave servia uma mesa francamente boa.

Nem bem havia dado dois passos fora do estábulo ouviu um ruído horroroso

 proveniente do chiqueiro. Olhou ao seu redor e viu que ninguém considerava estranhoo ruído; os homens continuavam em suas tarefas, embora alguns estavam sorrindo.

Rhys encolheu de ombros e começou a cruzar o pátio em direção à sala grande, mas

voltou a deter-se um ou dois passos mais à frente. Esses chiados não eram os que

normalmente saem de um chiqueiro.

Descobriu que, por uma vez, sua curiosidade era mais forte que seu desejo de

encher a barriga. Girou sobre seus pés e se dirigiu para o lugar de onde provinham osuivos que pareciam lançados por uma besta furiosa. Deu a volta à esquina do estábulo

e parou em seco. Sim, era um corpo que emitia esses horrendos ruídos, mas não era

algo horrível do bosque. Era uma menina.

A menina estava sentada no lodo e grasnia e chiava em uma só voz. Viu

manchas em forma de mãos na porta do curral, por isso calculou que a menina tinha

tentado escapar, e no lodo havia rastros de pés, onde ela tinha estado chutandofrustrada. Não sendo juiz experiente nesses assuntos, não soube lhe calcular a idade,

mas supôs que não era muito pequena. Não era uma garota totalmente desenvolvida,

mas certamente com idade suficiente para ter escapado sozinha do castelo. Talvez

houvesse algo mais que não via. Aproximou-se cautelosamente.

A menina o olhou e, graças a Deus, deixou de chiar.

Rhys se inclinou sobre a porta e a olhou também.

— Apanhada? — perguntou.

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Ela piscou e depois assentiu, e começou a lhe tremer o queixo.

— Alguém te encerrou aqui?

Ela voltou a assentir.

— Geoffrey do Fenwyck.

Rhys tinha ouvido falar do Fenwyck, mas não sabia nada do seu filho.

Evidentemente o moço era pouco cavalheiro, mas tinha uma enorme quantidade de

imaginação a julgar pela perícia com que tinha feito os nós para fechar a porta. Não

era de estranhar que a menina não tivesse podido sair. Porque não tinha saltado pela

grade, não sabia, mas bom, ao fim e ao cabo era uma menina. O motivo de que se

encontrasse ali era outro assunto. Apoiado na grade a observou atentamente.— Porque o fez?

Ela fez uma careta.

— Suponho que em vingança por deixá-lo encerrado no quarto da torre.

Rhys notou que uma de suas sobrancelhas se arqueava como por vontade

 própria.

— Isso deve ser difícil. Ou ele é muito tolo?— Não, é que tenho uma imaginação muito fértil; minha mãe sempre me diz

isso.

Rhys observou que dizia isso como um simples feito; não viu nenhuma

expressão de vaidade escondida sob todo o lodo que lhe cobria a cara.

— Vi que roubava uma garrafa do melhor clarete de meu pai, continuou ela.

Quando me ameaçou me jogar na masmorra se o denunciasse, agarrei a garrafa vazia,a pus no quarto da torre e enviei um mensageiro para lhe dizer que havia outra garrafa

ali o esperando.

Rhys esfregou o queixo pensativo; não era uma menina normal a que via ali.

Quantos cabelos brancos teria feito sair já a seu pai, pensou.

— Suponho que está aqui porque ele soube que você organizou isso. Você

mesma fechou a porta com chave?

— Sim, respondeu ela e desta vez havia orgulho em sua cara. Ele merecia, o

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muito vagabundo. Ontem me disse que as orelhas me sobressaíam da cabeça de modo

muito pouco atraente e que nenhum véu me tamparia isso jamais.

Rhys levou a mão à boca e mordiscou um dedo para não rir. Nesse momento

a menina não usava véu, e não pôde evitar estar de acordo com a descrição do

Fenwyck das suas orelhas. Mas não seria cavalheiresco dizer isso; além disso,

suspeitou que não lhe conviesse irritá-la. A menina falava como uma mulher adulta, e

imaginou que suas mutretas eram igualmente amadurecidas. Era melhor congraçar-se

com ela.

Desatou os nós que fechavam a porta e olhou à cativa.

— Terá que se apressar, porque também poderiam escapar os porquinhos.Os ditos porquinhos estavam fuçando entusiasmados na saia da menina. Pelo

menos não estava à vista a porca. Nisso tinha mostrado sensatez o jovem Fenwyck.

Mas a menina continuou sentada olhando-o.

— Pois bem, venha — lhe disse ele lhe fazendo um gesto. Agora está livre.

Ela começou a levantar-se, mas escorregou e voltou a cair no lodo lançando

respingos para todos os lados. Começou a lhe tremer o queixo.Quando começaram a lhe brotar lágrimas, lhe deixando um rastro de limpeza

nas bochechas, Rhys compreendeu que devia fazer algo. Sentiu a tentação de dar meia

volta e abandonar o lugar a toda pressa, mas a lembrança do ruído de sua espada em

sua cabeça o manteve onde estava; isso e o peso dos sermões ouvidos de seu pai

adotivo ao longo dos anos. Um verdadeiro cavalheiro devia ficar e resgatar uma

donzela de uma difícil situação. Soltou um suspiro; não lhe agradava em excesso aidéia de sujar com barro as botas, mas estava claro que não podia fazer outra coisa se

queria estar à altura dos valores inculcados pelo Bertram de Ayre.

Entrou no curral e, com outro suspiro, agachou-se e agarrou à menina nos

 braços. Obrigou-se a não protestar quando ela jogou os braços ao pescoço e apoiou a

cara em sua garganta. Enquanto saía do chiqueiro, chegou a uma conclusão: o

cavalheirismo era um assunto bem asqueroso na realidade.

Uma vez fora deixou à menina no chão e fechou a porta. Depois se voltou

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 para ela e com a manga de sua túnica lhe limpou um pouco o lodo que lhe manchava a

cara. Ela o olhou com os olhos claros cheios de lágrimas.

— Obrigada — disse, sorvendo pelo nariz.

— Foi um prazer — respondeu ele, tentando não fazer caso do aroma da

menina, que já era o seu também.

Ela olhou o vestido.

— Está arruinado, murmurou tristemente.

— Talvez se o por para secar.

— Era minha melhor roupa, disse ela lhe mostrando a prega da manga. Vê?

Ele quis obedecer, mas cometeu o engano de olhá-la e de vê-laverdadeiramente. E pela primeira vez na larga experiência que lhe tinham dado seus

quatorze anos, sentiu que lhe tremiam um pouco os joelhos.

A menina tinha os olhos mais maravilhosos que já tinha visto em sua vida.

— Vê? — repetiu ela.

Custou-lhe esforço arrastar os olhos para a manga. Olhou o tecido enlodado

e assentiu muito sério, como se na realidade pudesse ver os pontos costurados ali.— Uma tragédia terrível, conseguiu dizer. De verdade.

— Alguém deveria me vingar. O traidor deve pagar a desonrosa afronta a

minha pessoa.

Bom, estava claro que a criatura tinha ouvido muitas histórias, mas Rhys se

absteve de dizê-lo. Em realidade era simples continuar calado. A menina o tinha

deixado sem fala.— Necessito de um paladino, disse ela, observando-o com olhar avaliador.

— Mmm...

Ela baixou a vista para sua espada e ele sentiu como se esquentava o metal

sob seu olhar; quase começou a lhe queimar a perna, inclusive através da bainha.

— É muito jovem para usar espada, comentou a menina.

— Bom, é que...

Então ela o olhou com os olhos muito abertos.

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— Por todos os Santos — exclamou, é Rhys de Piaget. Meu pai me falou de

você. Faz um par de meses lhe fizeram cavalheiro por lhe salvar a vida de Lorde Ayre.

Vamos, é um cavalheiro de valor lendário.

Sem pensar passou a mão pela cara deixando uma larga franja de lodo que se

deslizava pela bochecha. Então pareceu recordar suas orelhas, porque arrumou o

cabelo para que as cobrisse bem, enlodando-se mais ainda.

— Os trovadores de minha mãe já cantam histórias sobre sua perícia. Olhou-

o com adoração. Poderia ser meu paladino.

Rhys piscou. Essa era Gwennelyn de Segrave? Escreveram trovas que

descreviam detalhadamente a beleza do rosto de sua mãe e a bondade de seu coração.Bardos, menestréis e artesãos, todos iam ajoelhar-se aos pés da ex-dama da rainha

Eleanor e lhe oferecer seus melhores trabalhos. Sua dedicação à esgrima não o tinha

absorvido tanto que lhe tivesse impedido de escutar de tanto em tanto os rumores

sobre a beleza de Joanna ou os rumores sobre como a promessa dessa beleza se via

claramente em sua filha.

Estavam todos cegos ou ele estava tão distraído pelo espantoso fedor doexcremento de porcos que cobriam aos dois que não era capaz de ver o que deixava

loucos os outros?

Refletindo sobre isso não sabia bem se olhava o lodo que sujava os cabelos

de Gwen ou encolhia-se sob o peso de seu escrutinador olhar.

— Sim, exclamou ela com um radiante sorriso. Não poderia pedir um

cavalheiro mais valente para restabelecer minha honra. Já imagino como vai acabar ocombate.

Ele também imaginou; teria que sair trotando para evitar a força de seu pai.

Mas antes que pudesse lhe dizer que Geoffrey do Fenwyck era o filho de um barão e

que os simples cavalheiros não desafiam para duelar os filhos de barões, ela se agarrou

ao seu braço e começou a caminhar para a sala grande.

— Desafia-o depois do jantar, lhe aconselhou. Terei que me lavar para ter o

melhor aspecto quando te vir desafiá-lo. Porque o vais desafiar, não é?

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Uma coisa ele concordava; tinha o par de olhos da cor verde mar mais

assombrosos que já tinha visto em sua vida. Como podia um homem, embora fosse um

 jovem como ele, dizer não quando estava perdido neles?

Tratou de obrigar-se a recuperar certa aparência de razão. Disse-se que ela

não tinha mais de nove ou dez verões e que não importava o que pensasse dele. Jamais

teria uma mulher como ela, portanto decepcioná-la não teria nenhuma importância

 para ele. Entretanto quando ela fixou toda a força de seus radiantes olhos nele,

comprovou que de sua boca saíam palavras que não tinha intenção de dizer.

— Sim, o desafiarei.

E então compreendeu que a única linha de conduta que ficava a seguir eratirar sua espada e lutar. Como se pudesse atrever-se a esse descaramento. Por todos os

Santos, devia ter apertado os lábios.

— Sim? — perguntou ela com um deslumbrante sorriso.

— E... Exigirei uma desculpa, se apressou a corrigir.

Talvez conseguisse envergonhar o estúpido para que pedisse desculpas a

Gwen.— Vais usar sua espada? — perguntou ela quase sem fôlego.

— Se for necessário — disse ele, sentindo ânsias de cair de joelhos e rogar 

que o liberassem de sua língua. Mas primeiro lhe darei a oportunidade de comportar-

se bem, sem violência.

— Se crê que isso é melhor, disse ela com certo ar de desilusão. Embora, na

verdade, eu gostaria de vê-lo cravado uma ou duas vezes por suas maldades.Claro que sua desilusão não era tão grande para estar disposta a liberá-lo do

encargo. Agarrou-lhe a mão e o levou para o castelo. Rhys olhou ao seu redor em

 busca de uma forma de escapar, mas não viu nada, até que de repente seus olhos

caíram sobre sir Montgomery. Este deixou de afiar sua espada para olhá-los.

— Escoltando a nossa dama até a sala, sir Rhys? — perguntou.

— Ele é meu paladino, sir Montgomery — se apressou a dizer Gwen. Vai

vingar a afronta a minha honra. Pensa usar sua espada se for necessário.

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Rhys dirigiu um olhar suplicante ao Capitão de Lorde Bertram, mas este se

limitou a sorrir.

— Bem feito, moço — disse em tom de aprovação. Faça reluzir esse

cavalheirismo com a maior freqüência possível. Mantenha brilhantes as esporas, como

diz sempre Lorde Ayre.

Rhys pensou o que diria Lorde Ayre quando se inteirasse de que seu filho

adotivo tinha sido convencido a desafiar o filho de um dos barões mais importantes do

norte da Inglaterra. Seguro que diria algo assim como «Te desejo a melhor sorte,

estúpido falador», e empreenderia a volta ao Ayre enquanto o levavam a Fenwyck 

 para deixar que se apodrecesse em uma masmorra; considerando que Fenwyck estavaa umas boas duas semanas de viagem ao norte de Ayre, Bertram poderia estar 

tranqüilo sabendo que nunca teria que ouvir seus gritos de agonia.

— Eu mereço, murmurou. Não deveria ter pegado numa espada jamais.

— Há dito algo? — perguntou-lhe Gwen.

— Nada de importância, respondeu.

— Então nos ocupemos de nosso assunto. Disse ela entusiasmada.Rhys suspirou e se deixou levar para a sala grande. Deveria ter se contentado

com a encomenda de um ou dois campos em lugar de aspirar às esporas de cavalheiro.

Teria sido muito menos arriscado; também estaria muito mais seguro se tivesse

 prestado mais atenção a encher a barriga que resgatar uma donzela metida no lodo,

 para logo encontrar-se no papel de paladino de Gwennelyn de Segrave.

Mas no fundo de seu coração descobriu que ser eleito paladino era possivelmente o prazer mais doce que tinha experimentado em seus quatorze anos.

Estúpido ou não, sentia seu passo e seu coração mais leves. Quando chegaram à

soleira, Gwen se voltou a olhá-lo e lhe dirigiu o melhor de seus sorrisos. Calculou que

nem sequer sua mãe tinha recebido um sorriso assim dele.

Gwen também lhe sorriu, e a visão desse sorriso o emocionou até a alma.

Sim, surpreendeu-se pensando que em realidade havia muitas outras coisas

que faria por essa menina.

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— Um favor, disse ela apalpando o vestido.

— Outro mais? — perguntou ele, tragando saliva.

Por todos os Santos, servir a essa menina ocuparia grande parte de seu

tempo.

— Não, refiro a um favor para que leve no braço. Assim é como se faz, sabe?

— É óbvio — disse ele, pensando que talvez devesse ter prestado mais

atenção ao trovador de Bertram.

Gwen continuou apalpando-se até que de uma parte escondida de seu vestido

tirou uma fita. Rhys só ficou especulando sobre a cor; pareceu-lhe que poderia ter sido

verde, e talvez seguisse sendo sob toda essa sujeira.Ela a amarrou no braço com muita cerimônia e depois voltou a lhe sorrir.

— Agora é meu de verdade.. Vamos? — convidou-o e voltou a agarrá-lo

 pela mão.

Como podia lhe dizer que não? Soltou a espada na bainha, lançou uma

última oração para o céu, e depois entrou na sala grande atrás de sua dama.

 

Capítulo 3

Deitada junto a sua mãe na larga e cômoda cama, Gwen descobriu que, por 

uma vez, os acontecimentos do dia eram muitíssimo mais interessantes que os que

estava acostumada a inventar em sua cabeça para dormir.

— Gwen, por favor, deixe de se mover.

— Ai, mamãe, ele não esteve maravilhoso?

Sua mãe suspirou, mas ela reconheceu o suspiro; era o suspiro que dizia

como queria que esta menina dormisse, mas isso não me vai impedir de escutá-la. Era

um som que conhecia muito bem. Uma vez ouviu dizer a sua mãe que só ela tinha a

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culpa, que ela era a culpada de que sua filha tivesse a cabeça tão cheia de personagens

de histórias e poemas épicos, de modo que era injusto que pagasse as conseqüências;

mas o comentário foi feito de modo afável e seu pai pôs-se a rir com carinho, portanto

sabia que seus pais não estavam desgostosos com ela.

Mas agora tinha um paladino vivo e muito valente em quem pensar, e que

era muito melhor que qualquer um de seus personagens imaginários.

— Nem sequer teve que usar a espada — comentou, voltando a desfrutar do

momento. Bastou sua fama e que tirasse sua espada para que esse demônio do

Fenwyck pusesse-se a tremer.

— Sim, querida.— Crê que teria ferido ao Geoffrey, mamãe?

— É muito provável, se tivesse tido que fazê-lo.

— Então crê que tomou muito a sério vingar a afronta a minha honra?

Sua mãe pôs-se a rir e a abraçou.

— Acredito que tomou muito a sério, minha filha. Mas não crê que você

tenha ganhado um pouco da ira de sir Geoffrey? Encerrou-o na torre.— Disse-me que minhas orelhas eram muito grandes.

— Mas só depois de que você lhe disse que lhe faltava um dente.

— É um presunçoso, mamãe, e não pude suportar seus pavoneos. Além

disso, retorceu-me uma trança quando você não estava olhando. Sir Rhys nunca teria

feito algo assim.

— Certamente que não.— Não é maravilhoso, mamãe?

— Sim, minha filha, ele é. Mas não recorda que está prometida ao Alain de

Ayre? Sir Rhys pode ser um moço magnífico, mas não vai ser seu marido. Talvez te

conviesse não pensar muito nele.

Em quem Gwen não desejava pensar era em Alain, de modo que se apressou

a dizer que sim a sua mãe, voltou-se para o outro lado e simulou dormir.

A verdade é que sonhou com os olhos abertos com um moço galhardo que

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tinha arriscado sua vida desafiando a um homem pelo menos seis anos mais velho que

ele. Ainda via a firmeza de suas mãos apoiadas no punho de sua espada, lhe dizendo a

todos os que estavam olhando que tinha o valor de um Geoffrey do Fenwyck de vinte

anos. Não teve nenhuma dificuldade em recordar à beleza de seus cabelos escuros que

lhe caíam sobre os ombros, à nobre superioridade de sua cabeça erguida e a majestosa

forma de seu nariz.

E essas maravilhosas orelhas.

O suspiro de prazer lhe saiu antes de poder reprimi-lo; então tossiu, para que

sua mãe pensasse que estava sonhando acordada e não adormecida.

Ai, se ele pudesse pedi-la em matrimônio em lugar desse mal-humorado e bobo do Alain de Ayre. Então sua vida real seria tão gloriosa como a que se imaginava

na cabeça.

Haveria uma maneira? Rhys só era um cavalheiro, certo, mas não contavam

algo suas gloriosas façanhas? Não seria possível convencer o seu pai de que Rhys era

muito mais desejável que Alain como genro? Já tinha o discernimento suficiente para

saber que a terra e as alianças decidiriam com quem ia se casar; na realidade essascoisas já tinham decidido o assunto. Mas não se poderia deixar disso de lado por esta

vez? Seu pai não lhe negava nada, talvez continuasse com essa prática. Seria o

 primeiro que lhe pediria.

Bocejou e fechou os olhos, e depois sonhou de verdade.

Com um jovem esplendidamente cavalheiresco, de olhos cinza muito sérios e

uma espada brilhante e afiada.Rhys observou os outros habitantes do castelo dirigirem-se a suas camas,

mas ele ficou montando guarda junto ao seu senhor. Em realidade não pertencia à

guarda de Lorde Ayre, mas de boa vontade se oferecia de voluntário para fazer o

turno. Tinha recebido muitíssimo do Bertram e lhe parecia que isso era o menos que

 podia fazer em troca. Achava especialmente tranqüilizador estar perto de seu senhor 

essa noite, dada a ocupada tarde que tinha tido. Resultou vencedor, mas o triunfo não

deixou de ter seu preço: sua paz mental.

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Tão logo Gwen se lavou e escovou o cabelo para tirar as manchas de lodo,

reapareceu na sala, esperando que ele fizesse algo. Ele tinha acariciado a última

esperança de que talvez sua mãe a fizesse entrar em razão, mas comprovou que a dita

mãe estava sentada ao lado de sua dama protegida observando com a mesma espera

que ela. Com o forte peso da promessa de vingança sobre seus ombros, armou-se de

descaramento e abordou Geoffrey do Fenwyck com toda a seriedade que conseguiu

reunir.

A princípio o filho do Fenwyck riu dele; necessitou de muitíssima coragem

 para continuar ali e não retroceder, mas o obteve. Depois tirou sua espada e a colocou

com a ponta sobre as esteiras do chão, diante dele. Só era uma espada emprestada, jáque fazia muito pouco que Bertram tinha encarregado que lhe fizessem outra, mas

tratando-se dos assuntos mais refinados do dever de um cavalheiro, uma espada era

uma espada. Evidentemente Geoffrey viu que a ponta da espada estava afiada e que

ele estava firmemente resolvido, porque deixou de rir e começou a defender-se com

 bravatas. Logo as bravatas se converteram em embaraçoso silêncio quando ele o

convidou a bater-se no campo de batalha; embaraçoso para o Geoffrey, claro, que eramuito maior que ele. Nesse momento ele já tinha começado a pensar que sua fama de

ferocidade no campo de batalha poderia lhe ser muito útil.

Certamente ganhou um olhar de adoração de Gwen quando acabou a

façanha.

Por todos os Santos, e isso foi suficiente para lhe fazer acreditar que, no fim

de contas, algum sentido tinham todos os sermões do Bertram sobre o cavalheirismo.William se levantou da mesa, tirando-o de seus pensamentos. Esperou até

que se levantou Lorde Bertram também para seguir atrás deles. Deteve-se fora da

 porta do quarto de Lorde Segrave e se colocou de costas à porta meio entre aberta.

Embora ele tentasse, não pôde evitar ouvir a conversa entre os dois homens.

— Perdeu o acontecimento do dia, meu amigo, disse William. Enquanto

dormia a sesta seu filho adotivo se dedicou a reparar injustiças.

— Não terá desafiado a tudo sua guarda, não? — respondeu Bertram rindo

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inquieto.

— Não foi aos meus guardas a quem desafiou, e sim a esse descarado que

encerrou a minha Gwen no chiqueiro.

— Ao jovem Fenwyck?

— A quem, senão? Esse moço é um perigo.

Bertram soltou um suave assobio.

— Já cumpriu seus vinte anos e segue fazendo chorar às donzelas. Não me

surpreende que Rhys o desafiasse.

— Ele o fez. Enfrentou às fanfarronadas do Geoffrey com toda a ousadia do

mundo e lhe disse que o jogaria no chiqueiro se não pedisse desculpas a Gwen. Eacrescentou que o acompanharia até ali passando antes pelo campo de batalha se fosse

necessário.

— Ah, esse é meu moço — disse Bertram com voz cheia de orgulho.

Suponho que o jovem Fenwyck fez o que lhe pedia?

— Não de modo muito cortês, mas sim, fez. A fama do jovem Rhys já é

tema de lendas.Rhys ficou mais erguido, não pôde evitar. Que William do Segrave o

elogiasse era algo, sem dúvida. Tocou-se a fita que tinha atada ao braço. Seu primeiro

favor, e nada menos que da filha de um Lorde. Tinha estado à altura não só das

expectativas dela, mas também das de seu pai. Era motivo para sentir-se orgulhoso.

— Será um homem admirável, comentou Bertram em voz baixa.

— Sim — concordou William. É uma lástima que não possua terras. Seriaum bom marido e um bom senhor.

Os dois homens estiveram em silencio durante um comprido momento. O

 primeiro a falar foi Bertram.

— De todos os modos seria um excelente marido, sobretudo de uma jovem

cujas travessuras aterrariam ao mais valente dos homens.

— Bertram, disse William meio rindo , insulta a minha doce Gwen. Só tem

um espírito aventureiro.

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— Você mesmo me contou que na semana passada a surpreendeu

 preparando-se para escalar a muralha exterior para assegurar-se de que as defesas do

castelo estão como é devido. Essa menina pensa muito para seu bem.

A risada de William foi suficiente para que Rhys começasse a suar. Se ele

achava divertida essa travessura, o que outras coisas permitiriam a Gwen? Santos do

céu, essa menina se mataria antes de chegar aos vinte anos.

E não lhe surpreendeu descobrir que essa idéia lhe causava um profundo

mal-estar; oxalá os Santos tivessem piedade de sua estupidez. Como se alguém

importasse que ele sentisse o repentino desejo de vigiar que ela não se golpeasse os

delicados dedinhos de seus pés em uma pedra dura.— William, Gwen merece a alguém que valorize isso.

— Qualquer um diria, meu amigo, que prefere que entregue Gwen a ele e

não ao seu filho.

— Rhys tem muitas coisas que ao Alain faltam.

— E lhe falta o que tem Alain, que no seu tempo será um barão. Não posso

casar a minha filha com um simples cavalheiro, Bertram.— Sei, William — suspirou Bertram . Sei.

Mas como, ao parecer, fechava o assunto.

Rhys tragou saliva com dificuldade, surpreso do muito que lhe doíam essas

singelas palavras. Toda sua vida ele tinha ouvido essas mesmas palavras, e línguas

muito mais deliberadamente cruéis que a do Segrave; já deveria estar acostumado à

espetada, mas não estava. Por um momento tinha chegado a acreditar possível que oconsiderassem algo mais que um simples cavalheiro.

Não devia ter-se permitido a esperança de ter à filha de um barão, nem a

nenhuma outra mulher de posição tão elevada. Acabava de ouvir a verdade

diretamente dos lábios do William.

Sentiu sobre ele o olhar de alguém e levantou a vista. Sir Montgomery o

estava observando. Esticou-se.

— Quanto tempo está aí? — perguntou-lhe.

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— O tempo suficiente, respondeu Montgomery docemente.

— Tem que estar sempre à espreita em rincões escuros?

Montgomery se limitou a lhe pôr uma mão no ombro e o empurrou

 brandamente pelo corredor.

— Eu ficarei — disse, e seu tom indicou ao Rhys que não aceitaria

discussão. Vá dormir. Terá que estar no campo de batalha cedo.

Rhys teria ido ao campo de batalha nesse momento se tivesse podido, para

aliviar o sentimento de vergonha que o embargava. Claro que jamais poderia ter uma

mulher como Gwennelyn de Segrave. Acaso não se havia dito isso mesmo essa manhã

quando atravessou as portas do castelo? Não teria a ela nem teria sua terra.Entregariam-na a Alain de Ayre, jovem cujos pensamentos não chegavam a mais

 profundidade que a descida de um falcão para sua caça do dia; aos seus cuidados a

 propriedade de Gwen se converteria em terra baldia, e a própria Gwen se converteria

no mesmo tendo ao Alain por companheiro. E não havia condenadamente nada que ele

 pudesse fazer para remediar nenhuma das duas coisas.

E, por desgraça, isso era o que desejava.Por todos os Santos, que coisa mais horrível era o maldito desejo.

A fita que lhe tinha dado Gwen se agitava com o movimento de seu passo

 pelo corredor. Tratou de tirar-lhe, mas não conseguiu desatar o nó. Pelos mesmos

Santos, quem lhe teria ensinado a fazer esses nós tão firmes à menina? Empreendeu a

tarefa de desatá-lo com frenética intensidade, tirando-a e amaldiçoando o favor e a sua

doadora. Finalmente o laço se soltou e jogou no chão a fita; a ardência que sentia nosolhos o cegava, lhe impedindo de ver onde caiu. Continuou caminhando, deixando a

fita no corredor.

Amaldiçoou o dia em que olhou aqueles olhos verde mar, e rogou que jamais

chegasse o dia em que tivesse que voltar a olhá-los.

Eram bem passadas as primeiras horas da madrugada quando Rhys voltou a

subir os degraus. A tocha já estava quase consumida e o corredor estava deserto.

Avançou lentamente junto à parede, e se deteve no lugar onde pensou que se deteve

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antes.

A fita já não estava ali.

Apoiou as costas na parede e soltou umas quantas maldições em voz baixa.

Depois tratou de recuperar a razão. Tinha sido uma idéia estúpida, tão estúpida como

todas as esperanças que tinha acariciado esse dia. Refez o caminho até a sala grande e

voltou para lugar onde dormia. Pela manhã se levantaria antes da alvorada e iria

treinar. Sentia-se crédulo no campo de batalha, seguro de sua destreza e orgulhoso de

sua atuação. Ali estava a salvo. Esse era um lugar mais seguro que qualquer outro

 perto de Gwennelyn do Segrave.

Sim, decidiu que se manter mais afastado possível dela podia ser a decisãomais sensata que tinha tomado esse dia.

Provavelmente também lhe seria útil no futuro.

 

Capítulo 4 

Inglaterra, 1196.

Gwen se olhou na polida taça de prata de sua mãe para ver se tinha bem

 posto o véu na cabeça. Ao observar com mais atenção descobriu um par de manchas

no tecido branco, perto das orelhas.

— Por todos os condenados Santos — exclamou, quem sujou isto?

— Gwen — a repreendeu sua mãe, que palavras tão pouco atraentes saem de

sua boca.

— Meu melhor véu está arruinado.

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— Talvez se o usasse com mais freqüência — disse Joanna, estaria mais a

 par de seu estado de limpeza ou sujeira.

— Quero me esmerar, mãe — explicou Gwen com toda a paciência que

conseguiu reunir, para causar uma boa impressão.

— Lorde Bertram?

— A quem, senão? — mentiu Gwen.

Seu futuro sogro poderia vê-la coberta de restos do poço negro e não lhe

importaria nada. Não, só havia uma pessoa cuja opinião lhe importava.

E o maldito vândalo não a tinha olhado nenhuma só vez desde que chegou.

Não conseguia entendê-lo. Fazia seis anos que ele tinha partido com LordeBertram no dia seguinte de ter desafiado ao Geoffrey do Fenwyck; foi uma partida

inesperada, mas ela supôs que o fazia para não envergonhar mais ao filho de Fenwyck,

o que era muito mais que ele merecia, o velhaco.

Ela tinha ido às portas para vê-lo partir; não tinha intercambiado nenhuma

 palavra com ele, mas sim um bom e longo olhar. Viu seus olhos limpos e brilhantes, e

sua mandíbula fortemente apertada, como se empreendesse o caminho de realizar maisfaçanhas heróicas para deleitá-la. Reconheceu essa expressão que ocultava toda

emoção; todos os bons paladinos faziam isso, para que olhos curiosos não

descobrissem os sentimentos mais íntimos de seus corações. Era uma mutreta que

representavam e a alegrou muitíssimo ver que Rhys a fazia. Só podia significar que lhe

deixava seu coração em segredo. Ela o despediu com uma inclinação da cabeça, muito

séria, e depois correu ao terraço de sua mãe para gravar em sua memória sua últimavisão do homem a quem, com toda certeza já amava.

Durante os anos seguintes, de tanto em tanto a inquietava ver chegar Lorde

Bertram sem o Rhys. E, de tanto em tanto, inquietava-a ainda mais ver chegar ao

Alain com seu pai, mas a consolava saber que algum dia chegaria Rhys a procurá-la, a

reclamá-la para ele. Esse consolo fazia menos difícil agüentar os maus modos e a

conversa estúpida do Alain.

E então amanheceu esse dia. Tinha andado rondando pelo caminho de ronda

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das muralhas, observando aos arqueiros de seu pai e calculando a dificuldade de lhe

roubar um arco para aprender a atirar, quando de repente o que viu se não o estandarte

de Ayre que se aproximava? Ao vê-lo emitiu um gemido, mas continuou em seu posto

de observação para ver se teria que suportar a pesada carga da presença do Alain ou

não.

E então viu quem cavalgava junto aos guardas de Lorde Bertram.

A surpresa quase a fez cair do muro.

Sua mãe a teve ocupada em seu terraço todo o santo dia. Costurou as mangas

de uma túnica as deixando fechadas; fez as pregas de um lençol deixando-as muito

curta, e bordou um falcão com três patas na melhor capa de vestir de seu pai.Finalmente Joanna a pôs a tocar o alaúde para entreter a suas damas, mas inclusive

isso lhe resultou uma tarefa muito cansativa. Não conseguiu recordar de nenhuma só

nota.

Ele estava lá embaixo.

Quase não podia respirar pela emoção que a percorria inteira.

Ao final obteve permissão para baixar à sala grande e tomar parte em umarefeição. Foi uma refeição longuíssima, e Rhys esteve sentado na mesa de mais abaixo

da de seu pai durante muito tempo.

Sem fazer o menor caso dela.

Se tivesse atrevido se teria aproximado para lhe exigir uma explicação.

Ocultar seus sentimentos era uma coisa, mas inclusive isso exigia um olhar furtivo

cheio de amor de vez em quando. O que tinha recebido do paladino de seu coração?Nem sequer um maldito gesto de saudação. Nem sequer um movimento de

uma sobrancelha quando ela derramou acidentalmente uma jarra de vinho sobre os

 joelhos de Lorde Bertram.

As coisas não estavam acontecendo como as tinha planejado.

Por esse motivo, essa manhã, a segunda da estadia de sir Rhys em seu

castelo, encontrou-a pinçando em sua arca em busca de um véu de freira em bom

estado para tampar as orelhas. Era possível que ele tivesse pensado melhor sobre ser 

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seu paladino devido a que tinha meditado muito no estado de sujeira em que a

encontrou na última vez em que se viram. Não seria assim desta vez. Estava

absolutamente resolvida a lhe demonstrar que era capaz de manter sua roupa limpa,

suas maneiras recatadas e suas orelhas tampadas. Isso por força tinha que impressioná-

lo bem.

Mas a descoberta das manchas em seu melhor véu jogou por terra todos seus

 planos. Como ia causar boa impressão com uma touca suja? Estava em meio de uma

seleção de maldições quando sentiu as mãos de sua mãe em sua cabeça.

— Aqui tem, querida — lhe disse Joanna docemente, lhe tirando o objeto

sujo. Vais pôr um meu.— Não, protestou ela, sabe que só o vou danificar.

— Para ser uma garota tão limpa, lhe assenta bem levar bastante sujeira em

cima — concedeu Joanna placidamente.

Gwen não se incomodou em discutir. Sim que se manchava com bastante

freqüência, mas a sujeira vinha dos lugares aonde ia e das coisas que investigava.

 Necessitava de material para seus contos e isso certamente não ia encontrar no terraçode sua mãe. As fofocas das mulheres, por muito entretidas que fossem, não eram

suficientemente interessantes para as complexas trovas que escrevia em sua cabeça.

Mas a sala de armas de seu pai sim. O que importava que jamais em sua vida tivesse

levantado uma arma? Não precisava levantar armas para criar.

Ficou quieta enquanto sua mãe lhe atava o véu com um laço sob o queixo e

logo lhe colocava o cabelo sob o tecido. E lhe resultou muito difícil olhar nos olhos asua mãe, por medo de que visse as tramas e mutretas que espreitavam nos seus.

— Gwen.

— Sim? — a contra gosto olhou a sua mãe.

— Seu caminho já está esboçado ante ti, minha filha.

— Oxalá pudesse trocá-lo, murmurou ela.

— Eu não tive escolha quando me casei com seu pai, lhe recordou Joanna, e

vê quão bem resultou?

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Ah, mas seu pai era um homem muito diferente do vaidoso e egoísta Alain

de Ayre. Que seu mau gênio só fosse igualado por sua estupidez o convertia em um

 partido muito desagradável. Mas, se tivesse sorte, muito em breve ele buscaria outra

noiva. Sir Rhys se encarregaria disso, estava segura.

Bom, se conseguisse convencê-lo.

— Devo descer — disse, sentindo a necessidade de escapar do olhar 

 perspicaz de sua mãe. Lorde Bertram verá que serei uma boa castelã se estiver aí para

atender aos nossos hóspedes.

— Tome cuidado, Gwen — suspirou sua mãe.

Gwen se apressou a fugir para não ter que ouvir mais. Tinha a impressão deque o que sua mãe não sabia, ela adivinhava. Tanto se tinha delatado então, durante

esses seis anos? Tinha vivido para as notícias que chegavam sobre sir Rhys, e fazia

que todos os portadores dessas notícias repetissem uma e outra vez o que tinham

ouvido. Dizia a seus pais que estava compondo trovas heróicas em troca ao carinho

que lhes professava a rainha Eleanor, e isso lhe servia para ouvir as extraordinárias

aventuras de sir Rhys; o jovem levava a cabo muitas missões para Lorde Bertram esempre se arrumava para sair das situações mais difíceis da forma mais gloriosa,

usando sua espada e seu engenho com igual perícia.

Ao chegar ao último degrau da escada se deteve e se retirou a um canto em

sombras, de onde podia observar, sem ser vista, aos ocupantes da sala grande. Ainda

era cedo, e os homens haviam tornado de seus trabalhos matutinos para romper o

 jejum. Tinha pensado muitíssimo no momento de fazer sua entrada. Sir Rhys teria quesaudá-la quando saísse da sala ao terminar sua comida. E se não o fazia então, tinha

outros planos para plantar-se diante dele e não lhe deixar outra alternativa que olhá-la.

O que lhe diria então não sabia, e rogava que lhe ocorresse algo. No momento, era

suficiente obter que a olhasse e a visse.

Inclusive a tênue luz das tochas encostadas às paredes, não teve nenhuma

dificuldade para descobri-lo. Havia muitos homens sentados às mesas inferiores, mas

nenhum que fizesse tremer o ar que o rodeava com apenas estar ali.

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Estava sentado de costas a lareira, seu elmo sobre a mesa junto ao seu braço,

e uma capa negra arremessada para trás sobre os ombros. A luz das tochas lhe

iluminava seu cabelo escuro e destacava seus traços cinzelados à perfeição. Sua roupa

era singela e sem adornos, embora como o filho adotivo predileto do Bertram poderia

ter se vestido com a mesma prodigalidade com que o faziam Alain e seu irmão Rollan.

Mas certamente não tinha nenhuma necessidade de fazer isso; nem sequer a

simplicidade de sua roupa podia ocultar a nobreza de seu porte nem a beleza de sua

cara.

E pensar que era um simples cavalheiro, sem nada que acrescentar ao seu

nome fora sua espada e seu cavalo.Por todos os Santos, não era de estranhar que Alain o odiasse; Rhys era tudo

o que ele não era.

Comia rápido, falando seriamente com os que estavam perto e só quando lhe

falavam. Gwen o viu terminar muito antes que estivessem satisfeitos os homens que o

rodeavam. Logo se levantou, pediu permissão a Lorde Bertram para retirar-se da sala e

se dirigiu à porta. E desapareceu antes que ela se desse conta de que seu plano de ficar em seu caminho antes que saísse da sala tinha fracassado desastrosamente. Teria que

controlar-se melhor. Ficar olhando com a boca aberta ao homem enquanto escapava da

armadilha que lhe tinha estendido não lhe serviria de nada, além de alimentar seus

sonhos de noite. Sua intenção era conseguir mais. Seus pais podiam ter a intenção de

casá-la com o Alain, mas ela tinha outra idéia.

Embora essa idéia significasse casar-se com um simples cavalheiro.Mas isso não ocorreria enquanto não tivesse falado com ele, e isso por sua

vez não ocorreria se não encontrasse uma maneira de atrair sua atenção. Certamente

não ia voltar a derrubar-se no chiqueiro para conseguir isso. Já era uma mulher.

Embora só fosse uma menina na última vez que o viu, já então soube que ele era o que

desejava. Seguro que agora que era adulta ele se tomaria mais a sério seu desejo de

que fora seu paladino.

Saiu da sala ao passo mais rápido possível sem chamar a atenção, com a

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esperança de que seu pai acreditasse que não ouvia seus chamados a sentar-se a comer 

devido a uma repentina perda de audição. Exalou um suspiro de alívio ao ver que

ninguém a tinha seguido. Era possível o êxito depois de tudo.

Sir Rhys tinha ido ao estábulo. Isso sabia por que ele tinha o hábito de ir ver 

seu cavalo depois da comida matutina para comprovar que estava bem tratado. E

depois de sua visita ao estábulo voltaria para o campo de batalha, onde treinava várias

horas ao dia. Certamente não lhe importaria interromper seus hábitos por esta vez.

Correu para o estábulo temendo que ele já não estivesse ali. Quando quase

tinha chegado à porta, seu pé se chocou bruscamente com uma pedra dura. Saudou a

dor com uma expressão das mais impróprias de uma dama, agarrou o dedo prejudicado com a mão e continuou saltando em um pé.

E um salto, naturalmente, enterrou-a no sólido peito do Rhys de Piaget.

Ele a agarrou pelos braços, e ela levantou a cara para olhá-lo, esquecida da

dor. A verdade é que teve que recordar-se de respirar, e não ficar olhando-o

  boquiaberta como uma boba, era a melhor maneira de causar uma impressão

favorável.Baixou o pé com a maior naturalidade possível, não fez nem um movimento

 para alisar o vestido, porque isso talvez fizesse que ele a soltasse, e isso não ela

 poderia tolerar.

— Dói? — perguntou ele.

Ah, que voz mais formosa tinha, certamente o tema dos sonhos de qualquer 

donzela.— Sente-se mau? — perguntou ele, carrancudo.

Teve que fazer um esforço para não deitar-se em seus braços e lhe falar de

seu amor por ele ali mesmo. Limitou-se a negar com a cabeça, rogando que seu

aspecto ao fazê-lo tivesse embora fosse um pouquinho de elegância.

— Bem, então — disse ele, soltando-a bruscamente e retrocedendo um

 passo. Bom dia, senhora.

Ele já ia pela metade do pátio quando ela conseguiu avivá-lo suficiente para

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compreender que novamente lhe tinha escapado das garras.

— Sir Rhys, espere!

Ele não se deteve. De maneira nenhuma podia pensar que era um grosseiro,

de modo que supôs que talvez os gritos de muitas vítimas pedindo misericórdia lhe

teriam estragado o ouvido. Levantou as saias e correu atrás dele.

— Sir Rhys, espere — repetiu sem fôlego quando lhe alcançou. Ele não

diminuiu seus largos passos, por isso teve que seguir correndo ao seu lado. Não quer 

deter-se para falar...?

— Tenho muito que fazer, respondeu ele em tom cortante e apressou o

 passo.— Mas... — resfolegou ela, pondo-se a correr mais depressa.

— Não se admitem mulheres no campo de batalha — lhe disse ele por cima

do ombro, e quase correndo para seu destino.

Gwen compreendeu que devia parecer uma parva, de modo que se deteve e

franziu o cenho. Não se admitem mulheres no campo de batalha? Isso era o que ele

acreditava. Certamente não conhecia sua determinação. Teria a oportunidade deconquistar seu coração antes que acabasse sua visita ou morreria tentando. Ele não

 poderia resistir. Usava o melhor véu de freira de sua mãe, pelo amor de Deus. Ele não

tinha idéia do tipo de sacrifício que era isso?

Pensou em segui-lo até o campo de batalha, mas compreendeu que talvez

fosse bem repensar sua estratégia.

Mas ao final sucumbiria; não lhe deixaria outra opção.

***

Rhys se apoiou em sua espada e se obrigou a fazer umas quantas respirações

 profundas e tranqüilas. Sim, aperfeiçoar suas técnicas batendo-se com quase todos os

homens de Segrave podia ser suficiente para fazê-lo ofegar; na realidade a qualquer 

homem lhe perdoariam uns quantos ofegos depois da manhã de exercícios que

acabava de passar.

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Mas nem todos os homens tinham a uma Gwennelyn de Segrave passeando

 pelas muralhas observando todos seus movimentos. Sentia seu olhar sobre ele, igual

aos três dias passados. Implacável, isso era, implacável e resolvida. Jamais em toda

sua vida se havia sentido tão esquadrinhado, e certamente tinham havido muitas almas

observando-o para aproveitar qualquer tropeção. Mas jamais se obrigou a não ofegar 

 por nenhum deles.

Necessitava do amparo dos Santos, estava perdendo o juízo.

Fazia todo o possível para não olhá-la nem lhe fazer caso. Inclusive tinha

chegado ao extremo de ser grosseiro com ela em mais de uma ocasião. Quando se deu

conta de que ela conhecia seus hábitos, trocou-os, pensando que era impossível que elao superasse em engenho. Certamente havia uma menina muito inteligente sob toda

essa beleza, porque ela imediatamente descobriu e depois se dedicou a lhe fazer 

sombra. Tinha aptidões para ser uma espiã condenadamente boa.

O que queria dele? Não tinha idéia. Provavelmente o convencer de outro

resgate. Franziu o cenho; a última vez tinha aprendido a lição. Pouco importava o que

fizesse por ela, porque não a possuiria jamais. Que sentido tinha agradá-la?Era uma lástima que agradá-la fosse à única coisa que o tinha obcecado

durante seis anos.

Olhou pela extremidade do olho para ver se ela continuava em seu posto de

observação. Sim, estava em seu posto, mas ao parecer vencida pela difícil natureza de

sua perseguição. A seu pesar, Rhys esboçou um sorriso. Caminhou sem fazer ruído até

a muralha e se deteve uns poucos passos dela. Fez movimentos com suas armas se por acaso alguém o estava olhando, e com dissimulação deleitou sua vista olhando a

 jovem que roncava baixinho onde estava sentada com as costas apoiada na muralha.

Seis anos não tinham feito nada fora de aumentar a promessa de formosura

que tinha visto nela. Com razão Bertram a desejava para seu filho. Ela contribuiria a

sua mesa uma beleza que nenhuma jóia incrustada podia igualar, e provavelmente

faria todo o trabalho de pensamento que correspondia ao Alain. Era uma sábia escolha

no que se referia ao futuro de Ayre. No lugar de seu senhor, ele teria feito o mesmo,

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com a diferença de que não a teria dado a seu filho, e sim teria ficado para ele.

Suspirou e lhe pareceu que o suspiro lhe saía da medula dos ossos. Foi um

engano vir a Segrave, pensou. Disse-se que tinha vindo para agradar a Lorde Bertram,

que pediu. Em outras ocasiões ele também tinha pedido, mas ele jamais se atreveu a

 pensar que seria capaz de olhá-la e não comover-se.

Estúpido, disse-se com outro suspiro. Um olhar, e todas as defesas que tinha

construído contra ela vieram abaixo.

Embainhou a espada e soltou uma maldição em voz baixa. Deveria ter ido à

França para passar a primavera. Esse tinha sido seu plano. Lorde Bertram se mostrou

disposto a liberá-lo de todas suas obrigações para que fosse. Imaginou que uns quantosanos de torneios lhe dariam dinheiro suficiente para comprar uma parte de boa terra

em alguma parte. Tinha desenhado na mente o tipo de castelo que poderia construir, e

calculado o número de cavalheiros que viveriam nele e o chamariam de senhor.

Logicamente tinha tido bom cuidado de não povoar seu castelo com nenhum

tipo de família, e muito menos uma esposa, sobretudo depois de que suas primeiras

imaginações deram esse papel a Gwennelyn do Segrave.Ao final, essa primavera a França lhe pareceu uma perspectiva bastante

 pouco atraente. Seus serviços a Lorde Bertram, que restava por livre vontade, estavam

a ponto de acabar. Tinha-lhe devotado sete anos de serviço como cavalheiro, aceitos

com muito gosto. Bom, já estavam satisfeitos seis anos, e Bertram não se mostrava

relutante a deixar o sétimo para mais adiante. De todos os modos, ele não se sentiu

capaz de partir do Ayre.E enquanto contemplava a jovem adormecida pensou se não seria isso que

ele tinha estado esperando. Pensou que, contra toda razão, o que lhe tinha impedido de

 partir ao continente era o desejo de vê-la pela última vez. Bertram viajava ao Segrave

com certa freqüência, e certamente não tinha tido nenhum problema para vir.

A dificuldade agora seria partir.

E se tivesse um só grão de sensatez na cabeça, empacotaria seus pertences e

fugiria a França nesse mesmo dia.

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Mas seus pés tinham outra idéia. Pelo visto não tinham a menor intenção de

obedecer a sua ordem de que o levassem longe de certa dor de cabeça.

— Ah, já terminou!

O som de sua voz o sobressaltou tanto que cambaleou para trás. Gwen ficou

de pé de um salto. A expressão de prazer com que o olhou o golpeou como uma

dezena de punhos e o deixou mais ofegante que todos os exercícios dessa manhã.

«Foge, imbecil!»

Seu juízo tinha razão nisso. Fez uma profunda inclinação ante Gwen, girou

sobre seus pés e fugiu do campo.

— Sir Rhys, espere!Se tivesse que voltar a ouvir uma vez mais essa frase, ficaria a chiar, de

modo que tomou a única atitude sensata que tinha feito desde que pôs seus olhos nela.

Fugiu à torre dos guardas e se encerrou no vestuário. Depois de tudo, quanto tempo

seria capaz ela de esperar que ela saísse?

 

Capítulo 5

Gwen sentia muito doloridos os pés; estar de pé a maior parte do dia fora da

torre dos guardas lhes tinha imposto um sacrifício terrível. Pelo menos tinha a

 possibilidade de descansá-los um momento. Nesses momentos estava sentada à mesa

de seu pai e olhava carrancuda o perfil de Rhys. Quem se teria imaginado que ele ia

ser tão teimoso? Tinha escapado de todas as armadilhas que lhe tinha estendido,

resistido a todas as suas tentativas de conversa educada e recorrido à fuga quando

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todos seus outros caminhos estavam fechados. Mas o mais irritante de tudo tinha sido

a enorme quantidade de tempo que esteve no vestuário essa manhã. Quem ia se

imaginar que os assuntos de um homem podiam lhe ocupar tanto tempo? Se tivesse

tido uma espada o teria cravado até levá-lo a um canto deserto e o teria mantido ali

com a ponta da espada na garganta até ter falado com ele.

Contemplou o vinho de sua taça e pensou um pouco mais nessa

  possibilidade. Não tinha nenhuma espada ao seu dispor, mas sim tinha bastante

inteligência para ser uma jovem de sua tenra idade. Talvez uma mensagem, enviada

com alguém em quem ele confiasse, o atrairia para um encontro secreto.

Depois da comida agarrou uma pluma e escreveu uma curta carta,aproximou-se de sir Montgomery, e lhe dirigiu seu mais inocente sorriso. E bendito o

homem, fez exatamente o que ela queria, que era lhe sorrir também, tão embevecido

como qualquer homem ao que sua mãe queria favorecer com seus cuidados. Embora

dissessem que se parecia com sua mãe, ela não via essa semelhança. Por fortuna,

Montgomery dava a impressão de ser um dos que opinavam assim, de modo que sem

vacilar aproveitou isso para sua mutreta.— Faria-me um favor, bom senhor? — perguntou-lhe.

— O que for, respondeu ele pestanejando como se tivesse estado olhando o

sol muito momento.

Entregou o diminuto rolo de pergaminho.

— Poderia entregar isto a sir Rhys? Com discrição, é obvio.

— É obvio — disse ele, embora ela visse em seus olhos que duvidava da prudência desse ato.

— Umas quantas palavras inócuas, explicou ela com um gesto indiferente.

 Nada de importância.

Voltou a lhe sorrir.

Ele deu um passo atrás como se o tivessem golpeado, assentiu e pôs-se a

andar obedientemente, embora um pouco cambaleante, para onde estava sentado sir 

Rhys.

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Gwen saiu da sala e subiu correndo para as muralhas, antes que Rhys

 pudesse suspeitar que pudesse estar atrás do convite a um encontro. Saiu às muralhas e

se ocultou em um canto escuro. Não tinha nenhum sentido que os guardas a

estivessem observando enquanto se ocupava de seus assuntos. Tinha toda a intenção

de convencer ao galhardo sir Rhys de que a raptasse antes que a obrigassem a casar-se

com o Alain de Ayre, e isso era melhor fazê-lo em segredo.

Ao cabo de uns instantes rangeu a porta junto à qual estava escondida. Rhys

 passou por ela com muito cuidado, como se esperasse um ataque. O fato de vê-lo,

escuro e sigiloso, foi suficiente para lhe acelerar o coração. Sim, certamente esse era o

homem para ela, e que homem! Seu pai não poderia evitar sentir prazer por seu valor edestreza. Guardou essa frase para lhe dar algum uso no futuro. Talvez pudesse sugerir 

ao seu pai que Rhys seria um melhor protetor que Alain. Isso o convenceria.

Rhys fechou a porta brandamente. Gwen fez provisão de seu valor e lhe

tocou o braço.

E antes que pudesse abrir a boca para saudá-lo, viu-se empurrada contra a

muralha com uma faca na garganta. Teria chiado, mas não tinha fôlego para fazê-lo.Com a mesma rapidez com que apareceu, a faca desapareceu em alguma

curva da manga de Rhys. Ele baixou a cabeça até o peito e soltou uma trêmula

expiração.

— Só sou eu, conseguiu dizer ela.

Ele levantou a cabeça e a olhou furioso.

— Poderia ter te matado... — começou, mas logo fechou a boca e começou aafastar-se.

— Não, disse ela lhe agarrando a manga com mais firmeza.

Ele se deteve.

— Por favor, acrescentou ela.

A luz da lua o iluminava de acima, deixando sua cara em penumbras. Não

conseguiu ver nenhum sorriso, mas não teve dificuldade para ouvir um suspiro de

resignação. Esse era um som que seu pai fazia com regularidade.

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— Do que se trata? — perguntou ele.

Gwen pensou que ia desaparecer se o soltasse, de modo que lhe aferrou o

 braço; era o mesmo braço onde tinha pedido seu favor fazia uns sete anos. Teria-o

ainda?

— O que quer? — voltou a perguntar ele, esta vez com mais brutalidade.

Tenho coisas a fazer.

— Bom — disse ela, desejando que o encontro se parecesse mais a como o

tinha sonhado, pensei que poderíamos falar.

— Não tenho tempo para falar, respondeu ele, mas não se moveu.

Isso não era o que poderia chamar uma declaração de amor eterno, mas aomenos não escapou. Repassou rapidamente o pouco engenho que ficava em busca de

algo inteligente para dizer, que o retivesse um momento mais, até que ela conseguisse

descobrir se ele tinha sentimentos tenros para ela. Então lhe apresentaria seu plano.

— É uma noite preciosa, não é? — disse.

Ele balbuciou algo ininteligível.

— A lua está imensa, acrescentou.— Tem-me feito vir aqui para falar do que aparece no céu ou para algo

 pouco mais interessante? — perguntou ele entre dentes. Rogo-te, senhora, que tome

uma decisão rapidamente porque tenho pouco tempo a perder com tolices.

Gwen fez uma funda inspiração. Se tivesse sido feita de material inferior 

  poderiam tê-la acovardado esses resmungos. Ou, pior ainda, poderia tê-los

interpretado como que não lhe importasse nada. Mas não ia acreditar nisso. Uma vezele tinha aceitado ser seu paladino; estava segura de que, dada a oportunidade, voltaria

a fazê-lo. E se queria que falasse com franqueza, pois com franqueza falaria.

— Pedi-te que viesse para falar de meu matrimônio, disse com a maior 

tranqüilidade possível.

— Seu matrimônio com quem? — perguntou ele, cortante. Com o Alain de

Ayre?

— Não, contigo — disse ela pronta e sinceramente.

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Ele piscou, voltou a piscar, e depois deixou cair à mandíbula e a olhou

 boquiaberto.

— Não fala a sério, conseguiu dizer.

— Pois sim que falo a sério.

— Está louca.

-Acredito que estou em posse de todo meu entendimento; daí a habilidade de

minha mutreta para te trazer até aqui.

Ele pareceu refletir e depois sua cara adquiriu uma expressão de frieza.

— Tão pouco atraente é Ayre que te rebaixaria a se casar com um simples

cavalheiro? — perguntou com voz monótona.— Alain é pouco atraente, disse ela, mas esse não é o motivo de que escolhi

a ti.

— Que arrogante é, senhora, ao acreditar que é você quem escolhe.

Esta vez tocou a ela ficar sem fala, olhando-o boquiaberta. Nunca lhe tinha

ocorrido pensar que ele não a desejasse. Com tanta freqüência o tinha imaginado

resgatando-a de sua situação que tinha chegado a acreditar que ele a queria tanto comoela a ele.

Fechou a boca com a maior naturalidade possível e fez provisão de seu valor.

Soltou-lhe o braço, embora muito a contragosto tratou de sorrir. Não lhe saiu seu

melhor sorriso, mas perseverou.

— E não poderia te deixar convencer de que fosse meu? — propôs-lhe.

De repente lhe pareceu que ele tinha dificuldade para tragar. O jantar tinhaestado delicioso, como sempre, ou seja, que não podia atribuir o problema à comida.

Talvez o que lhe ocorria era que de repente se via enfrentado a algo que desejava

negar. Tinha visto esse problema em outros homens, e geralmente significava que os

assaltava uma emoção forte. Seria afeto por ela? Talvez não fosse tão insensível como

 parecia.

— Mmmm — disse ele, como pensando seriamente em sua proposta. Teria

que pensá-lo.

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— Foi meu paladino uma vez, disse ela com a esperança de acender um

 pouco mais seu entusiasmo. Talvez pudesse sê-lo de novo.

— Seu paladino? — repetiu ele. Ou seja, que seria só isso. O que outra coisa

 podia ser? Começou a girar-se.

Não, as coisas não foram como tinha esperado.

— Paladino, marido, tudo é o mesmo para mim, disse exasperada. O assunto

é que eu te amo e é contigo com quem me casarei.

Ele ficou imóvel. Depois se voltou a olhá-la.

— É a mim a quem amas — disse, piscando.

— Sim, e agora deve me resgatar e me levar até um sacerdote.— Mas...

— Sei que é capaz de fazê-lo. Conheço muito bem suas façanhas.

— Mas eu não posso me casar contigo, balbuciou ele.

— Pois claro que pode. Você mesmo disse que talvez chegasse a me desejar.

Ele agitou a mão impaciente.

— Isso não é o que me impede.— Então me deseja.

Sorriu. Sabia. Só um homem que desejava loucamente a uma mulher podia

ter-se mostrado tão indiferente como o tinha feito ele.

— É obvio que te desejo, disse ele em um furioso sussurro. Desejei-te do

maldito momento que fixei meus olhos em ti.

Não parecia nada agradado por isso.Gwen sorriu feliz.

— Que fantást...

— Mas não posso te ter, interrompeu ele. Acaso esqueceu que seu pai jamais

te entregaria para mim?

— Faria-o se pudesse. Não faz seis meses ele disse isso a minha mãe.

Rhys franziu os lábios.

— Palavras motivadas, sem dúvida, por uma visita de seu prometido.

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— Alain exagerou com as taças e vomitou em cima do melhor colchão de

meu pai.

— Compreendo.

— Foi uma semana horrorosa, encolheu os ombros. Mas eu tomei minha

decisão muito antes que isso. E embora as mãos de meu pai estejam atadas, as minhas

não estão.

— E crê que seu pai não te ataria as mãos e te encerraria com chave nos

aposentos de sua mãe até as bodas se soubesse o que me tem proposto esta noite?

Ela teria gostado de pensar que não, porque seu pai era tremendamente

 paciente com suas travessuras, mas pensou que talvez Rhys tivesse razão. Decidiu-se por outra linha de conduta.

— Não diremos a ele.

Ele ficou calado. Gwen o olhou e sentiu que começava a brotar a esperança

em seu peito. Ele estava pensando. Havia-lhe dito que a desejava do momento em que

fixou nela seus olhos; que importava que o houvesse dito irritado. E era um amor 

muito potente, porque recordava claramente como a tinha tirado do chiqueiro e omuito que se prestava a ela.

Ele era o que desejava, disso estava segura. As lembranças da valentia e

amabilidade do menino de quatorze anos estavam gravadas indelevelmente em sua

memória.

Ele olhou para baixo. Ela observou como estirava a mão para agarrar a dela.

Acariciou-lhe o dorso com o polegar, lentamente, como se quisesse memorizar suaforma.

— Se encarregará disso, não é? — perguntou-lhe.

Ele não disse nenhuma palavra, mas continuou lhe olhando a mão. Gwen

teria querido cravá-lo um pouco mais, mas estava muito distraída. Sentiu seus dedos

calosos e quentes contra sua pele. Que estranho, seu contato era muito distinto do que

imaginou. Muitas vezes tinha pegado a mão de seu pai; brandir a espada lhe tinha

formado calosidades, e também as deixava quentes.

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Mas Rhys não era seu pai e o contato de sua mão sobre a dela era totalmente

distinto. Seu contato fazia que subissem estremecimentos por seu braço e que logo se

estendessem por todo o resto de seu pobre corpo.

Observou-o em silêncio quando lhe levantou a mão e a levou até seus lábios.

O contato de seus lábios sobre sua pele lhe produziu uma quebra de onda de algo que

  jamais havia sentido antes. Nem sequer quando quase caiu pela escada enquanto

espiava ao capitão dos homens de seu pai para ver se cumpria bem suas obrigações lhe

tinha produzido esses formigamentos de medo.

A não ser que o que sentia não fora medo.

— Sim — disse ele, apoiando a sua mão em sua bochecha ligeiramenteáspera.

— Sim? — perguntou ela piscando.

— Encarregarei-me disso.

— Se encarregará disso?

Estava tão rendida por sua proximidade, por sua altura e sua força, que já

quase não recordava seu nome, e muito menos do que tinham estado falando. Sorriu-lhe, e ao ver esse sorriso quase caiu de costas muralha abaixo. Por todos os Santos,

que formoso era.

— Encarregarei-me de te resgatar dos vis intuitos do Alain de casar-se

contigo, lhe recordou ele.

— Ah — disse ela assentindo, disso.

— Sim, disse ele com outro sorriso, disso.Ele deixou de sorrir, fechou os olhos e suspirou; depois os abriu e a olhou. O

desejo que viu em seu olhar não se parecia com nada que tivesse visto jamais na cara

de nenhum homem, nem sequer dos homens que iam olhar sua mãe sabendo que

 jamais a teriam. Que um homem, Rhys de Piaget, sobretudo, olhasse-a assim era algo

absolutamente maravilhoso. Observou sua expressão para evocá-la durante os meses

em que ele estaria longe concebendo uma maneira de fazê-la sua.

Então, antes que pudesse lhe pedir que se girasse um pouco para que a lua

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lhe iluminasse melhor a cara, lhe agarrou o rosto entre as mãos, inclinou a cabeça e a

 beijou muito docemente nos lábios.

Gwen estava segura de que as pedras se moviam sob seus pés.

— Oh, conseguiu dizer quando ele levantou a cabeça e a olhou.

Parecia estar tão aturdido como ela.

— Sim, disse ele com voz rouca. Moveu a cabeça para limpá-la. Agora

devemos descer; alguém poderia nos ver.

Mas não se moveu.

Ela tampouco.

Só o que desejava fazer era continuar ali com suas bochechas entre suasmãos ásperas, sentir nos lábios o recordado calor de sua boca e sua amada figura

muito junto a ela, e perguntar-se se nos anais do tempo alguma donzela teria tido a um

homem assim, disposto a protegê-la.

Ou a beijá-la, se era esse o caso.

Ia perguntar-lhe se teria a amabilidade de fazê-lo de novo, quando lhe

agarrou a mão e começou a descer a puxando.— Temos que voltar, lhe disse por cima do ombro.

— Mas...

— Além de te raptar de noite, não sei como vou fazer isto — murmurou ele

enquanto descendiam os degraus.

— Mas...

— Suborno, talvez — continuou. É muito caro, mas bem vale o preço. Tereique pensar.

— Bom, obrigada...

— Sim, disse ele quando tinham chegado abaixo. Farei minha viagem à

França e ali assistirei a um ou dois torneios.

— E então voltará? — apressou-se a dizer ela antes que ele voltasse a

interrompê-la. Muito antes que me case com esse imbecil?

Ele se voltou a olhá-la.

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— Muito antes, com bolsas de ouro na mão.

— Então...

«Talvez outro beijo», ia dizer, ficando nas pontas dos pés e procurando sua

 boca com a sua, mas um grito do corredor a interrompeu.

— Gwen!

O som da voz de seu pai retumbou em todo o corredor. Gwen afogou uma

exclamação e soltou a mão da de Rhys. Viu em seu rosto uma expressão de intenso

alarme.

— Faça algo sussurrou ele, ou ele me jogará no calabouço, e então não

ficaria nenhuma esperança.Outra mutreta. Suspirou. Era seu destino que lhe pedissem para inventá-las.

— Vamos, senhor cavalheiro — exclamou, plantando-as mãos nos quadris e

simulando uma expressão ofendida, como te atreve?

Dirigiu-lhe um olhar que esperava que dissesse «Isto é o melhor que me

ocorre», e jogou para trás o punho.

— Pai, eu o despacharei — gritou para o corredor.Então, com uma súplica tácita de perdão, fez voar o punho e com firmeza e

mortal precisão, estampou-o com muito pouca delicadeza no nariz de Rhys.

 

Capítulo 6 

Pela segunda vez em todos os anos que conhecia o Gwennelyn de Segrave,

Rhys agarrou o nariz e soltou uma maldição. Tinha acreditado que quatro anos atrás

seria primeira e última vez que teria que agüentar um murro dela.

— Demônios, Gwen — exclamou, por que sempre tem que fazer isto?

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— Pelo mesmo motivo que o fiz da última vez, explicou ela. Para que não

nos descubram.

Rhys apalpou o nariz com muito cuidado, pensando se isso valeria à pena.

 Não podia negar que tinha dado bom resultado na última vez; recordava que naquela

vez, de um extremo do corredor, William se limitou a olhar com sorriso mal

dissimulado o sangue que lhe corria pela cara e o saudou com um gesto quando ele

 passou quase correndo por seu lado para a segurança da sala para as tropas. E na

manhã seguinte, depois de ter recebido a permissão do Bertram, partiu.

Teve a sorte de não voltar a encontrar-se com o pai de Gwen; com ela

tampouco voltou a falar. Ela se limitou a presenciar sua partida, com uma expressãode absoluta confiança nele, e isso lhe bastou para dirigir-se diretamente a França,

fazendo só uma breve parada no Ayre para recolher seus poucos pertences.

E nesses momentos, embora pudesse lhe parecer impossível, encontrava-se

 justamente ante a mulher por cuja compra tinha trabalhado esses quatro anos passados.

O que não o surpreendia tanto era não dispor da tranqüilidade ou um lugar mais

adequado para saudá-la como era devido. Embora, pensando bem, se dentro de muito pouco teria o dinheiro suficiente para fazer uma oferta por ela, o que podia lhe

importar o que pensasse seu noivo?

— Na realidade não acredito que importe muito que revele — lhe disse,

limpando a cara com a manga, porque dentro de uns meses terei muitíssimo ouro...

— Dentro de uns meses? — repetiu ela. Girou a cabeça e indicou com o

dedo por volta de onde se via o corcel branco do Alain aproximando-se rapidamente.Vão-me casar com ele esta mesma semana!

Rhys deixou de limpar a cara e a olhou surpreso.

— Não, isso não pode ser. Não vais casar com ele...

— Enquanto não tinha os vinte e um anos completos, já sei. Mas quem pode

impedir? Meu pai morreu faz dois anos, e meu tutor não vê à hora de livrar-se de mim.

Rhys se tinha informado da morte de Lorde de Segrave, mas não se atreveu a

retornar para consolá-la. Além disso, a notícia demorou seis meses em lhe chegar.

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Esperava que ela soubesse o quanto tinha lamentado.

Mas ele sabia que seu pai adotivo, Lorde Ayre, não permitiria que se

realizassem as bodas antes da data acordada. Gwen estava equivocada; seu tutor a

tinha convencido de uma data errônea em relação às núpcias.

Núpcias que certamente não se levariam a cabo com o Alain de Ayre.

— Bertram se ocupará disso, lhe assegurou. Ainda não faz um mês que me

enviou uma mensagem para que voltasse; por isso estou aqui, em lugar de continuar na

França enchendo meus cofres. Sorriu-lhe. Não temas, Gwen. Ele não vai permitir que

ocorra isso ainda.

Viu que isso não a tranqüilizava, e não entendeu o por que. Ela olhou paratrás por cima do ombro e logo o olhou.

— Esta poderia ser a última vez que podemos falar livremente.

— Eu acredito que não...

— Não tem idéia do que se passou.

Rhys olhou a figura do Alain que se aproximava rapidamente e amaldiçoou a

interrupção.— Eu me encarregarei, disse muito crédulo. Vamos dizer lhe a esse imbecil

que se vá e se deteve ao ver o olhar de advertência dela. De acordo, vamos continuar a

comédia um momento mais. Quer que volte a me socar o nariz?

Ela abriu a boca para falar e voltou a fechá-la.

Ao Rhys teria gostado mais algum tipo de manifestação de afeto, mas estava

claro que isso não poderia ser. Fosse qual fosse a catástrofe que tinha ocorrido, estavaseguro de que Alain era o responsável. Esta poderia resolver se evitavam exibir seus

verdadeiros sentimentos diante de todos os homens do Alain. Apalpou o nariz com

tato, pensando que talvez isso não seria tão difícil se a alternativa era outro murro.

De repente lhe acabou o tempo para considerar a importância dos últimos

momentos de sua vida, porque estava rodeado pelos homens do Alain. Observou como

este se situava habilmente entre seu cavalo e Gwen. Nunca tinha duvidado da perícia

do Alain no manejo dos cavalos; era de sua perícia para dirigir as almas de que

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duvidava. Com o peito agitado, Alain contemplou um momento a Gwen desde sua

montaria, talvez escolhendo a palavra adequada para expressar seu aborrecimento.

— Porca, disse finalmente. Depois mordeu o lábio, ligeiramente consternado

 pelo que acabava de dizer.

— Imbecil, replicou Gwen.

Alain se limitou a olhá-la fixamente, movendo um pouco os lábios. Rhys

supôs que sua mente não ia ao mesmo passo que sua boca, porque dela não saiu

nenhum som; talvez lhe tivesse produzido uma desconexão entre o pensamento e a

fala.

Ao parecer Alain recuperou o fio perdido; olhou ao Gwen com certaincredulidade.

— Fugiu do castelo, conseguiu dizer.

— Sim, respondeu ela.

Ele arranhou o lado da cabeça com a vara que sustentava na mão.

— Por quê?

— Para escapar de ti, bobo.— Bobo, repetiu ele olhando-a com cara de surpresa. Bobo?

Rhys estava pensando que reação a esse insulto ia encontrar Alain nas curvas

de seu esgotado cérebro quando, ante seu absoluto assombro, Alain se inclinou e deu

um golpe na cara de Gwen com o dorso da mão.

Rhys só a agarrou porque a força do golpe a lançou enfraquecida para seus

 braços. Olhou sua cara manchada de fuligem e sentiu uma fúria candente. Já tinhameio desembainhado sua espada quando se deu conta do que estava fazendo.

De repente sentiu uma mão mais leve sobre a sua. Olhou a Gwen nos olhos e

viu uma súplica neles. Voltou a embainhar a espada foi o mais difícil que tinha feito

em sua vida. E no fundo de sua mente suspeitou que isso era só a primeira das coisas

que teria que fazer para manter em segredo seu desejo pela mulher que tinha em seus

 braços.

Por todos os Santos, era um caminho difícil o que tinham escolhido.

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Alain o olhou furioso.

— Não sei quem é, mas tem umas maneiras que eu não gosto. Solta à

empregada porque ainda tenho mais golpes a lhe dar.

Rhys era o primeiro em reconhecer que sua aparência deixava bastante a

desejar, mas bom, Alain o tinha visto com muita freqüência no passado para

reconhecê-lo. Era evidente que não tinha aumentado sua inteligência durante sua

ausência.

— Seu pai, milorde, desaprova que se golpeiem as mulheres, disse.

— O que pode saber você de meu pai — balbuciou Alain, furioso-, se for 

um... Um...Parecia que novamente estava procurando uma palavra o bastante feia para

expressar seu aborrecimento quando seu olhar caiu sobre a espada de Rhys e ficou

com a boca aberta.

Isto indicou a Rhys que Alain acabava de compreender a quem estava

olhando. Lorde Bertram não só lhe tinha dado a espada, mas também um rubi para

incrustá-la em seu punho. Alain não tinha perdoado nunca isso a seu pai, porquecertamente ele não tinha recebido nada semelhante. A explicação de Bertram foi que

 posto que seu filho herdasse todo o resto, não tinha nenhuma necessidade de pedras

  preciosas para adornar sua espada. Mas Alain, sendo Alain, e não precisamente

superdotado de lógica, tinha estado furioso durante anos pela injustiça, embora não o

suficiente para convidar a Rhys a combater no campo de batalha para aliviar seus

machucados sentimentos.No fundo de sua mente, Rhys pensou se não acabaria pagando desse modo a

generosidade de seu pai adotivo.

— Meu pai está morto, Piaget, lhe disse Alain depois de lhe cuspir aos pés, o

qual significa que não está aqui para desaprovar...

Rhys sentiu que se afundava o chão sob seus pés.

— Morto? Mas se não faz um mês estava vivo.

— Morreu repentinamente, disse Gwen em voz baixa. Não fazia muito tinha

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viajado a Segrave.

— E até não faz muito me estavam escutando! — interrompeu Alain furioso.

Por todos os Santos, detesto que não me prestem atenção!

Ao Rhys resultava quase impossível acreditar que tivesse morrido o pai do

Alain e que nesses momentos estivesse olhando ao atual senhor do Ayre. Se o tivesse

sabido, não teria saído da França tão mal preparado.

— Vamos, irmão — disse uma voz detrás do Alain, não te conviria deixar 

 para um momento mais íntimo a manifestação de sua irritação?

Alain se voltou a olhar ao homem que tinha falado. Rhys aproveitou a

ocasião para pôr Gwen atrás dele.— Chamou-me de bobo, se queixou Alain.

— Sim, chamou-te de bobo — respondeu Rollan docemente, mas quem

recorda essas trivialidades?

Rhys ouviu Gwen balbuciar em voz baixa e de todo coração desejou que se

calasse. Certo que Alain era um parvo, mas seu irmão Rollan era tão hábil como o

  próprio demônio e igualmente cruel. Embora os insultos de Gwen finalmenteescapassem da mente de Alain, Rollan escolheria o pior momento possível para lhe

refrescar a memória.

— Deve ser castigada, grunhiu Alain. Olhou ao Rhys, enfurecido: E você te

faça a um lado para que possa fazê-lo.

— Acredito que seu tutor não aprovaria esse mau trato, disse Rhys com a

esperança de acender nele uma faísca de sensatez.— Quem é você para me dizer o que devo ou não devo fazer? — perguntou

Alain.

— Sim, quem é sir Rhys em realidade? — acrescentou Rollan. Sem dúvida

esquece seu lugar. Não tem título, fila nem terras.

«Nem terras.» Bom, essa era sempre a essência do assunto. Rhys sentiu a dor 

quase com a mesma intensidade com que o sentiu a primeira vez que lhe insultaram.

Seu orgulho ferido exigia algum tipo de alívio.

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— Tenho o título de cavalheiro, disse secamente, e, portanto jurei proteger a

aqueles que são mais fracos que eu.

— É claro que sim — exclamou Gwen, lhe dando uma aprovadora

cotovelada nas costas.

— Eu teria pensado que todos estes anos de combates — disse Alain,

simulacros de combate em realidade, tinham-lhe ensinado a verdade das coisas. Os

fortes dominam os fracos. Não é assim irmão? Olhou ao Rollan para receber o gesto

de aprovação, e continuou: E, portanto eu vou dominar você. E vou dominar a essa

teimosa uma vez que lhe tenha metido obediência à força de golpes. Acredito que vou

começar agora mesmo.«Por cima de meu cadáver», pensou Rhys. Teria-o dito, mas não devia sua

fama a não sopesar as possibilidades de êxito em cada combate. Eram ele e Gwen

contra Alain, Rollan e uma vintena dos guardas do Alain, dos quais muitos tinham

motivos para não querê-lo muito. Seria melhor sair dessa falando.

— Talvez te convenha deixá-la com sua força de vontade intacta, sugeriu.

Enquanto Alain digeria isso, cuspiu o resto com a maior rapidez possível: Isso é algoque poderia transmitir aos seus filhos.

— Há! — soltou Gwen de detrás-, como se fosse ter um filho seu alguma

vez.

Alain açulou a seu cavalo e Rhys retrocedeu um passo para não ser 

esmagado.

— Tem que casar-se comigo, resmungou Alain. Seu pai prometeu.— Estava com umas taças a mais no momento... — começou Gwen, mas se

calou o resto, a contra gosto, ante o olhar que lhe dirigiu Rhys por cima do ombro.

Rhys voltou seu olhar a Alain, preparado para agir se fosse necessário, mas o

novo senhor do Ayre se contentou em acariciar seu chicote e mitigar seus

 pensamentos; ao que parecia, encontrou a comida agradável, se não substanciosa.

— Talvez haja maneiras mais eficazes de lhe tirar o descaramento, sugeriu Rollan.

Alain olhou o seu irmão.

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-Sim?

— Durante sua noite de bodas, talvez — disse Rollan.

Alain o olhou perplexo; sem dúvida para descobrir o significado oculto das

 palavras de seu irmão era muito para ele. Depois encolheu os ombros e olhou a Rhys.

— Por seu nariz vejo que te golpeou. Devo supor que tentou lhe impedir a

fuga?

— É obvio, conseguiu dizer Rhys. O que senão?

— Então suponho que me servirá bem, grunhiu Alain.

— Te servir? Porque ia servir-te?

— Devia um ano mais ao meu pai.— Ao seu pai, não a ti.

Alain fez um mau gesto.

— Antes de morrer, meu pai ordenou que me desse esse ano, como parte de

minha herança.

Não era a primeira vez que Rhys ouvia falar desse plano, embora sempre

tendesse a não aceitá-lo. Olhando ao novo senhor do Ayre compreendeu que não tinhaopção. Quantas vezes tinha Bertram tentado convencê-lo? «Só um ou dois anos,

filho», dizia-lhe. «Sirva-o um ou dois anos depois que se casar. Talvez consiga ser 

uma influência estabilizadora.» «Com o que sente por mim?», alegava sempre ele.

«Servirei meu ano na masmorra». Bertram sempre lhe prometia que esse tempo de

serviço valeria a pena, mas ele nunca conseguiu imaginar nada que pudesse fazer 

suportável esse sacrifício.Em troca de Segrave, talvez.

Ou de Gwen.

Amaldiçoou para seus botões: «Demônios, Bertram, por que me fez isso?»

— Sigo querendo golpeá-la, anunciou Alain. Todos se afastem.

E essas palavras deram a resposta a Rhys. Estava claro que Bertram desejava

que ele estivesse perto para proteger a Gwen. Bramou para seus botões. O que podia

fazer, dormir no meio dos dois?

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Não, nunca chegaria a isso; Gwen não se casaria com o Alain. Ele se

encarregaria pessoalmente disso.

— Talvez devesse esperar chegar em casa, sugeriu Rollan. Golpeia-a na

intimidade de seus aposentos com uma taça de vinho à mão. Ali estará mais cômodo.

Alain pensou e assentiu.

— Tragam uma corda — ladrou.

Desceu do cavalo, afastou ao Rhys de um empurrão e agarrou a Gwen pelo

 braço.

— Talvez o caminho de volta ao Ayre ensine a não fugir de novo, lhe disse

agarrando a corda que lhe oferecia um de seus homens.Rhys teve que apertar os punhos contra seus flancos enquanto Alain atava as

mãos de Gwen. Este voltou a montar segurando o extremo da corda e fez girar o

cavalo em direção ao Ayre.

— Suba, Piaget. Tenho coisas importantes do que me ocupar. Talvez uma

caçada, embora, claro, ela já arruinou a manhã para esse tipo de esporte.

No tempo que Rhys levou a assegurar a espada roubada de Gwen em suacadeira de montar, Alain se tinha afastado uma boa distância levando a sua presa.

Rhys agarrou as rédeas do cavalo e se apressou a seguir à comitiva. Chegou junto a

Gwen e continuou caminhando junto a ela, atirando de seu cavalo. Passado um bom

momento, ela rompeu o silêncio.

— Tinha saído para lhe buscar, lhe disse em voz baixa.

— Oxalá tivesse esperado em Segrave, suspirou ele.— Já estava no Ayre, e não suportava continuar ali nenhuma noite a mais. Além disso, pensei que talvez te

conviesse ter a alguém que te guardasse as costas.

— Sim? — disse ele tentando não sorrir.

— É que não me acha capaz de fazer isso? — perguntou ela olhando-o

carrancuda.

— Eeh...

— Hoje era meu primeiro dia como mercenária. Asseguro-te que teria

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melhorado com a prática.

Só a idéia de Gwennelyn de Segrave lhe guardando as costas foi suficiente

 para pô-lo a suar. Santos do céu, isso bastaria para que o matassem.

— Além disso, continuou ela, tinha ouvido rumores de que não te interessava

em tomar uma esposa. Olhou-o com os olhos entrecerrados. Pensei que sendo

mercenária me acharia mais atraente.

— Uy, por todos os Santos, gemeu ele.

Que outras mentiras teria ouvido Gwen nas conversas dos homens na sala

grande? Em geral ele falava muito pouco, por isso as únicas histórias que se podiam

contar dele eram inventadas. Voltou-se para ela para lhe perguntar o que outras coisastinha ouvido e se encontrou olhando ao ar.

Alain tinha puxado tão forte da corda que a tinha feito cair, e nesse momento

a levava arrastando pelo chão, indiferente aos esforços que fazia ela por ficar de pé.

Rhys soltou as rédeas e correu a levantá-la. Alain se girou e fez zumbir o chicote;

Rhys se esquivou agachando-se, levantou a Gwen e retrocedeu um passo.

— Isso não é decoroso, milorde — lhe disse em tom áspero.O chicote voltou a cair, com tanta rapidez que mal teve tempo para reagir;

agarrou-o antes de que lhe golpeasse a cara.

— Esquece seu lugar, grunhiu Alain.

— Ainda não aceitei te servir, replicou Rhys antes de pensar melhor suas

 palavras.

— Que rabugice, comentou Rollan movendo a cabeça. Um traçoverdadeiramente inquietante nele.

— Verdade? — respondeu Alain olhando ao seu irmão.

Rollan assentiu.

— Não sei se não me preocuparia sua falta de humildade, dada sua posição.

— Muito certo, disse Alain.

— Talvez se lhe desse a saborear seu desagrado, sugeriu Rollan.

Alain acariciou seu chicote e subitamente assentiu.

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— Dez açoites por sua desobediência. Guardas agarrem-no.

Foi tanta sua surpresa que Rhys ficou imóvel olhando boquiaberto ao filho

de seu senhor.

— Não receberei açoites, conseguiu dizer.

— Sim, se eu o ordenar.

— Não me submeterei de boa vontade — continuou ele, calculando a

quantos homens poderia ferir antes que o derrotassem de todos os modos.

Vinte homens o rodeavam; igual poderia encarregar-se da metade se

conseguisse montar com a rapidez suficiente.

— Então a açoitarei por seu descaramento, disse Alain puxando a corda aque estava atada Gwen.

— Não, disse Rhys consternado. Não pode...

Não se deu ao trabalho de continuar. Estava muito claro que Alain faria o

que desejasse, sem considerar as conseqüências.

— Se submeta, então — disse Alain desmontando. Se Ajoelhe a meus pés e

se submeta.«Isso a salvará de seus açoites», disse Rhys a suas pernas, mas estas não lhe

escutaram. Teve que fazer provisão de toda sua força de vontade para não

desembainhar sua espada e usá-la a destro e sinistro sobre o idiota que tinha diante.

— Talvez necessite de ajuda, sugeriu Rollan.

— É provável. Guardas! Agarrem e o dobrem sobre algo sólido.

Rhys refletiu. Se não se ajoelhasse por própria vontade, talvez sesubmetesse. Além disso, dez açoites era um preço pequeno a pagar por manter a Gwen

de pé e fora do alcance do arco do chicote. Maldito cavalheirismo, só era um estorvo;

estava muito melhor quando não fazia caso de seus clamores.

Olhou aos guardas do Alain e reconheceu a maioria. Tinha-os conhecido

antes no campo de batalha quando treinava. Não havia nenhum só deles ao que não

tivesse deixado clamando por paz mais de uma vez. Esses foram os que demoraram

em desmontar e demoraram muito mais em desembainhar suas espadas.

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Os outros apearam entusiasmados e o rodearam. Rollan, é obvio, seguia

sentado a salvo em seu cavalo a uma distância prudente. Rhys o olhou com o desejo de

que visse em seus olhos a promessa de retribuição; Rollan se limitou a arquear uma

sobrancelha e a sorrir; mas não se aproximou nem um palmo mais.

Depois olhou os guardas que o rodeavam. Ou não tinham ouvido nada sobre

sua perícia ou tinham ouvido e não tinham acreditado. Disse-se que não lhe faria

nenhum bem apagar esses sorrisos de suas caras, mas a tentação de tirar sua espada e

fazê-lo foi quase irresistível.

«Isto vai salvar a Gwen do chicote do Alain.»

Esse pensamento foi só o que manteve sua espada em sua bainha. Mas pensou que não o condenariam muito por usar seus punhos uma ou duas vezes.

Ensangüentou vários narizes e teve a satisfação de ouvir ranger dentes ao soltar-se,

mas ao final simplesmente eram muitas as mãos e não as pôde evitar. Tiraram-lhe a

roupa da parte superior do corpo e o dobraram sobre um toco.

— Malvado bastardo! — exclamou Gwen. Ele só queria me proteger de seu

mau gênio.— Meu mau gênio? É você quem tem essa língua rabugenta.

— Ao menos eu não açoito a homens inocentes por meus defeitos.

— Não é tão inocente, interveio Rollan, e é muito descarado para sua

 posição. Eu diria que merece vinte açoites, não dez, não te parece, irmão?

Rhys fixou seu olhar no Rollan e se entregou à contemplação da vingança.

Mas por desgraça teve que interrompê-la, porque necessitou de toda sua concentração para manter fechada a boca.

Duas coisas Rhys teve que reconhecer ao Alain do Ayre: era muito forte e

dirigia seu chicote com a maior perícia. Teria se talhado a língua de uma dentada antes

de chiar, mas se permitiu emitir uns quantos grunhidos.

Alain fez uma pausa em seu trabalho, deu a volta ao redor do Rhys e lhe

levantou a cabeça puxando-o pelos cabelos.

— Já encontrou sua obediência, sir Rhys?

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Rhys pesou suas forças e mediu sua fúria. Sim, restava suficiente de ambas

 para sustentá-lo. Imediatamente pensou em umas seis coisas vulgares que podia lhe

sugerir ao Alain que fizesse a si mesmo; mas descobriu que não tinha fôlego para dizê-

las, de modo que se contentou em lhe cuspir os pés.

— Outros dez! — vociferou Alain e reatou a tarefa com esforço.

Uma vez recebidos estes, Rhys decidiu que possivelmente já tinha suficiente

 por essa manhã para fortalecer seu caráter. Viu que Alain estava quase desenquadrado

de ira. Suspeitou que se o provocasse mais não veria outra coisa que a masmorra do

Ayre, e isso não seria muito útil para seus propósitos.

Mortificou-o fazê-lo, mas deu ao Alain todas as respostas que este queria, e odepositaram sobre seus pés sem muita suavidade. Deu as graças aos que lhe ajudaram

a por a roupa, memorizando suas caras para recordá-las no futuro, e depois gravou em

sua memória cada puxão, cada beliscão e cada gota de sangue que tinha produzido

suas costas.

Alain pagaria por tudo isso. E Rollan também, claro.

Caminhou enrijecido para seu cavalo e saltou sobre a sela, mordendo o lábio para manter-se em silêncio. Só então teve a presença de ânimo para olhar a Gwen.

Ela o estava olhando com as bochechas banhadas em lágrimas, e ele teve que

desviar o olhar para não chorar. Não era assim como tinha planejado seu reencontro. O

que desejava era agarrá-la em seus braços e fugir com ela. Mas no momento, só o que

 podia fazer era concentrar-se em manter-se sobre seus arreios; não estava em muito

 boas condições para realizar um resgate.Isso também Alain faria pagar.

Voltaria para o Ayre com ela. Se encarregaria de que lhe curassem as costas

e tomaria um ou dois dias de descanso para recuperar as forças. E depois, talvez lhe

ocorresse o que fazer a respeito do futuro. Se fugissem, abandonaria à mãe de Gwen, e

isso ela não consentiria; e suas terras, e isso ele não o consentiria.

Fechou os olhos e se perguntou se seus desejos seriam muito ambiciosos

 para merecer uma sincera oração por seu cumprimento.

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Voltou a olhá-la; ela ia atrás do cavalo do Alain aos tropeções. Contemplou à

mulher que o havia sustentado de pé durante esses quatro anos; Santos do céu, que

formosa era, e tão cheia de fogo que quase o deixou sem fôlego. E pensar que a tinha

tido ao seu alcance andrajosa e suja, e tinha sido muito estúpido para reconhecê-la

enquanto tinham tempo.

Deveria ter pedido outros dez açoites, em castigo por sua estupidez.

 

Capítulo 7 

Em seu laborioso caminhar para o castelo, Gwen sentia arder à cara. Sua

lamentável situação que teria consternado a sua mãe e enfurecido ao seu pai;

simplesmente lhe produzia humilhação. Com que ilusão tinha empreendido a marcha

 para a glória. Não era assim exatamente como teria escolhido voltar. Posto que jamais

tivesse tido a menor intenção de voltar, a ofensa era duplamente dolorosa.

— Agora poderia me soltar — disse com voz clara, puxando a corda para

chamar a atenção de Alain.

Este se limitou a lhe dirigir um olhar furioso por cima do ombro. Pela mente

de Gwen cruzou a idéia de plantar-se, mas a desprezou em seguida. Alain a arrastaria

 pelo chão tal como tinha feito antes; considerando o asqueroso estado do pátio de

armas do Ayre, preferia ter a cara tão longe do chão quanto lhe permitissem suas

 pernas.

Esforçou-se ao máximo para cruzar a ponte sem respirar, para não aspirar ao

 pestilento aroma que emanava do fosso. Com razão Alain apostava em tão poucos

homens nas muralhas. O fedor da água bastava para que seus inimigos se

deprimissem.

Por desgraça, o aroma do pátio interior não era melhor. Resultava-lhe

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dificilíssimo acreditar que seu pai tivesse desejado realmente que ela passasse o resto

de sua vida nessa pocilga. Nenhuma aliança política podia fazer isso suportável.

Soltou um suspiro. Sabia que não tinha nenhum motivo para queixar-se; seu

 pai lhe tinha procurado o melhor partido possível e tinha acreditado em que ela usaria

seu engenho em melhorar as condições a sua volta. E isso teria feito, claro, se tivesse

tido a desgraça de estar no Ayre qualquer período de tempo; mas não entrava em seus

 planos ficar ali o tempo suficiente para recolher o lixo e os escombros e transportá-los

 bem longe das muralhas. A liberdade que seus esforços não tinham ganhado por 

converter-se em mercenária certamente ganharia a aparição de Rhys na Inglaterra.

Bom, na realidade tinha que reconhecer que lhe produzia um muito ligeirodesgosto pensar em como se arrumaria Rhys para liberá-la a das bodas que Alain tinha

 programado para dentro de uns dias.

Atravessou o pátio de terra calcada respirando pela boca. Quando chegaram

à torre da comemoração, Alain desmontou diante da porta da sala grande. Não era

mais alto que ela, e isso lhe permitiu lhe ver bem os olhos furiosos enquanto lhe

desatava as mãos. Gwen rogou que não lhe notasse o desdém que sentia. Alain estavagordo e perto de ficar quase calvo de todo, e tinha uns dentes podres que

 provavelmente lhe cairiam antes que chegasse a primavera. Além disso, tinha as

 pernas arqueadas, possivelmente porque passava a maior parte de seu tempo sobre seu

cavalo, ou de caça ou para, desde essa altura, intimidar os que poderiam ser mais altos

que ele.

Tomado tudo em conta, não era a primeira escolha que teria feito paramarido.

E essa alma, a que via pela extremidade do olho, estava desmontando de seu

cavalo, com o corpo rígido. Seus pés golpearam o chão com um som que indicava que

não estavam muito firmes; apoiou a cabeça sobre o pescoço de seu cavalo, mas voltou

a erguê-la imediatamente; sem dúvida não queria que ninguém visse quanto sofria.

Ele a olhou por cima do ombro e ela olhou seus olhos cinza. Ele não disse

nenhuma só palavra, nem sua expressão revelou nada do que sentia, mas em seus

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olhos ela leu: «Liberaremo-nos deste lugar».

Então, como se soubesse que ela tinha entendido, ele fez um gesto afirmativo

com a cabeça. Depois girou a cabeça e lentamente conduziu o seu cavalo para o

estábulo.

Gwen contraiu o rosto ao observar o seu enrijecido andar. Talvez tivesse

cometido um engano ao lhe impedir de desembainhar a espada; mas claro, se o tivesse

feito, Alain teria ordenado aos seus homens que o matassem ali mesmo. Seu atual

estado era uma dolorosa alternativa à morte, mas uma certamente melhor, embora ela

tivesse preferido não presenciar as chicotadas. Obrigou-se a contemplar como Alain

lhe açoitava as costas, em parte para olhá-lo nos olhos em caso de que ele elevasse avista e necessitasse de fôlego, e em parte para gravar em sua mente outro exemplo da

crueldade do Alain. Precisou recorrer a toda sua força de vontade para ficar onde

estava e não lançar-se sobre o Alain e mutilá-lo com suas próprias mãos.

— Vejo que encontrou a garota.

— E não graças a ti. Foi você o responsável por vigiá-la e de te encarregar de

que se comportasse bem.Gwen olhou para o lugar de onde provinham as vozes. Alain estava

expressando seu desagrado ao seu tutor, que estava nos degraus que subiam à sala

grande. Por um momento se derrubou no desejo de correr detrás de Rhys e ocultar-se

no estábulo. Ouvir discutir ao Hugh do Leyburn e o seu prometido sobre quem era o

responsável por sua fuga era algo que teria preferido evitar.

— Mas é que só sou um homem, disse Hugh. Pinçou na bolsa que penduravade seu cinturão, tirou um ou dois figos, os jogou à boca e procedeu a mastigá-los

diligentemente. Não estou acostumado a essa desobediência. Acaso não a ameacei

 bem?

— Como? — burlou-se Alain. Prometendo que lhe tiraria sua agulha de

costurar?

— Isso dava resultado com minhas filhas, disse seu tutor encolhendo os

ombros.

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Gwen pensou se Hugh também ameaçaria a suas filhas perdendo seu posto

na mesa para o jantar. Hugh não era um homem magro, nem tampouco o eram suas

filhas, se eram certos os rumores. O único motivo que podia imaginar para que seu pai

o escolhesse para cuidar dela e de seu dote era que o homem estava mais interessado

na dispensa de Segrave que nela ou em sua mãe. Levar as contas das rendas com uma

mão e encher o focinho com a outra não lhe deixava nenhuma mão livre para explorar 

as senhoras do Segrave. Isso ela o agradecia muitíssimo, e suspeitava que sua mãe

agradecesse ainda mais.

— Posso ir agora? — perguntou, passando junto ao Alain antes que este

 pudesse dizer sim ou não.— Ao quarto de minha mãe, ordenou Alain. Irmãos Fitzgerald! Acabem seus

deveres e depois se postem na porta desta empregada e vigiem que não vá a nenhuma

outra parte.

Gwen olhou pasma aos dois gigantes que saíram da sala grande e baixaram

os degraus em uníssono. De acordo, só tinha estado no Ayre um par de dias e em toda

ocasião tinha pretextado dor de cabeça para não baixar à asquerosa sala grande, masteria que ter visto esses dois que tinha diante.

Gêmeos, isso eram; pilares idênticos de crueldade, e seguro que estavam

 possuídos pelo demônio também. Quem podia saber o que ficava da alma pervertida

que se dividia para habitar em dois corpos?

Passou como um raio junto a eles soltando um chiado. Tropeçou e

escorregou nas esteiras da sala grande, mas não diminuiu o passo. Quando chegou àescada, limpou a sola das botas roubadas no primeiro degrau e depois subiu com a

maior rapidez que lhe permitiu sua ousadia nesse momento. Chegou ao quarto, deteve-

se na porta para olhar o corredor e assegurar-se de que os dois demônios não a

seguiam.

O corredor estava deserto, mas não sabia quanto duraria isso. Quantos

deveres teriam? Entrou no quarto e fechou a porta.

Não invejava ao Rhys a tarefa de derrotar a esses dois, porque deveria

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derrotá-los se queriam partir de Ayre. Possivelmente devia fazer provisão de seu valor 

 para ir lhe ver antes que os demônios enviados a vigiá-la ocupassem seus postos fora

de sua porta. Certamente isso lhe evitaria gastar suas forças; suspeitava que nesses

momentos ele tivesse muito poucas para esbanjar.

Esteve um bom momento pensando nas possibilidades. Acabava de chegar à

conclusão de que seria muito conveniente fazer uma breve viagem para falar com o

Rhys quando a porta se abriu. Muito tarde, voltou-se a olhar, preparada para o pior.

— Ah, é você — saudou o recém-chegado com certo mau aspecto.

Um moço de não mais de quatorze verões lhe fez uma profunda inclinação e

depois se endireitou sorrindo:— Comove-me sobremaneira seu prazer ante minha chegada.

— Estava esperando a outra pessoa, grunhiu ela. Como conseguiu entrar sem

que lhe vissem meus guardas?

— Não havia nenhum, embora não teria importado que estivessem. Haveria-

lhes dito que me enviava Alain.

Sim, isso teria dado resultado, supôs ela. John era o irmão menor do Alain, ese parecia tão pouco a ele como ela. Ao menos parecia que os acontecimentos dessa

manhã não tinham tido conseqüências funestas para ele. Foi ele quem lhe conseguiu as

roupas de menino; e também lhe deu conselhos sobre como caminhar como moço.

Talvez ela tivesse sido uma aluna muito avantajada; se tivesse tido mais aspecto de

garota, talvez Rhys a teria reconhecido antes, e poderiam ter evitado a topada com a

fúria do Alain.— Chegou sir Rhys, lhe anunciou ele-. Eu o vi na sala grande.

John estava tão apaixonado por Rhys como ela, observou Gwen, com outro

mau gesto. O menino se criou em Segrave, com seu pai, e tinha continuado ali a

 pedido de sua mãe, pelo qual ela teve amplas oportunidades de conhecer sua adoração

 pelo valente sir Rhys; além disso, tinha o mais incrível talento para averiguar os

detalhes mais insignificantes de sua vida. Onde conseguia toda sua informação seguia

sendo um mistério, mas suspeitava que grande parte dela a adquiria ouvindo

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furtivamente as conversações no estábulo e na sala dos homens. Não se permitia

acreditar que John tivesse exagerado nem respeito ao valor nem à destreza do Rhys.

Estava tão disposta a acreditar em todas as histórias sobre ele como disposto estava o

irmão do Alain.

À exceção, claro estava, dos rumores de que não desejava esposa.

— Não vais acreditar o que me ocorreu, lhe disse John tão entusiasmado que

lhe saía espuma pela boca. Pergunte o que ocorreu faz só uns momentos. Depressa, me

 pergunte.

— Viu sir Rhys?

John emitiu uma exclamação de impaciência.— Isso já lhe disse. Isto é ainda mais glorioso. Pergunte o que poderia ser 

mais glorioso que isso.

Gwen suspirou resignada.

— O que poderia ser mais...?

— Bom, como sabe — a interrompeu John-, sua mãe me pediu que

 permanecesse ao seu lado para que a tivesse informada de suas travessuras...— John!

Falta que o fazia que lhe recordassem que sua mãe a tinha encarregado com

um vigilante.

— E quando me inteirei de que muito em breve iria se casar com o Alain — 

continuou ele animadamente, e que, portanto eu viveria no Ayre, vi com que não sabia

o que podia fazer aqui. Claro que imediatamente pensei em ganhar minhas esporas;isso não é algo tão inaudito a uma tenra idade. Sir Rhys ganhou as seus aos seus

quatorze anos, e pela mão do próprio rei Felipe, como recordará, embora isso fosse

contra os desejos de meu pai, que era seu senhor nesse tempo, mas quem ia se opor 

aos desejos do rei da França...?

— Quem, com efeito? — murmurou ela aproveitando que John fez uma

funda inspiração para seguir falando.

Todo isso ela já sabia, é obvio, mas não o fazia nenhum dano voltar a ouvir;

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servia-lhe para recordar que Rhys era imensamente capaz de sair gracioso de qualquer 

situação difícil, e de tirá-la também.

Ou ao menos isso esperava.

— Então supus que era possível que me fizessem cavalheiro na minha idade,

mas, claro, ainda não tenho a destreza de sir Rhys, e não porque não tenha trabalhado

muitíssimo em adquiri-la, como saberá por me ter visto no campo de batalha, onde

 passava a maior parte de meu tempo...

— O que ocorreu, John, o que ocorreu? O acontecimento glorioso e digno de

contar-se que acaba de ocorrer.

Santos do céu havia vezes em que o moço tagarelava com mais perícia queas criadas mais frívolas.

John fez uma funda inspiração e com muita cerimônia anunciou sua notícia:

— Vou servi-lo.

— A quem?

— Sir Rhys, disse o moço, a ponto de estalar de júbilo. Pode acreditar na

minha maravilhosa sorte?Certamente John não tinha perdido tempo em fazer realidade seu desejo.

Oxalá ela pudesse fazer o mesmo.

— E Alain te disse isso? Com essas palavras?

— Disse-me «Me importa um nada o que faça, John. Por isso a meu respeito

 pode servir ao demônio se quiser, mas cuide de não se atravessar em meu caminho».

Eu o interpretei como permissão.— E o cavalheiresco sir Rhys? O que disse ele a respeito disto?

Pela primeira vez desde sua entrada, John pareceu um pouco inseguro.

— Pareceu-me que estava muito absorto engolindo grandes quantidades de

cerveja, por isso pensei que seria mais prudente lhe dar a boa notícia depois do jantar.

— Sensata decisão.

— Eu também pensei isso.

Gwen percorreu a curta distância até a janela, girou-se e apoiou as costas

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nela.

— A que veio? — perguntou.

Ela conhecia muito bem a resposta, e por própria boca do Rhys, mas não lhe

faria nenhum dano ouvir as histórias que tinha ouvido John.

— Sir Rhys? Bom, meu pai o mandou chamar; seguro que para despedir-se

dele antes de morrer.

— Talvez seu pai acreditasse que Rhys tinha acabado seus assuntos na

França.

— OH, não — respondeu John. Sem dúvida o plano de sir Rhys era

continuar pelo menos outro ano mais à frente lutando em torneios. Necessita de ouro,sabe para comprar sua terra.

«Sua esposa» corrigiu Gwen para seus botões. Esclareceu-se garganta.

— Faz uns meses me disse que tinha ido à França para fazer um nome.

— Sim, e para ganhar ouro para comprar a terra que deseja. Não tem nenhum

título e seguro que as travessuras de seu pai não lhe ajudaram nada para adquirir uma

com apenas seu sobrenome.— Mmm — assentiu ela como se entendesse a que se referia o moço.

Essa era uma história da qual não sabia nada. Segundo os rumores ouvidos, o

 pai de Gwen tinha chegado a um mau fim, mas não tinha idéia o que tinha feito para

chegar a ele.

Com certo sobressalto compreendeu que embora estivesse segura de que

Rhys a conseguiria ou morreria tentando, não tinha idéia dos meios que planejava usar  para realizar a façanha. «Tudo está nos detalhes, querida», dizia-lhe sempre sua mãe;

estava começando a compreender o que queria dizer com isso. Escolheu

esmeradamente as palavras para a seguinte pergunta:

— Porque então não gasta seu ouro em comprar um título e depois busca

uma rica herdeira para casar-se?

— Considerou essa possibilidade — a informou John, como se tivesse estado

 presente nas deliberações mais íntimas de Rhys consigo mesmo. Claro que ao seu

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devido tempo terá uma esposa, mas não é isso o que mais o preocupa, e certamente

não é o que lhe preocupa agora. Necessita de terra. A não ser — franziu o cenho, a não

ser que encontre ante um substancioso dote. Isso talvez pudesse persuadi-lo de ter uma

esposa. E suponho que nesse caso teria que ser a mais rica.

Gwen pensou em seu dote e nas enormes propriedades que o constituíam.

Sim, seguro que Rhys não sofreria conseguindo-a; mas a conseguiria?

De repente lhe ocorreu pensar quanto valeria ela para ele se não tivesse dote.

Nada?

Não. Moveu energicamente a cabeça. Acabava de deixar-se dobrar sobre um

toco por ela. Fazia anos que ele lhe prometeu que encontraria a maneira de consegui-la. Não podia ter mentido em um assunto tão sério. Decidiu explorar um pouco mais.

— Estou segura de que se conhecesse a mulher de seus sonhos se casaria

com ela embora fosse pobre.

John a olhou como se acabassem de lhe brotar chifres, e se apressou a

responder:

— É obvio que não. Do que lhe serviria então?Não tinha sentido explicar ao John os pontos mais refinados do

cavalheirismo; o moço teria feito bem em dedicar mais tempo a pregar a orelha à porta

do quarto de sua mãe. Agarrou-o pelos ombros, o fez girar e lhe indicou a porta.

— Adeus, mocinho. Vá mordiscar lhe os pés de seu novo senhor.

— Não se casaria com uma mulher que não tivesse nada, Gwen. Precisa ter 

terras. Não fala de outra coisa...Gwen abriu a porta, o fez sair e voltou a fechá-la. Não podia ter razão o

moço. Ao fim e ao cabo, o que outra coisa podia dizer Rhys? Que só queria casar-se

 por amor?

Havia-lhe dito algo semelhante. A magnitude de seu dote era algo sobre o

que ela não tinha nenhum controle. Não ia incomodar se ele a desejava; não tinha

terras próprias, por que não ter as dela?

Teriam que falar e quanto antes melhor. Não iria mal assear-se um pouco e

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ficar apresentável. O cabelo era um problema, curto como o levava, sobretudo porque

deixava à vista muito de suas orelhas, mas poderia desenterrar um véu de freira do

fundo de sua arca de viagem. Seguro que haveria um limpo espreitando ali.

Bom, possivelmente seu asseio poderia esperar um pouco mais; os

acontecimentos do dia tinham acabado com ela, e repentinamente se sentiu

esgotadíssima. Sentou-se em um tamborete perto da janela e fechou os olhos,

entregando-se à contemplação de seu valente paladino. Era melhor acumular coragem

imaginando-se como seria quando já tivessem conseguido fugir de Ayre. Apoiou os

cotovelos no batente da janela e o queixo nos punhos, e concentrou sua considerável

capacidade de imaginação na lembrança de seu beijo.E pensar que era muito possível que isso voltasse a acontecer dentro de umas

horas.

Era possível que esse dia seu destino tivesse tomado um rumo para o melhor.

 

Capítulo 8

Rhys terminou de beber sua cerveja e se serviu de outra jarra. A cerveja

conseguia lhe apagar a sede, mas não lhe aliviava de toda a dor das costas. Nem

sequer seus pensamentos, substanciais e absorventes como eram, conseguiam distraí-

lo completamente do mal-estar; mas ao menos lhes prestar atenção era mais

interessante que concentrar-se na dor.

Custava-lhe acreditar que Bertram de Ayre tivesse morrido. Teria sido uma

morte natural? De Alain podia acreditar muitas coisas, mas que fosse um assassino

não estava entre elas; seu desejo do título não era tão grande. Mas sempre restava

Rollan e de Rollan sim se podia acreditar em tudo.

Franziu o cenho. Talvez devesse ter partido antes da França. Depois que o

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mensageiro o encontrou no torneio, ele cobrou o preço da redenção dos vencidos,

reuniu o resto do ouro e o depositou tudo na casa de sua mãe, para tê-lo ali seguro.

Isso lhe levou uma semana; demorou outra semana em chegar à costa. Depois teve que

sacrificar outras duas semanas para passar por Londres e deixar uma garrafa de caro

clarete ao mordomo do rei. Nem sequer se tinha detido para tomar um banho em toda

a viagem, embora, na verdade, banhar-se não era algo que estivesse de moda na

Inglaterra. Arranhou a bochecha, molesto; barbear-se seria o primeiro que faria depois

que lhe tratassem as costas.

Suspirou. Que lástima não ter sabido o verdadeiro estado em que se

encontrava Bertram, porque então teria se dado mais pressa; jurou descobrir osverdadeiros motivos de sua morte. No momento só podia supor que Bertram se

inteirou de que morreria logo e o chamou ao seu lado para informá-lo de como queria

que cumprisse seu último ano de serviço.

Com gesto preocupado bebeu outro comprido gole da jarra. Por todos os

Santos, a última coisa que desejava fazer era estar constantemente junto ao cotovelo

do Alain para endireitá-lo antes que fizesse o ridículo. E isso era algo que não faria seobtinha o que queria. Bertram poderia olhá-lo do céu e lhe perdoar o deslize. Preferia

que Gwen estivesse fora da vista do Alain antes de cumprir um juramento de serviço a

um homem que estava morto e que talvez nem se inteirasse. Nesse caso, sua honra

 podia ir-se ao inferno, pelo que lhe importava.

Jogou para trás os ombros e o movimento lhe produziu uma contração da

cara. Tinha chegado o momento de ir ao curandeiro do Ayre. Levantou-se com tato;quando se voltou encontrou bloqueado seu caminho por dois largos peitos sobre os

quais se cruzavam enormes braços. Rhys levantou a vista, proeza nada pequena dada à

altura dos dois homens, e os olhou.

Face à avançada idade de pelo menos trinta e cinco anos, os semblantes

idênticos eram lisos como mármore, e igualmente duros. Sobre seus muito largos

ombros flutuavam largos cabelos loiros, e tinham as mãos metidas nas axilas, umas

mãos capazes de partir umas costas em dois pedaços sem nenhum esforço.

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Os irmãos Fitzgerald lhe devolveram o olhar com esses olhos grandes que

 jamais pestanejavam, e sem o menor indício de emoção em seus rostos. Rhys também

cruzou de braços e os contemplou. Só o guerreiro de mais valorosa têmpera, a mão

mais segura e o coração mais forte seria capaz de enfrentar esses dois e sair vitorioso.

Fez um rápido inventário de suas armas e das lesões já feitas a sua pobre forma esse

dia. Amaldiçoou em silêncio. Derrotar esses dois só poderia fazê-lo a um enorme

custo, mas bem poderia resultar ser algo que podia evitar...

— Disse-te que não escreveria.

Rhys piscou. Tinha falado uma das estátuas.

— Os jovens nunca escrevem, grunhiu o outro.— Essa é a gratidão que recebemos por todos nossos tenros cuidados — 

acrescentou o primeiro, com o início de uma muito pequena ruga no sobrecenho, tudo

o que cuidamos dele quando era um mocinho.

— Tratar suas feridas e machucados.

— Nos ocupar de que comesse como devia.

— E os contos de esplendor viking que tecíamos a cada noite para que eletivesse sonhos gloriosos de guerra e matanças.

A expressão do primeiro já se tornou muito desagradável.

— Juro-lhe isso, Connor, isto é suficiente para que um homem repense seu

desejo de alimentar uma semente para que leve sua espada depois que se mora.

— Sim, Jared, tem razão. Os meninos, ora!

— Estava ocupado, se desculpou Rhys com um débil sorriso.— Muito ocupado para rabiscar um punhado de palavras em uma parte de

 pergaminho? — perguntou Connor.

— Ou uma parte de pele, acrescentou Jared. Eu teria ficado muito satisfeito

com isso.

— Consumiam-me muito tempo as viagens para ganhar o ouro que preciso,

disse Rhys.

Os gêmeos seguiam sem impressionar-se. O cenho do Connor era

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formidável. Pela expressão pensativa do Jared, Rhys deduziu que seguia

contemplando as possibilidades da pele para escrever uma carta.

— Nunca me venceram com uma espada, continuou. E perdoei a vida a mais

de cem almas derrotadas, cobrando sua redenção.

— E com a lança? — rugiu Connor.

Rhys apertou os dentes.

— Derrotaram-me uma vez.

— Uma vez? — exclamou Connor. Santos do céu, filho, é que não te ensinei

nada?

— Só foi uma vez, Connor...— Uma vez? — repetiu Connor mais ou menos no mesmo tom. Uma vez é

muitas vezes. Mata ou te largue envergonhado; vence ou leva um ano inteiro; humilha

ou esquece os prazeres da carne dois anos inteiros...

Rhys desejou tampar os ouvidos e desaparecer debaixo de uma mesa.

— Sei, sei, gemeu. Santos do céu, essa lista eu ouvi virtualmente todos os

dias de minha vida. Hoje tenho muitas coisas que fazer para ter que voltar a ouvi-la.— Vê? — resmungou Connor dirigindo-se ao seu irmão. Estes jovens

sempre têm pressa. Jamais têm tempo para sentar-se a falar de suas viagens aos menos

afortunados.

— Sim, disse Jared muito triste. Nem para beber uma ou duas taças com os

velhos e adoentados...

— Basta, por todos os Santos! — exclamou Rhys. Viajei, humilhei, venci.Satisfeitos?

A expressão do Connor se escureceu grandemente.

— Puxo-o pelas orelhas, irmão?

— Ponha-o sobre seus joelhos e lhe deixe vergões no traseiro, aconselhou

Jared. Esse descaramento e essa falta de respeito em um pirralho não merece nada

menos.

— Tenho vinte e quatro anos, se o recordam — protestou Rhys. E se o

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recordarem também, nos doze últimos anos não cumpriram nenhuma de suas ameaças.

Desde que eu tinha doze anos, acrescentou ao ver que Jared estava contando com os

dedos às escondidas. Desde o dia em que lhes derrotei aos dois, a um com cada mão.

— Sim, e esse foi o dia mais orgulhoso de minha vida — disse Jared, tirando

um pouquinho de umidade da comissura dos olhos. A mim com sua direita e ao

Connor com sua esquerda.

— Sim, acrescentou Connor sorrindo com orgulho paternal, e usando em

mim todos os meus estratagemas. Essa finta à esquerda...

— O talho com estocada...

— O elegante reverso dirigido aos joelhos...— O delicado estorvo com mutreta do talho roto...

Rhys sabia quão longa era a lista, de modo que tratou de dirigir os cuidados

de seus ferimentos no momento presente.

— Se me desculparem preciso ver o senhor Sócrates.

— No porão. Perdeu sua cabana ao lado da do tecedor. Já te pode imaginar 

 por que.Sim, ele podia imaginar. Era normal que Alain andasse por todo o castelo

fazendo a vida de todos o mais desgraçada possível.

Connor o olhou com olhos avaliadores.

— Está a ponto de cair.

— Uma topada com o chicote de couro do Ayre.

— Ah, não pôde morder a língua — disse Connor em tom judicioso.— Golpeou a cara de lady Gwennelyn.

Os gêmeos o olharam pestanejando.

— Encontrei-me com ela esta manhã. Acreditei que era um moço e que tinha

roubado um cavalo. Tentou combater comigo, por meu cavalo.

Jared pôs expressão de estar duvidando entre aprovar ou desaprovar. Connor 

continuou pestanejando, como se isso escapasse a sua compreensão. Ou talvez fosse

que falar de cavalos o deixava em um estado de estupor desproporcionado.

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— Quem te deixou o nariz sangrando? — perguntou Connor finalmente.

— Ela, respondeu Rhys entre dentes.

Duas bocas ficaram abertas ao uníssono.

— Tomou por surpresa, se defendeu Rhys.

Dois pares de dentaduras soaram ao uníssono ao fecharem as bocas.

— Bem, disse Connor.

— Sim, bem — disse Jared, muito de acordo.

Rhys sentiu algo violento pela mentira que acabava de dizer. Embora ele

soubesse o que ela tentava fazer, de todos os modos foi surpreendente que tivesse

completado sua ameaça. Mas, claro, tratava-se de Gwennelyn de Segrave. Teria queter imaginado.

— Não esperava vê-la ali, acrescentou. Não a reconheci.

— Teve muitíssimas oportunidades de ir a Segrave e olhá-la, disse Connor.

Lorde Bertram ia ali com bastante freqüência.

— Vocês tampouco foram, observou Rhys.

Tinha estado duas vezes no Segrave, provavelmente duas vezes mais das quedeveria ter ido.

Os gêmeos empalideceram ao mesmo tempo e começaram a negar com as

cabeças.

— Não podíamos.

— Era melhor não sair do castelo.

— Lorde Bertram necessitava que estivéssemos aqui.— Tínhamos algumas coisas importantes de que nos ocupar aqui.

Rhys sabia por que não saíam do castelo e porque se mantinham o mais

afastados possível de algo que se movesse mais rápido que seus pés, mas preferiu não

comentar nada. Havia coisas com as que ninguém devia atormentar aos Fitzgerald, e

também coisas que ele não se atrevia a mencionar. Rhys sabia muito bem onde fixar 

os limites.

— Foi uma lástima que não a reconhecesse antes, disse suspirando. Se a

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tivesse reconhecido o dia poderia ter terminado melhor.

Jared também suspirou.

— Pobre menina. Tamanho susto lhe demos quando nos viu pela primeira

vez.

— E de que forma podíamos evitá-lo? — perguntou Connor. Você me

assusta, e isso eu que te vi toda minha vida.

Rhys moveu a cabeça, desejando poder evitar a inevitável discussão sobre a

quem se pareciam mais: se a sua mãe que brandia a tocha ou ao seu pai que brandia

dois sabres ao mesmo tempo. Isso era impossível, e sabia que não lhe fariam o menor 

caso se tentava interromper a discussão, de modo que se fez a um lado e se dirigiucoxeando para a cozinha. Gwen estava em boas mãos. Se Alain tinha ordenado aos

Fitzgerald que a vigiassem, não tinha nenhuma intenção de incomodá-la outra vez essa

tarde. Se havia homens que sabiam pôr nervoso ao novo senhor do Ayre eram os

gêmeos. Tinham sido os guardas prediletos de Bertram justamente pelo efeito que

causavam nos outros.

Com cuidado baixou a escada para o porão, detendo-se freqüentemente paraganhar fôlego. O chicote do Alain lhe tinha causado mais dano que o que queria

reconhecer. Talvez tivesse se apressado muito em submeter-se ao desdobramento de

sua ira.

Deteve-se sob uma tocha e apoiou a cabeça na pedra. Jamais lhe tinha

cruzado pela mente a idéia de que Alain fosse desobedecer aos desejos de seu pai, e se

 perguntou por que tinha sido tão estúpido. Claro que Alain se casaria com o Gwen omais breve possível. Seu dote era fabuloso.

— Com quem está sonhando? Ou devo supor?

Rhys olhou para cima, esquadrinhando a penumbra. Montgomery do Wyeth

 baixava a escada com uma taça na mão, que Rhys supôs era de cerveja.

— Ainda está aqui? — perguntou-lhe surpreso.

— Parece que sim.

— Eu tinha pensado que Alain te enterraria com seu pai.

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-Não foi porque não tentasse, isso lhe asseguro, respondeu isso Montgomery

elevando a taça para celebrá-lo.

— É uma sorte que seja tão difícil desfazer-se de você.

— Efetivamente, sorriu Montgomery. E você como está? Demorou em

retornar. Bertram tinha muitíssimos desejos de ver-te.

«Para me dar detalhadas ordens de meu serviço ao Alain», pensou Rhys com

amargura.

— Asseguro-te que estava muito ocupado.

— Apostaria que não, resmungou Montgomery. Perdendo tempo, como

sempre.— Dava-me pressa, mas não tenho tempo para lhe contar isso vou ver o

senhor Sócrates para algo útil. Acompanha-me?

Montgomery se estremeceu.

— Eu não gosto de vê-lo preparar suas poções. E o sabor delas eu gosto

menos ainda.

— Tem o estômago delicado, meu amigo. Sempre são muito eficazes.— Sim, dão resultado simplesmente porque seu pobre corpo se cura só para

evitar tragar mais de suas beberagens.

Rhys se se pôs a rir e o movimento o fez reter o fôlego.

— Santos do céu, Rhys, o que te passou?

Rhys esperou até que lhe diminuísse a dor.

— Um encontro com nosso novo senhor e seu chicote de montar.— Açoites e um murro na cara? Deve ter soltado muito a língua a seus

gastos.

Rhys franziu os lábios.

— Ele só se ocupou de minhas costas. O outro golpe eu ganhei de outra

 pessoa.

— Pendências outra vez, sir Rhys? Decepciona-me.

— Foi Gwen, disse Rhys em um murmúrio.

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Sentia-se tão contrariado como a última vez que ela lhe golpeou o nariz e ele

se viu obrigado a contar ao Montgomery.

— Outra vez? — riu Montgomery. Por todos os Santos, moço, esta vez

 poderia ter imaginado.

— Tomou por surpresa...

— Já o vejo.

-... E me golpeou o nariz quando eu a estava olhando boquiaberto, surpreso

 por descobrir a herdeira de Segrave vagando pelo campo disfarçada de mercenário.

Montgomery moveu a cabeça sorrindo com ternura.

— A mocinha tem imaginação, reconheço.— E um punho preparado, acrescentou Rhys.

Montgomery o contemplou pensativo. Rhys desejou revolver-se inquieto,

mas já estava muito grande para isso.

— O que? — perguntou à defensiva.

— Estava pensando que eu gostaria de saber o que você faz à garota para que

maltrate assim seu pobre nariz.— Isso não é teu assunto.

— E eu gostaria de saber também como foi nos torneios no continente e o

que quer fazer com todo o ouro que sem dúvida ganhaste.

— Isso tampouco é teu assunto, grunhiu Rhys.

Montgomery se arranhou a têmpora pensativo.

— Ganhastes muito ouro? Suficiente para, digamos, para subornar a alguém?— Pensa muito.

— Pensaste que talvez seu ouro pudesse te servir melhor de outras maneiras?

Rhys não tinha resposta a isso. Seu único objetivo durante esses quatro anos

tinha sido ganhar o suficiente para comprar a Gwennelyn de Segrave. Que outra

utilidade podia ter seu ouro?

— Sua espada poderia comprar uma herdeira melhor do que imagina,

sobretudo se consegue convencer o rei João de que sua lealdade vai mais para a coroa

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inglesa que à francesa.

Como se João fosse lhe dar Gwennelyn simplesmente por sua perícia com a

espada! Rhys quase soltou uma gargalhada.

— Ao João não interessa uma espada que esteve em mãos de um rei francês.

O ouro, em troca, poderia proceder do próprio demônio e não lhe importaria. Além

disso, ele sabe que desejo terras aqui. E seguro que sabe que não foi culpa minha que

Felipe me fizesse cavalheiro.

E não era que se brigou com o rei da França. Seu pai e seu avô tinham

vínculos com a coroa francesa que ele não estava em posição de revelar. Embora

tivesse escolhido um caminho distinto ao dos dois outros homens de sua família,seguia sendo um Piaget.

— A Inglaterra é minha pátria, continuou. Que maior demonstração de

lealdade poderia me pedir João?

— Eu diria que ainda tem tolas lembranças de seu irmão com a coroa inglesa

na cabeça e com seus pés no chão francês a maior parte do tempo.

Rhys suspirou e se passou a mão pelo cabelo.— Tenho poucos vínculos com a França, Montgomery. Minha mãe está ali, é

certo, mas tem sua vocação e nenhum interesse nas intrigas políticas. Meu avô está

velho e já não é nenhuma ameaça para nenhum Rei. Era uma pequena mentira, mas

necessária. A terra que desejo está aqui. Nunca fiz um segredo disso.

— Ah, mas guardas em segredo qual pequena parte de terra que ambiciona

tanto. Montgomery se aproximou mais, com ar de conspirador. Só uma pista, Rhys, juro-te que não o direi a ninguém.

— Até que tenha bebido suas taças esta noite, disse Rhys em tom irônico.

Então saberá todo o castelo.

— Sua desconfiança me dói até a alma. Como bem sabe, eu poderia te ajudar 

em seus planos.

— Quão único poderia me ajudar em meus planos são outras quantas arcas

de ouro.

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Por desgraça não tinha tempo para ganhar mais ouro. Deveria arrumar-se

com o que já possuía.

— Vá ver o Sócrates, lhe disse Montgomery retirando-se para a escada.

Depois te buscarei para bisbilhotar mais um pouco.

Rhys se separou da parede e continuou seu caminho pelo corredor. O tutor de

Gwen era um homem ambicioso. Talvez pudesse convencê-lo o de que postergasse as

 bodas um par de meses, para que ele pudesse voltar para Londres e convencer João de

que tinha a intenção de ficar em chão inglês, leal à coroa inglesa. Sorriu tristemente. O

melhor também seria ser capaz de convencer ao Rei de que não lhe interessava seguir 

os passos de seu pai.Ou talvez simplesmente raptasse a Gwen durante a noite e empreenderiam a

fuga.

Era uma idéia tentadora, mas isso não lhes deixaria outra alternativa que ir a

França. Inglaterra era a pátria de Gwen; Inglaterra era o lugar onde ele queria viver.

Faria o que tinha pensado desde o começo e se decidiria pelo suborno. E se ocuparia

disso na primeira hora da manhã seguinte, antes que Alain pudesse fazer outra coisa para entorpecer seus planos.

— Oxalá o ouro seja suficiente, murmurou em voz baixa e se dirigiu ao

quarto do curandeiro.

Teria que ser. Não havia outra opção.

 

Capítulo 9

 

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A menina estava sentada em um tamborete junto ao fogo olhando como

fervia o conteúdo de uma panela.

Perto dela havia um ancião de rosto enrugado agachado sobre sua coleção de

 potes em busca de um ingrediente especial.

— Não, este não.

Pos a um lado o que não queria e estirou seus dedos ossudos para agarrar 

uma pequena bolsa de couro que continha uns pós rançosos. Abriu-a, cheirou

atentamente o conteúdo e esboçou um sorriso triunfal.

— Sabia que ainda restava um pouco. Voltou-se para a panela fervendo.

Segue mexendo, filha.— Sim, avô.

Enquanto a menina mexia com força, o ancião acrescentou um pingo do pó,

que desapareceu na espessa e borbulhante beberagem de cor esverdeada e aspecto

nada apetecível.

— Mmm, algo cheira maravilhosamente, disse uma voz da porta.

A menina levantou a vista sem surpreender-se. Já sabia que o cavalheiro iachegar ao castelo esse dia. Tinha visto sua chegada, embora não tinha contado a

ninguém. Seu avô teria pensado que era fantasiosa, mas ela sabia que não eram

fantasias; isso de ver era um dom que tinha.

— Ah, sir Rhys — disse seu avô, convidando com um gesto a entrar o jovem

no pequeno quarto, retornaste são e salvo. E muito a tempo, diria eu. Estão se

tramando coisas terríveis no castelo, terríveis! Eu sabia que viria a lhes pôr fim o maisrápido possível.

— Senhor Sócrates, como sempre, sua fé em mim é mais do que eu mereço.

— Nada disso, moço. Vêem te sentar, tenho algo especialmente saboroso no

fogo.

— Já o cheirava a cinqüenta passos, apesar dos maus aromas da cozinha.

Como é que se encontram neste inferno e não perto da cabana do tecedor onde lhes

deixei? Voltou-se a sorrir a ela. Alegra ver-te, minha pequena.

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Ao passar junto a ela o gigantesco cavalheiro lhe passou brandamente os

dedos pela cabeça, lhe revolvendo o cabelo, e se sentou em um tamborete perto do

fogo, fazendo uma careta de dor. Ela não entendia as palavras com que a chamava

sempre, mas gostava de seu som; pelo tom em que ele as dizia, sabia que eram

amáveis. Com um agradável calorzinho no coração continuou mexendo, detendo-se só

o tempo suficiente para que seu avô enchesse uma tigela com sua mistura. Não tinha

um aroma apetecível, mas o cavalheiro a tomou toda e depois felicitou o seu avô, não

só pela força e textura da poção, mas também por seus sabores únicos. Quando seu

avô lhes deu as costas para continuar com suas coisas, com a cara acesa de felicidade

 pelo elogio, o cavalheiro lhe deu uma piscada e pos um dedo sobre os lábios. Elaassentiu, com o coração cheio de carinho e gratidão. Não havia nenhuma outra alma

que fizesse isso para proteger o amor próprio de seu avô.

— Queria saber, senhor Sócrates — disse o cavalheiro cortesmente, se tem

algo para aliviar feridas e machucados. Esta manhã me topei com umas quantas

chicotadas.

Muito em breve o cavalheiro deixou as costas ao descoberto, e a meninaobservou como seu avô deslizava seus nodosos dedos pelos vergões. O ancião fez

estalar a língua com grave expressão de desaprovação; depois começou a preparar seu

ungüento.

A menina se levantou e foi se apoiar na parede a observar ao cavalheiro. Este

estava pinçando sua bolsa atada ao cinturão, em busca de algo. Ela pensou que talvez

 procurasse algo para mastigar e tirar o mau sabor que sem dúvida lhe tinha ficado na boca. Ela amava muito ao seu avô, mas era primeira em reconhecer que este não era

muito bom cozinheiro.

— Tenho algo para ti querida, disse o cavalheiro lhe fazendo um gesto para

que se aproximasse. Quando as vi me disseram seu nome.

A menina se aproximou, surpreendida de que ele se lembrasse de uma

 pessoinha tão pequena e insignificante quando andava em suas viagens. Estirou a mão

e piscou ao ver os trocinhos da cor do mar e do céu que lhe pôs ali.

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— Conheci um vidreiro que estava trabalhando em uma janela para uma

capela, lhe explicou ele. Assegurou-me que estas cores eram agradáveis juntas, mas eu

não tenho olho para estas coisas. Pensei que você poderia lhe encontrar alguma

utilidade.

A menina só se atreveu a lhe jogar um olhar aos três pedacinhos de vidro

lisos, verde, azul e amarelo, mas comprovou que já via mais neles que na água quieta

da tigela de madeira de seu avô. Fechou os dedos sobre eles e olhou ao cavalheiro;

quase não o viu porque as lágrimas a cegavam e não conseguiu encontrar palavras

 para expressar sua gratidão.

— Ah, se outros se sentissem tão felizes com tão pouco, disse ele rindo brandamente. Depois olhou para outro lado e suspirou: Se eu me sentisse tão satisfeito

com tão pouco.

A menina o viu agachar à cabeça e pensou que possivelmente eram as feridas

as que o afligiam por essa maneira, mas logo pensou melhor. Embora soubesse muito

 pouco dos homens e suas penas, suspeitava que essa valente alma levava sobre seus

ombros uma carga pesadíssima.Sua mãe lhe tinha aconselhado que usasse seus dons com moderação, porque

os homens não os entendiam, mas também lhe disse que os usasse com generosidade

quando fosse necessário. Se havia uma ocasião para ser generosa com o pouco que

sabia fazer, certamente era essa.

Esperou que seu avô lhe aplicasse seu ungüento no cavalheiro e depois lhes

voltasse as costas para continuar com sua beberagem. Então lhe aproximou e com todocuidado lhe tocou as costas com sua pequena mão. Embora não poderia lhe aliviar o

coração, mas talvez sim lhe aliviasse o corpo.

O cavalheiro se endireitou, surpreso, e a olhou por cima do ombro com os

olhos aumentados.

— Em agradecimento por seu presente, disse ela, baixando os olhos e

retrocedendo um passo.

O cavalheiro se estirou. Ocorreu que ela o olhou justo no momento em que

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ele parecia muito surpreso porque lhe tinham desaparecido as dores. Então ele

levantou a mão e a passou brandamente pela cabeça.

— Pequena, lhe disse, acredito que sou eu quem deve agradecer a você.

Depois olhou as costas do ancião e se levantou, movendo a cabeça como se

não soubesse muito bem o que lhe tinha aliviado a dor, se sua mão ou o ungüento de

seu avô. O ancião se voltou a olhá-lo com expressão espectante.

— Lhe aliviaram as dores, sir Rhys?

— Sim, respondeu ele, sorrindo com expressão um pouco confusa. Isto é

nada menos que um milagre.

— Ah, estupendo — disse seu avô, sentido muito prazer. Trata-se de umareceita nova, mas evidentemente é boa.

O cavalheiro se estirou de novo, pôs a túnica e voltou a olhá-la estranhando,

com uma expressão de admiração. Esboçou um sorriso e moveu a cabeça. Depois se

despediu de seu avô e saiu do quarto.

Ela esperou que seu avô voltasse a estar ocupado com seus potes e

 beberagens para abrir a mão e olhar os pedacinhos de vidro. Neles via com muita maisclareza que na água da tigela de seu avô.

E não disse a ninguém o que viu.

 

Capítulo 10

Sentado à mesa do senhor, na sala grande, embalando uma taça de cerveja

entre as mãos, Rollan de Ayre repassava os acontecimentos do dia com um grande

sorriso.

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Tinha sido um dia particularmente interessante, com todo o alvoroço

 provocado pela fuga de Gwen, depois sua captura, e os saborosos açoites aplicados a

Rhys de Piaget. Essa tarde, enquanto vagava pelos arredores do castelo, tinha estado

 pensando o que poderia ocorrer para melhorar ainda mais esse dia memorável.

E sim, ante sua surpresa e prazer, o dia certamente melhorou. Já de volta no

castelo, decidiu baixar ao porão e fazer uma visita ao barril de sua cerveja favorita.

Acabava de sentar-se a desfrutar de uma agradável tarde bebendo quando ouviu as

vozes do Rhys e Montgomery que iniciavam uma conversa. Imediatamente se

aproximou sigilosamente e se ocultou nas sombras. A posição era incômoda, sim, mas

a recompensa bem valeu à pena. Fez caso omisso dos ratos e aranhas que passavam aoseu redor e escutou encantado o que diziam.

Escutou e escutou, até quando já acreditava que não poderia suportar um

momento mais o desconforto. Finalmente se separaram; Montgomery subiu a escada e

Rhys continuou seu caminho para a pocilga do lastimoso velho a quem chamavam

curandeiro de Ayre. Então, tão satisfeito como se tivesse passado horas comendo à

mesa do Rei, voltou para a sala grande a observar as atividades e refletir no queacabava de inteirar-se. Agradava-lhe sobremaneira a idéia de passar toda essa noite

calculando o que pretenderia fazer o sempre reto sir Rhys. Alain seguia encerrado em

seu quarto, rabiando como um javali aguilhoado por causa da curta escapada de Gwen,

 portanto tinha tempo de sobra para dar voltas em sua cabeça às possibilidades. Jamais,

nem em suas mais loucas fantasias, teria suspeitado algo tão retorcido como o suborno

no bem amado filho adotivo de seu pai.Por um momento teve a tentação de fazer um pouco mais de espionagem

 para ver aonde ia e com quem falava Rhys, mas se conteve. Não, dedicaria outras

 poucas horas a especular, para descobrir ele sozinho que tipo de ardis projetava fazer 

Piaget. Inteirar-se dos detalhes um minuto antes seria um insulto a sua imaginação e

capacidade de urdir intrigas.

Não, daria ao Piaget tempo de sobra para arruinar-se, e depois faria o papel

honroso e subiria a revelar o subterfúgio antes que acontecessem maiores.

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Ao fim e ao cabo, um cavalheiro tinha o dever de dizer a verdade, não?

Rollan assentiu para seus botões pensativo. Isso era o menos que podia fazer 

 pela causa do cavalheirismo.

 

Capítulo 11

Gwen olhou pela modesta janela que conferia a esse quarto o elevado título

de solar. Não era muito agradável a vista que oferecia, com o pátio de armas de Ayre

 justo debaixo dele. Levava uma hora, da saída do sol, contemplando os montões delixo acumulados aqui e lá, e pensando atentamente nos méritos de uma agulha de

costurar como arma. Sabia que as agulhas eram bem porque já as tinha usado com

 bastante êxito, e no momento era a única coisa que tinha ao seu dispor, posto que Rhys

ficasse com sua espada roubada.

Mas suspeitava que, por desgraça, uma agulha pequena, embora tivesse a

 ponta bem afiada, não serviria de muito contra os demônios vikings que a vigiavam.Desde que estava prisioneira ali, tinham-lhe levado duas comidas, e as duas vezes

tinha visto seu dois guardiães imóveis como árvores apostadas em sua porta. Eram

muito grandes para que uma boa espetada lhes fizesse algum dano.

Isso não era um sinal alentador.

Um forte golpe na porta quase a fez saltar pelo oco da janela. Foi depressa

até a porta e a abriu.

— Alain quer te ver, resfolegou John. Imediatamente.

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Esteve a ponto de lhe encher os ouvidos com o desagrado que lhe produzia

receber ordens, mas ao lhe ver a cara, refreou-se. John a olhava com os olhos

exagerados.

— Está furioso, claro. Por quê?

— Não tenho idéia, mas tem algo que ver com sir Rhys. Também lhe

ordenou ir lá.

Os irmãos Fitzgerald se afastaram ao estilo água do mar Vermelho, e Gwen

se apressou a sair detrás do John antes que suas sombras tivessem tempo para decidir 

se deviam lhe permitir um pouco de liberdade. Ouviu seus passos atrás dela. Reprimiu

um estremecimento.O trajeto para o solar particular de Alain foi muito curto. Gwen entrou e

 passeou sua vista pela sala. Alain, Rollan e seu tutor estavam sentados como se fossem

a realeza e ela fosse à serva chamada para receber ordens. Sentiu uma forte tentação

de fazer um comentário sobre o ridículo da situação, porque estava segura de que se

fosse um homem e possuísse suas propriedades ela sozinha poderia ter comprado e

vendido várias vezes os três, mas sabia que não lhe faria nenhum bem falar. Quantamenos atenção atraísse sobre si, melhor estaria. Era possível que se Alain a acreditasse

dócil afrouxasse a vigilância e ela teria mais possibilidades de escapar de suas garras.

E Rhys também estava ali. Era evidente que se banhou; atividade perigosa

essa, mas, claro, era um homem acostumado a arriscar sua vida com sua espada.

Olhou-lhe a cara e repentinamente desejou que alguém oferecesse uma cadeira

também a ela; inclusive um tamborete pequeno lhe teria servido. Essa cara era umavisão que fazia necessário ter algo resistente sob o traseiro.

Certamente não sabia como quatro anos podiam tê-lo feito mais atraente,

mas era assim. Era formoso, imponente, tão atraente que quase não se atrevia a olhá-

lo. Talvez os homens contra os que combatiam se sentissem tão rendidos como ela

 pela inflexível força de seus traços. Ou simplesmente se sentiriam aterrados pela frieza

de seus olhos claros? Estava quase segura de que as mulheres que o olhavam perdiam

a noção de onde tinham a mente. Compreendia-o absolutamente bem.

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Então se deu conta de duas coisas: que estava olhando-o com a boca aberta e

que ele também a olhava, embora não a visse.

Obrigou-se a passar a atenção ao Alain e a seus acompanhantes. Durante o

trajeto tinha refletido sem conseguir adivinhar o que podia dever-se que ela e Rhys

tivessem uma audiência com o Alain ao mesmo tempo.

A não ser que Alain soubesse o que sentiam o um pelo outro.

— Queria algo? — perguntou, esforçando-se por parecer mais tranqüila do

que estava.

Alain, como sempre, limitou-se a olhá-la como se estivesse repassando

mentalmente todas as coisas que achava objetáveis nela; depois franziu o cenho ecomeçou a mordiscar o interior da bochecha.

— É possível então, milorde — perguntou Rollan, duvidoso— que ela não

soubesse nada da mutreta que descobrimos esta manhã?

Hugh do Leyburn soltou um bufo e lambeu os lábios.

— Eu poderia lhe atribuir o invento desta mutreta, em seus sonhos acordada.

Seu pai lhe deu muita liberdade em sua juventude, diria eu. Eu jamais teria permitidoisso a minhas filhas.

Gwen enviou ao céu uma fervente oração agradecendo que seu pai não

tivesse sido esse volumoso montão de graxas. Compadeceu-se de suas filhas.

— Eu lhe tirarei esse hábito, grunhiu Alain. Não me faz nenhuma graça ter 

uma esposa voluntariosa.

— Mas vai parir filhos, disse Hugh, agarrando outro figo e metendo-o entreos lábios molhados. Tem bons quadris.

— E o que sabe você disso? — espetou-lhe Gwen.

A cara de Hugh adquiriu um pouco atraente tom de vermelho. Alain

entrecerrou os olhos e deu a impressão de estar pensando em dizer algo feio. Rollan

tinha os olhos baixos e ela pensou se não estaria lhe medindo mentalmente seus

quadris para ver se a observação de Hugh era correta.

Santos do céu custava-lhe acreditar que se encontrasse no mesmo quarto com

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esses três maus representantes da masculinidade.

Olhou de esguelha ao Rhys só para recordar o que podia ser um homem.

Talvez fosse o contraste entre ele e os outros o que a fazia compreender o quão

magnífico era. Talvez fosse seu porte, sua sabedoria, como se tivesse hectares de chão

sob seus pés e um poderoso título atrás do qual amparar-se ele e amparar a seus seres

queridos. Talvez fosse a simplicidade de sua vestimenta, tão agradavelmente diferente

às roupas cheias de quinquilharias e plumas com que se engalanavam esses três

 bufões.

Ou talvez fosse esse enorme rubi encravado no punho de sua espada, que

 proclamava ao mundo que ele não era um homem com o qual se podia brincar, porquesuas vítimas poderiam ver-se cobertas por uma cor parecida.

Suspirou. Era uma lástima que Rhys não pudesse encarregar-se de Alain e

dos outros dois. Isso lhe economizaria a moléstia dessa estupidez, em que esses três

estavam empenhados em alongar o mais possível. Alain estava manuseando seu

onipresente chicote de montaria. Hugh, logicamente, estava metendo-se figos na boca

e mastigando-os com a maior rapidez de que era capaz. Ao Rollan estava muito pensativo, e isso a inquietou, porque só podia significar problemas para ela; bom, ao

menos não lhe caía à baba por estar olhando-a.

Disso o tinha curado ela na última visita que fez a Segrave acompanhando ao

seu pai. Encontrando-a só em um corredor, tinha procedido a lhe dar a conhecer seus

 beijos; uma joelhada nas virilhas não o alterou, uns quantos beliscões tampouco; então

lhe pareceu que seu ventre era um bom lugar para lhe enterrar uma ou duas vezes suaagulha mais fina, e isso sim lhe deu resultados. Deixou-o uivando de dor e se retirou

ao solar de sua mãe, onde passou todo o tempo que durou a visita de Lorde Ayre com

seu filho.

Olhou-o e se esfregou o ventre com toda intenção. Ao que parecia ele captou

a mensagem porque transladou sua atenção a outra parte.

— Hugh — disse Alain-, me conte de novo o que ocorreu esta manhã para

que este par ouça claramente.

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— Não faltava mais — respondeu Hugh. Lambeu bem os dedos e os secou

com a parte anterior de sua túnica. Apontou ao Rhys com um dedo limpo: foi ver-me

esta manhã na primeira hora, antes que eu tivesse tido tempo para romper meu jejum,

e tratou de...

— soltou um ou dois arrotos, engasgou-se e começou a afogar-se.

Gwen exalou um suspiro; por favor, outro roçar com a morte. O homem

comia tanto e tão rápido que ao menos uma vez ao dia se obstruía e não podia respirar.

Olhou o seu amor e elevou uma sobrancelha, interrogante. Ele nem sequer a olhou nos

olhos; um breve olhar em sua direção a teria aliviado muitíssimo, mas talvez fosse

melhor assim. Ao fim e ao cabo ela logo seria dele e teria todos os olhares quisesse.Voltou à atenção ao problema que tinha diante.

Rollan e Alain lhe estavam golpeando as costas de Hugh. Para ela, o normal

teria sido lhes sugerir que parassem de golpear e abandonassem ao Hugh ao seu

destino, mas tinha tanta curiosidade por saber o que tinha feito Rhys essa manhã que

ficou calada. Finalmente Hugh cuspiu uma parte de algo que não lhe interessou

investigar mais de perto, e inspirou grandes baforadas de ar; espirrou uma ou duasvezes e voltou a apontar ao Rhys:

-... Me subornar — acabou, com outro espirro.

— Te subornar — repetiu Rollan, levando uma mão ao coração como se este

fosse parar ante essa só idéia. Um plano muito ruim para pensar.

Hugh assentiu entusiasmado. Alain pareceu momentaneamente perplexo;

Gwen supôs que tinha problemas para entender o comentário do Rollan respeito ao plano do Rhys.

Ou seja, que Rhys tentou subornar ao Hugh, para que lhe desse sua mão em

matrimônio. Muito ousado, certamente.

— Desejava Segrave, continuou Hugh. Disse que estava anos trabalhando

 por essa terra.

Gwen assentiu; inteligente a mutreta. Sim, seguro que haveria dito isso.

— Isso eu entendo, balbuciou Alain, posto que não tem terra própria.

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— Só pela terra? — perguntou Rollan. Por nada mais?

— O que outra coisa ia querer? — respondeu Alain. A ela? Talvez tivesse

tentado subornar ao Hugh por ela se tivesse acreditado que com ela teria a terra.

Gwen olhou ao Rhys; sabia que não devia fazê-lo; sabia que qualquer olhar 

que contivesse algo distinto a indiferença seria notado, memorizado e reservado pelo

Rollan para usá-lo na pior ocasião possível, mas não pôde evitar. Começava a lhe

interessar saber qual era a verdade.

— Só a terra? — perguntou.

Ele a olhou e ela viu seus olhos frios. Ou tristes? Não conseguiu discernir 

qual das duas coisas até que ele falou.— Só a terra — disse ele, lisa e sinceramente. Que mais?

Que mais? Observou sua expressão em busca de algum sinal, por pequeno

que fosse, de que mentia, ou que dizia menos da verdade para encobrir seus

verdadeiros sentimentos por ela.

Não viu absolutamente nada parecido a isso.

Pareceu-lhe incrível o que via, mas não houve nenhum sinal de parte de Rhys para que não acreditasse.

Voltou à atenção aos seus torturantes e se obrigou a pôr uma expressão de

indiferença total. Vamos, que sigam falando dela com desprezo, que cravem e

chateiem ao Rhys com o fim de obrigá-lo a fazer algum tipo de confissão. Já não lhe

importava nada nenhuma das duas coisas.

Ele não a desejava.Custava-lhe acreditar, mas os olhos de Rhys estavam frios como o gelo.

Estava claro que seus sentimentos tinham trocado. Ou talvez lhe tivesse mentido

sempre.

Não sabia qual das duas coisas lhe doía mais.

De pé no solar do Alain, Rhys só era capaz de sentir uma fúria mental que o

açoitava com a força de uma tempestade. Hugh o tinha traído.

Deveria ter imaginado. Duas horas antes tinha abordado o tutor do Gwen

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com mais ingenuidade que a que sem dúvida havia possuído toda sua vida. Para ser o

destro guerreiro que era, tinha atuado com incrível estupidez.

Sabia muito pouco do Hugh, mas seu comportamento no jantar a noite

anterior lhe tinha revelado a um homem cujo interesse estava centrado principalmente

em seu gogó. Como ia imaginar que detrás de todos esses arrotos se escondia um

homem tão ladino, capaz de embolsar uma substanciosa quantidade de ouro com uma

mão, continuar metendo comida na boca com a outra e ao mesmo tempo ter a

agilidade mental para tramar a ruína de outro homem? Se tivesse considerado possível

lhe abranger todo o pescoço com seus dedos, o teria estrangulado nesse mesmo

instante, mas por desgraça o tutor do Gwen era tão gordo como indigno de confiança.Por todos os Santos, que estúpido tinha sido.

Todo o ouro que trouxe da França estava perdido; também estava perdida sua

oportunidade de conseguir Segrave. Quase não suportava pensar no que mais tinha

 perdido na transação, embora não podia evitá-lo posto que ela estivesse a menos de

três passos dele, com as costas tão retas como uma espada. Tinha-a ferido, sabia, mas

não havia nada que pudesse fazer a respeito. Já era uma desgraça que Alainsuspeitasse que desejasse Segrave; mas se chegasse a suspeitar que na realidade

desejasse a Gwen, com toda segurança se veria encerrado na masmorra. E então toda

esperança estaria perdida.

— Só a terra? — disse Rollan pensativo, tirando-o de seus pensamentos.

Surpreende-me, Rhys. A gente diria que seu elevado cavalheirismo te teria ditado

desejar à mulher também.Santos do céu pensou Rhys, mas é que o maldito ia continuar com o tema?

Estrangular a Rollan de Ayre seria uma morte muito rápida e fácil. Desejou ter o

tempo para pensar com tranqüilidade em uma forma mais dolorosa de acabar com sua

vida, mas não o tinha. Alain estava pensando novamente e isso nunca pressagiava

nada bom; em geral era Rollan quem se encarregava de pensar pelos dois, mas isso

tampouco melhorava as coisas. Não lhe cabia a menor duvida de que no fundo da

catástrofe estava Rollan, mas não podia dedicar tempo a pensar de que modo o tinha

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feito. Nesse momento tinha que concentrar-se em distrair os muito imbecis que tinha

diante até que lhe ocorresse à forma de liberar Gwen. Certamente teria que recorrer ao

Rei.

Obrigou-se a voltar para o presente. Os três homens seguiam olhando-o à

espera que dissesse algo.

— Quero a terra, disse.

— Tem que ser muito terrível para ti não ter tido nunca nada próprio, disse

Rollan compassivo.

— E para ti?

Um relâmpago de ódio passou pela cara de Rollan, mas desapareceuimediatamente.

— Eu estou muito contente em não fazer nada além de servir ao meu irmão,

disse Rollan humildemente. E se ele acreditar conveniente em algum momento me dar 

de presente um pobre pedacinho de terra, eu só o consideraria magnanimidade por sua

 parte.

Gwen soltou uma exclamação zombadora, da qual Alain não fez o menor caso.

Ao ver isso Rhys sentiu um estremecimento de apreensão. Que o senhor de

Ayre passasse por cima tamanho descaramento só podia significar que tinha a atenção

fixa nele.

— Alain — disse Rollan em voz baixa, talvez devesse lhe falar com sir Rhys

desse assunto que lhe concerne.Alain olhou vexado ao seu irmão.

— Não quero.

— Vamos, irmão, o desejo de terra não é tão mau.

Rhys não sabia para onde pretendia ir Rollan com isso, mas sabia que não

 podia ser um bom lugar.

— Nosso pai teria desejado que tivesse o que lhe corresponde, continuou

Rollan.

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— Porque ia ter mais que o que já recebeu? — disse Alain. Meu pai lhe deu

suficiente. Além disso, agora essa terra é minha.

Rollan negou com a cabeça e dirigiu ao seu irmão um paciente sorriso.

— Como pode ser tua, Alain, quando nosso bom pai tinha outros planos para

ela?

— Não era dele para dá-la tampouco!

— Ah, mas o será quando te tiver casado com a senhora de Segrave. Pô-lhe

uma mão no ombro. Deve fazer o correto nisto, milorde. É justo que sir Rhys tenha

tudo o que deve ser dele. À margem do custo para ti.

Rhys desejou urgentemente ter uma cadeira debaixo, porque estavacomeçando a duvidar de sua capacidade de agüentar de pé a loucura que esses irmãos

 pretendiam lhe comunicar.

— Muito bem então — disse Alain em um tom muito, muito relutante.

Olhou ao Rhys. Vais ter Wyckham.

Rhys fechou os olhos e os abriu; voltou a fechá-los e voltou a abri-los. Mas

mesmo assim, Alain seguia sentado no mesmo lugar e Rollan continuava atrás de suacadeira com a mão sobre seu ombro. Hugh seguia metendo figos na boca com

alarmante rapidez.

— Wyckham?

— Meu pai queria que essa terra fosse tua, explicou Alain. E será. Quando eu

achar conveniente.

— Alain, disse Rollan em tom consolador, não torture assim ao pobre sir Rhys. Fazê-lo esperar ainda mais tempo para ter o que deseja tanto... Vamos, é nada

menos que crueldade.

Rhys não teria se surpreendido mais se Alain lhe tivesse dado Gwen.

— Wyckham? — repetiu, pasmado-. Mas como...?

— É meu por meu matrimônio com ela, disse Alain fazendo um gesto

negligente para o Gwen. Meu pai me ordenou que lhe desse isso a ti depois.

— Quando Rhys tivesse completos seus vinte e seis anos, corrigiu Rollan,

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 porque pensava que então o moço estaria preparado para esse desafio.

Moço? Rhys não fez caso do desejo de olhar furioso ao Rollan. Havia coisas

mais importantes às quais devia evitar reagir, por exemplo, ao fato de que

 possivelmente tinha uma parte de terra ao seu alcance e só o que devia fazer para

ganhá-la era continuar ali e calar a boca.

— Portanto me servirá até então, continuou Alain.

— Isso são dois anos, não um — respondeu Rhys, um tanto assombrado por 

ter encontrado a sagacidade para dizer isso. Só devia um ano a seu pai.

— E eu digo que me servirá dois, disse Alain furioso, em qualquer trabalho

que eu escolha.Limpar as latrinas sem dúvida pensou Rhys.

— Se quiser minha opinião, disse Alain ao Rollan em tom queixoso, isto foi

uma estupidez de meu pai. Não tenho nenhuma vontade de fazê-lo.

— Mas é o honroso, respondeu Rollan docemente. E ninguém pode alegar 

que não te esforça sempre por ser honrado. Além disso, só é uma pequena amostra da

estima de nosso pai por seu bem amado filho adotivo.Não era uma amostra pequena. Não era Segrave, mas sim uma terra bastante

grande. Mas em troca de dois anos de serviço ao Alain? Rhys descobriu que não era

capaz de expressar com palavras nenhum sentimento, nem de surpresa nem de

incredulidade. Nem sequer a idéia de ter que servir ao Alain um ano mais conseguia

lhe limpar a névoa produzida pela impressão.

Mas sim via com bastante claridade que respeitar os desejos de seu paichateava ao Alain até o fundo de seu ser. Em troca, Rollan era um mistério. Jamais em

sua vida tinha recebido outra coisa que ódio do segundo filho de Ayre. Tinha que ter 

algo que ele não percebia. Olhou ao Rollan e viu um ligeiro sorriso; então

compreendeu que na proposta havia muitíssimo mais do que saltava à vista.

— Onde está a escritura? — perguntou.

Alain o olhou furioso.

— Já te disse que será tua. Isso deveria te bastar.

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— Não me basta, respondeu.

Rhys ouviu as palavras saídas de sua boca e ficou atônito ante sua audácia. O

que importava estar preso ao Alain do Ayre outro par de anos; isso significava que a

terra seria dele, e deveria estar disposto a fazer tudo para tê-la.

Mas, claro, era Alain do Ayre com quem estava tratando.

Alain se levantou da cadeira com a cara feita uma máscara de fúria. Ao Rhys

não coube dúvida de que se Rollan não o tivesse pegado pelos ombros e voltado a

sentar, Alain teria tentado matá-lo ali mesmo.

— É uma petição perfeitamente aceitável — disse Rollan tranqüilamente,

sem tirar a mão do ombro de seu irmão. Nosso galhardo sir Rhys não a expressou quemodo muito educado, mas é bastante lógica. A escritura se fará depois das bodas.

— Duas cópias, disse. Uma para guardar aqui e outra para guardar em

Londres.

Rollan soltou uma risada.

— Pelos Santos benditos, a gente acreditaria que sir Rhys passou toda sua

vida adquirindo terras. Suponho que quando a gente não tem a carga da nobreza emcima tem tempo de sobra para pensar nessas coisas.

— Bastardo ambicioso, resmungou Alain. Olhou ao Rhys com os olhos

entrecerrados. Servirá-me bem; senão, romperei a escritura.

«Razão a mais para ter uma cópia em mãos do Rei», disse-se Rhys para seus

 botões. De todo modo, embora se sentisse alagado de dúvidas respeito de Alain,

também estava alagado de assombro pelo que acabava de inteirar-se.Bertram lhe tinha deixado terra. Quase não podia assimilá-lo.

— Acabou comigo?

Ao ouvir essa voz Rhys piscou, e percebeu do que se esqueceu. De Gwen.

— Vamos, Rhys — disse Rollan como se não a tivesse ouvido, não pode

assegurar ao meu irmão que o vai servir bem? Juro-te que se eu estivesse em seu lugar,

correria a me jogar em seus pés e a lhe beijar as botas.

«E isso é justamente o que vou fazer durante o próximo par de anos», pensou

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Rhys amargamente.

— Servirei-te bem — se ouviu dizer, e se perguntou de onde tinham saído

essas palavras.

— Ah, suspirou Rollan satisfeito, o cavalheirismo em pessoa. O possui em

abundância, não te parece, Gwen?

— Ah, sim — respondeu ela serenamente. Hoje há uma verdadeira

inundação dele nesta sala.

Rhys limpou a garganta.

— Não há nada mais, milorde? Suponho que há deveres dos quais terei que

me ocupar o mais breve possível.— Deveres, repetiu Alain. Terei que refletir sobre quais poderiam ser.

— Talvez algo distinto, em recompensa pelo trabalho desta manhã, sugeriu

Rollan. Eu diria que deveria ser algo que só possa realizar o honroso sir Rhys.

Alain arranhou a cabeça e olhou ao seu irmão.

— Sim, talvez deva pensar nisso mais tarde.

— Sábia decisão, milorde, disse Rollan inclinando submissamente à cabeçaE eu estarei a sua disposição para ouvir algo que sugira, é obvio.

«Os Santos me protejam», pensou Rhys. Depois moveu a cabeça. Alain

 poderia decidir os deveres que quisesse; o que importava? Ele não estaria ali para

cumpri-los.

Ou sim?

Se conseguisse sair da sala, seguro que poderia pensar com mais clareza. Aterra estava ao seu alcance e Gwen estava ao alcance de Alain. E para que ele tivesse

sua terra teria que ver o Alain levar Gwen à cama. E se Gwen se casasse com o Alain,

sua vida não seria outra coisa além de desgraçada, se é que sobreviveria ao trato que ia

lhe dar esse homem. Estava seguro de que se o pai do Gwen tivesse conhecido o

verdadeiro caráter do Alain nunca teria permitido esse enlace.

E se Lorde Segrave não tivesse permitido esse enlace, ele nunca teria tido

Wyckham. A situação era mais diabólica do que o próprio diabo podia ter maquinado.

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— Agora passemos às bodas, sugeriu Rollan. Suponho que deveria celebrar-

se o antes possível. Que tal amanhã?

Alain fez uma careta de desagrado.

— Tinha planejado uma caçada para amanhã.

— Ah — disse Rollan, em tom de profundo pesar, e eu sei o quanto você

gosta de uma boa caçada.

— Será melhor que a amanse quanto antes, sugeriu Hugh entre bocado e

 bocado. Nunca é muito cedo com uma empregada, é o que te digo sempre.

Essas palavras se cravaram em Rhys como espadas. «Amanhã. “As bodas

amanhã.» Isso era muito cedo; necessitava de mais tempo. Tinha que falar com o Rei,lhe prometer ouro, lealdade, seu pescoço se fosse necessário. Mas amanhã... muito

cedo.

— Amanhã, então — disse Alain. Agitou a mão para eles. Podem ir os dois.

Teremos a cerimônia ao meio-dia. Assim, antes, terei uma hora de falcoaria. E

recorde, Piaget, obediência em troca de sua terra.

— Certamente, milorde — respondeu Rhys, e disse isso mais que nada porque estava muito aturdido para dizer outra coisa. Aturdido e apavorado.

Estava ao bordo de perder as duas coisas pelas quais tinha pagado quatro

anos o preço de suor e lágrimas.

Gwen saiu do solar antes que ele, passando ao seu lado sem olhá-lo. Ele a

seguiu em silêncio até que saíram também os Fitzgerald e fecharam a porta.

— Gwen, chamou-a.Ela se voltou e o olhou muito triste.

— Parece que te entendi mal.

— Não entendeu mal nada. Sempre desejei terra, sim, P...

— E eu as possuía em abundância, lhe interrompeu ela. Obrigado, senhor 

cavalheiro, mas isso eu entendi muito bem.

— Não é o que parece...

— E pensar que acreditei que era diferente dos outros, disse ela.

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— E...

«Sou» pensava dizer, mas ela já se afastava pelo corredor, seguida pelos

irmãos Fitzgerald. Rhys começava a segui-los quando se abriu a porta do solar e

apareceu Alain, que o olhou irritado.

— Perdendo tempo? — perguntou-lhe. Já está vadiando?

Rhys fez uma profunda inclinação ante o novo senhor de Ayre, sem pensar 

em suas costas danificadas; depois se voltou e se afastou antes que seus olhos o

traíssem. Ou sua língua. Já sabia o que isso lhe conduziria, e o último que desejava era

encontrar-se com um cadeado entre ele e Gwen.

Bertram lhe tinha dado terra e só o que tinha que fazer era renunciar ao amor de sua alma.

Por todos os Santos, jamais tinha esperado nada disso.

 

Capítulo 12

Soou um golpe na porta.

Gwen não fez conta. Estava muito ocupada meditando na destruição de seus

sonhos para interromper esses tristes pensamentos respondendo ao que só poderia ser 

outro desastre. Como se a idéia de converter-se na esposa do Alain ao dia seguinte não

fosse suficiente desastre.

Soou outro golpe, esta vez mais forte.

— Deixem-me em paz! Estou pensando em minhas penas.

Soou outro golpe e ela soltou uma maldição. Bom, ao menos esse não podia

ser Alain; ele não teria a cortesia de chamar. Talvez fosse John, com uma espada com

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a qual poderia matar-se. Pensando que isso poderia ser uma melhoria nos

acontecimentos do dia, foi à porta e a abriu.

Ali estavam os Fitzgerald, olhando-a da sua enorme altura.

Animada pela idéia de seu iminente falecimento, ousou olhá-los sem

encolher-se muito de medo. Lástima que não houvesse se sentido tão desesperançada

quando fugiu do Ayre. O terror que lhe inspiravam esses dois não era nada em

comparação com o pavor que sentiria ao dia seguinte nas mãos do Alain. Algo lhe

inspirava muitas dúvidas de que ele a levasse a sua cama enfeitiçando-a com doces

canções e vinho, como faziam os heróis das histórias favoritas de sua mãe.

Quando teve claro que os gêmeos estavam resolvidos a não fazer outra coisaque olhá-la com essas expressões ferozes, perguntou:

— Sim? Um de vocês golpeou a porta?

O da direita se esclareceu garganta.

— Eu.

— Tolo, murmurou o outro.

— Ela deve saber isto, sussurrou o primeiro.— Fale então, resmungou o segundo. Não me faz nenhuma graça ouvir essa

história.

Dito isso, tampou os ouvidos com os dedos e ficou a olhar o teto.

Gwen olhou o primeiro que tinha falado e pensou se alguém seria capaz de

distingui-los, incluindo eles mesmos. A única maneira possível possivelmente era que

o cenho do da direita parecia um pouco mais franzido que o do outro.— Deseja-te, disse ele.

Gwen esperou. Então descobriu que os estava olhando carrancuda. Santos do

céu era contagiosa a ferocidade desses homens.

— Como?

— Ele, disse o primeiro fazendo um gesto para o corredor. O menino Rhys.

— Pediu que fosse vê-lo?

— Não, mas as palavras que disse hoje não eram as palavras de seu coração.

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Gwen sentiu um angustiante desejo de acreditar nisso, mas tinha ouvido com

seus próprios ouvidos as palavras saídas de sua boca. Era muito difícil as negar. Em

que pese a suas expressões de afeto do dia anterior, não o tinha visto por quatro anos.

 Nesse tempo poderiam ter trocado muitas coisas.

O outro demônio começou a dar impacientes golpezinhos com um pé.

— Basta Connor, lhe disse o primeiro lhe dando uma cotovelada nas

costelas. Corresponde-te contar esta história, mas como não quer fazê-lo, vou

encarregar-me eu.

O segundo que parecia se chamar Connor desentupiu-se os ouvidos.

— Não me faz graça relatar isso a esses ouvidos tão inocentes, Jared.— Ela merece sabê-lo.

— Ele não vai gostar que lhe conte.

— Ela não vai repetir, não é?

Gwen se sentiu cravada no chão por esses olhos azuis que pareciam lhe

exigir uma corroboração. Em todo caso, ela se reservaria o direito de recordar a

história para alguma extorsão futura. Mas negou com a cabeça, como se a só possibilidade de repeti-la fosse algo que escapasse ao seu entendimento.

— Bom, então — disse o chamado Jared, com aspecto de sentir-se mais

cômodo, assim foi como aconteceu. Ocorreu que uma noite, há vários anos, estávamos

fazendo a ronda pela sala...

— Procurando revoltosos, interrompeu Connor.

— Bagunceiros muito entusiastas...— Ladrões de comida na cozinha...

Gwen exalou um forte suspiro.

— Acredito que entendo o que faziam essa noite.

Connor a olhou muito carrancudo, mas ela estava muito cansada da mente e

espírito para pôr a expressão de medo que talvez ele desejasse. Olhou ao Jared

espectador.

— Então?

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— Bom — continuou Jared— , quando andávamos em nosso trabalho,

 passamos perto do quarto onde Rhys estava preparando sua cama para a noite.

Gwen pensou se isso não seria algo que não lhe convinha escutar. Mas ao

que parecia Jared considerava necessário, porque continuo:

— Connor, sendo a alma inquisitiva que é, pegou o ouvido à madeira da

 porta para ver como ia ao jovem Rhys em seus trabalhos.

Gwen afogou uma exclamação.

— Exatamente o que eu pensava, grunhiu Connor. Deve ouvir isto a menina?

— Sim, respondeu Jared, com outra cotovelada nas costelas de seu irmão.

Depois voltou a pousar sua atenção sobre Gwen: Como não gostou de nada dos protestos que fazia a empregada, Connor abriu a porta com o fim de observar ao Rhys

e averiguar o que estava fazendo tão mal para que sua acompanhante fizesse esses

sons tão estranhos.

— Bom, disse Gwen, quase sem poder dar crédito a seus ouvidos. Isto sim é

notícia.

Connor franziu os lábios e reatou sua contemplação do teto.— Sim, bom, o que Connor viu dentro foi uma notícia, sem dúvida.

Jared fez uma pausa em seu relato e esperou espectador, como se desejasse

algum tipo de reação dela. Gwen só foi capaz de olhá-lo também. Ele franziu um

 pouquinho o cenho, como se assim fosse conseguir a reação que desejava. Finalmente

a olhou muito carrancudo, exasperado.

— Bom, não quer saber o que ocorria dentro?Gwen encolheu de ombros, totalmente confusa. Fazia falta a ela saber isso?

Mas claro, era impossível que essa história pudesse fazê-la mais desgraçada do que já

se sentia, verdade?

— Mmm..., bom, não sei se...

— Nada, interrompeu ele.

— Nada?

— Bom, disse Jared com expressão pensativa, não é que não estivesse

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ocorrendo nada de nada.

Ela esperou. Ao ver que ele não dizia nada mais, convidou-o a continuar 

dizendo:

— Como disse?

— Sim, isso foi o que disse Rhys também quando se voltou do jogo de dados

 para olhar ao Connor.

— Então estava...?

— Jogando dados, terminou Connor, movendo a cabeça como incrédulo. E

de aparência agradável que era a empregada também. Custou-me acreditar o que viam

meus olhos.— Então não estava... Não estavam...? — Gwen não sabia com que palavras

expressar a pergunta.

— Não, confirmou Jared. Não então.

— Nem nunca, acrescentou Connor em tom contrariado. Embora custe

acreditá-lo.

Gwen não pôde.— Essa não é a história que ouvi.

Os rumores da perícia do Rhys em muitos campos tinham chegado aos seus

ouvidos graças aos bem afiados dotes do John para ouvir conversações sem ser visto.

Os homens se deitavam com mulheres, e alguns se deitavam com a maior quantidade

de mulheres possível. A dizer de todos, Rhys entrava nessa última categoria.

— Eu me alegro de que não tenha ouvido outra coisa, disse Connor. Pensa navergonha para o moço.

— Se quiser minha opinião, isso é muito cavalheiresco, replicou Jared.

Olhou a Gwen. Convidou à empregada a partir e depois se rendeu ante nosso

interrogatório...

— Que foi muito enérgico, acrescentou Connor. Tive que sacudi-lo um

 pouco para lhe surrupiar a verdade.

— Ao final — continuou Jared, disse-nos seu verdadeiro motivo.

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— Mas com muita, muita relutância, disse Connor. E a verdade é que

entendo por que não queria falar dessa idéia tão ridícula.

— Não é uma idéia ridícula, alegou Jared. É da mais romântica.

— É estúpida.

— Não é estúpida!

— Por favor, interrompeu Gwen, desejando ter a coragem de lhes fazer 

chocar as cabeças para que deixassem de discutir, me digam quais eram seus motivos!

Jared a olhou e sorriu orgulhoso.

— Queria reservar-se.

— Reservar-se?— Sim, assentiu Jared. Em todos seus anos, o moço não provou nenhum

 pingo desses prazeres.

— E não é que seja um semental castrado, se apressou a acrescentar Connor.

É muito homem. Implacável.

— Feroz, acrescentou Jared.

— Desumano.— E todo um espadachim, digo-o eu — concluiu Jared. Eu lhe ensinei tudo o

que sabe, alardeou.

— Fui eu o que lhe ensinei tudo o que sabe, disse Connor olhando furioso ao

seu irmão. Essa estocada a duas mãos que atravessa de costelas a costas..

— Minha tocha na coxa com a mão direita e a adaga no ventre com a

esquerda...— Meu feroz talho com uma espada e um delicado reverso com a outra...

Gwen teve a impressão de que esse tipo de discussão ia continuar por mais

tempo do que ela dispunha. Além disso, as descrições começavam a lhe revolver o

estômago. Talvez a vida de mercenário não fosse para ela.

— Vejamos se eu entendi bem, interrompeu. Nunca tem feito nenhuma das

conquistas que lhe atribuem.

Eles a olharam ao uníssono e assentiram ao uníssono.

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— Por quê?

— Por quê? — repetiu Jared. Pois, por ti, milady.

— Por mim? Negou com a cabeça. Ele não me deseja, deseja minhas terras.

— Ora — disse Connor, esse é um mau hábito que lhe ensinou Jared, isso de

mentir.

— Eu? — exclamou Jared. Foi você o que lhe ensinou a negar os

sentimentos de seu coração. Eu lhe ensinei a expressar-se da maneira mais tenra. Se

tivesse passado menos tempo te escutando, e mais me escutando, faz anos que lhe teria

expressado a esta menina seus sentimentos por ela.

— Mas ele me expressou, disse isso Gwen.Os dois a olharam boquiabertos.

— Sim? — perguntaram ao uníssono.

Ela assentiu.

— Claro que tive que me valer de uma mutreta para surrupiar-lhe.

Jared aguçou as orelhas.

— Pegou-lhe?— Como lhe ia pegar! — bramou Connor. É uma menina tão doce. Fixou

nela seu enérgico olhar. O que lhe fez então? Soltou-lhe a língua com bolos bem

 preparados? Com enguia defumada banhada em molho de tomilho? Faisão assado com

todo tipo de frutos secos e uma deliciosa guarnição em um prato fino?

Certamente, Connor tinha ouvido falar dos aprimoramentos saídos das

cozinhas de sua mãe.— Não, respondeu. Fiz uso de minhas artes femininas para convencer ao sir 

Montgomery de que lhe levasse minha mensagem...

— Esse Montgomery sempre foi um brando, comentou Connor fazendo uma

careta de desgosto.

— E abordei Rhys no terraço e lhe disse que queria que fosse meu paladino.

— E ele aceitou, afirmou Jared, como se não pudesse ter havido nenhum

outro resultado.

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— É óbvio que aceitou, resmungou Connor. Olhou-a carrancudo: teve tenros

sentimentos por ti desde que era um menino, uma pena. Isso o arruína para uma

esgrima mais séria, sempre lhe disse isso. Cada dia que passa sonhando contigo, e isso

ele tem feito durante anos. Esse tempo era melhor dedicado a aperfeiçoar esse golpe à

virilha, ou talvez o artístico floreio sobre a mandíbula...

Gwen não se sentiu capaz de suportar outra relação de golpes, de modo que

olhou ao Jared, que parecia menos inclinado que seu irmão a catalogar seus

movimentos guerreiros.

— Porque crê, então, que disse o que disse?

— O que outra coisa ia dizer? — respondeu Jared com um encolhimento deombros. Não podia revelar as intimidades de seu coração a Lorde Ayre. Não acredito

que pense muito nelas tampouco, e isso não se deve a falta de apoio de minha parte,

claro.

— Claro.

De repente Gwen sentiu que o mundo voltava a estar bem. Rhys a amava;

amava-a desde fazia tantos anos como ela o amava. Não podia dizer isso ao Alainnem ao Rollan, e certamente tampouco o haveria dito a seu tutor. Depois de tudo, não

tinha tentado subornar ao Hugh essa manhã? Subornar por terra era uma coisa, e

subornar por uma mulher era outra distinta, e algo que Hugh não teria entendido; Rhys

tinha que abordá-lo com algo que seu tutor fosse capaz de entender. Lástima que Rhys

não lhe tivesse oferecido carrinhos de mão de coisas para comer em lugar de ouro; isso

teria tido mais efeito.Mas o que podiam fazer agora? Ela ia se casar com o Alain à manhã

seguinte. Olhou aos gêmeos.

— Escapar, disse com voz clara. Essa é nossa única esperança.

Eles se limitaram a olhá-la e piscar.

— Mentiu para distrair ao Alain e Rollan, lhes explicou, para que

 pudéssemos escapar. O coração se tinha aliviado tanto, e tão rápido, que pensou que

 poderia sair voando do castelo. Irei vê-lo e então fugiremos, lhes anunciou. Sorriu-lhes

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e os afastou facilmente. Minha gratidão, gêmeos. Foste-me de grande ajuda.

Correu pelo corredor e baixou a escada circular até o bordo da sala grande.

Seguro que Alain estaria absorto em seus planos para a caçada. O paradeiro do Rollan

sempre era um mistério, mas com sorte também conseguiria evitar que ele a visse. Só

 precisava encontrar ao Rhys, lhe dizer que compreendia seu plano e decidir como

levariam a cabo a fuga.

E então se deteve bruscamente.

Todas as saídas da sala grande estavam fortemente vigiadas. Olhou a mesa

superior e viu que Rollan estava ali sentado com uma taça perto do cotovelo. Sorriu-

lhe agradavelmente e levantou a taça a modo de saudação.E foi nesse momento preciso que compreendeu que não havia nenhuma

esperança de fuga.

Não podia fugir pela cozinha; certamente não poderia passar despercebida

 pela porta da sala. Não havia nenhuma maneira de sair do castelo a não ser que fosse

saltando pelo parapeito para cair no fosso, mas calculou que não sobreviveria à queda,

e até se seguisse viva, não poderia manter-se flutuando na água.Estava perdida.

De repente sentiu dificuldade para respirar e começou a ver pontos

luminosos em toda a sala. Cambaleante, voltou para a escada e se apoiou na parede.

 Não havia maneira de sair de Ayre. Nem sequer tinha conseguido encontrar ao Rhys

 para convencê-lo de que seria dele se tivesse sido capaz de fugir do castelo. Era

tentador entregar-se à fantasia de que talvez durante a mudança de guarda conseguisse passar entre eles... Mas não. Se Alain se tomou esse trabalho esse dia, certamente se

tomaria o mesmo trabalho para assegurar-se de que a mudança de guarda se produzira

sem nenhum contratempo.

Subiu a escada e caminhou lentamente até onde esperavam os irmãos

Fitzgerald. Olhou-os e lhes sorriu tristemente.

— Não há forma de escapar.

Pelo visto eles não tinham nenhuma resposta a isso, de modo que entrou em

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seu quarto e fechou a porta. Que outra coisa podia fazer? Não tinha asas para voar por 

cima das muralhas para a liberdade. Suspeitava que nem sequer Rhys podia

encarregar-se de todos os guardas de Ayre, por maior que fosse sua fama. Nesses

momentos não lhe seria de muita ajuda. Não havia maneira de escapar do seu destino:

se casaria com o Alain do Ayre, quisesse ou não.

E depois das bodas, certamente ele a levaria a cama, e tinha umas fortes

suspeita de que isso não seria uma experiência agradável. Já lhe tinha dado a provar 

muitas amostras de sua insolência; sim, pagaria caro seu descaramento.

Essa idéia fez que reconsiderasse tudo; possivelmente devia jogar-se no

fosso.Aproximou-se da janela e olhou para baixo. Santos do céu, até a murada

estava cheia de guardas. Se não estivesse tão aterrada teria se sentido adulada pelas

 precauções que tomava Alain para mantê-la segura dentro do castelo.

Agora bem, isso a obrigou a compreender que em realidade não podia

escapar a seu destino.

No dia seguinte se sacrificaria a um homem que não lhe tinha o menor carinho enquanto a poucos passos aguardava o homem que a amava tanto que tinha

sido capaz de se negar os prazeres por toda sua vida para que ela fosse a única a quem

levaria a cama de verdade. Lástima que não fosse possível trocar de noivo no altar; ou

trocar-se ela. Talvez ser gêmeo de alguém tivesse mais vantagens que as que tinham

 pensado ao princípio, embora certamente não desejaria seu destino a ninguém.

O golpe na porta a sobressaltou tanto que quase desmaiou. Pôs a mão nocoração para acalmá-lo e se aproximou da porta.

— Sim?

A porta se abriu. Ali estava John, tão abatido como ela.

— Agora ele não me quer, lhe disse o menino com um comprido suspiro. Diz

que tem muito que refletir esta noite.

— Sir Rhys?

— Quem senão?

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Ela se absteve de informá-lo que embora Rhys pudesse não querê-lo a ele,

certamente queria a ela. Sua situação era muito apurada para fazer um comentário tão

depreciativo.

— E Alain não tem nenhuma ocupação para você?

— Está muito ocupado planejando a caçada de amanhã.

— Alegra-me que não esteja muito obcecado com a idéia de suas bodas.

John a olhou e ela acreditou detectar umas lágrimas que apareciam em seus

olhos.

— Oxalá pudesse se casar com o Rhys, Gwen. Embora ele te deseje só por 

suas terras, acredito que no final poderia te ter carinho.— Com sorte, igualmente eu poderia — concordou ela.

John voltou a suspirar e começou a passar os dedos pela borda de sua túnica.

— Inclusive pus roupa limpa para me apresentar a ele, e o elmo novo que me

deu de presente sua mãe. Só para que visse quão disposto estou para o combate a

qualquer momento. Olhou-a. Nem sequer notou.

— Pobre moço, disse ela sem poder evitar sorrir.Era terrível que o ídolo de um não notasse esses detalhes.

Então, veio-lhe uma espécie de relâmpago de luz. Fez entrar o John no

quarto, mais agradecida que de costume de que Alain a tivesse instalado em um quarto

solitário, e fechou a porta.

— Estava desejando ter uma irmã gêmea, disse rechaçando o inquietante

 pensamento de que em realidade o que ia fazer era uma má idéia, mas acredito quevocê me vai servir.

— É — protestou ele quando o soltou-. Que pret...?

— Se dispa.

— O quê? — exclamou ele, horrorizado.

Ai, a delicada sensibilidade de um moço de quatorze anos. Gwen jogou para

trás os ombros e se preparou para aduzir suas razões para o estratagema, com o que,

estava segura, John não ia estar de acordo, porque se os pegassem, não só seria seu

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 pescoço que estaria no corda, mas também o dele. Talvez lhe conviesse lhe dar um

golpe na cabeça antes de sair do quarto. Assim, ele não seria totalmente responsável

 por sua escapada.

— O que quer fazer com minha roupa? É que pensa fugir outra vez?

— Com sir Rhys, reconheceu ela.

— Não irão sem mim, disse ele resolutamente. Desta vez não vai me deixar 

aqui.

Isso ia ser um problema. Talvez tivesse que lhe dar o golpe antes de lhe tirar 

a roupa. Ou isso, ou lhe dizer alguma falsidade e fugir com sua roupa.

— Gwen... — advertiu-lhe ele.A mentira e o roubo pensou resignada, eram certamente uns vícios decididos

a formar parte de seu caráter.

***

Não muitos minutos depois, com a promessa de um suculento suborno,

Gwen abriu a porta de seu quarto e afastou aos irmãos Fitzgerald tratando de imitar o

que imaginou seria a maneira de John. Não perdeu tempo em falar com eles e

imediatamente se pôs em marcha pelo corredor. John tinha ficado mais tranqüilo ao

lhe dizer que ele poderia escapar de Ayre com mais facilidade que ela, já que ninguémse fixaria nele quando saísse pelas portas. Assim tranqüilizado, lhe disse onde estava

Rhys e lhe explicou a maneira de chegar ao quarto para o guarda da torre norte.

Fez o caminho pelo corredor com ar crédulo. Chegaria ao quarto do Rhys,

convenceria-o de que conhecia a verdade de seu coração e juntos empreenderiam o

caminho para a França.

Por desgraça a viagem a levou novamente à sala grande. Não pôde deixar de

ver o número de homens reunidos ali, nem de comprovar que todos estavam armados

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até os dentes.

Pois bem, saberiam arrumarem-se os dois.

Quando conseguiu chegar à escada que subia à torre norte já começava a ter 

suas dúvidas. Ela não tinha espada. Seriam suficientes a espada de Rhys, por letal que

fosse, e sua formidável perícia, para lhes conquistar a liberdade?

Quando subia a escada apareceu a olhar o pátio de armas; embora a

 passagem fosse estreita, não teve dificuldade para ver o número de homens que se

apinhavam ali. Deteve-se em um degrau, assaltada por mais duvida. Não

conseguiriam, estava quase segura. Por vigoroso e feroz que fosse Rhys, virtualmente

era impossível que vencesse a todos os homens da sala grande e restassem forças paraocupar-se dos que estavam no pátio.

Apoiou-se na parede de pedra. Não havia esperança; deveria ter 

compreendido antes.

Olhou para cima, o que lhe faltava subir, derrotada.

E então lhe ocorreu uma idéia.

Talvez não conseguisse fugir, mas ao menos tentaria uma coisa. Deu-lheuma ou duas voltas à idéia na cabeça, e assentiu para si mesmo. Talvez Rhys achasse

estúpida a idéia, mas bom, igual não.

Se Alain notasse ficaria lívido de fúria, mas isso era algo que poderia

enfrentar no dia seguinte.

Respirando, continuou subindo a escada com passos decididos.

 

Capítulo 13

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Rhys passeava de extremo a extremo do pequeno quarto amaldiçoando as

 paredes que o rodeavam. E quando isso não lhe produzia nenhum alívio, amaldiçoava

as circunstâncias que o rodeavam de modo tão inflexível. Ou Gwen ou sua terra. Ver-

se enfrentado a tal escolha era suficiente para lançá-lo aos porões a tornar-se junto a

um barril de cerveja a beber durante uma semana.

Wyckham...

Ou a criatura mais formosa, valente e perfeita em que tinha pousado seus

delicados pés em chão inglês.

Por todos os Santos, se tivesse tido um grão de sensatez teria reconhecido

Gwen ao vê-la e teria fugido com ela para França naquele mesmo instante, dalimesmo. Passado um tempo, Alain teria pensado que tinha sido presa de um destino

horroroso e se teria casado com outra herdeira. Hugh teria saboreado a riqueza de

Gwen durante uns anos a mais. Ele teria comprado uma pequena parte de terra na

França e juntos teriam vivido suas vidas em perfeita felicidade. Mas onde se

encontrava agora?

Em um diminuto quarto para guardas, olhando as paredes que o teriam prisioneiro outros dois anos e considerando as torturas que Alain e Rollan poderiam

inventar para ele nesses anos.

Mas não era assim como ia resultar seu futuro se ele tivesse algo a dizer 

sobre o assunto. De acordo, havia guardas em abundância, mas acaso ele não era capaz

de derrotá-los? Talvez ele e os Fitzgerald poderiam abrir passo entre eles com suas

espadas, levando Gwen consigo. Até no caso em que se visse obrigado a deixar Gwencom sua mãe enquanto ele e os gêmeos ganhavam um pouco mais de ouro, o sacrifício

valeria à pena. Certamente três espadas de aluguel como as deles seriam suficientes

 para deixar com a língua fora a qualquer senhor.

Caso conseguisse convencer Gwen de que sua espada roubada estaria melhor 

aproveitada adornando a abadia. Porque se insistia em lhe guardar as costas... Que os

Santos lhe protegessem!

Abriu bruscamente a porta, decidido a passar como um vendaval pelo

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corredor para ir informar seu plano aos Fitzgerald, e deu uma topada com uma frágil

figura que estava de pé ante a porta. Soltou uma maldição entre dentes. Santos do céu,

sim, que era insistente o moço. Não podia negar que lhe adulava muito a mal

dissimulada adoração de John, com o prazer enquanto que pelo menos um dos irmãos

Ayre o tinha em alta estima, o que irritava sobremaneira aos outros dois; mas esse não

era o momento para começar a treinar a seu novo escudeiro. Tinha homens a quem

matar.

— John — lhe disse, terrivelmente molesto, disse-te ou não te disse que não

te necessito esta noite?

Ante seu infinito assombro, John lhe pôs a mão no peito e o empurrou dentrodo quarto. O menino entrou também e fechou a porta. Rhys estava tão impressionado

que só o que conseguiu fazer foi ficar boquiaberto pelo descaramento do moço.

— Deveria te fazer vergões no traseiro, exclamou.

— Eu em seu lugar não o faria, respondeu John imediatamente. Isso seria

 jogar um jarro de água fria nos acontecimentos desta noite.

E dito isso, John tirou o elmo e ante os olhos de Rhys apareceu nada menosque Gwennelyn de Segrave, vestida, logicamente, com roupas de moço. Ao Rhys lhe

afrouxou a mandíbula e ficou com a boca aberta.

— Por todos os Santos, senhora — conseguiu murmurar, parece não ter 

muito costume de usar vestidos.

— Estou disfarçada, confessou ela.

— Devo supor que John está em seu solar com saias?— E nada feliz, asseguro-lhe isso.

— Bom, balbuciou, sem saber o que dizer. Bom, voltou a tentar, desejando

que no quarto houvesse algo mais que uma mesa e um par de cadeiras, porque sentia a

necessidade de ter uma cama onde tombar-se até que a cabeça deixasse de dar voltas.

— Não poderia estar mais de acordo, disse ela.

Rhys procurou por uma cadeira e se deixou cair nela, e então caiu na conta

do que tinha a seu alcance. Incorporou-se de um salto e a agarrou pelo braço.

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— Vêem, ordenou. Vamos procurar aos Fitzgerald e abriremos passo pela

sala grande. O moço de quadra nos selará os cavalos, porque não tem muito carinho

 por Alain. Você cavalgará atrás de mim em minha montaria, de acordo?

— Mas...

Rhys fez gesto de abrir, mas ela pôs uma mão na porta e negou com a

cabeça. Ele também moveu a cabeça, sem compreender.

— Se apresse, senhora — lhe informou ele, é essencial neste momento.

— Apareceu na sala grande? Viu quantos homens há?

— Talvez tivesse um lapso de memória com respeito a minha reputação,

disse ele. Sou muito capaz de me encarregar disso. — Eu tampouco duvidaria de que seria capaz quando eu pensei, mas depois

vi o pátio de armas cheio com o resto dos homens. Acredito que o número é excessivo

inclusive para você.

Rhys pensou que talvez ela tivesse razão. E então recordou outra coisa.

Certamente ela tinha estado presente no solar e tinha ouvido tudo.

— Viria comigo? — perguntou-lhe.Ela apoiou as costas na porta e lhe sorriu.

— Apesar de que o único que deseja é minha terra?

— É uma boa terra, disse ele.

— A melhor, diria eu.

— Sem terra não sou nada.

— Isso é questão de opinião, sorriu ela, mas é uma idéia masculina e aentendo.

Ele suspirou.

— Tenho dinheiro suficiente para comprar um pedaço de terra na França

 para os dois.

— Rhys de Piaget, senhor de um vinhedo? — disse ela, pensativa. Moveu a

cabeça. Não sei, parece-me um desperdício.

— Então viajaremos pelo mundo e viveremos de minha espada.

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— Não, não só de sua espada, eu poderia apren...

— De minha espada, interrompeu ele.

— Mas...

— Confie em mim. Sou muito capaz de nos proteger.

— Eu poderia ser uma mercenária muito perigosa, lhe informou com

expressão picante.

— Sim, disse ele convencido.

Perigosa para ele pensou, mas não se atreveu a dizê-lo. Ela o estava olhando

com as mãos nos quadris e em seu rosto começava a aparecer uma expressão zangada.

De repente, com a mesma impulsividade, ela moveu a cabeça e voltou aapoiar-se na porta. Rodeou-se a cintura com os braços, como se quisesse consolar-se.

— Não, Rhys, isso não é possível.

— Eu poderia derrotá-los — disse ele, desesperado.

Ela o olhou e negou novamente com a cabeça.

— São muitos. Além disso, isso é o que espera Alain. Ou você ou eu

acabaríamos na forca ou em sua masmorra, e eu não poderia suportar nenhuma dasduas coisas.

— Não temos escolha.

— Sim, temos. Eu me casarei com o Alain, você o servirá dois anos e obterá

o desejo de seu coração.

— Ao diabo com a terra, resmungou ele. Sabe que não é o que mais me

importa.— Mas importa.

— Claro que importa, replicou ele bruscamente, mas só porque necessito de

um lugar onde construir um castelo. Como te vou proteger sem muralhas? Como vou

 proteger a nossos filhos sem uma guarnição de homens que vigiem essas muralhas?

 Necessito de uma casa onde te levar.

Ela não respondeu, mas se separou da porta, rodeou-lhe a cintura com os

 braços, apertou-se contra ele e apoiou a bochecha em seu peito.

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— Rhys, não podemos fugir, é impossível.

Ele a rodeou com seus braços e apoiou o queixo em sua cabeça. Tinha que

ser possível. Não aceitaria nada menos. Por muito que desejasse Wyckham, desejava

mais a Gwen.

De repente ela se afastou um pouco.

— Pelo menos há uma coisa que não darei ao Alain.

— Há várias coisas que não dará ao Alain, conseguiu dizer ele.

Isso era o mais inteligente que podia dizer, porque a sensação de ter ao

Gwennelyn de Segrave em seus braços o tinha tão aturdido como a última vez que a

abraçou. Tinha levado quase quatro anos para recuperar-se disso. Voltou a abraçá-la,não fora que ela o pensasse melhor e tratasse de separar-se. Mas ela só se apertou mais

contra ele.

— Não lhe dará sua mão em matrimônio, por exemplo — continuou.

— A isso não posso escapar.

— Eu me ocuparei de...

— Não, Rhys. Gwen só se afastou o suficiente para olhá-lo à cara. Essa terradeve ser sua. Os Santos sabem que para então lhe terá ganhado isso.

— Não a terei a seu custo.

— Vá com cuidado, sir Rhys, porque me leva a acreditar que talvez comece

a me valorizar por algo mais que meu dote.

Ele a olhou carrancudo.

— Não deve acreditar em tudo o que ouve.Ela o olhou risonha e voltou a apoiar a cabeça em seu peito. Rhys fechou os

olhos e desejou com todo seu coração que o castelo se desmoronasse sobre ele nesse

mesmo instante. Teria ido à tumba sendo um homem absolutamente satisfeito.

— Não, continuou ela. Alain terá minha mão em matrimônio e você terá sua

terra. Mas ele nunca terá o que me proponho a dar a ti esta noite.

Ele notou que começava a franzir-se o cenho. Olhou para o teto em busca de

uma resposta à adivinhação, mas não viu outra coisa que teias de aranha. Não vinha

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ajuda dessa parte.

— E bem, disse ela, afastando-se para olhá-lo. Vais aceitar?

— Aceitar o que?

— Minha virgindade.

— Sua o quê?

Ela começou a sorrir. Ele, em troca, não viu nada divertido em que já tivesse

começado a lhe falhar a audição. Surdo aos vinte e cinco anos; uma verdadeira

tragédia.

— Ouviu muito bem. Minha virgindade. Minha virtude. Invoca aos

cavalheiros montados e rompamos esta virgindade.Ele retrocedeu um passo. Logo retrocedeu outro passo, outro e outro, até que

se encontrou com uma cadeira dura sob as nádegas. Sabia que a estava olhando

 boquiaberto, mas não podia fechar a boca.

— Não o diz a sério, não é?

— Então não me deseja? Gwen tirou a capa do John e a deixou cair no chão.

Desculpa que não tenha vestido, mas me pareceu algo imprudente nestascircunstâncias. Desculpa também meu cabelo, mas já sabe essa história.

E enquanto ela continuava pedindo desculpas por todos seus defeitos, só o

que podia pensar era: «A mulher com a qual sonhei quase toda minha vida está aqui e

se ofereceu». E se soubesse o quão atraente está com as meias e a túnica que leva, não

diria nada.

— Ah, conseguiu dizer. Não devo. Não é cavalheiresco, acredito.— Não me deseja?

— Não se trata disso, respondeu ele cruzando as pernas, para proteger-se.

— Incomodam-lhe minhas orelhas então? — perguntou ela, cobrindo com

cabelos os que considerava os traços culpados.

— É obvio que não.

Ela refletiu um momento.

— Então, talvez um jogo de dados pudesse te abrandar.

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— Jogo de dados?

— Tenho entendido que é um excelente professor.

Ele a olhou fixamente, sem compreender. De repente começou a fazê-la luz.

Tinham-lhe revelado seu segredo, e justamente quem nunca se imaginou.

— Esses malditos Fitzgerald, grunhiu.

— Um par muito conversador.

Olhou-a carrancudo. Só os Santos sabiam o que lhe haviam dito esses dois.

Era evidente que já não tinha segredos.

— Considere esta noite um dever de cavalheiro, insistiu ela em tom

adulador.Ele emitiu um gemido e cobriu a cara com as mãos. Sentia-se tão

desconcertado que acrescentou outro gemido mais.

Então sentiu uma mão suave sobre seu cabelo e ouviu ranger um joelho, ao

ajoelhar-se ela ante ele.

— Rhys, começou ela, lhe agarrando as mãos e olhando-o sem nenhum

indício de brincadeira nos olhos, não é assim como eu teria querido.«Tampouco eu», quis dizer ele, mas não lhe saíram as palavras.

— Entretanto, esta é a única escolha que eu posso fazer. Não posso escapar 

ao meu destino. E não te pedirei que renuncie a aquilo pelo que trabalhou toda sua

vida.

— Mas me está pedindo que renuncie a ela.

Ela piscou muito rápido.— Deixe dessa tolice romântica, não seja que se debilite minha resolução.

— Gwen, essa terra não significa nada para mim.

— Pois, deveria, porque o preço é muito caro.

— Mas seria você quem pagaria esse preço, alegou ele, e isso eu não posso

 permitir.

— Você não me pediu que pagasse nada, disse ela. Nosso caminho já está

esboçado ante nós, Rhys. Os dois estamos atados ao Ayre, e o momento para fugir já

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 passou. Nisso não tenho escolha. Mas sim, posso escolher a quem entregar minha

virtude. E se fazê-lo significa que devo passar o resto de minha vida com o Alain do

Ayre, então esse preço eu pagarei alegremente.

— Mas, Gwen...

— Por favor, Rhys.

Pela primeira vez ele detectou medo em sua voz, e isso o assustou.

— Ele não vai ser considerado, acrescentou ela. Eu o provoquei muitas

vezes. Só posso rogar que me use rápido e logo vá fazer outras coisas.

Ele tragou saliva com grande dificuldade.

— De verdade, quero ter uma lembrança agradável de como deve ser, parame concentrar nele enquanto suporto outro.

— Oh, Gwen, disse ele tristemente.

Sorriu-lhe, mas o sorriso era muito alegre para acreditar.

— Façamos, pois nosso trabalho enquanto dura à noite. Amanhã se cuidará

de si mesma, garanto-lhe isso.

Ele a subiu a seus joelhos e a embalou contra si. Pensou que era capaz deapresentar uma frente sólida até que sentiu lágrimas quentes no pescoço. Arderam-lhe

os olhos e logo lhe molharam as bochechas com lágrimas próprias.

Santos do céu, não era assim como tinha planejado as coisas.

E enquanto embalava a mulher que tinha em seus braços, tanto para

consolar-se ele como para consolá-la, desejava com todas suas forças ser capaz de

submeter o tempo, e encontrarem-se os dois fora das portas do Ayre, ela tentandolevantar a espada para feri-lo. A teria pego a mão, atraído a seus braços para beijá-la

até deixá-la sem fôlego, e depois os dois teriam fugido a França. O desfloramento

mútuo teria tido lugar na estalagem mais cara que tivesse encontrado, precedido por 

um delicioso jantar, molhada por um vinho excepcional, e muitas histórias de amor 

 para as quais um trovador teria gasto os miolos.

Certamente não teria ocorrido em um quarto sujo na noite anterior a que ela

se casaria com outro.

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Ela se afastou, agarrou-lhe a cara entre as mãos e lhe beijou brandamente as

 bochechas. Depois lhe sorriu.

— Vamos, meu galhardo cavalheiro, e não permitamos que ninguém se

interponha entre nós esta noite.

— Mas como posso te possuir e depois não voltar a te ter alguma vez mais?

 — perguntou ele. Como posso viver sob seu mesmo teto sabendo que sempre estará

fora de meu alcance?

— É possível que Alain me ponha a limpar o poço negro e que nos vejamos

muito pouco.

— É possível, disse ele.— Eu estarei em meu solar encerrada entre tapeçarias. Jogou para trás o

cabelo que lhe caía nos olhos. Veremos-nos de vez em quando e saberemos em nossos

corações que compartilhamos o que ninguém jamais poderá nos tirar.

— Não basta.

— Terá que bastar. Isto é o único que nos permite.

— Se é que nos permite.— Se é pecado, pois levarei a carga. Não crê que será perdoado este desejo

de um consolo tão pequeno?

Ele não pôde por menos que estar de acordo, embora suspeitasse que esse

consolo não fosse alívio para nenhum dos dois nos dois anos seguintes. E que não

abrangeria o resto de sua desventurada vida. Ter a Gwennelyn de Segrave e depois

 perdê-la?— Dever de cavalheiro, lhe recordou ela.

— Não sei como pode dizer isso do que nos propomos fazer esta noite, não

sei.

— Uso minha imaginação mais que você.

Ele suspirou e se passou a mão pelos cabelos.

— Muito bem, então — disse, sentindo-se um pouco confuso. Deveríamos

começar, suponho.

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— Sim.

Mas por onde? Santos, se nem sequer tinha experiência nesses assuntos.

Pinçou em sua bolsa quase vazia, enviando uma última e sincera maldição ao Hugh do

Leyburn por esvaziá-la, e tirou um par de jogo de dados. Moveu-os entre os dedos

nervosamente.

— Talvez um breve jogo, propôs.

— O tempo é essencial, disse ela.

— Então muito breve.

Enquanto lhe ensinava tudo o que sabia sobre jogo de dados, maravilhava-se

ante a absoluta imprevisibilidade da situação em que se encontrava, lhe explicando osdetalhes de um jogo de azar ao amor de seu coração para cortejá-la. Seu mais recente

encontro com ela tinha sido quando ela simulava ser mercenária, mentindo e roubando

entusiastamente como se o tivesse feito toda sua vida. Não o surpreendia então que

nesse momento estivessem jogando dados e também com suas vidas.

E evitando desesperadamente pensar na muito real possibilidade de que

entrasse alguém e os surpreendesse; Rollan, por exemplo.— Será melhor que passe o ferrolho à porta, disse.

Quando voltou, encontrou Gwen olhando atentamente os dados. Desejou que

o olhasse com igual concentração.

Então ela elevou a vista e lhe sorriu, e isso quase fez que caísse ao chão.

— Um último jogo? — grasnou.

Ela assentiu feliz e ele se ajoelhou a seu lado. Tremiam-lhe as mãos;respeitaria-o menos se sentia prazer em um desmaio antes de sentir prazer nela?

Pensou. Depois não recordaria nada do jogo, além de suas mãos, o calor de seu corpo

 junto ao dele e o som de sua risada em seus ouvidos.

Pensou que igual morreria com tudo isso.

— Ganhei, disse ela de repente, sorrindo-lhe muito satisfeita, não é?

— Sim — disse ele, deslumbrado.

— E meu prêmio?

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Ele se sentiu muito tímido ao estirar a mão para ela.

— Valho eu?

Ela pôs sua mão sobre a sua. Ele a olhou e recordou a última vez que lhe

tinha pegado a mão; foi no caminho de ronda do castelo de seu pai, quando ela o

escolheu por seu paladino. Paladino, marido, era tudo o mesmo para ela.

Rhys olhou a sua dama e pensou se seria suor o que lhe corria pelas

 bochechas, tinha-as muito molhadas.

— Acredito que não devo...

Pôs-lhe um dedo nos lábios e moveu a cabeça. Depois lhe secou as

 bochechas, se aproximou mais e o beijou muito docemente na boca. E desta vez nãoestava seu pai ao final do corredor para impedir-lhe pensou ele.

Pelo menos, não estava em perigo seu nariz. Mas seu coração, sim, ficaria

muito deteriorado.

— Este momento é nosso, meu amor — sussurrou ela contra seus lábios.

Ele quis discutir, mas sua boca o distraiu de seus pensamentos. Desejou

fugir, mas as mãos dela o tocaram e deixou de lhe importar tudo o que estivesse foradesse quarto. Ele desejava mais que o que teriam essa noite, mas lhe rodeou o pescoço

com os braços e ele não pôde fazer outra coisa que estreitá-la tão forte contra ele que

sentiram as roupas sufocantes.

Então, tiraram a roupa, peça por peça, com mãos nervosas e sorrisos

sobressaltados, até formar um ninho com elas no chão.

Rhys agarrou a Gwen em seus braços e a depositou brandamente em sua pobre cama. Depois se estendeu ao seu lado e a apertou fortemente contra ele, rogando

que essa noite durasse até a eternidade.

E depois já não houve mais tempo para pensar, nem mais espaço para

discutir nem mais vontade para fugir. Estavam sozinhos e ninguém interromperia sua

felicidade.

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Capítulo 14 

Na manhã das bodas, Rollan de Ayre estava atrás da cadeira de seu irmão

observando os dois que estavam de pé em meio do aposento. Tinham demorado em

atender ao chamado de Alain, e se viam tremendamente cansados. Rollan teve que

admitir que em que pese a suas olheiras e expressões cansadas, formavam um bom

casal. Rhys de Piaget, maldito fosse, com sua altura imponente e imagem musculosa,

fazia parecer delicada e frágil inclusive a Gwen. E não era que não gostasse da altura

quase masculina dela; a teria possuído sobre qualquer superfície a qualquer momento

e em qualquer quantidade de vezes, sem lamentar nenhuma vez.

E agora ela estava a ponto de converter-se na esposa de seu irmão.

Suspeitava que a única satisfação que teria nesse dia seria ver a expressão de

Piaget quando se inteirasse de quais eram seus novos deveres. Ele mesmo os tinha

imaginado, e não via a hora de comprovar se seus instintos eram corretos. Ao Alain

não o fazia nenhuma graça cortar sua caçada, mas ele o convenceu de que era melhor 

atribuir suas obrigações ao Rhys esse mesmo dia, preferivelmente antes das bodas.

— Tomei uma decisão a respeito de seus deveres, anunciou Alain ao Rhys.

— Então por que estou aqui? — perguntou Gwen.

— Porque também concerne a ti, língua de vespa.

Rollan teria jurado que a ouviu balbuciar algo sobre uma latrina, mas igual

foram imaginações delas. Observou ao Rhys encantado, esperando a reação que se

 propunha saborear durante muitos meses.

Mas Rhys não fez o menor movimento nem disse nenhuma palavra. Seu

rosto tinha uma máscara de impassibilidade que inclusive ele teve que admirar.

— A deixaram em liberdade para desmandar-se durante muito tempo,

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continuou Alain assinalando a Gwen. Vai me envergonhar em algum momento

importante. Isso diz Rollan, e eu lhe acredito.

No breve silêncio que seguiu a estas palavras, Rollan teve a impressão de

que ele era o único que estava desfrutando do drama. Gwen parecia a ponto de

desprender do conteúdo de seu estômago. Rhys estava imóvel como uma pedra.

Interessante.

— Necessita de um guarda, e você vais ser seu capitão.

Rollan teria desejado um discurso melhor declamado, mas a greta que viu na

armadura do Rhys foi tudo o que poderia ter esperado: encolheu-se como se o

tivessem golpeado. Depois transladou seu olhar a Gwen e a viu tão pálida como umatoalha de altar.

Ou seja, que não se equivocou; havia algo entre eles.

Poderia ficar ainda mais entretido?

— A seguirá em qualquer lugar que vá. Tudo o que fizer, o recordará e me

informará. Tudo o que diga me repetirá isso quando eu o exigir. Entendido?

Segundo todas as aparências, Rhys estava mudo; e Gwen parecia a ponto dedesmaiar.

— Emocionada pelas bodas? — perguntou-lhe Rollan, incapaz de resistir.

Ela se limitou a olhá-lo com os olhos tão tristes como um céu de inverno. Ao

seu pesar, Rollan sentiu uma pontada de pena por ela. Ao fim e ao cabo, ele tampouco

teria esperado com ilusão casar-se com seu irmão. Era como um javali em zelo o

homem e estúpido, além disso.Mas o consolou a idéia de que isso só a faria apreciá-lo, mais a ele quando

chegasse o momento.

— Piaget, seus deveres começam agora mesmo, disse Alain. Te ocupe de

que chegue a salvo à capela. Esta noite montará guarda fora da porta do dormitório

também. Não quero que me interrompam em meus trabalhos.

Gwen deu meia volta e saiu da sala. Alain apontou ao Rhys com um dedo.

— E te ocupe de que deixe de fazer isso. Chateia-me que parta antes que eu o

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ordene.

Rhys inclinou a cabeça.

— Milorde, sua permissão?

— Sim, respondeu Alain despedindo-o com um gesto. Vá. Dois anos, Piaget.

— Como queira, milorde.

Rollan o observou sair e depois se apoiou no respaldo da cadeira do Alain,

muito satisfeito pelos acontecimentos da manhã. O inferno de Gwen começaria dentro

de umas horas. Esfregou-se o ventre, carrancudo. Ela merecia cada segundo de dor.

E o inferno do Rhys já tinha começado.

Sim, francamente uma manhã excelente.

 

Capítulo 15

A menina subiu até o alto da escada e se apressou a esconder-se no final do

corredor. Não tinha nenhuma necessidade de estar ali para observar os

acontecimentos, mas a compaixão a fez subir. O cavalheiro e sua dama sofriam. Oxalá

ela pudesse fazer algo para lhes aliviar o sofrimento.

Esse dia tinha visto à senhora ir à capela, pálida e temerosa. E ao cair à

sombra da noite, viu-a dirigir-se para a cama de matrimônio.

O cavalheiro montava guarda fora da porta do quarto com o rosto pálido e

temeroso.

Inclusive ela empalideceu ao ouvir os gemidos afogados que saíam do

dormitório.

E depois apareceram os dois vikings para levar o cavalheiro.

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— Devo estar aqui, protestou ele.

— Já esteve aqui o tempo suficiente, grunhiu um dos loiros.

— Sim, e agora lhe ouça roncar, resmungou o outro. Não se dará conta de

que se foi.

— Sim, se dará.

— É melhor assim, moço.

— Abaixo há vinho em abundância.

— Não quero vinho.

— Será melhor que beba algo, menino.

— Sim, isso te aliviará.Ao parecer, o cavalheiro não estava de acordo, mas a menina viu que não

estava em situação de discutir. O motivo não era a ferocidade dos homens que o

acompanharam a baixar a escada, mas sim tinha o coração quebrado e sua vontade

dobrada sob a carga que levava. Não ficava força para discutir.

Perguntou-se se poderia lhe aliviar a carga, mas suspeitava que inclusive o

toque que tinha herdado de sua mãe seria muito pouco útil para ajudá-lo. Quão único podia fazer era olhar os pedacinhos de vidro em sua mão e observar.

E então suas lágrimas lhe impediram de ver.

 

Capítulo 16 

Gwen estava na porta de seu quarto com a mão no ferrolho, rasgada entre

dois desejos. Desejava sair do quarto; também desejava meter-se em sua cama e não

voltar a sair jamais de debaixo das mantas.

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Era a manhã seguinte das bodas, e suspeitava que tivesse passado noites

melhores.

Não podia ocultar-se eternamente. Teria que enfrentar às pessoas do castelo,

ao Alain e suas asquerosas condições de vida. Também teria que enfrentar ao Rhys.

Fez uma inspiração profunda e abriu a porta. Os irmãos Fitzgerald estavam

em seus postos de costume. Afastaram-se sem fazer comentários. Passou entre eles e

levantou a vista para olhá-los. Connor sabia que era ele por esse gesto carrancudo que

 parecia ter pegado à cara, não a olhou aos olhos. Olhou ao Jared; pelo visto tampouco

ele estava decidido a olhá-la, mas teve a impressão de que sua resolução por parecer 

carrancudo era mais fraca que a de seu irmão; franziu os lábios, tratou de ficar carrancudo, mas não o conseguiu. Sorriu-lhe, mas o sorriso lhe saiu menos que feliz.

Ele descruzou os braços e lhe apoiou a mão no ombro um breve instante;

ante um grunhido do Connor se apressou a voltar para sua postura de árvore.

Essa foi à demonstração de compaixão dos Fitzgerald.

Gwen empreendeu a marcha pelo corredor; assim que tinha avançado uns

quantos passos ouviu o rumor de seus grunhidos atrás dela e ao seu pesar isso aconsolou um pouco; ao menos teria uma espécie de companhia.

Então levantou a vista.

Ali, iluminado pela tênue luz que entrava por uma fresta, estava justamente à

 pessoa a quem mais desejava evitar. Tinha um ombro apoiado na parede de pedra, em

 postura negligente, os braços cruzados sobre o peito, o rosto em penumbra. O rubi do

 punho de sua espada se via apagado e sem vida na escuridão.«Salve, capitão de minha guarda!», pensou ela sem humor. Deveria sentir-se

adulada. Qualquer mulher se sentiria fora de si de alegria por estar protegida por um

homem de sua fama.

Mas não ela; ela desejava chorar.

Ele não se moveu. Em realidade dava a impressão de estar esperando que ela

se aproximasse.

Deteve-se diante dele. Não foi capaz de sorrir, nem sequer era capaz de falar.

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Pelo visto ele não tinha muito mais que dizer que ela. Olhou-a fixamente,

com expressão triste, lúgubre. Seu aspecto indicava que acabava de passar uma noite

ainda mais desagradável que a dela. Tinha os olhos avermelhados e seus cabelos e sua

túnica molhados. Ela teria suspeitado que tivesse bebido até perder os sentidos e

depois caído no fosso, mas não, não tinha esse mau aroma. Talvez tivesse passado a

noite passeando de um lado a outro e ao amanhecer molhou a cabeça em uma cisterna

 para refrescar-se.

Então acabou o tempo para especulações, porque ele se endireitou, separou-

se da parede e voltou a cruzar os braços sobre o peito. Ao princípio ela tinha suposto

que adotava essa postura com tanta freqüência porque assim intimidava, mas nessemomento pensou que talvez fosse uma forma inconsciente de proteger o coração.

Rhys limpou a garganta.

— Você...?

Voltou a limpar a garganta.

— Fez-te mal? — sussurrou com voz rouca.

Ela negou com a cabeça, muda.— Então viverá outro dia.

Ela assentiu. Acreditava. Suspeitava que se ela tivesse respondido de outro

modo, o tempo de Alain para seguir dentro de sua armação mortal seria muito curto.

— Foi muito impessoal...

Interrompeu-se bruscamente ao ver que ele jogava a cabeça para trás, como

se o tivesse golpeado.— Não quero ouvir nada disso, disse ele entre dentes.

— Então não direi nada, aceitou ela.

Nada podia ser melhor para ela.

Rhys descruzou os braços e estendeu as mãos para ela, mas imediatamente as

retirou e as pegou a seus flancos. Limitou-se a olhá-la jogando fogo pelos olhos.

— É minha, sussurrou em tom áspero.

— Rhys...

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— Foi minha antes que dele.

— Mas agora sou...

— Segue sendo minha, e te terei ou morrerei tentando.

Ela moveu a cabeça e ficou em pontas de pé para lhe pôr a mão sobre a boca,

mas ele retrocedeu negando com a cabeça.

— Terei-te, insistiu.

Dito isso se girou sobre seus pés e se afastou rapidamente.

— Fitzgeralds, ladrou por cima do ombro. Venham comigo.

Os guardiões de Gwen o seguiram obedientemente. As mãos do Connor já

foram acariciando os punhos de suas espadas, por isso ela supôs que se entretinha deantemão em algum tipo de exercício no campo de batalha.

Considerou suas opções para manter-se ocupada esse dia. Poderia escrever a

sua mãe para lhe dizer que deveria agradecer que Hugh não lhe tivesse permitido

assistir às bodas. Ele tinha alegado que não havia espaço nos carros de bagagem, mas

Gwen suspeitava que seu verdadeiro motivo fosse ter um convidado menos às bodas

 para assim ele engolir mais o que de bom tinha para oferecer a despensa de Ayre. Masescrever a sua mãe só recordaria o que tinha perdido, e isso ela não poderia suportar.

  Nem sequer a idéia de começar a fazer habitável o castelo despertava o mínimo

entusiasmo.

O único que ficava então era encaminhar-se sigilosamente ao campo de

 batalha para ver o que faziam ali os homens. Ao parecer o dia estava cinza; colocaria

uma capa e assim passaria inadvertida. Senão para outra coisa, seu dia de mercenário atinha preparado para isso.

Sem pensar duas vezes, voltou para seu solar, pôs uma capa e logo se dirigiu

ao campo de batalha. Já estava a ponto de chegar quando se chocou com sir 

Montgomery.

Ele se inclinou em uma profunda reverência.

— Mil perdões, senhora. Deveria tê-la visto.

Com um gesto da mão lhe indicou que não eram necessárias suas desculpas.

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— A culpa foi minha. Não tem importância.

— Ah, mas eu devo lhe dar importância. Agora sou membro de sua guarda

 pessoal, e meu capitão se zangaria muitíssimo se soubesse que estive a ponto de lhe

atirar ao chão.

Ela o olhou surpresa.

— Mas se foi o capitão do guarda de Lorde Bertram. Como é que...?

— As voltas do destino, milady.

— Rhys possui muito descaramento para pensar em te dar ordens.

-Possui mais habilidade com a espada que descaramento, e te asseguro que o

segundo o possui em abundância. Senão me tivesse derrotado tão completamentequando discutimos o assunto, talvez eu não estivesse tão disposto a lhe obedecer.

— Bom, disse ela, sem saber se lamentava por ele ou não, alegra-me te ter,

se isso importar.

Dirigiu-lhe um sorriso tão alegre como de costume.

— Importa-me muitíssimo, senhora, e estou feliz de te servir. Por volta de

onde vai agora? Encarregarei-me de que chegue a salvo ali.— Pensava me apoiar nas muralhas do campo de batalha para observar o que

se passa ali abaixo.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Seu marido está ali; e o capitão Rhys também, é obvio.

— Estão combatendo?

Ele fez uma piscada pícara.— Bom, isso sim seria digno de ver-se. Não, senhora, eu diria que Lorde

Alain tem poucos desejos de cruzar sua espada com alguém que não seja de sua

guarda pessoal.

Não lhe cabia a menor duvida disso; nenhum deles se atreveria a derrotá-lo.

— Mas Rhys ainda não tem totalmente curada as costas, disse. «Não saberia

eu», acrescentou para seus botões.

— Ah, mas está de um mau humor terrível. Isso é mais que suficiente para

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compensar o que lhe falta de forças.

E provavelmente motivo mais que suficiente para que Alain se manter a uma

distância prudente. Essa era a primeira decisão judiciosa que via o homem tomar.

Passados uns momentos, já tinha escolhido uma cômoda pedra onde apoiar-

se e contemplava atentamente o que ocorria abaixo. Foi fácil distinguir ao Alain; fazia

mais ruído com a boca que com a espada, enchendo o ar com seus ridículos alardes e

comentários sobre sua perícia. Gwen se perguntou como suportariam seus homens

treinar com ele; a julgar pela forma um tanto ineficaz com que movia a espada, não era

muito o tempo que dedicava a treinar no campo de batalha.

Não como o homem que estava no outro extremo do campo.Viu que Rhys estava frente aos Fitzgerald, e se perguntou com qual deles

combateria primeiro. Viu que cada um dos gêmeos desembainhava uma espada

enquanto Rhys desembainhava duas. Então compreendeu que se propunha a lutar com

os dois ao mesmo tempo.

Montgomery assobiou pelo baixo e soltou uma risada.

— Que coragem tem esse pirralho!— Não o conseguirá, disse ela.

Ele a olhou sorrindo.

— Alguma vez o viu fazê-lo?

— Vi-o combater no castelo de meu pai, mas isso foi faz vários anos.

— Melhorou após. Deve estar muito, muito irritado esta manhã.

 Normalmente não luta com os dois ao mesmo tempo.Gwen sabia que Rhys estava furioso e sabia exatamente por que. E enquanto

o observava lutar com esses dois gigantes, perguntou-se se Alain saberia que tipo de

tempestade se estava preparando em seu castelo. Desviou a vista para seu marido e viu

que estava olhando furioso para o Rhys; ao vê-lo observar o combate de seu capitão,

suspeitou que Alain soubesse muito bem o que passava sob seu teto; também

suspeitou que não tivesse nenhum desejo de reconhecer isso.

Rhys continuava mantendo a raia aos Fitzgerald. Alain voltou à atenção para

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seu exercício, aumentando o volume de sua voz e a arrogância de seus comentários

 jactanciosos.

Rhys lhe havia dito que a possuiria. Enquanto o observava combater, decidiu

que se alguém era capaz de fazer realidade essas palavras, esse era ele.

Incorporou-se e voltou para o corredor para não seguir pensando nisso. Sair a

olhá-lo tinha sido um engano. Seria melhor concentrar-se em algo que pudesse

controlar, por exemplo, o lixo do castelo do Alain. Atacaria os montões de lixo e se

ocuparia de que os jogassem muito longe das muralhas, onde não a incomodassem

mais.

Lástima não poder fazer isso mesmo com o homem com o qual seencontrava casada.

***

Rhys entrou na sala grande depois de sua manhã de exercícios, igual como otinha feito durante esses dois meses: em silêncio, sua fúria sem apaziguar. Tinha

esgotado aos Fitzgerald até os ossos, feito morder o pó ao Montgomery e chorar de

cansaço ao John.

E o sol seguia saindo.

Alain seguia vivo.

Gwen seguia casada.Seu único consolo era saber que tinha a ordem de permanecer perto dela a

toda hora. Talvez tomar o tempo para treinar era algo que não devia fazer muito, mas

não se sentia absolutamente culpado por isso, porque Gwen ia com freqüência ao

campo de batalha para olhá-lo, e quando não ia, ele deixava os Fitzgerald apostados

em sua porta.

Esses eram os dias que não gostavam nem o Montgomery nem ao John.

Mas assim tinham transcorrido os dias. Tinha treinado, tinha considerado

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todas as maneiras possíveis para liberar o Gwen de seu matrimônio. Tinha falado com

ela sobre a possibilidade de obter a anulação.

Tinha pedido um milagre; não se tinha produzido nenhum.

Olhou para a mesa alta para ver quem estavam ali. Viu o Alain reclinado em

sua cadeira com a expressão de ter desfrutado de uma boa comida. Franziu os lábios; o

atual senhor do Ayre jamais passava mais tempo do necessário no campo de batalha

quando isso lhe obstaculizava dedicar tempo à mesa. Hugh se sentiria orgulhoso dele.

Rollan estava sentado em seu lugar de costume, o mais perto possível de seu

irmão. Talvez assim lhe fosse mais fácil sussurrar seu ódio aos ouvidos do Alain.

Gwen estava sentada ao outro lado do Alain, o mais longe que lhe permitiasua cadeira. Rhys meio se perguntou para que se dava a esse trabalho; o único que se

 podia dizer do Alain a esse respeito era que estava resolvido a fazer caso omisso de

sua esposa. Isso não podia fazê-lo mais feliz a ele; bom, se pudesse contar com que

também de noite fizesse caso omisso dela.

Satisfeito de não ver nada inquietante, foi sentar se a uma das mesas

inferiores a comer do que restava. Tinha comido pior em certas ocasiões, e inclusive,durante seus primeiros meses na França, quando foi ganhar seu ouro, houve vezes em

que não comeu nada; mas certamente tinha comido melhor que no Ayre. Em que pese

a todos seus esforços, Gwen não tinha conseguido melhorar a cozinha; tinha

conseguido tirar a maior parte do lixo do pátio de armas e da sala grande, mas não

tinha conseguido tirar de seu posto o cozinheiro nem animá-lo a produzir melhores

comidas. Recreou-se na agradável lembrança de duas das comidas feitas no Segrave.Com sorte conseguiria convencer ao Gwen de que lhe conviria fazer uma viagem a sua

casa. Não lhe viria mal ter algo saboroso para comer.

— O que tem de mau na comida?

Rhys levantou a vista e viu o Alain olhando a Gwen furioso. Ela se limitava

a pestanejar, surpreendida, sem dúvida, por esse estalo.

— A comida? — perguntou ela.

— Esta é a primeira vez há dias que se digna baixar a comer. Não me vais

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deixar envergonhado rechaçando minha comida! — gritou, jogando para trás sua

cadeira e ficando de pé.

Rhys não pensou, saltou. Como se arrumou para atravessar toda essa

distância e chegar à mesa em tão pouco tempo, não sabia. Só sabia era que a mão do

Alain ia cair sobre a cara de Gwen, e que ele devia estar ali para impedi-lo.

— Se domine, milorde, disse, pondo Gwen detrás dele.

— Cão insolente, te faça a um lado! Golpearei onde todos possam ver. A ver 

se assim se cura de uma vez por todas de sua desobediência.

— Sofrerei eu em seu lugar...

Ia continuar, mas o interrompeu uma forte cotovelada do Gwen nas costas.— Bata-me se quer, disse ela aparecendo por um lado do Rhys e olhando

furiosa ao seu marido, e perca assim ao seu bebê.

— Um bebê? — repetiu Rhys voltando-se para olhá-la.

— Um filho? — perguntou Alain, como se o bebê só pudesse ser um varão.

— Sim, um bebê — disse ela, afastando ao Rhys para enfrentar cara a cara

ao seu marido. E me tirará isso do corpo se me levantar a mão.Alain a olhou de cima abaixo com olhos avaliadores.

— Suponho que poderia estar gerando. Ainda não tiveste suas regras e

estamos oito semanas casados.

Rhys olhou ao Alain e pela primeira vez o viu sorrir. Não era nada agradável

ver esse sorriso.

— Bom, continuou Alain alargando o sorriso. Parece que agora posso meocupar de outras coisas. Piaget vigia que se cuide bem, senão responderá ante mim.

Esta tarde vou ao Canfield, já atrasei muito a visita ali. Acredito que antes de ir, sairei

à caça. Sim, joguei muito de menos isso.

Dito isso se afastou, e continuou ilustrando aos que o rodeavam sobre seus

 planos para o futuro imediato.

Rhys se voltou para o Gwen bem a tempo de impedir que caísse ao chão.

Agarrou-lhe os braços e a fez sentar em sua cadeira.

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— Sente-se mau? — perguntou-lhe, inclinando-se a lhe olhar a cara.

— Não se aproxime tanto, disse ela lhe fazendo um gesto com a mão para

que se afastasse.

Ele se endireitou, pensando se devia sentir-se tão ofendido como desejava.

— Seu fôlego — disse ela, agitando a mão diante de seu nariz.

Bom, isso sim o ofendeu.

— Todo tipo de aromas, continuou ela. Quase não os posso suportar.

Bom, isso o fez sentir-se um pouco melhor.

— Acredito que sei quem pode te dar um remédio, ofereceu ele. Se quiser.

Ela o olhou e ele viu algo em seus olhos; não soube bem se era pena ouvergonha.

— Vou lhe dar um filho, murmurou ela em voz baixa.

Ele assentiu.

— Agora não pode haver...

Ele compreendeu que ia dizer «anulação», e tossiu forte para encobrir o som

e desejou que Rollan não tivesse visto o movimento de seus lábios.— Vamos ver o senhor Sócrates, disse ele lhe agarrando a mão e levantando-

a. Olhou ao Rollan e inclinou a cabeça. -Se nos permitir isso, milorde.

Sem esperar resposta pôs-se a andar puxando Gwen. Sentiu mais que viu os

Fitzgerald ficar detrás dela para segui-los. Quando passaram pelas cozinhas conseguiu

acrescentar ao Montgomery e ao John à comitiva. E todo o tempo tratando de não

 pensar no que acabava de inteirar-se.Um filho.

Não, já não poderia haver anulação. Já não havia possibilidades de milagre.

Se conseguisse liberá-la seria mediante seu próprio suor; perguntou-se se teria

suficiente para a empresa.

Continuou caminhando porque não havia nenhuma outra coisa que pudesse

fazer.

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Capítulo 17 

Gwen seguiu ao Rhys pela cozinha esforçando-se para conter o fôlego.

Maldito cozinheiro teimoso do Alain. Suspeitava que provavelmente se sentisse

melhor se conseguisse instalar ali a uma pessoa um pouco mais, não, muitíssimo mais

asseada.

— Aonde vamos? — conseguiu dizer.

— Ver o senhor Sócrates, o curandeiro de Lorde Bertram. Não goza do favor 

do atual senhor, e, portanto está sepultado no porão, mas prepara poções bastante boas

de todo modo.

Tomaria algo para firmar o estômago, pensou ela, mas à medida que se

aproximavam de seu destino, mais segura estava de que não conseguiria reter nem

sequer a parte da casca de pão que tinha conseguido ingerir essa manhã e muito menos

uma poção.

Seus guardas não entraram com ela no corredor; deixou-os vagabundeando

  junto aos barris de cerveja e apareceu com o Rhys num diminuto quarto. Por 

 precaução cobriu a boca com a mão. Um ancião enrugado estava junto ao fogo muito

concentrado em mover o conteúdo de uma panela. Perto dele estava uma menina

observando com igual concentração.

— Senhor Sócrates, disse Rhys. Lady Gwennelyn se sente mal. Tem algum

remédio para lhe dar?

O ancião levantou a vista, olhou-a por debaixo de suas entupidas

sobrancelhas e franziu o cenho.

— Sente-se mal? Talvez te assentou mal algo que tomou. Carne picada?

Enguias podres?

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— É o bebê, sussurrou a menina.

Gwen a olhou surpresa; ainda não tinha anunciado a ninguém a notícia.

— Um bebê, né? Vem então, milady, servirei-te uma tigela do que tenho no

fogo neste momento. É uma beberagem inventada por mim com vários ingredientes

que a outros não ocorreria combinar.

Gwen se aproximou, apertando mais fortemente a mão sobre a boca. De

repente teve que usar os dedos para tampar o nariz.

— O que são esses pontos negros? — conseguiu perguntar.

— Flocos de insetos secos. Acrescenta um sabor algo inespe...

E a ele seguiu o conteúdo de seu estômago. Gwen compreendeu que deveriasentir mais remorso que o que sentia, mas esse era o único recipiente a mão para

vomitar, justamente diante dela.

Continuou tendo náuseas até que lhe esgotaram as forças, e então se viu

girada e sustentada por uns fortes braços.

— Ah, querida — lhe sussurrou Rhys, lhe friccionando brandamente as

costas, não sabe que nunca se pergunta a um curandeiro o que põe em suas poções?— Agora sei — grasnou ela, agarrando-se a túnica dele para sustentar-se

direita.

— Talvez uma infusão de ervas calmante senhor Sócrates, sugeriu Rhys.

Por cima do ombro, Gwen viu que o ancião estava contemplando sua panela

com expressão de profunda consternação.

— Suponho que poderia prepará-la, disse o ancião pensando. Tenho aquialgumas coisas a mais que poderia adicionar...

— Talvez só uma ou duas ervas, interrompeu Rhys amavelmente.

O senhor Sócrates parecia disposto a discutir; olhou a Gwen.

— Só uma ou duas? — perguntou passando a mão por sua colher de pau.

Gwen soltou um arroto que não conseguiu conter.

— Só uma, disse o senhor Sócrates suspirando.

Muito em breve Gwen se viu depositada em um tamborete com as costas

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apoiada em uma parede fria. Não soube bem o que a fazia melhorar, se o frio ou estar 

sentada. Ou talvez era saber que Alain ia partir do castelo e com isso acabaria a

opressão de sua presença.

Então talvez pudesse ver um pouco mais ao Rhys. Isso não era o que

convinha ao seu pobre coração, mas não podia evitar desejá-lo.

Nesse momento ele estava curvado diante da menina, sorrindo-lhe e lhe

dizendo palavras doces. A inveja se apoderou de Gwen; nem sequer podia dar o luxo

de ter com ele uma conversa assim, mesmo que ele estivesse perto dela na maior parte

do dia. Não havia nem um só momento em que ela não se cuidasse de não repousar 

muito tempo seu olhar nele, de não lhe sorrir com muita doçura e alertar assim de seusverdadeiros sentimentos aos que a rodeavam.

Se tivesse tido a oportunidade de aperfeiçoar suas habilidades mercenárias,

se daria muito melhor o artifício, e seria capaz de superar o engenho de seu marido,

embora em realidade isso não requeria muito esforço; mas sempre estava Rollan,

seguindo ao seu irmão como sua sombra, e lhe assinalando o que Alain não via.

Deixaria Alain ao Rollan no castelo para que o informasse de suas atividades, ouconfiaria em que Rhys cumpriria o ordenado e gravaria em sua memória o que ela

fazia? Mas embora não estivesse Rollan, havia muitos outros no castelo aos que lhes

agradaria muitíssimo advertir e depois informar de cada olhar, de cada sorriso, de cada

manifestação de seu afeto pelo homem que estava a menos de cinco passos dela.

E esse só pensamento bastou para fazê-la desejar vomitar de novo.

Meteu as mãos pegajosas sob as axilas e apoiou as costas na parede de pedra.Tinham falado a retalhos sobre como conquistar sua liberdade; a única solução que

lhes ocorreu era a anulação. E isso já não era possível.

O que podia fazer? Fugir com o Rhys a França levando com ela o herdeiro

do Alain? Ou deixar ao bebê no castelo? Parecia-lhe quase impossível que tivesse

ficado grávida tão rápido, mas não podia negar que era isso a estranha enfermidade

que a afligia. Era possível que não sentisse nada pelo bebê uma vez que nascesse, mas

sua experiência com bebês lhe dizia que não seria assim; sempre que agarrava a um

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em braços se sentia absolutamente conquistada por ele ou ela. Não, não poderia deixar 

o seu bebê, e dificilmente poderia levá-lo com ela. Ela não significava nada para o

Alain, e suspeitava que ele pudesse sentir-se bastante aliviado se ela desaparecesse,

mas seu filho?

Pentearia a Terra inteira para encontrá-lo. Não, não haveria paz por esse

lado.

Sentiu posar uma mão grande e quente em seus joelhos e abriu os olhos.

Rhys estava ajoelhado diante dela, e a olhava preocupado.

— Segue sentindo-se mal?

— Sim, conseguiu dizer ela.Secou-lhe as lágrimas que ela não sabia que lhe corriam pelas bochechas.

— Oh Gwen, sussurrou ele lhe estendendo os braços. Vêem aqui, meu amor.

— Não — respondeu ela, agitando com tanta violência a cabeça que todo o

quarto começou a girar.

Ele piscou surpreso.

— Mas...— Não, Rhys, não deve me tocar.

— Não devo te tocar, repetiu ele.

— Nem sequer um toque inocente.

— Mas se Alain partir hoje. Não haverá ninguém aqui para ver nada. Olhou-

a, novamente carrancudo. Não vejo que mal há em um toque inocente de tanto em

tanto. Parece-me que não te estou propondo um pouquinho de adultério para passar otempo.

— Não pensei isso. Além disso, não é por eles, é por mim.

— Por ti?

— Sim, assentiu ela. Não posso suportá-lo.

— Não pode suportá-lo, repetiu ele.

Não, isso não ia bem. Agarrou-lhe as mãos e as separou dela brandamente.

— Devemos esquecer o que ocorreu entre nós.

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— Devemos...

— Não posso viver sob o mesmo teto contigo os dois próximos anos se seu

contato me recordar à noite que passamos juntos — exclamou, já exasperada de que

ele só repetia o que ela dizia. Vamos sobreviver melhor se o deixarmos atrás.

Isso ao menos conseguiu deixá-lo calado.

— Teremos nossas conversações — continuou ela, como se isso fosse

 justamente o que ia salva-los. Pode me cantar, como fazem os cavalheiros nas histórias

que interpretavam os menestréis de minha mãe. Pensou um momento. Sabe cantar,

não é?

— Nenhuma só nota, grunhiu ele.— Ah — disse ela, com uma deixa de decepção. Bom, então talvez possa me

relatar as trovas que sem dúvida ouviu em suas viagens. Ouviste trovas?

— Mais do que podia tragar.

Gwen teve a impressão de que seu plano não o entusiasmava tanto como a

ela. Mas sabia que essa era a única maneira, de modo que continuou adiante, fazendo

caso omisso da formidável careta que exibia sua cara nesse momento.— Assim é como se faz, o informou. O cavalheiro adora a sua dama de

longe, lançando-se ao combate com seu lenço no braço, compondo trovas a sua beleza

e bondade, e fazendo tudo o que faz em seu nome e pela glória de seu amor por ela.

— Tudo de longe?

— Sim, ou ao menos isso eu ouvi.

— E seu lenço?— Acredito que já o tem — respondeu ela, sentindo que lhe acendiam as

 bochechas. E mais de uma vez, se não me falhar a memória.

Ele se limitou a olhá-la jogando fogo pelos olhos.

— É a única maneira — insistiu ela, entrelaçando fortemente as mãos para

lhes impedir de tocar o do que outra maneira poderia ser? — Então teve um relâmpago

de intuição. Talvez nos resultaria mais fácil se nos considerássemos companheiros de

armas.

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Ele ficou boquiaberto.

— John está constantemente ao seu lado e se sente feliz assim. Se tentarmos

fazer isso mesmo, falando sempre de espadas e dessas coisas de cavalheiros, talvez

nos fossem mais fácil.

— Espadas e essas coisas, repetiu ele. Espadas e essas coisas? — voltou a

dizer em tom mais entusiasmado.

Ao menos ela pensou que era entusiasmo o que o fazia elevar a voz dessa

maneira.

— Vê? Já começa a valorizar a sabedoria de meu plano. Devemos deixar de

lado o que ocorreu entre nós e a partir de agora em adiante nos considerar simplescompanheiros de armas. É um plano muito sensato.

Levantou a vista e viu que o senhor Sócrates estava inclinado para ela com

uma taça fumegante de algo. Aceitou-a duvidosa e cheirou o conteúdo. O aroma era

 bastante passável e não se via nenhum ponto escuro flutuando na superfície, de modo

que se armou de coragem e bebeu um gole.

— Muito agradável — disse, sorrindo ao ancião.— Insípido, se quiser meu parecer— disse ele suspirando, mas não se pode

 jogar com o ventre de uma mamãe.

Gwen terminou de beber a infusão, devolveu a taça ao ancião e voltou a

olhar a Rhys, que não se moveu nem trocou sua expressão de intensa irritação.

— Venha, meu amigo — disse alegremente, vamos e deixemos em paz a este

 bom homem com seu trabalho. Esta tarde possivelmente poderia me ajudar a melhorar minha esgrima. De repente me sinto notavelmente melhor.

— Meu amigo? — repetiu ele, com voz afogada.

— Sim, disse ela assentindo com firmeza.

Pareceu-lhe que ele sentia um forte desejo de estrangulá-la. Viu entrar a idéia

em sua cabeça e logo observou como ele pesava as vantagens dessa idéia. Então a

olhou com muita ferocidade, incorporou-se em toda sua enorme estatura e disse em

tom grave:

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— Se crê que o que aconteceu nós se pode esquecer facilmente...

— Não disse esquecer...

— Deixar de lado, então! — gritou ele. Deixar de lado como se não fosse

nada.

— Tampouco disse que não fora nada, conseguiu dizer ela aproveitando que

ele fazia uma funda inspiração.

— Não serei seu amigo! — rugiu ele. Santos do céu, mulher, que tipo de

homem crê que sou?

— Um homem honrado, certamente — disse uma voz arrastada da porta. E

um cujo senhor se está preparando para partir a outro castelo. Não acha que deveriaestar ali para se despedir ao menos?

Através das largas pernas do Rhys, Gwen viu o Montgomery perto da porta,

observando-os com um olhar muito especulativo. Levantou-se com muito cuidado,

comprovou que tinha os pés firmes e levantou a vista para o Rhys.

— Será melhor que façamos de conta. Sem dúvida Alain deseja nos ver 

apropriadamente inconsoláveis por sua partida.— Você vai ao seu dormitório descansar, grunhiu ele. E não vou aceitar 

discussão nisso.

Essa era uma alternativa muito mais atraente que ver seu marido, de modo

que assentiu, passou por seu lado, voltou a dar as graças ao senhor Sócrates, sorriu à

menina que estava junto ao fogo olhando-a e saiu do quarto.

Continuou caminhando embora sua vontade fosse se jogar ao chão com umataque de pranto. Tinha posto um sorriso alegre em sua cara e sugerido o plano mais

sensato que lhe podia ocorrer, mas se sentia mais que um pouco desgraçada. Por todos

os Santos do céu, como ia suportar outro par de anos com esse homem sempre ao seu

lado, mas jamais ao seu alcance?

Considerando-o um companheiro, disse-se.

— Amigo é um corno, resmungou Rhys detrás dela.

Gwen quase sorriu ao ouvi-lo. Com o tempo ele chegaria a estar de acordo

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com ela, porque sabia que tinha razão. Formariam seu próprio batalhão de dois.

Ensinaria-lhe esgrima e outras habilidades necessárias. Ela tinha pouco para lhe

oferecer, mas ao menos sabia cantar. E sabia ler. Talvez pudesse lhe ensinar isso em

troca de umas quantas aulas com a espada; e talvez com o jogo de dados.

Não, com o jogo de dados não, pensou em seguida. Isso só lhe evocaria

outras lembranças nas quais já não suportava pensar. Mas o outro sim o obteria.

Sim, era um plano muito sensato.

 

Capítulo 18

Era o plano mais ridículo que tinha ouvido em toda sua vida.

Rhys depositou Gwen dentro de seu dormitório e fechou a porta antes de cair na tentação de ceder ao avassalador impulso que ardia em seu interior: o de

estrangulá-la. Enquanto subia furioso a escada detrás dela, tinha conseguido recuperar 

o resto de sua guarda; dita guarda estava reunido a seu redor fora da porta de Gwen.

Fixou um irritado olhar ao John.

— Atende-a.

— Devo? — perguntou John com a cara larga.— Sim.

— Mas aonde vai?

— Ao campo de batalha, grunhiu ele. Necessito de exercício para esfriar 

minha cólera.

— Eu poderia ficar também, se ofereceu Montgomery com um sorriso.

Rhys olhou aos Fitzgerald e calculou quanto tempo lhe levaria despachá-lose quanta irritação restaria depois disso. Moveu a cabeça.

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— Terei necessidade de ti depois. Virá comigo.

— Acredito que prefiro ficar aqui, insistiu Montgomery.

— Sim, acrescentou John, deveria ficar e então eu iria contigo.

— Asseguro-te, John — grunhiu Rhys, que estará muitíssimo mais a salvo

aqui custodiando a sua irmã por matrimônio.

Fez um gesto aos gêmeos e ao Montgomery para que o seguissem, percorreu

a grandes pernadas o corredor, baixou as escadas e chegou à sala grande.

Alain e Rollan estavam junto ao lar embelezados com trajes de viagem. Isso

era um bom presságio.

— Boa viagem, milorde — disse ao Alain quando passou junto a ele.— Recorde seus deveres, respondeu Alain.

— E se recorde de não aumentar os problemas, acrescentou Rollan.

Rhys fez uma profunda inclinação ante o Alain e se dirigiu a passos

enérgicos para a porta. Quão último desejava era ouvir o veneno de Rollan através da

 boca de Alain.

Encaminhou-se rapidamente para o campo de batalha, seguido pelos trêsmembros da guarda de Gwen. Uma vez ali se deteve a considerar qual dos três lhe

daria o menor problema e o maior prazer, para despachar primeiro. Montgomery seria

uma boa opção se só necessitasse estirar os músculos, mas não lhe serviria de nada

 para esfriar a ardente irritação que lhe corria com força pelas veias. Talvez lhe

conviesse reservá-lo para o final, a modo de sobremesa depois de ter-se fartado com

uma comida suculenta.Olhou aos gêmeos e decidiu começar com o Jared. Connor estava sorrindo, o

que nunca era um bom sinal e acariciando seu par de espadas. Precisava fazer um

 pouco de aquecimento antes de enfrentar essas caras sorridentes.

Isso não queria dizer que Jared fosse um espadachim de qualidade inferior ao seu irmão. Enquanto parava

seu repentino ataque, teve que reconhecer que na realidade, tratando-se de esgrima, não poderia ter tido dois professores

melhores. Eram enormemente corpulentos, excepcionalmente fortes, e ardilosos como raposas. Mas não em vão ele tinha

vencido a mais de cem cavalheiros no continente, lhes perdoando a vida por um resgate. Teve que se esforçar um

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 pouquinho, mas logo chegou o momento em que Jared pediu misericórdia. Só teve um instante para estirar a mão e

desembainhar a espada de Montgomery quando Connor se lançou ao ataque, ainda sorrindo.

Santos do céu, isso era suficiente para produzir calafrios em qualquer um.

Certamente Connor parecia gozar desse duelo a duas espadas, porque logo se

alargou seu sorriso. Quando tocou ao Rhys com um reverso particularmente perverso,

riu muito satisfeito. As espadas brilhavam a luz do sol, e Rhys sentiu a urgência de

manter a raia o seu competidor. Nem todos os dias combatiam com uma espada em

cada mão com um homem que brandia as duas com igual perícia.

— Vamos, amiguinho, o desafiou Connor, é que não tem nada mais para me

mostrar?

«Amiguinho». Bom, pelo menos Gwen não tinha usado o diminutivo. Mas a

lembrança de como o tinha chamado tirou à superfície uma nova quebra de onda de

irritação. Não iriam se converter em companheiros de armas. Não se tratava de que,

sem lugar a dúvidas, ela conseguiria matar-se ou matá-la com a espada, mas sim de

que ele não a queria como companheiro queria-a como...

A espada de Montgomery saiu voando da sua mão. Surpreso olhou a mão

vazia e logo olhou ao Connor, que voltava a rir.

Isso não estava bem.

Deixou de lado seus desagradáveis pensamentos sobre o que desejava do

Ayre e se concentrou em descobrir a maneira de ou fazer saltar a espada de Connor ou

recuperar a de Montgomery, sobre a qual Connor tinha firmemente posto o pé.

Esse foi o começo de uma manhã muito longa e desagradável.

Quando finalmente Rhys derrotou ao Connor já era passado o meio-dia.

Corria a jorros o suor e não havia nada que desejasse mais que várias jarras de cerveja

fria.

— Agora me toca — disse Montgomery, alegremente. Vamos, Rhys, me

 permita ver o que tem em reserva para mim.

— Vá ao diabo, soprou Rhys.

— Antes que me você derrote? Uy, isso não.

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Jared pôs sua mão no ombro do Rhys.

— Trarei-te algo fresco para beber, moço. Merece isso.

— Ele merece? — exclamou Connor. O que tem feito para merecer cerveja

fresca? Dominei-o todo o tempo. E se não fosse porque conseguiu evitar meu talho

letal nos joelhos com as duas espadas...

— Terá observado, disse Jared que usou minha defesa contra esse

movimento tão feminino. Foi meu ensino que lhe valeu a vitória.

— Você ensinou? Ora, é incrível que saiba levantar uma espada depois do

que lhe ensinou você.

Rhys reprimiu o desejo de meter os dedos nas orelhas e mantê-los ali até queacabasse a discussão. Por sorte, Connor estava tão sedento de algo fresco como seu

irmão, e acompanhou ao Jared em seu caminho para a sala grande, continuando com

ele a discussão sobre qual dos dois tinha ensinado o que a quem. Rhys se apoiou em

sua espada e inspirou grandes baforadas de ar.

— Se te alivia saber, duvido de que eu tivesse podido contra eles, lhe disse

Montgomery. Esse Connor me assusta.— É tão manso como um coelhinho uma vez que sabe onde lhe arranhar,

resfolegou Rhys. Distraia-o com um elogio e é teu.

— Acredito que não o quero, obrigado de todo modo. Agora me diga o que é

o que te deixa tão mal-humorado. Não será a idéia de não voltar a ver o Alain até que

se canse de sua amante de Canfield.

— Como estou seguro de que não se moverá dali, disse Rhys, sem dúvidanão vamos precisar agüentá-lo aqui antes que nasça o bebê.

— Ah, disse Montgomery olhando-o atentamente, então o que te preocupa é

o bebê.

— Vamos ver, por que teria que me preocupar que Alain tenha um herdeiro?

— Uy, Rhys, não sou tão parvo como crê. Sei onde reside seu coração.

Rhys o olhou irritado.

— Como digo sempre, pensa muito.

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— Mas como vou evitar pensar se isso me produz percepções tão deliciosas?

Rhys lhe teria talhado a cabeça ali mesmo para lhe impedir de continuar com

o falatório, mas comprovou que estava muito esgotado para levantar sua espada.

— Eu gostaria de saber o que estavam falando você e Gwen no chiqueiro do

curandeiro — disse Montgomery, pensativo. Muitas insinuações, mas muito poucos

detalhes.

— Escutar conversas alheias é um defeito muito feio, Montgomery.

— Ofende-me — sorriu Montgomery, simplesmente ia seguindo ao meu

capitão. Não é esse um de meus deveres?

— Porque tenho a impressão de que vou lamentar até o fim de meus dias tehaver pedido que participasse desta estupidez?

— Vamos, Rhys — o repreendeu Montgomery, escolheu-me para guarda de

Gwen e isso me tirou das garras de Alain, pelo qual te estou muito agradecido. Só

 posso supor que o fez em recompensa por serviços passados.

— Serviços passados? — perguntou Rhys. Que serviço me fez no passado

além de tentar corromper minha alma inocente?Montgomery desprezou com um gesto a acusação.

— Estire sua memória, Rhys. Quem era que te contava histórias sobre a

Gwennelyn de Segrave todos esses anos em que não queria viajar conosco ao seu

castelo? Quem era que combinava as descrições de sua terra com descrições

igualmente interessantes de sua pessoa, nesses anos em que estava se convertendo na

 beleza que é agora?Rhys se limitou a olhá-lo carrancudo.

— E essa é a gratidão que recebo por essas pesadas tarefas? Por todas essas

horas de ver me obrigado a observá-la de perto, só para te dar notícias da menina?

Rhys notou que seus dedos começavam a dobrar-se como movidos por 

vontade própria.

— Hora após hora seguindo-a com meus olhos, notando cada um de seus

movimentos, observando como lhe moviam os cabelos ao caminhar, como a luz do sol

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convertia a cor clara desses olhos em um matiz que invejariam as águas da costa do

sul da França, vendo-a florescer desde menina até a formosa mulher de belas

 proporções...

Ao Rhys não surpreendeu que Montgomery trocasse o palavrório em meros

ruídos quando seus dedos lhe apertaram o pescoço. Mas se contentou lhe dar uma ou

duas sacudidas, porque no fim e ao cabo lhe tinha dado visões de Gwen que sua

covardia lhe tinha impedido de ver por si mesmo. Isso só bastava para redimir de mais

castigo à uva sem semente.

Montgomery se limitou a tirar de cima as mãos do Rhys e retrocedeu um

 passo, Sorrindo como o panaca cabeça oca que era.— Santos, moço, sim que está apaixonado.

— Como se me servisse de algo!

— Nunca se sabe o que proporciona o futuro, disse Montgomery,

encolhendo-se de ombros. Sua expressão trocou a uma mais reservada: Ah, milorde

Ayre, que tenha uma boa viagem.

Rhys se voltou a olhar, e viu que Alain e Rollan iam a caminho do estábulo.Inclinou-se junto com o Montgomery, desejando que seu alívio ao vê-los partir não

fosse tão visível como temia que fosse. Não lhe cabia dúvida de que Alain teria

espiões por toda parte para observar todos os seus movimentos e os de Gwen, mas isso

ele podia suportar.

Então moveu a cabeça admirado de sua vaidade. O que podia lhe importar ao

Alain o que fizessem ele e Gwen? Como se tivesse alguma intenção de respeitar osvotos do matrimônio. Canfield era o lar de Rachel, a irmã de Lorde Edward de

Graundyn. Estava solteira e com toda probabilidade continuaria assim, porque suas

terras estavam em mãos de seu irmão, e este estava muito pouco disposto a renunciar a

elas. Mas sim as arrumava para esquentar sua cama com qualquer número de homens,

casados ou solteiros. Que Alain se acreditasse o único que vadiava ali entre os lençóis

simplesmente demonstrava o grau a que chegava sua estupidez. Quanto ao Rollan, só

os Santos sabiam em que andaria metido enquanto isso, mas Rhys se contentava em

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saber o que faria suas andanças em algum outro castelo. Pelo menos ele e Gwen

estariam a salvo desses olhos curiosos. Embora o que haveria para ver, não sabia

muito bem.

Essa só verdade lhe inspirou um intenso desejo de sentar-se e chorar. Ela

 pertencia ao Alain; estava grávida do bebê de Alain. Certamente já tinha passado o

momento para a anulação. A única alternativa que restava era o divórcio, mas provar 

que Alain continuava levando a cama as suas putas seria dificilíssimo. Tinha sérias

dúvidas de que Alain tivesse respeitado a santidade de sua noite de bodas não saindo a

 procurar depois outras companhias pelo castelo.

A verdade era que não sabia, porque quase não tinha visto nenhum dosacontecimentos dessa noite, graças à quantidade de licor que lhe tinham feito tragar os

Fitzgerald. E se por algum milagre tivesse sido testemunha de algum deles, o teria

esquecido muita em breve graças ao despertar que teve na manhã seguinte antes da

alvorada: um instante estava roncando e no seguinte estava bufando sob um dilúvio de

água fria. Ao incorporar-se bruscamente, viu que estava em uma cama improvisada

em um rincão esquecido do porão, nu e sem ter idéia de como tinha chegado ali. Eenquanto isso os Fitzgerald o contemplavam desde sua enorme altura, com expressões

ferozes, cada um com baldes de água vazias em suas mãos.

Certamente não foi essa uma boa forma de começar o dia que, com toda

segurança, seria o mais infernal de sua vida.

Gwen estava casada. E não com ele.

— Olhe, falando de nosso anjo, ali vem — disse Montgomery com umsuspiro de felicidade. Só olhá-la é suficiente para me romper o coração.

«O meu também», pensou Rhys, sacudindo lentamente a cabeça. Como

 podia alguém imaginar que ele seria capaz de custodiá-la nos dois anos seguintes sem

desejá-la? Só vê-la era suficiente para fazê-lo cair de joelhos.

Vinha vestida com a roupa de John, o que a essas alturas já não o surpreendia

absolutamente. Pelo menos o moço não ia vestido com suas saias; John estaria tão

agradecido disso como ele, sem dúvida. Trazia com ela a espada roubada, e Rhys

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 pensou quem poderia ser o culpado, porque estava seguro de que a tinha escondido

muito bem entre suas coisas. Algum dia teria que tomar o tempo para encontrar o seu

verdadeiro proprietário e lhe pagar a essa pobre alma. Ou isso ou teria que mandar 

fazer uma de peso adequado para ela. Com essa espada jamais conseguiria aprender 

esgrima.

— Já partiu?— perguntou ela.

- Sim, senhora, respondeu Montgomery com uma profunda inclinação.

Agora pode praticar seu esporte livremente, acrescentou olhando ao Rhys com uma

sobrancelha arqueada.

Rhys fez como se não o tivesse visto.— Pensava que estava descansando, disse a ela.

— Já descansei — se apressou a responder ela, e agora vim para minha lição.

Ele recordou claramente a última lição que lhe tinha dado. Pelo rubor que

cobriu a cara dela, compreendeu que ela também a estava recordando.

— De esgrima, acrescentou ela.

— Do que se não? — resmungou ele.— Do que se não? — repetiu Montgomery.

Rhys deu um saudável empurrão ao Montgomery e olhou novamente a seu

aspirante a aprendiz. A julgar por todas as aparências, estava disposta e desejosa de

aprender.

— O que quer que faça primeiro? — perguntou-lhe ela.

Ele teve na ponta da língua a frase «Tire esse maldito anel do Alain e foge aFrança comigo», mas se absteve de deixá-la sair. Por desgraça, esse era só o começo

das coisas que desejava fazer com ela.

Desejava que o voltasse a olhar como o olhou essa noite em que foi vê-lo seu

quarto; desejava que o rodeasse com seus braços e lhe dissesse que não podia viver 

sem ele ao seu lado; desejava que lhe tirasse timidamente a roupa, como tinha feito

essa noite, que o acariciasse com seus dedos frios e trêmulos, e lhe aproximasse a boca

 para seus beijos doces e largos.

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«Não é tua», disse uma voz dentro de sua cabeça.

Rebateu-a irritado. Seguro que havia algum anjo em alguma parte

escrevendo tudo o que fazia em sua vida, e teria cotado que antes que Alain de Ayre

lhe pusesse a mão em cima, ele, Rhys, tinha-a tomado por esposa de seu coração e o

amor de sua alma. Estava unido a ela com tanta segurança como se tivesse estado ante

o sacerdote e pronunciado os votos.

Agora bem, e se esse anjo também levasse um livro sobre as maneiras de

lhe tirar uma mulher a um homem que certamente não a merecia... E se os dois

conseguiam sobreviver ao par de anos seguintes, Wyckham seria dele e teria uma casa

 para levá-la quando conseguisse a liberar do Alain.«Não é tua para levá-la» disse a voz.

— Não, mas será — jurou ele, olhando ao Gwen.

— Serei o que? — perguntou ela, apoiando-se na espada embainhada.

Rhys fez a um lado seus projetos. Depois teria tempo de sobra para pensar 

neles.

— Quando acabar contigo, suspirou será uma espadachim condenadamente boa.

Dirigiu-lhe um sorriso tão radiante que quase perdeu o sentido.

— Você crê? — perguntou-lhe, levantando a espada com entusiasmo.

Como era de prever, com o peso da espada perdeu o equilíbrio, retrocedeu

cambaleante e foi se chocar com o John, que não familiarizado com essas crises, caiu

ao chão sentado, e ela em cima dele, golpeando-se fortemente a cara com o punho daespada.

Continuando, Gwen deu uma ou duas piscadas em silêncio e logo começou a

soltar uma fileira de uivos e maldições muito, muito impróprios de uma dama.

Rhys se deu uma palmada na fronte e soltou um gemido. Sem dúvida não

ficaria o menor tempo para planejar nem projetar. Manter ilesa a Gwen consumiria

toda sua atenção.

Santos do céu, sim que seria uma tarde longa.

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E um verão ainda mais longo. Não poderiam fazer nada em relação à fuga

enquanto não nascesse o bebê, e segundo seus cálculos, para isso teria que esperar até

começos da primavera, no mínimo. A esgrima teria que lhes ocupar todo esse tempo,

 pelo menos até que ela fosse capaz de levantar uma espada sem riscos.

— John, disse, você será quem se encarregará de lhe ensinar a sustentar a

espada.

— Eu? — gemeu John do chão, onde seguia escancarado.

O menino parecia tão apavorado como ele por essa idéia.

O céu atira em todos.

 

Capítulo 19

Gwen estava sentada à sombra da árvore solitária do jardim do Ayre,

encantada de desfrutar do sol primaveril, e feliz por ter sido capaz de sentar-se no chão

quase sem ajuda de ninguém. Era uma façanha da qual se orgulhava, porque estava

torcida a arrebentar pelo bebê.

Saboreou o aroma das ervas e flores que estavam distribuídas em grupos

limpos e ordenados ao seu redor. Seus guardiões também estavam agrupados ao seu

redor, embora não tão limpos nem tão bem ordenados. Montgomery estava sentado

 perto de um quadro de ervas, arranhando o nariz e olhando irritado para os lados,

como se assim pudesse adivinhar por que lhe choravam tanto os olhos. Os Fitzgerald

estavam uns passos mais à frente, de pé, com os braços cruzados, seus rostos

adornados pelos cenhos franzidos de sempre. Tinham declinado seu convite a

sentarem-se e desfrutar do dia bom, depois de tudo era lógico que dois homens menos

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 propensos a dobrar-se que os carvalhos preferissem situar-se entre arbustos.

E Rhys estava abaixado perto de várias matas de lavanda, fazendo girar um

caule entre os dedos e olhando para a distância sem ver.

Gwen se disse que se sentia feliz pelo desenvolvimento dos acontecimentos.

Suas aulas de esgrima tinham continuado uns dois meses durante o outono e de

repente se acabaram, porque Rhys alegou que era um risco que ela praticasse o manejo

da espada. Para quem era o risco era uma pergunta cuja resposta não sabia. Não tinha

ferido ao John com tanta freqüência e só lhe tinha feito sangrar o nariz um punhado de

vezes quando ele lhe estava ensinando a sustentar a espada. Tinha estranhado que

Rhys o escolhesse para essa tarefa. Possivelmente o escolheu porque pensaria que issotreinaria o seu escudeiro ao mesmo tempo.

Ou talvez tivesse chegado à conclusão de que só sentia por ela uma simples

amizade, e, portanto não tinha nenhum motivo para desejar estar perto dela.

— Que era o que eu desejava, é obvio — disse.

— O que? — perguntou John, levantando a vista de um manuscrito que tinha

aberto sobre o regaço.Ele era o que estava mais perto dela, encarregado do pesado trabalho de ler 

em voz alta.

— Nada, respondeu ela.

Sentiu os olhos do Rhys sobre ela, mas não se atreveu a olhá-lo.

Companheiros de armas, pelos olhos de São Jorge, no que teria estado pensando?

— Gwen, isto é muito difícil — protestou John.— Como vais ser um grande senhor se não saber ler?

Tão logo o disse, se mordeu a língua. Pelo que sabia, Rhys não sabia ler.

Insultá-lo era a última coisa que teria querido.

John soltou um comprido suspiro e começou a ler o conto novamente, desde

o começo.

— É... Rase ou... na vez, no É... correio... CA não muito ré... Remota, uma

dom... Celia q...

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— Cuja, apontou Gwen.

— Sim, cuja her... mo... Sul E... Era... Famosa... Em toda a terra. Pôs os

olhos em branco. E a quem lhe importa isto?

— É uma história maravilhosa de amor e lealdade, ela o informou.

— Preferiria ler sobre guerras e matanças — disse ele, enrugando o nariz.

— Nada de guerra hoje, embora deva pedir desculpas de todo coração. Este

era minha história favorita, contada pelo melhor menestrel de minha mãe. Ela o fez

copiar e eu aprendi a ler com ele.

— Não me diga, disse Rhys tossindo.

— Pois sim, assentiu ela. Eu diria que já sei de cor.— Em minha opinião, todos esses romances lhe deformaram o entendimento

 — comentou Montgomery, com aspecto de estar a ponto de soltar um forte espirro.

Tratou de fazer a um lado as flores que caíam sobre ele. O que são estas ervas?

— Milenrama — respondeu Rhys, distraidamente, ocupado em afirmar um

 pouco a terra debaixo da planta que tinha mais perto.

— Milenrama?— Ou erva de Aquiles, acrescentou Rhys. É boa para estancar feridas. Não a

esmague.

Montgomery pôs as mãos no colo e olhou o grupo de ervas com novo

respeito.

— É um conto muito romântico o que estamos ouvindo — disse Gwen, um

tanto doída pela crítica do Montgomery ao seu conto favorito.— E o romance é o que está mal no mundo A... A... A... A... Chis!

— Não lhe faça caso — disse Rhys ao Gwen, dirigindo um escuro olhar ao

Montgomery. Continue, John. Lady Gwennelyn tem razão. Aprender a ler te vai servir 

muito bem no futuro.

— Mas isto? — perguntou John, queixoso. O cavalheiro sussurra, deprime-

se, golpeia-se o peito com os punhos e pensa nela durante páginas. Santos do céu, sir 

Rhys, olhe quantas páginas de pensar sobre ela há aqui.

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— Isso é muito de cavalheiro, respondeu Gwen secamente, e acho muito de

meu gosto este conto.

— Quão único posso dizer — replicou John, é que o cavalheiro passaria

melhor seu tempo no campo de batalha. Pelo menos ali veria um pouco de coragem...

— Oh, pelos malditos Santos, rugiu Rhys, me passe isso.

John pestanejou admirado.

— Sabe ler?

A expressão da cara do Rhys deveria ter advertido ao John de que estava

  pisando em terreno perigoso, mas John, como Gwen bem sabia, não via essas

advertências tácitas.— Depois de tudo — continuou, sem fazer conta-, seu pai era um simples...

— John.

— Sim, Sir Rhys?

— Quer continuar sendo meu escudeiro?

Inclusive John pareceu compreender que se ultrapassou. Tragou saliva

sonoramente.— Sim, sir Rhys.

— Então me passe esse manuscrito e faça-o em silêncio.

John lhe passou o manuscrito sem emitir nenhum outro som e depois se

trocou ao lugar mais afastado possível da vista do Rhys.

Gwen observava a cena fascinada. Era quase mais interessante que o conto

que Rhys sustentava em suas mãos. Os pais de Rhys eram um mistério, embora elasoubesse que seu avô tinha sido um cavalheiro de certo renome na corte francesa. Foi

ele quem se encarregou de enviar ao Rhys a viver com o Bertram do Ayre, embora

 porque escolheu um Lorde inglês em lugar de um francês, não saberia dizê-lo.

Talvez o pai de Rhys fosse um simples cavalheiro. Sua experiência a tinha

levado a conclusão de que pertencer à nobreza não era necessariamente uma garantia

de que um homem fosse nobre. Talvez ao Rhys viesse muito bem não ter nenhuma

nobreza correndo por suas veias. Ela não conseguia achar nenhum defeito em sua

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conduta devido a isso.

— Era uma vez, em época não muito remota, uma donzela cuja formosura

era famosa em toda a terra.

Gwen conteve o fôlego. Bom, essa era uma voz que qualquer bardo invejaria,

 profunda, bem temperada. Imediatamente se sentiu enfeitiçada por ela. Fugaz passou

 por sua cabeça o pensamento de que em realidade Rhys sabia ler muito bem, fez a um

lado a pergunta de onde poderia ter aprendido e se entregou à magia que ele tecia com

apenas sua voz.

— Muitos cavalheiros iam admirar sua beleza e logo partiam com o solene

  juramento de consagrar-se a conquistá-la, fosse qual fosse o preço. A donzela nãosabia nada desses juramentos, claro está, porque seu pai a tinha muito protegida e ela

não via seu verdadeiro amor entre os homens que iam à sala de seu pai.

Gwen fechou os olhos com um suspiro de prazer. Quantas vezes tinha

escutado esse conto? Muitas para contar. Mas nunca o tinha ouvido dessa maneira,

nem sequer quando lhe puseram música e o cantavam os melhores menestréis de sua

mãe.Continuou escutando e de repente sentiu que o bebê começava a mover-se

em seu interior. Seguro que estaria tão encantado como ela com o que ouvia.

E então compreendeu, sobressaltada, que não era só a beleza do poema o que

fazia mover-se a seu bebê.

Encontrou-se de pé antes de dar-se conta de como se levantou.

— Gwen!Devia responder, mas repentinamente descobriu que não podia. Estendeu as

mãos e imediatamente encontrou um par de fortes braços, preparados para sustentá-la.

— Vem o bebê, anunciou Rhys.

Passou a dor e ela descobriu que tinha forças para olhá-lo zangada.

— E o que sabe você disso? Poderia ser algo. A comida. Só os Santos sabem

quão incapaz é o cozinheiro de preparar algo comestível.

Ele a olhou solenemente.

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— Sente mais seguidos que antes esses movimentos do bebê?

— Sim, mas...

Antes de poder responder se sentiu elevada no ar, em seus braços.

— Rhys, me solte, me deixe no chão! O que dirá Alain...?

— Eu diria que, dado como aconteceu esta tarde e as duas semanas desde sua

volta, vai continuar ocupado várias horas mais.

— Rollan...

— É um estúpido do que me encarregarei ao seu devido tempo. Será melhor 

que reserve sua energia para dar a luz ao seu bebê e deixe que eu me ocupe de seus

outros problemas.Certamente não lhe dava muita escolha no assunto. Antes de limpar a mente

o suficiente para protestar mais, Rhys já a tinha levado ao interior da torre da

comemoração.

A tarde transcorreu lentamente. Rhys fazia sair imediatamente a todas suas

damas de seu solar, o que lhe veio muito bem porque a maioria delas passavam

 bastante tempo na cama de seu marido; além disso, não as apreciava muito. Menosalmas ali significavam também mais espaço para passear, o que levava fazendo

durante horas.

Tinha pedido que chamassem à parteira do povoado, mas Alain se opôs. Em

seu lugar fez chamar ao seu cirurgião, que não tinha feito outra coisa que tirar os

afiados instrumentos de seu ofício. Ela fazia todo o possível para não olhá-lo. Uma das

criadas lhe levou um assento especial para partos, e ela tentou que ficasse,simplesmente para ter a companhia de outra mulher, mas o cirurgião a fez sair do

quarto. Teria protestado ante seu marido, mas era evidente que ele já tinha bebido suas

taças ao inteirar-se de que o nascimento de seu filho era iminente. A notícia só tinha

sido motivo para abrir outro barril de cerveja.

E o cirurgião continuava afiando suas facas. E Rhys estava em um canto com

os braços cruzados sobre o peito olhando-o furioso. Ao menos Alain estava muito

 bêbado para preocupar do paradeiro de Rhys. Rhys não era parteiro, mas sim boa

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companhia.

As dores se fizeram mais fortes. O cirurgião esfregou as mãos como se

tivesse pressa por começar seu trabalho. A expressão de Rhys ia se fazendo mais

irada. Começaram a intercambiar insultos. A ela também lhe soltou a língua e

começou a usá-la com generosidade para as outras duas almas presentes em seu

dormitório.

Embora não o explicava, isso não fez que o tempo passasse com mais

facilidade.

O sol já se pôs e estavam acesas as velas. Rhys estava no centro do quarto

olhando satisfeito ao cirurgião do Alain, que jazia no chão sem conhecimento. Assim pelo menos avançaria a noite sem mais ameaças, blasfêmias nem pronunciando o

nome de Rhys em vão.

Ao menos por parte do cirurgião.

Gwen seguia afiando a língua insultando-o, mas ele compreendia. Só

cometeu uma vez o engano de lhe dizer que seu corpo era feito para parir bebês, o que

teve por conseqüência outra cascata de impropérios sobre ele; entre outras coisas lhefez a comparação entre o parto e o passo de um enorme ovo através de seu... E bom,

isso o deixou cruzado de pernas ao imaginar a dor, e gastando os miolos em busca de

alguma outra coisa para distraí-la. Sugeriu-lhe talvez que essa era a recompensa

merecida por Eva e a maçã...

Seguia se maravilhando que uma mulher a ponto de parir pudesse mover-se

com tanta rapidez ou usar os punhos com tanta liberalidade. Bom, pelo menos não eratanta a energia que tinha para lhe golpear o nariz.

O esfregou distraidamente, e sentiu certo alívio ao comprovar que ainda não o tinha

machucado.

Suspirando agarrou ao cirurgião e o depositou em um canto, para que não

estorvasse a Gwen em seus passeios. Depois se apoiou na parede, meio temeroso de

falar, para não dizer algo inconveniente.

Claro que talvez ela não o tivesse ouvido. Ele não sabia aonde se foi, mas era

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evidente que seu espírito estava muito longe nesses momentos. Continuava passeando

de extremo a extremo do quarto, detendo-se a cada momento para agarrar-se de

qualquer objeto resistente onde apoiar-se até que passassem as dores. Fazia bastante

ruído, e ao princípio o assustaram seus gemidos. Cometeu o engano de lhe interromper 

o passeio e o preço foi que quase lhe estalaram os ouvidos. Depois disso, teve bom

cuidado de não interpor-se em seu caminho e vigiar que nenhuma outra pessoa a

incomodasse.

O passeio a levou até ele, que continuou imóvel quando lhe segurou os

 braços e apoiou a cabeça em seu peito. Não se atreveu a acariciá-la.

— Gwen?Ela só respondeu com um pouco parecido a um grunhido.

— Trago-te uma infusão do senhor Sócrates? Poderia te aliviar os dores.

Ela voltou a grunhir e se afastou para reatar seu passeio a passos lentos e

deliberados.

Ao fim havia algo que podia fazer. Caminhou para a porta, desejando que

estivesse pelo menos sua mãe para assisti-la. Por muito que lhe tivesse gostado deacreditar que ele sozinho bastaria a Gwen em seus momentos difíceis, estava-se

convencendo rapidamente de que assistir um parto era um trabalho de mulheres. Se

 pudesse confiar em alguma das damas do Ayre a chamaria. Umas mãos mais suaves

também poderiam aliviar ao Gwen.

Abriu a porta e se encontrou com Rollan, que estava apoiado na parede ao

outro lado do corredor. Ao vê-lo, Rollan aumentou os olhos, surpreso.— O que faz você...?

— lhe salvando a vida, respondeu.

Olhou para o extremo do corredor e viu o senhor Sócrates com sua neta. Essa

tarde tinha enviado ao John para buscá-los, para o caso de que Gwen os necessitasse.

— Necessita uma de suas infusões, lhe disse.

— Não deveria me surpreender te encontrar aqui — disse Rollan em tom

zombador. Suponho que terá a habilidade para fazer isso, já que nisso residia à

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habilidade de seu pai. Filho de curandeiro se burlou. Como chegou a ganhar suas

esporas é um mistério para mim.

Isso indicava o pouco que sabia Rollan de sua família. Seu pai tinha

habilidades curadoras, era certo, mas também ganhou suas esporas. Simplesmente não

tinha nenhuma utilidade que outros soubessem.

Entrou no quarto com o senhor Sócrates e sua neta e fechou a porta deixando

Rollan com as palavras na boca. O último que os fazia falta era seguir ouvindo o

rancor de Rollan.

— Pode lhe aliviar a dor? — perguntou ao senhor Sócrates.

— Sim, sir Rhys. Trouxe comigo tudo o que necessito.— E pode assistir ao parto?

O senhor Sócrates olhou as mãos nodosas e logo olhou ao Rhys aos olhos.

— Minha esposa e minha filha eram parteiras, mas eu não sei...

— Melhor você que eu, disse Rhys implacável.

Interrompeu o passeio de Gwen no centro do quarto. Não fazia falta ser 

 parteiro para dar-se conta de que algo tinha mudado em sua dama.— Gwen?

— Chegou o momento — disse ela, afogando uma exclamação de dor.

E ao que parecia, assim era. Rhys descobriu que, chegado o momento,

 parecia-lhe que não devia estar perto dela. Sem dúvida ela estaria muito melhor em

companhia de mulheres.

Sacudiu esses pensamentos. Não havia mulheres, portanto ele teria que bastar. Situou-se atrás do assento para parto e lhe colocou as mãos sobre os ombros.

Ao menos ela já não o amaldiçoava, mas já estava perto de tirar sangue das suas mãos,

com cada contração que lhe sobrevinha. Não lhe importava; era o mínimo que podia

fazer por ela.

Não tinha transcorrido um punhado de momentos quando se abriu a porta e

apareceu Alain. Olhou ao Rhys movendo freneticamente os lábios. Rhys se limitou a

olhá-lo sem alterar-se.

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— T-t-você aqui! — conseguiu dizer Alain finalmente.

— Sim, milorde.

— Quem acha que é? — gritou Alain.

— O encarregado de lhe proteger a vida, respondeu Rhys tranqüilamente.

Por isso estou aqui.

Alain franziu o cenho como se soubesse que havia algo de mau nessa

resposta, mas não conseguisse adivinhar o que. Voltou à atenção ao senhor Sócrates.

— Ele! — exclamou furioso apontando-o, disse que não queria nada com

esse velho imundo!

Pelo visto o senhor Sócrates tinha ouvido isso antes, porque não fez o menor caso do Ayre e continuou falando com o Gwen em tom tranqüilizador.

— Vem o bebê, disse Rhys e ele é capaz de manter vivos ao bebê e à mãe.

— Então para que está você aqui? — perguntou Rollan, que tinha aparecido

atrás de seu irmão. Sorriu friamente. A olhar o que nunca poderá ter?

— Estava protegendo a minha senhora desse — respondeu Rhys, indicando

com a cabeça para onde estava o cirurgião feito um vulto junto à parede. É o meudever.

Alain olhou ao Rollan, em busca de ajuda. O olhar que lhe devolveu Rollan

era de funda preocupação.

— Eu me preocuparia milorde disse, a família de sir Rhys. Sabe que

reputação tinha seu pai. Sempre foi uma nulidade, se mal recordar.

Alain o olhou surpreso.— Eu pensava que seu pai era um curandeiro, que ia e vinha pelo campo

exercendo seu ofício.

Rhys não se incomodou em fazer nenhum comentário.

— Ou era um menestrel? — perguntou Alain, muito inseguro a respeito de

sua informação. Ouvi ambas as histórias.

— O que importa se eram ambas as coisas? — disse Rollan. O queimaram

 por herege, acusado de praticar a bruxaria para sanar as suas vítimas.

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— Ah — disse Alain, assentindo. Voltou-se para o Rhys. Vá.

— Não — replicou Rhys com as mandíbulas apertadas.

A expressão do Alain se escureceu.

— Não permitirei que sua reputação manche ao meu filho!

— Meu pai foi acusado injustamente.

— Sim? — Alain franziu o cenho e olhou ao Rollan. É certo isso?

Rollan encolheu de ombros.

— Quem pode saber? É possível que seja certo e talvez eu falasse demais.

Considerando a linhagem de sir Rhys, talvez este seja o lugar para ele.

Alain ficou esperando, iluminação ao parecer.— O parto é trabalho de camponesas, depois de tudo — acrescentou Rollan.

— A senhora do Ayre não é uma camponesa — disse Rhys, desejando ter o

direito de jogar esses dois pelo parapeito. Rollan insulta a ela e insulta ao seu filho.

Alain esteve um momento em silêncio, ao parecer lhe dando voltas a isso na

cabeça. Finalmente empurrou ao seu irmão para a porta.

— Insultou ao meu filho, disse severamente. Deu um último olhar ao Rhys.O bebê morre e você morre, entendido?

Rhys assentiu e logo soltou um suspiro de alívio quando a porta se fechou

atrás do senhor do Ayre e seu irmão.

— Por fim soube algo dessa história — disse Gwen com voz entrecortada.

Por que... — Outra dor a estremeceu e lhe cortou o fôlego. Porque tive que sofrer isto

 para sabê-lo certamente não sei.— São rumores horríveis, disse Rhys. Meu pai não era herege.

— Muitas vezes se entende mal aos curandeiros, disse o senhor Sócrates.

Acrescenta um pingo de algo não corrente a uma poção, e já lhe tacham de bruxo.

— E eu que acreditava... Que seu pai... Era um cavalheiro, disse Gwen com

dificuldade para respirar. Ou isso... Tinha ouvido.

— Eram várias coisas, murmurou Rhys. Empurra, Gwen. Tiremos este bebê.

A vela sobre a lareira não estava outra hora ardendo quando o filho do Ayre

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fez sua entrada no mundo. Rhys viu que Gwen chorava de alívio. Observou ao senhor 

Sócrates tirar o bebê de debaixo do vestido do Gwen.

A cara de Sócrates perdeu toda sua cor.

Rhys olhou ao bebê.

Viu que não respirava.

 

Capítulo 20

A menina estava em um canto do quarto observando a chegada ao mundo do

 bebê. As mãos de seu avô se estremeceram ao sustentá-lo. O bebê estava morto.

O cavalheiro agarrou ao bebê em suas mãos, friccionou-lhe o corpinho,

arrulhando-o em tom suave, lhe ordenando, lhe suplicando que ocupasse seu lugar no

mundo.

Mas o bebê não reagia.

Então viu como o cavalheiro se inclinou sobre o bebê, tirou-lhe o tecido que

lhe cobria a cara e pôs sua boca sobre a diminuta boca que ainda não se movia.

Uma vez.

Duas vezes.

Três vezes o cavalheiro deu ao bebê seu próprio fôlego, seus próprios meios

de vida, como se quisesse insuflar ao pequeno sua vontade de viver.

O pequeno peito se moveu.

E voltou a mover-se.

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E então, com imenso alívio, ouviu um débil pranto. A senhora agarrou ao seu

filho recém-nascido e o embalou junto ao seu peito.

A menina viu as lágrimas da jovem mamãe e ao vê-las sentiu suas próprias

lágrimas correrem por suas bochechas.

O cavalheiro se ajoelhou aos pés de sua senhora e também chorou.

A menina lhe olhou as mãos e viu que eram mãos curadoras. Seu coração

estava cheio de amor pela mãe e o filho, a diferença do senhor do Ayre. Desejou ser 

capaz de mudar as coisas, mas isso superava em muito suas modestas artes.

O fôlego de vida. Sim, isso era o que ela teria feito em seu lugar; sua mãe o

fazia com bastante freqüência. O cavalheiro era muito sábio ao ter pensado nisso.— Vamos, neta. Nosso trabalho aqui acabou.

A menina obedeceu à ordem sussurrada de seu avô. Quando se dirigia à

 porta, voltou à cabeça para dar um último olhar e viu que o cavalheiro agarrava a mão

à senhora e a beijava meigamente.

Ai, se ela pudesse trocar as coisas.

Suspeitou que provavelmente os dois que ficavam ali estavam pensando omesmo.

Gwen estava reclinada nos almofadões da cama, esgotada de corpo e

espírito. Sim, árduas e dolorosas tinha sido o trabalho do parto, mas o que a levou ao

limite de sua resistência e prudência foi o quão perto que esteve de perder ao seu filho.

Mas já o bebê estava a salvo, e isso devia agradecer ao Rhys.

De repente ouviu uma comoção na porta e levantou a vista. Alain e Rollanentravam em seu quarto, empurrando para um lado ao senhor Sócrates e a sua neta.

Sentiu a forte tentação de repreendê-lo por esse mau trato ao ancião, mas descobriu

que não tinha a energia para fazer nada que não fosse continuar deitada e apertar mais

ao seu filho contra seu peito.

— Deixe-me ver o bebê, lhe disse Alain estendendo os braços.

Passou-lhe o bebê de muito má vontade. Tinha que reconhecer que por muito

que lhe agradasse a idéia de negá-lo, Alain era o pai e tinha todo o direito de tê-lo em

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seus braços.

— Ah — disse ele olhando ao pequeno, muito satisfeito, um filho são.

— E não graças a ti, sussurrou ela. Foi Rhys quem salvou o bebê.

Ao ouvir isso, Alain franziu o cenho e voltou a olhar a seu filho.

— Fiz bem meu trabalho com este — disse, em um tom de suprema

satisfação. Se parece comigo, não crê? — perguntou ao seu irmão.

— Ah sim, respondeu Rollan, assentindo submissamente. Muito.

Alain esteve um momento contemplando ao bebê.

— Frágil criatura, disse levantando-o no ar. E se o perdesse?

— Como o vais perder! — protestou Rollan, amavelmente.— Mas e se o perdesse? — insistiu Alain. Maldição, e eu que pensei que não

teria necessidade de engendrar outro mais nela. Suspirou longamente. Suponho que

necessitarei de outro, se por acaso a este acontece algo.

— Talvez devesse assegurar que a este não aconteça nada, sugeriu Rollan. Se

fosse meu, entregaria-o a alguém de quem estivesse seguro de que o ia cuidar bem.

— Sim — disse Alain e ficou em silêncio, ao parecer muito concentradorefletindo sobre isso. De repente sorriu ao seu irmão. O levarei ao Canfield para que

ali o crie alguém com experiência.

Gwen sentiu um calafrio por todo o corpo.

— Não, protestou. Não me tirará isso.

— Farei o que quiser...

— Sou sua mãe — disse ela, incorporando-se com grande esforço, e serei euquem cuidará dele.

— Você o que pensa? — perguntou Alain a seu irmão.

— Leva-o ao Canfield, sorriu. Esse é um plano muito sensato.

Imediatamente sairei para lhe buscar uma ama e talvez possamos empreender a

viagem esta mesma tarde.

— Não — exclamou Gwen, estendendo os braços para o bebê.

— Rachel cuidará bem do menino, continuou Rollan.

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— Sim, isso penso eu também — disse Alain. Vamos, então...

Gwen já estava de pé e com a mão na adaga do cinturão do Rhys antes de

saber o que queria fazer. Precipitou-se sobre o Alain com a faca nua. Se não tivesse

estado tão furiosa pelo descaramento de seu marido, teria encontrado divertida a forma

como este e Rollan retrocederam chiando e cambaleando.

Mas não havia nada de divertido nesse plano.

— Entregue o menino, ordenou.

Alain vacilou.

Gwen brandiu a adaga e Alain se apressou a lhe entregar o menino envolto

em fraldas.— Matarei-te se o tentar, lhe ameaçou ela com voz rouca.

— Duvido muito que... — balbuciou Alain.

— Matarei-te se tentar, lhe voltou a ameaçar ela soltando a adaga e

apertando a seu filho contra seu peito. E se crê que não vou remover todas as pedras

desta ilha até te encontrar e acabar com sua vida, volte a considerá-lo, milorde. Não

vais tirar o meu filho.Alain pareceu um pouco sobressaltado. Depois deu a impressão de estar 

 procurando raciocínios em seu cérebro.

— Pensarei um pouco, lhe prometeu.

— Vá do meu quarto, continuou ela, em tom áspero. Tem a seu filho, mas

me tirará isso a risco de sua vida. E se me mata, meu fantasma te atormentará o resto

de seus dias até que te deixe louco.Se não outra coisa, Alain era uma alma supersticiosa. Sem dizer outra

 palavra, apressou-se a sair do quarto. Rollan, não obstante, demorou um pouco em

seguir ao seu irmão. Ficou na porta. Quando abriu a boca para falar, Gwen o apontou

com o dedo.

— Não, lhe advertiu, não diga nada se valoriza sua miserável vida.

Ele fechou os lábios ao redor e só os Santos sabiam que tipo de estupidez ia

dizer, e inclinou a cabeça.

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— Minhas sinceras felicitações por seu filho, se limitou a dizer.

Gwen o olhou com os olhos entrecerrados.

— E isso é tudo? Só felicitações?

— Não poderia me sentir mais feliz por ti, respondeu ele com um

encolhimento de ombros. Se houver outra coisa que eu possa fazer...?

— Pode partir, respondeu ela. Preciso descansar.

Rollan lhe fez uma profunda inclinação.

— Como queira, milady. Endireitou-se e dedicou um olhar ao Rhys. Já não é

necessária sua presença aqui, sir Rhys.

Rhys recolheu a adaga que lhe tinha tirado do cinturão, embainhou-a comsupremo cuidado, e inclinou a cabeça para o Rollan.

— Meu lugar é, como sempre, fora de sua porta, como capitão de sua guarda,

lhe disse com um sorriso implacável. Você primeiro, milorde.

Gwen se sentou na cama com seu filho bem abraçado. Rhys esperou a que

tivesse saído Rollan e depois foi fincar um joelho ante ela.

— Sei de uma ou duas mulheres do povoado dignas de confiança, lhe disseem voz baixa. Talvez preferisse que lhe atendessem elas em lugar de suas damas?

— Sem dúvida iria bem à ajuda, admitiu ela.

— Então me ocuparei disso. Quando retornar, se me necessitar estarei fora

de sua porta. Só o que tem que fazer é me chamar.

Gwen assentiu e se inclinou sobre seu filho recém-nascido. Sabia que deveria

ocupar a mente em uma vintena de outros pensamentos mais edificantes, mas o único pensamento que era capaz de pensar era como desejava que esse filho tivesse um pai

que não fosse Alain.

Rhys, por exemplo.

Ao cabo de um momento não muito comprido, apareceram duas mulheres

em sua porta, que esperaram timidamente a permissão para entrar. Gwen sentiu

gratidão ao vê-las. Quão último desejava era ver-se atendida por qualquer das putas do

Alain.

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Quando as mulheres já a tinham asseado e posto cômoda, e tinha tido a

 primeira experiência de dar de mamar ao seu bebê, Gwen deitou ao pequeno a seu

lado e ficou contemplando enquanto dormia. Era um milagre que estivesse vivo. Se

Rhys não tivesse estado ali, não estaria vivo. Essa idéia lhe oprimiu fortemente o

coração, espremendo-o e fazendo sair dali toda uma quantidade de aflição e pena que

nem sequer sabia que tinha.

E depois o sonho, com a mesma inexorabilidade com que tinha rendido ao

 bebê, começou a render a ela. Tratou de resistir, porque havia muitas coisas que tinha

que considerar antes que passasse muito tempo. Rhys já tinha completo dez meses de

serviço ao Alain. O que faria ela quando partisse?Certamente isso era algo no que não suportava pensar nesse momento.

Talvez fosse melhor que esse cansaço que a estava invadindo fosse tão intenso. Rhys

estava vigiando ante sua porta e no momento ela e seu filho estavam a salvo.

Isso era suficiente para relaxar-se e dormir.

Rhys deu um suave golpe à porta e uma das mulheres que havia trazido a

abriu timidamente.— Está dormindo, senhor cavalheiro — sussurrou a mulher.

— E o bebê?

— Também dorme.

— Puseram-na cômoda?

— Sim, bom senhor. Quer que fiquemos?

— Outro momento mais, se quiserem.A mulher assentiu e entrou no quarto. Rhys ficou na porta, incapaz de retirar-

se.

Gwen estava dormindo com o bebê embalado em seus braços. Era uma vista

muito aprazível, não, sagrada. Rhys contemplou ao diminuto bebê e benzeu ao seu pai,

em qualquer lugar que estivesse, no céu ou no inferno, por lhe haver irradiado, se não

seu dom de cura, seu dom de pensar rápido. Ele o tinha visto insuflar vida em um

corpo antes, mas também tinha visto como ficaram furiosos com seu pai, os enviados

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da igreja por ter feito isso. Um pretexto fútil para condená-lo a morte, certamente, mas

 pelo visto ninguém o achou insensato. A conseqüência foi à salvação de uma vida e a

destruição de outra. Ele ao menos não teve que ver morrer a seu pai.

E também ao menos, tinha evitado correr a mesma sorte. Graças aos Santos,

Alain não viu o que lhe fez ao menino.

Bom, havia valido a pena correr o risco. Gwen estava fora de perigo depois

de dar a luz e seu filho respirava. Não podia pedir uma melhor conclusão do dia.

A menos, claro está, que lhe concedesse o direito a fazer sair às mulheres do

quarto e deitar-se junto a sua dama e envolver em seus braços à mãe e ao filho.

Isso era o que desejava mais que qualquer outra coisa no mundo. Mais que aterra, mais que evitar o escândalo e salvar a reputação de Gwen, mais que sua honra,

sorte seja a verdade. Desejava que essas duas pessoas fossem dele.

Necessitaria de um milagre para isso.

Apagou-lhe a visão e se passou o dorso da mão pelos olhos. Foi então

quando se deu conta de que Gwen o estava olhando. Ela também tinha os olhos cheios

de lágrimas, mas não fez nada para secar as bochechas.Era uma situação intolerável.

Fez-lhe uma profunda inclinação e retrocedeu para retirar-se antes de

desmoronar-se e tornar a chorar. Fechou brandamente a porta e depois se girou e

apoiou as costas nela.

Outros guardas do Gwen estavam apoiados na parede do frente. Olharam-no

em silêncio um bom momento. Finalmente, Montgomery limpou a garganta:— O que te parece se formos ao porão a procurar um barril cheio?

Rhys negou com a cabeça.

— Não.

— Um lance no campo de batalha, então? — sugeriu Montgomery,

carrancudo.

— Não.

— Bom, eu gostaria de ir ao campo de batalha, resmungou Montgomery.

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Estou meio nervoso.

— Eu te agradarei, disse Connor, acariciando o punho de uma de suas

espadas. Com a esquerda, acredito.

— Considera-me presa fácil, né? — respondeu Montgomery, observando-o

com os olhos entrecerrados.

Connor se limitou a encolher os ombros e seguiu ao Montgomery, que ia

soltando maldições pelo corredor.

Rhys quase sorriu; se soubesse Montgomery que a esquerda era a melhor 

mão do Connor, e que só a reservava para os competidores mais difíceis... Olhou ao

Jared.— Acredito que será melhor que vá observar. Não quero que Connor o

ataque de verdade.

Jared assentiu e agarrou ao John pelo pescoço.

— Vamos, pequeno. Deixemos em paz ao seu senhor.

— Mas poderia me necessitar, protestou John.

— O que precisa é de silêncio — disse Jared, empurrando-o pelo corredor.Se deixar de arrastar os pés, igual poderia te dar uma pequena lição de esgrima.

Imediatamente os pés do John deixaram de encontrar obstáculos no chão.

— Você ensinou ao meu senhor?

— Sim, moço, todos os movimentos mais letais.

John já ia caminhando junto a ele, muito bem disposto.

— Crê que poderia me ensinar a lutar com duas espadas, como faz sir Rhys?— Melhor se começarmos com uma, menino John.

Uma vez que Rhys os viu desaparecer pela escada, apoiou-se na porta e

fechou os olhos. Seus homens estavam felizes entregues aos seus assuntos; Alain e

Rollan, sem dúvida, estavam no porão inchando-se de cerveja, e Gwen já estaria

dormindo outra vez com seu filho.

E ele estava ali, junto a sua porta, cumprindo sua missão de bom guardião,

quando o único que era capaz de pensar era em seus terríveis desejos de raptá-la.

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Moveu energicamente a cabeça. Não devia pensar nisso. Alain jamais

renunciaria ao seu herdeiro e Gwen jamais renunciaria ao seu filho. Isso não podia

 pedir-lhe nunca. Queria ou não, teria que aceitar sua situação e suportá-la.

Como ia fazer isso, certamente não sabia.

Mas teria que fazê-lo. Teria que sorrir, aparentar que estava contente, manter 

a fachada pelo bem do Gwen. Ela teria mais que suficiente no que ocupar a mente

criando ao seu filho. Talvez tivesse razão ao dizer que não deviam considerar-se outra

coisa que companheiros de armas. Não sabia se o obteria, mas sim sabia que não

ficava mais alternativa que simulá-lo. Ao menos durante os meses seguintes.

— Por todos os Santos — resmungou-. Meu pai deveria ter sido ator emlugar de cavalheiro.

 

Capítulo 21

Outono do ano de Nosso Senhor 1202

Os anos perdidos; dois anos de intrigas faltadas. Essas eram as reflexões

do Rollan do Ayre enquanto percorria os corredores do porão em busca de algo queacalmasse seu mau humor. Deteve-se ante um barril de cerveja e provou um pouco.

Amarga, estava quase tão amarga como seu humor.

Por todos os Santos, como tinham fracassado seus planos. Claro que já tinha

suspeitado isso antes que nascesse o filho do Gwen. Recordava muito bem essa

 primavera. Que maravilha a primavera, com todas as coisas brotando à vida; era sua

época favorita para incubar suas intrigas. Tinha dedicado um par de meses a depenar aum par de filhas de nobres e depois a fazer uns quantos estragos seletos na corte,

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sempre esperando com ilusão, com a alegre espera de costume, voltar para casa e

encontrar ao Gwen e a seu capitão derrubando-se em seus sofrimentos.

Mas, maldição, o que havia achado?

Gwen, muito gorda com seu embaraço, mas ainda alegre. E Rhys, ao parecer 

 preocupado, compreensivelmente, mas não frenético.

E isso não pressagiava nada bom.

Por então ele tinha a segurança de que o nascimento do filho do Gwen seria

o que verdadeiramente faria compreender a esse par o que desejavam, mas nunca

teriam. Com que ilusão tinha esperado desfrutar vendo um pouco de seus sofrimentos.

Mas o que ocorreu?Gwen continuou sorrindo.

Rhys continuou com sua atitude, se não satisfeita, quase resignada.

E para cúmulo de maus, esse maldito pirralho, já em idade de caminhar, que

andava colocando os narizes em todas as partes como se fosse o amo e senhor do Ayre

e de tudo o que continha.

Maldição, isso já era suficiente para dar-se à bebida.Do nascimento do menino tinha aproveitado toda ocasião para observar a

Gwen e Rhys, mas não tinha visto nada que indicasse que eram algo mais que a dama

e o leal cavalheiro. Jamais uma carícia, jamais um largo olhar de amor. Santos do céu,

nem sequer um beijo furtivo para informar ao Alain. Tentações teve, isso sim, de

inventar um pouco tão forte como sua irritação, para vomitar ao Alain em algum dos

momentos em que voltava de suas putas para cobrar fôlego. Mas não, absteve-se defazê-lo, porque isso ofendia sua delicadeza.

E agora o filho era outra alma mais que se interpunha no caminho à

realização de seus desejos. Um filho, uma mãe que o adorava, e um protetor da mãe e

do filho na forma de Rhys de Piaget. Sem dúvida os acontecimentos tinham tomado

um decidido rumo a pior desde o matrimônio do Alain com o Gwen.

Dois anos não tinham melhorado nada as coisas. Gwen já não podia fugir do

castelo; tinha que pensar em seu filho. Rhys não podia partir do castelo porque

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desejava Wyckham e provavelmente a Gwen também. O capitão e a dama sempre

 juntos e ao parecer contentes assim. A situação que ele acreditava que os levaria aos

dois a jogar-se pelo parapeito se converteu em algo que eles não teriam podido fazer 

mais agradável se a tivessem planejado eles mesmos.

E por desgraça, nesses momentos ele se encontrava absolutamente

desprovido de idéias para lhes causar mais problemas.

Pisando em forte, Rollan se dirigiu à cozinha, agarrou a uma criada passável

e atirou dela para a escada que subia a seu quarto. Talvez umas duas semanas de

 putaria e bebida lhe restabeleceriam o bom humor e lhe dariam algumas idéias para

fazer desgraçados ao Rhys e Gwen. Claro que isso requereria um engenho que só ele podia reunir. E certamente necessitaria algo que estendesse inclusive sua considerável

capacidade de imaginação.

No corredor se encontrou com outra criada e também a levou com ele.

Esse algo foram ser essas duas semanas, estava seguro.

A menina estava de pé junto a seu avô observando os sinais que este

desenhava sobre o pergaminho com sua pluma molhada em tinta. Com os dois anos  passados sobre esta terra e sua maior estatura, resultava-lhe mais fácil ver esses

estranhos signos, mas mais fácil de ver não significava necessariamente mais fácil de

ler. Seu avô lhe tinha ensinado umas quantas letras, mas as poucas que reconhecia

estavam tão entrelaçadas com as outras que não conseguia entender nada.

O que, sim, entendia, entretanto, eram os potes e bolsas que cobriam a mesa

de trabalho de seu avô. Em realidade, sempre lhe dizia que seu talento estava mais na preparação das poções que nas escritas. Por isso tinha exercitado seu nariz, olhos e

mãos em mesclar coisas curadoras, e esperava que isso fosse suficiente para as tarefas

que lhe apresentaria a vida.

Mas uma parte dela desejava, saber fazer também essas graciosas linhas

curvas e entrelaçadas sobre o papel.

Seu avô se endireitou sobre seu tamborete alto e sorriu satisfeito. A menina

aproximou mais a cabeça para ver a página.

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— É muito bonita, disse admirada.

— Sim, reconheceu ele. Bastante parecida com a vida que levamos este

último tempo, não é neta?

O ancião o dizia sinceramente. Embora continuassem vivendo nesse quarto

úmido do porão, tinham-lhes chegado umas quantas comodidades, gastas por almas

que asseguravam não conhecer a identidade de quem as enviava. A menina sim sabia,

mas preferia não dizer nada.

Sir Rhys fazia freqüentes visitas, como também a senhora do castelo. A

menina dificilmente se atrevia a falar com a senhora, porque era tão bela que quase lhe

doía olhá-la, e a envergonhava sua fealdade. Mas a senhora era muito bondosa eamável com ela e estava acostumado a lhe levar presentes. A isso se acrescentava a

alegria de jogar e rir com o bebê de vez em quando. Sim, a vida era muito agradável

na realidade.

— Esta página é muito parecida com a vida — começou o avô, fazendo um

amplo gesto com a mão, como fazia sempre que ia dizer lhe algo importante.

Mas desta vez a manga ficou enganchada no pote com tinta e o derrubousobre as palavras tão bem escritas.

A menina lançou uma exclamação de pena e se apressou a secar a tinta com a

manga de seu vestido, mas por desgraça o desastre já parecia. As letras estavam todas

cobertas por tinta escura.

Seu avô suspirou e a olhou.

— Como ocorre na vida, pequena, às vezes a gente tem que começar de novoa página.

A menina achou muito sábia essa observação, embora não exatamente

agradável. Tanto trabalho e paciência, e tudo quebrado por um gesto casual.

Como a vida, em realidade.

 

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Capítulo 22

Gwen pôs o seu inquieto filho no outro quadril e olhou furiosa a sua coleção

de guardiães.

— Como vou poder ouvir algo se levar ao Robin? — perguntou.

Como um só homem, além do John, claro, as almas que tinha diante não

responderam nada, mas todos puseram uma expressão de pânico quase idêntica.

— OH, pelo amor dos Santos, é o grupo mais inútil que vi em minha vida, os

repreendeu. Assustados por um menino pequeno. Qualquer um diria que lhes vai

derrotar sem outra coisa que um olhar.

Não houve nenhuma mudança em suas expressões, a menos que fosse uma

mudança a mais absoluta certeza de que isso era uma realidade possível.

Ou seja, humilhá-los tampouco ia dar resultados. Ao parecer não ficava outra

coisa que tomar uma medida drástica.Fez um último mimo ao Robin, depois o girou e o plantou diante do homem

que estava mais perto. Jared, a alma escolhida por defeito, levantou as mãos para

manter a raia um destino certo. Mas em lugar de escapar a seu destino, viu-se com as

mãos ocupadas por um pirralho revoltoso de dezesseis meses de vida, sustentando-o à

distância de seus braços com mesmo cuidado que teria sustentado a uma serpente a

 ponto de atacar. Gwen deu um último olhar ao pequeno: embora meio incômodo nessa precária posição, ao que parecia achou interessante a cara do Jared, porque o olhou

fixamente com esse olhar sem pestanejar tão próprio do Jared; depois meteu o polegar 

à boca e se acomodou para continuar com a contemplação. Segura de que os dois

sobreviveriam a uns poucos momentos, ela se afastou em direção ao solar de seu

marido.

Um instante depois já estava com a orelha pega à madeira da porta, tratandode escutar os mais tênues sons da conversa que se desenvolvia dentro. Que houvesse

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um silêncio mortal só podia significar duas coisas: ou Alain estava sorrindo satisfeito

e Rhys havia decidido permanecer estóico, ou Alain tinha traído a seu capitão e este

tinha matado a todos os presentes no quarto. O último não a teria surpreendido muito.

Rhys estava chegando ao seu limite.

Como se tinham arrumado para sobreviver, certamente não sabia. Muitas

vezes havia dito ao Rhys que isso era possível porque sua capacidade de imaginação

estava mais exercitada que a dele; passava boa parte do tempo simulando que vivia um

dos contos que narravam os bardos de sua mãe; era muito mais fácil imaginar-se ao

Rhys como um pretendente não correspondido que a adorava de longe. Claro que isso

era mais difícil do que tinha esperado, dado que Rhys passava a maior parte do tempoa seu lado. Mas tinha sido fiel a sua palavra. Não a tocava nem lhe falava de amor.

Tratava-a com o mesmo afeto de companheiro com que tratava ao John, Montgomery

e aos Fitzgerald.

Maldito seja, de toda forma.

Só uma vez lhe sugeriu que talvez, embora não cometesse de verdade os

atos, lhe deu a entender com um gesto que sentia um intenso desejo de lhe acariciar amão ou lhe beijar os dedos não fosse tão mau.

O olhar que lhe dirigiu foi suficiente para fazê-la lamentar sinceramente a

sugestão.

Então ela tinha procurado distrair-se com outras coisas. Praticava esgrima.

Rhys tinha mandado fazer uma espada especial para ela, e em alguma parte tinha

conseguido uma jóia para o punho, de cor verde mar, como seus olhos. Infelizmente, aespada tinha as bordas cegas, e o condenado tinha ameaçado de morte a todos os

ferreiros de dez milhas à volta se acrescentavam qualquer qualidade perigosa à lâmina.

Ela poderia ter tentado afiá-la, mas o aço era formoso e temeu danificá-lo. Além disso,

era algo que lhe tinha dado Rhys e isso era motivo para tê-la como um tesouro,

embora não servisse para fazer mal a nenhum inimigo.

Dedicou-se a cuidar de seu filho. Alain não havia tornado a falar de sua

intenção de levá-lo a outro castelo, de modo que ao final ela deixou de dormir com

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uma adaga em uma mão e o outro braço ao redor de Robin. Não tinha a menor duvida

de que no momento mesmo em que Robin fizesse sete anos o enviariam longe, mas até

esse momento ela tinha toda sua custódia. Alain estava raramente em casa, e quando

estava nunca a incomodava de noite. Inclusive Rollan passava pouco tempo no castelo

criando problemas. E assim criava ao seu filho em paz, praticava sua esgrima e

 passava o resto de seu tempo ocupada em seu quarto.

Então se disse que estava contente com sua vida, porque sabia que não tinha

outra alternativa. E isso a levou a perguntar-se que fazia ali, com a orelha pega à porta

do quarto do Alain, como uma amante, esforçando-se por ouvir os mais mínimos sons

de conversação. Mais inquietante era o que esperava ouvir: que Rhys tinha conseguidoa terra prometida pelo Alain.

E isso significava, sem dúvida, que ele partiria do Ayre o mais breve

 possível.

A porta se abriu tão de repente que quase entrou de cabeça no quarto do

Alain. Retrocedeu e se endireitou bruscamente, com a esperança de que ninguém a

tivesse visto. Rhys saiu com tanta rapidez que quis acreditar que em realidadeninguém a viu.

Ele fechou a porta de um golpe e a olhou irritado.

— Falamos do Wyckham.

— Claro, disse ela.

Isso não era algo que a alegrasse muito ouvir porque significava o fim da

estadia dele ali. Mas teve a sensação de que as coisas não tinham ido tão bem comoele teria gostado. O fato de que tivesse uma expressão assassina na cara era boa

indicação.

— Disse-me, e te vou repetir suas palavras exatas, «Enfrente a minhas

tropas, se quiser».

— Disse o que? — exclamou ela surpreendida.

-Ouviste, respondeu ele, mal-humorado. Tem acampados os seus homens aí.

Tenho que tomá-la pela força!

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— Quantos homens?

— Muitos para fazê-lo eu sozinho! — rugiu ele. Maldito o demônio,

Gwen pressentiu que uma conversa lógica com o Rhys sobre suas opções não

seriam bem-vindas. Também suspeitou que se lhe pedisse que deixasse de gritar, não

fora que o ouvisse seu marido, tampouco lhe sentaria bem. Portanto entrelaçou as

mãos calmamente diante dele e tratou de adotar uma expressão tranqüilizadora.

— E bem? — perguntou ele.

— E bem o que? — perguntou ela elevando uma sobrancelha. Tenho a

impressão de que não necessita minhas sugestões.

Ele franziu os lábios.— Poderia, disse.

— Poderia lhe voltar às costas a terra, sugeriu ela com um encolhimento de

ombros.

«Voltar-lhe as costas a terra?», quis dizer ele, mas moveu os lábios e não

saiu nenhum som. Então lhe avermelhou a cara e começou a fazer sons inarticulados

de fúria.— Não é uma opção, observou Gwen. Então talvez pudesse fazer uma visita

à corte e fazer a petição ao Rei.

— Petição ao Rei, é um corno! — exclamou ele, movendo energicamente a

cabeça. Isso tampouco eu gosto.

— Poderia ficar comigo, continuou ela.

Ele apertou os lábios.— Em qualidade do que? De capitão de seu guarda?

— Diz como se tivesse sido uma tremenda carga.

— Foi.

Ela se sentiu como se a tivesse golpeado.

— Compreendo.

— Sim? Seriamente o compreende?

— Compreendo que foi um posto que tivesse preferido não aceitar, disse ela,

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ofendida. Lamento os problemas que te causou.

— Merda, resmungou ele em voz baixa.

Agarrou-lhe a mão com tanta força que ela pressentiu que não ficaria livre

muito em breve.

— Rhys, não.

Mas ele continuou avançando pelo corredor sem soltá-la, de modo que não

ficou outra alternativa que correr para segui-lo.

Estava pensando como era que ninguém os olhava mais de uma vez quando

lhe viu a expressão da cara e o mistério ficou resolvido. Jamais o tinha visto tão

zangado.— Não é culpa minha, lhe disse.

Ele continuou a grandes pernadas até chegar ao seu quarto. Abriu a porta e

 passeou o olhar por todas suas damas. Ao ver as expressões que puseram estas Gwen

compreendeu que devia alegrar-se por não ser a receptora desse olhar.

— Fora.

Essa palavra fez sair a toda pressa a todas as mulheres. Ela teria fugidotambém com elas, mas sua mão continuava aprisionada em seu forte aperto. Uma vez

que saíram as mulheres, ele a fez entrar na sala. A porta se fechou com um forte

retumbo.

— Não comece a buscar armas no vestido, lhe advertiu ele.

Ela caiu na conta de que era justamente isso o que estava fazendo, de modo

que se agarrou as mãos nas costas.— Como quiser, disse.

— Como quero, repetiu ele. Tem uma idéia do que quero?

— Estrangular-me? — perguntou ela, tentando sorrir como se fosse uma

 brincadeira.

— Não, respondeu ele sem sorrir.

— Então te juro que tenho muito pouca idéia, porque pela expressão de sua

cara eu diria que o que mais você gostaria de fazer é me estrangular.

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Ele fez chiar os dentes e se limitou a olhá-la furioso.

Desesperada, ela procurou em sua cabeça algum comentário adulador para

lhe dizer para aplacar seu mau humor, mas o que podia lhe dizer? «Desfruta de sua

terra, bem que lhe ganhou isso?» «Forma um exército e tome a terra pela força?» «me

deixe e não volte a pensar alguma vez mais em mim?»

Era isso último o que mais a preocupava. Fez uma inspiração profunda.

— Poderia ficar, lhe disse.

Já o havia dito antes, mas era um sentimento que suportava repetição.

Ele arqueou uma sobrancelha, mas não disse nada.

— É um excelente paladino, insistiu ela. Foi passável, não é? Ler juntos,caminhar juntos, conversar. Não poderíamos seguir como até agora?

— Não, disse ele.

— Mas por quê...?

— Por quê? — interrompeu ele. E perguntas por quê?

Olhou-a como se de repente achasse muito atraente a idéia de estrangulá-la,

 por isso ela retrocedeu um passo. Ele avançou com expressão tempestuosa e Gwendescobriu consternada que já não havia mais espaço para continuar retrocedendo; suas

costas tocavam a fria parede de pedra, e os pés dele tocavam os seus. Ele apoiou as

mãos na parede a ambos os lados de sua cabeça e a olhou.

— Permita que te diga por que não podemos, lhe disse com voz rouca. Não

 podemos porque cada dia destes dois anos os passei ardendo por ti. Tive que me

agarrar fortemente as mãos às costas, me tirar sangue e me deixar cicatrizes para nãote tocar. Esgotei ao Connor e ao Jared até a medula dos ossos, com o fim de que

quando estivesse contigo não restasse energia para falar de outra coisa que não fosse o

estado de suas malditas ervas ou do maldito tempo.

— Então não era que eu te aborrecia...

Fechou a boca ao lhe ver a expressão da cara, e pensou que isso tinha sido

uma decisão muito prudente.

— Não posso permanecer aqui nenhuma hora mais se o único que me

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 permite é te olhar.

Ela só pôde continuar olhando-o, muda.

— Não posso permanecer nenhuma hora mais perto de ti e só poder falar 

contigo.

Ia partir. Deveria estar preparada para isso, mas descobriu que não estava.

— E por cima de tudo, não quero voltar a escutar nenhuma maldita palavra

mais sobre isso de que sou um paladino nobre, cavalheiresco e não correspondido.

— Pois o fazia muito bem.

— Ao preço de dois anos sem dormir nenhuma maldita noite? — gritou ele.

— Não podia dormir? — perguntou ela surpreendida.— Não.

— Pois eu dormia muito bem.

— Sim?

— Sim, respondeu meio hesitante, sim, bom, a maioria das noites.

Certamente sua cama...

— Não era a cama.— Então seu quarto...

— Não era meu quarto.

Gwen franziu o cenho. Talvez a falta de sono lhe tivesse debilitado o

 julgamento.

— Não vejo o que...

De repente, sem aviso, encontrou-se envolta em seu abraço. Se tinha havidoum espaço entre eles antes, já não existia. Não poderia tê-la modelado melhor se

tivesse sido uma massa fina para bolos. E não era que o cozinheiro do Alain fizesse a

massa fina, porque sempre estava cheia de grumos e areia.

— Gwen — grunhiu Rhys.

— Sim? — perguntou pestanejando.

Esperou para ouvir o que queria lhe dizer, e então compreendeu que

simplesmente queria ter toda sua atenção. Como se já não a tivesse. Era muito

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consciente de seu corpo sólido e da força dos braços que a deixavam cativa, apertada

contra ele.

E então a beijou.

E ela pensou que igual poderia desmaiar.

E se teria desacordado se ele não a tivesse tido abraçada com tanta força. E

seguro que esse não era o beijo casto que poderia dar um paladino a sua dama

inalcançável.

Era um beijo de posse total.

Quão único pôde fazer foi agarrar-se de seus ombros e apertar-se mais contra

ele. Era aniquilador voltar a ter sua boca na sua depois de dois longos anos se perguntando se se teria imaginado quão doces eram seus lábios. E mais lamentáveis

ainda eram as lembranças que lhe evocou seu beijo. Tinha-a beijado assim antes,

 beijos longos, intensos e tão completos que duvidava de que ficasse alguma parte de

sua boca que ele não tivesse explorado. Mas esses beijos tinham sido um prelúdio da

 posse do resto de seu corpo.

E de sua alma.Sentiram que lhe brotavam lágrimas dos olhos, mas não se incomodou em

limpar-lhe Ai, quantas coisas se perderam! Quantas horas de amor, quantos dias de

simples carícias e incitantes beijos.

Ele começou a se afastar, mas ela o impediu.

— Não, sussurrou contra sua boca. Ainda não.

— Vê agora? — disse ele com voz rouca.— Sim, conseguiu dizer.

— Eu nunca a esqueci — sussurrou lhe depositando suaves beijos nas

comissuras dos olhos, saboreando suas lágrimas. Nunca, nunca, nem um só instante.

 Não sei como podia você.

— Talvez minha imaginação seja minha perdição.

— Deveria usá-la menos.

— O que outra coisa ia fazer para sobreviver?

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A resposta dele foi outro beijo, e outro, e outro, e então ela começou a perder 

a conta de onde começavam e acabavam seus beijos.

E quando acreditava que já não conseguiria suportá-lo, ele apoiou sua frente

na sua e fez longas inspirações entrecortadas.

— Deixarei ao Montgomery e aos gêmeos — disse em voz baixa.

Ela se afastou rapidamente.

— O que?

— Hoje eu parto, e levo ao John.

Ela o olhou boquiaberta. Seguro que era muito pouco atraente olhá-lo com a

 boca aberta, mas, por todos os Santos, era o único que podia fazer.— Crê que posso ficar? — perguntou ele com um sorriso sarcástico. Depois

disto?

— Vais me deixar?

— É obvio que...

— Canalha sem sentimentos! — exclamou ela, lhe dando um bom empurrão.

Faz isto — abrangeu com um gesto de desamparo o espaço que havia entre eles— edepois simplesmente te parte.

Ele pôs as mãos sobre os ombros, sem fazer caso dos esforços dela para tirar-

lhe.

 — Para tomar posse de Wyckham.

— Senão, como vou formar um exército? — perguntou-lhe docemente.

— Um exército? — perguntou ela, carrancuda.— Para tomar posse do Wyckham.

— Ah, ou seja, que disso se trata.

— Santo céu, mulher, como vou cuidar de ti sem uma terra onde construir 

um lar? Sem terra para cultivar? Sem terra para que corram nossos filhos?

Ela fechou os olhos e enviou uma oração ao céu pedindo forças.

— Isso não pode ser, Rhys...

— Não tem fé, disse ele, nem em mim nem no amor.

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— Tenho muita fé em ti e no amor.

— Então é que não usa sua imaginação. Se foi capaz de me imaginar 

contente de viver como seu companheiro de armas, não pode imaginar – me capaz de

te levar comigo?

— E Robin?

— Robin também.

— Impossível.

— Difícil, concordou ele, mas não impossível.

Ela moveu a cabeça.

— Não vejo como.— Então deixa de tentar vê-lo. Confia em mim.

— Mas é que não há motivo para alegar consangüinidade.

— Como se isso tivesse sido impedimento para alguém, disse ele com um

 bufo zombador. Eleanor se divorciou do Felipe alegando esse motivo e certamente não

tinha nenhum parentesco com ele.

— Mas a santidade dos votos do matrimônio...Não se incomodou em acabar o pensamento. Ela tinha cumprido seus votos.

Alain não, ele tinha voltado para suas putas em seguida, embora não estava segura se

no dia seguinte ou à semana das bodas.

— Foi minha primeiro, lhe disse ele docemente, isso não significa nada para

ti?

Ela baixou a cabeça.— Um verdadeiro voto é algo mais que as palavras que se dizem, Gwen.

Tem que fazer-se também com o coração.

Ela o olhou, sentindo que lhe rompia o coração.

— Jamais renunciará ao Robin.

— Poderia.

— Jamais o fará, repetiu, e você sabe muito bem. E não posso abandonar 

meu filho.

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Ele guardou silêncio um bom momento.

— Eu não te pediria que escolhesse entre os dois, Gwen. Encontrarei a

maneira de liberar a ele também. Agarrou-lhe o rosto entre as mãos. Confiará em

mim?

— Sim, suspirou ela.

— Não posso te pedir nada mais que isso.

— Parte hoje?

— Dentro de uma hora. Não me cabem dúvidas de que Alain espera isso.

— E quando voltará?

— Dentro de um ano...— Um ano? — exclamou ela.

Ele endireitou os ombros, em atitude de impotência.

— Formar um exército leva tempo, Gwen. Terei que contratar mercenários,

me ocupar de seus gastos e de sua formação, contratar homens que se encarreguem de

suas roupas e equipamento...

— Um ano, disse ela assombrada. Isso é muito tempo.— É muito menos que o resto de nossas vidas, assinalou ele. Encontrará algo

no que te entreter estou seguro. Talvez pudesse te dedicar a compor trovas.

Ela piscou surpreendida, e de repente sorriu:

— Poderia treinar com os gêmeos.

— Isso de maneira nenhuma!

— Assim posso te ajudar em sua guerra.Ao Gwen teria gostado de continuar falando desse tema, mas ele parecia

resolvido a não ouvir uma palavra mais disso. E a verdade era que quanto mais

comprido o beijo menos atraente achava converter-se em mercenária.

Ao menos no momento.

— Pense em mim, disse ele quando levantou a cabeça. Pense coisas

agradáveis de mim. Confia em mim.

E antes que pudesse atrai-lo para ela, ele já estava na porta.

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— Rhys, disse, compreendendo exatamente o que perdia.

Ele se voltou a olhá-la uma última vez.

— Espere-me, lhe disse.

Dito isso partiu.

Uma hora depois, Gwen estava perto da barraca, sem incomodar-se em

simular que tinha algo que fazer ali. Estava flanqueada pelos gêmeos, em suas

 posturas de sempre, com os braços cruzados sobre o peito. Um pouco mais à frente

estava Montgomery, emprestando obedientemente seus ombros para acomodar ao

Robin sobre eles. Não muito longe se encontravam Rhys e John, falando entre eles.

Gwen observou como Rhys e seu escudeiro montavam seus cavalos e osgiravam para as portas.

Estava segura de que Rhys não se voltaria a olhá-la. Não o tinha feito as duas

vezes anteriores quando ela tinha estado nas portas para vê-lo partir.

Mas esta vez ele sim voltou à cabeça e a olhou.

Não foi necessária nenhuma palavra.

«me espere.»E isso faria.

Não tinha outra alternativa.

 

Capítulo 23

Rhys avançava lentamente pelo pequeno jardim exterior à abadia, atrás de

uma noviça gordinha de movimentos lentos. Não fez ameaça de convidá-la a apressar-

se; no curso de sua larga vida tinha aprendido que incomodar às esposas do Senhor 

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quando estavam ocupadas em seus deveres só lhe atrairia uma boa reprimenda. Por 

sorte só tinha que cuidar de sua língua, porque teria necessitado a ajuda dos Santos se

tivesse sido obrigado a cuidar do John também. Por desgraça para os dois, ao que

 parecia John estava decidido a confirmar por si mesmo coisas que poderia aprender 

muito mais facilmente se tirasse o melhor proveito de seus ouvidos.

Em todo caso, no momento, seu avô estava a cargo de manter a salvo o moço em uma estalagem próxima,

onde estavam instalados comodamente com os cavalos e a bagagem. Isso o tinha deixado livre para ir à abadia sem

estorvos, e disfarçado. Só podia esperar que seu avô fosse capaz de impedir que John se metesse em dificuldades, durante

todo o tempo que fosse necessário. Embora não lhe surpreenderia nada que ou sir Jean ou John fizesse alguma travessura.

Talvez não tivesse sido tão prudente deixar juntos a esse par.

Bom, já não podia fazer nada a respeito. Fechou mais a muito fragrante capa

quando viu que sua guia se aproximava do final do trajeto. Fizeram-no passar a uma

sala cômoda aonde três mulheres imponentes ocupavam poltronas. Uma delas era a

abadessa, logicamente, com seu olhar avaliador fixo nele. Rhys a olhou, surpreso de

que uma mulher tão formosa pudesse encontrar-se em um lugar como esse. Moveu a

cabeça: que estranhos os giros do destino que levavam às mulheres a uma reclusão

assim.

As monjas que acompanhavam à abadessa, conforme sabia Rhys, eram as

segunda e terceira em grau de autoridade. O olhar com que avaliavam sua pessoa não

era menos firme que a de sua abadessa. Fincou um joelho no chão, porque lhe pareceu

que isso era o prudente.

— Milady, disse, inclinando a cabeça ante a abadessa. Deus seja contigo.

— E contigo, meu filho.

Rhys levantou a cabeça a tempo para ver que a abadessa despedia suas

companheiras com um leve gesto da mão.

— Não tem aspecto muito perigoso, lhes disse placidamente. Acredito que

sou capaz de atendê-lo sem sua ajuda. Há outras coisas mais urgentes que falar com

um viajante de passagem.

Evidentemente as outras mulheres estavam acostumadas a não discutir.

Partiram sem voltar a dar outro olhar ao Rhys e fecharam a porta quando saíram. De

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todos os modos não o teriam reconhecido. Jamais usava duas vezes o mesmo disfarce

 para ir à abadia.

— Rhys, lhe disse a abadessa com um comprido suspiro de paciência, não

 poderia ter escolhido um disfarce menos fragrante?

— Cuidar de porcos é um ofício respeitável, mãe.

A abadessa se levantou e o convidou a aproximar-se com outro suspiro.

— Venha e dê um beijo na sua mãe, querido, mas não um abraço, por favor.

Rhys se levantou rindo e se inclinou a beijar a sua mãe na bochecha.

— Suponho que estará tão contente que não te importará meu aroma.

Ela enrugou o nariz.— Não poderia te haver disfarçado de frade? Ou de trovador? Pelo menos

eles cheiram a tabaco e a cerveja, não a porcos.

— Mãe! — riu Rhys. O que pensariam suas noviças se lhe ouvissem?

Ela sorriu e o convidou a sentar-se ao seu lado.

— Temem-me muito para se incomodarem em escutar o que digo.

Escapolem por aí e procuram não atrair minha atenção. Sobretudo quando faz mesesque não tive notícias de meu filho, porque isso me põe de um humor particularmente

mau.

Rhys pôs os olhos em branco.

— Te teria escrito...

— Mas temia revelar meu paradeiro. Sim, já ouvi essa desculpa antes.

Ele iniciou um protesto, mas ela o fez calar com um gesto de mão.— Protege-me bem e isso eu lhe agradeço. Agora me conte suas notícias e

me diga por que te encontra na França.

— Bom...

— Seu avô diz que se apaixonou por uma jovem que não pode ter. Dirigiu-

lhe um olhar penetrante. Eu gostaria de saber por que não me contou isso.

— Não sabia se aprovaria.

— Tão rabugenta é, então?

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Ele negou com a cabeça, sorrindo.

— Não, é bastante doce.

— É muito feia, então? Patizamba, vesga, paralítica...?

— Não, não — disse ele, interrompendo as descrições. Está bem formada e é

muito boa de se ver. Só temia que me desaprovasse por olhar por cima de minha

 posição.

— Mas por quê? — perguntou ela em tom brincalhão. Porque só é um

cavalheiro?

— Outros diriam que isso é suficiente para me negar isso.

 — Leva um sobrenome honroso, carinho. Não tem por que se envergonhar de sua linhagem.

— Cavalheiro, curandeiro, herege, sorriu ele. Meu pai teve uma carreira

ilustre, não é?

— Seu pai é um príncipe entre os homens, e mais valente que a maioria. Não

tem nenhum motivo para te envergonhar dele. E se dúvidas de seu valor, olhe ao seu

avô. São muito parecidos.Rhys olhou a sua mãe pensando se ela percebia seu engano.

— Era, mãe. Meu pai era um príncipe entre os homens.

— Mmm, concordou ela. Muito certo.

Essa não era a primeira vez que sua mãe cometia esse engano quando falava

de seu defunto marido. Rhys pensou se a solidão do convento não teria começado a

lhe afetar a mente. Acreditaria que Etienne estava vivo?Havia motivos, pensou. Seu pai nunca recebeu uma sepultura cristã, como

era devido; isso bastaria para duvidar da verdade de sua morte. Ele sempre tinha

suposto que não tinha tumba reconhecida devido à caluniosa acusação de herege que

tinha recebido. Essa ignomínia era suficiente para lhe negar sepultura em qualquer 

cemitério. Mas de vez em quando se perguntava se esse engano de sua mãe não se

deveria a que na realidade seu pai não estava enterrado.

— Desgraçadamente, nem seu pai nem seu avô tiveram nenhum título de

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nobreza, continuou sua mãe em tom distraído.

— Mmm, um título me teria vindo muito bem, comentou ele, deixando de

lado seus tolos pensamentos. Seu pai estava morto, morto há quase vinte anos.

— Ah Rhys, respondeu ela, olhando-o sorridente. Eu diria que em ti há

nobreza suficiente para qualquer mulher. Agora me conte algo mais sobre essa jovem.

É formosa e não é vesga. Qual é o problema?

— É filha de um barão.

Sua mãe esperou.

— E está casada.

— Ah, compreendo.— Desde aí minha viagem a França.

Sua mãe pestanejou.

— Claro.

— Necessito de ouro. Para subornos.

— Para que se não? — disse sua mãe. Porque não pretenderá raptá-la,

verdade?— Isso é uma tradição, não? Meu avô raptou a minha avó.

— E seu pai me raptou.

— Em troca eu fui um fracasso terrível nisto de seqüestrar mulheres.

— Maior razão para remediá-lo, querido.

Rhys suspirou e se reclinou na poltrona.

— Acredito que se minha única opção é pagar pelo que desejo ter. Olhou-a esorriu tristemente. Nunca tive êxito com o suborno.

— As estocadas são uma forma muito mais direta de solucionar problemas,

concordou ela. Mas, na Inglaterra ainda é mal visto matar nobres?

— Era a última vez que perguntei.

— Ela tem um filho?

Estava claro que sua mãe estava mais versada nos acontecimentos de sua

vida do que admitia estar. Isso ele não estranhava. Como ela fazia para inteirar-se do

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que ocorria fora de seus muros era um mistério, mas seus espiões eram muito

competentes.

— Sim, respondeu, um filho ao qual não vai abandonar.

Sua mãe lhe agarrou a mão.

— Eu a compreendo muito bem. Quase me partiu o coração permitir que seu

avô te levasse para longe de mim, embora soubesse que não tinha outra alternativa.

— O que outra coisa podia fazer? Meu pai estava morto.

Ela não discutiu isso.

— E não era questão de que acompanhasse ao seu avô em suas viagens. Não

me pesa. Esta é uma existência bastante aprazível.— Sim? É que meu avô deixou que espiasse para o Felipe?

— Como vou saber isso, querido?

— Tem que sabê-lo, mãe, porque ele envia todas as informações através de

ti. Existência pacífica é um corno, acrescentou em tom zombador.

— Faço o que posso para manter a tradição familiar, sorriu ela.

— A que eu não segui. Tão decepcionado está meu avô comigo, então?— Eu diria que o Rei está mais decepcionado que seu avô, mas não te

 pressionará. Sabe que te propõe a fazer seu lar na Inglaterra.

— Lástima que não possa me ajudar a conseguir a esposa que desejo.

— Suponho que poderia, se você lhe fizesse valer o tempo que lhe levaria

isso. Seu pai passou seu bom tempo descobrindo detalhes sobre a ilha. Felipe não

vacilaria em te empregar se você estivesse disposto.Ele negou com a cabeça.

— Não tenho temperamento para o engano.

— Isso se vê na pouca alegria que põe em te disfarçar quando vem a me

visitar, disse sua mãe em tom irônico.

— Espiar para o Rei francês é algo que não posso fazer, mãe, disse Rhys

suspirando. Minha dama tem os pés bem plantados em chão inglês. Sua terra está ali,

sua mãe está ali.

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— Seu filho está ali, murmurou ela. A invejo.

Rhys lhe agarrou a mão e a levou aos lábios.

— Pelo menos sou livre para ver-te quando quiser, mãe. E sigo vivo para

fazê-lo. Não imagino o que ocorreria se seguisse os passos de meu pai.

— Isso é muito certo, carinho, disse ela e lhe apertou a mão. Muito bem,

continua com sua empresa e que seus trabalhos sejam muito frutíferos. Eu guardarei

seus lucros, como sempre.

— Elogiados sejam os Santos pela cripta que há debaixo do altar, disse ele

sorrindo. Eu agradeço muitíssimo.

— Sempre é uma felicidade para mim fazer algo pela causa do amor.Levantou-se agilmente. Pedirei que nos tragam algum refresco; depois me contará sua

viagem até aqui. Suponho que a travessia foi perigosa, como sempre.

Rhys sorriu para seus botões. Se havia algo que sua mãe detestava era pôr os

 pés em qualquer tipo de veleiro. Suspeitava que esse fosse o motivo de que tivesse

continuado a viver na França todos esses anos.

Ou talvez se devesse a que lhe agradava sua vocação. Tinha tempo de sobra  para orar, para contemplar os mistérios da vida em seu jardim e para oferecer 

hospitalidade aos viajantes de passagem. Felipe se tinha encarregado de tudo isso

depois da morte de seu marido, e Mary tinha aceitado com muito gosto.

Quem teria imaginado que ia se converter em uma espiã tão boa como seu

marido?

Ou seria o seu marido que continuava espiando e Mary só oferecia umacobertura conveniente para suas atividades?

— Oh, por todos os Santos, murmurou vexado.

A imaginação excessivamente ativa de sua dama tinha tido um efeito

desastroso em seu juízo. Seu pai estava morto. Sua mãe era enganosa, mas nem tanto.

Enquanto observava a sua mãe dar ordens a suas noviças, perguntou-se, e

não pela primeira vez, onde teria nascido. Havia-lhe dito incontáveis vezes «Na

Inglaterra, e deixemo-lo aí, querido». Seu pai não tinha revelado mais, e seu avô se

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mostrou sempre ainda mais reservado que eles. Teria sido tão terrível sua vida que só

o feito de falar dela a afligia tanto?

Ou teria parentes ali que quereriam fazê-la voltar se soubessem onde

encontrá-la?

— Veio doce do sul, anunciou sua mãe lhe passando uma taça de prata. Frio,

tal como você gosta.

Rhys quase lhe pediu a garrafa inteira para sossegar suas dúvidas. Sua mãe

tinha motivos para seus segredos, e estes não eram de sua incumbência. Isso devia lhe

 bastar. Além disso, já tinha suficiente no que ocupar sua mente nesses momentos.

Tinha muitos preparativos que fazer para assistir aos torneios. Precisaria ter os olhos bem abertos para recrutar homens para um exército que ainda não existia. E se isso

não fosse suficiente para mantê-lo ocupado, sim o seria ocupar-se de que John

continuasse ileso. Bebeu um comprido gole de vinho. Os Santos lhe protegessem de

um escudeiro arrogante.

Já era hora de que escrevesse a Gwen para lhe comunicar que tinha chegado

à França sem problemas.— Mãe, preciso enviar uma mensagem. Tem a alguém de confiança?

— É obvio.

— Então posso me retirar aos seus aposentos? Se mal não recordar, são

muito mais cômodos que este.

Sua mãe enrugou o nariz.

— Acredito que em primeiro lugar vais tomar um banho, meu filho.Enquanto isso eu irei procurar o hábito de irmã que possa usar.

— Tenho a impressão de que só faz para isso ver-me com saias, disse ele

carrancudo.

— Teria sido uma garota preciosa, respondeu ela lhe dando uns tapinhas na

 bochecha.

— Mas muito alta, disse ele.

— É possível que as irmãs se fixem mais no tamanho de seus pés que em sua

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altura.

Rhys suspirou; as indignidades que tinha que sofrer por uma cama branda.

Mas as sofreria de boa vontade, porque suspeitava que essa seria a última vez, em

 bastante tempo por vir, que sentiria plumas sob as costas. Sua mãe, pelo menos em

seus aposentos privados, não era dada às privações. O Rei tinha sido muito generoso

em sua gratidão pelo contínuo serviço de Mary a sua causa. E ela não sentia o menor 

escrúpulo em desfrutar desses luxos enquanto pudesse.

Já tinham transcorrido várias horas quando Rhys se encontrou por fim

sentado no escritório de sua mãe, embelezado com um hábito de irmã, escrevendo

laboriosamente a que esperava fosse à primeira carta a seu amor. Se tivesse sorte,demoraria meio ano em ganhar o ouro que necessitava e só umas quantas semanas em

formar seu exército. Contava com que sua fama lhe seria de utilidade.

«Meu amor» começou, mas logo moveu a cabeça e riscou as palavras. Não

devia revelar muito de seu coração. Os mensageiros de sua mãe eram dignos de

confiança, certo, mas não sempre se podia contar com que a viagem fosse segura.

Seria melhor limitar-se a assuntos menos emotivos.«Milady Gwennelyn» começou a escrever, «cheguei à França sem novidade

e em qualquer lugar que vou encontro com céus bastantes cinzas e uma fina garoa».

Olhou as palavras com satisfação. No caso de que interceptassem sua carta, ninguém

 poderia adivinhar no que ocupava seu tempo. E sim, garoava muitíssimo nessa época

do ano. «Até o momento, meu equipamento, incluído meu escudeiro tem aspecto de

estar sobrevivendo bastante bem à viagem. “Meu cavalo só perdeu uma ferradura, oque me causou um pouco de aflição, mas isso foi remediado em seguida».

Fez uma pausa para pensar, e então seu nariz captou os eflúvios. Era evidente

que a cozinheira de sua mãe tinha estado trabalhando novamente. Depois da sujeira

que tinha comido no Ayre durante os dois últimos anos, quase tudo podia ser melhor.

Olhou a carta, pensativo, e depois se levantou bruscamente. Primeiro

comeria. Isso lhe daria outro tema não arriscado para escrever a sua dama.

Saiu do aposento de sua mãe com a boca cheia de água. Percorreu o corredor 

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com a cabeça encurvada para parecer menos alto, e rogando que as mulheres de sua

mãe não se fixassem nele. Teria que moderar seus hábitos de comer também. Não era

normal que uma irmã viajante atacasse sua comida com a voracidade de um

mercenário morto de fome.

Uma das irmãs mais corpulentas do convento montava guarda na entrada do

salão. Rhys a tinha visto antes e se maravilhou, não só de seu porte, mas também da

sua altura. A mulher o olhou e desviou a vista rapidamente.

Quando entrou no salão soltou um suspiro. À margem do que lhe dissesse

sua mãe, sabia que não tinha ficado atraente disfarçado de irmã. Compreendia

 perfeitamente que a mulher não desejasse olhá-lo. Com sorte, o resto das seguidorasde sua mãe pensariam o mesmo e sua visita ali transcorreria em paz.

Provavelmente essa seria a última vez em bastante tempo que gozaria desses

luxos.

 

Capítulo 24 

Ayre, dezembro de 1202.

 

 — Maldição, outro filho! Não! Como pude permitir que ocorresse isto?Gwen escutou as palavras muito assombrada, posto que fosse quão mesma

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ela tinha pensado não fazia muitos momentos. Mas essas palavras tinham saído de

uma boca que ela não teria suspeitado. Retrocedeu até a penumbra para observar o

homem que estava inclinado sorvendo grandes quantidades de cerveja diretamente da

torneira.

— Maldito bebê — resmungou Rollan, cuspindo a cerveja. Maldita cerveja.

É que não me vai sair nada bem este ano? Um herdeiro era uma coisa. Voltou a sorver 

uma boa quantidade, enxaguou a boca com a cerveja e depois a cuspiu com fúria. Mas

agora outro? Meus planos eram que Alain a deixasse em paz.

Os meus também, pensou Gwen, em silencioso gemido. Durante vários

meses seguidos tinha arrumado para Alain e sua cama não encontrar-se ao mesmotempo, mas por desgraça o êxito não tinha sido completo.

E já sabia que a esperavam pelo menos quatro meses de náuseas, e esse era o

motivo de se encontrar nas cercanias do quarto do senhor Sócrates, em busca de algo

que não tivesse pontos negros para ingerir. Talvez isso tinha sido uma casualidade

afortunada, porque senão, não teria estado perto para ouvir a conversação de Rollan

consigo mesmo.Ao que parecia Rollan estava encontrando mais apetecível à cerveja. Entre

goles e goles ia vomitando seus pensamentos mais íntimos.

— E agora há outro que se interpõe no caminho de meu prêmio.

Gwen elevou uma sobrancelha.

— Liberarei-me dos dois. Não, dos três, de Alain e de seus dois bebês.

Poderia empurrar a Gwen escada abaixo... Não, então perderia a ela, e isso não estáem meus planos.

«Elogiados sejam os Santos», pensou Gwen, não pouco alarmada.

— Esperarei a que nasça o bebê e então me carregarei dos três. E então serei

eu o senhor do Ayre. Rollan se inclinou a beber mais cerveja. Endireitou-se, limpou a

 boca com a manga e se dirigiu à escada. Convencerei ao Alain de que se vá ao

Canfield esta tarde, e então me ocuparei de meus planos. Talvez o pirralho Robin

 possa cair pela escada. Com isso já estaria preparado um...

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Um calafrio percorreu de cima abaixo as costas de Gwen. Por grande que

fosse seu desejo de voltar para a cama e continuar ali vários dias mais, teria que

abandonar a idéia. Devia partir do castelo. Talvez lhe fosse possível convencer Alain

de que a acompanhasse até Segrave em seu caminho a Canfield. Igual lhe agradaria

fazê-lo, se pensasse que ela estaria convenientemente escondida com sua mãe, onde

não lhe criaria problemas.

Esperou até que esteve segura de que Rollan tinha subido a escada para subir 

ela também. Sua primeira tarefa seria procurar sir Montgomery para lhe contar o que

acabava de ouvir. Depois se armaria de coragem para ir à cozinha do Ayre a preparar 

ao seu marido algo que lhe adoçasse o humor. Embora seu paladar não fosse muitoseletivo, nunca distinguia quando um prato era mais saboroso que outro, a não ser que

fosse para comentar que havia algo estranho na comida, depois de tudo comida era

comida, em se tratando do gogó de um homem assim.

E assim logo se encontraria instalada no castelo de sua mãe antes que Rollan

tivesse tempo para causar desastres.

Ou isso esperava.Duas semanas depois, Gwen estava a salvo, instalada no castelo de sua

mãe em Segrave, com uma carta nas mãos. Era uma carta muito esperada durante

quase dois meses; tinha contado os dias da partida de Rhys, concedendo tempo de

sobra para as dificuldades que pudesse encontrar o mensageiro em seu caminho, de

modo que a alegria e o alívio que sentiu ao recebê-la foram enormes.

E então começou a lê-la.Nesses momentos estava relendo a parte de pergaminho infestado de borrões

à luz das melhores velas de sebo de sua mãe, e desejando que Robin estivesse dormido

mais profundamente para dar rédea solta a sua frustração com umas palavras seletas

que tinha aprendido em sua juventude freqüentando o campo de batalha.

— Ganso assado com cebolas e um saboroso molho de marmelo? — citou

chateada. Estas são as tolices que me escreve!

Sua mãe continuou costurando placidamente.

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— O que outra coisa te vai dizer sir Rhys, querida?

— Poderia me dizer que me ama! Ou que pensa em mim de manhã à noite.

— O qual faz provavelmente...

— E em lugar disso me vejo obrigada a ler em grandes detalhes os

contratempos que teve com sua bagagem, os pratos servidos na mesa de sua mãe e o

que produzem exatamente os elementos nesta época do ano na França.

— Bom...

— Essas são coisas que me importam um nada!

Joanna sorriu.

— Gwen, são tempos perigosos os que vivemos. Os mensageiros não sãodignos de confiança. Ele não pode saber quem poderia ler suas palavras.

Gwen soltou uma maldição em voz baixa. O que tinha esperado era uma

carta cheia de amor; e a recebida era uma carta cheia de detalhes sem importância. Se

não estivesse segura, poderia suspeitar que os sentimentos de Rhys tivessem trocado.

— Não é precisamente me cortejar o que faz com estas palavras, resmungou.

Talvez imagine que já me tem ganhado.— Talvez o que deseja é proteger sua reputação, Gwen.

— E uma simples palavra de amor me desonraria?

— Só pensa em seu futuro, Gwen...

— Não, mãe, só pensa em seu estômago. Um pudim doce acompanhado por 

um delicado vinho do sul resmungou indignada. Se ainda estivesse bebendo à porcaria

que produz o cervejeiro do Alain, eu poderia sentir um pouquinho de compaixão.Joanna moveu a cabeça sorrindo.

— Gwen, carinho, não te faria nenhum bem que o Rei pensasse que cometeu

adultério com sir Rhys.

— Fui fiel ao Alain, que se apodreça esse maldito. E não é que ele me tenha

tratado com a mesma cortesia. E o que me importa o que ouça o Rei? Seus

 pensamentos não passam mais a frente do ouro de seus cofres.

Joanna deixou a um lado sua costura com um grande suspiro.

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— Gwen, não ganha nada passeando por meu castelo te queixando.

— Não estou me...

— Sim te está se queixando, e se tiver que seguir te escutando assim outros

dez meses, me vais deixar louca, lhe disse sua mãe, embora sorrisse ao dizê-lo. E por 

tudo o que sabe, sir Rhys poderia demorar mais de dez meses em concluir seus

assuntos, e onde estará então?

— Estarei rouca, respondeu Gwen. Sentou-se frente a sua mãe e tratou de

serenar. Só estou inquieta.

— Então procura algo que fazer.

— O que posso fazer mãe? Ir ver em segredo ao Rei e lhe contar minhahistória? Pedir-lhe que me conceda a anulação?

— É um pouco tarde para isso — respondeu Joanna, olhando com carinho ao

Robin, que estava escancarado na cama, profundamente adormecido.

— Tampouco posso optar pelo divórcio. Perderia ao Robin. E todas minhas

terras. Olhou a sua mãe. E você perderia sua casa.

Joanna encolheu de ombros.— É só por boa vontade de Alain que vivo aqui. Não me custaria nada

agarrar a minha cozinheira e ir a outra parte. Ao parecer decidiu deixar de lado esse

tema. E como pensa o jovem Rhys obter que seja dele?

— Só os Santos sabem. Acredito que se propõe subornar.

— Subornar para quê?

«Anulação» ia dizer Gwen, mas se deteve antes de dizê-lo. Seria possívelque lhe concedessem a anulação? Supunha que sim, embora isso converteria em

 bastardos ao Robin e ao bebê a caminho. Não era um destino que desejasse para eles

se tivesse outra alternativa. Embora a bastardia fosse muito mais passível que estar à

mercê do Alain. Estremeceu ao pensar nas coisas que aprenderia Robin em mãos do

Alain.

Olhou a sua mãe e viu que a estava olhando com olhos inquisitivos; e não era

a primeira vez que a olhava assim. Sentia desejos de saber o que opinava sua mãe da

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situação; nunca tinha tido a coragem de perguntar-lhe por temor ao que lhe diria. Mas

não tinha nenhum sentido em não saber a verdade.

— Você se incomoda por isso, então? — perguntou-lhe.

Joanna a olhou muito séria.

— Embora não aceite o divórcio, dada a opinião da Igreja a respeito, não

 posso negar que Alain nunca foi à escolha que seu pai nem eu teríamos feito se não

tivesse sido por sua posição social.

— E o que te parece o de converter ao Robin em um bastardo?

— Por anulação? — Joanna encolheu disso ombros. Isso é algo que o

atormentaria, Gwen.— Seria mais penoso que o que sofreria sendo filho de Alain?

— E em troca perder Ayre, Segrave e todo o resto que herdaria? Só ele pode

responder a isso, e esta é uma pergunta nem sequer entenderá durante vários anos.

— Rhys tem Wyckham. Poderia dar ao Robin.

— Se conseguir a liberar dos soldados do Alain, e inclusive então, seria

vassalo do Alain de todo modo.Gwen suspirou e cobriu a cara com as mãos.

— Wyckham é dele, e o Rei guarda uma cópia da escritura. Mas quando me

recordo quem seria seu senhor, acho-o bastante intolerável.

— E isso não é mais que a verdade, Gwen.

— Oxalá me tivesse casado com o Rhys desde o começo.

— Sim. Seu pai e eu desejávamos isso também. Mas Rhys não tinha nenhumtítulo nem terras.

— A vida é algo mais que terras, mãe.

— Sim, sorriu Joanna. Eu sempre pensei isso, querida.

— Rhys sobreviveu bastante bem sem título nem terras.

— Isso dá liberdade a um homem para ir onde queira, concordou Joanna.

Gwen se levantou, foi ajoelhar se aos pés de sua mãe e lhe agarrou as mãos.

— É melhor que meus filhos vivam com um homem que os ama que com um

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que não lhes tem o menor carinho, mãe.

— Nem a ti, acrescentou Joanna.

— Talvez Rhys pudesse reclamá-los como deles.

— Sim, respondeu Joanna com cautela. Embora quem reconhecerá isso não

sei dizer. O Rei poderia decidir não fazê-lo.

— Então iremos à França, disse Gwen tristemente. Se o rei Felipe nomeou

cavalheiro ao Rhys, deve ter algum posto para ele. A vida seria mais amável conosco

ali.

Joanna lhe apertou as mãos.

— Dê um ano ao seu Rhys, Gwen, e vê como se desenvolvem os acontecimentos. Nunca se sabe o que vaitrazer o futuro.

— Sim. Disse Gwen levantando-se. Há verdade nisso. — Caminhou até a

 janela. Mas devo fazer algo. Não posso seguir aqui um ano simplesmente esperando.

— Poderia melhorar sua costura.

— Poderia melhorar minha esgrima, disse ela sentindo uma muito ligeira

 pontada de entusiasmo.

— Não em seu estado atual. A costura é menos perigosa. Ou talvez pudesse

aprender algumas baladas novas no alaúde.

— O tiro ao arco não seria muito pesado...

— Gwen, lhe advertiu sua mãe. Está grávida.

Gwen suspirou e voltou a sentar-se.

— Meu ventre me recorda isso com mais freqüência que o que eu gostaria.

Se não esgrima, talvez preparativos para o estabelecimento da casa do Rhys

em Wyckham, caso alguma vez existisse isso.

Não, não o duvidava. Rhys obteria o que seu pai não obteve. Ela e Robin

encontrariam segurança nos fortes braços de Rhys.

E o novo bebê também. Pôs a mão no ventre protetoramente. Ai, quanto

desejava que Rollan não a tivesse surpreendido vomitando entre suas roseiras; talvez

 pudesse ter escapado de Segrave sem que Alain se inteirasse de que ia ter um segundo

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filho. Estava segura de que Rollan iria contar a Alain, embora só fosse para fazê-lo

voltar para o Ayre e assim poder jogá-lo escada abaixo. Sentiu a tentação de lhe dar 

voltas a esse pensamento um momento mais. Se deixasse ao Rollan tempo suficiente,

igual poderia lhe solucionar todos seus problemas.

Mas, por tudo o que sabia, se Alain morresse de um acidente, o Rei a casaria

com o Rollan antes que ela tivesse notícias de Rhys, e então se encontraria em uma

situação ainda mais intolerável. Por sorte, Alain passava a maior parte de seu tempo

em Canfield, ocupado com o que só os Santos sabiam em que tipo de atividades com

lady Rachel. Pelo tempo que tinha passado com ele, seu marido poderia ser só um

nome. E isso lhe vinha muito bem, e era muito mais satisfatório que se encontrar juntoao Rollan frente a um sacerdote.

Talvez devesse enviar aos Fitzgerald de volta ao Ayre simplesmente para

 proteger ao Alain. Tinham que ter viajado com ela a Segrave, com sua comitiva, mas

lhe rogaram que lhes desse permissão para atrasar-se, para poder explorar os arredores

se por acaso houvesse algum inimigo. Qualquer um ia se opor aos desejos desses

homens tão temíveis, de modo que os deixou ao seu ar. Já fazia dias que deveriam ter chegado, mas ainda não lhes via o cabelo. Deveram sair do Ayre mais rápido que a

velocidade que adotaram depois; talvez explorar era uma atividade mais difícil do que

ela tinha imaginado.

— Gwen, disse Joanna, interrompendo seus pensamentos, e se bordasse

algum desenho heróico em uma capa?

— Ele não a poria, mamãe.Suspirou e deixou de lado suas preocupações. Não lhe servia de nada tentar 

adivinhar as intenções do Rhys, porque tinha a certeza de que ele faria as coisas de um

modo que ela não teria escolhido. Isso sim tinha aprendido sobre os homens em sua

curta vida.

— Acredito que vou fazer pregas de lençóis — disse, olhando ao seu redor 

em busca de um tecido apropriado.

— Lençóis?

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Sua mãe parecia surpreendida, e com razão. Em outro tempo isso era a

última coisa que teria elegido fazer.

— Lençóis, repetiu. Para um leito nupcial.

E orou para encontrar nela o homem desejado. Rhys lhe havia dito um ano, e

orou para que transcorresse esse tempo sem incidentes. Supôs que o tempo passaria

rápido. Teria um bebê de que ocupar-se e atender ao Robin também.

Sim, seria capaz de passar um ano sem ansiedade. Haveria intercâmbio de

cartas. Talvez mais adiante inclusive pudesse convencer ao Rhys de expressar um ou

dois sentimentos sem perder nada por isso.

Certamente isso era preferível a ler sobre o que estava comendo. 

Capítulo 25

Janeiro do ano de Nosso Senhor 1206.

Cartas, cartas, ah, a sorte de uma carta bem recebida! Sobre a tosca mesa de

madeira se acumulava uma verdadeira montanha de cartas, lidas e relidas uma vintena

de vezes, pelo puro prazer de ver sobre o papel essas palavras de amor. Que melhor 

maneira de passar uma tarde que relendo essa correspondência com uma boa jarra de

cerveja à mão?

O leitor de cartas meteu um dedo entre os lábios, como considerando dúbio a

que pilha de cartas atender em primeiro lugar. Em realidade, a decisão não era muito

difícil, porque tinha um par de novas epístolas para digerir. Pouco importava qual

escolhesse; cada uma seria deliciosa a sua maneira. Com um encolhimento de ombros

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agarrou a que estava mais perto de sua jarra de cerveja.

Leu-a e sorriu. Era francamente assombroso como o passar do tempo tinha

escolhido a formalidade das primeiras cartas.

 

Epifanía, 1206

Minha bem amada Gwen:

Por fim terminou o comprido assedio, e consegui que o Conde d'Auber,

motivado pelo medo, pagasse-me mais ouro que o que tinha a intenção de gastar, mas

o custo para mim foi seis meses mais ao seu serviço do que eu imaginava que me

exigiria. Com este ouro acredito que tenho suficiente inclusive para as mãosambiciosas de João, e sobrará para enviar a Roma, para adoçar o humor do Papa.

Estou seguro de que terá sua liberdade e a de Robin também.

Espere-me ao fim da primavera. Levarei comigo um punhado de moços para

assegurar Wyckham.

Sempre seu servidor 

 Rhys de Piaget

 

O leitor deixou a carta a um lado com supremo cuidado, e pôs sobre a mesa

outra carta selada escrita por outra mão. Esta não vinha tão manchada como a outra; só

trazia as manchas que deixaram as mãos da pessoa que a escreveu e as de um sómensageiro. O selo de cera estava intacto.

Mas o selo se fez pó com a pressa, bastante indecorosa, com que o leitor 

abriu a carta; embora em realidade, isso não tinha nenhuma importância posto que

ninguém se inteirasse desse descuido, porque ali acabaria a viagem da carta.

O leitor começou a ler e começou a rir. A verdade era que em algumas partes

as palavras eram tão divertidas que tinha que jogar a cabeça atrás para rir a

gargalhadas. Se não outra coisa, a autora dessa carta menos que desagradável tinha

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estudado muito bem a anatomia eqüina e aproveitado ao máximo esses estudos. Muito

criativa, a verdade; lástima que sir Rhys não fosse lê-la nunca.

Sem deixar de sorrir, deixou a carta a um lado e agarrou uma folha limpa de

 pergaminho. Afiou sua pluma, molhou-a na tinta e se deu um ou dois golpecitos na

frente com o outro extremo da pluma para começar a dirigir seus pensamentos na

direção correta. Fluiu a inspiração e se dispôs a escrever.

 

Meu bem amado Rhys:

Quanto te sinto falta! Quantas noites me desvelo pensando em você,sonhando que estou entre seus braços fortes e viris! Se apresse, meu amor, e me libere

desta prisão. Não penso em ninguém fora de ti, não desejo a ninguém fora de ti. Traga

todo seu ouro para que possa subornar a todo mundo da Inglaterra para me ter.

Rollan deixou a pluma, franziu os lábios e soltou uma maldição ao

compreender que talvez isso fosse menos sutil do que teria desejado. Gwen não teria

falado do ouro. Também começou a ter sérias dúvidas em relação à conveniência deutilizar a expressão «braços viris».

Maldição; teria que começar a carta de novo.

Com um suspiro, enrugou a folha que tinha debaixo de sua pluma e a jogou

no fogo da lareira. Agarrou outra folha de pergaminho limpo e recomeçou a tarefa,

concentrando-se ao máximo em ter na primeira linha de seus pensamentos as frases

que tinha usado em todas as outras cartas que tinha enviado ao Rhys em nome deGwen durante os três últimos anos. Tinha-lhe levado um par de meses aperfeiçoando a

imitação da boa letra de Gwen, mas a maior dificuldade com que tropeçou foi

adivinhar que expressões teria usado ela para dirigir-se ao galhardo sir Rhys.

Quando terminou, releu o fruto de seus árduos esforços. A carta gotejava

sentimento, de modo que, satisfeito, passou areia sobre a tinta para que se secasse mais

rápido. Depois enrolou o pergaminho, inclinou a vela para que gotejasse sobre as

 bordas e finalmente pressionou sobre a cera quente uma cópia perfeita do selo de

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Gwen. Feito isso, levantou-se, saiu do melhor quarto da estalagem, procurou a seu

mensageiro e o enviou em sua missão, acompanhado por uma bolsinha de ouro. A

soma não o preocupava, já que procedia diretamente dos cofres do Alain. Sorriu

 placidamente; que alma mais confiante era seu irmão.

Tinha-lhe resultado difícil interceptar a correspondência em ambos os

sentidos, posto que Gwen passava a maior parte do tempo com sua mãe em Segrave,

mas para ele isso só tinha significado um desafio acrescentado. E quando o ouro não

era o bastante convincente, utilizava outros meios. Todo homem tinha suas

debilidades: vulnerabilidade ao suborno, mulheres, veneno... Tinha comprovado que a

lista era longuíssima em realidade.Voltou para seu quarto seguido por uma criada carregada com uma bandeja

cheia do melhor que oferecia a estalagem. Não o surpreendia que a comida ali fosse

melhor que a que teria encontrado no Ayre. Isso era culpa de Alain; ninguém se deita

com a filha do cozinheiro, ante os próprios narizes do cozinheiro, sem encontrar, a

 partir desse momento, algum tipo de retribuição em seu pão. Voltou a sentar-se ante

sua mesa movendo a cabeça; a discrição nunca tinha sido a característica mais forte deseu irmão.

Lançou-lhe uma moeda à moça, que a agarrou e saiu correndo do quarto. Por 

um momento tinha tido a tentação de fazer que ficasse, mas desprezou a idéia.

Desejava saborear o último capítulo de sua melhor mutreta, e para fazer isso precisava

estar sozinho.

Certamente os sentimentos de Gwen por Rhys já teriam esfriado até o pontode não poder reencender-se. Depois de tudo, não tinha recebido notícias dele durante

quase três anos. O que faria quando ele chegasse ao castelo com seu coração na mão?

Matá-lo com uma flecha, pensou Rollan, se sua sorte não o abandonasse.

Reclinou-se no respaldo de sua cadeira e sorriu. E ali estaria ele, preparado

 para entrar em cena e consolá-la.

Ah, sim, a vida era maravilhosa em realidade.

 

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Capítulo 26 

  Junho do ano de Nosso Senhor 1206.

Segrave.

Necessitava de uma mudança.Gwen olhou o linho sobre o qual tinha a agulha e soltou uma maldição; teria

que se desfazer a metade do trabalho feito essa manhã. O desenho tinha perdido forma

há horas e ela sem dar-se conta! Era roupa para seu leito nupcial, uma capa para um

travesseiro de penugem, bordada com todo tipo de flores e pontos formosos. Não

sentia o menor indício de culpa por não estar costurando para as camas do Ayre.

Suspeitava que se alguma vez voltasse para castelo de seu marido, a roupa de cama

seria a menor de suas preocupações. Estremeceu ao imaginar como se teria

multiplicado o lixo e a sujeira durante os três anos em que não tinha posto os pés ali

dentro.

Era difícil acreditar que tivesse transcorrido tanto tempo. Três anos de

costuras e bordados; três anos de esperar notícias de certo homem. Três anos de

 passando da preocupação ao ressentimento, e do ressentimento ao aborrecimento.

Não, não zanga.

Raiva furiosa.

E não era que não tivesse tido notícias das aventuras do Rhys, porque sim as

tinha tido, com detalhes bastante surpreendentes, além disso, e procedentes da fonte

mais inesperada. Cada vez que Rollan fazia uma pausa em suas maldades para visitar 

Segrave, trazia uma nova aventura do Rhys para lhe relatar. Como conseguia Rollan

essa informação, não sabia, mas era difícil duvidar de sua verdade. Certamente Rhys

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era capaz de vencer a dezenas de cavalheiros nos torneios de todo o continente, e

cobrar resgate para lhes perdoar a vida; certamente tinha a perícia e coragem

suficientes para que muitos senhores franceses o contratassem para que combatesse

suas batalhas; e era mais que preparado para passar seu bom tempo na corte francesa

cortejando a qualquer nobre que encontrasse ali.

Ou às damas, se pudesse dar crédito às fofocas de Rollan.

O que ela não entendia era por que, tendo todas essas outras habilidades,

Rhys não conseguia encontrar sua capacidade para pôr tinta sobre pergaminho e contar 

ele mesmo seus êxitos. Era porque estava muito ocupado no campo de batalha? Ou era

 porque estava muito ocupado no quarto?Ou seria que tinha pensado melhor e já não desejava enredar-se na

desesperada situação dela?

Jogou a costura na cesta que tinha aos seus pés e saiu do quarto,

abandonando a sua mãe e as suas damas. Que lástima não ter conseguido convencer ao

senhor Sócrates e a sua neta de que fossem com ela a Segrave. Assim teria podido

 passar mais tempo com eles e aprender tudo sobre cura. Mas não, eles seguiam noAyre e ela seguia em Segrave, desejando uma boa mudança.

Seus filhos nem sequer estavam acordados para entreter-se com eles. Robin

estava dormindo na cama da Joanna, absolutamente esgotado depois de passar boa

  parte da manhã lutando com o Connor e Jared. Pelo visto, os gêmeos estavam

convencidos de que o menino não podia por menos que beneficiar-se a começar sua

aprendizagem a essa idade tão pequena. Ela tinha tido suas dúvidas, até que viu comque carinho cuidavam de seu filho. Talvez tivesse sido uma boa coisa deixar ao

menino com eles quando era um bebê para que ela pudesse escutar às escondidas as

conversas de Alain. Certamente não havia no castelo duas almas mais dispostas e

capazes de cuidá-lo que os Fitzgerald.

Suspirou e se dirigiu à sala grande. Encontrou-a deserta e o bastante

tentadora para induzi-la a ficar ali a gozar da quietude. Mas não, isso não era

suficiente. Precisava sentir o ar fresco e talvez um pouquinho de luz do sol.

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Mas tão logo abriu a porta para sair, notou que passava algo. Normalmente

Segrave era um lugar tranqüilo, em que os muitos e leais cavalheiros se ocupavam de

suas coisas com ar crédulo e seguro. Mas nesse momento o pátio de armas parecia um

verdadeiro galinheiro alvoroçado.

Correu simplesmente porque todos outros corriam, não fosse que se não

corria resultasse pisoteada. Furtou o corpo a cavalheiros com malha, a cavalheiros

com meia malha e a cavalheiros que se davam palmadas por toda parte para certificar-

se de que levavam todas as armas que lhes era possível levar.

Por todos os Santos, estavam atacando o castelo? Tinha desejado uma

mudança, sim, mas não um assédio.Desesperada, lamentou que não lhe tivesse ocorrido por roupa mais

apropriada e talvez o cinto com sua espada na cintura. Nem sequer levava uma faca na

manga; bom, sim levava um par de agulhas de costurar no bolso de seu cinturão. Teria

que arrumar-lhe com isso.

Chegou correndo, subiu correndo a escada e saiu como uma tromba no

  pequeno terraço circular, Surpreendida descobriu ali a sir Montgomery, apoiado prazerosamente no parapeito. Bom, pelo menos ele não estava muito preocupado pelo

que ocorria.

— E bem? A que se deve esta comoção, por todos os Santos? — perguntou-

lhe.

Montgomery estendeu o braço apontando para os campos. Gwen seguiu a

direção de seu dedo, entreabrindo os olhos para ver o que ao parecer ele via com todaclaridade.

— Mercadores, disse. Daqui vejo o brilho das pedras preciosas.

— O que vê, senhora, não é o brilho de pedras preciosas, é o brilho do sol em

armaduras.

Ela franziu os lábios.

— Essas são imaginações tuas.

— Você crê?

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A verdade é que suspeitava que talvez fosse certo, porque Montgomery tinha

muito boa vista. Se dizia que via uma armadura, pois uma armadura tinha visto.

— Amigos ou inimigos? — perguntou.

— Isso toca a ti decidir.

— Hoje não tenho a cabeça para adivinhações, disse ela. É Alain?

— Ainda está em Londres, ou isso ouvi.

— Inclinando a cabeça ao Rei e deitando-se com as damas da rainha, sem

dúvida, resmungou ela.

— Sem dúvida.

Gwen fez viseira com a mão e continuou observando o avanço do pequenogrupo por seus campos.

— Têm bastante pressa — comentou.

— Sim, tal como tinha imaginado.

Ela calculou onde poderia lhe cravar a agulha para lhe fazer mais dano. Ele

levantou as mãos em sinal de rendição.

— Eu não tive nada que ver, disse.— Com o que?

— Com a chegada destes moços.

— Que moços?

Ele aumentou os olhos, surpreso.

— Vamos, os moços do Rhys, claro.

Gwen não teria se surpreendido tanto se lhe houvesse dito que tinha baixadoSão Jorge a sua mesa para lhe mostrar seus nodosos joelhos.

— Impossível, sussurrou.

— Não, é ele, seriamente.

— Vê-o daqui?

— Sim — disse ele, e retrocedeu até ficar fora de alcance. Sorriu cauteloso:

Eu diria que está agradada.

— Agradada? — exclamou ela. Agradada?

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Bruscamente se girou e se inclinou a levantar a tampa que dava à escada:

— Baixem a ponte! — gritou. Suba a ponte!

— Milady! — exclamou Montgomery.

Ela se voltou e o apontou com um dedo ameaçador.

— Você se cale! — ordenou-lhe. Voltou a aparecer à escada. E bem? Não

ouço nenhum chiado de dobradiças.

Na barbacana se deteve todo movimento. Lentamente apareceu uma cabeça

 pela curva da escada e dois olhos aumentados a olharam desde debaixo de um elmo.

— Mas milady, ousou dizer um guarda. É Rhys de...

— Sei condenadamente bem quem é! — gritou ela. Agora façam o queordenei e assegurem o maldito castelo.

A boca do guarda começou a mover-se em silêncio. Gwen pôs os olhos em

 branco. Quão único faltava. É que o homem que se aproximava ia ter o mesmo efeito

em todas as benditas almas do castelo?

— Farei eu, ladrou agarrando-as saias e pondo um pé no primeiro degrau.

— Acredito que não alcançará a fazê-lo, disse Montgomery detrás dela. Derepente aceleraram o passo.

Gwen correu a aparecer ao parapeito e observou a lonjura. Por desgraça,

inclusive ela era capaz de ver que o grupo de soldados que vinham rapidamente.

— Oh, por todos os Santos! — exclamou.

Montgomery tinha voltado para sua postura indiferente e a olhava com um

sorriso de diversão.— Nenhuma porta lhe impedirá de entrar, disse.

— Esta sim, respondeu ela muito confiante.

— Nem nenhuma ponte, diria eu — continuou ele pensativo, como se

estivesse meditando sobre uma grande verdade. Ouvi dizer que é capaz de escalar uma

muralha exterior com apenas suas mãos.

Gwen emitiu o bufo mais zombador que conseguiu tirar.

— E note como se deu ao trabalho de trazer com ele o seu exército — 

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continuou ele sorrindo e olhando-a com olhos muito inocentes. Por todos os Santos,

senhora, neste castelo deve haver algo que deseja muitíssimo. Diria-se que veio

 preparado para combater por isso.

— O que deseja não pode ter — ladrou ela sentindo a odiosa ardência de

lágrimas em seus olhos. Chega muito tarde. Três anos é muito tarde.

Começou a baixar, fechou a tampa de um golpe e continuou baixando com a

maior pressa que se atreveu. Deu claramente as ordens aos guardas das portas e logo

correu pelo pátio de armas até a torre da comemoração. O pátio seguia sendo um

caldeirão de atividade cavalheiresca. Talvez os homens corressem para ficar 

apresentáveis.Ou talvez fossem em busca de um esconderijo, para que Rhys não passasse

 por cima deles se os encontrasse em seu caminho.

Entrou na sala grande, voltou-se e fechou a enorme porta também. Bom,

quase; havia vários pares de mãos tentando impedir. Gwen apareceu pela abertura e

olhou furiosa a uns seis dos guardas mais robustos de Segrave.

— Se ponham de lado, ordenou.Todos se revolveram nervosos. Um valente falou:

— É insensato lhe impedir de entrar, milady.

— E deixaria a sua mercê, estúpido? — perguntou ela. Por todos os Santos,

sou sua senhora.

— E ele é Rhys de Piaget — disse o outro, atemorizado, como se referisse a

São Miguel.— Maior motivo para deixá-lo de fora. E agora, se ponham de lado!

Eles nem sequer pestanejaram.

Gwen considerou a possibilidade de apropriar-se de uma de suas adagas, mas

só o céu sabia o que poderia lhe conduzir esse ato. Agarrou as chaves que penduravam

de seu cinturão, e com a maior cravou ao homem que tinha mais perto. Isso causou

 pouca impressão, de modo que pinçou em sua bolsa para tirar sua agulha mais fina.

Armada com a agulha em uma mão e a chave na outra, cravou, cravou e golpeou até

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que ditos cavalheiros retrocederam e se retiraram da porta. Enquanto eles se retorciam

um da dor causada por diversas e pequenas lesões irritantes, ela fechou de um golpe a

 porta e começou a trabalhar em inserir a tranca em suas argolas.

Não houve forma de segurar a tranca. Gwen se rendeu sem lutar e apoiou as

costas na porta. Afirmou os pés em uma parte áspera do chão, para não escorregar, e

se preparou para o pior.

— Milady, chamou uma voz masculina de fora em tom suplicante, rogamo-

lhe que deixe de...

— Vá, covarde! — gritou ela em tom autoritário. Não temo a esse demônio

vestido de negro. Eu sozinha defenderei o lugar contra ele.Não houve nenhuma resposta formal, mas Gwen os ouviu conferenciar entre

eles com sussurros frenéticos. Sem dúvida se estavam devaneando os miolos em busca

de outra tática para conseguir sua colaboração.

— Milady — insistiu o porta-voz-, se quisesse...

— Não quero! Fora daí todos!

— Mas, milady, Piaget é o capitão de sua guarda pessoal...— Já não é!

Ao parecer ficaram ruminando isso durante outros momentos. Gwen

acomodou melhor as costas e fez provisão das forças que necessitaria para manter a

 porta firmemente fechada.

— Talvez estivesse retido estas muitas estações, sugeriu o guarda.

— Sim, por outros assuntos mais importantes! — acrescentou outro commuito entusiasmo.

— Cala a boca, imbecil — lhe sussurrou outro guarda, frenético. Crê que

isso vai agradar a seus ouvidos?

— Não, não é isso o que deseja ouvir uma dama — sussurrou outro, com

certa ironia. Esclareceu-se garganta e disse em voz alta. Milady estou seguro de que

sir Rhys foi feito cativo ou foi retido injustamente na corte francesa.

Gwen fez ouvidos surdos ao resto da lista de desculpas. Só eram palavras, e

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fazia tempo que tinha compreendido que as palavras tinham pouco peso nos assuntos

do coração. Não sempre tinha acreditado isso. Acaso não era a uma palavra que se

tinha obstinado durante meses depois que ele partiu?

«Espere-me.»

Sim, espere um ano. Ou, conhecendo o Rhys, talvez um pouco mais de um

ano, até que tivesse saqueado os cofres de todo o continente a satisfação. Um ano, não

três.

Ouviu várias exclamações afogadas ao outro lado da porta. Tratou de firmar 

mais os sapatos no chão. Era uma lástima que o chão fosse de pedra e não de terra. Na

terra teria se firmado melhor.De repente o silêncio era absoluto. Imaginou que ouvia ruído de cascos de

cavalos, mas não estava segura. O coração martelava tão forte em quão ouvidos não

 podia estar segura.

O tímido golpe na porta quase fez que se deprimisse.

— O que? — perguntou, com seu tom mais altivo, rogando que não tivesse

soado tão fraco como o sentiram seus ouvidos.— Milady — disse uma voz trêmula, teria a amabilidade de abrir a porta?

— Não.

— Mas, milady, é que ele se agarrou da ponte levadiça antes que subisse de

todo, e rodou por ele...

— E passou por debaixo do restelo antes que descesse de todo, interrompeu

outro.— E com uma só mão levantou o restelo e baixou a ponte para que entrasse

todo seu exército — acabou outro quase sem fôlego, como se esse último ato fosse

 prova irrefutável dos poderes divinos de Rhys.

— Não poderia me importar menos, exclamou ela.

— Ai — gemeu outro cavalheiro, como se já se considerasse um homem

morto, suplicamo-lhe isso, milady. Temos famílias, meninos pequenos que necessitam

de seus pais. Eu, sem ir mais longe, tenho uma esposa com o ventre inchado a ponto

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de arrebentar, e se eu não estiver ali para me preocupar de alimentar a esse filho, e aos

outros dez...

— OH, por todos os Santos — gemeu Gwen.

Abriria a porta e convidaria Rhys a entrar. Friamente, como o faria uma

grande senhora em seus domínios. Não manifestaria nenhuma emoção, não levantaria

a voz, não derramaria nenhuma só lágrima. Permaneceria totalmente ao mando de si

mesma e do encontro.

Voltou-se e abriu lentamente a porta. Com um majestoso movimento da mão

indicou ao punhado de cavalheiros ajoelhados a seus pés que baixassem ao pátio.

Elevou o queixo e olhou desdenhosa a visita que a aguardava. E se não tivesse estadotão ao mando de si mesmo e de suas emoções, teria caído de joelhos e suplicado

clemência.

Trinta guerreiros de aspecto estranho e rostos implacáveis a contemplavam.

Cada um estava vestido de negro da cabeça aos pés. Cada um levava uma armadura

que tinha sido remendada e reparada incontáveis vezes. Os elmos tinham arranhões e

rasgos; as capas estavam remendadas e poeirentas pela viagem; as selas de montar estavam puídas e gretadas. E estavam os rostos, duros, inflexíveis, experimentados.

Mercenários, todos eles. Era a horda de cavalheiros mais rudes que já tinha visto em

toda sua vida.

Um grupo aterrador de homens, sem dúvida.

Ah, e aí estava John, por certo. Fazia o número trinta e um, mas embora

vestisse de negro igual aos outros, sua cara recém lavada e seu sorriso idiota odistinguia do resto. Olhou furiosa ao seu cunhado e voltou sua atenção às almas mais

temíveis.

Um homem fez avançar a seu corcel negro de guerra açulando-o com os

 joelhos. Quando desmontou, trinta mãos baixaram aos punhos de suas espadas. O

homem levantou a mão em sinal de paz e todo seu grupo de demônios relaxou

imediatamente. A seu pesar, Gwen sentiu admiração. Precisava ser um homem muito

forte para impor essa lealdade a homens cuja lealdade provavelmente só se podia

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comprar.

O homem pôs um pé no primeiro degrau e se deteve. Seus olhos cinza

acerados a olharam desde dentro de um maltratado elmo. Depois levantou suas

enormes mãos para tirar o elmo e jogar para trás a touca de malha. Os cabelos negros

despenteados caíram sobre seus largos ombros, uns ombros que deveriam ter feito sua

aparição muitíssimo antes. Os olhos cinza fizeram uma alegre piscada e um sorriso

tolo adornou os lábios que eram o tema dos sonhos de uma donzela atordoada.

— Bom dia querida, disse ele subindo os degraus com alegre segurança e

estendendo a mão para agarrar a sua. Vim o mais breve possível. Esperava te

encontrar no Ayre. Porque fechou as portas de sua mãe? É que não me reconheceu?Ela se tinha prometido não lhe gritar; tinha jurado que não derramaria

nenhuma só lágrima em sua presença. Não tinha duvidado de sua capacidade para

despedi-lo com um só gesto de sua mão e que isso lhe bastaria para sentir-se satisfeita.

Mas nesse momento descobriu que permanecer imutável era a última coisa

que desejava fazer.

Retirou sua mão da dele. E isso era quão único pretendia fazer, de verdade.Mas resultou que seus dedos formaram um punho.

E então esse punho fez o que tinha ansiado fazer durante quase três anos.

 

Capítulo 27 

— Maldita seja, Gwen! Por que sempre tem que fazer isto? — exclamou

Rhys, retrocedendo cambaleante pelos degraus.

Várias exclamações acompanharam a reunião de seus pés com a terra do

 pátio.

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Rhys esfregou brandamente o nariz com as duas mãos e olhou ao seu redor.

Os lastimosos guardas de Segrave, que se tinham agrupado na porta da sala

grande, olhavam-no boquiabertos. John seguia montado em seu cavalo, com a boca

igualmente aberta. Seus soldados estavam atônitos, tal como deviam estar; tinha

derrotado a cada um deles tão completamente que jamais nenhum se atrevia a

contradizê-lo em nada. Provavelmente vê-lo derrotado por uma mulher tinha dissipado

o que ficava de julgamento em seu exército.

Depois olhou a sua direita e viu os gêmeos Fitzgerald, olhando a Gwen, não

a ele, com expressões de satisfação suprema, como se eles lhe tivessem ensinado essa

maldita manobra. Surpreendeu-o um pouquinho vê-los ali; estava claro que no par deanos passados as tinham arrumado para chegar a Segrave intactos; teve a impressão,

apoiando-se na dor que sentia no nariz, de que teria sido melhor se tivessem ficado no

Ayre.

De repente ouviu o som de uma risada. Olhou para o lugar de onde provinha

e viu o Montgomery, à direita do Jared, tampando-a boca com um ou dois dedos, e os

olhos molhados de lágrimas.Rhys calculou se teria tempo para humilhar ao seu amigo no campo de

 batalha antes de descobrir o que acontecia com Gwen. Montgomery sorriu e levantou

a mão em sinal de rendição.

— Não fui eu quem te fez sangrar o nariz — lhe disse, voltando a sorrir.

Nesse momento notou muitos murmúrios entre seus mercenários; voltou-se e

 passeou por eles seu olhar severo. Como um só homem, todos fecharam a boca erepentinamente encontraram outras coisas que olhar além dele.

Rhys girou novamente a olhar a sua dama e lhe dirigiu o mesmo olhar que

acabava de dirigir aos seus homens.

— E esta é a saudação que recebo? — perguntou-lhe, e subiu os degraus.

Depois de três longos anos de me derrubando no pó, dormindo sobre minha espada e

arriscando minha vida em guerras e torneios? Passou a manga pelo nariz sangrando.

Esta é a saudação que recebo?

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Ela o olhou com tanta frieza que ele sentiu como se o frio do inverno o

 percorresse inteiro.

— Não, disse ela com voz clara, é esta: Vá ao diabo.

E dito isso girou sobre seus pés e desapareceu dentro da sala, dando uma

 portada.

Se ele não a tivesse visto com seus próprios olhos, teria acreditado que

acabava de entrar em outro castelo.

Ficou olhando a porta fechada, sentindo-se mais perplexo que em toda sua

vida. Pelo tom de suas cartas tinha chegado a pensar que ela ia estar esperando

ansiosamente sua chegada. Tinha esperado lágrimas de alegria; tinha esperado sorrisose olhares de amor. Certamente não tinha esperado um murro no nariz.

— Por sorte não tinha uma espada ao seu dispor, disse de repente Jared. Isso

te teria feito mais dano que esse pequeno machucado.

— Sobretudo tendo em conta o que eu lhe ensinei, acrescentou Connor.

— Você? E o que você lhe ensinou? Fui eu o que lhe ensinei a aproximar-se

coquetamente e olhá-lo pestanejando rapidamente enquanto lhe enterra uma adaga nascostelas...

— Mas eu lhe ensinei a olhar distraidamente o bordado de sua manga

enquanto tira a adaga da bainha atada ao braço e a enterra no gogó...

— Sim, um ataque feminino como não tinha visto nunca; por isso eu lhe

ensinei a distrair ao inimigo mostrando os dentes com um feroz sorriso enquanto lhe

enterra a agulha que leva na bolsa...Rhys tratou de distrair-se do que lhe tinham ensinado ao Gwen olhando aos

gêmeos em busca de novas cicatrizes. Jared tinha uma ou duas pequenas na frente,

uma larga e avermelhada em um antebraço, que parecia recente, e tinha enfaixada uma

mão.

Ao Connor faltava uma parte da orelha esquerda.

— Permitiram-lhe que afiasse essa espada? — perguntou-lhes.

Connor e Jared interromperam a discussão e o olharam pestanejando.

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— Sim ou não? — insistiu Rhys.

Connor franziu os lábios.

— Não vimos nenhum mal nisso.

— Eu diria que sua orelha poderia ter uma opinião diferente, lhe disse Rhys.

Connor cruzou de braços e o olhou carrancudo.

— Tínhamos que manter ocupado ao menino de algum jeito. Ela esteve

 potentemente irritada estes dois últimos anos.

— E como sempre a culpa é dele, acrescentou Jared com um grunhido.

 Nunca escreve.

— Nunca escrevo? — repetiu Rhys. É obvio que escrevo. Escrevi-lhe!Escrevi-lhe a cada quinze malditos dias durante quase três anos, e o que tive que

gastar no envio das cartas.

Connor e Jared pestanejaram várias vezes, sinal inequívoco de que lhes

custava digerir o que acabavam de ouvir. E Montgomery o olhava boquiaberto pela

surpresa.

Rhys franziu o cenho. Algo não ia bem.Voltou-se para seu desarrumado grupo de seguidores e os despediu com um

movimento da mão. Tinha-lhes dado ordens de que instalassem seu acampamento fora

das muralhas e as arrumassem para procurar seu sustento na aldeia. Esperou até que

 partiram, e continuou esperando, dando golpes com o pé, até que viu que John se

encarregava de levar os cavalos ao estábulo. Depois se voltou para o Montgomery.

Montgomery seguia olhando-o surpreso.— Tenho a impressão de que há coisas das quais devemos falar.

— Escreveu-lhe?

— E bem difícil que era fazê-lo também. Se soubesse os lugares em que

estive só o ano passado...

— Gwen só recebeu duas cartas, disse Montgomery. E as duas no par de

meses seguintes a sua marcha.

Esta vez tocou ao Rhys ficar com a boca aberta.

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— Só duas cartas?

— Sim. E se não fosse pelas ocasionais fofocas que ouvíamos nestes muitos

meses passados, lhe teríamos acreditado morto.

— Mas se lhe enviei dezenas de cartas! E ela me respondia!

Montgomery negou com a cabeça.

— Parece-me que entendeu mal. Estranhamente ela não as recebeu e nem as

respondeu.

— E você lia as cartas que me enviava?

— Ela me obrigava. Suponho que queria ver como reagiria um homem.

— Mas se suas cartas estavam cheias de amor!— Rhys, meu amigo, ou você perdeu o julgamento ou não recebia as cartas

que ela te mandava.

Sem acrescentar outra palavra, Rhys pôs-se a caminhar detrás do John. Por 

fortuna, seu escudeiro não tinha avançado muito em seu caminho ao estábulo, talvez

 porque tinha preferido ficar a escutar, portanto lhe deu alcance rapidamente. Pinçou

em seus alforjes, tirou um maço de cartas e voltou para largas pernadas à torre dacomemoração. Entrou na sala grande e se deteve em seco, ao compreender que não

tinha idéia de onde poderia ter se escondido sua dama.

Tinha estado no Segrave, certo, mas fazia muitos anos disso. Não havia

ninguém na mesa do senhor para lhe perguntar onde podia encontrá-la. O primeiro

criado ao que se aproximou, olhou-o e fugiu correndo para lugares desconhecidos.

E então ouviu um débil rumor de maldições.Bom, pensou filosoficamente, pelo menos se podia dizer uma coisa a favor 

de estar em desgraça; fazia menos difícil descobrir o paradeiro da maldizente.

Seguindo o som, subiu a escada e continuou pelo corredor. Ao chegar a uma

 porta que lhe pareceu à correta, deteve-se para concentrar-se. Com as provas de seu

amor fortemente agarradas na mão, abriu a porta.

— E se esse pomposo traseiro de cavalo acredita que...

Gwen se deteve em meia maldição e o olhou furiosa. Rhys passeou o olhar 

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 pelo quarto para ver quem tinham sido testemunhas dos insultos. Um punhado das

damas do Segrave estavam sentadas perto da janela costurando diligentemente. Gwen

estava de pé, e ele suspeitou que tivesse estado passeando-se com a mesma diligência.

Joanna estava sentada na cadeira mais larga e melhor, com uma menina pequena na

saia. Com a extremidade do olho viu que Robin também estava presente no quarto,

representando uma batalha com figuras de madeira; presente dos Fitzgerald, sem

dúvida. Também lhe tinham dado um jogo parecido, embora quando o recebeu já

 brandia uma espada pequena, e jogava inventando batalhas com o mesmo entusiasmo

com que parecia estar jogando Robin. Sim que tinha crescido o menino, pensou,

elevando uma sobrancelha.— Vamos falar em privado, declarou Joanna. Senhoras, por favor?

Os trabalhos foram depositados em cestas e cinco mulheres passaram em fila

diante dele, de bastante má vontade. Rhys franziu o cenho; provavelmente as mulheres

lamentavam não poder ouvir mais dos insultos e difamações que sem dúvida tinham

estado desfrutando até esse momento.

— Fecha a porta, por favor, senhor cavalheiro — lhe pediu Joanna com umsorriso.

— Para que? — exclamou Gwen, asperamente. Não me importa que todo o

castelo se inteire do que tenho que dizer dele.

Rhys olhou de uma mulher à outra e decidiu rapidamente a qual devia

dirigir-se primeiro. Fechou a porta, atravessou a sala e se ajoelhou aos pés da Joanna.

Tinha dolorosa consciência de sua roupa manchada pela viagem e seus cabelos poeirentos, mas isso não podia remediá-lo. Dirigiu-lhe seu melhor sorriso.

— Lady Joanna, lhe disse inclinando a cabeça, que Deus derrame suas

 bênçãos sobre ti e os teus. Meu avô e minha mãe lhe enviam suas saudações.

— Como está Mary? — perguntou ela. Segue feliz com sua vocação?

Rhys levantou a cabeça e lhe sorriu.

— Sim, milady, está muito contente.

— E deixaste ao seu avô com boa saúde?

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— E fazendo tantas travessuras como sempre. Seu único pesar é não ter 

 podido vir comigo a ver-te pessoalmente. Diz que ver a ti é o único motivo em toda a

Inglaterra que vale a pena fazer a viagem.

Joanna se ruborizou e Rhys teve que deixar de sorrir ao vê-la formosa e

encantadora. Não era de estranhar que os homens inventassem pretextos para deter-se

no Segrave e ficar ali um ou dois dias; Joanna bem valia a pena o atraso. Devia ter 

sido muito jovem quando teve a Gwen, porque seguia sendo imensamente bela e mais

 parecia uma irmã dela que sua mãe. Não podia por menos que estar de acordo com as

 palavras de seu avô, embora ele tivesse feito a viagem simplesmente pela Gwen, fosse

qual fosse sua aparência.E nesses momentos Gwen estava bastante indignada. Voltou-se para ela e

tentou lhe sorrir para ver como iriam as coisas.

Em troca do sorriso lhe dirigiu um olhar irado.

Ah, bom, talvez um pouco mais de conversa com a senhora do Segrave daria

tempo a seu amor para esfriar sua cólera. Voltou novamente sua atenção a Joanna, e ao

fazê-lo se fixou na menina pequena que tinha sentada em sua saia. E então notou quesua boca ficava aberta como por vontade própria.

A menina era de Gwen, não podia ser de outra mulher. Já se parecia tanto a

sua mãe como sua mãe se parecia com lady Joanna. Ninguém poderia imaginar que

esses olhos cor verde mar pertencessem a uma mulher de outra linhagem.

— De quem é? — perguntou com voz afogada.

— Minha, grunhiu Gwen.— Vamos, Gwen — disse Joanna docemente. Não há nenhuma necessidade

de empregar esse tom.

— Nenhuma necessidade? — exclamou Gwen. Apontou ao Rhys com um

dedo trêmulo. Deixa-me sozinha três anos e logo sobe pisando em forte em minhas

escadas como se esperasse que eu me jogasse diretamente em seus braços.

— Verá, sir Rhys — suspirou Joanna, passou um pouquinho de tempo da

última vez que Gwen recebeu...

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— Três anos! — gritou Gwen.

— Três anos, concordou Joanna desde que Gwen teve notícias tuas. Estava

 preocupada, compreensivelmente.

— Não estava preocupada, corrigiu Gwen. Estava furiosa!

Joanna se reclinou em sua cadeira, rodeou com seus braços à filha de Gwen e

encolheu de ombros. Já tinha feito seu intento por pôr paz, e passava o assunto a ele.

Rhys suspirou, disse uma rápida oração e se levantou. Talvez se dissesse a

verdade com a maior rapidez possível, Gwen o ouviria e o perdoaria antes de

continuar insultando-o. Estendeu-lhe o maço de cartas como uma oferenda.

— Estas são as cartas que me escreveu. Elas me fizeram pensar que estariafeliz em me ver.

— Então não leu bem o que te escrevi, respondeu ela. E eu não tenho

nenhuma carta sua para mostrar; não recebi nenhuma durante três anos.

— Escrevi-te a cada duas semanas.

— Então não as enviou.

— Pois claro que as enviei!— O excesso do que seja que tenha estado fazendo estes três anos te

debilitou a mente, senhor cavalheiro, porque não recebi nenhuma.

Rhys tirou a última carta que tinha recebido dela e a abriu.

— «Bem amado — leu, espero com ânsia sua volta. Alegrou-me muitíssimo

saber que em maio voltará para a Inglaterra. “Meus braços anseiam voltar para

abraçar.» — Olhou-a. Estas foram suas palavras.— Eu não escrevi isso, disse ela, carrancuda. Em minha última epístola

gastei muitíssima tinta te comparando com o traseiro de um cavalo. E essa era a parte

agradável.

Rhys tirou outra carta, começou a ler, mas se interrompeu ao ver sua cara de

confusão.

— Esta tampouco? — perguntou-lhe.

— Tampouco.

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Rhys olhou a mão cheia de cartas. Um calafrio lhe percorreu todo o corpo.

— Acredito, milady, que fomos enganados.

— Mas se meus mensageiros eram homens de confiança, respondeu ela.

Olhou a sua mãe. Não é?

Joanna parecia tão horrorizada como ele.

— Sim, isso acreditava — disse pensativa. Mas foram interceptadas as cartas

em ambos os sentidos. Quem poderia conseguir fazer isso?

Rhys e Gwen se olharam.

— Rollan, disseram ao mesmo tempo.

A Rhys não cabia a menor duvida, e estava claro que a Gwen tampouco.— Intrigante, disse Joanna em voz baixa. Sim, suspeitei algo assim dele. Mas

aplicar-se deliberadamente a destruir seu afeto...?

— Não me surpreende, disse Rhys energicamente.

— Mas como podem estar seguros? — perguntou Joanna. Poderia ter sido

qualquer um.

— Quem outro se daria a esse trabalho? — disse Gwen. Tem que ter sidoele, não me cabe dúvida, sobretudo sabendo quais são suas verdadeiras intenções.

— Que intenções? — perguntou-lhe Rhys.

— Pouco depois de que foi a França ouvi uma conversa do Rollan consigo

mesmo junto aos barris de cerveja. Ao que parece seu plano é converter-se no senhor 

do Ayre, comigo como sua esposa.

— Um plano modesto, comentou Rhys, mordaz.— Sim, mas desagradável — respondeu ela. O ouvi considerar as vantagens

de livrar-se dos estorvos empurrando todos pela escada. Não tenho idéia do que

 planejava fazer contigo, mas estou segura de que era algo igualmente horrível. Talvez

seu plano fosse converter-se em senhor do Ayre e de Wyckham.

Senhor de Wyckham, pensou Rhys. Ele se tinha convertido nisso aos vinte e

seis anos, mas em certo modo nunca tinha chegado a significar nada para ele,

 provavelmente porque sua terra estava ocupada por um maldito exército, e ele não

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tinha tido a capacidade para tomar posse dela.

— Que bem que eu voltei para favorecer ao Rollan na realização de seus

 planos, disse com ironia. Olhou a Gwen carrancudo: Poderia me ter escrito para me

contar o que ouviu.

— Fiz, replicou ela.

Rhys suspirou. Não tinha nenhuma resposta a isso, nem maneira de trocar o

ocorrido.

— Esperemos que sua traição só consista nisto, interveio Joanna. Quando

veio me visitar não me pareceu empenhado na destruição.

— Também se encontrava com os Fitzgerald a cada momento, disse Gwen.Duvido de que tivesse tentado fazer algo estando eles aqui.

— Oxalá eu tivesse sabido, disse Rhys a Gwen, carrancudo.

— Teria voltado?

— É obvio, respondeu ele energicamente.

— E perdido sua oportunidade de participar de torneios? Disse ela

suspirando. Olhou-o. Porque suponho que passou seu tempo em torneios.— Participando de torneios, alugando minha espada a quem pagasse mais,

combatendo em guerras. Encolheu os ombros. O que fosse necessário.

— E ganhou o que necessitava?

Ele a olhou e tentou sorrir.

— Sim, e só espero que siga tendo necessidade do que ganhei.

Ela se limitou a olhá-lo, mas ele acreditou ver indícios de abrandamento nascomissuras de seus lábios.

— Se tivesse sabido o que tramava Rollan teria retornado antes, repetiu.

Ela negou com a cabeça.

— Isso não nos teria servido de nada, Rhys, e nada mau resultou da

conversação do Rollan consigo mesmo. Franziu o cenho e acrescentou: bom, nada

mau além de três anos de estar a ponto de estalar de raiva contra ti.

— A ponto? — repetiu Joanna rindo.

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Rhys pensou que seria melhor desviar a atenção de Gwen da fúria que havia

sentido. Esta parecia que tinha esfriado um pouco e já estava mais pormenorizada com

ele.

— Escrevi-te — disse, pensando que não podia haver exagero em repetir 

isso. E gastei muitíssimo ouro em enviar as cartas, acrescentou com a esperança de

que isso a impressionaria.

— Não foi ouro bem gasto, comentou ela.

— Bom, não é certo. Moveu a cabeça, pensativo. Acreditava que estava

muito contente de me esperar.

— E eu acreditava que se deitava com todas as nobres da corte do Felipe.Ele a olhou surpreso.

— Diz em brincadeira, não é?

— É tema de lendas, sir Rhys. Na cama e no campo de batalha.

— Pode estar segura de que a metade desses rumores é falsa.

— Quais? — inquiriu ela. Os de sua destreza com a espada?

— Oh não, disse ele pensando se talvez tivesse a oportunidade de pelomenos desculpar-se por ter pagado em excesso aos seus mensageiros. Sem dúvida

esses não foram tão exagerados. Minha destreza com a espada melhorou muito.

— E como está sua outra arma? — perguntou ela, franzindo o cenho.

— Poeirenta, sem dúvida, por falta de uso.

Joanna soltou uma gargalhada, e se levantou com a menina nos braços.

— Irei ocupar-me de que tragam algum refresco ao nosso pobre e malatendido sir Rhys. Agarre o bebê, Gwen.

Gwen agarrou à menina e Rhys voltou a maravilhar-se de que a pequena já

se parecesse tanto a sua mãe. Gwen sustentou à menina abraçada e esperou que sua

mãe saísse do quarto para falar:

— Esta é Amanda — disse, elevando o queixo como o desafiando a dizer 

algo.

— É uma menina muito formosa.

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— Tem dois anos, continuou ela, e três meses. Alain esperava que fosse

outro menino. Não lhe agradou que fosse uma menina.

— Ah — disse ele, só porque não lhe ocorreu outra coisa dizer.

— Eu não a trocaria, disse ela veementemente.

Rhys se aproximou uns passos, estirou a mão e passou um dedo sujo pela

 bochecha da Amanda.

— Claro que não. Alain é muito curto da vista para não apreciá-la.

Sorriu a Amanda e recebeu dela um repentino sorriso que lhe chegou direito

ao coração. E então, ante sua surpresa, Amanda lhe estendeu os braços. Agarrou-a,

sem fazer caso da opressão que sentiu no peito, sem lhe importar que se enrugassem ascartas que tinha na mão.

Essa menina poderia ter sido dele se as coisas tivessem sido diferentes.

— E ao Robin já o conhece — disse Gwen, convidando o menino a

aproximar-se. Robin, saúde sir Rhys. Esteve na França estes anos, combatendo

corajosamente contra muitos cavalheiros.

Rhys olhou uns enormes olhos cinza que residiam em uma carinha solene.— Robin, uma saudação — insistiu Gwen.

— Bom dia, senhor cavalheiro, disse Robin inclinando a cabeça.

Rhys levantou a cabeça para olhar a Gwen.

— Parece-se menos a ti que Amanda.

— Tem os rasgos de meu pai, disse ela, e seus olhos. Aproximou mais o

menino por volta dela. Só o terei comigo até os sete anos. A essa idade seu pai pretende enviá-lo a criar-se na corte.

Rhys moveu lentamente a cabeça. Não se atrevia a falar diante do menino,

mas jurou que só sobre seu cadáver o menino chegaria às garras do Rei João.

— E agora tem quase cinco anos, disse.

Ela assentiu, e de repente lhe encheram os olhos de lágrimas.

— Dois anos é muito tempo milady, disse ele docemente e nesse tempo

 podem ocorrer muitas coisas.

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— Os homens sempre enviam aos seus filhos a criarem-se em outra família.

— Não todos os homens, lhe assegurou ele. Se eu tivesse um filho o teria em

casa até que tivesse pelo menos doze verões. Só a essa idade um menino valoriza

realmente a aventura de fazer seu próprio caminho. Eu diria que até essa idade vai

melhor aprender seu ofício sob o cuidado de seu pai. Não te parece?

Ela se aproximou mais.

— É possível isso?

Ele sorriu.

— Na França tenho várias arcas de ouro que diriam que sim, é possível.

E antes que ele soubesse o que ia vir a seguir, Gwen lhe rodeou a cinturacom o braço e apoiou a cara em seu peito. Ele só alcançou a rodeá-la com o braço livre

e atraí-la para ele quando ela pôs-se a chorar.

Bom, um pranto era melhor que uma paulada na cabeça; ou outro murro no

nariz.

Ou isso pensou até que Amanda viu os violentos soluços de sua mãe e

começou a chorar por sua conta. E então Robin começou a usar bastante bem seus punhos lhe golpeando ao redor dos quadris e da cintura.

— Uff — exclamou, quando Robin golpeou com certa força uma parte

sensível de seu corpo. Por todos os Santos, moço, sou um amigo, não um inimigo.

— Fez chorar a mamãe, disse o menino com clara desaprovação, mas deixou

de atacá-lo.

— Bom, ela me fez sangrar o nariz, lhe explicou ele.Robin o olhou pensativo, como se estivesse pesando o dano do nariz com os

soluços de sua mãe.

— Acredito que chora porque está feliz, acrescentou Rhys pensando que tipo

de lógica convenceria um menino de cinco anos.

— E por que te golpeou, então, se estava feliz? — perguntou Robin,

carrancudo.

— Ah, bom, é que houve um mal-entendido entre nós, moço, explicou Rhys.

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Com isso me demonstrou seu desagrado. Mas acredito que já me perdoou.

Robin o olhou pensativo, com expressão de estar considerando essa

 possibilidade. Rhys sentiu o ridículo desejo de que a terra o tragasse. Por todos os

Santos, esse menino era muito amadurecido para seus escassos anos. Talvez tivesse

visto mais maus tratos de Alain a sua mãe que o que convinha a seus jovens olhos.

Tinha um olhar muito avaliador.

— Você não é meu pai, declarou Robin.

— Não, moço, não o sou — disse Rhys, com um intenso desejo de sê-lo.

Mas em outro tempo fui o capitão da guarda de sua mãe.

Robin assentiu, pensativo.— Os irmãos Fitzgerald me contaram coisas de você, disse ao fim.

— Boas?

O menino pareceu um pouco mais interessado.

— Sim. Dizem que tem um rubi do tamanho de um ovo no punho de sua

espada.

— Tenho.— E que perdoou a vida a tantos cavalheiros por resgate e que perdeu a conta

do ouro que ganhou.

Perdido a conta? Pensou Rhys sorrindo para seus botões. Os Santos sabiam

quão bem contava a cada moeda de ouro em que tinha posto as mãos nestes três anos.

— Tive muitos êxitos, concordou modestamente.

— Muito bem, pois — disse Robin, com expressão de aprovação.Gwen se afastou e passou a manga pela cara.

— Sir Rhys é um amigo muito querido — disse ao menino, enquanto lhe

alisava com carinho o cabelo, e o julguei muitíssimo mal estes anos.

Robin a olhou algo confuso.

— Então por que o chamava de «canalha insensível» e «bode...»?

— Menino!

Esses insultos tinham saído com tanta facilidade da boca do Robin que Rhys

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não pôde menos que supor que os tinha ouvido o suficiente para dominá-los. A cara de

Gwen adquiriu um alarmante tom de vermelho e tampou a boca do seu filho com a

mão.

— Sim, filho, chamei-o isso e mais, lhe disse. Mas é que havia um mal-

entendido...

— E por isso lhe fez sangrar o nariz — interrompeu o menino, escapando da

sua mão silenciadora. Mas agora tudo está bem?

— Sim, filho.

Então Rhys sentiu todo o impacto do interesse de Robin.

— Mostrará sua espada?— perguntou-lhe o menino. E me ensinará esgrima?Tenho uma espada de madeira, sabe? Todo o tempo a enterro nos gêmeos.

— É melhor isso que feridas que necessitem de costura, disse Rhys sorrindo-

lhe. Depois comentou a Gwen: Parece que Connor está perdendo partes de si mesmo.

— É muito bom para distrair-se, disse ela com certa preocupação. Fica a

alardear de sua destreza e baixa totalmente a guarda.

Rhys notou que o puxavam da manga e baixou a vista para olhar ao que a puxava.

— Uma lição de esgrima? — pediu Robin. Agora?

— A avó lhe preparou algo, disse Gwen; além disso, precisa descansar. Sem

dúvida ele tem feito muitos atos heróicos em sua viagem da França e está cansado.

Talvez amanhã.

- Amanhã — suspirou Robin, como se o tempo que faltava para isso fossemuito para imaginar.

- Talvez uma lição curta esta tarde, disse Rhys. E depois sua mãe e eu

temos muito que falar.

Recuperou seu maço de cartas das mãos de Amanda, sem saber muito bem

como tinham ido parar ali, compreendendo ao mesmo tempo em que os meninos

necessitavam de muita maior vigilância do que tinha imaginado, e o entregou ao

Gwen.

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— Poderia as achar interessante lhe disse.

— Não o duvido. Oxalá me tivesse outras tantas para te mostrar.

Ele a olhou, com o intenso desejo de que um par de olhos cinza encontrasse

algo mais interessante que ele para observar; assim poderia beijá-la. Mas

dolorosamente consciente do olhar de Robin, só pôde lhe sorrir com tristeza.

— Escrevi-te.

— Acredito.

Ele desejou, mais que sua vida e seu fôlego, estreitá-la entre seus braços e

não soltá-la nunca mais. Estava a três anos desejando-a, sonhando com ela,

contentando-se com o pensamento de que ao final seria dele; pensando que cadamomento de separação, cada momento de pensar nela como a esposa do Alain, só

aumentaria a doçura de possuí-la quando conseguisse liberá-la. Estava farto de

combater, farto de gastar os miolos em busca de maneiras de liberá-la do seu

matrimônio com o Ayre, de obter que levasse ao seu filho com ela, de aplacar a todos

os clérigos e Reis que fosse necessário para conseguir seus fins.

E nesse momento estava a um palmo de ter tudo com que tinha sonhado emtodo momento durante três anos e só o que podia fazer era ter a sua filha nos braços e

submeter-se ao exame que fazia dele seu filho em busca de possíveis equipamentos

guerreiros.

E olhar à mulher a que amava mais que à vida.

— Vamos comer agora? — propôs Robin.

Rhys sentiu a mão de Robin meter-se na sua e o braço da Amanda apertar-secom mais força ao redor de seu pescoço.

— Sim, conseguiu dizer, primeiro comida. Depois falamos.

E nesse momento jurou não soltar nunca a esses três. Fosse qual fosse o

 preço.

 

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Capítulo 28

Pensativa, mastigando um pouco de frango assado, Gwen tentava

compreender como podia ser que se sentisse tão furiosa com um homem e logo a

alagassem essas quebras de onda de ternura para ele, e tudo isso em menos de duas

horas.

Esse, supôs, era o curso do verdadeiro amor.

Estavam sentados juntos à mesa de sua mãe, compartilhando uma mesma

comida e uma mesma taça. A idéia de sentá-los assim tinha sido de sua mãe, e ela não

sabia muito bem se agradecia ou não. Necessitava de tempo para pensar no que tinha

sabido essa tarde. A idéia de que Rollan tivesse lido todas suas cartas a tinha deixado

entre dois desejos, o de ruborizar-se e o de assassiná-lo. Além de raiva e vergonha,

sentia medo. Que Rollan se deu a todo esse trabalho para esfriar seus sentimentos por 

Rhys só mostrava sua resolução e astúcia. Tinha-o subvalorizado.

Como pôde estar tão cega? Rollan tinha estado muitas vezes no Segrave

nesses três anos, e embora ela sempre tivesse procurado estar rodeada por muitas

 pessoas da casa de sua mãe para não ficar a sós com ele, jamais lhe passou pela cabeça

que ele pudesse estar fazendo algo tão calculado. Enquanto ela temia que fizesse cair a

alguém pela escada, ele tinha estado lendo suas cartas. Sempre saía de uma direção

insuspeitada. Faria bem em estar mais alerta; talvez se ela e Rhys o vigiassem não

teria êxito em causar mais desastres.

— Nos retiramos ao meu quarto? — propôs Joanna, olhando a Gwen por 

cima de Rhys. Ali estaríamos mais cômodos.

— Parece-te bem? — perguntou ela ao Rhys. Ou preferiria ter uma conversa

com meus guardas?

— Para averiguar como se arrumou para fazer tantas lesões aos Fitzgerald?

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 — perguntou ele sorrindo.

Rhys olhou para a mesa inferior onde estavam Montgomery e os gêmeos

escutando com muita educação a entusiasmada repetição que John fazia de suas

aventuras. Ou isso, ou seu escudeiro lhes estava repetindo as gloriosas aventuras de

seu senhor. Moveu a cabeça.

— Estou melhor sem saber, disse. E imagino que John demoraria em me

 perdoar se roubar a seu público.

— Sim mãe, disse Gwen, iremos a seu quarto.

Quando Joanna se levantou e se dirigiu para a escada, Rhys olhou ao Gwen.

— Ainda se faz sua vontade aqui? — perguntou-lhe.— Sim, meu pai o ordenou.

— E Alain aceitou isso?

— Se puder suportar isso, temos que agradecer a Rollan, admitiu Gwen a

contragosto. Sejam quais sejam suas outras faltas, Rollan sabe apreciar uma boa

comida. Imagino que ele temeu que Alain ofendesse a cozinheira de alguma forma, de

modo que conseguiu convencê-lo que era melhor deixar Segrave em paz.— Que amável de sua parte.

— Minha mãe também colocou sua mão nisso, é obvio. Não recorda a

 primeira vez que nos acompanhou a Segrave depois das bodas?

Rhys negou com a cabeça e esboçou um leve sorriso.

— Não recordo absolutamente nada fora de ti, senhora. Não prestei atenção a

minha volta.Ela não pôde evitar de sentir prazer por esse elogio, embora ela fosse

 primeira a reconhecer que também recordava muito pouco dessa breve visita; sua

maior preocupação nesse tempo tinha sido pensar como podia evitar a cama de Alain

com a maior freqüência possível. Mas deixou de lado essas lembranças menos que

agradáveis.

— Então talvez não tenha percebido, disse, mas minha mãe escondeu na

aldeia às melhores criadas de sua cozinha e pôs um moço de quadra de cozinheiro

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chefe.

— Não, riu Rhys.

— Pois sim, ela fez isso. Inclusive Alain se deu conta de que a comida não

estava de todo boa. Imagino que ao Rollan não custou muito o convencer de que

Segrave não era um lugar desejável para viver. Cobrar as rendas, claro, é algo que não

deixou nunca de fazer, mas não lhe atrai vir de visita.

Rhys a contemplou pensativo.

— Então Alain não te incomodou estes últimos meses?

— Não o vi desde que concebi a Amanda.

— Uma bênção, sem dúvida.— Acredito que teme a minha mãe, disse Gwen. E, é obvio, não tem o menor 

interesse por uma filha. Envia a Rollan a investigar para que lhe leve notícias. Franziu

o cenho. Fui uma estúpida ao não vigiá-lo com mais cuidado. Se tivesse sabido o que

tramava teria acrescentado algo asqueroso ao seu vinho.

— É melhor que continue crédulo, disse Rhys. Ao menos assim conhecemos

inimigo.Gwen suspirou e se levantou com ele.

— Falemos de outra coisa. Não tenho mais estômago para pensar nas intrigas

do Rollan.

Dado que sua mãe já se encarregou de deitar os meninos, Gwen não tinha

outra coisa que fazer que guiar ao Rhys até o quarto, sentindo intensamente sua

 presença detrás dela pela escada e o corredor. Acostumou-se aos passos suaves de suamãe e ao tamborilar sempre rápido dos passos do Robin quando brincava de correr 

daqui para lá. As sólidas pisadas de Rhys atrás dela eram um som muito agradável na

realidade.

Só uns momentos depois, encontrava-se sentada ao lado de seu amor no

quarto de sua mãe. Talvez fosse apropriado que ocupasse as mãos em alguma costura,

mas só os Santos sabiam que tipo de apêndices estranhos podia desenvolver qualquer 

animal que bordasse.

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Era evidente que Joanna, em troca, não considerava superior a suas forças

essa tarefa, porque tinha sob sua agulha um complicado trabalho.

— E agora sir Rhys, disse Joanna, poderia nos contar uma ou duas histórias

de suas viagens, posto que, claro — olhou a sua filha com um leve sorriso — não

ouvimos nada diretamente de ti.

Gwen se limitou a emitir um grunhido para manifestar que estava de acordo,

mas não disse nada. Já havia dito muito. Possivelmente ao Rhys ainda lhe ardiam às

orelhas com suas maldições.

— Bom, disse Rhys reclinando-se em sua cadeira com uma taça de vinho na

mão. Talvez pudesse começar pelo torneio de Toulouse.A Gwen pouco importava por onde começasse, porque tinha sentado na

 poltrona contíguo ao dela. Reclinou-se em sua poltrona para contemplá-lo enquanto

falava de suas viagens, e pela primeira vez em anos pensou que na realidade poderia

desfrutar realmente da noite, rodeada por seus seres queridos.

Três anos de combates o tinham mudado; isso e levar sobre seus ombros o

 peso de quase trinta anos. Desaparecida a suavidade de suas facções juvenis, seu rostolevava as marcas de suas penas e trabalhos, principalmente nas rugas da fronte quando

franzia o cenho para recordar este ou aquele detalhe.

De tanto em tanto a olhava a ela e sorria. Gwen tratava de gravar em sua

memória a forma como lhe enrugava a pele ao redor dos olhos e como apareciam

covinhas em suas bochechas, para celebrar sua alegria. E quanto mais o olhava mais se

convencia de que lhe ia romper o coração.Ai, se ele pudesse ser seu de verdade.

— Gwen?

Olhou-o e não pôde reprimir as palavras que saíram de sua boca:

— Te amo.

Ele pestanejou e outro radiante sorriso iluminou sua cara.

— Por todos os Santos, querida — lhe disse, lhe agarrando a mão. Acredito

que deveria partir mais freqüentemente...

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— Uy não, interrompeu Joanna rindo, porque me obrigaria a tomar medidas

drásticas. Você não teve que suportar três anos os escândalos que armava.

— Não armava escândalos, protestou ela com expressão irônica. Só dava

rédea solta a um ou outro ataque de desagrado de vez em quando.

Joanna emitiu uma delicada exclamação.

— Nem sequer posso falar disso, porque apenas em pensar volta a me doer a

cabeça. Gwen, querida, agora poderia fazer suas rondas noturnas. Talvez sir Rhys

queira te acompanhar esta noite.

Rhys olhou a Gwen com a sobrancelha arqueada, em gesto interrogante.

Ela se encolheu de ombros.— Dou uma volta pelo caminho de ronda para comprovar que tudo está bem.

«E para ver se vem alguém de noite, para não ser visto», pensou para seus

 botões. Deveria ter sabido que Rhys chegaria à plena luz do dia, e a merda qualquer 

que pensasse em lhe negar a entrada. O sorriso dele lhe disse que adivinhava bastante

do que ela não havia dito.

— Vai sozinha? — perguntou-lhe.— Acompanha-me Montgomery de vez em quando. Normalmente me

acompanham os gêmeos. Isso lhes dá a oportunidade de intimidar uma vez mais aos

guardas de minha mãe antes de retirarem-se para a noite.

— Seguro que isso lhes agrada, comentou Rhys irônico. Levantou-se e lhe

estendeu a mão. Posso ser eu a lhe guardar esta noite?

— Não demorem muito meninos, lhes disse Joanna quando saíam aocorredor.

— De acordo mãe, respondeu Gwen e fechou a porta. Nunca me havia dito

isso antes.

— Talvez tema que a coma a beijos nas muralhas.

— Fará?

— Para que estão às muralhas se não ser para se comer a beijos às futuras

esposas? — perguntou ele sorrindo.

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«Só uma noite», pensou ela. «Quero acreditar que isto é verdadeiramente

 possível por uma noite». O terraço limitava bastante o tipo de coisas que podiam fazer 

ali, o que talvez lhes viessem muito bem, mas ao menos sentiria seus braços

envolvendo-a e poderia imaginar-se que ia ser dele.

Ele agarrou a mão e subiu a escada diante dela. Uma vez acima, Gwen nem

sequer fingiu caminhar pelas muralhas. Deteve-se no lugar de costume e contemplou a

terra de seu pai; na realidade era do Alain, mas dificilmente a considerava assim.

— Sempre olha para o sul? — perguntou-lhe ele.

Ela apoiou a mão na pedra e deixou penetrar o frio em seus dedos.

— Sim.— Algum motivo especial?

Ela o olhou.

— Olhava se por acaso vinha alguém.

Ele lhe cobriu a mão com a sua e a olhou muito sério.

— Não tinha nenhum sentido ganhar só uma parte do que necessitava.

— Três anos é muito tempo, Rhys.— Teremos o resto de nossas vidas para estar juntos.

— E se te ocorresse algo e não tivéssemos nenhum futuro juntos?

— Sou invencível, não é o que ouviste?

— Isto não é assunto para fazer brincadeiras...

Pôs-lhe um dedo sobre os lábios e moveu a cabeça.

— Não voltarei a falar assim, Gwen. Mas não quero pensar em renunciar a tienquanto não possa te chamar de minha. Confie em mim, meu amor. Teremos muitos

anos para sermos felizes juntos, e então tudo o que suportamos nos parecerá só um

momento. Não te parece que estes três anos passados não são mais que um abrir e

fechar de olhos agora que voltamos a estar juntos?

— Não, disse ela, não me parecem isso.

— Ai, minha doce Gwen — riu ele brandamente, quanto senti falta de ter 

comigo a alguém que não esteja disposto a me seguir o humor.

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— Devo entender então que tem o seu exército encolhido de medo, como é

devido?

— Sim, temem o meu mau gênio.

— O que eu não temo, claro.

Pôs-lhe uma mecha de cabelo detrás da orelha.

— É que não teme a nada, senhora?

— Perder aos meus filhos, se apressou a dizer ela. E de perder a ti,

acrescentou, quase lamentando dizê-lo, não fosse que ocorresse algo que o fizesse

realidade. Ou, pior ainda, não te ter nunca.

— Eu me encarregarei disso, Gwen.Como o faria, ela não sabia, e pensar nisso bastou para lhe amargurar o

humor. Era algo impossível. Até no caso de que conseguisse liberar-se, como

conservar os seus filhos com ela? Inclusive Eleanor da Aquitania, importante que era,

viu-se obrigada a renunciar a seus filhos e a deixá-los com seu marido. Ela não

suportava pensar nisso.

— Não vejo como, disse suspirando.— Então não olhe, ao menos não o como.

— Mas...

Ele moveu a cabeça e lhe pôs as mãos sobre os ombros. Ela se deu por 

vencida imediatamente, pensando que falar era desnecessário, sim, e inclusive

indesejável nesse momento. Que o futuro se encarregasse...

Rhys inclinou a cabeça e a beijou na boca, com muita suavidade, com muitaternura.

E o contato de seus lábios sobre os seus a estremeceu inteira, até as pontas

dos pés. Por todos os Santos, esqueceu-se o que era capaz de lhe fazer um simples

 beijo desse homem.

Ele não usava malha, isso ela descobriu quase imediatamente, porque a

envolveu em um formidável abraço do que, suspeitou, havia muito poucas esperanças

de escapar. E não era que escapar fosse um tema de importância em sua mente, em

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que pese ao frio que fazia fora ou que os guardas de sua mãe a estivessem

observando...

— Gwen.

Ela o olhou pestanejando.

— Sim?

— Deixa de pensar em tantas coisas.

— Como sabe que estou pensando?

— Enrugas o cenho. Isso é muito atraente, é obvio, mas me faz duvidar de

que esteja concentrada em meus beijos.

Ela suspirou e fechou os olhos. Que o amanhã se ocupe de si mesmo. Essanoite era talvez a única, em muito tempo, em que teria ao Rhys para ela, e não devia

danificar esses momentos.

Portanto se entregou à doçura de seus beijos. Suspirou de agrado ao sentir 

sua mão deslizando-se por seus cabelos. E quando a atraiu mais para ele, lhe

friccionando uma e outra vez as costas com a palma da mão, fechou os olhos e apoiou

a bochecha em seu peito. Ah, se esse agrado e prazer pudessem ser seus de verdade.— Eu me encarregarei, murmurou ele.

Gwen suspirou, muito contente para discutir. Concentrou-se em como era

voltar a estar nos braços dele. Escutou sua respiração, sentiu passar o calor de seu

corpo através de sua roupa e esquentá-la, e ouviu ressonar o eco de sua voz em seu

 peito. E nesse instante compreendeu que tinha sentido falta dele muito mais que o que

estava disposta a admitir. Embora quando ele era o capitão de sua guarda não tinhamdesfrutado desses abraços, pelo menos o tinha perto.

Sim, três anos tinha sido muito tempo.

— Você gostaria de ouvir algo interessante?

— Mmm, como queira — respondeu ela, acomodando-se melhor entre seus

 braços.

— Parece ser — disse ele em tom frívolo como se o que ia dizer não fosse

mais importante que o que iriam jantar ao dia seguinte, que Lorde Ayre tenha caído

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em desgraça com nosso bom Rei.

— Sim? — perguntou ela.

Quase sorriu. Estando como estava, entre os braços de Rhys, como se

estivesse no único lugar que lhe correspondia, resultava-lhe fácil falar de Alain. Onde

estava nesse momento, ele não podia tocá-la.

— Sim — continuou ele, com tanta tranqüilidade como se sentisse o mesmo.

Ao parecer, cometeu o grave engano de desflorar a filha do cozinheiro do rei.

— Pobre garota.

— E como sempre, surpreenderam-no na metade do trabalho.

— Que incomodo para ele, comentou ela. Eu diria que passa muito temponas cozinhas.

— Eu não poderia estar mais de acordo. Por desgraça, essa é a causa da

compreensível irritação do João.

Posto que me chegou à notícia quando ainda estava na França, consegui

 procurar a Sua Majestade outro excelente criador de aprimoramentos, de modo que,

 por estranho que pareça, congracei-me com o Rei.Isso a obrigou a olhá-lo.

— Como demônios conseguiu desenterrar esse tesouro?

Ele sorriu modestamente.

— O mérito não é meu. Meu avô tinha estado falando com um velho amigo

que acabava de chegar de Londres, onde se tinha informado da ira do Rei. Meu avô foi

despedir-se de mim no cais com um novo cozinheiro aviado e preparado paraaventurar-se fora da França.

— E esse homem estava disposto a vir à Inglaterra?

— Meu avô sabe ser muito persuasivo quando quer.

Gwen sentiu que começava a desvanecer-se sua sorte. Apoiou a cabeça no

 peito de Rhys e contemplou os campos.

— Embora consiga convencer ao Rei, Rhys, como pode esperar convencer à

Igreja? Tenho dois filhos que provavelmente vou perder.

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— Não, querida, não os perderá. Se me aceitarem, reclamarei-os para mim

também.

— Aceitariam-lhe, mas como vais convencer ao Alain de que renuncie a

eles? Ele deseja o seu herdeiro. Além disso, Robin não lhe importa nada.

— Pode engendrar outro em Rachel. Ou reconhecer um do punhado de

 bastardos que foi deixando por ali e por aqui.

Ela ficou rígida e se afastou um pouco.

— Têm bastardos?

— Sim Gwen, disse ele com infinita paciência, têm bastardos. Ele estaria

melhor como meu filho, porque ninguém o desafiará a lutar por sua herança.— Revela muitas coisas, disse ela ao cabo de uns momentos. Acredito que

 prefiro saber menos sobre as atividades de Alain.

— Isto só é favorece meu objetivo, que é te ter. Agora, vamos. Inclinou-se a

lhe beijar primeiro uma e depois a outra orelha, que com sua ajuda se escaparam de

sua cobertura de cabelos. Baixemos antes que te resfrie. Não quero ir ao Wyckham

sabendo que te deixei doente de febre intermitente.— Vai ao Wyckham? — exclamou ela. Sem mim?

— Bom...

— Não voltará a me deixar outra vez, lhe disse com muita clareza. Só os

Santos sabem quando voltarei a te ver.

— Gwen...

— Não.Não mais beijos; pelo que sabia, Rhys pretendia distraí-la tanto que

esquecesse o que ia fazer até que já tivesse partido. Agarrou-lhe a mão e o puxou para

a porta da torre.

— Eu irei contigo.

— Precisarei fazer uma parada em Fenwyck.

Ela se deteve a considerar isso. A idéia de passar qualquer quantidade de

tempo com o Geoffrey de Fenwyck era suficiente para fazer que meditasse de novo

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sua decisão. Olharia-lhe as orelhas. Tinha-o visto poucas vezes desde que a deixou

encerrada no chiqueiro, mas a cada vez ele a tinha olhado de modo descortês,

acrescentando um sorriso satisfeito que ela só podia interpretar como insultante.

E lhe devolvia o favor lhe olhando intencionalmente o buraco que tinha entre

os dentes.

Mas a alternativa era ver Rhys partir novamente. Humilhar-se ou perder de

vista o seu amor. Santos do céu, sim, que era uma decisão difícil.

Voltou-se para a porta, já tomada a decisão.

— Partiremos amanhã, para que a viagem termine também logo, disse em

tom implacável. Eu o suportarei.Ele riu brandamente atrás dela.

— Necessitarei de um ou dois dias para descansar e preparar os homens,

Gwen.

— Um ou dois dias?

A idéia de adiar a tortura, embora fosse esse tempo, era tremendamente

 pouco atraente.— Vamos para uma possível guerra.

— Com o Fenwyck? — perguntou ela em tom sombrio.

Puxou-lhe brandamente os cabelos, e se adiantou a abrir a porta da escada.

— Não, claro que não. Um simples olhar teu submeterá o Fenwyck. Estava

 pensando no Wyckham.

— Então talvez devêssemos conversar um pouco e gozar de certatranqüilidade, já que iremos à batalha.

— Exatamente o que penso eu, disse ele em tom irônico.

— Além disso, disse ela começando a descer, isso me dará tempo para afiar 

minha espada.

Só tinha alcançado o último degrau quando ele voltou a agarrá-la entre seus

 braços. Ela negou com a cabeça.

— Não mais.

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— Sim, mais — disse ele, sorrindo.

— Quer me distrair...

— Em realidade, só queria te beijar, mas se isso também te distrai...

«Que tente», pensou ela para seus botões enquanto sua boca se aproximava

de seus lábios. E quando a beijou, suspeitou que ele fosse conseguir, ao menos por 

essa noite. Não haveria nenhum mal nisso, supôs. Amanhã recuperaria a concentração

e então se prepararia para a viagem ao norte. Talvez um véu de freira novo distraísse

Geoffrey de sua observação de suas ore...

— Gwen — disse Rhys, exasperado.

— O que? — perguntou surpreendida.Agarrou-lhe os ombros, fez-a girar e a separou dele.

— Pense tudo o que tenha que pensar agora, senhora, porque não te

compartilharei com nada quando estivermos casados.

Dizia-o como se esperasse que isso se fizesse realidade. Gwen assentiu e se

deixou levar pelo corredor.

Se ele estava tão convencido, como podia ela não estar? 

Capítulo 29

Rhys avançava pelo poeirento caminho para a aldeia rogando que não fosse

uma temeridade ter saído com Gwen do castelo acompanhados só pelo Montgomery,

os gêmeos e John. Não era que supusesse que ia ocorrer algo mau, mas, claro, não

tinha idéia sobre o paradeiro de Rollan. Ao que parecia Joanna considerava inofensivo

o irmão de Alain, mas ele o conhecia melhor. Que tivesse falado em voz alta de seus

 planos, até acreditando que se encontrava sozinho, indicava o quanto seguro se sentia

Rollan de seu êxito. E isso era motivo suficiente para olhar bem antes de decidir-se a

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 baixar qualquer escada.

— Não te parece, sir Rhys?

Rhys olhou o menino pequeno que caminhava junto a ele.

— Perdoe moço. Não te escutei.

— Uma flecha no olho, explicou Robin em tom de paciência, mataria a um

dragão?

— Bom. Suponho que uma flecha seria tão eficaz como qualquer outra coisa,

mas não é muito cavalheiresco, não te parece?

— Mas é que ele solta fogo, alegou Robin. A besta me queimaria os dedos se

tentasse me aproximar mais.— E suponho que a malha seria de pouco amparo para esse calor, concordou

Rhys com solenidade. É bastante quente, diria eu.

— Uma estocada ou duas sob o ventre, resmungou uma voz detrás deles.

— Não, irmão, é melhor um talho para lhe cortar a cabeça. Isso resolve o

 problema do fogo que joga pelo nariz.

— É melhor mover-se para evitar o fogo, insistiu Connor, com a estocadasob o ventre.

— E resultar esmagado ao fazê-lo? — disse Jared. É que perdeu o

 julgamento?

Rhys ouviu um suave suspiro de Gwen, que ia ao seu lado; quantas vezes lhe

haveria meio doido ouvir esse tipo de discussões nesses três anos? Olhou-a aos olhos e

neles viu um brilho de diversão.— Um dia de ócio, né? — comentou ela, em tom brincalhão.

— Os assuntos de guerra mamãe, disse Robin com ar de importância, é um

tema perfeito para conversas gloriosas.

Rhys olhou ao Connor por cima do ombro.

— Você lhe ensinou isso?

— Não, fui eu — disse Jared com orgulho. É um aluno rápido esse pequeno.

Tão entusiasta como foi você.

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— Sim, acrescentou Connor, seguro que será um excelente guerreiro.

— Então — continuou Robin, acredito que tem que ser uma flecha no olho.

Voltou a olhar ao Connor e Jared, para ver se eles aprovavam sua linha de

 pensamento. É a única maneira.

— Pensa por si mesmo, comentou Jared.

— Eu lhe ensinei isso, se gabou Connor.

Rhys começou a pensar se não teria trazido muitos guardas esse dia. Talvez

John tivesse sido suficiente; pelo menos ia observando os arredores em lugar de

chateá-los com seu falatório.

Gwen limpou a garganta intencionalmente.— E a donzela? — perguntou. Não teria que pensar na forma de resgatá-la?

— Ela é o motivo de todo o exercício, concordou Montgomery de onde

caminhava, diante de Rhys, embora neste grupo um não se inteirasse.

Gwen emitiu uma exclamação maliciosa e olhou ao Rhys.

— Esta é a companhia em que me deixou. Já pode imaginar a reação que

encontrei quando tentei compor alguma trova.— É que faz falta mais sangue, protestou Connor, e não porque eu não tenha

tentado ajudá-la.

— Mas se seus relatos de batalhas melhoraram, disse Jared foi graças a mim.

— O dragão, sir Rhys — disse Robin lhe puxando à mão. Ele é a parte

interessante.

— Os Santos me guardem deste menino, murmurou Gwen entre dentes. E pensar que passei todos estes anos lhe relatando contos de ousados resgates. Não tinha

idéia da parte que lhe atendia mais.

Rhys ouvia a confusa conversa que se desenvolvia ao seu lado, pensando que

doce era seu som em realidade. Também achava agradável a sensação da mão de um

menino pequeno na sua e a vista da filha de sua dama montada nos braços do

Montgomery.

Mas o mais maravilhoso de tudo era saber que seu amor ia ao seu lado. Cada

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vez que a olhava, sorria; cada vez que a ouvia rir, desejava rir também; e cada vez que

 pensava no que lhe custaria fazê-la sua, desejava cair de joelhos e rogar por seu êxito.

Ouro tinha, resolução possuía em abundância, mas um plano que lhe garantisse a

vitória?

Isso era o que necessitava, e o único que não tinha.

— Ei, você! Detenha-se!

O grito de Montgomery o tirou de seus desagradáveis pensamentos. E quase

antes de pensar no que devia fazer, já tinha saltado para diante e pego o chicote antes

que voltasse a cair.

No chão, aos seus pés, jazia um menino preso de terror, e um homem muitocorpulento sustentava o chicote de couro em seu fornido punho. O homem arrancou de

um puxão o chicote da mão de Rhys e o olhou furioso.

— É meu vociferou, e o açoitarei quando me parecer.

Rhys franziu os lábios, enojado.

— E o que pode ter feito um menino tão pequeno para merecer isto?

— Não trabalha o que deve, respondeu o homem. Em minha casa não hálugar para um folgazão.

Rhys olhou ao homem e observou seus fornidos braços e seu largo peito; um

ferreiro, possivelmente, ou um pedreiro. Não era uma alma agradável, se a frieza de

seus olhos era um indicador. Certamente não era um homem a quem ele quereria ter 

 perto de seus filhos.

Sem fazer caso do grunhido do homem, Rhys se inclinou a levantar aomenino; viu sangue nas costas de sua puída túnica. Colocou ao menino atrás dele.

— Quanto quer por ele? — perguntou-lhe sem preâmbulos.

Os olhos do homem adquiriram uma expressão calculadora.

— Mais do que está disposto a pagar, provavelmente.

— Você crê? Aceita uma ou duas moedas de ouro ou prefere as trocar por 

meus punhos?

— Ou por minha espada! — disse John, balançando-se nas almofadinhas de

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sua mão, como se ardesse em desejos de demonstrar seu valor.

— Ou a espada dele concordou Rhys, cruzando os braços.

— Faz falta mais de uma moeda de ouro para substituir o trabalho que perco,

alegou o homem. E não é que eu tenha querido o ter, mas é um moço forte.

— Para ser um folgazão, disse Rhys sarcástico.

— E o que podia fazer com ele? O jovem senhor do Ayre veio aqui um dia e

levou minha irmã a sua casa para seu prazer. E a maldita condenada voltou grávida

deste cachorrinho. A ia expulsar de minha casa, pergunto?

— Que amável, comentou Rhys.

— Alguém tinha que trabalhar para o sustento dos dois, continuou o homem,e não ia ser ela; é preguiçosa a empregada.

— Está doente, sussurrou o menino, não é preguiçosa.

Gwen se fez a um lado ao Rhys e se ajoelhou diante do menino.

— Sua mãe está doente, moço?

— Sim senhora, respondeu o menino com os olhos cheios de lágrimas. A

 ponto de morrer, diria eu.— Onde está? — perguntou-lhe ela, agarrando o da mão.

Ele fez um gesto para a cabana.

— Mostre.

Rhys a observou entrar na cabana, duvidando de que isso fosse judicioso,

mas suspeitou que não fosse muito o que podia fazer para impedi-la. Quando sua

dama tomava uma resolução, ai da alma que se interpusesse em seu caminho.Comprovando que não tinha nada a dizer ao homem, limitou-se a continuar 

com os braços cruzados sobre o peito, esperando-a.

Ao cabo de um momento voltou Gwen seguida pelo menino. Rhys abriu a

 boca para lhe perguntar o que tinha passado, mas voltou a fechá-la; ao notar que ela

não tinha nenhum desejo de conversar com ele.

— Sua irmã morreu, disse ela ao tio do menino. Quanto quer por ele?

— Três moedas de ouro, se apressou a responder o homem. Depois de tudo é

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meu sobrinho, e muito querido...

— Por todos os Santos! — exclamou Rhys. Estava a ponto de tirar a vida ao

moço!

Gwen tirou a bolsa do cinturão antes que ele pudesse protestar, pinçou nele,

e entregou ao homem quatro moedas de ouro.

— Gwen... — começou Rhys.

— Esta é uma moeda extra para que não troque de opinião, disse ela ao

ferreiro. Agora o menino é meu. Se voltar a ver-te a dez passos dele, matarei-te.

O homem olhou o ouro e depois a ela. E seus olhos adquiriram uma

expressão calculista que não gostou de nada.— Ou talvez simplesmente sir Rhys te use para divertir-se, acrescentou. Sem

dúvida terá visto sua banda de mercenários acampados mais à frente. E ele é o mais

feroz e desumano de todos. Duvido que sua forma de acabar contigo seja tão rápida

como seria a minha.

O homem olhou ao Rhys com olhos avaliadores. Rhys pôs sua expressão

mais feroz; não tinha nenhum sentido não estar à altura dos alardes do Gwen.— E sabe? — continuou ela, baixando a voz como se o que ia dizer fosse um

segredo delicioso. Hão-me dito que os sons dos gritos de terror são como um calmante

 para ele, logo sorriu agradada. Eu não gostaria de comprovar por mim mesma se isso

for certo, mas talvez você seja feito de madeira mais dura que eu.

Rhys sorriu ao homem. Este o olhou uma última vez e se apressou a entrar 

em sua cabana.— Montgomery, disse Gwen docemente, seria tão amável de se ocupar dos

restos da mãe?

— Sim senhora, aceitou Montgomery.

— Gêmeos, se encarregam de levar aos meus filhos?

Amanda e Robin foram depositados sem contemplações sobre os largos e

fortes ombros e levados de volta ao castelo.

— John, vá com eles e informe a minha mãe de que vamos para lá e temos a

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um menino necessitando de atenção.

John olhou ao Rhys, para lhe perguntar se devia obedecer a sua cunhada.

— Eu não discutiria, aconselhou Rhys.

John pôs-se a correr obedientemente.

Gwen se aproximou do menino.

— Rhys, te apresento ao Nicholas. Nicholas te apresento ao sir Rhys.

Rhys olhou uma carinha suja, pertencente a um menino que não podia ser 

maior que Robin, ou isso calculou. Tinha o cabelo tão sujo que era impossível

adivinhar sua cor, mas seus olhos eram claros, e estavam cheios de lágrimas.

— Oh pobre moço, exclamou sentindo que o coração lhe rompia um pouco.Olhou a Gwen. Nós ficamos com ele?

— Sim, respondeu ela, e ele quase se surpreendeu da veemência com que o

disse.

Rhys observou o menino. Embora seu tio tivesse assegurado que seu pai era

Alain, ele não conseguiu vê-lo. O menino não se parecia em nada ao Ayre, e

 possivelmente por isso Gwen o desejava tanto. Mas, claro, tratando-se de meninos, suadama tinha um coração muito tenro.

— Bom, disse ao Gwen, se quiser o ter.

— E você não?

Rhys olhou esses olhos cor cinza clara e viu desespero neles. Se agradar a

sua dama não o induzisse a aceitar, sim o induziria a vista desse pequeno angustiado e

meio morto de fome.— Sim, me alegrará o ter, disse com firmeza.

— Suspeito que esta não será a última vez que diga isso, disse ela.

Rhys a olhou surpreso, mas não acreditou ver nenhuma mensagem oculta em

seu olhar. Supôs que estava contente com ele por sua decisão, e aceitou isso com um

sorriso. Depois olhou ao Nicholas.

— Quer vir conosco?

Nicholas pôs uma cara como se essa idéia, e a esperança que esta gerava,

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 pudesse rompê-lo em pedaços.

Rhys sorriu e agarrou a imunda mão do menino na sua.

— Suponho que essa é resposta suficiente. Vamos procurar algo para que

coma. Suspeito que iria bem algo substancioso.

Sentiu a outra mão agarrada por sua dama. E ali se acabava o passeio,

 pensou; talvez fosse bom. Ele precisava fazer os últimos preparativos para a viagem

ao norte. Joanna parecia resolvida a acompanhá-los, o qual lhe vinha muito bem, não

só porque sua presença os protegeria do escândalo, mas também pelo punhado de

homens que pensava em levar com ela. Estava contente pela ajuda; talvez inclusive

 pudesse obter um pouco de ajuda do Fenwyck.Caso é obvio, que Gwen e Geoffrey não se matassem mutuamente.

Necessitaria que os Santos o protegessem desse par o tempo suficiente para

ele combater pelo que realmente precisava combater.

Gwen se deteve na porta da cozinha e sorriu ao ver a cena que tinha ante

ela. Segundo suas próprias palavras, a intenção de Rhys era ir diretamente ao campo

de batalha tão logo voltassem para o castelo. Mas nesse momento, sem saber como,encontrava-se sentado a uma mesa da cozinha, com Robin a um lado, Nicholas ao

outro e Amanda sentada em seu regaço. Robin falava tão rápido como podia enquanto

seguia comendo; Amanda estava explorando a bolsa do Rhys se por acaso encontrava

algo interessante e Nicholas os contemplava aos três como se não pudesse acreditar 

que estava ali.

Embora ali fosse onde lhe correspondia estar. Gwen recordou o que tinhasabido essa tarde e teve que mover a cabeça.

Só tinha falado um punhado de palavras com a mãe do Nicholas, mas estas

lhe bastaram para identificar ao pai do menino, e compreender como tinham ocorrido

as coisas. A pobre menina se viu levada de Segrave ao Ayre para servir de agrado ao

Alain; essa só idéia a fez chiar os dentes, embora soubesse que não devia surpreendê-

la. Foi justamente no dia das bodas de Lorde Alain, de noite, muito tarde, quando a

menina encontrou com seu destino, por assim dizer. Mas o homem estava tão bêbado,

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então que mal que conseguia sustentar-se em pé.

Quando ela se inclinou para escutar o nome do homem sussurrado em seu

ouvido, esperava que fosse o de Alain.

Mas não foi esse nome que ouviu.

Gwen olhou ao Rhys, depois ao Nicholas, em busca de semelhanças em seus

traços. Sim, havia, mas só se olhassem com muita atenção e se soubessem o que

 procurar. Talvez isso mudasse à medida que o moço crescesse.

Pensou se talvez devesse sentir ciúmes da mãe do Nicholas; ter ao Rhys em

seus braços embora fosse por uma só noite...

Mas não, ela também o tinha tido, e tinha sido a primeira; e, com sorte, seriaa última.

Era suficiente que Nicholas tivesse sido encontrado e resgatado. Talvez com

o tempo dissesse ao Rhys, porque tinha fortes suspeita de que ele não notaria. Com

toda sua perícia, era muito pouco observador em certas coisas.

— Vamos ao Fenwyck? — perguntava Amanda ao Rhys.

Ele demorou um momento em responder:— Bom...

— Vamos, disse ela com firmeza ao notar sua vacilação.

— Mas...

— Vamos! — exclamou ela, levantando o queixo. Depois dirigiu um

radiante sorriso ao Nicholas. E ele vem conosco.

Gwen tampou a boca para ocultar seu sorriso. Rhys poderia ter derrotado oscavalheiros mais formidáveis que possuía a França, mas não tinha nenhuma, a mínima

 possibilidade ante Amanda do Ayre.

— Se quer, disse Rhys já derrotado.

Gwen deixou a cozinha e se encaminhou para o quarto de sua mãe para

começar seus preparativos. Talvez levasse um ou dois véus extras; rígidos, que lhe

esmagassem mais as orelhas. Não tinha sentido dar ao Geoffrey mais motivos para

 burlar-se que os que ele encontraria sozinho. Também incluiu sua agulha de costurar 

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de ponta mais afiada e atou a adaga ao antebraço. Seria insensato não ir preparada.

Tinha muito pouca vontade de deter-se em Fenwyck, mas compreendia que

era conveniente. Seu pai e o pai do Geoffrey tinham sido camaradas, senão amigos, e

certamente sua mãe seguia contando com a aprovação do Geoffrey. Ali teriam a

  possibilidade de descansar, para logo continuar para a inevitável escaramuça em

Wyckham. E por tudo o que sabia, era possível que Geoffrey descobrisse em Rhys um

vizinho mais suportável que os soldados de Alain, e se mostrasse disposto a lhe ajudar 

a expulsá-los.

Também sabia que Rhys tinha a esperança de que Geoffrey falasse bem dele

ao Rei. Disso ela não se confiaria muito, mas talvez neste caso Rhys usasse mais suaimaginação que ela. Só era capaz de imaginar, em seu coração, uma vintena de

maneiras de humilhar ao Geoffrey antes que lhe devolvesse o favor.

Por todos os Santos, não gostava de nada a idéia da viagem. E pensar que

tinha considerado terríveis os três anos de espera ao Rhys.

Pôs as mãos sobre as orelhas, em uma última tentativa de dobrá-las e reatou

o caminho para o quarto de sua mãe.

 

Capítulo 30

Rhys pensou que possivelmente esta vez sim teria que usar sua espada contra

Geoffrey do Fenwyck.

Caso é obvio, que Gwen não acabasse primeiro com o homem.

Rhys estava montado em seu corcel, justamente atrás das portas do castelo

do Fenwyck, consciente da condenada sorte de ter conseguido chegar até ali, e

tentando obrigar-se a recordar todas as razões que o desaconselhavam a tirar sua

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espada e atravessá-la no coração do Fenwyck. Se o fizesse, mataria a um dos favoritos

do Rei João, além de Barão por parte de pai e mãe; mataria a um dos conhecidos de

Gwen de sua infância, embora estivesse seguro de que ainda recordavam o momento

que ela passou encerrada no chiqueiro e de que Gwen não o lamentaria se não voltasse

a olhar nunca mais ao Geoffrey à cara. Por desgraça, tinha que reconhecer que

também mataria um possível aliado, que talvez pudesse ajudá-lo a convencer ao João

de que o ouro de seus cofres era motivo mais que suficiente para lhe ajudar no suborno

aos representantes da Igreja necessários para a liberação de Gwen.

Mas nesse momento, só era capaz de olhar com crescente irritação como

Fenwyck segurava a mão de Gwen, e imaginar-se em seu coração uma vintena demaneiras de acabar com sua vida.

Gwen olhou ao seu redor, aterrada; sua mãe se limitou a encolher os ombros

e sorrir. Então procurou o Rhys e o olhou nos olhos. Ele ouviu seu pensamento com

tanta clareza como se o tivesse gritado: «Afaste-o». Tinha-lhe jurado que faria tudo o

que estivesse em seu poder para não ofender, para favorecer um bom entendimento

entre ele e Geoffrey, mas viu que nesse momento ela estava fazendo uso de cadamigalha de seu autodomínio para não tirar sua espada e fazer mal com ela.

Por desgraça, ele sentia o mesmo desejo. A verdade era que tinha que

compreender ao Geoffrey por sua recepção menos que amistosa. Ninguém viaja com

trinta mercenários mal educados e espera que as comportas se abram imediatamente

em alegre boas-vindas. Mas, por todos os Santos, acaso a mãe de Gwen não vinha

acompanhada por vários de seus guardas com as insígnias de seu defunto marido?Inclusive tinha enviado um homem na frente para avisar de sua iminente chegada;

Geoffrey sabia quem golpeava sua porta. Sua reação tinha sido uma descortesia

dirigida a ele pessoalmente, e nesses momentos ele se estava engolindo seu orgulho

 para não dar-se por ofendido. Nada importava que ele tivesse deixado a seus homens

fora das portas; o verdadeiro insulto era que Geoffrey se aproximou de lhe negar a

entrada.

Mas aí estava, considerando o que podia fazer, e teria que fazê-lo rápido,

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antes que Gwen olhasse bem ao Geoffrey e sua agradável cara. Sabia que o coração do

Gwen lhe era fiel, mas se torturava que a vista de Geoffrey fazia perder a firmeza a

mais de uma donzela de caráter. Pelo menos isso era o que se dizia, embora ele não

estivesse totalmente seguro de que não tivesse sido o próprio Geoffrey o que se

 pusesse a correr o rumor.

Claro que nenhum dos supostos encantos de Geoffrey teria importado se o

homem mostrasse seus cinqüenta anos e fosse tão gordo como o ex-tutor de Gwen.

Infelizmente, Geoffrey tinha os cabelos loiros, a tez clara e, maldito seja, estava em

muito boa forma física, como se treinasse regularmente com seus homens, o que,

suspeitava Rhys, era o que fazia. Além disso, era viúvo e certamente o nobre maiscobiçado do reino. Vamos, que ainda nenhum pai inteligente o tivesse apanhado para

genro era um mistério. E ele só podia lamentar esse descuido, porque certamente lhe

criava um problema do qual ele não precisava.

Por exemplo, esse aperto no dorso da mão de Gwen.

E logo na palma!

— Ehem, disse intencionalmente.Geoffrey levantou a vista e o olhou com os olhos entrecerrados.

— Te engasgou algo, amigo?

Era muito pouca a simpatia que emanava do Fenwyck, e Rhys o

compreendia muito bem, posto que também fosse muito pouca a que sentia ele. Era

evidente que Geoffrey ainda tinha muito vivo a lembrança de seu último encontro.

Rhys desmontou no enlodado pátio e rapidamente liberou a mão de Gwen.Felicitou-se por ter se limitado a isso, quando teria preferido lhe dar um soco no nariz

ao hipócrita brincalhão.

— Eu diria que lady Gwennelyn necessita de uma taça também, disse,

obrigando a Gwen a meter a mão sob o cinturão. Foi uma cavalgada longa, sabe?

Geoffrey liberou destramente a mão de Gwen e a pôs sob o braço dobrado.

— Quanta razão tem, sir Rhys — disse, recalcando o «sir».

Essa ênfase, logicamente, era uma alusão a sua posição social. Rhys se

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obrigou a recordar que era senhor de Wyckham. Embora não fosse um Barão como

Geoffrey nem pudesse acrescentar tantos títulos ao seu sobrenome, era um senhor, e

informaria ao Geoffrey disso na primeira oportunidade que se apresentasse. Isso não

serviria de muito para impressionar ao Fenwyck, mas a ele, suspeitava, sim lhe

aliviaria um pouco o orgulho.

— E eu aqui retendo a nossa dama fora quando poderia estar atendendo-a

melhor dentro de casa, continuou Geoffrey. Olhou friamente ao Rhys; seguro que você

quererá descansar na sala dos homens. Olhou para a guarda de Gwen: depois de que

te ocupe de seus homens.

Rhys apertou os dentes. De acordo que não estava à altura do Fenwyck em posição social, mas certamente era digno de algo superior à sala da guarnição.

— Rhys... — começou Gwen.

— Não tema, senhora — disse Geoffrey, em tom meloso. Eu cuidarei de ti, e

de sua encantadora mãe. Lady Joanna, sempre é um prazer ver-te.

— Mas... — protestou Gwen.

— Nada ocorrerá sob meus cuidados.Gwen continuava protestando quando Geoffrey as afastou a ela e a sua mãe.

— Montgomery — gritou Rhys, girando para procurar o seu amigo. Quanto

antes concluísse seus assuntos, antes poderia resgatar a Gwen. Montgomery repetiu, te

ocupe dos homens!

Montgomery já tinha se posto a caminhar e parecia estar preparando-se para

fazer justamente isso. Deteve-se e olhou ao Rhys.— De todos, menos desses — disse, assinalando aos Fitzgerald. Não vou me

aproximar desse par.

Rhys chegou à conclusão de que não restava mais remédio que compreendê-

lo. Tampouco o fazia muita graça fazê-lo, mas finalmente terei que atender aos

gêmeos.

Dirigiu-se para o lugar onde estavam os Fitzgerald, atados a seus cavalos,

totalmente inconscientes da sua volta. Rhys só pôde supor que ainda estavam

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esgotados por todo o vômito que tinham derramado sobre a flora e a fauna durante os

 primeiros dias da viagem.

Os Fitzgerald não viajavam bem a cavalo. Em realidade, suspeitava que não

viajavam bem em nenhum meio de transporte que não fossem seus pés.

Aproximou-se do cavalo do Jared, pôs uma mão sobre o homem e o remexeu

 brandamente.

— Jared, o chamou em voz baixa.

Jared levantou a cabeça, emitiu um gemido e vomitou, lhe manchando a

frente de sua túnica.

Bom, pelo menos ele estava acordado. Rhys lhe soltou as cordas que oatavam ao cavalo e fez uma ameaça de esforço por agarrá-lo quando Jared caiu de

 bruços no lodo. Convencido de que finalmente se levantaria quando comprovasse que

estava sobre terra firme, dirigiu a atenção ao Connor. Ao menos com esse gêmeo

conseguiu evitar que o visse de frente, como se disséssemos. Connor caiu do cavalo

em seus braços e ele o deixou cair brandamente no lodo.

— Imagino que dentro há jantar, quando estiverem bem dispostos, anunciouaos guerreiros caídos.

A única resposta que recebeu foram gemidos.

Rhys olhou ao seu redor em busca de seu escudeiro; John estava observando

de uma distância bastante prudente. Era a primeira vez, em anos, que não o tinha junto

a ele à distância de um braço.

— Se encarregue dos seus cavalos e dos nossos, lhe ordenou.— E eles? — perguntou John, com uma expressão de medo horrendo ante a

idéia de que lhe pedisse que servisse de babá.

— Poderia lhes ajudar a levantarem-se depois que tenha atendido aos seus

cavalos. Até então os deixarei em paz.

John não precisou ouvir isso duas vezes. Já ia caminho do estábulo puxando

os quatro cavalos antes que Rhys pudesse lhe dar mais ordens. Rhys se voltou a olhar 

aos seus companheiros caídos pensando que talvez devesse ficar mais tempo com eles.

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Então viu que Jared estava apalpando o lodo timidamente com uma mão. Abriu um de

seus mornos olhos azuis e olhou o chão em atitude assombrada, como se não pudesse

acreditar que estava no chão e que este não se movia. Balbuciou algo que Rhys só

 pôde supor que era uma espécie de oração de agradecimento.

Rhys viu que Connor também estava apalpando o chão com a mão, e

relaxou. Logo, cairiam na conta de que já não estavam em cima de seus cavalos. E

como estava seguro de que fazia dias que não comiam, ou, melhor dizendo, que fazia

dias que não se beneficiavam da comida, não lhe coube dúvida de que muito em breve

sairiam a procurar a mesa do Fenwyck. O único que restava por fazer, então, era por 

uma roupa menos suja e encontrar seu lugar na mesa do Fenwyck.Sentado, naturalmente, entre o senhor do Fenwyck e sua presa.

— Necessito-o vivo, se repetiu enquanto atravessava o pátio. Intacto,

coerente.

Teve a impressão de que teria que recordar essas coisas com bastante

freqüência em um futuro muito próximo.

Assear-se levou mais tempo do que teria gostado. Já tinha transcorrido pelomenos uma hora quando entrou na sala grande. Adaptou seus olhos à penumbra e viu

o que temia que fosse ver.

Geoffrey estava sentado entre a Gwen e sua mãe, tão cheio de si como se

tivesse conseguido sentar-se entre as duas mulheres mais formosas do reino. Joanna

estava formosa como sempre, e Gwen estava tão preciosa que acreditou que podia cair 

morto ali mesmo em apenas vê-la. Entretanto, morrer parecia ser quão último poderia passar-se o pela mente ao Fenwyck. Pelo visto, sua mente estava mais concentrada em

adular e acariciar. Era evidente que tinha melhorado a respeito da forma de tratar às

mulheres. Ao Rhys gostava mais como era antes.

E antes tampouco lhe tinha gostado de muito.

— Esgrima? — ressonou a surpreendida exclamação do Geoffrey. Com esses

dedos tão delicados? Senhora quer tomar o cabelo. Lady Joanna, me diga que sua

filha... E me custa acreditar que seja verdadeiramente sua filha porque é muito jovem

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 para que isso seja certo...

Rhys pôs os olhos em branco de repugnância.

— Diga que lady Gwennelyn brinca nisso de que sabe brandir uma espada.

Uma dama tão delicada em um assunto tão feio.

Rhys viu mais manuseio de dedos do que lhe teria gostado. Esteve meio

tentado a saltar sobre a mesa e aterrissar sobre o Geoffrey. Com sorte, era possível que

lhe desprendesse alguma arma durante o salto e, infelizmente, por uma espécie de

acidente fortuito, lhe enterrasse em algum ponto estratégico ao Geoffrey. Embora sem

lhe fazer uma ferida grave; o homem lhe seria útil finalmente.

Limpou a garganta intencionalmente enquanto se aproximava da mesa.Geoffrey levantou a vista e sua cara adquiriu uma expressão zangada.

— Acredito, senhor cavalheiro, que...

— Fui capitão da guarda de minha senhora, disse Rhys dando a volta à mesa

e agora sou o senhor de Wyckham. Senão me receber bem em sua mesa, pelo menos

me sentarei detrás para oferecer a minha senhora a segurança de minha presença.

Geoffrey o olhou surpreso.— Wyckham?

— Desde que cumpriu os vinte e seis anos, disse Joanna amavelmente, o que

é maravilhoso, não é?

Rhys suspeitou que ao Geoffrey parecesse algo menos isso.

— Parece-me que pode se sentar conosco, acrescentou Joanna dirigindo ao

Geoffrey um sorriso que teria feito cair de joelhos a qualquer homem vivo, não crê,milorde Fenwyck?

Geoffrey pareceu imune à sugestão. Pestanejou como se tivesse recebido um

forte golpe na cabeça. Rhys aproveitou a oportunidade para sentar-se em uma cadeira

ao lado de Gwen, antes que Geoffrey o proibisse. Finalmente Geoffrey saiu de seu

estupor e se voltou para o Gwen.

— Estávamos falando de espadas? — perguntou, piscando como um

estúpido.

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— É toda uma espadachin, disse Rhys inclinando-se para olhá-lo diante de

Gwen. Talvez você gostasse de enfrentá-la em um combate.

«E talvez ela te corte algo importante e isso te distraia de lhe lamber os

dedos durante um ou dois malditos batimentos do coração», pensou.

— Tentador, conseguiu dizer Geoffrey. Olhou a Gwen e ao parecer voltou a

concentrar-se nela. Que tarde poderia resultar!

Gwen parecia mais tentada pela idéia de atravessar ao Geoffrey com sua

espada do que convinha, portanto Rhys a distraiu agarrando os talheres que

compartilhava com o Geoffrey e colocando-a entre ele e ela. Cortou uma boa parte de

 pão recém enfeitado e o atirou diante do senhor do Fenwyck.— Parece que tem bom apetite, lhe disse.

— Sim, respondeu Geoffrey, e ao que parece encontrou a energia para dirigir 

um admirado olhar a Gwen, e de muitas coisas.

Gwen estava começando a sentir umas náuseas muito parecidas com as dos

irmãos Fitzgerald.

— Eu também, disse Rhys, entretanto, posto que lady Gwennelyn esteja aomeu cuidado, procuro não comer em excesso. Eu te sugeriria, milorde, que seguisse

meu exemplo.

Geoffrey o olhou e ao parecer nesse momento caiu na conta de que Rhys

tinha ocupado um lugar em sua mesa. Olhou-o furioso.

— Acredito que sei escolher muito bem minha comida, amigo.

— Neste caso, acredito que faria bem em seguir meu conselho neste assunto.— E quem é você... ? — Sou seu...

— Oh, pelo amor dos Santos, exclamou Gwen, façam o favor de deixar de

discutir.

— Por favor, acrescentou Joanna

— Necessitamos dele vivo e não irritado, murmurou Gwen em voz baixa. Os

Santos me ajudem a recordá-lo.

— Acredito que será melhor que vocês dois estejam atentos aos seus

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 próprios pratos, disse Joanna, tratando de manter o tom alegre. Talvez Gwen e eu

estivéssemos melhor comendo diretamente da mesa.

— Será melhor que lave essa mão primeiro, grunhiu Rhys.

Fenwyck franziu o cenho.

— Nosso bom sir Rhys se mostra muito protetor para ser só o capitão de sua

guarda, milady Gwennelyn.

— Como te disse antes, já não sou o capitão de sua guarda, disse Rhys

ressuscitando idéias de uma arma afiada em certa parte do corpo do Geoffrey.

— Então que interesse tem nela? — perguntou Geoffrey-. Um simples

cavalheiro não...Gwen deu um golpe na mesa com tanta força que Rhys e Geoffrey deram um

salto. Ela olhou ao Geoffrey furiosa.

— Ele é meu amor, disse irritada.

— Você o quê? — exclamou Geoffrey.

Gwen agarrou uma mão de Rhys e a pôs entre suas duas mãos. A Rhys

 pareceu que era melhor que tivesse as mãos assim ocupadas, que não livres para queagarrasse Geoffrey.

— Amo-o, disse Gwen com clareza e ele me ama.

Geoffrey moveu a boca, mas não saiu nem um som dela, embora Rhys

 pensasse que os olhos poderiam cair da cabeça em qualquer momento.

— Planejamos nos casar, continuou Gwen.

— Planejam se casar repetiu Geoffrey.— E então é provável que necessitemos de sua ajuda, embora eu não tenha a

intenção de lhe pedir isso. Talvez Rhys não seja um barão com suas terras nem seu

 poder, mas é um bom homem...

Rhys a escutou enumerar suas virtudes e observou como a compreensão

entrava nos olhos do Geoffrey. Queria ou não, ele era nesses momentos o senhor da

terra que limitava a de Fenwyck. E, gostasse Geoffrey ou não, seria o marido do

Gwen.

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Geoffrey dava a impressão de ter uma tremenda dificuldade para engolir tudo

isso.

— E realmente quer ter a este, disse Geoffrey apontando ao Rhys e olhando

ao Gwen, incrédulo, a este...

Depois Rhys compreenderia que se Fenwyck tivesse acabado a frase estaria

em recuperação de uma ferida quase mortal, mas se salvou por um ruído na porta.

Rhys voltou sua atenção à porta, esperando ver entrar os Fitzgerald

cambaleantes e talvez jogando sobre outros o conteúdo de seus pobres ventres. Mas o

que viu foi a um homem tão cansado que o maravilhou que ainda pudesse se mover. O

homem caiu de joelhos sobre as esteiras, ofegante. Antes que o pensamento tomasseforma, Rhys se achou de pé e dando a volta à mesa. Ficou claro que Geoffrey teve a

mesma idéia, porque os dois se chocaram em seu caminho para a porta. Rhys grunhiu

ao Fenwyck e recebeu um grunhido por resposta; depois continuaram seu caminho, ao

mesmo passo, e chegaram juntos até o homem.

— Milorde, resfolegou o homem, há um incêndio. Houve um incêndio.

— Um incêndio? — perguntou Geoffrey. Onde?O homem inclinou a cabeça para continuar inspirando grandes baforadas de

ar.

— Um incêndio repetiu, muito grande para detê-lo.

— Onde? — repetiu Geoffrey. Em Fenwyck?

— Sim, resfolegou o homem. Aí também.

— Maldição! — gritou Geoffrey.— A chuva o apagou, espirrou o homem, mas não antes que queimasse um

ou dois dos teus campos, milorde. Vi o fogo da distância e agarrei o cavalo para ir ver.

Muitíssima fumaça...

— Sim, bom, isso é um incêndio — disse Geoffrey, impaciente. Quem pôs o

maldito fogo?

— Não os reconheci, respondeu o homem. Mas vi vários homens afastando-

se a todo galope do castelo. Agora não fica nada disso.

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— O castelo? — perguntou Geoffrey, carrancudo. Que castelo?

— Não fica nada dos campos que rodeiam ao castelo tampouco, continuou o

homem. O incêndio se apagou sozinho ali.

— Por todos os Santos do céu, exclamou Rhys, sem poder conter-se. Onde

foi o maldito incêndio?

— Vamos, em Wyckham é obvio.

 

Capítulo 31

Wyckham.

Gwen ouviu as palavras do homem, viu Rhys cambalear para trás como se o

tivessem golpeado e logo começar a caminhar em ziguezague; pensou que igual

 poderia desmaiar.

— Wyckham? — perguntou Rhys.

Como o homem não lhe respondeu, deu uma olhada ao seu redor como em

 busca de ajuda. Seu olhar recaiu em Gwen.

— Wyckham? — repetiu, como se não pudesse assimilar o que acabava de

ouvir.

— Esse é teu problema, amigo, não meu — lhe disse Geoffrey, que o afastou

com um gesto da mão para perguntar ao homem: Agora, Edlred, como é isso do

desastre de meus campos?

Rhys se dirigiu à porta cambaleante. Gwen se levantou de um salto da mesa

e correu atrás dele, mas Geoffrey a agarrou do braço e a deteve.

— Eu diria que poderia voltar a chover, senhora. Talvez fosse melhor...

— Solte-me, disse ela liberando o braço de um puxão. Vai ver as ruínas. Não

 posso permitir que vá sozinho.

— Pois claro que pode...

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— Essa é sua terra, estúpido!

— Sei, mas...

— O incêndio foi provocado. Só os Santos sabem a quem terão deixado ali

 para lhe fazer mal.

— Vamos, lady Gwennelyn... — começou Geoffrey.

— Mãe, chamou Gwen, por favor, me libere deste imbecil. Devo seguir ao

Rhys.

Conseguiu sair pela porta e chegar ao pátio antes que Geoffrey voltasse a

detê-la. Sem fazer caso dele, olhou ao seu redor em busca do estábulo. Consternada

viu Rhys sair puxando seu cavalo, e logo montar de um salto e sair ao trote pelas portas. Não levou nem um momento em confirmar sua decisão; não podia deixá-lo ir 

sozinho; só os Santos sabiam o que podia lhe ocorrer se fosse sozinho.

Correu pelo pátio e esteve a ponto de ser esmagada pelo cavalo de John, que

não tinha esperado a sair do estábulo para montar. Uma vez dentro do estábulo, se

deteve a recuperar o fôlego e se dirigiu ao curral correspondente. Felizmente, os três

anos em Segrave lhe tinham servido para algo mais que prover-se de lençóis paraoutra cama de matrimônio. Embora os gêmeos não lhe fossem de nenhuma utilidade

em seus estudos eqüestres, e já compreendia porque, Montgomery sim foi vulnerável

as suas ameaças e lhe ensinou muitíssimo a respeito dos cavalos. Inclusive já era capaz

de selar um com bastante perícia.

Era o momento de dar bom uso a suas habilidades. Selar o cavalo lhe levou

mais tempo de que teria querido, mas Geoffrey não lhe prestou nenhuma ajuda,embora tampouco a tivesse pedido. Ele estava muito ocupado em dar ordens aos seus

moços para que selassem cavalos, para ele e vários de seus guardas. Só o que a

alegrou remotamente foi ver o Montgomery tirando seu cavalo. Pelo menos teria

companhia suportável.

— A que distância crê que está Wyckham? — perguntou-lhe quando saíram

 juntos do estábulo.

— A um bom dia a cavalo, respondeu Montgomery, preocupado. Está tão

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longe que deveríamos levar provisões.

Novamente viu seu caminho interceptado por Geoffrey, que a olhou

carrancudo:

— Isto é muito desaconselhável senhora, lhe disse. Provavelmente ele vai

levar os seus mercenários, e considero uma imprudência que vá nessa companhia.

— E estou mais segura na tua? — perguntou ela.

Ele ficou calado, talvez procurando uma boa resposta. Segura de que isso lhe

levaria mais tempo do que ela dispunha, Gwen tratou de pô-lo de lado.

— Se afaste do meu caminho, lhe ordenou. Tenho coisas a fazer.

Ele continuou tercamente diante dela.— Não entendo como é que essa terra chegou a ser sua, disse.

— Era de meu pai, lhe explicou ela, e passou a poder do Alain por meu

matrimônio com ele. O pai do Alain, Bertram, ordenou que Alain a desse ao Rhys

quando cumprisse os vinte e seis anos, em recompensa por seus leais serviços.

— Então suponho que não era só uma fanfarronada de sir Rhys para te

impressionar, resmungou Geoffrey.— Se afaste de meu caminho, disse ela com voz clara, se não quer me

obrigar a tirar minha espada e usá-la em seu lastimoso corpo.

— Os Santos me guardem disso — disse ele, fazendo-se a um lado

rapidamente. Limpou a garganta: Eu também irei.

Ela se deteve a olhá-lo. Não desejava falar com ele, mas era primeira em

reconhecer que era, ao fim e ao cabo, um homem poderoso, com muitos cavalheiros aoseu dispor. Além disso, tinha prometido ao Rhys que seria agradável com o canalha.

— A que vai? — perguntou-lhe a contra gosto.

— Preciso ver em que estado ficaram meus campos.

Claro, era por isso, logicamente não ia ajudar ao Rhys.

— Faça o que queira, disse ela puxando seu cavalo. Não poderia me importar 

menos.

— Já eu creio que não. Provisões! — gritou a um de seus homens, detendo-

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se. Encarregue-te delas e nos siga tão logo seja possível.

Gwen encontrou a sua mãe no pequeno grupo que se reuniu perto da torre da

comemoração, e não a surpreendeu ver seus filhos com ela. Parece que Robin estava

ardendo em desejos de ir também, a julgar pela firmeza com que o se segurava em

Joanna. Amanda estava agarrada das saias de sua avó. Nicholas estava uns passos mais

atrás, em atitude insegura. Gwen se tomou um momento para abraçar os três pequenos

e logo agradeceu a sua mãe os seus cuidados.

— Volta logo? — perguntou-lhe Amanda, preocupada de que talvez não

fosse assim.

— Sim querida, lhe disse Gwen, inclinando-se a beijar a gordinha bochecha.Muito em breve. Temos que ir procurar a sir Rhys, para que volte em seguida. Você

cuidará dos meninos até então, sim?

Amanda olhou ao Robin e enrugou o nariz. Depois procurou o Nicholas e ao

vê-lo se soltou das saias da Joanna e se lançou sobre sua presa. Convencida de que os

meninos sobreviveriam a sua ausência, montou seu cavalo e empreendeu a marcha.

Muito em breve descobriu que Geoffrey estava resolvido a cavalgar ao seulado, de modo que fez o possível por concentrar-se na paisagem que tinha diante; não

fazer caso dele era a única solução, porque se não lhe diria algo que depois lamentaria.

Com a manhã que tinha tido Rhys já, não lhe faria nenhuma graça que lhe danificasse

a possibilidade de congraçar-se com o Fenwyck.

— Que estranho que alguém acenda fogo na terra, comentou ele.

— Estranho? — exclamou ela. Foi deliberado, estúpido!— Não sou nenhum estúpido, senhora...

— Então entendeu mal o que disse seu homem, e se isso não é estupidez, não

sei que é.

Olhou-o intencionalmente o buraco entre os dentes. Pelos olhos de San

Miguel, como pôde pensar Rhys que esse caipira poderia lhes ser de ajuda?

Comentava-se que sabia tudo o que ocorria na Inglaterra. Como era possível que não

soubesse o que ocorria em Wyckham?

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— Muito bem, então, senhora — disse Geoffrey, carrancudo-, já que é tão

sábia, quem provocou o incêndio? Alain?

— Seus soldados tinham a terra ocupada, desafiando ao Rhys a tomá-la pela

força.

Ao parecer isso sim captou a atenção do Geoffrey.

— Seriamente?

— Alain disse isso ao Rhys faz três anos. Daí sua viagem a França para

reunir um exército.

— Alain não faria uma coisa assim, não é? — disse Geoffrey, embora pela

vacilação que detectou em sua voz, ela suspeitou que ele acreditasse muito capaz.— Em todo caso, duvido que tenha sido idéia dele, tanto o acampamento de

seus homens ali ou de incendiá-la. Não tem a imaginação para tramar algo tão vil.

— Quem então?

— Rollan, é obvio.

Geoffrey não pareceu surpreso.

— Sempre me pasmou a profundidade da malevolência do Rollan. ComoBertram pôde engendrar a esse velhaco é um mistério. Alain é quase igualmente

desagradável.

— Eu pensava que te agradava muito a companhia do Alain, disse ela.

Olhou-o irritada: Nunca disse uma sílaba a meu favor no Segrave quando ele me

denegria.

— É que foi uma arrogante insofrível, respondeu ele. Encolheu os ombros eacrescentou: por que ia querer te defender?

— Arrogante eu? — exclamou ela. Arrogante?

— Sim, e sempre andava metida em alguma travessura as minhas custas.

— Só me desforrava das travessuras que você tramava.

— Com muita arrogância, concedeu ele.

— Pelo menos eu tinha bastante engenho para justificar essa arrogância.

— E as orelhas bastante grandes também — disse ele, com um desagradável

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sorriso que a fez recordar todos os motivos para não querê-lo.

— Ao menos minhas orelhas não se vêem quando abro a boca, replicou. As

 posso esconder com um véu.

Ele a olhou jogando fogo pelos olhos e lhe devolveu o olhar. Poderia-lhe

haver dito mais coisas para lhe demonstrar toda sua irritação, mas já o ar cheirava um

 pouco a fumaça, e a fumaça se via claramente no horizonte. Isso a convenceu de que

era melhor não continuar pelo caminho dos insultos. Era melhor isso que humilhá-lo

de tudo, porque, certamente, ele jamais a derrotaria. Imaginou incontáveis encontros

com ele, e em cada ocasião tinha resultado ganhadora. Esta vez não seria diferente, e

talvez isso só servisse para convencê-lo de que Rhys merecia sua ajuda. Fez provisãode toda sua força de vontade e mordeu a língua.

— O que pensa fazer Rhys? — perguntou Geoffrey, que pelo visto tinha

chegado à mesma conclusão de que não tinha sentido brigar. Plantar-se em sua terra e

apagar a pisões as chamas que ficam?

— Chorar sua perda, respondeu ela. Que outra coisa vai fazer?

— Vingar-se?— Como? Atacando Ayre?

Geoffrey ruminou isso, mas não disse nada.

Gwen desviou o olhar e se concentrou na fumaça que se via na distância.

Deveria ter sabido que Geoffrey seria de pouca ajuda. Teriam que inventar um novo

 plano. Era possível que tivessem deixado algum rastro, alguma prova que assinalasse a

quem tinha provocado o incêndio. Então iriam ao Rei e lhe contariam a história.Talvez isso fosse suficiente para convencê-lo de que Alain não era um senhor 

conveniente para todas suas terras, e que deveria dar-lhe a outro. A Rhys, por 

exemplo.

Já estava escuro quando por fim lhe deram alcance, embora tivessem

saído do Fenwyck na última hora da manhã. Ao Gwen não tinha gostado de nada

forçar assim os cavalos, mas se não o faziam lhe teriam perdido o rastro de Rhys.

Desmontou e deixou ao Montgomery com o pequeno grupo. Rhys estava uns

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 passos mais à frente, só e imóvel. Ela se aproximou em silêncio. Rhys continuou sem

mover-se. Ela teve a impressão de que nem sequer a havia sentido chegar. Deteve-se

ao seu lado e lhe olhou o rosto.

Viu suas bochechas molhadas de lágrimas.

Então colocou a mão na dele. Ao ver que não dava sinais de ter notado isso,

agarrou-lhe a mão entre as duas delas e continuou junto a ele em silêncio, desejando

 poder lhe aliviar a pena.

— Rhys, sinto tanto, lhe sussurrou docemente.

Sem aviso ele a pôs diante dele, rodeou-a com seus braços e enterrou a cara

em seus cabelos. Tremeram-lhe os ombros, mas só uma vez.Gwen o rodeou com seus braços e o estreitou fortemente.

— Sinto-o tanto, repetiu. Foi o único que lhe ocorreu dizer.

Não soube bem quanto tempo estiveram assim, as silenciosas lágrimas dele

lhe baixando pela têmpora até o pescoço. Poderiam ter sido horas. Mas finalmente ele

levantou a cabeça e a olhou. Apenas o via na escuridão, mas sim viu a tristeza refletida

em seus olhos cinza.— Quer saber o que me assusta mais? — sussurrou ele.

Ela esperou, muda.

— Se Alain e Rollan são capazes de fazer isto à terra que eu amava tanto, o

que poderiam fazer ao que mais amo no mundo?

Ela tragou saliva.

— Eu também pensei isso.Apertou-lhe fortemente os ombros.

— Não te afastará alguma vez de minha vista, ouve-me? Nem por um

momento. Só os Santos sabem o que lhes poderia ocorrer fazer.

— Como quiser, Rhys.

— E os meninos, continuou ele, os terá sempre perto e eu cuidarei de todos.

— Certamente, Rhys.

Rhys passou a manga pelos olhos e percorreu a paisagem com olhar 

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incrédulo.

— Sou o único aqui que não pode acreditar no que vejo? — perguntou.

Olhou-a. Alain fez isto? Perdeu o pouco que ficava de entendimento? Poderia ser 

outra pessoa a que tramou isto para me ferir?

— Não, você sabe que foram Alain e Rollan juntos, Rhys.

— Oxalá tivesse provas.

— Igual poderiam confessá-lo, se lhes der um incentivo suficiente.

Ele riu sem humor.

— O que posso fazer? Usar ferros quentes?

Ela encolheu de ombros.— Talvez Geoffrey te ofereça ajuda.

Ele emitiu um suspiro, que soou como se lhe saísse direto da alma.

— Poderíamos não ter essa sorte. Além disso, isso não nos serviria agora,

Gwen. Não vejo como poderíamos sobreviver aqui. Não ficou nada dos cultivos, e já é

muito tarde para replantar este ano. E teríamos que reconstruir o castelo. A olhou

muito triste, e não tenho ouro para isso.— Então viveremos em uma tenda.

Ele riu amargamente.

— Ah, sim, e nos congelaremos no inverno. Que tipo de amparo posso te

oferecer em uma tenda, meu amor? Quero te rodear de muralhas tão fortes que nem

sequer João com seus exércitos possam rompê-las. Não quero que entre nenhum

ladrão a te roubar ou a levar ao Robin ou Amanda.— Ou ao Nicholas, acrescentou ela.

— Tomaste-lhe carinho a esse moço, sorriu ele.

— Sim.

— Os três, então. E o mais importante, você. Não quero que esteja

desprotegida.

Gwen olhou ao seu redor e viu que, em efeito, restaurar Wyckham para

deixá-lo habitável seria uma empresa de proporções imensas. E só se poderia fazer 

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com um gasto enorme. Mas quão caro seria melhorar a terra em que estava pensando?

— Rhys, disse ao cabo de um momento, há outra opção.

— Outra opção? Qual?

— Nunca me ocorreu te falar dela antes, já que meu pai sempre dizia que

essa terra não valia nada.

Ele esperou.

— Tenho uma terra que é só minha, continuou ela. Continuou sendo minha

depois de meu matrimônio com o Alain.

Ele começou a franzir o cenho.

— E?— E nunca pensei que tivesse algum valor. Está há outra semana a cavalo ao

norte daqui, ao menos isso me disseram. Meu pai pensava que talvez, em algum

momento de minha vida, eu a quereria para uma abadia, de modo que deixou sua

disposição em minhas mãos. Imagino que deve ser uma terra estéril, porque limita

com essas terras bárbaras do norte.

— Estéril? — perguntou ele com um sorriso sarcástico. Pode haver algomais desolado que isto?

— Só os Santos sabem, suspirou ela. Talvez lhe devesse haver isso dito

antes. O que passa é que nunca pensei que pudesse ter alguma utilidade para nós.

— Terra é terra.

— Sim? — perguntou ela fazendo um gesto para o campo chamuscado. Isto

 poderia te parecer bastante atraente depois de ter visto Artane.— Artane, repetiu ele, pensativo. Suponho que esse é um bom nome.

— Soa como algo um pouco inóspito, mas talvez valha à pena ir vê-la.

— Poderia ser tão inóspita que ninguém queira nos incomodar. De repente se

se pôs a rir. John, Alain e toda a Inglaterra por um lado e os bárbaros do norte pelo

outro. Por todos os Santos, milady, nossa vida juntos está destinada a ser difícil.

— Em realidade estava pensando que esse poderia ser o lugar para nós.

Talvez se formos ao norte todo mundo se esqueça de nós.

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Ele a olhou e franziu os lábios.

— Quando tiver raptado à mulher mais bela da Inglaterra e a tenha levado ao

norte, a uma terra inóspita para instalá-la em um castelo que não posso construir por 

falta de meios? Não sei, Gwen, acredito que nos esquecer é quão último vão fazer.

— Se o Rei te acreditasse disposto a defender suas fronteiras, talvez te

construísse um castelo.

— E seguro que instalaria ali uma guarnição permanente para me vigiar.

Muito obrigado, mas já encontrarei a maneira de construí-lo.

 — Não Rhys, disse ela movendo a cabeça, não quero outro punhado de anos

combatendo no continente. Não poderia suportá-lo.— É possível que não haja outra maneira.

— Encontraremos uma, insistiu ela. Ou isso, ou me leva contigo e eu serei a

que te guarde as costas.

Ele pareceu tão apavorado como se ela tivesse sugerido ir sozinha a defender 

a fronteira inglesa.

— Encontraremos outra maneira, concordou ele imediatamente. É uma idéiamaravilhosa. Oxalá me tivesse ocorrido.

Deu-lhe uns tapinhas nas costas e lhe sorriu.

— Então nos ocupemos de nossa viagem ao norte. Teremos que voltar para o

Fenwyck nos provisionar antes de partir.

Ele assentiu sorrindo e logo olhou sua terra novamente. Ficou sério.

— Esta segue sendo minha, disse em voz baixa.— Sim e a ganhou. Se recuperará Rhys. Sempre ouvi dizer que esta terra é

 boa para o cultivo. Verá o dia em que esteja bem cultivada e o castelo reconstruído.

Ele suspirou, inclinou a cabeça e apoiou a frente na dela.

— Obrigado.

— Por quê?

— Pela esperança, lhe disse ele sorrindo. Levantou a cabeça. Vamos,

senhora, e vejamos quão inóspita é essa parte de terra que te deixou seu ardiloso pai. E

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esperemos que Alain não tenha estado ali antes que nós.

Gwen o observou atentamente o resto desse dia, e os dois dias seguintes a

sua volta ao Fenwyck para preparar a viagem ao norte. E face à enormidade de sua

 perda, dava a impressão de tomar-lhe notavelmente bem.

Quando pensava que o estavam observando, claro. Era vê-lo nesses

momentos, quando ele acreditava que não o observavam, que lhe partia o coração;

então via a profundidade da ferida causada por essa profanação do Alain. Já tinha sido

duro para ele que lhe negassem o presente do Bertram durante tantos anos, mas ver 

esse presente tão estupidamente destruído era, sem dúvida, muito diferente.

Em um desses momentos ele a surpreendeu observando-o desde atrás de umaárvore do jardim do Geoffrey. Estava sentado em um banco ao sol, os braços apoiados

nos joelhos com as mãos caídas, e a cabeça encurvada. Ela estava segura de que não

tinha feito nenhum ruído, mas certamente seu ouvido era melhor que o que lhe tinha

atribuído, porque levantou a cabeça e a olhou. Sua expressão de aflição não trocou,

mas lhe estendeu a mão. Ela saiu de seu esconderijo e foi sentar se no banco ao seu

lado.— Sinto-o, lhe disse, não me ocorre nada que te dizer.

— Não estava pensando na terra.

— Em que então? — perguntou ela, pestanejando surpreendida.

— Em você, disse ele, e no muito mais que me doeria se te ocorresse algo.

Sorriu tristemente. Pensava que sabia o quanto te amava, Gwen... Até que ocorreu isto.

Enquanto olhava esses campos queimados, não era capaz de pensar em outra coisa queno muito pior que me teria sentido se tivesse sofrido você algo assim.

— Não me ocorrerá nada.

— Não, não te ocorrerá, disse ele serenamente, porque jamais estará em

 posição de que lhe façam um dano assim. Não posso acreditar que te tenha deixado

três anos em companhia desses vikings vomitões.

— Os Fitzgerald são muito hábeis e capazes quando estão com os dois pés

em terra firme.

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Ele não pareceu convencido.

— Teremos que nos arrumar com o ouro que temos, continuou, para não ter 

que ir novamente à França. Se tiver que me ajoelhar a lamber as botas de João para ter 

um castelo próprio, farei-o. Imagino que não irá ao norte com muita freqüência para

ver como funciona sua guarnição.

— Com sorte, não virá nunca.

Ele se levantou e a ajudou a levantar-se.

— Deveria descansar o resto da tarde. Amanhã nos espera uma larga

cavalgada.

— Estarei muito bem...— E deixa de me espiar, Gwen.

— Não te espio.

Ele arqueou uma sobrancelha e franziu os lábios.

— Ontem tinha teias no cabelo e hoje está coberta de ramos.

Ela ia discutir, mas de repente lhe agarrou o rosto entre as mãos, e se

inclinou a beijá-la. Foi um beijo doce, tenro, que a fez esquecer totalmente o que iadizer.

Ele levantou a cabeça e lhe sorriu.

— De acordo?

— De acordo — disse ela, com a esperança de que ele não se desse conta de

que nesse momento teria estado de acordo com quase tudo.

— Então vamos, meu amor e continuemos com o resto de nosso dia. A mim, por minha parte, faz-me muitíssima ilusão uma curta viagem ao norte. Nunca sabemos

o que vamos encontrar.

Puseram-se a andar para a torre da comemoração e se encontraram com o

Geoffrey no caminho. Gwen o olhou furiosa e ele a olhou furioso antes de passar sua

atenção ao Rhys.

— Ajudarei, lhe disse.

Gwen quase caiu ao chão pela impressão. Inclusive Rhys pareceu surpreso

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 pela oferta.

— Sim? — perguntou-lhe.

— Tenho pouca estima ao Alain.

— E essa é sua motivação para nos ajudar? — perguntou ela. E se não foi

Alain o que fez essa maldade?

— Estou disposto pelo menos a considerar a idéia de que ele estava detrás. E

se descobrir que isso é a verdade, não o vou declarar inocente.

Ao parecer Rhys não teve nenhuma dúvida sobre os motivos do Geoffrey.

— Estupendo, disse. Necessitarei de toda a ajuda que possa conseguir.

Gwen continuou sem convencer-se.— E isso é tudo? Não tem nenhum outro motivo para nos ajudar?

Ele a olhou, e pela primeira vez ela viu um sorriso de camaradagem nele.

— Deitou-se com a filha de meu cozinheiro a última vez que esteve aqui.

 Não tive uma comida decente após.

— Pobre Fenwyck, riu Rhys. Isso não é mais do que te merece por tê-lo

convidado.— Eu não o convidei, protestou Geoffrey. Ele me pilhou em um momento

hospitaleiro. Deveria ter feito caso a meu primeiro instinto, que era subir a ponte

levadiça para impedi-lo de entrar.

— E, entretanto nos deixou entrar, — disse Gwen com desconfiança.

— Você e sua mãe em minha mesa?— sorriu ele. Só um parvo se negaria o

 prazer de ver tanta beleza.Não fez nenhuma alusão a suas orelhas e ao parecer não as olhou muito

tampouco. Gwen sentiu uma cotovelada de Rhys nas costelas e decidiu que talvez

tivesse chegado o momento de fazer um alto o fogo na batalha e deixá-lo assim.

Provavelmente esse elogio seria o mais próximo a uma desculpa que receberia de

Geoffrey por tê-la difamado quando era menina. Talvez ela pudesse perdoar um

 pouco. Além disso, ao parecer Geoffrey se decidiu a favor de Rhys.

Talvez as coisas começassem a ficar a seu favor por fim.

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Capítulo 32

Uma semana depois, Rhys estava montado em seu cavalo, movendo a

cabeça, incapaz de acreditar no que via.

Artane não tinha nada a ver com o que se imaginou.

Para começar, o único que se podia considerar remotamente deserto eram as

ruínas de um castelo que repousavam sobre uma crista da que se dominava uma ampla

vista do mar e a terra. O castelo não era outra coisa senão uma casca de madeira que

ocupava só um fragmento do que se poderia ter dedicado a esse tipo de morada.

Que homem mais ardiloso era William de Segrave.

Olhou a sua direita e viu a Gwen com uma expressão de absoluto assombro.

Era a mesma expressão que levava posta desde fazia três dias, os dias que tinham

demorado em percorrer só uma parte de sua terra; tão segura estava que só

encontrariam uma terra árida e deserta. Tinha pedido desculpas uma vintena de vezes

enquanto faziam os preparativos para a viagem ao norte. Enquanto ele organizava aos

seus homens, ela tinha interrogado a sua mãe, sem nenhum êxito. Ou Joanna não

sabia, ou não tinha querido revelar nenhum detalhe. E nesse momento Rhys

compreendia por que. Que surpresa levaram, e que extraordinariamente agradável.

— Tinha muita razão, lhe disse em tom brincalhão. Isto é uma pena de terra,

árida, estéril.

Ela o olhou, ainda boquiaberta.

— Não tinha idéia!

— Imagino que seu pai sim, disse ele e seu sorriso se alargou. Por todos os

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Santos, Gwen, esse homem tinha um fino instinto para uma boa brincadeira.

— É enorme! — conseguiu dizer ela.

— Sim, disse ele, maravilhado. Nunca tinha visto uma imensidão assim fora

da Aquitania. Não é tão fértil como aquela, mas a terra me parece fértil, cultivável.

— Só nos cabe esperar que Alain volte direto para casa e não tenha visto

isto.

— Não teria se incomodado.

— Rollan poderia ter se dado ao trabalho.

Rhys negou com a cabeça.

— Meus exploradores não viram nada, e te asseguro que adorariam capturá-lo. E então Alain passaria o resto de sua vida perguntando-se o que lhe teria ocorrido

ao seu irmão, porque não voltaria a vê-lo nunca mais.

Gwen estremeceu.

— Que horror o tipo de acompanhantes que mantém, Rhys. O que opina sua

mãe disto?

— Reza muitíssimo por suas almas e pela minha, asseguro-lhe isso.— Não o duvido. Olhou por volta do mar. Subimos até o topo para ver a

vista?

— Sim, encantado.

Era o lugar perfeito para um castelo. Rhys se tinha dado conta no momento

em que viu a crista, mas ver o terreno com os pés nele o confirmou. O montículo

entrava no mar em ondulantes colinas de areia que nenhum exército poderia atravessar com menos que grande dificuldade. Detrás deles um escarpado rochoso separava o

topo da parte baixa do terreno. Mais à frente se estendia a planície que levava sem

cultivar só os Santos sabiam quanto tempo. Rhys suspeitou que produzisse em

abundância quando finalmente se cultivasse.

— Escuta, sussurrou Gwen.

Ao princípio não conseguiu ouvir nada fora dos gritos de alegria do Robin e

 Nicholas rodando pela colina de areia. Rhys dedicou um instante a alegrar-se de que

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Joanna ficou com a Amanda; teve visões de dias inteiros lhe tirando areia de detrás das

orelhas. Pelo menos aos meninos lhes podia colocar a cabeça em um tonel com água

de chuva e dá-los por lavados.

Quando os meninos já estavam longe rodando, Rhys descobriu que podia

escutar em paz. E então ouviu o som das ondas contra a praia e as rochas.

Gwen deslizou sua mão na dele e contemplou o mar.

— Êxtase, sussurrou. Meu pai tem que ter vindo aqui e sabido que eu

adoraria.

— Isso acredito eu meu amor, disse Rhys em voz baixa. E se não ele,

certamente sua mãe sabia.Ela o olhou com os olhos maravilhados.

— Construirá nosso castelo aqui? Justo neste lugar, onde possamos ouvir o

som do mar?

Ele sorriu e lhe jogou para trás o cabelo que lhe caía sobre a cara.

— Se não te importar que construa um castelo em sua terra.

— Considera-a meu dote. Isso sossegará as más línguas de ambos os ladosdo oceano. Pensa o que seria de sua reputação se te casasse comigo simplesmente por 

amor.

— Arruinaria-me certamente, concordou ele.

— Então, servirá?

— Sim, querida. Servirá-nos muito bem, em realidade.

— Então, percorremos um pouco nossa terra e planejaremos o castelo. Dois pátios interiores, não te parece? Deverá ser muito maior que Segrave, e certamente

devemos fazer que Ayre parecesse uma pocilga ao seu lado. Além disso, devemos ter 

um jardim. Que plantas se darão aqui, tão ao norte? Temos que perguntar aos frades

dessa abadia que vimos no caminho para aqui.

— Seakirk.

— Sim, aí — disse ela, puxando ele para caminhar pelo topo da colina. Eles

têm que saber o que se pode plantar com êxito nesta terra baldia.

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Ele a ouvia e sorria ante seus planos e projetos para cultivar esta e aquela

erva, mas ao mesmo tempo lhe custava concentrar-se. Essa terra era muitíssimo mais

do que tinha esperado; comparada com ela, Wyckham parecia um jardim de uma

modesta abadia. E pensar que tudo isso pertencia a Gwen. Embora ela a tivesse em seu

nome para o resto de sua vida, tinha a bondade de não arredar-se quando ele

construiria o castelo mais moderno que tinha visto a Inglaterra em seu chão, estaria

satisfeito.

— O que te parece?

Rhys caiu na conta de que ela se deteve e o estava olhando à espera de uma

resposta.— Ah, disse ele, muito bonito de verdade.

— Não me estava escutando, disse ela com os olhos entrecerrados.

— Sim lhe...

— Não me estava escutando. Roseiras, Rhys. Temos que ver se dão bem as

roseiras aqui. Vi as rosas gastas das Cruzadas. Sim, teremos rosas para alegrar os

olhos e também por suas propriedades medicinais.E se lançou novamente a enumerar com detalhes as ervas que precisaria

 plantar e as flores que teria só por sua beleza. Mas ele só era capaz de pensar em

 pedra, e em muita, muita quantidade. Construiria muralhas tão largas e sólidas que não

se desmoronariam jamais. Gwen estaria a salvo ali, a salvo do Alain e a salvo do

Rollan.

Pensou quanto conheceria William do Segrave sobre o caráter de seu futurogenro. Teria mantido em segredo a existência dessa terra com alguma finalidade

concreta?

-... Árvores, não crê?

Rhys pestanejou, e depois fez um gesto de desculpa ante o olhar dela.

— Minhas desculpas, senhora. Estava pensando em pedra.

— Para um muro ao redor do jardim? Excelente ideia, Rhys. Você te

encarregará disso?

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Ele se inclinou a lhe roubar um beijo curto.

— Eu me encarregarei de tudo, meu amor.

De repente Gwen emitiu um gemido.

— Esses meninos me vão pôr nervosa. Robin, Nicholas! Não entrem assim

no mar. É que não sabem nada das bestas que há aí?

Pôs-se a andar para um lugar onde sem dúvida lhe escutariam melhor seus

gritos de desagrado.

— Voltarei em seguida, disse ao Rhys por cima do ombro.

Ele a observou afastar-se e voltou sua atenção ao chão que tinha sob seus pés

e à imensidão que o rodeava. Dali via milhas à sua volta. Nenhum exército o agarrariadespreparado. Nenhum navio poderia atacar sem que ele o tivesse visto com

antecipação. Sem dúvida era o lugar perfeito para construir um castelo, e só pôde

mover a cabeça maravilhado de que João não se apropriou já dessa terra para a coroa.

E se essa terra só podia herdá-la Gwen, talvez ele pudesse ir fincar seus dois

 joelhos ante ao João e lhe beijar os dedos dos pés torcidos e lhe prometer lealdade

feudal direta à coroa por ela. Por mais atraente que fosse Wyckham, vinhaacompanhada do Alain como suserano, algo que não gostava nada. Talvez João

aceitasse sua espada e sua lealdade pelo Artane e se considerasse afortunado por ter a

alguém digno de confiança lhe guardando sua fronteira do norte.

Continuou ali com os pés bem plantados no excelente chão, escutando o som

das ondas ao romper na borda e os chiados das gaivotas que giravam no ar, e pensou

que igual podia tornar-se a chorar ante toda essa maravilha.Essa terra podia ser dela. E o único que tinha que fazer para tê-la era ganhar 

quão único desejava mais que a vida.

Gwen.

E embora não há melhor momento para começar que o presente, descobriu

que ainda não era capaz de obrigar-se a ir conferenciar com seus mercenários.

Tampouco era capaz de correr detrás de sua dama e unir-se a ela na repreensão de dois

moços muito molhados que se divertiam felizes na praia. Quão único era capaz de

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fazer era continuar onde estava e inspirar profundamente o ar marinho e escutar o

rugido do mar.

Terra.

E Gwen para compartilhá-la.

Quão único tinha que fazer era ocupar-se de que ocorresse.

Acamparam dois dias no topo da colina. Rhys teria ficado ali

eternamente, e também os meninos, a julgar por seus gemidos de frustração ao partir.

Bom, talvez chamá-los de gemidos não era muito exato. Robin protestava em voz

muito alta, enquanto que Nicholas se inclinava estoicamente sob o peso da perda,

embora Rhys suspeitasse que se sentisse tão desiludido como Robin. Enquanto osolhava fazer sua última carreira colina abaixo, voltou a jurar que conseguiria que

Gwen conservasse o seu filho.

Ele poderia reclamar ao Robin como filho dele, e também ao Nicholas.

Considerando que a anulação do matrimônio da Gwen faria um bastardo do Robin

também, que diferença havia entre os dois moços? Além disso, Gwen estava muito

afeiçoada com o menino, e ele tinha que admitir que também lhe estava tomandomuito carinho. O que podia ser melhor que adquirir uma esposa e dois filhos ao

mesmo tempo?

Retornaram com toda a rapidez que permitiram os cavalos. Rhys teria

viajado mais rápido só com seus mercenários, mas não lhe importou a lentidão do

 passo, porque isso lhe deu tempo de sobra para observar os arredores e descobrir a

configuração da terra do Gwen.Mas de todos os modos se sentiu aliviado quando divisou Fenwyck na

distância. Quanto mais cedo estivesse livre Gwen, antes poderia começar a construção

do castelo. Ele sabia que se celebrariam umas bodas também, mas tinham acontecido

tantos anos sem pensar nela que isso lhe tinha convertido em hábito. Pensaria nisso

quando se assegurasse a bênção do João e do arcebispo.

Orou para que o ouro que tinha fosse suficiente para isso.

Depois de ocupar-se de seus homens e de passar uns momentos no jardim,

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submetendo-se às exigências da Anne do Fenwyck e Amanda de que lhes servisse de

cavalo para divertir-se, Rhys entrou finalmente na sala grande para beber uma taça de

cerveja fria e ter um pouco de paz para pensar. Não o surpreendeu ver o senhor do

Fenwyck inclinado sobre o Gwen como uma nuvem pertinaz.

— Que não daria eu por uma boa rajada de vento, murmurou enquanto

aceitava uma taça oferecida por um criado. Levou-a até a mesa superior e fez uma leve

inclinação ante o Geoffrey. Posso me sentar? — perguntou.

Pedir permissão seria outra coisa que o faria muito feliz não voltar a fazer.

Geoffrey o olhou com uma expressão um pouco parecida com relutância.

— Suponho que sim, se não houver mais remédio.— Vamos, Geoffrey — o repreendeu Joanna amavelmente de onde estava

sentada, a sua esquerda. Comportou-se tão bem estas duas semanas.

«Quando eu não estava», pensou Rhys com ironia. Agarrou a mão de Gwen

e a retirou da de Geoffrey. Não havia sinais de baba; ou seja, que Geoffrey do

Fenwyck conservaria sua cabeça outros quantos dias.

Geoffrey tentou recuperar a mão do Gwen, mas Rhys a reteve com maisfirmeza.

Com uma exclamação de desgosto, Gwen retirou a mão e pôs as duas mãos

sob as axilas.

— Qualquer um diria que sou um frango assado, protestou.

— Dê-me a mão, lhe disse Geoffrey, mordiscarei-a para ver se...

— Faça-o e é homem morto.Rhys ouviu as palavras sem poder acreditar que tivessem saído de sua boca,

mas aí estavam e não tinha forma das retirar. Talvez sua reserva de paciência tivesse

esgotado mais rápido do que teria pensado.

Joanna se pôs a rir.

— Oh, por todos os Santos, não sigam — disse, em um tom que Rhys já a

tinha ouvido empregar várias vezes ao dia com o Robin e Nicholas. Se não podem se

tratar com amabilidade e respeito, então, por favor, vão ao campo de batalha e

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resolvam ali suas diferenças.

Gwen o olhou tão desgostosa como parecia sua mãe, e Rhys começou a

sentir-se tão imaturo como Robin. Mas se sentiu algo melhor quando viu que ela

olhava ao Geoffrey com a mesma expressão de desgosto.

— Caracóis. Bom, então — disse.

— Sim, claro — acrescentou Geoffrey, com uma expressão igualmente

sobressaltada.

— Rhys, disse Joanna inclinando-se para olhá-lo, quais são seus planos

agora, querido? Voltamos para o Segrave, ou quer que continuemos aqui?

Rhys sentiu uma inexplicável quebra de onda de prazer. Não era o marido doGwen nem o genro da Joanna, certo, e que ela o tratasse com essa cortesia em que

 pese a sua falta de direitos era algo agradabilíssimo.

— Bom milady, explicou, meu plano é enviar um mensageiro a meu avô

hoje. Terei que viajar a Londres para me encontrar com ele ali e me arrastar ante o

Rei, mas acredito que é melhor que nem você nem minha senhora me acompanhem.

— Se por acaso perde a cabeça? — perguntou Gwen, nada agradada.Ele esboçou um sorriso.

— Não perderei nada e voltarei vitorioso, já o verá. E o único que tem que

fazer você é confiar em mim.

— E ficar aqui? — perguntou ela, olhando ao Geoffrey, carrancuda.

Geoffrey levantou as mãos para proclamar sua inocência.

— Não disse nada, milady Gwennelyn, nem sobre suas orelhas nem sobresua altura.

— Minha altura? O que tem minha altura?

Com muita prudência, Geoffrey se apressou a agarrar uma coxa de frango e

começou a dar conta dela diligentemente.

— E me vais deixar aqui para ver isto? — disse Gwen ao Rhys, irritada.

— Viajarei mais rápido só, explicou Rhys.

— Será melhor que não demore — disse Geoffrey, oculta sua boca atrás da

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coxa de frango. Poderia necessitar que me resgatasse. Moveu a cabeça, incrédulo. Não

 posso acreditar que te proponha raptar a esta mulher.

— É uma tradição familiar, explicou Gwen. Olhou ao Rhys com uma

sobrancelha arqueada. Embora tivesse que reconhecer que até agora foste um fracasso.

Você mesmo o disse.

— E me ouviste negar? — resmungou Rhys. Meu pai estaria horrorizado.

Meu avô se horrorizou. Ele raptou a sua dama quando a estavam vestindo para suas

  bodas com outro. Segundo ele, eu tive ampla oportunidade de fazê-lo antes que

fizesse seus votos.

— Contou-lhe quantos guardas enchiam o pátio do Ayre? — perguntou ela.— Isso não o impressionou nada. Comentou algo sobre as semanas que teve

que passar recuperando-se das feridas infligidas por uma vintena de agulhas de

costurar. Por pouco lhe danificam suas núpcias, algo assim disse. Contraiu o rosto em

um gesto de espanto. Parece que as damas de minha avó apontaram a uma parte muito

estratégica.

— Por todos os Santos — exclamou Geoffrey, cruzando as pernasimediatamente. Maravilha-me a coragem de seu avô.

— Bom, posto que esteja aqui sentado conosco, disse Gwen ao Rhys,

 podemos supor que se recuperou.

— Sim — disse Joanna. Agora nos conte como te propõe atuar. Preocupa-me

que vá a Londres com ouro sem te precaver. Não teme que João aceite sua oferta e não

te dê nada em troca?Rhys tinha a lembrança muito desagradável de quando Hugh do Leyburn

aceitou sua bolsa e logo lhe riu na cara. Além de imaginar-se jogando a arca de ouro

sobre a cabeça do João para deixá-lo tão sem sentido que quando despertasse só fosse

capaz de dizer sim a tudo que lhe pedisse, não sabia muito bem como proceder.

Olhou ao Geoffrey.

— Você conta com a confiança do Rei.

— De vez em quando.

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— Deixaria-te persuadir de me sugerir algumas maneiras de que o incline ao

meu favor?

Geoffrey franziu o cenho.

— Vamos ver, e porque ia-me querer fazer isso? Sobretudo quando que

tenta roubar é a única mulher de toda a Inglaterra que eu escolheria para me casar se

ela estivesse livre?

Rhys repassou em sua cabeça todos os motivos que poderia ter Geoffrey para

aceitar ajudá-lo, dos quais o principal era que se não o fizesse, lhe faria um mal

corporal.

Gwen lhe economizou o trabalho de admitir isso, dizendo ao Geoffrey:— Deveria fazê-lo porque eu o amo.

Geoffrey franziu o cenho.

— Suponho que eu seria capaz de imaginar argumentos piores.

— Sobretudo dado que eu não me casaria contigo nem que fosse o único

homem que restasse na Inglaterra, murmurou ela.

Geoffrey lhe dirigiu um olhar irritado e logo reatou seus cuidados à coxa defrango.

— Alain é um homem poderoso, disse entre dentadas e dentadas.

— E você não é poderoso? — perguntou-lhe Joanna. Vamos, milorde

Fenwyck, é muito modesto.

Rhys teria soltado uma gargalhada ante essa lisonja, mas parecia que

Geoffrey acreditava; então não ia danificar o feitiço que começava a tecer a mãe desua dama, de modo que se reclinou no respaldo de sua cadeira a escutar.

Joanna dedicou uma boa quantidade de tempo a enumerar ao Geoffrey todos

seus pontos bons enquanto enumerava ao mesmo tempo todos os pontos maus do

Alain, e com tanta meticulosidade que inclusive Rhys chegou a acreditar que talvez

Geoffrey fosse capaz de triunfar onde Alain jamais poderia.

— Certo, certo — concordou Geoffrey quando Joanna esgotou o poço de

lisonjas bastante fundo. Estirou-se como um gato satisfeito. Suponho que junto com

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alertar ao Rei a respeito dos danos causados pelo Alain a minha terra, poderia também

falar favoravelmente de você, Rhys. Estou bastante seguro de que me escutará.

Rhys não sentia nenhum tipo de segurança, mas supôs que uma pequena

ajuda seria melhor que nenhuma. Talvez Geoffrey conseguisse distrair ao João

enquanto ele ficava sigilosamente as suas costas e lhe golpeava a cabeça com várias

 bolsas de ouro. Era possível que o golpe inutilizasse um pouco a razão ao Rei, mas

não lhe inutilizaria as mãos tanto como para não poder assinar um punhado de

documentos que ele teria preparados.

— Pensarei um pouco mais, anunciou Geoffrey, e lhes darei a conhecer meus

 planos dentro desta semana.Rhys suspirou. Isso era mais que o que desejava esperar, mas o que era em

realidade uma semana mais quando estava esperando a Gwen a metade de sua vida?

Em todo caso, a decisão apareceu muito antes da semana. Não fazia dois dias

de sua volta ao Fenwyck com Gwen quando um mensageiro atravessou correndo o

campo de batalha com uma carta em sua imunda mão. A carta não trazia selo, o que

imediatamente despertou suas suspeitas, mas claro, os selos não eram nenhumagarantia de autenticidade. Se alguém sabia disso, era ele. Quantas cartas tinha recebido

com o selo de Gwen, só para inteirar-se depois que eram falsificações?

 

Eu, Jean de Piaget, escrevo esta de meu punho e letra este último dia de junho

do ano de Nosso Senhor 1206, a Rhys de Piaget. Saúdo-te, neto; esteja contigo a graça

de Nosso Senhor.Estão se tramando problemas, e temo que viajem até a porta de sua mãe. Se

reúna comigo ali, por favor, e venha com a maior pressa. Conhece o caminho mais

rápido até ali, embora não me pareceria estranho que te detivesse em Londres a

comprar algumas quinquilharias para lhe adoçar o humor. Sabe o quanto mal-

humorada ficaria se não.

Não permita que lhe roubem todo o fruto de seu trabalho enquanto dorme,

neto.

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Jean de Piaget

 

Rhys franziu os lábios e passou a carta a Montgomery.

— O que opina?

Montgomery a leu e o olhou.

— Acredito que seu avô gasta muita tinta em preocupar-se com o humor de

sua mãe.

— Não conhece minha mãe.— Conheço o que me contou, sorriu Montgomery, e não me parece uma

mulher muito dada a ataques de mau humor.

— Partirei amanhã antes da alvorada, disse Rhys, dobrando a carta.

— Mas, Rhys, não pode acreditar que isto seja autêntica, exclamou

Montgomery espantado. Não trazia selo, nenhuma garantia...

— Escreveu-a meu avô.Rhys sabia que não podia tê-la escrito nenhuma outra pessoa. Nem sequer 

sua mãe conhecia a combinação de objetos e cidades que tinham acordado entre seu

avô e ele. Quinquilharias de Londres, roupa de Paris e pescado fresco do Calais; coisas

singelas e tolas, mas garantias de autenticidade.

Tanto como se poderia garantir algo.

— Deixarei aos gêmeos contigo, continuou.— Não me cabe dúvida de que agradecerão, respondeu Montgomery,

irônico.

Rhys não pôde sorrir. Que seu avô se desse ao trabalho não só de averiguar 

seu paradeiro, mas também de lhe enviar uma mensagem só podia significar que havia

 problemas muito graves. É que iriam invadir a abadia?

Tratou de pôr de lado sua preocupação. Só o que podia fazer era cavalgar 

rápido; e terei que tomar em conta também que não partia para a França desde o Ayre.

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Demoraria umas boas duas semanas em chegar a Londres, e logo outras duas semanas

em chegar à abadia de sua mãe. Não era assim como tinha planejado acontecer esse

outono.

— A guarnição do Fenwyck deverá bastar para ter a salvo a Gwen, disse ao

Montgomery, e eu me ocuparei de fazer saber ao Geoffrey que você é o encarregado

de custodiá-la.

— Vá tranqüilo meu amigo, disse Montgomery. Eu cuidarei de sua dama.

— Temo mais ao Geoffrey que a qualquer rufião.

— E faz bem.

— Quero que tome nota de qualquer gota de baba que deixe em suas mãos,grunhiu Rhys. Que os Santos o protejam se chegar deixar alguma em outras partes.

— Pobre homem, riu Montgomery. Suspeito que já sabe isso e está

convenientemente arredado. Acredito que quando voltar vai encontrá-la bem a salvo

dessas moléstias.

— Isso espero, suspirou Rhys, pelo bem dele.

Levou todo esse dia organizar as coisas ao seu gosto. Gwen queriaacompanhá-lo e não aceitava as razões; só cedeu ante a ameaça de deixá-la amarrada a

uma cadeira e ao Geoffrey com todos os instrumentos para liberá-la ai concordou em

ficar. Rhys não confiou nela, e apoiando-se no brilho que viu em seus olhos, suspeitou

que tivesse bons motivos para não confiar. Mas um rápido olhar intercambiado com a

Joanna o tranqüilizou um pouco; ela faria todo o possível para impedir a Gwen que o

seguisse.Decidiu levar consigo quinze de seus mercenários de pior gênio e deixar aos

outros para cuidar de sua senhora. Se Joanna e os Fitzgerald não conseguissem

convencer Gwen de continuar no Fenwyck, talvez seus moços conseguissem.

Quando se anunciavam as primeiras luzes da alvorada já estavam todos

 preparados e esperando no pátio. Rhys passou revista aos que ficavam ali para poder 

evocar sua lembrança e respirá-los quando o necessitassem.

Aparentemente Geoffrey considerou que sua permanência em Fenwyck com

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Gwen seria superior ao que poderia tolerar sua frágil capacidade de autodomínio;

 prometeu ao Rhys que se reuniria com ele em Londres dentro de seis semanas para ter 

uma conversa com o Rei. Rhys supunha que então ele já teria concluído seus assuntos

na França, resgatado a sua mãe e posto a salvo seu ouro, e voltaria para Londres

 preparado para regatear com o Rei a mão de Gwen; talvez Geoffrey chegasse antes e

quando ele chegasse já teria falado com o Rei, lhe inchando os ouvidos com detalhes

da traição de Alain. Suspeitava que necessitaria de toda a ajuda possível.

Joanna lhe desejou boa viagem e boa sorte. Geoffrey estava ao lado dela,

com as mãos muito à vista e uma expressão de absoluta inocência em sua cara. A

guarda de Gwen, aumentada por implacáveis mercenários, parecia adequada para atarefa de mantê-la na linha. Nicholas estava junto a Gwen, com a mão no punho da

adaga que lhe tinha dado antes, quando lhe ordenou que cuidasse de Gwen; pelo visto,

o menino tomou muito a peito essa ordem, embora Rhys suspeitasse que não sabia

mais sobre usar a adaga do que Robin lhe tinha ensinado. Ele poria remédio a isso

quando voltasse.

Ao Robin não o viu por nenhuma parte; tinha querido acompanhá-lo, equando lhe negou seu desejo, partiu zangado. Tomou nota mental de recordar dar uma

olhada às muralhas ao sair, simplesmente para estar alerta se por acaso o menino lhe

 jogasse algo para vingar-se. Com um suspiro pensou que lhe traria um presente de

Londres para lhe adoçar o humor. Era só o que podia fazer.

Amanda chorou e se segurou a ele, lhe suplicando que não partisse. Quando

terminou de abraçá-la a satisfação, tinha o pescoço da capa ensopado e estava a pontode por-se a chorar ele também. Por todos os Santos, ninguém lhe tinha advertido de

que os meninos poderiam ter esse efeito pernicioso em seu coração.

Aproximou-se para despedir-se de sua dama e ela se jogou em seus braços,

 pendurando-se em seu pescoço também. Depois de beijá-lo na boca diante de todos os

 pressente, retrocedeu uns passos e lhe disse, com o cenho franzido:

— Agora, vá, o que faz aqui perdendo o tempo quando há ouro por trazer?

Ele se pôs a rir e lhe deu outro beijo, além disso, agradecido da confiança

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que lhe mostrava quando poderia ter continuado com a lista de recriminações do dia

anterior por partir sem ela. Apressou-se a montar e a se por em marcha, antes que ela

trocasse de opinião e lhe soltasse mais maldições.

Se cavalgassem rápido, poderiam chegar a Dover em menos de duas

semanas. Já tinha começado a preocupar-se com o tempo que demoraria em fazer todo

o resto, quando decidiu deter seus pensamentos. Demoraria todo o tempo que fosse

necessário; era pouco o que podia fazer para acelerar as coisas, a menos que lhe

 brotassem asas.

Gwen seria dele antes que caísse o frio do inverno, seguramente.

Ou isso rogava. 

Capítulo 33

— Onde está Robin?

Amanda, que estava entusiasmada cavando no jardim de Fenwyck, com a

Anne, levantou a cabeça e sorriu mostrando seus pequenos dentes.

— Não está, disse alegremente.

Gwen começou a procurar por todo lado, nervosa. Custava-lhe acreditar que

tivesse estado tão obcecada pela marcha de Rhys que não tinha dedicado mais esforços

a averiguar o paradeiro de seu filho. No dia anterior tinha visto várias vezes ao

 Nicholas, e supôs que estava sozinho simplesmente porque teria tido outra briga com o

Robin; num momento estavam brigando como cachorrinhos e no seguinte eram

amigos inseparáveis. Nicholas tinha estado bastante tempo fora de sua vista, por isso

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ela imaginou que estaria com o Robin. Não era tão estranho que não visse seu filho

durante um ou dois dias, sobretudo se estivesse treinando com os gêmeos.

Ultimamente, passava por períodos em que simulava que já era um cavalheiro e,

conforme tinha chegado a entender, isso excluía muitas coisas impróprias de homens,

 por exemplo, estar com sua mãe. Mas confiando como confiava nos gêmeos, pensou

que não havia motivos de preocupação.

Entretanto, essa manhã tinha caído na conta de que fazia muito que não via

seu filho nem com o Nicholas e nem com os gêmeos.

Divisou uma cabeça loira parecida com um matagal de arbustos e se dirigiu

 para lá imediatamente.— Nicholas?

O menino levantou a cabeça e a olhou com uns olhos claros muito, muito

culpados.

— Sim, milady? — perguntou, quase em um sussurro.

— Onde está Robin?

Ele tragou saliva, mas com muita dificuldade; parecia que tentava tragar uma bota grande.

— Está no castelo?

Ele fechou e abriu os olhos, horrorosamente sobressaltado, mas sem

conseguir articular palavra.

Gwen o agarrou pela mão e o levou até um banco. Havia um problema, e

teve a sensação de que no fundo dele estava seu filho. Sabia bastante bem que seconseguisse encontrá-lo-se sentiria muito tentada de dar a conhecer seu traseiro o peso

de sua mão uma ou duas vezes; duvidava de ser capaz de fazê-lo, mas ela se sentiria

tentada. Como as arrumava o moço, não sabia, mas conseguia livrar-se das

repreensões simplesmente pondo uma carinha de contrição e prometendo não voltar a

fazer nunca mais uma travessura.

— Eu não queria mentir, disse Nicholas de repente.

Gwen o olhou; certamente o menino tinha mais desenvolvido o sentido de

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culpa que seu filho.

— Mentiu? — perguntou-lhe, em tom severo; não tinha nenhum sentido

deixar acreditar que essa conduta era permissível.

Então Nicholas pôs-se a chorar com uns soluços tão comovedores que ela se

arrependeu de lhe ter falado assim; subiu-o a sua saia e o balançou, enquanto ele

chorava como se não pudesse parar jamais. Muito em breve chegaram Amanda e Anne

a reunir-se com eles. Amanda lhe dava tapinhas consoladores e Anne simplesmente

estava aí, com as mãos entrelaçadas e olhando com os olhos muito abertos.

— Vamos, Nicholas, lhe disse Gwen docemente, não pode ser tão grave.

— Ele foi à França! — soluçou o menino.Então Gwen compreendeu que sim podia ser assim grave. Sentiu um calafrio

em todo o corpo.

— Foi sozinho?

— Não, soluçou Nicholas. Foi com os homens de sir Rhys.

— Bom, isso não é tão grave como poderia ser — disse ela, como se o fato

de que seu filho viajasse com quase uma centena de mercenários não fosse nada. Sabesir Rhys?

Nicholas deixou de chorar o tempo suficiente para olhá-la horrorizado.

— Não, certamente que não, milady! Ele nunca teria aceitado algo assim.

— Muito certo.

Gwen esteve a ponto de por Nicholas de lado ao e correr à torre a enviar a

alguém atrás de Rhys para que trouxesse de volta o menino, mas pensou melhor. Játinha passado um dia, e mais ainda, já que tinham partido na alvorada. Era possível

lhes dar alcance, mas, era isso o melhor? A idéia de Robin cavalgando para um

 possível combate com o Rhys a fez desejar sair ela mesma para buscá-lo, mas era um

combate o que aguardava Rhys? Em sua opinião, era Rollan quem tinha maquinado

tudo, e Rhys ia a uma perseguição que não o levaria a nenhuma parte. Se Alain e seu

irmão decidissem fazer uma visita ao Fenwyck, não era melhor que Robin se

encontrasse em outra parte?

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Quanto mais considerava, mais se convencia de que talvez esse fosse o

melhor plano. Rhys cuidaria do Robin como se fosse seu próprio filho. Não era essa a

situação que ela teria escolhido para seu filho, mas, pelo visto, a decisão não estava

em suas mãos.

— Como se arrumou Robin para fazer isso? — perguntou ao Nicholas.

— Subornou um dos mercenários.

Isso não a surpreendeu.

— Com o que?

— Com o broche de sua capa, milady. Roguei-lhe que não o fizesse, mas não

me fez conta.— Claro que não, disse ela franzindo os lábios. Roubo e suborno. De onde,

 por Deus, teria tirado essas idéias tão indesejáveis? Muito tempo com os menestréis da

Joanna, pelo visto.

— Fez-me jurar que não o diria, jurar pela Santa Cruz, senhora, disse

 Nicholas. Disse-me que se lhe guardasse o segredo, trataria-me como se fôssemos

irmãos.Gwen viu encher-se de lágrimas os olhos do menino, e lhe rompeu o coração

ao vê-lo.

— Suponho que agora não vai querer fazê-lo, disse Nicholas limpando-os

olhos com a manga.

— Nicholas, querido — lhe disse ela abraçando-o, quando Rhys tiver 

acabado de repreendê-lo, ficará tão assustado que esquecerá o que te fez prometer.— Você crê, milady?

— Claro que sim, moço. Mas não pretenderá fazer toda a viagem a França

oculto, não é?

— É muito preparado — disse Nicholas, com certo sotaque temeroso

respeito em sua voz.

— Enganoso e desobediente são as palavras que eu escolheria, mas suponho

que tem razão. Deu-lhe uns tapinhas nas costas. Vamos, moço, voltemos para a sala

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grande, que está mais abrigada. Rhys cuidará muito bem do Robin depois de lhe dar 

um bom corretivo. Sem dúvida isto será uma aventura grandiosa para ele e quando

voltar terá muitas histórias para te contar.

E provavelmente a primeira seria o quanto Rhys gritou por sua estupidez,

mas essa era uma que lhe encantaria escutar. Sim, deveria estar doente de

 preocupação, mas se havia alguém capaz de manter a salvo ao Robin, esse era Rhys,

se sobrevivesse à dor no peito que sentiria ao ver o menino na sela de um mercenário.

Começou a conduzir a seu pequeno grupo para a torre da comemoração, mas

as meninas desejavam fazer outra coisa. Apressaram ao Nicholas para que lhes

servisse de cavalo, e ele se submeteu de boa vontade. Pela expressão resignada que viuem sua cara, Gwen suspeitou que considerasse isso uma justa penitência pelos graves

 pecados que tinha cometido.

Fechou os olhos e enviou ao céu uma oração por seu filho, rogando que

estivesse seguro e que Rhys não o estrangulasse quando descobrisse o que tinha feito.

E depois acrescentou outra por ela, rogando que algum dia do futuro próximo

sua vida se organizasse como devia. Não mais guerras, não mais combate. Nada quefazer fosse mais que estar sentada em seu quarto com um tecido sob sua agulha e a

 preocupação do que meter na panela para o jantar.

***

Já fazia um mês que por fim tinha conseguido para fazer-se pelo menos um

lugar no quarto do Fenwyck. O dia estava ensolarado e luminoso, e os meninos

 jogavam aos seus pés. Sua mãe as tinha agenciado para descobrir a um menestrel nos

campos circundantes, e o moço estava cantando com muita perícia. Música agradável,

uma taça de bom vinho à mão, e seus seres queridos ao seu redor. Quão único sentia

falta era a seu filho, acariciando resolutamente sua espada de madeira, e ao seu amor,

sentado frente a ela, roncando à luz do sol.

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A visão foi tão potente e tão perturbadora que deixou a um lado seu bordado

e se levantou.

— Milady? — disse Nicholas, levantando a cabeça imediatamente.

Dirigiu-lhe seu melhor sorriso.

— Só estou um pouco inquieta, moço.

— Um passeio pelo jardim, querida? — perguntou Joanna, com um sorriso.

— Sim, mãe, isso me fará bem.

— Eu cuidarei das meninas, se ofereceu Nicholas.

— Que paciência tem, moço — lhe disse Joanna, sorrindo-lhe. Essa é uma

 boa virtude de cavalheiro, cuidar dos que são mais fracos que você.Nicholas a olhou como se acabasse de ser reconhecido pelo Rei em pessoa.

— Você acha, milady?

Joanna lhe disse que sim com um gesto e depois olhou a Gwen.

— É um bom moço. Teve sorte ao encontrá-lo. Não sei se Rhys se dá conta

da sorte que tem.

Gwen franziu os lábios.— É homem, mãe, e tão pouco observador como todos os homens. Com o

tempo compreenderá quão afortunado é. Mas por agora — acrescentou, acariciando a

cabeça do Nicholas, simplesmente agradeço por ter a um bom moço que tem tanta

 paciência com as damas que o rodeiam.

Nicholas sorriu bravamente.

— Às meninas cada dia lhes ocorre um animal diferente para mim, sabe?Quando aprendi a fazer bem um para contentá-las, a elas lhes ocorre outro. Refletiu

um momento e depois olhou a Gwen: Todas as mulheres são assim, milady?

Joanna se pôs a rir.

— Passou muito tempo com o Robin, querido. As garotas são simplesmente

inteligentes, não volúveis.

Nicholas ficou pensativo, ao parecer assimilando isso. Gwen sorriu e se

inclinou a lhe beijar a cabeça.

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— Obrigado por sua bondade com as pequenas. Elas lhe amam por isso.

Pela forma como ele endireitou os ombros e adotou uma expressão mais

resolvida, Gwen supôs que esse comentário o tinha feito feliz. Suspeitava que o moço

fosse capaz de fazer a viagem de ida e volta a Londres em quatro patas se Amanda e

Anne pedissem; estava faminto de qualquer tipo de afeto, e ela só podia ser feliz

 procurando que o dessem.

Baixou à sala grande, pensando se conseguiria encontrar os gêmeos e

convence-los de que treinassem um momento com ela. Rhys lhe tinha escondido sua

espada, lhe dando em troca uma parte de aço absolutamente inútil. Por sorte, os

Fitzgerald se recuperaram de seu «enjôo eqüino» bem a tempo para descobrir comquem tinha escondido Rhys a espada, e exerceram seu considerável encanto para

tomar posse dela. Gwen não conseguia decidir se acreditavam que ela devia recuperar 

a espada porque consideravam um desafio evitar as lutas, ou porque consideravam que

ela tinha melhorado tanto seu manejo que já não precisavam preocupar-se com suas

delicadas peles. Agradava-lhe pensar que o motivo era este último.

Uns sussurros e gestos irados lhe atraíram a atenção. Olhou para a lareira eviu o Geoffrey e Montgomery discutindo acaloradamente, embora em voz baixa. Tão

logo a viram os dois adotaram expressões de inocência tão falsas que ela soube

imediatamente que fosse que fosse que estavam discutindo tinha a ver intimamente

com ela. Sem dúvida isso era algo que devia investigar.

Dirigiu-se ali a grandes pernadas, deteve-se a um passo deles e colocou as

mãos nos quadris. Essa postura sempre intimidava ao Robin, e talvez resultassetambém aí.

— O que aconteceu? — perguntou.

— Nada, responderam os dois ao uníssono.

Gwen viu um pedacinho de pergaminho que aparecia pelo pescoço da túnica

do Geoffrey. Sem pensar duas vezes, saltou sobre ele, puxou o pergaminho e o meteu

no sutiã de seu vestido. Os dois homens se voltaram para ela ao uníssono, com os

 punhos fechados e movendo a boca em silêncio.

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— Tenham um bom dia — disse, girou sobre seus pés e pôs-se a caminhar.

— Milady, rogo que me devolva isso — suplicou Geoffrey.

— Acredito que não, respondeu ela, voltando-se para olhá-lo.

— É uma insignificância, seriamente.

— Então o que importa que eu saiba?

Montgomery deu um passo atrás movendo a cabeça.

— Com isto eu me retiro deste desastre, disse. Olhou ao Geoffrey. Todo o

 peso do desagrado do Rhys recai sobre ti, milorde.

Gwen não esperou para ouvir mais. Tirou a carta e começou a lê-la inteira, à

exceção da assinatura, antes que Geoffrey a arrancasse das mãos. 

Eu, Jean de Piaget, escrevo esta de meu punho e letra este último dia de julho

do ano do Senhor 1206, ao Rhys de Piaget. Saúdo-te, neto; seja contigo a graça de

 Nosso Senhor.

Estão-se tramando problemas, e temo que viajem pela França a seu arbítrio.

Recolhi seu tesouro e lhe levarei isso ao Ayre. Te reúna comigo ali a toda pressa.Não permita que lhe roubem todo o fruto de seu trabalho enquanto dorme,

neto.

Jean do Piaget

— Devemos ir ao Ayre imediatamente, declarou Gwen.

Montgomery elevou as mãos.

— Eu não quero ter nada que ver com isto...

— De maneira nenhuma irá ao Ayre, disse Geoffrey energicamente. Isto

 poderia ser uma falsificação.

— Estúpido, a primeira carta era uma falsificação, sem dúvida. Começa

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como esta, com que o avô do Rhys cheira problemas. É perfeitamente lógico que

queira trazer o ouro do Rhys ao Ayre para impedir que o roubem na França.

— Vamos ver, senhora... — começou Geoffrey.

— E, portanto temos que ir ao Ayre — interrompeu ela, olhando-o furiosa. O

que quer, que o avô do Rhys entregue o ouro diretamente às mãos do Alain? Ou do

Rollan? Vamos, Montgomery. Ocuparemo-nos de reunir aos homens e nos poremos

em caminho imediatamente.

— Oh não, gemeu Montgomery. Milady rogo-lhe isso, não.

— Então irei eu...

— Não irá, afirmou Geoffrey.Cruzou os braços sobre o peito e a olhou severamente.

Talvez isso teria tido melhor efeito se fosse tão alto como Rhys. Ela não

tinha que jogar tanto a cabeça atrás para olhá-lo aos olhos, embora, sim, tinha que

reconhecer que sua largura era temível, como também sua expressão inflexível.

E então passou por sua mente a desagradável lembrança do tempo passado

derrubando-se no esterco de porcos graças à criatividade do Geoffrey.— Você não tem porque viajar pela Inglaterra para resgatar o ouro de Rhys

 — continuou Geoffrey, com firmeza. Não me custa nada enviar meus homens a fazê-

lo em lugar do Rhys.

— Mas...

— Irei eu mesmo — acrescentou, e logo franziu o cenho. Por todos os

Santos, o que me induziu a dizer isso é algo que não entenderei jamais. Estouigualmente seguro de que o lamentarei.

— Mas tem que fazer-se e logo...

— Dentro de um dia ou dois, disse Geoffrey. De todo modo tinha planejado

me reunir com o Rhys em Londres dentro de duas semanas.

— Mas é que deve te reunir com ele em Londres tal como prometeu, alegou

Gwen. Se não, como vai saber o que ocorreu? Voltaria para o Fenwyck e não nos

encontraria.

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— Muito bem, suspirou Geoffrey, irei ao Ayre e enviarei a alguém a Londres

 para lhe comunicar o que ocorreu. Irá ao Ayre em lugar de vir ao Fenwyck e assim

teremos acabado esta historia com o Alain.

— E outro mensageiro ao Dover.

— Mas...

— Se por acaso seu mensageiro não o encontrar em Londres.

— Muito bem — disse Geoffrey, com outro comprido suspiro. Dois

mensageiros então, um a cada lugar. E esperemos que Rhys não passe ao largo junto

aos dois. Porei em marcha a meus moços dentro de um ou dois dias. Agora terei que

me ocupar de organizar a direção do castelo durante minha ausência. Olhou-a. Você poderia fazer bem isso.

Dois dias? O avô do Rhys poderia estar já a um punhado de milhas do Ayre,

e perto de cair em uma armadilha nesse tempo. Era muito esperar dois dias.

— Seguir a pista da Amanda e da Anne te ocupará agradavelmente o tempo

 — continuou Geoffrey, e talvez se ocupar um pouco em arrumar minha roupa.

Gwen teve que fazer um enorme esforço para não lhe dar um forte golpe nacabeça. Mas era tentador fazer várias alterações em suas roupas.

Talvez se roubasse um cavalo e saísse protegida pela escuridão, estaria

 bastante longe quando alguém notasse sua ausência. Deixaria os gêmeos a cargo do

cuidado dos meninos. Deixavam-se dominar pela Amanda quase tanto como Nicholas,

mas talvez se lhes desse um severo sermão compreenderiam a necessidade de manter 

controlados os meninos. Nicholas estaria ali para entretê-la, e sua mãe fiscalizaria ocuidado dos meninos e de seus dois guardas. Suspeitou que, em realidade, era

 provável que não a jogassem muito de menos.

— E um ou dois dias fiscalizando a cozinha também — continuou Geoffrey,

claramente encantado ao pensar em todas as coisas que poderia fazer uma mulher, que

não se fazia desde que morrera sua lady.

Gwen viu claramente o que devia fazer. Por sorte, nesses últimos anos,

embora não as praticasse, tinha pensado muitíssimo em suas qualidades mercenárias.

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 Nunca se sabia quando podia ser útil ter à mão um vício.

— É obvio. Ficarei aqui e me ocuparei de todas essas tarefas, mentiu

entusiasmada.

— Aceita? — exclamou Geoffrey, surpreso.

— Geoffrey, é evidente que pensaste muito isto e devo me submeter a sua

sabedoria superior nestes assuntos. Que bem faria eu, sendo uma simples mulher?

— O que, em efeito? — resmungou Montgomery.

Gwen lhe dirigiu um olhar de advertência e em seguida passou o olhar ao

Geoffrey, acompanhada por um radiante sorriso.

— Meu lugar é no quarto entre tapeçarias e no fogo da cozinha, milorde,como sugeriu.

Montgomery se engasgou e começou a afogar-se; em realidade, parecia

resolvido a tossir até morrer. Gwen lhe golpeou as costas com muita força até que ele

levantou as mãos pedindo misericórdia.

— Tenha certeza disse Gwen ao Geoffrey que seu castelo estará em mãos

capazes enquanto você parte ao resgate. Rhys estará muito agradecido.— Bom — disse Geoffrey, em tom francamente surpreso. Alegra-me ver sua

sensatez.

— Não me cabe dúvida.

Geoffrey olhou ao Montgomery e depois a Gwen.

— Talvez devesse começar os preparativos, disse.

— Não poderia estar mais de acordo — disse ela encantadoramente, e odespediu com um gesto. Não pense mais em seu castelo, milorde. Eu me ocuparei de

tudo.

Geoffrey se afastou, com certo ar de insegurança.

— Eu não estou convencido, disse Montgomery a Gwen com voz rouca.

— Silêncio, ou na próxima vez deixarei que se afogue.

— Milady Gwennelyn — lhe disse ele carrancudo, Rhys me deu ordens

concretas de que não te permitisse sair do castelo.

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— E o que te faz pensar que tenho a intenção de partir do castelo, meu bom

senhor?

— Tem uma idéia de quanto tempo faz que te conheço, senhora?

— Amadureci.

— Tem se feito mais ardilosa, acusou ele. Agora bem, para me assegurar de

que seriamente vais fazer o devido, acredito que te pedirei alguma espécie de

 juramento.

— Meu pai me ensinou que nunca devo jurar.

— Jure, insistiu ele, exasperado. Jure pela Cruz que não vai ao Ayre

 procurar o ouro do Rhys.— Tenho que te recordar que sou sua senhora e que é seu dever me obedecer 

em tudo?

A expressão carrancuda do Montgomery se converteu em olhar de fúria.

— E tenho que te recordar o que me ocorrerá se te ocorrer algo? Poderia ser 

a maldita rainha de todo o reino e seguiria dizendo isso para salvar meu pobre

 pescoço. Santos do céu, senhora, a quem crie que temo mais?Ela não teve mais remédio que compreendê-lo, embora a mortificou fazê-lo.

— Ele não é meu senhor ainda, resmungou.

— Deixo a ti convence-lo disso quando voltar. Agora, pela salvação de

minha doce alma, por favor, jure pela Cruz que não sairá do Fenwyck tentar essa

loucura.

O dilema estava muito claro. Se Rhys perdesse seu ouro, não poderiasubornar ao João e não poderia casar-se e ela enterraria a espada no peito; sua alma

seria enviada ao inferno. Se jurasse pela Cruz que não sairia de Fenwyck quando isso

era justamente o que ia fazer, sua alma seria enviada ao inferno.

A escolha era muito simples.

Seguro que Deus não tomaria em conta uma mentira que tanto significava

 para um homem que o tinha servido fielmente durante tantos anos.

Olhou ao Montgomery à cara sem pestanejar, adotando a expressão mais

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inocente que conseguiu pôr. Ao longo dos anos o tinha convencido de fazer várias

coisas que ele não queria; que problema podia haver então para convencê-lo de sua

sinceridade?

— Juro pela Cruz, disse solenemente, que não vou sair do Fenwyck e tentar 

essa loucura.

Ele a contemplou atentamente.

— Não mente?

— Sir Montgomery, exclamou ela no tom mais ofendido que conseguiu usar,

duvidas de mim?

Aparentemente o tom não foi tão convincente como ela teria querido, porqueele continuou em atitude não convencida.

— Que o céu tenha piedade de mim, disse ele. Olhou-a uma vez mais e se

afastou. Caso vá ali quando Rhys acabar comigo. São Miguel me conceda uma morte

rápida e indolor.

Gwen deixou de lado a localização futura da alma de Montgomery, e se

concentrou no que devia fazer antes que acabasse o dia.A aurora se aproximava rapidamente. Gwen soube por que não tinha

 pegado o olho em toda a noite; várias vezes tinha contemplado a idéia de se não teria

sido melhor pedir a alguém que a acompanhasse, mas em quem poderia ter confiado?

Durante o jantar da noite anterior, Montgomery a tinha ameaçado ata-la a uma cadeira,

e Geoffrey tinha apoiado entusiastamente esse plano. Não, partir só tinha sido a

melhor opção.Acabava de selar ao cavalo quando a sua esquerda ouviu o ruído

inconfundível de passos, procedentes do bosque. Tão cedo? No fundo de sua mente

desejou que fosse alguém do Fenwyck, e não algum rufião pertencente a um bando

numeroso. Rogou aos Santos que a guardassem desse tipo de prova a sua valentia.

Desembainhou sua espada e se ocultou na escuridão do bosque. Uns pés

continuaram avançando sigilosamente, e a surpreendeu sua ligeireza. Isso precisava

muita concentração e perícia, portanto, seu visitante não podia ser Geoffrey, que se

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movia por entre a mata com o sigilo de um javali ferido.

A luz da lua se refletiu em uns cabelos loiros.

— Nicholas! — exclamou, embainhando a espada.

— Milady, disse ele e correu a rodeá-la com seus braços. Temia por sua

segurança.

Ela levantou a cabeça.

— Viu-te alguém?

Ele negou com a cabeça.

— Como me alcançou tão rápido? Vieste a cavalo?

— Não, milady. Não se afastou muito. Em realidade, acredito que deu umagrande volta. Fenwyck está bastante perto.

Maldição. Montou o cavalo e estirou a mão para subi-lo.

— Teremos que cavalgarmos nós dois, moço. Oxalá houvesse trazido

alguma espécie de mapa.

— Eu posso te guiar — disse ele, enquanto ela o acomodava detrás dela. Sir 

Rhys me ensinou a reconhecer as direções pelo sol. E lembro que viajamos para onorte para vir ao Fenwyck, ou seja, que para ir ao Ayre temos que cavalgar para o sul.

Ela não pôde rebater essa lógica, e certamente não ia enviar de volta ao

Fenwyck a um guia tão capaz. Apertou os pés nos flancos e seguiu as orientações do

 Nicholas.

E sinceramente rogou que sua tarefa de resgate terminasse com mais êxito

que como tinha começado.

 

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Capítulo 34 

Rhys estava em um extremo do claro do bosque, recuperando o fôlego,

depois de uma exaustiva manhã dando gritos, com a necessidade adicional de enterrar 

muitas vezes o punho na dura cara de Jacques do Conyer, e as malditas conseqüências

disso em seus nódulos das mãos.E agora este, pensou. Cruzou os braços sobre o peito, franziu o cenho e

olhou o segundo culpado. Também pensou, de passagem, porque até esse momento

não havia percebido de que levava um membro acrescentado em sua guarnição. Com

razão Jacques se ofereceu para ir sempre fechando a marcha em todo o caminho para a

França.

Olhou para baixo, pensando o que podia dizer ao pequeno que o convencesse

da gravidade do que tinha feito. E maldito esse Robin do Ayre também, que o olhava

com seus bracinhos cruzados sobre o peito, muito carrancudo, como se fosse ele o

ofendido.

— Roubou — grunhiu, decidindo que essa era uma boa maneira de começar.

Roubou o broche de sua mãe.

— Mamãe diz que os mercenários sempre roubam, o informou Robin.

Rhys titubeou um momento, indeciso; talvez devesse reservar os gritos para

Gwen. O que pretendia ensinando essas coisas ao moço?

— Mentiu, então — disse, agarrando ao vôo outro dos vícios mercenários de

Gwen.

— Não! — alegou Robin acaloradamente. Subornei ao sir Jacques

francamente.

Custava acreditar que o moço que tinha diante ainda não tivesse completo os

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seis anos. Necessitaria do amparo dos Santos quando o menino encontrasse realmente

sua língua.

— Então — disse, procurando algo que fosse motivo para castigá-lo, não

disse a sua mãe que ía vir.

— Não teria deixado.

— Eu tampouco! — exclamou Rhys.

— Poderia ter necessidade de mim — disse Robin, elevando o queixo.

— O que preciso é um toco de árvore onde me sentar comodamente para te

 pôr sobre meus joelhos e dar boas palmadas.

Robin pareceu convenientemente horrorizado ante tal perspectiva. Tragousaliva e depois endireitou os ombros.

— Se for necessário — disse, com apenas um ligeiro tremor na voz. Ou

talvez pudesse me fazer sangrar o nariz e dar por concluído o assunto.

Rhys olhou a carinha séria e teve que reprimir a vontade de rir. Santos do

céu, que descaramento tinha o pequeno. E também teve que admirar sua resolução

 para ajudar. Recordava-lhe tanto Gwen que quase lhe cortou o fôlego. E no momentoseguinte desejou mais que nada no mundo abraçá-lo fortemente e lhe agradecer sua

lealdade.

Mas só os Santos sabiam que tipo de travessuras fomentaria fazendo isso, de

modo que pôs sua melhor cara de aborrecimento e tentou pensar em um castigo

adequado.

— Desobedeceu-me, e isso merece certo tipo de castigo.— Você não me disse que não devia vir, alegou Robin.

— O que te disse foi que esperava que ficasse ali para cuidar de sua mãe.

Robin olhou os pés.

— Você não é meu pai. Agachou ainda mais a cabeça. Não tenho por que te

obedecer.

Rhys se surpreendeu do muito que lhe doeram essas palavras. Era certo, não

era o pai do Robin, mas teria dado muitíssimo para sê-lo.

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— Compreendo, conseguiu dizer finalmente. Suponho que me convém saber 

o que pensa...

De repente se viu abraçado à altura dos quadris por um menino pequeno que

tinha estalado em soluços.

— Oxalá fosse, chorou Robin. Desejo isso mais que qualquer outra coisa.

Se o momento anterior não lhe tinha feito brotar lágrimas, isto sim o

conseguiu. Levantou Robin em seus braços e o abraçou fortemente. Suspeitava que a

maioria, senão todos, seus homens o estavam olhando, mas bom, que pensassem o que

 pensassem. Deu-lhe tapinhas nas costas e lhe disse umas quantas dessas palavras

consoladoras que Gwen sempre dizia a Amanda quando estava chorando. E quandoRobin deixou de chorar tão forte para avisar a toda a França de sua chegada, deixou-o

no chão, agarrou-o pela mão e o levou até o centro da clareira. Ali, se abaixou diante

dele e lhe secou energicamente as lágrimas com sua manga. Teve que reprimir um

sorriso quando Robin fez o mesmo com ele.

— Pai e filho não somos, lhe disse, mas talvez nós gostássemos de trocar 

isso se pudéssemos. Em todo caso, considero-te um bom moço e certamente mesentiria muito orgulhoso de te chamar de meu filho.

Robin o olhou como se acabasse de lhe dar de presente duas dúzias de

espadas do melhor aço de Damasco, junto com a perícia para brandir-las todas de uma

vez.

— É? — perguntou, extasiado.

— É, respondeu Rhys. Mas temo que então eu espere algo de ti.— O que? — perguntou Robin, seu entusiasmo um pouco diminuído.

— Esperaria que não voltasse a roubar. Isso não é algo honroso em um

cavalheiro.

— Mas em um mercenário...

— Estou falando de cavalheiros, Robin. Um cavalheiro honrado não rouba.

Tampouco mente.

Robin ruminou isso.

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— Um cavalheiro protege às mulheres e aos meninos, e certamente não

coloca vermes no vestido de sua irmã.

Rhys sabia que estava causando impressão no menino; não tinha nenhum

sentido não aproveitar o momento para deixar umas quantas coisas em claro.

— Não? — perguntou Robin, um tanto consternado.

— Isso não é cavalheiresco, Robin.

— Ah — disse o moço, pesando talvez as conseqüências de consagrar-se a

uma vida de tanta bondade. Aparentemente, não considerou muito pesada essa carga,

 porque jogou os ombros para trás e suspirou: Não mais vermes, não mais serpentes,

não mais arranhas.«Pobre Amanda» pensou Rhys.

— Mas quanto ao outro — acrescentou Robin, elevando repentinamente a

vista. Você planeja seqüestrar a minha mãe, não é?

Rhys descobriu que não tinha resposta para essa pergunta.

— E não disse ao meu pai?

Rhys negou com a cabeça, ainda mudo.Robin o contemplou em silencio durante vários momentos e finalmente

encolheu de ombros.

— Talvez isso se deva fazer se quiser proteger às mulheres e aos meninos. É

essa a parte mais importante de ser um cavalheiro?

«Não roubar, nem mentir e nem trair», pensou Rhys. Como explicar a um

menino de seis anos as coisas mais sutis da vida? Ou do amor? Moveu a cabeça.Talvez ele estivesse cometendo os mesmos delitos que proibia ao Robin. A mentira e o

roubo eram vícios aceitáveis em mercenários, e bem que lhe estavam servindo em sua

atual empresa. Mas claro, já tinha quase trinta anos e se via obrigado a fazer uso do

que fosse para fazer realidade seus sonhos.

Santos do céu, que habilidade a dos meninos para fazer que um homem se

questionasse seus próprios atos. Fez uma inspiração profunda.

— Robin, lhe disse não vou seqüestrar a sua mãe.

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— Não? — exclamou Robin, em tom decepcionado.

— Não, moço, a vou ganhar com jogo limpo.

— Subornando ao Rei?

— Os cavalheiros tampouco escutam as conversas alheias, moço.

Robin franziu o cenho e ficou calado.

— Farei o que tenha que fazer, porque é necessário resgatar a sua mãe de seu

 pai. Talvez neste caso me veja obrigado a recorrer ao suborno, mas isso não é algo que

faça à ligeira, nem tampouco com freqüência. Tampouco deve fazê-lo você.

— Eu não subornei sir Jacques à ligeira, observou Robin. Era necessário que

estivesse aqui contigo, para te guardar as costas. Mas, acrescentou suspirando,suponho que não evitarei que me faça sangrar o nariz de todo modo. Retrocedeu um

 passo, apertou os punhos aos lados e fechou os olhos. Estou preparado, sir Rhys.

Rhys lhe colocou as mãos sobre os ombros, girou-o e lhe assinalou os

cavalos.

— Um melhor castigo será que se ocupe dos cavalos durante uma semana.

Seu nariz está a salvo.Robin o olhou agradecido e pôs-se a correr para o outro lado do

acampamento. Rhys suspeitou que a alegria só durasse um par de horas, até que lhe

cansassem as mãos de tirar com pá as bostas dos cavalos, e então voltaria para lhe

suplicar que lhe desse um murro no nariz.

Isso lhe dava pelo menos um par de horas para decidir como se arrumaria

 para impedir que ocorresse algum dano ao moço. Até o momento não tinham tidonenhum problema, mas, claro, tampouco tinham parado de cavalgar desde que

tocaram na terra francesa. Só os Santos sabiam o que podia passar quando

encontrassem com seu avô na abadia da sua mãe. Não acreditava que Alain fosse

capaz de criar mais problemas na França, de modo que isso ficava para o Rollan, e ele

sabia que nada era muito para o irmão menor do Ayre.

Bom, só o que podiam fazer era continuar caminhando para o Marechal,

onde, conforme sabia estava abrigado nesses momentos seu avô, e esperar que tudo

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estivesse bem ali.

Deu um último olhar ao acampamento e, convencido de que tudo partia de

acordo a seus planos, entrou no bosque para dar um passeio. Isso não queria dizer que

não confiasse nos homens que lhe custavam tão caro; disse-se que exploraria os

arredores simplesmente porque isso lhe acalmava os nervos. Era bom explorador, e

três anos de combates tinham melhorado muito essa habilidade. Nunca o tinham

  pilhado despreparado, embora tivesse tido muitos outros problemas durante suas

sestas.

Despediu-se de seus guardas e pôs-se a caminhar silenciosamente por entre

as árvores. Ao fim e ao cabo, que necessidade tinha ele de que alguém lhe guardasseas costas? Ele era muito capaz de fazê-lo sozinho.

Continuou recreando-se na contemplação de sua bem adquirida destreza

durante talvez outro quarto de hora. Sim, francamente, era um explorador excelente.

E esse foi o último pensamento que teve antes que lhe obscurecesse

inesperadamente seu mundo.

— Estúpido, tínhamos que esperar até que tivesse recolhido o ouro.— E você, deixa de me insultar!

— Sim, François, não siga porque senão vou começar com insultos eu

também, aos dois. Não devíamos nem tocar nele.

Rhys entreabriu um olho, um bandido. Teria gostado de acreditar que fazia

isso por sigilo, mas em realidade se devia à dor espantosa que sentia na cabeça. Por 

todos os Santos, com o que o tinham derrubado? Com uma pedra?— Se Jean-Luc não fosse tão condenadamente ambicioso...

— Se François não fosse tão violento...

— E se os dois não fossem tão condenadamente estúpidos, não estaríamos

nesta confusão.

Rhys abriu os dois olhos, seguro de que a briga era tão acalorada que nem se

fixariam nele. Comprovou que estava amarrado a uma árvore, contemplando três

 personagens, de qualidade menos que meritória, enfrentados em uma briga a gritos e

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golpes. Ver-lhes as mãos e as caras imundas, a roupa feita em farrapos e os olhos e os

dentes enegrecidos, levou-o a uma conclusão: Rollan estava detrás disso.

Isso o levou a outra conclusão, mais surpreendente ainda que a primeira:

Rollan conhecia pelo menos um dos segredos entre seu avô e ele. E se sabia o dos

sinais acordados para as cartas, que mais poderia saber?

Essa só idéia bastou para lhe gelar até a medula dos ossos.

— O que tínhamos que fazer era vigiá-lo, disse o terceiro do grupo, e estar 

alerta para nos inteirar do paradeiro de sua mãe.

— Sim, disse François, dando outro forte golpe no lado da cabeça ao que,

conforme supunha Rhys, era Jean-Luc. Era o que tínhamos que fazer, idiota.Jean-Luc esfregou a orelha, zangado.

— Pierre, lhe diga que deixe de me golpear. Está-me doendo à cabeça.

Pierre, que claramente era o chefe do trio, olhou para o céu, exasperado,

 pondo os olhos em branco.

— François deixe-o já. Necessitamos de Jean-Luc para que nos guie. Se

lembre de que tem que recordar onde estivemos para dizer a Lorde Rollan.«Os Santos lhe protejam, Rollan, se tiver posto sua confiança nestes»,

 pensou Rhys com sarcasmo. Jean-Luc seguia esfregando a orelha e agitando a cabeça.

Talvez temesse que François lhe tivesse soltado algo dentro.

Ouviu-se um ruído na mata atrás da árvore e Rhys se apressou a fechar os

olhos, ao tempo que os três se giravam a olhar em sua direção, boquiabertos.

— Uma besta, sussurrou François apavorado.— Sim, fujamos! — exclamou Jean-Luc. Fujamos!

No pequeno claro do bosque ressonou o ruído de duas fortes palmadas.

— Uf, disse François. Obrigado.

— Sim — acrescentou Jean-Luc-. Muito necessárias. Agora me sinto muito

melhor.

Rhys apoiou a cabeça na árvore e escutou como os três reatavam a discussão

sobre o que deveriam ter feito; além de capturá-lo, claro. Aparentemente eram

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muitíssimas as ordens dadas por seu empregador, o importante Rollan do Ayre.

Estiveram bastante tempo falando do que tinha prometido lhes fazer se fracassavam.

Quanto mais falavam, mais aterrados pareciam François e Jean-Luc, que necessitaram

de um punhado de palmadas, que Rhys supôs eram dadas pelo Pierre.

Rhys se perguntou se seus mercenários estariam escondidos entre a mata,

com as capas metidas na boca para afogar suas risadas.

Acabava de decidir abrir os olhos para ver se era assim, quando sentiu que

lhe estavam cortando as ataduras das mãos. Uma vez cortadas, puseram-lhe uma adaga

na palma da mão, e imediatamente depois disso, viu um menino pequeno saltar para o

mato e lançar-se de cabeça a agarrar sua espada.Horrorizado viu o Robin agarrar a espada e brandi-la; o menino esteve a

 ponto de fatiar um braço de Pierre acima do cotovelo.

Tal mãe, tal filho, pensou Rhys.

Por sorte os três homens ficaram tão pasmados ao ver o menino brandir uma

espada, que evidentemente não era capaz de controlar, que continuaram onde estavam,

com as bocas abertas. Isso deu tempo ao Rhys para ficar de pé e tirar a espada deRobin. Olhou furioso aos seus captores.

François e Jean-Luc caíram de joelhos e juntaram as mãos em atitude de

súplica.

— Não, não me tire à vida, sir Rhys, gemeu Jean-Luc.

— Sim — acrescentou François assentindo com a cabeça. Ouvimos falar de

ti.— Feroz.

— Desumano.

— E sabe? — disse de repente Jean-Luc, olhando ao François. Banha-se com

 bastante regularidade. Eu mesmo ouvi esse rumor nessa estalagem perto do Conyers.

Uma ou duas risadas afogadas procedentes do bosque fizeram chiar os dentes

ao Rhys. Quando deixasse de lhe doer assim à cabeça, faria entrechocar umas quantas

cabeças.

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— Se rendam! — gritou repentinamente Robin, brandindo sua espada de

madeira como se fosse uma potente arma mortal.

Pierre se apertou o braço ensangüentado e o olhou irritado.

— Deveria te cortar em tiras, pequeno demônio...

Bom, esse tipo de conversa não tinha nenhuma razão de ser. Rhys se inclinou

e enterrou um punho na cara do Pierre, que caiu ao chão e ficou ali como um molho de

seda fina.

— Eu poderia tê-lo derrubado, disse Robin.

— E o derrubou moço, lhe assegurou Rhys. O distraiu muito bem. Foi

amável de sua parte me permitir acabar com ele.— Caracóis, disse Robin, embainhando sua espada com entusiasmo. Duvido

que minha mamãe invente um conto melhor que este.

— Eu lhe relatarei todos os pontos importantes, prometeu Rhys. Agora,

atemos esses outros dois e vejamos que tipo de notícias podemos extrair. Acredito que

você gostará de ficar para o interrogatório.

— É obvio — respondeu Robin, cruzando-se de braços e olhando os doisdelinqüentes. Possivelmente poderíamos usar vermes. Ou lhes colocar um punhado de

aranhas debaixo de suas túnicas.

Quase seis verões. Rhys reprimiu um sorriso enquanto fazia as honras atando

os prisioneiros de Robin. Ou seja, que Rollan o fazia espiar para saber o paradeiro de

sua mãe era interessante. Não conseguia entender que proveito podia tirar com isso, se

não era raptá-la; pelo visto não tinha idéia do seguro que era o refúgio de sua mãe;nem do que estariam dispostas a fazer suas mulheres para protegê-la. Certamente

havia certas vantagens em ser a nora de Jean de Piaget e, sem dúvida, outra alma que

continuava a tradição Piaget de espiar para o Rei. Não, tinha que haver algo mais do

que haviam dito os homens.

E ele saberia tudo, tão logo descobrisse quais de seus homens tinham estado

espreitando entre os arbustos rindo. Uma vez que lhes tivesse recompensado bem seu

humor, dedicaria-se a resolver o outro enigma. Esperava que não acabasse tão mal

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como suspeitava que pudesse acabar.

Com o Rollan do Ayre, nunca se podia estar seguro.

 

Capítulo 35

Já tinham passado quatro dias, e quatro dias era esperar muito. E não era só

isso o que o chateava. Tinha dedicado mais de um mês a vagabundear pelo campo, à

espera que se produzissem os efeitos de seu trabalho. Tinha enviado as cartas e a

viagem tinha começado. E chegado o momento de atuar, onde se encontrava?

Esperando o seu irmão, e quatro dias, nada menos. Rollan ia subindo a

escada, resmungando entre dentes, e por pouco o derrubam um par de cavalheiros

fedorentos que baixavam à sala grande. Se não tivesse sido tão perito em encostar-se

às paredes para escutar conversas alheias, teria caído para uma morte segura.

Por todos os Santos, como detestava Canfield. Não conseguia entender como

seu irmão podia suportá-lo. Nem sequer estava Rachel, embora isso não lhe tinha

impedido ao Alain divertir-se. Porque seu irmão não podia divertir-se igualmente em

casa, não sabia; o que sabia era que isso o prejudicava muitíssimo, por isso se sentia

menos que feliz.

Claro que esses dias lhe tinham dado muito tempo para contemplar a gosto

sua melhor artimanha. Tinha bebido várias taças para celebrar seu êxito.

Tinha conseguido enviar Rhys a França, graças à perfeita falsificação de uma

carta com a contra-senha que só conheciam sir Jean e Rhys. Bom, isso acreditavam

eles.

Logo veio a alegria de saber que Gwen tinha fugido de Fenwyck depois de

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receber a outra carta falsificada que ele urdiu com tanta manha. E bendita a

empregada, que fez exatamente o que ele suspeitava que fizesse: enviar mensageiros

ao Dover e a Londres para comunicar ao Rhys que devia ir diretamente ao Ayre a sua

volta a Inglaterra.

Não poderia tê-lo planejado melhor se o tivesse planejado ele mesmo. Que o

tinha planejado, claro.

A última tarefa que tinha por diante era convencer ao Alain de que voltar 

 para o Ayre a maior brevidade possível era a única linha de ação que restava. Quase

 podia ver a cena que alegraria seus olhos ao final: Alain, comodamente instalado em

casa, decidido a atuar de acordo às idéias que ele tinha implantado em sua cabeça;Gwen, toda ardorosa, resolvida a resgatar o ouro de Rhys; e o próprio Rhys arroxeado

de raiva por ter feito o papel de tolo.

Modestamente reconheceu que, quase com toda probabilidade, esse era o

 plano mais engenhoso que tinha posto em marcha em toda sua vida.

E a isso ia nesse momento, a ocupar-se da parte do Alain em seu plano.

Percorreu o corredor até o quarto que Alain ocupava durante todas suas estadias ali eabriu a porta. Pouco o surpreendeu a visão que o recebeu, de modo que se dirigiu ao

 poste dos pés da cama e olhou a seu irmão, que estava enrolado em lençóis com

mulheres.

— Talvez não recebesse as mensagens que te enviei, lhe disse.

Alain o olhou sem compreender.

— Mensagens?Rollan extraiu de si a pouca paciência que ficava depois de passar dias

 bebendo a porcaria que passava por cerveja nesse castelo. E pensar que poderia ter 

estado comendo as delícias do Segrave; já não estavam nem Gwen nem Rhys para lhe

negar a entrada. E embora Joanna também tivesse ido com eles, seu senescal não lhe

tinha muita antipatia; depois de tudo era ele quem mantinha ao Alain longe de suas

 portas. Seguro que isso ganharia uma comida ou duas.

— Levo vários dias esperando falar contigo, irmão.

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— Sobre o que? — perguntou Alain, carrancudo.

— Tenho algumas notícias que estou seguro lhe vão interessar.

Alain moveu a mão em gesto majestoso.

— Diga-me isso agora.

Rollan teria preferido falar com seu irmão a sós, mas estava muito claro que

este não tinha pensado em mover-se.

— Muito bem — começou, pausadamente, com o fim que seu irmão não se

 perdesse nenhuma só de suas palavras: Parece que lady Gwennelyn voltou para o

Ayre.

— Eu pensava que seguia no norte, talvez tentando tirar o fedor da fumaçade suas roupas — disse Alain com um largo sorriso, como esperando alguma reação a

sua amostra de perspicácia.

Rollan também teria preferido que suas atividades em Wyckham ficassem

em segredo, mas bom, não era provável que uma ou duas prostitutas de castelo

entendessem isso. Riu para agradar o ego de seu irmão e em seguida retomou sua

expressão séria.— Gwen voltou para encontrar-se com sir Rhys.

Alain pareceu mais perplexo que de costume. Sentou-se e se acomodou um

ou dois almofadões às costas.

— Encontrar-se com ele em Ayre? Acreditava que estavam juntos em

Fenwyck.

— Nosso galhardo sir Rhys foi à França recolher seu ouro.— Ele vai precisar, disse Alain. Reconstruir Wyckham lhe vai custar até a

última maldita moeda.

— Eu diria que não tem nenhuma intenção de reconstruí-lo, corrigiu Rollan.

Ele vai usá-lo para comprar a liberdade do Gwen.

Alain o olhou como se acabasse de lhe passar por cima uma manada de

cavalos.

— Sua liberdade? De mim?

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Rollan reprimiu o intenso desejo de levar a mão à frente e gritar. De verdade,

a magnitude da estupidez de seu irmão surpreendia às vezes até a ele, e isso que tinha

vivido toda sua vida com o imbecil.

— É um novo plano, mentiu. Eu acabo de saber.

— Mas como? — perguntou Alain. Divorcio?

Rollan negou com a cabeça.

— Mais provavelmente anulação.

— Mas, protestou Alain, isso diria que nunca me deitei com ela.

— Mas você sabe que sim, disse Rollan.

— Mas outros pensariam que não.— Tem dois filhos, Alain.

Alain golpeou o travesseiro, frustrado.

— E isso o que importa? Uma anulação significa que não me deitei com ela.

— Um golpe em seu orgulho, sem dúvida — suspirou Rollan.

— Anulação — continuou Alain, incrédulo, como se não tivesse ouvido nada

dito pelo Rollan. Custa-me acreditar.— Se quiser minha opinião, pretender obter isso seria ouro perdido, disse

Rollan. Pensei que talvez você pudesse lhe dar melhor uso que vê-lo acabar em algum

cofre de Londres.

— Nunca é demais outro pouco, concordou Alain.

— Isso mesmo pensei. Por isso suspeitei que quisesse viajar ao Ayre o mais

 breve possível. Deveriam estar ali quando chegar ao castelo. Surpreender à esposa noato de adultério teria que ser suficiente para repudiá-la.

Alain pestanejou.

— E perderei suas terras?

— Com o carinho que te tem o Rei? — disse Rollan em tom consolador.

Seguro que não, milorde. E pensa isto, será livre para se casar com quem quer. Olhou

às três voluptuosas criadas acurrucadas na cama do Alain como cachorrinhos e

esboçou um sorriso. Ou talvez não. Tem um herdeiro. Simplesmente te liberaria de

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uma esposa molesta.

— Liberar-me de Gwen — disse Alain, aparentemente encontrando prazer na

idéia. Sorriu alegremente. Eu o farei.

— Agora? — protestaram as mulheres.

Alain franziu o cenho, distraído por essa vasta exposição de carne.

— Mmmm — disse, arranhando-a cabeça, pensativo. Talvez mais tarde.

— Ah, mas é que tem que ser agora — apressou Rollan. Imediatamente.

Antes que Piaget e lady Gwennelyn abandonem o castelo. Vamos, poderiam estar 

 pulando entre os lençóis enquanto estamos falando. Convém-te surpreendê-lo.

— Não entendo como pode desejar aquela moça de língua mordaz, disseAlain, com um estremecimento.

— Quem pode explicar os gostos de um homem? — disse Rollan

intencionalmente.

— Quem, com efeito? Vamos, disse Alain, jogando a um lado o lençol e

dispersando sua coleção de companheiras de cama. Quanto antes, melhor.

Rollan se apoiou no poste e o observou vestir-se.— Convém-te insultar ao Piaget, é obvio — comentou em tom

despreocupado. O suficiente para que te desafie.

— Que me desafie? — exclamou Alain espantado.

— Não te dá conta da sabedoria que se esconde nisso? Um simples

cavalheiro atacando a um Lorde do reino?

— Ah — assentiu Alain, mas em seguida franziu o cenho. Mas me derrotará.— Irmão — riu Rollan, valoriza-te muito pouco. As histórias de seu valor e

 perícia são muito exageradas. Além disso, o surpreenderá totalmente satisfeito por ter-

se deitado com sua esposa. Sem dúvida terá pouca força para bater-se contigo.

— Tem boa cabeça para a estratégia, comentou Alain.

— Certo.

— Deveria fazer afiar minha espada antes de ir?

— É melhor que use o chicote, lhe aconselhou Rollan. E depois o mata com

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a espada Roma. É mais divertido dessa maneira.

— Acredito que tem razão irmão.

Rollan deu meia volta e saiu do quarto para não ver seu irmão dar beijos de

despedida muito conscienciosos em suas diversões da tarde. Alain não merecia a

Gwennelyn do Ayre. Suspeitava que devesse estar muito agradecido de que Alain não

a achasse muito apetecível. A idéia de que alguém a tocasse lhe produzia raiva.

Baixou até a sala grande a considerar os sentimentos que o invadiam.

Surpreendeu-o descobrir que em meio da ira havia um pouquinho de algo terno.

Pensou novamente em Gwen e aumentou a ternura.

Por todos os malditos Santos do céu, poderia ser isso amor?Deteve-se em seco, bastante paralisado pelo horror da idéia. No curso de sua

vida havia sentido muitas coisas por Gwennelyn de Segrave, mas o amor não se

contava entre elas. Tocou-se a fronte; não tinha febre. Acabava de celebrar o

aniversário de seu nascimento, portanto era possível que as repercussões dessa

celebração lhe tivessem produzido essa desagradável mudança.

— Assassinato — disse, fazendo vibrar a língua ao pronunciar a palavra.Violência. Mutilação.

Suas três favoritas.

Ah, começou a excitar-se nele a crueldade que o fazia sentir-se tão a gosto.

Essa sensação de ternura não tinha sido outra coisa que um momento de debilidade.

Teria a Gwen, não lhe cabia dúvida; e encontraria a maneira de fazê-la sofrer enquanto

a possuísse. Depois de tudo, ela o tinha rejeitado uma vez, lhe deixando sangrentasmarcas de agulha no ventre; faria-a pagar isso.

Mas, primeiro Alain. O atual senhor do Ayre devia fazer frente ao seu

inimigo em seu próprio castelo; o castelo deveria ter sido dele, de Rollan do Ayre, por 

direito de nascimento. Seria por direito de morte. E se ocorresse que essa morte fosse à

do seu irmão, o que podia fazer a não ser chorar sua perda?

E quando seu irmão morresse às mãos de um simples cavalheiro, o que outra

coisa podia fazer ele a não ser tomar uma espada para defender a honra de seu irmão

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caído? E se ocorria que essa espada acabasse com a vida de Rhys de Piaget, o que

 podia fazer todo mundo a não ser considerá-lo justa vingança?

Logicamente ele planejava usar uma mola de suspensão; não tinha nenhum

sentido aproximar-se da espada do Piaget mais do que o necessário.

E quando Alain estivesse morto, e Rhys também, em recompensa por matá-

lo, ali estaria Gwen, só e em angustiosa necessidade de um protetor.

E quem melhor que Rollan do Ayre para ser esse protetor?

Continuou seu caminho para a porta da sala assobiando alegremente. Ah,

nada melhor que a mutilação familiar para alegrar o dia a um homem.

 

Capítulo 36 

— Sir Rhys diz que o roubo é uma atividade imprópria de um cavalheiro.

Gwen fechou a porta do curral chiando os dentes. Por muito carinho que

tivesse tomado ao Nicholas durante essas duas semanas, ficaria louca se voltasse a

escutar outra linha do livro inédito Sabedoria cavalheiresca de um Piaget. Não

conseguia entender como Nicholas tinha memorizado tantas passagens, mas estava

claro que o moço tinha aproveitado bem o breve tempo passado junto ao galhardo sir 

Rhys.

Fez uma inspiração profunda.

— Muito certo — respondeu, mas no momento nenhum dos dois somos

cavalheiros e nós dois temos muita fome.

Nicholas meditou nisso um momento e depois a olhou com um leve indício

de uma ruguinha no cenho.

— Não poderíamos nos limitar a mendigar um pouco de comida?

— Ao cozinheiro do Ayre? Negou com a cabeça. Não, moço, é melhor que

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ninguém saiba que conseguimos burlar as defesas do castelo. Acredito que devemos

recorrer ao roubo. Além disso, não esperariam nada menos de nós, vestidos como

estamos de mercenários.

Nicholas pareceu menos que convencido.

— Milady, aos ladrões cortam as mãos. E se nos confundem com ladrões e

não com ferozes mercenários?

O menino colocou as mãos sob as axilas, como se já se imaginasse que lhe

separavam as mãos dos braços. Gwen olhou seu disfarce e logo olhou o dele. Os dois

se lubrificaram prodigamente as caras com fuligem, além de outras substâncias

inexprimíveis, e também a roupa, é obvio. A aparência de Nicholas honraria aqualquer mercenário esfarrapado; a roupa que usava ela a tinha roubado em Fenwyck,

e tinha a segurança de que as quase três semanas de viagem lhe tinham acrescentado

autenticidade a sua aparência. Não lhe cabia dúvida de que tomariam pelo que

aparentavam ser. Além disso, tinha tanta fome que nem lhe importava. Ao empreender 

a viagem só tinha pegado comida para ela; certo que Nicholas era pequeno, mas era

um moço ao fim e ao cabo, e a aparentemente queria compensar os seis invernos demá comida na cozinha de seu tio. Tal como estavam as coisas, a única alternativa que

via era arriscar-se a roubar. Embora desfrutasse de antemão da chegada de Rhys a

qualquer momento, graças aos mensageiros enviados pelo Geoffrey, estava segura de

que se conseguiria encontrar algo com o que encher o estômago e estaria em melhor 

estado para recebê-lo.

— Vamos, Nicholas — lhe disse estendendo a mão. Não nos ocorrerá nadamal. Temos mais possibilidades de morrer de fome que de que nos confundam com

ladrões.

Nicholas sorriu bravamente, agarrou-lhe a mão e começaram a sair 

cautelosamente do curral.

— Eu te protegerei milady, se ocorrer isso, disse o menino. Tocou a adaga de

 brinquedo que lhe tinha dado Rhys e endireitou os ombros. Sir Rhys desejaria isso de

mim.

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Gwen moveu a cabeça; não era de estranhar que Rhys conseguisse essa

lealdade de seus mercenários; se não os tivesse submetido a golpes, os teria

enfeitiçado para segui-lo; certamente tinha feito um fiel seguidor em Nicholas. Só lhe

cabia esperar uma obediência similar por parte de Robin nesses momentos; sem

dúvida já fazia dias que Rhys o teria descoberto, e lamentava terrivelmente não ter 

estado ali para ver sua reação ao descobri-lo. O mais seguro era que Robin tivesse

conseguido manter-se oculto durante todo o trajeto até a França, porque se ainda

tivessem estado em chão inglês, Rhys não teria vacilado em dar meia volta para levá-

lo para casa.

E retornaria, certamente, quando descobrisse a falsidade da carta recebida.Estava segura de que a carta só podia ser obra do Rollan. Sem dúvida a intenção do

Rollan ao atrair ao Rhys ao continente era poder estar ele no Ayre para receber o ouro.

Ainda não o tinha visto, mas, claro, tampouco se tinha aventurado a sair do estábulo,

 já que preferiu deixar passar um dia ou algo assim para tentar; seu coração já tinha

 passado muitas penas com o trabalho para entrar no castelo.

— Maldita seja!Gwen interrompeu seus pensamentos. Essa voz era desagradavelmente

 parecida com a de Geoffrey do Fenwyck. Isso não pressagiava nada bom.

— Te volte para outro lado para vomitar, imbecil!

Gwen parou em seco na entrada do estábulo e apareceu ao pátio. Ali estavam

Geoffrey do Fenwyck, seus guardas, Montgomery e quinze mercenários de rostos

implacáveis.Ah, e os gêmeos amarrados em seus cavalos, como sempre.

— Uy, exclamou.

— Não, Connor, não vomite também! E não caia em cima de mim!

Gwen se teria posto-se a rir, mas Geoffrey do Fenwyck acabava de vê-la, por 

isso pesou melhor sua reação.

— Você! — gritou ele, sacudindo de sua muito molhada manga as partes

mais sólidas do vômito e apontando-a. Você tem a culpa de tudo isto!

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Estava claro que os gêmeos tinham encarado a viagem ao sul, mas não

tinham sobrevivido melhor que sua viagem ao norte. Geoffrey tinha o aspecto de não

haver captado muito bem os conseguintes resultados.

— Adverti-te de que não se pusesse em meio deles, observou Montgomery.

Geoffrey soltou uma maldição a Montgomery e saiu de em meio dos dois

guerreiros caídos.

— Ao menos poderia pô-los de barriga para baixo para que não se

engasguem, lhe disse Montgomery. Bom, talvez eu faça, acrescentou ao ver o olhar 

que lhe dirigiu Geoffrey.

Gwen cruzou os braços sobre o peito e esperou a inevitável explosão.— Prometeu-me que ficaria lá! — gritou-lhe Geoffrey.

— E também jurou pela Cruz — acrescentou Montgomery, resfolegando

 pelo esforço de girar um Fitzgerald para pô-lo de barriga para baixo no chão.

— Jamais em minha vida havia sentido a tentação de golpear a uma mulher,

resmungou Geoffrey, mas te juro que a atração dessa idéia vai aumentando a

momentos. Sobretudo agora. Olhe-me!Gwen o olhou, e teve que reprimir o desejo de tampar o nariz.

— O que lhes deu de comer ontem à noite? — perguntou-lhe.

— E o que importa isso? Só de olhar um cavalo ficam a vomitar. -Fechou o

 punho. E essa é outra coisa da qual é responsável...

Repentinamente Gwen se encontrou atrás de um irritado menino de seis anos

armado de uma adaga.— N-não, m-enquanto e-ou vi-viver, disse Nicholas elevando a adaga. N-não

a tocará.

Então Gwen compreendeu que Nicholas não tiritava de irritação, mas sim de

terror. Não pôde evitar sorrir ante sua valentia. Inclusive Geoffrey parecia

impressionado. Agarrou as mãos nas costas e olhou seriamente ao menino.

— Crê que devo deixá-la em paz? — perguntou-lhe.

— S-se valorizar t-sua vi-vida, disse Nicholas apunhalando o ar com gesto

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ameaçador.

— E o que opina você de que ela tenha mentido para sair do Fenwyck e vir 

aqui?

Nicholas parou o movimento e se limitou a apontar ao Geoffrey com a

adaga.

— Sir Rhys não o teria aprovado...

Geoffrey olhou ao Gwen com uma sobrancelha arqueada.

— Mas posto que nos estamos fazendo passar por mercenários, isso está

 bom, concluiu Nicholas.

— Mercenários, repetiu Geoffrey.— Senhora, disse Montgomery rindo, não foi algo assim o que deu começo a

suas dificuldades?

Gwen olhou furiosa aos dois.

— Fiz o que devia fazer. E agora lhes agradecerei que me deixem em paz

 para continuar meu trabalho. Só resta rogar que não tenham quebrado sem remédio

meu estratagema.Geoffrey deu uma palmada na fronte.

— Por todos os Santos, acredito que devo permitir que Rhys se encarregue

dela. Acredito que não tenho tanta energia para agüentar seus estratagemas.

— Como se a escolha fosse sua, replicou ela, mordaz. Colocou a mão no

ombro do Nicholas: Venha moço, vejamos se conseguimos roubar comida; depois

voltaremos para nosso posto a esperar que chegue o momento de recuperar o ouro doRhys.

— Não, não, nada disso — disse Geoffrey, negando com a cabeça. Não vais

continuar por esse caminho. Montgomery e eu nos encarregaremos de desentranhar 

este mistério.

— Rollan não vai por o nariz estando vós aqui, alegou ela. É melhor que eu

me encarregue disto.

— Como? Apontando-lhe ao pescoço com um punhado de agulhas de

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costurar?

— Sei usar bastante bem uma espada, protestou ela entre dentes. Quer que

lhe demonstre isso em sua lastimosa figura?

— Poderia considerar uma opinião? — perguntou Montgomery.

— Não, respondeu ela e ouviu dizer o mesmo ao Geoffrey.

— Milorde, milady, continuou Montgomery não poderíamos tratar isto

amigavelmente?

— Insultou minha destreza, disse Gwen triste.

Nicholas lhe deu um golpe na mão que ainda tinha apoiada em seu ombro.

— Agradeço-lhe isso moço, disse ela, mas quero ser eu quem o faça pagar.Há várias outras coisas das que eu gostaria de me vingar também.

— Quais? — perguntou-lhe Geoffrey.

— Torcer com freqüência minhas tranças quando era menina, respondeu

Gwen desembainhando sua espada.

— Puf, que motivo mais parvo, bufou Geoffrey.

— Muito bem então, disse ela pondo ao Nicholas detrás dela, há outrascoisas das quais poderia me desforrar.

Geoffrey se limitou a olhá-la furioso. Ela fez uma funda inspiração.

— Deixar-me presa no chiqueiro.

— Já sabia que nunca tinha me perdoado isso.

— Poderia haver me matado presa ali!

— Como muito teria ficado fanhosa, replicou Geoffrey. Além disso, nessemomento a porca não estava com os porquinhos. Não corria nenhum perigo.

— E quando me ameaçou jogar na masmorra?

— Obrigado por me recordar, disse ele sorrindo com a mesma perversidade

que quando a ameaçou. Talvez você gostasse de conhecer o interior da do Ayre.

Gwen o olhou jogando faíscas pelos olhos e acariciou o punho de sua espada.

Geoffrey cruzou de braços e a contemplou com uma expressão que ela só podia

qualificar de sorriso satisfeito, como se considerasse muito insignificante sua destreza

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 para assustar-se ou preocupar-se.

— Passo ao senhor do Ayre!

Gwen pegou um salto. O anúncio inclusive produziu algo um pouco parecido

a um sobressalto em Geoffrey, que se girou a olhar ao guarda da porta que tinha dado

esse grito. Gwen considerou a possibilidade de voltar a esconder-se no estábulo, para

 proteger o pouco anonimato que ainda ficava, mas descobriu que já era muito tarde.

Tinha contado com o Rollan, mas não com a possibilidade de encontrar-se

com seu marido também. Endireitou os ombros; igual era melhor enfrentar os dois

  juntos. Pelo menos estaria apoiada por seu pequeno exército, embora tivesse que

reconhecer que Geoffrey não parecia nada entusiasmado pela perspectiva. Bom, emtodo caso os mercenários de Rhys sim pareciam convenientemente ferozes.

Assim que terminavam de ressonar as palavras do arauto quando fez sua

entrada Alain pelas portas e se deteve, rodeado por um punhado de guardas e seguido

 por seu irmão.

— Bom, isto é muito interessante — disse Rollan com voz arrastada. Irmã, é

que tornou a derrubar seus guardas?Gwen sentiu o angustiante desejo de que os Fitzgerald estivessem fazendo

algo diferente que gemer com as caras metidas no lodo. Sem dúvida isso teria realçado

sua aura de invencibilidade. Viu que Alain a estava olhando surpreso.

— Não está na cama, lhe disse.

— Não, milorde.

— Certamente eu não a levaria a cama agora, disse Alain ao Rollan. Fede.Gwen lamentou que não lhe tivesse ocorrido usar esse disfarce na noite de

 bodas.

— Onde está Piaget? — perguntou Alain.

— Pergunte ao seu irmão, respondeu ela. Imagino que ele sabe.

Alain arranhou a cabeça.

— Rollan disse que estaria...

— Ah, sim — interrompeu Rollan, estaria por aí fazendo alguma proeza

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cavalheiresca sem dúvida.

— Mas deveria estar aqui, alegou Alain, deitado com ela. Embora por que ia

desejá-la, não tenho idéia.

— Oh, não terá que esperar muito para vê-lo — disse Gwen sorrindo ao seu

marido. Imagino que nestes momentos está a caminho daqui. Embora não sei se quero

me encontrar com ele; parece-me que não vai se alegrar muito quando chegar.

Alain pareceu ligeiramente apavorado.

— Então talvez devêssemos subir a ponte. No caso de.

— Cavaleiros à vista! — gritou outro guarda.

— Não pode ser ele, disse Alain manuseando nervosamente seu chicote. Nãoo vi no caminho.

— Eu sim, disse Montgomery.

— E sabe que boa vista tem sir Montgomery, acrescentou Gwen advertindo

que já começava a invadi-la uma enorme sensação de alívio.

Embora estivesse segura de que poderia ter derrotado ao Alain ela sozinha,

ter ao Rhys a seu lado seria uma vantagem.— Não trazem nenhum emblema! — gritou o guarda. Mas todos vêm

vestidos de negro.

Alain tragou saliva audivelmente.

— Subam a ponte, gritou nervoso.

— Isso não te servirá de nada, disse ela, segura. Eu tentei isso uma vez.

— Não poderá escalar minhas muralhas, alardeou Alain embora não parecianada convencido.

Gwen arqueou uma sobrancelha, depois encolheu os ombros e modificou sua

 posição para ver a barbacana. E quando a ponte começou a elevar-se, entraram-lhe

certas dúvidas de que Rhys fosse realmente capaz dessa façanha.

Mas então viu oscilar uma perna no extremo da ponte e logo todo um corpo

vestido de negro rodando rapidamente pela ponte até a porta de entrada.

— Subam a ponte, chiou Alain.

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Muito tarde. Rhys já estava dentro do pátio, antes que a ordem chegasse aos

guardas da porta.

Rhys olhou aos guardas e ladrou:

— Baixem a ponte.

Os homens se apressaram a fazer girar a manivela, em franca desobediência

à ordem do Alain.

— Traidores — gemeu Alain, enquanto os homens do Rhys foram enchendo

o pátio.

— Eu avisei, disse isso Gwen ao Alain sorrindo-lhe agradavelmente.

Depois olhou ao Rhys. Ele dirigiu-lhe um olhar irado, por isso ela suspeitouque estivesse menos que agradado por vê-la ali. Passeou o olhar pelas filas de

cavaleiros e de repente sentiu um alívio quase avassalador ao ver Robin, montado

diante de John, que a saudava agitando alegremente a mão.

Um ser querido a salvo. Bom, agora a esperar que Rhys conseguisse evitar 

que o alcançasse alguma flecha dos guardas do Alain.

Então lhe chamou a atenção um homem que parecia ter se unido aosmercenários do Rhys. Contemplou maravilhada a brancura de seus cabelos; sua

semelhança com o Rhys era tão grande que pensou se não seria seu avô talvez. Sorriu-

lhe e ele respondeu com um radiante sorriso. Bom, pelo menos o ouro do Rhys estava

a salvo. Ou isso supunha.

Voltou a olhar o seu amor e ao ver a ferocidade de sua expressão pensou que

talvez tenha relaxado muito cedo.Ou possivelmente ele reservava essa expressão para o Alain e seu irmão.

Apertou com mais firmeza o punho de sua espada. Em outra época de sua

vida tinha saído a procurar o Rhys para lhe oferecer sua espada para lhe guardar as

costas.

Era possível que, depois de tudo, fosse necessário cumprir essa promessa.

 

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Capítulo 37 

Rhys pensou que não deveria se surpreender com o que via, mas o

surpreendia. Recordava muito bem uma séria conversa que teve com sua dama sobre a

importância de que permanecesse a salvo em Fenwyck. Embora, de verdade quando se

encontrou com o mensageiro de Geoffrey em Dover, começou a lhe preocupar a idéia

de que talvez Gwen tivesse considerado necessário fazer uma breve viagem ao Ayre.

Sua sorte não podia ter sido pior ao não lhe permitir impedir que ela lesse a segunda

carta.

Dirigiu ao Rollan um olhar cheio de promessas e logo se voltou para sua

dama. Estava muito claro que ela tinha tanto respeito como seu filho pelo que ele

dizia. Suspirou; estava condenado a que nunca se comportariam a sério. Olhou a

Gwen, carrancudo, simplesmente para fazê-la saber onde o levavam seus

 pensamentos.

O que não o surpreendia nada, isso sim, era que estivesse vestida com o que

ela considerava roupas de mercenário; e tinha a espada agarrada como se seriamente

se propusesse a usá-la. Bom, pelo menos ainda não tinha feito nenhum mal aos seus

cuidadores. Viu que Nicholas também havia se empinado com liberalidade e sua

 postura, adaga em mão, dava a entender que esperava um ataque a qualquer momento.

Olhou aos homens a cujo cuidado tinha deixado Gwen e não ficou a menor 

duvida sobre sua incapacidade para controlá-la. Geoffrey não parecia muito feliz de

vê-lo, embora suspeitasse que essa expressão se devesse mais a que desejava Gwen

  para ele que a algum remorso por não ter conseguido mantê-la em Fenwyck.

Montgomery se limitava a mover a cabeça, sorrindo com sua costumeira atitude

 brincalhona; já teria tempo, esperava, para ouvir sua opinião sobre a situação.

E os Fitzgerald, como era lógico, estavam tombados de barriga para baixo no

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lodo, convenientemente inconscientes.

E ali estava Alain, observando ao grupo igual a ele, com seu séqüito de

guardas e Rollan detrás dele, como sempre, tentando passar despercebido. Quanto

tempo estaria ali o senhor do Ayre frente a frente a sua esposa?

Estremeceu ao pensar no que poderia ter ocorrido a Gwen se o mensageiro

de Geoffrey não o tivesse encontrado. Ele teria viajado alegremente ao Fenwyck,

esperando encontrar tudo como o tinha deixado, e uma vez ali teria descoberto que

deveria ter se detido no Ayre.

— Tinha que ter estado aqui, disse Alain, em tom altissonante.

Rhys pestanejou, e então percebeu de que ele falava com ele.— Ah, sim?

— Isto não está saindo como o planejado, disse Alain ao Rollan irritado.

— Mantenha o controle milorde, aconselhou Rollan.

«Os Santos protejam a todos», pensou Rhys. Viu que Alain o estava olhando

com sua habitual expressão desdenhosa, resmungando consigo mesmo como em busca

de algo que dizer. Aparentemente encontrou algo, porque deu passo a uma expressãotriunfal.

— Não poderia escolher alguma espécie de emblema? — perguntou-lhe.

— Penso em fazê-lo, respondeu Rhys tranqüilamente. Quando tiver 

construído minha torre da comemoração.

A verdade é que tinha pensado bastante em seu brasão. Seria um leão

rompante, em deferência a seu orgulho por sua destreza. E precisaria ter algo em honrade sua dama, embora isso ainda não o tinha decidido.

— Bom — disse Alain, como procurando alguma outra coisa que dizer, vê-te

 parvo sem um emblema. Olhou ao seu irmão em busca de aprovação.

Rhys viu que Rollan punha os olhos em branco. O que se trariam esses dois

entre mãos? Voltou a olhar ao Alain e viu que estava esperando algum tipo de reação

 por sua parte.

— Tolo? — perguntou.

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— Sim, disse Alain, muito tolo.

— Eu acredito que se vê sinistro, interveio Gwen.

— Não pedi sua opinião, grunhiu Alain olhando-a irritado. Depois voltou sua

atenção ao Rhys. E olhe o teu cabelo, esse comprimento está fora de moda.

— Oh por todos os Santos, gemeu Rollan.

— Estou indo bastante bem sem sua ajuda, lhe disse Alain altivo. Acabo de

começar a enumerar seus defeitos.

Rhys cruzou de braços e tentou manter séria a expressão. Não podia acreditar 

no que estava ouvindo.

— É que tenta me insultar? — perguntou.— Vê? Captou a idéia sem muita dificuldade, se gabou Alain olhando ao

Rollan

Rhys não sabia se ria ou sentia-se ofendido porque Alain não conseguia

inventar algo mais inteligente. Moveu a cabeça.

— E por que quer me ofender?

— Para que me desafie, se apressou a responder Alain. Olhou-o com olhosavaliadores Suponho que está tão cansado de suas viagens como o estaria se tivesse

estado semanas na cama de minha esposa.

Rhys agitou a cabeça, seguro de que o ouvido eram imaginações dele.

— E bem? — perguntou-lhe Alain esperando. Vais-me desafiar?

— E por que ia desejar fazer isso?

Alain olhou ao Rhys como se acreditasse que tinha perdido o juízo.— Eu diria que não é difícil ver várias razões evidentes.

— Ah, assentiu Rhys. A destruição total de minha terra, talvez?

— Isso seria para começar.

Rhys sorriu.

— Acredito que deixarei ao nosso bem amado monarca a vingança por isso.

 Não o agradou muito sabê-lo.

— Você disse ao Rei? — perguntou Alain. Quando?

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-Quando passei por Londres, de volta de uma emboscada que me estenderam

na França. Sorriu ao Rollan. Da próxima vez deverá buscar vândalos menos

ambiciosos, meu amigo. Estes não viam as horas de pôr suas mãos em meu ouro.

— Estúpido! — disse Alain ao seu irmão, lhe jogando o chicote. Depois

olhou a mão vazia pasmo. Maldição! Agora como vou açoitá-lo?

Rollan emitiu um comprido suspiro e lhe devolveu o chicote, lançando-o

 brandamente.

— Aí o tem, milorde. Agora está totalmente preparado para a tarefa.

— Oh por todos os Santos, exclamou Gwen. Alguém me faria o favor de me

trazer algum tipo de assento para contemplar sentada esta ridícula conversa?Rhys compartilhava absolutamente seus sentimentos.

— Sim, assentiu Alain, o desafio. Muito bem, Rhys, adiante. É boa coisa que

tenha desmontado antes de fazê-lo.

— Resulta-te mais fácil usar o chicote assim? — perguntou-lhe Rhys

divertido.

— Sim. E depois te rematarei com uma espada muito afiada.— Não é muito esportivo que eu esteja de pé e você a cavalo, não te parece?

Possivelmente deveria desmontar você também.

Alain desmontou antes de dar-se conta do que fazia. Pôs tal cara de

consternação pelo que tinha feito, que Rhys não pôde evitar sentir compaixão.

Custava-lhe acreditar que pudesse sentir lástima pelo homem que lhe tinha causado

tantas penas, mas claro, depois de tudo Alain só era uma figura decorativa. Teve acerteza de que se continuasse um momento mais a conversa, Alain revelaria todas as

maquinações de Rollan.

— Ou seja, devo te desafiar — disse em tom coloquial, primeiro por me

insultar e logo por Wyckham ou é ao reverso?

Alain pestanejou confundido, e de repente assentiu.

— Sim, disse pesando o chicote.

— E então me matará.

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— Um cavalheiro não insulta a um senhor impunemente.

— E o que pode te importar que eu viva ou morra? Tanto te interessa

Wyckham?

Alain fez um gesto para que se afastassem seus guardas, que tinham

começado a agrupar-se ao seu redor.

— Não é Wyckham, disse e fez um gesto para Gwen. São todas suas terras.

Rhys intercambiou um olhar com o capitão de seus mercenários e observou

rapidamente a cena. Robin estava a salvo aos cuidados do John, e o resto de seus

homens se colocaram detrás de Gwen e Nicholas. Seu avô estava sentado à parte,

observando-o tudo com expressão satisfeita. Dirigiu-lhe um olhar de advertência, massir Jean se limitou a levantar um ombro, como dizendo que não via nenhum perigo

 para ele.

— Todas suas terras, mmmm?

— Sim, todas — confirmou Alain. Verá, se viver e conseguir comprar a

anulação...

— Ou o divórcio, interrompeu Rollan.Alain o olhou aborrecido e voltou a olhar ao Rhys.

— Se o Rei te conceder a anulação, continuou, eu poderia perder suas terras.

Mas se morrer, ela não terá nenhum... — franziu o cenho e olhou ao Rollan. Não, isto

não é correto, porque com isso me tem de todos os modos. Como posso me casar com

quem quiser se estou preso a ela?

— Talvez pudesse te divorciar dela, sugeriu Rhys. Alegandoconsangüinidade ou alguma outra tolice assim.

Alain o olhou surpreso.

— Sim, isso resultaria bastante bom. E então seguro que o Rei me permitiria

conservar suas terras.

— Depois de seu trabalho em Wyckham? — perguntou Rhys. Eu duvido.

— Essa foi idéia de Rollan, — replicou Alain imediatamente. Eu mesmo o

direi ao João.

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Rhys olhou ao Rollan e viu que este estava olhando fixamente ao seu irmão,

como se quisesse induzi-lo a fechar a boca. Ou seja, era tal como o tinha suspeitado.

Rollan estava detrás de tudo. Dedicou-lhe um olhar cheio de promessa de retribuição e

voltou à atenção ao Alain.

— Compreende, suponho, que foi sua a idéia, João te vai fazer responsável.

— Não, a mim não — disse Alain.

— Como não? É você o senhor do Ayre, não Rollan, e vai culpar a ti dos

danos causados ao Wyckham e ao Fenwyck. Contemplou ao Alain, pensativo. Eu

gostaria de saber quais outras idéias do Rollan vai responsabilizar ao João.

Na cara do Alain começou a desenhar uma expressão de pânico.— E eu suspeito, continuou Rhys, que esse poderia ser o plano do Rollan.

Olhou ao Rollan para ver sua reação, e se tivesse sido feito de material

menos resistente, teria retrocedido um passo ante o olhar de ódio puro que lhe enviou

Rollan.

— Milorde, disse Rollan sem deixar de olhar ao Rhys, isso não é mais que

uma fileira de tolices. Você conhece minha lealdade...Alain o fez calar com um gesto impaciente.

— Acredito que não entendo, disse ao Rhys. Seus planos só incluem a ti.

— Está seguro?

— Sim, você é o que deseja toda minha terra.

— Eu não desejo sua terra, desejo a sua esposa.

Alain pestanejou, como se não soubesse o que fazer com uma confissão tãodescarada.

— Deve desejar a terra.

— Tenho suficiente.

A confusão do senhor do Ayre parecia aumentar por momentos.

— Mas eu devo te matar, ou isso é o que diz Rollan. E você deve me desafiar 

 para poder te matar justamente. Essa é a única maneira como posso ficar com as terras

de Gwen e me liberar dela ao mesmo tempo.

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— Milorde, interrompeu Rollan.

— Silêncio! — bramou Alain, ficou o chicote na mão e olhou ao Rhys,

carrancudo. Se só desejasse essa mulher, de todo o modo isso seria motivo suficiente

 para me desafiar.

— Eu diria que me seria mais fácil comprar um divórcio, respondeu Rhys,

mas sem dúvida Rollan tem outras idéias a respeito disso também. Possivelmente te

conviria pensar quais poderiam ser essas idéias.

Rollan se pôs a rir, mas inclusive Rhys se deu conta de que lhe custava certo

esforço.

— Diz puras tolices, irmão. Açoita-o e acabemos com isto de uma vez por todas.

Alain deslizou nervosamente a mão pelo chicote.

— Não me parece cansado. Tem que estar muito mais cansado para lutar 

com ele.

— E se eu estivesse, disse Rhys, de verdade crê que poderia me derrotar?

— Vaidoso idiota, gritou Rollan. Golpeia-o Alain, faça-o pagar seudescaramento.

— Rollan sabe que não vais sair vitorioso, disse Rhys. Eu diria que deseja

que também você sofra uma ferida mortal. Eu gostaria de saber quanto tempo leva

imaginando-se como o senhor do Ayre.

— Isso é mentira, exclamou Rollan. Meu único fim é servir A... — tragou

saliva audivelmente, meu irmão.Rhys entendeu seu medo. Talvez fosse lento, mas parecia que Alain tinha

compreendido por fim, porque estava olhando ao seu irmão com a boca aberta.

— Deseja o que tenho, disse pasmo.

— Vamos, irmão...

— Deseja minha terra!

— E seu título, sugeriu Rhys.

— A Gwen também diria eu, acrescentou Geoffrey de detrás de Rhys. Vi

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como a olha.

Alain se aproximou de Rollan, que continuava montado.

— Queria que me matassem! — rugiu golpeando com o chicote a parte de

seu irmão que estava a seu alcance.

— Ou ao menos te indispor com o Rei, falou Rhys. Provavelmente esse seria

um destino pior...

— Sim, é certo — espetou Rollan, golpeando ao Alain com o pé. Queria-te

morto.

— É um traidor!

— E você um imbecil, replicou Rollan. Por todos os Santos, Alain, nemsequer tem um par de faíscas que unidas produzam a inteligência para governar Ayre.

Quem crê que se encarregou de tudo até agora? Você?

— Traidor, disse Alain e continuou golpeando-o com o chicote. Mentiroso!

Fez-me acreditar que só desejava minha glória.

O cavalo do Rollan recebia boa parte dos açoites de Alain e começou a

empinar. Rollan tratou de manter-se na sela, puxando bruscamente as rédeas paracontrolar o seu corcel. Quanto mais retrocedia o cavalo mais lhe aproximava Alain.

Rhys lhe teria gritado que tivesse prudência, mas o senhor do Ayre estava muito

enfurecido para escutar razões. Era como se para ele o cavalo fosse uma prolongação

de seu irmão, porque o açoitava grosseiramente.

De repente, já fosse por acaso ou com intenção, Rollan deu ao seu irmão um

chute na cabeça, este caiu de joelhos no chão e, antes que alguém conseguisse mover-se para retirá-lo do perigo, o cavalo cobrou sua vingança com seus cascos,

escoiceando-o e pisoteando-o até que Alain ficou imóvel. Só então Rollan conseguiu

controlar o cavalo e o fez afastar uns passos.

— Santos misericordiosos, sussurrou Gwen atrás do Rhys. Está morto?

— Se tiver sorte sim, respondeu Rhys em voz baixa.

O corpo de Alain não estava muito intacto como para que tivesse sido

 possível ter uma vida. Rhys olhou ao Rollan; nunca o tinha visto tão horrorizado.

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Rollan olhou ao seu irmão, espantado, e depois olhou ao seu redor.

— Não era minha intenção... — começou, movendo nervosamente as rédeas.

Quer dizer, não era minha intenção ser o que...

— Agarrem-no! — exclamou Geoffrey.

A isso parecer fez recuperar o juízo de Rollan.

— Não! — gritou, gesticulando violentamente para o Rhys. Agarrem a ele!

Procurou com os olhos ao capitão da guarda do Alain. Ele é o causador desta tragédia!

Rhys sentiu que lhe abria a boca pela surpresa.

— Eu? — exclamou.

— Sim, disse Rollan, já recuperada sua tranqüilidade. Capitão ata-o e jogue-o na masmorra. Eu me ocuparei de lady Gwennelyn, até que se relate ao Rei...

O capitão do Alain, Osbert, não necessitou que lhe repetissem a ordem. Rhys

tinha se enfrentado com ele várias vezes no campo de batalha, simplesmente para

treinar, claro, mas ainda assim os encontros nunca tinham sido amistosos. Rhys

suspeitou que ao Osbert agradasse muitíssimo a idéia de lhe fazer dano com a

consciência limpa.— Osbert — disse Rhys, levantando uma mão, viu com seus próprios

olhos...

— que você provocou ao meu senhor, terminou Osbert com um grunhido e

desembainhou a espada com gesto triunfal. É como já disse Lorde Rollan. Tudo é tua

culpa.

Rhys gemeu para seus botões. O capitão do Alain não era mais inteligente doque tinha sido seu amo. Não tinha nenhum sentido tratar de raciocinar com ele, e

muito menos nesse momento, em que Osbert lhe apontava entusiastamente com a

espada.

Bom, ao menos Osbert era o único dos guardas do Alain que desenbainhou a

espada. Talvez os acontecimentos dessa tarde fossem se concluir antes do que tinha

imaginado.

E então se viu sem outra alternativa que a de concentrar-se no homem que

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lhe aproximava babando ante a perspectiva de derrubá-lo. Necessitou três estocadas

 para desarmar o capitão e um murro sob o queixo para deixá-lo deitado no chão sem

conhecimento. Olhou ao resto dos guardas; nenhum se moveu. A verdade é que todos

tinham descoberto muitas coisas mais interessantes que ele para olhar.

Por exemplo, as ancas do cavalo de Rollan do Ayre, que saía a todo galope

 pelas portas.

— Alguém deveria persegui-lo! Exclamou Geoffrey.

Rhys negou com a cabeça.

— Deixa-o. Enviaremos uma mensagem ao João e que ele se encarregue do

assunto. Talvez seja melhor que Rollan conviva por um tempo com o que tem feito.— Fabuloso o novo senhor do Ayre, murmurou Geoffrey, escapando pelo

campo.

— O título é do Robin milorde, suspirou Rhys, como o compreenderá se

 pensar um pouco. Podemos estar agradecidos de que as terras de Gwen passem a

alguém com a sensatez para governá-las.

— Vamos, muito obrigado — disse John, baixando ao Robin do cavalo. Eu poderia me ter feito cargo delas. E sem dúvida teria dotado muito bem a minha

cunhada para que pudesse fazer um vantajoso matrimônio com algum nobre.

Rhys dirigiu um sombrio olhar ao seu escudeiro e logo se voltou para a

muito recente viúva de Alain do Ayre.

Gwen estava olhando ao Alain como se não pudesse dar crédito aos seus

olhos. Depois se aproximou, tirou sua capa de mercenário e o cobriu com ela. Olhouao Rhys.

— Não é assim como teria desejado que terminasse isto.

— Eu tampouco, disse ele com tristeza. Mas já parece e agora temos que

atuar o melhor possível. Terei que informar ao Rei.

— Eu me encarregarei disso, se ofereceu Geoffrey.

— Depois, se te parecer. Agora tenho necessidade de ti.

Geoffrey pareceu um pouco surpreso pelo tom, mas Rhys não se deteve a

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 pensar duas vezes nisso. Havia duas coisas a fazer e quanto antes as fizesse, melhor se

sentiria.

E uma vez que parecessem, cavalgariam como demônios para o Artane,

rogando que ao João desse preguiça vir atrás deles. A verdade era que não tinha

 perdoado a vida ao Rollan por bondade de seu coração; uma boa perseguição teria

ocupado ao Rei, e só restava esperar que um assassino lhe interessasse mais que um

vassalo desobediente.

Porque tinha toda a intenção de fazer o que o Rei lhe tinha proibido

expressamente.

Olhou a sua dama e acariciou o punho de sua espada. Temos que fazer algo juntos, senhora.

E esse algo era melhor fazê-lo quando ainda tinham a liberdade para fazê-lo.

 

Capítulo 38

Gwen pensou se Rhys não teria a intenção de usar sua espada nela.

Preocupou-lhe sua maneira de dizer «algo juntos». A julgar pela severidade de seu

cenho franzido, podia ser algo, desde beijá-la a desafiá-la a um encontro no campo de

 batalha. Segurou firmemente o punho de sua espada e o apontou.

— Não me agrada esse tom, disse com a maior arrogância que conseguiu

adotar.

— Agora não temos tempo para discutir isso, disse ele lhe estendendo a mão.

Venha comigo.

— Aonde?

Ele a olhou como se tivesse perdido totalmente o juízo.

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— Bom, ver o sacerdote, é obvio.

— Ao sacerdote?

— Para que nos case, respondeu ele com tom impaciente. Santos do céu,

Gwen, para que outra coisa você crê que poderíamos necessitar de um padre?

— Para enterrar ao Alain?

— Ele não se vai a nenhuma parte. Em troca minha cabeça sim, se não

acabarmos este assunto antes que ocorra algo desastroso, por exemplo, que chegue o

Rei e descubra o que vou fazer.

Rhys lhe agarrou a mão e pôs-se a andar a grandes pernadas pelo pátio;

Gwen não teve mais remédio que trotar junto a ele até o castelo. Ele não se incomodouem embainhar a espada, e ela não tinha tido tempo para embainhar a sua. Gwen viu

que o sacerdote punha os olhos em branco ao vê-los aproximarem-se, e por desgraça

não alcançaram a chegar até ele antes que caísse desabado no chão.

— Maldição, grunhiu Rhys. Que outra coisa mais poderia acontecer hoje?

— Uma visita do Rei? — perguntou John detrás deles.

— Um toró? — sugeriu Montgomery.— Parem, disse Geoffrey tratando de colocar seu corpo entre Gwen e seu

amor. Acredito que agora que morreu Alain, que sua negra alma descanse em paz,

deveria ser eu quem cuide do Gwen e do que é dela. A fim de contas sou um poderoso

 barão por direito de mim...

Rhys afastou Geoffrey de uma cotovelada e apertou com mais firmeza o

 braço de Gwen.— Montgomery, acorde o sacerdote. E busca ao meu avô.

— Estou aqui, Rhys, moço — chegou a mal-humorada resposta. Que

descortesia, menino, não tomar em conta os joelhos doloridos de um velho. Estalou a

língua. Muito indecorosa esta pressa.

Gwen olhou à esquerda e viu o avô do Rhys. Este parecia tudo menos

decrépito, e o brilho risonho de seus olhos a fez compreender que desfrutava

enormemente fazendo raiva ao seu neto. De repente o ancião lhe agarrou o queixo com

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uns dedos surpreendentemente suaves.

— Vamos jogar um olhar na noiva, disse e lhe fez girar a cara para lá e para

aqui. Sim, está bem.

— Obrigado, disse Gwen em tom sarcástico.

— Umas orelhas muito bem feitas, acrescentou sir Jean, lhe levantando o

cabelo para lhe ver esses apêndices.

— Seu avô Rhys, disse ela sem deixar de olhar a sir Jean, é um homem de

gosto seleto.

— É tão cego como um morcego se quer minha opinião, grunhiu Geoffrey

atrás dela. Nem sequer um véu do tecido mais rígido poderiam lhe sujeitar essasenormes...

Sir Jean o interrompeu com um olhar duro que sem dúvida tinha arredado a

muitas almas mais valentes. Aparentemente Geoffrey achou outras coisas que fazer 

 porque não disse nada mais.

— Terá que levantar o padre, interrompeu Rhys. John vá ajudar ao

Montgomery.Gwen voltou sua atenção ao assunto que tinham entre mãos e viu que o

sacerdote tinha recuperado o conhecimento, mas parecia que carecia das forças para

sustentar-se em pé. Compadecida dele, embainhou sua espada; pensou em dizer ao

Rhys que fizesse o mesmo, mas pela forma como ele tinha o punho obstinado teve a

impressão de que não tinha a menor intenção de embainhá-la.

— Por todos os Santos, se queixou John, há algo que faça este homem alémde comer?

O sacerdote era muito gordo e não dava a impressão de ter muito interesse

em manter-se em pé sozinho.

— Onde estão esses condenados guerreiros? — resmungou sir Jean. Se

tivesse sabido que tinham estômagos tão fracos como mulheres, Rhys, não te teria

deixado aos seus cuidados. É incrível que tenha resultado toleravelmente bem.

De repente Gwen vislumbrou que começava a compreender a inverossímil

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situação em que se encontrava. Rhys planejava casar-se com ela; o sacerdote que os ia

casar ou era muito folgado ou lhe aterrava endireitar os joelhos para sustentar-se em

 pé ele sozinho; Geoffrey estava resmungando em voz baixa detrás dela; sir Jean ia

com passo irado a despertar aos Fitzgerald; Montgomery e John estavam discutindo

sobre qual dos dois devia firmar o sacerdote; Robin e Nicholas estavam combatendo

com suas espadas de madeira e todos os homens do Ayre estavam agrupados detrás

deles, observando com olhos aumentados, incrédulos. Os mercenários do Rhys, os que

tinham levado com ele e os que tinham seguido ao Geoffrey desde o Fenwyck,

reuniram-se em um grupo à parte, trinta homens com suas mãos em suas espadas

como se tivessem toda a intenção de ferir qualquer um que tentasse frustrar os planosde seu empregador. Rhys acariciava sua espada como se estivesse preparando para

saltar em meio de uma batalha, não de umas bodas.

Ah, e lá estava Alain, seu corpo morto a menos de cinqüenta passos deles,

vítima de sua própria fúria.

— Sou eu a única que acha estranho tudo isto? — perguntou a ninguém em

 particular.— Estranho isto? — perguntou-lhe Rhys. Espera, Gwen.

— O que outra coisa poderia ocorrer para melhorar estes acontecimentos?

Ele franziu os lábios.

— Poderia chegar o Rei e descobrir o que estou fazendo. Poderia te

encontrar viúva duas vezes em um só dia.

Ela pestanejou.— Então não te deu permissão para...?

— Deu-me muitas coisas, mas você não estava entre elas.

— Rhys!

— Ama-me?

Ela tragou saliva.

— Desesperadamente.

— Então isso basta.

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— Deu-lhe todo seu ouro? Aceitou-o tudo e se limitou a te agradecer 

amavelmente?

— Não... Dei-lhe um pouquinho para lhe adoçar o humor e outro pouco para

suas arcas do tesouro. Ainda resta bastante na França para nos financiar a fuga se

tivéssemos que abandonar a Inglaterra de urgência. Mas, por agora, nos ocupemos de

nosso assunto. O humor do Rei se ocupará de si mesmo finalmente.

Ela suspirou.

— Suponho que isso significa que muito em breve nos poremos em marcha

 para o norte.

— Teremos que esperar o suficiente para consumar o matrimônio, milady.Então poderá descansar.

— O romantismo dessa idéia me corta o fôlego, disse ela mordaz.

Ele a observou carrancudo e logo se voltou para o sacerdote.

— Ponha-se de pé, homem! Temos pressa de nos casar!

— Venham aqui, disse sir Jean empurrando aos gêmeos, sejam de alguma

utilidade, grandalhões chorões.Os gêmeos se instalaram um a cada lado do sacerdote; este descobriu

imediatamente que seus pés tinham a força suficiente para sustentá-lo direito, e que

 por agora não tinha nenhuma necessidade de apoiar-se nesses homens um pouco

zangados e fedorentos que o ladeavam.

Então Rhys limpou a garganta.

— Nos case, ordenou.— Mas... — balbuciou o sacerdote.

— Robin, chamou Rhys, venha agora mesmo e declare o dote de sua mãe.

Robin embainhou a espada com um suspiro e foi ficar diante do Rhys. Este o

fez girar até pôr o de cara ao sacerdote.

— Artane é dela sozinha, lhe sussurrou.

Robin olhou ao sacerdote.

— Tem Artane, pai — disse. Olhou ao Rhys. Acha suficiente isso?

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— Mais que suficiente, respondeu Rhys.

— Talvez devesse conservar o que tinha antes de casar-se com o Alain do

Ayre — continuou Robin, como se referisse a alguém que não fosse seu pai.

Depois Gwen o ouviu falar das vantagens disso com o Rhys, como se tivesse

estado administrando essas vastas terras toda sua curta vida. Pelo visto, sua viagem a

França tinha sido muito instrutiva.

— Tudo o que contribuiu ao matrimônio anterior, continuou Robin voltando-

se para sacerdote pode passar a Lorde Rhys. Eu ficarei com as terras de Lorde Alain.

Lorde Rhys pode ocupar-se delas em meu lugar até que eu seja maior de idade.

Gwen pestanejou. Não sabia o que a surpreendia mais, se o tom deautoridade de seu filho ou seu engano no título do Rhys. Colocou-lhe brandamente a

mão no ombro.

— Robin, lhe disse em voz baixa, por muito que te agrade chamar Lorde ao

Rhys, ele só é...

— O novo Conde do Artane, a informou John alegremente. Foi um bate-

 papo afortunado o que teve com o Rei, sabe?— Não se esqueça de suas terras na França, acrescentou sir Jean com um

grunhido.

— Terras ali também? — perguntou Gwen olhando-o surpreendida. Depois

olhou ao Rhys. Você sabia?

— Não tinha nem idéia até a semana passada, respondeu ele nada agradado

 pela tardança em receber a notícia.Sir Jean encolheu os ombros.

— Suponho que poderia ter-lhe dito antes...

— Supôs bem, grunhiu Rhys.

— Mas queria ver o que fazia de si mesmo, terminou sir Jean com um sorriso

irônico ao seu neto. Não há nada como um pouquinho de desejo de terra para

converter um homem em um homem.

— Avô, se tivesse tempo te levaria ao campo de batalha para te demonstrar 

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em que homem me converti.

Sir Jean pareceu muito tentado por essa oferta.

— É uma pena que não tenha tempo agora, cachorrinho, mas não creia que

vou esquecer a oferta. Dentro de duas ou quatro semanas, quando tivermos chegado a

sua terra baldia do norte e te tenha recuperado da dor das nádegas por montar,

veremos quem é o verdadeiro homem.

— Conde? — disse Gwen olhando ao Rhys.

— Presente do Rei, por seus impetuosos serviços e valentia, respondeu John.

— E um arca de ouro também, resmungou Rhys.

— Conde? — repetiu Gwen.— Era um arca muito grande.

— E, entretanto te negou a permissão para te casar comigo? — perguntou

Gwen.

— Disse que pensaria, respondeu Rhys, o que me fez pensar senão seria

melhor voltar para a França a procurar mais recursos ou simplesmente tentá-lo com

um ou dois barris de pêssegos.— Poderia tê-lo ameaçado lhe tirar seu cozinheiro, sugeriu sir Jean.

— Pensei nisso também, lhe assegurou — respondeu um risonho Rhys.

 — Rhys! — exclamou Gwen. O que vamos fazer? Se te disse que não...

— Isso foi antes que ficasse viúva, disse ele lhe agarrando a mão. Lamento

não te deixar mais tempo para fazer duelo...

Quem talvez necessitasse isso era Robin, mas pelo visto o maior interesse domenino era estar o mais perto possível do Rhys. Além disso, não tinha passado com

seu pai mais do que somavam uns quantos dias. Talvez fazer duelo por seu pai era o

último que lhe podia passar pela cabeça.

— Mas a pressa é essencial, terminou Rhys. Espero que o Rei esteja muito

ocupado perseguindo Rollan para pensar em nós até que estejamos a salvo em

Fenwyck, onde estou seguro, Geoffrey deseja nos oferecer hospitalidade.

— Hospitalidade, bramou Geoffrey. Recorde sempre o quanto lamento

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quando caio nessa tentação.

Rhys não lhe fez caso e olhou a Gwen.

— João se apropriou de Artane e me deu isso. Disse-lhe que não, mas

insistiu em que eu devia ter algo em compensação por meus problemas, posto que não

fosse ter a ti.

— E agora que me tem?

— Eu ficarei, senão te importar, e te construirei nela um castelo com uma

torre da comemoração muito formosa.

Gwen descobriu que lhe importava muito pouco a quem pertencesse a terra

nos arquivos do Rei. Só o que importava era que ela e Rhys estavam destinados aviver no mesmo lugar, e como marido e mulher; caso o Rei não chegasse antes e lhe

negasse o que tinham esperado tanto tempo. Voltou-se para o sacerdote.

— Nos case, lhe ordenou. Agora mesmo.

— Mmm... — começou o sacerdote.

— Tabelião! — gritou Rhys.

Alguém empurrou em meio deles uma alma, mas bem magra, de aspectodoentio, carregado de pergaminho, pluma e tinteiro, em precário equilíbrio. Ordenou-

lhe escrever os trâmites, sob o olhar vigilante e a espada desembainhada do novo

Conde do Artane.

O contrato foi assinado por todas as partes envolvidas e depois enviou o

sacerdote a atender o assunto menos urgente de dispor o funeral do ex-Barão do Ayre.

Gwen pensou que talvez Rhys pudesse considerar apropriado esse momento para beijá-la e selar assim o matrimônio, portanto se voltou para ele, fechou os olhos e

levantou a cara.

Mas em lugar de beijá-la, Rhys a agarrou pelos ombros, afastou-a e deu uma

 bofetada em Geoffrey do Fenwyck.

— Essa, disse, é, por babar a mão de minha mulher.

Olhou ao barão do Fenwyck deitado no chão e acrescentou: Não volte a fazê-

lo nunca mais.

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Geoffrey só foi capaz de olhá-lo boquiaberto e mudo.

— Quem será o seguinte? — disse Rhys, olhando ao seu redor, com os

 punhos preparados. Parece-me que tenho muitas coisas que me cobrar esta tarde,

sobretudo com aqueles que não foram capazes de cumprir minhas ordens mais

simples. Olhou aos Fitzgerald com o cenho franzido. Acredito que não me convém

tocá-los em seu atual estado.

— Montgomery? — sugeriu John, amavelmente.

— Não, isso me obrigaria a escorar aos gêmeos para apoiá-lo. Entretanto,

  pagará isso também. Deixei-lhe a ordem muita clara de que retivesse Gwen em

Fenwyck.Gwen estremeceu ante o olhar que lhe dirigiu Montgomery.

— Jurou pela Cruz, se defendeu Montgomery. Como podia duvidar dela?

— Conhece-a tão bem como eu, replicou Rhys.

— Se alguém quer ouvir minha parte da história, disse Gwen e se apressou a

acrescentar antes que Rhys pudesse abrir a boca: devia salvar seu ouro. Recebemos

outra carta em Fenwyck, sabe?— Sei tudo e tive o prazer de me encontrar com seu mensageiro em Dover.

Isso não muda nada. Fenwyck deveria ter vindo em seu lugar.

— Eu sou melhor para me disfarçar.

— E muito vulnerável se Rollan tivesse te pego despreparada.

— Estive trabalhando minha esgrima, alegou ela.

— Prometeu-me que ficaria ali.— Meus planos mudaram.

— Sabem? — interrompeu John. Talvez devêssemos recolher nossos bens e

nos pôr em marcha. Se o Rei decidisse vir ao Ayre no futuro próximo, eu não gostaria

de estar aqui para atendê-lo.

Gwen olhou ao seu ex-cunhado.

— Há muitos que testemunharão o assassinato do Alain pelo Rollan. Não

tem nada que temer.

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— Oh não temo por mim, sorriu John. É Lorde Rhys quem deve se

 preocupar pelo seu doce pescoço.

— Isso é certo, disse sir Jean. Muito volúvel é esse seu Rei. Nunca se sabe o

que se propõe.

— Por todos os Santos avô, grunhiu Rhys. Poderia me ter dito sobre as terras

antes que saíssemos de Londres.

— Queria ver o que...

— Fazia por mim mesmo, sim, sei — terminou Rhys com amargura. Tem

alguma sugestão sobre o que poderia fazer para assegurar minha esposa?

— Bom, já está casado com ela. Será melhor que consuma o matrimônio omais breve possível. Joãozinho Sem Terra não pode discutir com isso.

— Muito bem, assentiu Rhys. Isso não demorará mais de um momento ou

dois.

— Demorará, se valorizar sua habilidade para engendrar filhos, lhe advertiu

Gwen.

— Arrumarei depois...— Arrumará-me agora.

— Não tenho nenhuma necessidade de te galantear, acabo de me casar 

contigo!

— Muito tempo longe de companhia educada, comentou John movendo

tristemente a cabeça.

— Eu poderia te dar uma ou duas idéias sobre isso — se ofereceu Geoffreydo chão, apoiando-se nos cotovelos.

— Deixem que o menino descubra sozinho, aconselhou sir Jean. Veremos

que tipo de imaginação tem. Esta é a última prova que tenho para ele antes de lhe

revelar o último dos segredos de família.

Rhys abriu a boca para dizer algo, mas voltou a fechá-la e negou com a

cabeça.

— Não quero saber nada mais. Já são muitas as coisas que soube hoje.

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— Eu tenho algo que poderia servir, disse Montgomery pinçando a bolsa que

tinha presa ao seu cinturão.

Dele tirou uma fita verde desbotada e a passou a Gwen sorrindo.

— Ah — exclamou Rhys com voz afogada. A tinha você?

— Pensei que algum dia poderia necessitá-la, respondeu Montgomery

sorrindo.

Gwen agarrou a fita que em outro tempo tinha dado a Rhys e voltou a atá-la

ao seu braço com supremo cuidado.

— Não acredito que isto valha pelo galanteio, disse em voz baixa, mas é

muito romântico de todos os modos.Ele a agarrou em seus braços e a olhou com olhos radiantes, nos quais

 parecia que brilhavam uma ou duas lágrimas.

— Se soubesse quanto tempo esperei este momento, lhe disse docemente. Se

soubesse o que senti a primeira vez que me atou esta fita ao braço e quanto roguei que

algum dia fosse minha.

— Isso me poderia dizer... Mmmm...— Durante?

— Depois.

Então ele fechou os olhos, inclinou a cabeça e a beijou docemente nos lábios.

Gwen sentiu desvanecer o mundo até que só ficou o homem que a tinha em seus

 braços; nem Rei, nem ouro, nem ninguém. Ele inclinou a cabeça e aprofundou o beijo;

suas mãos começaram a lhe percorrer as costas e o cabelo; seus dedos soltaram atrança e muito em breve seus cabelos lhe caíram soltos sobre os ombros.

— Oh, por todos os Santos, exclamou uma voz ligeirissimamente

desgostosa, será melhor que procurem um quarto, não lhes parece?

Rhys dirigiu um olhar furioso ao seu avô e depois voltou a sorrir a Gwen.

— Parece-te?

Ela pestanejou para limpar a visão e pensou seriamente. De repente notou

que os olhos de todos os homens das guarnições estavam fixos nela. Inclusive os

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guardas do Ayre contemplavam a cena com enorme interesse, como considerando se

ela tomaria a decisão correta.

Olhou ao Rhys.

— Conheço o lugar.

Só tinham transcorrido uns momentos quando Gwen se deteve ante uma

 porta vagamente familiar. Sorriu ao seu recém adquirido marido.

— Este quarto poderia ir bem.

Rhys abriu a porta, agarrou uma tocha do corredor e procurou um lugar para

colocá-la dentro. Depois a fez entrar atrás dele.

— Mas acredito que a última vez que estivemos aqui vestia roupa do John. Enão tinha tanto fuligem na cara.

Gwen o olhou boquiaberta. Tinha esquecido totalmente o estado em que se

encontrava. Acabava de casar com roupas cobertas de bostas de cavalo e pó de três

semanas de viagem.

Rhys se pôs a rir como se compreendesse o que estava pensando.

— Nem sequer isso te subtrai beleza, meu amor.— Como se uma lisonja pudesse me consolar.

— Lisonja? — protestou ele. Um cavalheiro nunca mente, portanto deve

acreditar que digo a verdade. Além disso, suja ou não, só ver-te me faz fraquejar os

 joelhos. Apoiou o peso no outro pé. Custa-me acreditar que é minha.

Ela suspirou e olhou a roupa imunda.

— Não é exatamente assim como tinha imaginado nossas núpcias.— Eu tampouco. Até tinha pensado te cantar um par de canções.

— Os Santos me protejam, riu ela. É possível que meus ouvidos agradeçam

esta pressa.

— Não é culpa minha que não ouça bem as notas, protestou ele carrancudo.

Minhas habilidades simplesmente vão por outro lado.

— Jogar dados.

— Talvez depois, sorriu ele.

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Ela olhou a seu redor. Não havia nem sequer uma ou duas mantas para pôr 

no chão. Olhou ao Rhys.

— E bem? — perguntou.

Ele lhe aproximou dois passos, estirou o braço por cima dela e pôs o fecho

na porta.

— Assim teremos intimidade.

— Para um ou dois momentos, concordou ela.

Ele a olhou e esboçou um sorriso.

— Se soubesse quanto te desejo, compreenderia que um ou dois instantes

 poderiam ser tudo que obtenha de mim nestes momentos.Ela não entendeu muito bem o que ele quis dizer com isso, mas teve a

impressão de que o descobriria muito em breve.

— Arrulharei-te bem, disse ele agarrando-a em seus braços. Muito em breve.

— Essa só idéia é quase suficiente para me induzir a me banhar, disse ela em

meio de seu beijo.

E então descobriu que o estado de sua roupa e sua pessoa não importavamnada, além de servir de cama.

O quarto resultava tão incômodo como o recordava. Pelo menos desta vez

não tinha nenhum temor de que os interrompessem. Algo teria que dizer a favor de um

 bando de mercenários obedientes ao seu marido.

Seu marido. Quase não podia acreditar. Viúva e casada em uns momentos. E

que cerimônia havia sid...— Gwen, disse Rhys suspirando resignado.

— Perdão, disse ela. Não mais pensamentos.

Ele lhe agarrou a cara em suas mãos e a beijou lentamente. Depois os beijos

conduziram a carícias e as carícias a tirar a roupa para usá-la como cama, e isso levou

ao Rhys a lhe prometer, entre beijos e mais beijos, muito compridos e cheios de

doçura, que na primeira oportunidade roubaria o melhor colchão de penugem de

Fenwyck. Gwen começou a lhe dizer que não importava, mas de repente se deu conta

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de que tinha vários anos mais e estava dois filhos mais amadurecida que a última vez

que se deitaram em uma superfície tão pouco acolchoada, e começou a lhe parecer 

muito agradável a idéia de um colchão de penugem.

E rapidamente se foram desvanecendo os pensamentos sobre penugens,

filhos e chãos incômodos, e o único que ficou foi o homem que tinha entre seus

 braços, ao mesmo homem que acreditava que jamais voltaria a ter aí. E o que de

verdade quase lhe fez brotar as lágrimas foi comprovar que suas carícias não eram

mais hábeis que aquela primeira vez. Ele era todo entusiasmo e paixão descontrolada,

certamente não era um homem que tinha passado incontáveis horas pulando na cama

de uma amante.Elogiados os Santos por isso.

E se de tanto em tanto lhe tremiam as mãos ao acariciá-la ou dava a

impressão de que não sabia o que fazer com seus joelhos e cotovelos, isso só a fazia

sorrir e apertá-lo mais forte contra ela.

Ele a fez sua com uma risada de triunfal posse bastante parecida com a de

um mercenário.E quando Rhys conseguiu voltar a respirar, rodou para um lado com um

gemido. Depois se sentou, apoiou cuidadosamente as costas na pedra fria, friccionou-

se o melhor que pôde os cotovelos e os joelhos ao mesmo tempo, e lhe sorriu feliz.

— Foi extraordinariamente incômodo, comentou muito contente.

Gwen estava absolutamente segura de que jamais voltaria a caminhar muito

 bem, mas teve que manifestar seu acordo com a mesma alegria.— Não sei se poderemos obtê-lo outra vez aqui.

Ele pensou um momento.

— Poderíamos roubar mais roupa e coisas no castelo.

— Para isso teríamos que sair do quarto. Vestir-nos, nos pentear...

— Agüentar mais brincadeiras de meu avô.

Olharam-se, assentindo ao mesmo tempo. É melhor que sigamos aqui, disse

ele. Poderíamos nos arrumar com o que temos. E, o que não os surpreendeu a nenhum

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dos dois, as arrumaram.

 

Capítulo 39

  Rollan do Ayre lamentava terrivelmente não ter pensado em agarrar o

chicote do Alain antes de fugir do castelo. Golpear só com os pés os flancos do cavalo

não produzia a velocidade desejada.

Olhou para trás, mas não viu nenhum cavaleiro seguindo-o. Sabia que essa

 pausa não lhe duraria muito. Enviariam homens em sua perseguição e depois se veria

adoecendo em alguma masmorra. Nem sequer ele, com seu encanto superior, seria

capaz de convencer a ninguém de que não era culpado desse assassinato familiar tão

visível. João nunca lhe tinha tido muito apreço ao Alain, certo, mas talvez tivesse

 preferido algo um pouco mais sutil.

Aonde ir? O que fazer? A quem culpar de sua presente situação?

O último era o mais fácil. Tudo era culpa do Piaget. Ele tinha contado com

que o galhardo sir Rhys mataria ao Alain em defesa da honra de Gwen. Assim as

coisas teriam sido muito mais singelas. Então ele teria matado ao Rhys, teria

eliminado ao Robin e Amanda bastante logo e se teria como Lorde do Ayre, com uma

formosa esposa com olhos verde mar ao seu lado.

Com o tempo, Gwen se teria visto domada; e certamente ele teria desfrutado

muitíssimo em domá-la.

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Mas seu plano se foi ao lixo devido à maldita má língua do Piaget.

Faria-lhe pagar por suas palavras, é obvio.

Rollan percebeu de que ia em direção oeste; e tão logo o descobriu, sorriu.

Possivelmente era possível ainda salvar seus planos. Não tinha matado ao Alain com

suas mãos, não é? Se alguém era capaz de compreender a frustração de ter um irmão

que possui o que deveria ser legitimamente de um, esse era João Sem Terra. A morte

do Alain foi um acidente, um acidente precipitado por Piaget ao provocá-lo.

Talvez seus planos não tivessem sido inúteis depois de tudo. Seria possível

acabar com o Rhys. Robin poderia sofrer um desgraçado acidente; sempre morrem

meninos, por um motivo ou outro.E com o tempo Gwen se deixaria convencer de que estavam destinados a

viver juntos.

Mas primeiro era necessário eliminar o principal obstáculo, e ele sabia

exatamente quem seria o que mais lhe ajudaria a fazê-lo. A verdadeira linhagem do

Rhys era muito pouco conhecida. Na realidade, ele suspeitava que em toda a ilha só

houvesse duas pessoas que sabiam e Bertram do Ayre levou o segredo à tumba.E Rollan do Ayre tinha guardado muito bem o segredo em seu coração, do

momento em que ouviu falar do assunto a seu pai com o avô do Rhys.

Ah, que útil era a habilidade de escutar conversas alheias.

Trocou de rumo e se concentrou em seu objetivo. Sedgwick.

 Capítulo 40

Rhys saiu da sala grande, fechou a porta e se alegrou de fazê-lo. Embora

tivesse lembranças agradáveis de um certo quarto de uma torre interior do castelo, não

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lamentaria não voltar a vê-lo. Sabia que de vez em quando teria que vir ao Ayre com o

Robin para certificar-se de que ninguém tinha invadido as posses do moço, mas no

momento se sentia mais que feliz de abandonar esse lugar. Várias vezes imaginou

como seria sair pelas portas do Ayre com Gwen sendo dele.

A realidade era quase mais do que era capaz de suportar.

Sua comitiva o estava esperando no pátio de armas. Seus mercenários se

viam adequadamente ferozes e não vacilavam em dirigir ameaçadores olhares aos

guardas do Ayre sempre que era possível. Ainda não tinha decidido o que faria com os

moços; talvez o perdoassem por não ter tido a mente ocupada com seu futuro durante

os últimos dias. As coisas não tinham melhorado para sua pobre cabeça, e muitomenos depois de ter tido uma longa noite de íntima deliberação com sua bem amada.

Talvez lhe conviesse mantê-los um tempo mais, até que conseguisse concentrar-se em

algo que não fosse onde e quando encontrar-se a sós com sua dama outra vez.

Com um gesto deu a ordem de montar aos seus homens. Isso ainda podia

fazê-lo com o pouco juízo que restava. Olhou a Gwen e lhe sorriu timidamente.

Sorriu-lhe e então ouviu umas risadas de seu avô. De alguma parte baixou um rubor que lhe cobriu diligentemente suas bochechas; teve que voltar-se para outro lado antes

que seus homens, e, sobretudo seu avô, vissem-no e o humilhassem com suas

 brincadeiras.

Encontrou ocupação em revisar as cordas que mantinham atados aos

Fitzgerald aos seus cavalos.

— Uma última vez meus amigos, lhes disse com um sorriso alentador.Prometo-lhes que não farão mais viagens.

— As penúrias que sofremos por ti, gemeu Jared. Atender seus desejos e

 penas...

— Cavalgar de um extremo ao outro desta terra baldia, acrescentou Connor.

— Vomitar até não ter nada para vomitar...

— E eu te pergunto, irmão — disse Connor, girando a cabeça para olhar ao

seu gêmeo, vale a pena todo este sofrimento?

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— Não.

— Proponho que o deixemos partir ao norte sozinho.

— Sim, irmão, nisso tem razão.

— Muito tarde, disse Rhys muito alegre, apertando com firmeza a corda que

atava ao Jared a seu cavalo.

— Prefiro caminhar, resmungou Connor.

— Eu prefiro ficar aqui, protestou Jared.

— Jogariam-me muito menos, lhes assegurou Rhys. Coragem amigos, a

viagem será rápida.

Dito isso se afastou, antes que lhe acumulassem na cabeça mais maldições.Gwen já estava montada, Nicholas também. Procurou o Robin com o olhar e

viu que estava esperando-o junto ao seu cavalo, lhe segurando as rédeas, com uma

cara de profunda preocupação. Apressou-se a aproximar-se e lhe acariciou a cabeça,

despenteando-o.

— Não há nada com que se preocupar, lhe disse.

— Mas e se nos seguir o Rei?Rhys ficou na sua frente e o olhou muito sério.

— Crê que eu te abandonaria?

— Mas o Rei...

— Estará muito feliz de que eu te reclame como meu quando chegar o

momento. Ele valoriza minha espada Robin, como valorizará a tua com o tempo, se

conseguir não matar-se comendo. Eu diria que prefere nos manter aqui na ilha antesque nos ver partir a França.

— Mas temos propriedades ali, não é? — perguntou Robin, angustiado. No

caso de...

— Sim, respondeu Rhys, dirigindo um sombrio olhar ao seu avô e as terras

são tão extensas para nos fazer viajar por elas bastante tempo.

— Então talvez devêssemos ir a França vê-las — sugeriu Robin, em um tom

que dava a entender que seria capaz de vender sua alma para fazer isso. Então não

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 perderíamos nossas cabeças.

— De maneira nenhuma vamos perder nossas cabeças, Robin, disse Rhys

sorrindo. Vamos viajar muito rápido ao norte e começaremos a construir nosso

castelo.

«E com sorte não vais ver a cabeça de seu futuro pai adotivo cravada em uma

estaca fora das portas por construir», disse-se para seus botões.

— Além disso, continuou, pedimos ao seu tio John que fique aqui e cuidasse

do Ayre, até que, chegado o momento, voltemos aqui para visitar suas posses. Ele

aceitou, portanto será ele quem enfrentará a ira do Rei.

Dito cuidador que não estava nada feliz com esse dever, mas Rhys lhe tinha  prometido voltar e fazê-lo cavalheiro antes do ano novo. John era, sobretudo

 pragmático nesses assuntos.

Claro que ele teria que arrastar-se bastante no futuro, mas cabia a esperança

de que finalmente o Rei visse a sabedoria do que tinha feito. Ele estaria ali para vigiar 

as fronteiras do norte. Com sorte, João não se enfureceria tanto que se reapropiaria das

terras de Gwen para o prazer da coroa. Nem em seus sonhos mais loucos imaginoununca que seria o senhor de tantas terras. Chatearia-lhe muito ter que renunciar a

alguma.

Embora se ocorresse isso, agarraria a Gwen e aos meninos e partiria a toda

 pressa com eles a França. Também poderiam viver ali muito bem.

Mas tudo isso viria depois. A primeira era uma rápida viagem ao norte e logo

os preparativos para construir. Com o ouro que restava poderia pelo menos começar aconstrução do castelo; de algum jeito se arrumaria para terminá-lo. Só sabia com

certeza era que não estaria terminado logo como desejava.

Já se imaginava seu estandarte ondeando alegremente à brisa.

E que formosa vista era tudo.

A menina estava a um lado do caminho vendo passar ao séquito junto a ela.

Teria que ir ao norte com eles, até aí sabia. Mas a dor de sua perda ainda pesava muito

sobre ela, e isso fazia difícil reunir a coragem para deter algum desses ferozes

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cavalheiros para lhe rogar que a levasse em seu cavalo.

As lágrimas já a tinham cegado totalmente quando sentiu, mais que viu, deter 

um cavalo. Um homem desmontou e quase imediatamente se encontrou olhando uns

olhos cinza claros.

— Querida, lhe disse o cavalheiro, o que faz aqui, vestida para viajar? Onde

está seu avô?

— Morreu, sussurrou ela.

E então sim pôs se a chorar a sério.

O cavalheiro a abraçou fortemente contra seu peito. Depois sentiu a carícia

das mãos da nova esposa do cavalheiro, e logo encontrou refúgio entre uns doces braços.

— Rhys, disse a senhora, devemos levá-la conosco se ela quiser. Não deve

ficar aqui.

O cavalheiro lhe acariciou brandamente a cabeça.

— Querida, quer vir conosco?

Ela se limitou a assentir, porque não lhe saiu nenhuma palavra.— E as coisas de seu avô? Deveria as trazer, não é?

A menina deu uns tapinhas no manuscrito que tinha preso a sua frágil figura

mediante umas tiras. Isso era o mais importante; seu avô tinha trabalhado muito tempo

escrevendo as receitas de suas poções.

Embora também fosse um consolo ter seus potes e bolsas.

— Eu irei os recolher, disse o cavalheiro e se afastou, gritando ordensenquanto avançava.

Muito em breve a menina se encontrou cavalgando com o séquito do

cavalheiro, detrás de um ancião que não lhe recordava em nada ao seu avô, mas que

também tinha um sorriso amável. Isso era suficiente para estar tranqüila.

Apertou as partes de vidro na mão e cavalgou para seu futuro, com os olhos

secos.

Gwen pensou que um banho poderia ser uma atividade fatal, quer dizer fatal

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 para as cinco empregadas que descuidavam do seu trabalho na cozinha. Estava sentada

em um tamborete perto da banheira, dirigindo olhadas iracundas às filhas do

cozinheiro do Fenwyck, que não lhe faziam nem o mínimo caso. As empregadas

tinham deixado de cortar, cortar, mesclar e remover para admirar ao homem que

nesses momentos se encharcava na banheira, totalmente inconsciente da comoção que

causava.

Por desgraça, Rhys era muito grande para caber inteiro na banheira, de modo

que os braços e as pernas lhe penduravam fora, de ambos os lados. Isso era muito

corpo exposto para a tranqüilidade de Gwen.

Dirigindo outro olhar de advertência a esse punhado de babonas, da que elasfizeram caso omisso, pensou que talvez sua estadia no Fenwyck a entusiasmava

muitíssimo menos que a da vez anterior.

Embora tivesse que reconhecer isso sim, que pular na cama com seu amor 

era muito mais agradável com um colchão de penugem debaixo. Geoffrey lhes tinha

cedido generosamente o dito colchão depois que Rhys o convidou a decidir o assunto

no campo de batalha. A solidez dos laços que uniam ao senhor do Fenwyck ao seucolchão de penugem se viu muito claramente em sua boa disposição a pôr seus pés no

campo de batalha; infelizmente para ele esses laços se cortaram com bastante rapidez.

Tragou saliva muito audivelmente quando viu o Rhys desembainhar duas espadas, e

logo resmungou uma maldição, procedente de seu orgulho ferido, quando Rhys deixou

a um lado uma espada, com fingida compaixão ante seu agitado estado.

Mas isso não melhorou muito as coisas para o Fenwyck.Gwen tinha visto o Rhys no campo de batalha com a freqüência suficiente

 para saber quando estava brincando com seu competidor e quando não. Quase não

 podia dar crédito a seus olhos ao ver que Rhys alargava o combate muito mais do que

o necessário, mas calculou que, posto que o que estava em jogo era dormir no melhor 

colchão de Geoffrey por três ou quatro semanas, o menos que podia fazer Rhys era

salvar o pouco orgulho que restava ao Geoffrey.

— Por todos os Santos, neto, que pedaço de folgado é.

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Gwen interrompeu seus pensamentos e se girou a olhar ao avô do Rhys.

Rhys nem sequer abriu os olhos.

Sir Jean olhou admirativamente a Gwen e ela se ruborizou, em que pese a

seus esforços por parecer indiferente; depois, o ancião voltou sua atenção às

empregadas da cozinha e as olhou com severidade de debaixo de suas entupidas

sobrancelhas.

— Alguém corre o perigo de perder seus dedos se não atender melhor ao que

está fazendo, disse intencionalmente.

Aparentemente a ameaça de sir Jean causou mais impressão nas moças que

as olhadas iradas de Gwen, porque se apressaram a voltar para suas respectivas tarefas.Sir Jean agarrou um tamborete e foi sentar se ao lado do Gwen.

— Protegendo seu tesouro, senhora?

— Pareceu-me judicioso.

Ele riu dela e então Gwen viu de onde vinha parte do encanto de Rhys.

Embora o homem tivesse idade suficiente para ser, coisa estranha, seu avô, tinha um

encanto extraordinário. Sem dar-se conta lhe sorriu e teve a sensação de que oconhecia desde muito mais tempo que um mês.

— E ele é digno da espera? — perguntou-lhe Jean, inclinando a cabeça para

o Rhys.

— Sim, respondeu ela.

— É um bom amante, então?

Ao isso parecer despertou totalmente ao Rhys.— Avô!

Jean encolheu de ombros.

— Simplesmente quero me assegurar de que não desonra seu sobrenome.

Todos os Piaget são excelentes amantes, acrescentou dando uma piscada a Gwen.

— E como você sabe? — alegou Rhys, carrancudo. Não é que tenha estado

com vintenas de mulheres para que lhe digam isso.

— Tive minha cota antes de conhecer sua avó.

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— E depois que ela morreu? — cravou Rhys.

— Tenho muito boas lembranças de seus elogios, respondeu Jean com

arrogância. E quem é você, cachorrinho, para duvidar de minha destreza?

— Você pôs em duvida a minha.

Sir Jean começou a acariciar o punho de sua espada.

— Acredito que devo planejar ver-te logo no campo de batalha, disse; é

muito descarado para meu gosto.

Gwen suspeitou, e teve a impressão de que não se equivocava, que sir Jean

teria aproveitado qualquer pretexto para enfrentar o seu neto com a espada. Não havia

uma só vez que cruzassem as espadas que o ancião não sorrise embevecido, como se pessoalmente lhe tivesse ensinado ao Rhys tudo o que sabia de esgrima. Isso seria

orgulho de avô, supôs.

— Depois, respondeu Rhys reclinando a cabeça na banheira e fechando os

olhos novamente. Talvez amanhã.

— Folgado, disse Jean fazendo estalar a língua e movendo a cabeça.

Preguiçoso e brando. Seu pai se horrorizaria se estivesse aqui para ver-te.— Só levo quatro semanas casado, alegou Rhys, sem sentir, a menor 

inquietação por sua ociosidade.

— Deveria brandir a espada diariamente, o aconselhou seu avô, e não me

refiro, me perdoe, Gwen, por dizer isto, porque só um parvo preferiria estar no campo

de batalha a estar contigo, e não me refiro à espada que usa na cama.

Rhys abriu um olho e enviou um sinistro olhar ao seu avô.— A que horas devo aparecer no campo de batalha?

— À saída do sol.

— E deixá-la a que horas?

Jean o pensou um momento, logo franziu os lábios e respondeu:

— A última hora da tarde.

— E a que devo dedicar meu tempo então?

— A planejar e pensar na maneira de deixar a mesa logo, disse sir Jean em

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tom queixoso.

— Hoje é o primeiro dia de ócio que me tirei, e não me vais induzir a

lamentá-lo. Tenha a segurança de que quando sair desta banheira vou passar todo o dia

na cama.

Gwen se sobressaltou ante o olhar que lhe dirigiu sir Jean.

— Cachorrinho desobediente. Você lhe ensinou isso?

Ela levantou as mãos em sinal de rendição.

— Eu? Não, ele já estava bastante crescido quando me fiz a cargo dele.

— As coisas vão como devem, assegurou Rhys ao seu avô. Enviei

mensagem a minha mãe para que me mande o ouro, e sabe muito bem que é um deseus homens o que levou a mensagem. Montgomery está preparando os homens para

empreender a viagem ao Artane amanhã. Os meninos estão destroçando a sala do

Fenwyck ao seu gosto, sem necessidade o que eu os vigiasse e lady Joanna...

— Ah, lady Joanna — disse sir Jean acariciando o queixo, que mulher mais

formosa. Olhou ao Gwen. Crê que me desejaria?

— Bom...Rhys jogou um punhado de água a seu avô.

— Não lhe interessa um amante de sua idade.

— Tem que saber que minha espada está tão boa como...

— Não o duvido, interrompeu Rhys, sarcástico.

— E ainda tenho um semblante agradável.

— Nunca te disse que não...Sir Jean ficou de pé de um salto e desembainhou a espada com energia,

fazendo fugir a todas as moças e empregadas da cozinha em busca de refúgio.

— Ao campo de batalha comigo, cachorrinho insolente! — gritou. Não te

vou permitir que me insulte assim! Agarrou a Gwen do braço e a conduziu fora da

cozinha. Virá comigo a ver quem é o ganhador. E traga sua mãe.

Gwen olhou para trás por cima do ombro. Rhys estava saindo da banheira

com um suspiro de resignação. Seis mulheres correram a ajudá-lo a secar-se, e isso

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 bastou para que Gwen estendesse a mão para a espada de sir Jean.

Quando chegaram à sala grande, sir Jean se deteve, embainhou a espada e lhe

sorriu.

— Tirei-o da banheira para poder me colocar eu nela. Bebamos, primeiro,

uma jarra de cerveja, parece-te?

Ela se limitou a olhá-lo, sem saber se ria ou não.

— Virá a se sentar perto de mim no tamborete da cozinha e manter a raia às

mocinhas também? — disse-lhe ele com um brilho pícaro nos olhos.

— Bom...

— Melhor ainda, envie a sua mãe. Uma mulher bastante formosa essa.Gwen se deixou levar a mesa. Não tinha bebido nem a metade da jarra

quando chegou seu marido, vestido e resmungando entre dentes. Rhys dirigiu um

olhar irritado a seu avô e depois pegou a mão dela para levantá-la.

— Venha comigo.

— Não se esqueça de sua mãe, lhe gritou sir Jean quando Rhys já a tirava da

sala. Envie-a a cozinha.— Os Santos a protejam, resmungou Rhys.

Gwen foi rindo todo o caminho até o quarto que Rhys se tinha apropriado.

Ele a fez entrar, fechou a porta e pôs o fecho.

— Não acha que deveria chamar a minha mãe...?

— Não, disse ele, esmagando-a contra a porta.

— Mas é que seu avô...— É capaz de defender-se sozinho. Leva anos fazendo-o. Em troca eu estou

absolutamente indefeso e vou necessitar de muito amparo o resto do dia.

— Pobrezinho, disse ela, fazendo estalar a língua com tristeza. Suponho que

vais necessitar de toda minha atenção?

— Temo que sim.

Gwen lhe rodeou o pescoço com os braços.

— Como se arrumou todos estes anos sem mim?

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Ele lhe cobriu a boca com a sua. E quando muito em breve ele a levantou e a

levou a cama, suspeitou que essa era uma pergunta que não desejava responder. Em

realidade, a julgar pela tenacidade com que a mantinha na cama, parecia resolvido a

ressarcir-se de todos os anos em que não a tinha tido.

Caiu à noite e Gwen as arrumou para escapar o tempo suficiente para

acender uma ou duas velas. Voltou para os braços de seu marido e suspirou contente

ao apoiar a cabeça em seu ombro. Deslizou-lhe os dedos calosos pelas costas, e ela

recordou a primeira vez que lhe acariciou a mão e o efeito que lhe produziu essa

carícia. As coisas não tinham trocado.

— Gwen.— Sim, meu amor.

— Como queria que este dia não terminasse jamais.

Disse-o em tom tão melancólico que ela levantou a cabeça para olhá-lo.

— Teremos muitos dias assim, seguro.

— Isso espero, meu amor, isso eu espero — disse ele, sorrindo-lhe com um

sorriso preocupado que lhe chegou ao coração.— Teremos, afirmou ela. Estou convencida.

— Então me convença, lhe pediu ele. E tome seu tempo para fazê-lo.

Ela viu o brilho em seus olhos e pôs-se a rir.

Depois inclinou a cabeça e o beijou, resolvida a fazer exatamente isso.

 

Capítulo 41

— Tenha paciência com um velho, disse o ancião e me explique outra vez

 por que não devo te atravessar com minha espada por ter interrompido meu jantar.

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Rollan admirou a dureza do Patrick do Sedgwick. Em realidade, entendia-a

muito bem e sabia que não tinha nada a temer; sua cabeça continuaria repousando

sobre seu pescoço; o ancião não era outra coisa que um fanfarrão. Tinha-lhe

despertado a curiosidade, embora soubesse que Patrick se cortaria o pescoço antes de

demonstrá-la. Era o tipo de homem com o qual podia raciocinar.

Tinha demorado duas semanas em chegar a Sedgwick depois de fugir do

Ayre, e outras duas semanas em conseguir entrar no castelo. Não eram almas

confiantes essas.

— Sei onde está sua sobrinha, lhe repetiu. «Ou ao menos a vizinhança em

que está, em toda a França». Não era necessário dar detalhes. E sei quem é seu filho.Não havia ninguém mais no quarto, de modo que não havia nenhuma

necessidade de tanto segredo.

— Não tenho nenhuma sobrinha, grunhiu Patrick. A que tinha a

seqüestraram uns rufiões e a mataram.

— Fugiu com um curandeiro errante. Deu-lhe um filho antes que o

queimassem como herege na França.Patrick o olhou atentamente com os olhos entrecerrados.

— Tolices.

— O curandeiro era o filho de Jean de Piaget, Etienne, continuou dizendo

Rollan. Etienne conheceu a Mary do Sedgwick neste castelo e fugiu com ela na

escuridão da noite.

— Raptaram-na...— Ela quis ir com ele, corrigiu Rollan, para escapar de uma família muito

violenta, ou isso me disseram.

Pensou, vagamente, se talvez essa fosse uma verdade que Patrick não

desejaria ouvir. O homem começou a acariciar o punho de sua espada, mas e o quê?

Ele sabia que Patrick já estava mais que disposto a escutar. Não o mataria enquanto

não tivesse escutado toda a história, e com sorte, então já o teria convencido de sua

utilidade posterior. Ao fim das contas, havia alguns detalhes que nem sequer ele estava

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 preparado para relatar.

— Continue, grunhiu Patrick.

Rollan reprimiu um sorriso.

— Mary fugiu com o Etienne e foi com ele a França.

— E o que ocorreu depois?

— Etienne não era só um curandeiro errante e um menestrel ocasional;

também era um cavalheiro muito destro, com o dom para adotar os costumes de

muitas vocações. Como pode imaginar, tinha muitos inimigos, na maioria poderosos.

Um deles pagou à Igreja para que o acusassem de heresia. Encolheu os ombros. Ou

talvez fosse certo que tinha um pacto com o diabo. Certas façanhas suas poderiam ter sido antinaturais.

Rollan observou a reação de Patrick. Este tirou a mão da espada e esfregou

distraidamente o joelho. Alguma velha ferida de batalha supôs Rollan; sinal seguro de

algum tipo de doença.

Interessante.

— Conforme reza a história, a Etienne o mataram.— E seu filho? Como vou saber quem é?

Rollan reprimiu a vontade de olhar ao céu com os olhos em branco. Será que

estava condenado a estar rodeado de imbecis?

— Conhece Piaget? Rhys de Piaget?

— Ah, modulou a boca do Patrick, mas não saiu nenhum som.

A expressão muito próxima à consternação que apareceu na cara do velhoindicou a Rollan que acabava de perceber quem tinha o direito de reclamar Sedgwick 

 para si, e de tudo o que isso entranhava. Patrick só tinha Sedgwick graças à morte de

seu irmão por causas desconhecidas. Que a filha de seu irmão tivesse tido um filho, e

que filho, por certo... Era evidente que Patrick acabava de adivinhar quem poderia

dever chamar a sua porta para exigir sua herança.

— Agora compreende a necessidade de lhe fazer uma breve visita.

— Sim.

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— Curiosamente, ele não sabe nada sobre sua linhagem, mas quem sabe

quanto tempo poderia seguir na ignorância?

Patrick não teve nenhuma dificuldade para entender exatamente o que quis

dizer Rollan com isso.

— Não tem sentido correr o risco de que o descubra, continuou Rollan.

Patrick assentiu.

— Sua mãe, em troca, não tem nenhuma importância.

Patrick voltou a assentir e Rollan emitiu um silencioso suspiro de alívio. A

verdade é que era pouco o que podia fazer Mary de Piaget para tirar o controle do

Sedgwick do seu tio, mas lhe chateava tremendamente não ter sido capaz de averiguar seu paradeiro. Por muitos que fossem suas tentativas, não tinha conseguido saber de

seu pai em seu leito de morte; embora disso só ele tivesse a culpa. Nesse tempo não

era muito perito com os venenos; como ia saber que doses muito elevadas e muito

freqüentes deixariam a um homem agonizante, mas incapaz de falar?

— Nestes momentos vai a caminho do norte, continuou. Viaja com uma

mulher e um moço. Eu me encarregarei desses dois.— E eu me encarregarei dele, disse Patrick, levantando-se impetuosamente.

Poremos-nos em marcha tão logo tenha reunido homens suficientes para a guerra.

— Não provocada? — disse Rollan, pensativo. Duvido da prudência disso.

— Já dito que ele é o responsável pela morte de seu irmão. Isso é motivo

mais que suficiente para fazê-lo pagar.

Rollan esboçou um sorriso. Ele só tinha comprometido um pouquinho aoRhys no assunto, de modo que não podia considerar-se totalmente responsável pela

incorreta hipótese de Patrick. Além disso, alguém devia pagar pela inoportuna morte

do Alain.

Por que não Rhys?

 

Capítulo 42

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  Rhys estava sentado na base de uma muralha meio construída, contemplando

o mar. Sentia a pedra fria nas costas, o sol quente na cara e o aroma de mar que lhe

trazia a brisa.

Pensou que poderia morrer do prazer que lhe produzia tudo.

A construção do castelo avançava lenta, embora em realidade suspeitasse que

qualquer avanço que não significasse sua torre da comemoração levantada e habitável

da noite para o dia lhe pareceria lento. Estavam quase três meses em Artane e o que

tinham conseguido era francamente notável.

Tinham os começos feitos das muralhas exteriores. Já estavam postos os

alicerces da torre da comemoração e a capela. As dependências exteriores e demais se

fabricariam com madeira, e algumas já estavam começadas. Inclusive se tinha

semeado trigo de inverno, com a esperança de ter um pouco mais para comer que o

que haviam trazido de Fenwyck. Não lhe agradava nada a idéia de passar o inverno

viajando de um castelo de Gwen ao seguinte para provisionar a despensa. Embora a

mãe de Gwen, que já estava de retorno a Segrave, ofereceu-se a lhes enviar provisões,

ele tinha muito pouca vontade de aceitar sua generosidade. Se conseguissem terminar 

o mais indispensável de uma sala grande temporal, poderiam passar o inverno ali e

continuar o trabalho.

— Temos que treinar se queremos ganhar nossas esporas. E para nos treinar 

 juntos nós dois temos que ser cavalheiros.

— Mas Robin...

— É que não quer ser um cavalheiro?

Rhys ouviu as vozes provenientes do outro lado da muralha e descobriu que

se alegrava de que ao menos essa parte das defesas já tivesse a altura suficiente para

ocultá-lo. Robin parecia bastante agradado com seu novo lar, mas nunca era possível

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saber o que passava realmente por aquela cabecinha. Não tinha nenhum sentido não

inteirar-se do que ocorria. Fosse qual fosse à travessura que planejasse Robin, seguro

que arrastaria ao Nicholas. Nicholas tinha resultado ser muito amante da paz para

opor-se aos desejos de Robin. Pobre moço. Teria que adquirir firmeza se não queria

meter-se em confusões que sem dúvida preferiria evitar.

— Eu seria um bom mercenário, disse Nicholas timidamente. Muito melhor 

que um cavalheiro.

— Não pode ser um mercenário, insistiu Robin. Nós dois temos que ser 

cavalheiros, bons cavalheiros. Ele espera isso.

Nicholas esteve calado um tanto momento que Rhys esteve tentado aaparecer para ver o que acontecia.

— De mim ele não espera, disse Nicholas finalmente. Em realidade eu não

sou...

— Pois sim que é, interrompeu Robin.

— Ele só é amável com...

— Qualidade própria de cavalheiro, se apressou a dizer Robin.— Mas é que em realidade ele não queria...

— Um cavalheiro nunca mente. Disse que te desejava por filho e não ia

mentir nisso.

— Mas meu sangue não é nobre.

Rhys pensou se o suspiro do Robin que seguiu a seguir não teria derrubado

ao Nicholas. Sorriu em face de um pouquinho de consternação. Acaso não tinhareclamado para si os dois meninos ante o enviado do Rei João quando veio visitá-los?

Por todos os Santos, não tinha feito outra coisa que felicitar-se por seu descaramento

toda a semana seguinte. O enviado do Rei lhe tinha expressado em poucas, embora

inequívocas, palavras o desagrado do Rei. Ele tinha respondido com tranqüilidade e

clareza, afirmando sua posição e explicando ao enviado porque o Rei devia deixá-lo

em paz, com a Gwen e seus filhos. Nesse momento não mencionou ao Nicholas, mas

depois sim, graças a uma cotovelada de Gwen, quando pôs por escrito seus desejos:

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Robin, Nicholas e Amanda; não aceitaria nada menos.

— Nicholas, ele reclamou aos dois ante o Rei, disse Robin, em tom de

necessitar de toda sua paciência para explicar algo que já havia dito antes. Pode ser 

que não sejamos seus de verdade, mas atua como se fôssemos. E não o faria se não nos

considerasse filhos.

Nicholas esteve calado outro comprido momento.

— Se está seguro... — disse finalmente.

— Estou seguro, afirmou Robin. E lhe demonstraremos que não escolheu

mal. Bom, poderá ser um cavalheiro ou não?

— De acordo.— Vamos apostar quem chega ao campo de batalha antes, foi à entusiasta

resposta do Robin.

Rhys se levantou e apareceu por cima da muralha a tempo para ver Robin e

 Nicholas correndo para o que no futuro próximo seria o campo de práticas. Esse era

um bom lugar para os moços; ao menos ali Robin não inventaria problemas nos quais

colocar ao Nicholas.Tranqüilo nesse aspecto começou a pensar nas três meninas que estavam aos

seus cuidados. Amanda tinha adquirido uma irmã adotiva na pessoa da Anne de

Fenwyck, e as duas passavam a maior parte do tempo tratando de escapar de alguma

travessura do Robin. Parece que Geoffrey se sentiu aliviado ao enviar a sua filha ao

Artane. Rhys se perguntava se Geoffrey se acreditaria pouco perito com as mulheres, a

menos que tivessem uns vinte anos de idade. Fosse como fosse, isso tinha dado aAmanda uma companheira, e isso o alegrava muito.

A outra menina que, aparentemente, tinha adquirido era a neta do Sócrates. A

menina tinha ido com eles, sem pedir nada em troca. Gwen se tinha ocupado de

atendê-la e inclui-la na família, mas ela só aceitou uma pequena tenda para ela

sozinha, onde vivia rodeada dos potes e bolsas de seu avô. Só o que aceitou foi a

 promessa de Gwen de lhe ensinar a ler e escrever, para que conseguisse terminar o

livro de receitas de seu avô em que pese a sua tenra idade, ele tinha que lhe reconhecer 

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seus dotes de curadora. Alegrava-o tê-la em sua casa enquanto ela estivesse contente

de estar com eles.

Rhys viu movimento a sua esquerda e compreendeu que se aproximava sua

lady. E como sempre, surpreendeu-se dando um suspiro do puro alívio de sabê-la sua.

Apoiou com cuidado os cotovelos na superfície irregular da muralha e

esperou sua chegada. Por todos os Santos, não merecia esse prêmio, mas certamente

não o ia rechaçar.

— Vagabundeando outra vez? — perguntou-lhe ela quando chegou ao outro

lado da muralha.

— Como sabe?— Seu avô foi te buscar no campo de batalha.

— Acredito. Qualquer um diria que jamais levantei uma espada, a julgar pela

maneira como me chateia por isso.

Ela sorriu e se inclinou a beijá-lo firmemente na boca.

— Quer ressarcir-se de todos os anos em que não pôde ver-te trabalhar.

Rhys se limitou a emitir um bufo zombador.- É certo, insistiu. Surrupiei-lhe a verdade.

 — Recorreu à tortura?

— Não, estive me exercitando com ele no campo de batalha.

Rhys a olhou boquiaberto.

— Sim? Quando?

— Quando você estava fora com o Montgomery, explorando as fronteiras.Seu avô pretendia me induzir a revelar todos meus segredos, de modo que eu o distraí

com um pouco de esgrima.

— Deixou-lhe alguma cicatriz?

— Não, disse ela lhe dando um puxão de orelha; que pouca fé tem em minha

destreza. Talvez mereça que não me tenha devotado nunca para te servir como

mercenária.

— Isso teria acabado comigo, disse ele com veemência e alcançou a lhe

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agarrar a manga antes que ela se afastasse totalmente, irritada. E não por nenhuma tua

falta, claro.

— Não? — disse ela e esperou.

— Não teria conseguido me concentrar em nada além de ti.

— Bom, disse ela, um pouco apaziguada. Isso joga uma luz totalmente

diferente sobre o assunto.

Ele sorriu e lhe estendeu a mão.

— Acompanha-me?

— Está observando seus domínios?

Ele negou com a cabeça e voltou a sorrir.— Estou contemplando o mar e sonhando com coisas gloriosas no futuro.

— Seu castelo?

— Você nua para passar à tarde? — sugeriu ele.

Ela se pôs a rir e não se opôs quando ele a convidou a passar por cima da

muralha para acompanhá-lo. Ele retomou sua posição com sua dama sentada ao seu

lado. Rodeou-a com o braço e a atraiu mais perto.— É um sonho ou é realmente minha? — perguntou-lhe.

Ela se aconchegou mais perto.

— Quase eu não posso acreditar.

Ele fechou os olhos e recostou a cabeça na muralha. Tinha pensado que

quando a fizesse sua não poderia estar mais contente nem mais satisfeito com sua vida.

Quando chegaram ao Fenwyck sem que o Rei os seguisse, imaginou que sua vida não podia ser melhor. Quando começaram as obras de construção de seu castelo e viu os

 primeiros esboços em pedra das muralhas, teve a segurança de que era impossível ser 

mais feliz.

Mas enquanto estava sentado ali junto a sua amada, desfrutando da brisa fria

e o calor do sol, começou a compreender que era inútil pensar que sua vida tinha

chegado ao momento supremo. Suspeitava que as coisas só pudessem melhorar.

Caso é obvio, que o Rei não decidisse viajar ao Artane, lhe separar a cabeça

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dos ombros e voltar com sua cabeça a Londres sem levar o resto de seu corpo.

— Estou seguro, Connor, de que a vi vir para cá.

— E eu te digo, Jared, que do outro lado desta muralha só há um precipício

que cai direto no mar. Para que ia querer saltar ao outro lado?

Rhys suspirou. Parecia que chegava ao fim seu momento de reflexão. Por 

sorte os gêmeos não podiam vê-lo. Talvez se cansassem de especular sobre o

 paradeiro de Gwen e partiriam logo.

— Não crê, disse Jared ao cabo de um momento, que tenha saltado ao outro

lado a propósito, não é?

A exclamação de horror do Connor se ouviu claramente.— Mas por quê?

— Talvez o menino Rhys...

— Impossível.

— Os meninos, então...

— Jogar-se da muralha para escapar deles? — perguntou Connor. Ficou

louco, irmão?Houve um comprido momento de silêncio, durante o qual Rhys e Gwen se

olharam divertidos.

— Olhe você, sussurrou Jared.

— Não, olhe você — respondeu Connor.

— Eu não. Conhecendo-te, empurraria-me ao outro lado.

— Eu? Eu não, mas não confiaria que você não fizesse isso comigo.— Não, protestou Jared. Esteve calado um momento e logo limpou a

garganta. Poderíamos olhar os dois ao mesmo tempo. Assim nenhum pode jogar o

outro.

— Mas sim arrojariam nossos estômagos, disse Connor queixoso, e eu já não

 posso agüentar mais vômitos. Conhecendo-os, igual baixaram ao outro lado da colina,

onde há menos pendente e se escapuliram para... — emitiu umas tosses, bom, já sabe.

— Sem nós? — exclamou Jared, ofendido.

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— Sim, sei que custa acreditar, disse Connor sombriamente, mas já vê.

— Essa é sua gratidão.

— A gente acreditaria que ela se lembraria de nós... — começou Connor.

— Ou pelo menos poderia nos mostrar um pouco de consideração,acrescentou Jared.

— Eu digo que os levemos aos dois ao campo de batalha — disse Connor,

severamente-, e...

— Oh não, a nossa Gwen não, interrompeu Jared. A ela jamais. Isto tem que

ser culpa do Rhys. A ela nunca lhe ocorreria sair sem nós. Mas ele...

— Muito bem, então, levaremos a ele ao campo de batalha. Quando oencontrarmos, claro.

As vozes se perderam e Rhys ficou sem saber o que pensavam fazer com ele

os gêmeos por seu descaramento. Suspeitou que fosse melhor não sabê-lo, mas teria

que estar preparado. Prometeu-se lembrar-se de continuar usando as duas espadas por 

um tempo mais.

De repente Gwen girou a cabeça e o beijou.

— O que? — sussurrou ele sorrindo.

— Poderíamos escapulir, sugeriu ela levantando a cabeça de seu ombro. Para

que decepcionar aos gêmeos.

— Como se pudesse decepcioná-los, riu ele. Você meu amor, está muito

firmemente instalada em seus corações. Embora os compreendo, porque eu estou

igualmente apaixonado.

— Sim?

— Sim.

— Talvez pudesse demonstrar-me disse isso ela, voltando a apoiar a cabeça

em seu ombro, mas mais tarde. A paz aqui é muito agradável para nos mover agora.

Rhys não poderia ter estado mais de acordo. Atraiu mais para si a sua amada

e fechou os olhos.

Êxtase.

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Mas era um êxtase que em nenhum momento pensou que duraria muito.

Durante os últimos meses sua vida tinha sido muito fácil, e sabia que cedo ou tarde

algo iria mal.

Deu-se meia volta e golpeou repetidamente com o punho um tenaz vulto de

 penugens. Custava-lhe acreditar que não se deu ao trabalho de comprovar que tipo de

colchão lhe tinha enviado Geoffrey como presente de bodas. Era evidente que tinha

sido o pior. Arquivou isso em um rincão de sua mente para fazer o pagar ao Fenwyck 

da próxima vez que o visse.

Olhou a Gwen, que dormia placidamente a seu lado; não parecia estar 

incômoda. Franziu o cenho. Seria possível que tivessem feito assim o colchão, só comseu lado cheio de vultos? Isso não o surpreenderia absolutamente.

— Rhys?

Ao escutar a voz de Montgomery se sentou. Nesse momento Montgomery

apareceu à cabeça dentro da tenda.

— Não crê que poderia ter interrompido algo? — grunhiu Rhys.

Na penumbra anterior à aurora se desenharam os dentes brancos doMontgomery.

— Seus filhos estão espalhados por toda a cama e sua lady estava roncando.

— Eu não ronco, disse Gwen claramente amassando-se mais sob as mantas.

— O que acontece? — perguntou Rhys, já meio em pé. Algo que devo ver?

— Nada importante, disse Montgomery. Em realidade só procurava ter um

 pouco de companhia durante minha guarda.«Mentiroso», pensou Rhys, beijando a sua lady e vendo que Nicholas

ocupava imediatamente o espaço que o acabava de desocupar. Saiu da tenda e se

afastou vários passos com o Montgomery.

— Temos companhia, disse este sem preâmbulos e eu diria que não é

companhia que necessitemos.

— Sua vista não é uma bênção às vezes, né?

— Decidirá uma vez que o tenha visto com seus olhos.

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Rhys o seguiu até as muralhas exteriores, ou o que existia dessas muralhas. E

quando viu o que se reuniu no plano desejou ter as muralhas terminadas O castelo

estava situado sobre o único penhasco em milhas ao redor, certo, mas do que lhes

servia estar sobre uma colina se não podiam defendê-la?

Sobretudo contra o número de homens que estava vendo acampados abaixo.

— Eu diria que só querem que saibamos que estão aí, senão já teriam subido

e atacado, disse Montgomery pensativo. O que opina você?

Rhys assentiu.

— Tem alguma idéia sobre quem poderiam ser nossos hóspedes?

Montgomery aspirou pelo nariz.— Cheiro ao Rollan, disse, a fetidez é inconfundível.

Rhys se pôs a rir a seu pesar.

— Ah, vejo que não há nenhum amor entre os dois, né?

— Ele matou ao meu senhor, que também era um amigo. Não, não há

nenhum carinho entre nós.

— De verdade, ele o matou?Montgomery encolheu de ombros, embora o movimento distasse muito de

ser indiferente.

— Não tenho provas, mas meu coração me diz que foi assim. Bertram não

tinha nenhum motivo para morrer assim; foi se debilitando por causa de algum

veneno. Se isso não descreve ao seu segundo filho, não sei o que o descreve.

— Maior razão para vê-lo capturado, disse Rhys. Talvez devêssemos fazê-loescoltar a Londres, onde o Rei poderia encarregar-se dele a seu prazer.

Montgomery franziu o cenho, pensativo.

— Eu gostaria de saber onde conseguiu reunir tantos homens. Olhou ao

Rhys. E para que os necessita?

— Para me matar?

— Seguro, mas por que motivo? Ele não faz nunca nada sem um motivo,

sobretudo um motivo que o faça parecer puro e inocente.

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Rhys tratou de contar o número de tendas que tinha repartidas abaixo, mas

teve que reconhecer que não tinha a vista do Montgomery. Não ficava mais remédio

que esperar para ver o que lhe mostraria a luz do dia. De todo modo temos que

 preparar aos nossos homens, disse finalmente, e colocá-los o melhor que possamos

 para compensar seu escasso número.

— Nossa posição é uma vantagem, comentou Montgomery.

— Bom, disse Rhys, abrangendo com um gesto as tendas de abaixo, pelo

menos essa é nossa única preocupação.

Montgomery se agarrou as mãos às costas.

— Importaria-se de me acompanhar à muralha que dá ao mar?Rhys sentiu uma opressão no peito.

— É uma brincadeira.

Montgomery se pôs a rir.

— Não posso fazer outra coisa que rir, porque estamos em um bom apuro em

realidade.

— Pelo mar também? — perguntou Rhys, incrédulo.— É um só navio, se isso te tranqüilizar um pouco.

Rhys se deu uma palmada na fronte.

— O que outra coisa poderia nos oferecer este dia?

— Rhys meu amigo, disse Montgomery, lhe pondo a mão no ombro e

sorrindo, essa pergunta não a faz um homem em sua posição.

— Pelo menos não veio Fenwyck a me atacar, se interrompeu e olhou aoMontgomery, não?

— Parece que não. Embora talvez pudesse necessitar de sua ajuda.

— Sim, veremos se é possível lhe enviar uma mensagem.

Rhys deixou encarregado ao Montgomery de enviar a mensagem pedindo

ajuda e voltou para sua tenda para despertar Gwen. Sua mente já ia muito adiantada a

seus pés, pensando onde poderia pôr os seus seres mais queridos para que não

sofressem nenhum dano. E começou a perguntar-se se a seus problemas não se

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acrescentariam dois meninos que pareciam acreditar que suas espadas de madeira

eram muito poderosas.

E se Gwen decidisse agarrar sua espada, os Santos nos protejam. Maldição.

Deveria ter deixado a maldita espada esquecida em Fenwyck. Deu os passos à luz

anterior à aurora, amaldiçoando entre dentes.

Ao Rollan valia mais não estar detrás dessa estupidez. Só os Santos

 poderiam salvá-lo se estivesse.

 

Capítulo 43

Rollan estava diante de sua tenda contemplando as silhuetas das muralhas

meio construídas recortadas contra o céu da alvorada. Soltou umas quantas maldições

muito sinceras. As coisas não estavam resultando como as tinha planejado. Tentou

convencer ao Patrick de atacar aproveitando a cobertura da escuridão, mas o homem

se negou. Possivelmente o velho sentia curiosidade por ver sua posteridade em carne e

osso, mesmo que Rhys não fosse seu descendente direto.

Era uma lástima que o Rei não tivesse sido candidato possível para escolher 

 por aliado. Tinha considerado seriamente essa possibilidade, quando comprovou que

Patrick do Sedgwick não era o guerreiro que assegurava ser. Atacar no meio da

amanhã; que tipo de plano era esse? Por todos os Santos, nem sequer Alain teria

tentado algo tão estúpido.

O céu começou a clarear e Rollan se entregou ao seu mau humor. Preferia

em muito a escuridão para atuar, e era evidente que teria que adiar outro dia mais a

realização de seus planos. Era melhor que Gwen não soubesse que ele estava perto.

Tinha pedido ao Patrick que guardasse silêncio a respeito de seu paradeiro, mas dada a

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incapacidade do velho de reservar um pensamento além da duração de uma comida,

não eram muitas as esperanças que tinha de conservar seu anonimato.

Endireitou os ombros. Bom, que soubessem que ele estava perto. Isso

 poderia fazer mais interessante o jogo. Sedgwick trazia para muitos homens com ele e

cabia a possibilidade de que derrotassem a Piaget e seus mercenários, embora

certamente isso não ocorresse antes que caísse a noite. Se ocorresse isso, ele

seqüestraria a Gwen antes que Patrick tivesse a oportunidade de pousar seus olhos

nela.

Isso se as coisas não ocorressem de maneira muito diferente. Ele conhecia

muito bem a destreza do Piaget, de uma distância prudente, claro. E tinha observado bem aos mercenários. Não era inconcebível que Rhys resultasse vitorioso, embora

suspeitasse que, também nesse caso, isso não ocorreria antes que caísse a noite. E

enquanto Rhys se encarregava do desagradável assunto de ver, à luz de tochas, quais

eram os mortos, ele raptaria a Gwen antes que Rhys tivesse a oportunidade de voltar a

 posar seus olhos nela.

Em qualquer dos dois casos, ele teria Gwen antes que amanhecesse o diaseguinte. Tinha perdido Ayre, certo, mas teria o verdadeiro prêmio. Poderia ganhar o

sustento bastante bem com seu engenho, senão com sua espada; ela não passaria fome,

e lhe daria outros filhos. Suspeitava, e isso o tinha preocupado ao princípio, que igual

 poderia ser muito feliz com ela ao seu lado.

Se havia um pensamento inquietante era esse, mas já quase se acostumou à

idéia.Viu o Patrick afiando sua espada e pôs os olhos em branco, de desgosto.

Imbecil! Um velho tolo levando jovens parvos a morte, sem dúvida.

Amassou mais a capa e deu meia volta, sabendo que estava condenado a

 passar outro dia esperando.

Mas quando caísse a noite...

 

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Capítulo 44 

Ele a necessitaria para lhe guardar as costas. Isso ele decidiu no mesmo

momento em que Rhys apareceu à cabeça na porta da tenda. Não lhe disse nada, só lhe

fez um gesto para que saísse; e ela compreendeu imediatamente que algo ia mal.

Tiritando a tênue luz da aurora escutou tranqüilamente quando lhe contou o

que tinha visto; homens no planalto; um navio ancorado a pouca distância de sua

costa, e muralhas não terminadas para protegê-los.

Ela não se surpreendeu.

Explicou-lhe onde queria que se refugiasse ela com os meninos enquanto ele

lutava na batalha. Recordou-lhe que os gêmeos montariam guarda. Proibiu-lhe

terminantemente que fizesse outra coisa fora esperar até que ganhasse a batalha. Mas

quando o ouviu suspirar ao partir para planejar sua estratégia, duvidou de que ele

realmente acreditasse que ela ia fazer o que lhe tinha pedido.

Apressou-se a tirar sua espada e pôs uma capa que a ocultasse. Esteve

tentado a esconder as espadas de madeira do Robin e Nicholas, não que acreditasse

que eram um bom amparo, mas pensou melhor. Os meninos tinham adagas, e se o pior 

viesse, teriam necessidade de defender-se. E as espadas os fariam sentir-se mais

seguros de si mesmos.

Com doces palavras tranqüilizou os meninos lhes explicando que deviam

vestir meias e túnica, se por acaso fosse necessário fugir. Em realidade, usou

argumentos tão largos e bem expostos que quase convenceu a si mesma de que era

mais sensato usar calças que vestido. Os Fitzgerald se limitaram a pestanejar,

avassalados ou por sua lógica ou pela quantidade de palavras que lhes soltou.

Já era meio-dia e a única novidade era a descoberta de que no navio

ancorado na costa viajavam a mãe do Rhys e uma coleção de monjas. No planalto não

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se via nenhum movimento. Mas o conselho de guerra continuava, no centro do que no

futuro seria o pátio de armas interior. Aproximou-se deles tranqüilamente; era melhor 

isso que meter-se ali às escondidas com a esperança de ouvir. Montgomery, Rhys e sir 

Jean estavam reunidos, evidentemente planejando sua estratégia.

— Ele quer o quê? — estava perguntando Rhys ao Montgomery, incrédulo.

— Quem? — perguntou ela.

— Quer parlamentar — disse Montgomery, sem fazer caso dela. Diz que tem

algo a falar contigo.

— Como, por exemplo, porque demônio acampou seus homens sob meu

castelo? — disse Rhys exasperado. O que pretende esse estúpido?— Quem? — voltou a perguntar Gwen.

— Patrick do Sedgwick, respondeu Rhys e então percebeu de quem tinha

feito a pergunta.

Gwen sentiu o intenso calor de seu olhar furioso, mas não fez conta.

Convinha-lhe saber contra quem se enfrentava, para assim decidir qual seria a melhor 

maneira de defendê-lo.Olhou a sir Jean e viu que passava o peso de seu corpo ao outro pé. Não

 parecia preocupado, nem sequer se via assustado. Simplesmente passava seu peso de

um pé ao outro, e ela nunca o tinha visto fazer isso antes. Contemplou um momento

esse balanço, perguntando-se se indicaria algo que ela devia saber.

Rhys olhou a seu avô irritado.

— E você sabe algo disto que não tenha querido me comunicar ainda?— O que poderia saber? — perguntou Montgomery.

— Sim, interveio Gwen. O que poderia saber seu avô?

Sir Jean olhou ao seu redor como em busca de algo no que fixar a vista que

não fossem seus companheiros. De repente sorriu.

— Ah, olhe, Rhys, por fim desembarcou sua mãe de seu pequeno bote. Não é

um alívio que ela seja quem vem te visitar e não João? Apontou para diante do nariz

do Rhys, não dando ao seu neto outra alternativa que olhar para onde indicava. E pelo

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visto trouxe ajuda.

Gwen olhou por cima do ombro e viu a certa distância uma mulher 

caminhando para eles; a mulher tinha todo o traço de ser uma monja de alguma classe

e a seguiam várias outras monjas de diversas figuras e volumes. Uma delas era tão

enormemente alta que Gwen quase fez um gesto de angústia; que problemas teriam

tido para provê-la de vestimentas adequadas.

— Ajuda? Exclamou Rhys, nada agradado por ver sua mãe. Se trouxe um

rebanho de mulheres indefesas e, sem dúvida, grande quantidade de meu ouro. Porque

vou considerar isso ajuda? O que preciso é ajuda de Fenwyck, que ainda não se

incomodou de mostrar sua lastimosa cara em minha casa.Sir Jean não se esmagou o mínimo ante esse estalo.

— Sua boa mãe sabe cuidar de si mesma.

— Avô, bem pode ser bastante capaz de espionar para o Felipe, mas não sabe

dirigir uma espada, e o que eu necessito nestes momentos são espadachins, não

monjas.

— Sua mãe é espiã? — perguntou Gwen, surprendidíssima.— Como meu avô — disse Rhys secamente, e justamente por isso não

entendo o que faz ele aqui, em lugar de baixar a ver esses moços e averiguar quais são

suas intenções.

— Seu avô é espião?

Gwen olhou a sir Jean, que se limitou a lhe sorrir, preocupado encolhendo os

ombros. Depois olhou ao Montgomery, que parecia tão surpreso como ela. Por últimofixou os olhos em seu marido e franziu o cenho.

— E a ti não te ocorreu que era conveniente me dizer isto?

— Bom... — começou Rhys.

— Para quem trabalha? — interrompeu Gwen.

— Ah, bom, querida — disse sir Jean lentamente, isso necessitaria de

muitíssimas explicações...

— Para o Felipe — interrompeu Rhys, Felipe da França, para quem eu sou

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uma grande desilusão, porque não tenho nenhum desejo de me dedicar ao engano. Só

o que desejo acrescentou, passeando seu olhar furioso por todos os pressentes, é saber 

que demônios quer de mim Patrick do Sedgwick com tanto entusiasmo que foi capaz

de percorrer toda a Inglaterra com seus homens para o ter.

Gwen sentiu falta algo de onde sentar-se. Ou seja, Jean era espião do Rei

francês? E a mãe de Rhys também era espiã? Comparado a isso, o fato de que a seu

 pai o tivessem queimado por herege parecia uma insignificância. Não sabia bem se se

horrorizava pela família em que tinha entrado por matrimônio ou se enfurecia porque

Rhys não lhe tinha contado a verdade. Decidiu-se pelo último, já que o primeiro era

algo que não se podia trocar.— Poderia ter me dito, disse ao seu marido com a esperança de que seus

olhos expressassem toda a frieza que tentou pôr nela.

— O que queria era esquecê-lo, respondeu Rhys suspirando. Olhou-a

tratando de sorrir. Não importa tanto, de verdade.

— Como não importa? Sentiu um intenso desejo de estrangulá-lo. Não

importa? Sua família está cheia de espiões.— E bons, intercalou Jean, se isso importar.

— E não me podia dizer isso? Gritou ela ao Rhys. Sentiu a tentação de

desembainhar sua espada e usá-la, não contra os homens de abaixo e sim contra o que

tinha na sua frente: por que não me disse isso?

— Acreditei que não...

— Isso está claro.— Gwen...

Ela cruzou de braços e o olhou jogando faíscas pelos olhos.

— O que outra coisa não me disse?

— Nada mais, respondeu ele. Sabe tudo.

— Seriamente?

— Sim.

— Não, disse sir Jean.

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Gwen olhou ao sir Jean. Rhys também o olhou. Gwen viu a cara de seu

marido e comprovou que seu olhar era muito mais terrível que o dela. Teria que

trabalhar em melhorar sua expressão, porque certamente a necessitaria se os

acontecimentos do dia eram um indicador do que viria. Seria-lhe muito útil ter a

habilidade de causar o mesmo tipo de estremecimentos que causava Rhys nos outros.

Sentiu-se um forte golpe à direita de Gwen. Essa monja tão enorme acabava

de deixar um arca no chão. Então a mãe de Rhys, porque só podia ser ela, deu a volta à

arca e deu um beijo ao Rhys.

— Lamento que nos tenhamos atrasado um pouco querido, disse a monja

sorrindo-. Talvez pudesse ter usado seu ouro para financiar esta pequena guerra.— Mãe, disse Rhys em tom seco, não recordo te haver pedido que viesse.

Ela ficou nas pontas dos pés e lhe deu um tapinha na bochecha.

— Quando soube que tinha começado a construir seu castelo, compreendi

que necessitaria do resto de seus recursos. Vim com a maior pressa possível.

— Muito obrigado, grunhiu Rhys.

— Vamos querido, riu sua mãe, não tem por que se irritar tanto. Deu-lheoutro tapinha na bochecha e logo se voltou para sir Jean e se inclinou a lhe beijar a

enrugada bochecha. Pai.

 — Filha, disse sir Jean lhe dando um forte abraço. Pelo que vejo sobreviveu

 bastante bem à travessia.

— A curiosidade por ver minha nova filha, disse ela. Rhys me apresente a

sua esposa.— Mãe, Gwen. Gwen, minha mãe, Mary — disse Rhys, olhando-a

carrancudo. E agora não poderiam ir a um lugar mais seguro para que eu possa voltar 

 para assunto de planejar minha guerra?

Gwen se encontrou com suas mãos nas de Mary de Piaget.

— Que as bênçãos de Deus se derramem sobre ti filha, lhe disse Mary

aproximando-se de lhe roçar a bochecha com a sua. Oxalá tivesse chegado em um

momento mais auspicioso. Pelo visto, primeiro terá que arrumar algum mal-entendido,

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 para que possamos nos relaxar e conversar em paz.

Gwen não pôde evitar sorrir. Rhys se parecia muito pouco a sua mãe, mas o

sorriso era igual.

— Com sorte, isso não levará muito tempo, lhe disse. E temo que tenha

 pouco para te oferecer. Estamos um pouco escassos no que se refere à despensa...

— Oh, por todos os Santos, rugiu Rhys. Estamos em guerra!

— Sentarei-me na arca, disse Mary e se apressou a fazê-lo, e esperarei até

que tenha acabado com seus assuntos. Adiante, Rhys, querido. Esperarei.

Gwen viu que Rhys tentava armar-se de paciência, como se de uma capa se

tratasse; depois se voltou tranqüilamente para seu avô e esboçou algo um pouco parecido a um sorriso. Em realidade, mais parecia estar lhe mostrando os dentes, mas

sir Jean não dava sinais de intimidar-se.

— Avô, disse Rhys, pareceu-me que você tinha certa idéia sobre o que

 pretende Sedgwick.

Mary se esticou; Rhys percebeu imediatamente e se voltou para ela.

— O quê há? — perguntou-lhe.A monja grande ficou atrás de Mary e lhe apoiou uma mão no ombro. Mary

olhou ao sir Jean.

— Não me disse que Sedgwick estaria aqui.

— Não sabia, respondeu ele encolhendo os ombros.

— O que...? — fez uma inspiração profunda e fez a pergunta com voz mais

calma: O que desejam?— Isso é o que quero averiguar, resmungou Rhys entre dentes, e por isso

estive tratando que alguém baixe a falar com eles.

Fez-se um silêncio profundo. Gwen olhou a todos os reunidos no círculo e

estranhou que ninguém parecesse inclinado a oferecer-se para ir. Montgomery

continuava ocupadíssimo olhando a sir Jean com a boca aberta, como analisando-o

 para ver se tinha aspecto de espião. Sir Jean novamente estava balançando-se em um e

outro pé, desta vez mais inquieto e olhando a qualquer parte, menos ao Rhys. Mary

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seguia sentada na arca com a cabeça curvada. E a monja muito alta de pés enormes

seguia com a mão colocada no ombro da Mary.

Curiosamente, era uma mão muito peluda.

Gwen levantou a cara e olhou aos olhos à monja.

E ficou atônita ao ver um par de olhos cinza olhando-a de dentro de um

capuz, um par de olhos cinza que certamente tinha visto antes em alguma parte.

Ou mas bem, um par parecido.

— Olhou ao Rhys. Não, não podia ser.

Olhou à monja de cima abaixo e viu o que poderia confundir-se com o vulto

do punho de uma espada sob o hábito da mulher.Mulher? Gwen moveu a cabeça. Essa não era uma mulher. Estranhou que

fosse ela a única que tinha notado.

Olhou ao seu marido. Nesse momento ele estava olhando para o planalto,

com a cara contraída de preocupação. Depois olhou ao sir Jean e descobriu que ele a

estava olhando e voltava a trocar de pé.

— Não tenho homens suficientes, disse Rhys soltando outra maldição. Ecertamente não tenho ninguém que esteja disposto a baixar a averiguar que demônios

quer Sedgwick.

Gwen lhe deu voltas ao enigma na cabeça. Mary parecia um pouco aflita por 

saber quem se dispunha a atacá-los; tinha sobre seu ombro a mão tranqüilizadora de

um homem que só podia ser o pai de Rhys, a quem inclusive Rhys supunha morto.

Mas o que tinha que ver isso com o que ocorria abaixo no planalto? Os que estavamabaixo não podiam saber que iam chegar Mary e seu marido.

Ou sim?

Não, nem sequer Rollan podia ser tão preparado, caso fosse Rollan quem

estava atrás da confusão.

Voltou a observar ao sir Jean. O mais provável era que, de todos os

 presentes, fosse ele quem soubesse o que havia detrás dos acontecimentos do dia.

Estava muito claro que Rhys não ia obter nenhuma resposta dele. Suspeitou que talvez

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ela fosse a mais indicada para lhe surrupiar a verdade, posto que já o tivesse

intimidado um pouco no campo de batalha.

— Sir Jean, disse com voz clara.

Ele a olhou, e parecer ver refletida sua intenção em seus olhos e tragou saliva

com dificuldade.

— Sim? — perguntou ele olhando ao seu redor como em busca de uma via

de escape.

Gwen pôs a mão no punho de sua espada e dirigiu a sir Jean um olhar 

carregado de promessas.

— Onde está enterrado seu filho? — perguntou sem preâmbulos.— Eeh...

— O lugar, bom senhor. Em que lugar exatamente está sua tumba?

— Eeh...

— E está ele dentro?

Ao ouvir isso Rhys se voltou para eles. Olhou primeiro ao Gwen e logo ao

seu avô. Sir Jean dava a impressão de sentir-se tremendamente incômodo. Gwendesejou de coração que fizesse melhor seu papel de espião quando se encontrasse

diante de pessoas que não fossem seus familiares.

Inclusive a monja alta de mão peluda trocou o peso de seu corpo ao outro pé.

Gwen decidiu que antes de continuar planejando sua guerra era necessário saber pelo

menos quais eram os atores que se encontravam no topo da colina. Ficou nas pontas

dos pés e jogou para trás o capuz da irmã alta, deixando a descoberto a cabeça morenade o que não foi nenhuma surpresa para ela, Etienne de Piaget.

Teve que reconhecer que era um homem ainda muito belo. Não era de

estranhar que Rhys fosse tão agradável à vista. Olhou ao seu marido e viu que lhe

tinham desencaixado as mandíbulas.

— Pai? — sussurrou Rhys.

Gwen afastou Montgomery de um empurrão e foi rodear com seus braços a

cintura do Rhys, que parecia que ia desmaiar.

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Etienne parecia estar tão afetado como seu filho, de modo que Gwen voltou

sua atenção a outro assunto. Porque Mary estava tão aflita pela idéia de que Sedgwick 

estava abaixo no planalto? Nunca tinha tido simpatia a ninguém do Sedgwick, e uma

ou duas vezes tinha tido que suportar ao Henry do Sedgwick na mesa de seu pai. Não

era um homem agradável. O único digno de nota nele era o rumor de que sua filha

tinha desaparecido uma noite e ninguém voltou a vê-la nunca mais.

Sua filha Mary.

E Henry morreu antes que transcorresse um ano disso. Havia quem dizia que

morreu de pena. Outros diziam que morreu das feridas causadas pela adaga de seu

irmão, que a enterrou nas costelas. Fosse qual fosse à causa de sua morte, tinhadeixado a uma filha cujo paradeiro era um mistério.

Gwen olhou a Mary e franziu o cenho. Não podia ser. Passou o olhar a Jean e

viu que, surpreendentemente, estava passando a língua pelos lábios, como se estivesse

nervoso. Olhou-o com a maior severidade que conseguiu reunir.

— Você sabe por que Sedgwick veio, não é? — disse-lhe.

— Eeh...— Bom, disse ela impaciente, acomodando o peso de seu marido, diga ao

Rhys. Diga-lhe por que Patrick do Sedgwick veio golpear sua porta.

— Não temos portas sussurrou Rhys, sem deixar de olhar boquiaberto ao seu

 pai.

— Bom... — disse Jean, voltando a trocar de pé.

Gwen emitiu um suspiro de exasperação. Abriu a boca para falar e voltou afechá-la, ao comprovar que a mãe de Rhys já tinha aberto a sua.

— Henry do Sedgwick foi meu pai, disse Mary olhando cansativamente ao

Rhys e isso faria a ti, querido, herdeiro de Sedgwick e de tudo o que contém. E

suponho que Patrick do Sedgwick veio golpear suas portas ainda por construir para

que não você vá a golpear as dele.

Gwen notou que Rhys se esticava e começava a cair. Então decidiu que

talvez ele pesasse mais que o que podia agüentar sozinha, de modo que não protestou

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quando sir Jean lhe ofereceu sua ajuda. Era o mínimo que podia fazer; teve a

impressão de que esse era o primeiro dos favores que faria ao seu neto para lhe

compensar as surpreendentes revelações desse dia.

 

Capítulo 45

Rhys descobriu que estava sentado sobre uma parte da muralha de sua sala

grande, com a cabeça entre os joelhos, segura ali por seu avô.

— Respira cachorrinho, disse Jean em tom áspero. E não levante a cabeça.

 Não tem nenhuma necessidade de desmaiar diante de sua mulher.

Rhys não precisava desmaiar, precisava vomitar. Pela primeira vez lhe

ocorreu que seria capaz de se compadecer dos Fitzgerald e compreender o que sofriam

montados a cavalo.

— Pai?

— Sim, filho.

Rhys conseguiu levantar a cabeça o suficiente para olhar à monja que sempre

tinha visto guardando a porta do quarto de sua mãe.

— É uma monja, resfolegou.

— Quando me convém respondeu Etienne, tentando sorrir.

— Poderia te matar por isso, conseguiu dizer Rhys, se pudesse me pôr em pé

sem vomitar.

— Como lhe ia dizer isso? Não, Rhys, tenho muitos inimigos. Era melhor 

que acreditassem que estava morto e que você não soubesse nada de minhas

atividades. Senão, lhe teriam matado.

Rhys não queria chorar, mas estava condenadamente perto de fazê-lo. Seu

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 pai estava vivo; sua mãe sabia; seu avô sabia. E tinham deixado que sofresse.

— Era melhor assim, disse Etienne com firmeza. Você estava a salvo, e isso

valia qualquer preço. Além disso, sorriu, durante todos estes anos te observei, sempre

que me era possível.

— Isso me consola muitíssimo, ladrou Rhys. Poderia ter tido o consolo de

observar a ti.

— E o fazia, com bastante freqüência.

— Com saias!

— A gente faz o que deve, respondeu Etienne com um encolhimento de

ombros.Rhys conseguiu sentar-se direito. Viu que Gwen estava perto, atraiu-a de um

 puxão, sentou-a em seus joelhos e a rodeou com seus braços.

— Perdoe-me meu amor, lhe disse que não te haja dito com que tipo de

família te se aliou. Permita-me que te faça as devidas apresentações. Esse é meu avô, o

espião; essa é minha mãe, a abadessa e espiã esporádica e este é meu pai, a monja.

Etienne agarrou a mão de Gwen, fez uma profunda inclinação sobre ela e a beijou muito cortesmente.

— Que afortunado é meu filho ao ter-se casado com uma mulher formosa e

ao mesmo tempo letal. Tenho entendido que é muito perigosa com a espada.

Rhys não tinha idéia de onde tinha tirado essa tolice seu pai, mas certamente

foi muito útil, porque Gwen pareceu abrandar-se com ele imediatamente.

E ele descobriu que desejava fazer o mesmo; mas, por todos os Santos, se sóera um menino de sete anos a última vez que viu seu pai. Como podia sentir-se feliz

quando estava tão furioso?

Etienne levantou a mão e lhe revolveu o cabelo como se fosse esse menino

de tão tenra idade.

— Já falaremos meu filho. Vou fazer tudo o que esteja em minha mão para

compensar os anos que perdemos. Mas agora temos que decidir o que vais fazer a

respeito de seu tio.

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— Hoje adquiri toda uma família nova, disse Rhys, vexado e ainda tenho que

decidir se isso me agrada ou não. Tinha que ter ficado na cama esta manhã.

— Pelo menos, Patrick deseja conversar — disse Jean, em tom tranqüilo.

Poderia ter desejado simplesmente te matar.

— E você crê que não é isso o que quer? — riu Etienne. Pai, eu vejo que

levou uma vida muito cômoda este mês e isso te abrandou os miolos. Claro que deseja

matar ao Rhys. Patrick não tem nenhum desejo de perder seu castelo.

— E para que o menino o vai querer? — replicou Jean. É um lugar 

lastimoso.

— Queira Rhys ou não, importa muito pouco — disse Etienne firmemente.— Já sei que Rhys poderia decidir tira-lo, grunhiu Jean. Não sou tão velho

 para não adivinhar isso, acrescentou dirigindo um olhar furioso ao seu filho.

Rhys olhou a Gwen. Pelo menos, ela já não estava zangada com ele nem

 preocupada com ele. Em realidade, acreditou detectar um pouquinho de suavidade em

sua expressão.

— Que formosa está hoje meu amor, lhe disse colocando o cabelo detrás dasorelhas. Tinha as orelhas feitas para isso, mas preferiu não dizer. Vamos dar um

 passeio à praia mais tarde?

Ela sorriu e lhe rodeou o pescoço com os braços.

— Te amo.

— E eu a ti, respondeu ele. Beijou-a e logo a pôs brandamente de pé. Bom,

agora nos ponhamos a trabalhar em nosso assunto para acabar com ele de uma vez.Depois talvez possamos devolver um pouco de normalidade a nossas vidas.

Então olhou ao seu redor e soltou um suspiro.

Sua esposa estava vestida de mercenária, seu pai usava saias e sua mãe

estava sentada sobre a enorme arca de ouro como se fosse uma galinha resolvida a

defender seus ovos até a morte.

Voltou a suspirar e rodeou com o braço a Gwen.

— Você fica aqui.

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Ela aceitou com muita facilidade, mas não havia nada que ele pudesse fazer a

respeito. Olhou ao seu avô.

— Você vem comigo.

— É obvio.

Olhou ao seu pai, abriu a boca para falar, voltou a fechá-la e moveu a cabeça.

— Você faz o que te dê a vontade.

— Isso eu faço sempre.

— Isso me dói. Bom — acrescentou, posto que não vejo ninguém disposto a

ir ver o que é o que quer Sedgwick, suponho que terei que ir eu.

Por todos os Santos, as coisas não podiam piorar mais. Estava seguro.

***

Gwen cobriu tanto como pôde a cara com o capuz de sua capa e agradeceu a

escuridão do céu e a chegada de um tempo mais inclemente. Também agradeciamuitíssimo o capuz, porque assim evitava por fuligem na cara para completar seu

disfarce. Assim teria menos explicações a dar se Rhys a surpreendesse. Ele a

acreditava muito segura no topo, protegida junto com seus filhos, sua mãe e a arca de

ouro.

Quando já tinham descido as sombras da noite, chegou o convite para um

encontro cara a cara com o Patrick do Sedgwick. Ela não o considerou prudente, masRhys aceitou. Fez-se acompanhar por seu pai, seu avô, Montgomery e os irmãos

Fitzgerald. Estava claro que ele os considerava amparo suficiente.

Pois ela não.

Daí sua intenção, nesses momentos, de tomar posição fora da tenda em que

se encontrava seu marido com seu tio.

Com a mão no punho de sua espada e com um andar jactancioso, dirigiu-se

 para a tenda. Sem dúvida tinha melhorado seu aspecto de mercenário, porque ninguém

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a deteve para lhe perguntar que assunto tinha nesse lugar. Deteve-se junto à tenda e se

sentou no chão com ar despreocupado, como se esse tivesse sido seu objetivo todo o

tempo. Depois de um último olhar ao seu redor para certificar-se de que não a

observavam muito, colou a orelha no tecido e se esforçou para escutar a conversa que

se desenvolvia dentro.

Não ouviu nada; isso não lhe ia servir em muito em sua causa. Soltando uma

maldição, levantou-se e olhou todos os lados em busca de uma solução mais efetiva.

Deu a volta à tenda e descobriu que a porta estava fortemente vigiada. Os irmãos

Fitzgerald estavam a um lado, Montgomery se passeava frente a eles, e no outro lado

havia homens que não reconheceu. Retrocedeu, mas não antes que Montgomery avisse.

Sim, seu disfarce necessitava de aperfeiçoamento.

— E bem, moço? — disse-lhe ele aproximando-se e olhando-a fixamente.

 Não tem deveres que lhe fazem necessário permanecer no topo da colina?

Ela o olhou zangada e guardou silêncio.

— Eu, se estivesse em seu lugar estaria fazendo-os, advertiu ele.Fez-lhe um gesto para que partisse, mas ele cruzou os braços e a olhou

carrancudo. Com um suspiro, ela deu meia volta e caminhou para a parte de atrás da

tenda, com a esperança de que ele acreditasse que ela tinha cedido e voltava para

castelo. Teria que conformar-se com essa posição ali; estendeu-se no chão e levantou

um pouquinho a borda do tecido. Com sorte, qualquer um que passasse pensaria que

tinha bebido muito e a deixaria em paz.— Para ver se entendi, disse uma voz profunda. Minha sobrinha é abadessa?

— Sim, respondeu Rhys e está muito feliz com sua vocação.

«Com seu marido montando guarda em sua porta», pensou Gwen. Em um

canto de sua mente apareceu à pergunta sobre se Mary e Etienne continuariam vivendo

como marido e mulher.

Patrick emitiu um grunhido.

— Não tem intenção de voltar para a Inglaterra? — perguntou.

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— Nenhuma, lhe assegurou Rhys, e em particular, nenhuma intenção de

voltar para Sedgwick.

— E você? — perguntou Patrick.

— Bom, disse Rhys com voz arrastada, suponho que isso depende.

— Do quê?

— De retirar ou não os seus homens de minha terra antes da próxima saída

do sol.

— E se os retirar?

— Então pode continuar em minha propriedade, respondeu Rhys

amavelmente.— O que é isso! — exclamou Patrick ofendido, sujeito insolente...!

— Insolente e muito capaz de te cortar a cabeça aí onde está sentado, lhe

assegurou Rhys. E se pensar que não sou capaz, volte a pensar.

— E vou continuar ali graças a sua boa vontade?

A julgar pelo tom, Patrick não estava nada feliz com a idéia.

— Deveria agradecer que lhe permita isso, posto que não é minha obrigaçãofazê-lo, replicou Rhys. Você e seus herdeiros podem ter a custódia de Sedgwick, mas

a terão como meus vassalos. Se isto não for aceitável para ti, é livre para procurar 

outro castelo onde viver.

Gwen teria dado tudo para ver a cara de Patrick. Ouviu muitos resmungos,

 bramidos, imprecações e juramentos, como se Patrick estivesse se esforçando para

reconciliar-se com seu destino. Ao final se ouviu uma sincera maldição.— Maldito seja. Eu não gosto de fazer isto...

— Mas tampouco deseja mudar sua cama, terminou Rhys com sarcasmo.

Aceitou sua vassalagem.

Ouviram-se outras maldições por parte do Patrick, mas não mais ameaças.

Gwen teria jurado que o ouviu dizer algo sobre Rollan e suas estúpidas idéias, mas

igualmente podia ter imaginado. Soltou o tecido da tenda e se levantou com certa

sensação de alívio.

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Pôs-se a caminhar para o atalho que subia ao castelo, mas de repente se

deteve. Não se tinha dissipado a sensação de que tinha que proteger ao seu marido.

Patrick poderia ter sido sincero em suas palavras, mas isso não garantia que seus

homens pensassem o mesmo. E quem podia saber quantos homens teria desviado

Rollan para sua retorcida maneira de pensar.

Tinha sua espada. Não havia nenhum motivo para não fazer de sombra ao

seu marido e estar preparada para usá-la.

 

Capítulo 46 

  Rollan estava a uma prudente distancia da tenda do Patrick, esperando o

resultado da reunião. As negociações tinham ocupado todas as horas diurnas, até

chegar a um ponto em que se fez necessária uma reunião cara a cara. Bom, pelo menos

 já tinha a cobertura da escuridão para seu trabalho.

Que tivesse havido uma reunião entre Rhys e Patrick era realmente um

desastroso giro dos acontecimentos. Patrick deveria ter estado planejando o assalto ao

topo, e não conversando com o filho de sua sobrinha. Isso indicava uma grave falta de

seriedade por parte do Patrick, e certamente ele teria que compensá-la.

Acariciou o arco e as flechas de que se havia provido para o caso de que se

apresentasse esse tipo de emergência. Se Patrick não tinha os meios para matar ao

Rhys, mataria-o ele.

Talvez pudesse matar ao Patrick também. Ayre estava fora de seu alcance,

mas Sedgwick poderia ser sua recompensa por expor ao Rei as atividades clandestinas

dos Piaget.

Esticou-se esperando quando Rhys e Patrick saíssem da tenda. Esquadrinhou

suas caras, para ver se à luz das tochas conseguia ver se nelas havia raiva ou amizade.

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Não estavam rindo; mas tampouco estavam ladrando. Então viu que Rhys

estendia a mão, não em gesto amistoso, simplesmente em atitude de selar um pacto e

Patrick a estreitou.

Então ele soube o que tinha que fazer.

Pôs a flecha no arco e a levantou. Olhou ao longo da flecha, dando-se tempo

 para desfrutar da idéia de acabar com a vida do homem que tinha odiado do momento

em que pousou seus olhos nele e compreendeu que Rhys de Piaget era tudo o que não

ele não seria jamais.

Rhys e Patrick se afastaram da tenda. Rollan o permitiu, porque seria era

muito mais interessante o desafio de atravessar o coração do Rhys sem a vantagem daluz das tochas.

Nesse momento, Montgomery de Wyeth e os irmãos Fitzgerald se colocaram

atrás para segui-los. Depois avançou o avô do Rhys e se colocou a um lado deste, e

logo apareceu uma monja e se colocou do outro lado.

Uma monja?

Esse mistério quase bastou para detê-lo, porque pensou se essa poderia ser amãe de Rhys. Mas tão alta? Impossível.

O mistério teria que ficar sem resolver. Então viu aparecer outro seguidor,

que se colocou justamente atrás de Rhys. Rollan soltou uma maldição para seus

 botões. Como ele tinha obtido tantos seguidores? É que não se davam conta de que

Rhys provinha de uma comprida linhagem de espiões? É que não se davam conta de

que Rhys não tinha tido a coragem para seguir os passos de seu pai na espionagem?Porque tinha que ter sido por falta de coragem; isso e esse fastidioso desejo de

cavalheirismo.

Era melhor liberar o mundo desse estúpido. O Rei João lhe agradeceria o

serviço. Rollan sorriu; agarraria a Gwen e a levaria a Londres. Ao Rei agradaria vê-la

livre das lascivas mãos do Piaget; era possível que ele se visse amo e senhor de todas

suas terras. Isso seria uma justa recompensa pela perda do Ayre.

E depois se veria amo e senhor de Gwen também.

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O pensamento lhe fez tremer a mão que tinha apoiada no arco.

Reprimiu decididamente suas paixões e voltou a apontar. O pequeno

mercenário se pôs a um lado, lhe deixando uma clara visão das costas de Piaget.

Exaltou, inspirou e reteve o fôlego no momento de soltar a flecha.

— Maldição, exclamou com rancor.

O maldito mercenário havia tornado a ficar atrás do Rhys e recebeu a flecha.

Rapidamente girou o arco e pôs outra flecha na posição. Nesse momento Rhys se

voltou e se inclinou.

— Gwen! — ouviu-o gritar.

Rollan moveu a cabeça. Não podia ser; estava ouvindo coisas.— Por todos os Santos misericordiosos! — gritou Rhys. É Gwen!

Quase sem dar-se conta, Rollan avançou para o mercenário caído. Não podia

ser Gwen, era só um estúpido que tinha decidido seguir ao Rhys. Era um simples

menino, uma alma desnecessária que talvez morresse na batalha.

Alguém aproximou uma tocha e o círculo se abriu o suficiente para que

Rollan pudesse olhar.Viu uma flecha que se sobressaía da capa escura.

E depois viu a cara do mercenário quando Rhys apoiou seu corpo sobre seu

 joelho.

Era Gwen.

Rollan cambaleou para trás. As flechas que levava na mão caíram ao chão. O

ruído semelhou uma explosão no silêncio da noite.Levantou a cabeça e se encontrou olhando a cara atormentada do Rhys.

Olhou nos olhos de seu inimigo e viu lágrimas acumuladas ali. E, com enorme

surpresa, descobriu que seus olhos também estavam cheios de lágrimas.

— Não foi minha intenção... — começou, mas não pôde terminar.

Nunca tinha tido a intenção de fazer mal ao Gwen. A teria cuidado. Estava

seguro de que ele era o único que a amava como ela merecia.

E acabava de destruir a única que tinha amado em sua vida.

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Rhys não se moveu, mas seus homens se levantaram e começaram a

caminhar para ele. Talvez viessem correndo com suas caras cheias de raiva e ódio.

Rollan não podia fazer outra coisa senão compreender.

Mas avançavam lentamente.

E ele foi mais rápido.

Voltou o arco para ele... E dirigindo um último olhar de agonia a Rhys,

soltou a flecha.

 

Capítulo 47 

  A menina estava em um lado aonde com o tempo seria a sala grande de

Artane, contemplando a tragédia.

A senhora tinha sido depositada com supremo cuidado sobre uma cama

improvisada com capas. As pessoas que a amavam estavam reunidas ao seu redor,

algumas com as bochechas molhadas de lágrimas e outras com as cabeças inclinadas,

orando.

— Terá que lhe tirar a flecha, Rhys.

A menina elevou a vista e viu que a mãe de Lorde Rhys estava junto a ele

com a mão sobre seu braço.

— Quer que a eu tire? — perguntou-lhe em voz baixa.

— Não, disse ele com voz rouca. Eu o farei.

— Rhys, esta ferida é menos grave do que teme.

Isso disse uma monja que estava ajoelhada ao lado de lady Gwennelyn,

embora, pelo tamanho dos pés e as fortes mãos, a menina adivinhou que não era uma

monja. Não fazia falta o dom da clarividência para dar-se conta de que esse homem

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era o pai de Lorde Rhys. A semelhança era incrível.

— Vais necessitar de um emplastro, continuou o pai de Lorde Rhys.

A forma como examinou brandamente a ferida convenceu à menina que esse

homem tinha muita experiência nas artes curativas.

— Milenrama — disse Lorde Rhys, com expressão ausente, a cara aflita e

incrédula. Vai bem para estancar as feridas.

— Sim filho, lhe disse seu pai, ela é boa para isso.

— Acrescentem lenha ao fogo, ordenou a mãe. Necessita de calor.

— Que alguém vá ver os meninos, acrescentou o avô. Terá que lhes dizer 

que é uma ferida leve e que vai sarar muito rápido.A menina escutava todas as vozes, cativada pela aflição e a ira que os

dominava a todos, e desejando ter previsto o que ia acontecer a sua senhora. Seu dom

era caprichoso ainda e novamente o futuro era indecifrável para ela.

Sentiu o peso de um olhar sobre ela e levantou a vista. Lorde Rhys a estava

olhando fixamente; fez-lhe um gesto para que se aproximasse e ela entrou

cautelosamente no círculo. Ficou nas sombras para não incomodar, mas ele a tinhavisto de todas as maneiras.

— Tem...? — Rhys limpou a garganta e tragou saliva com dificuldade. Tem

um pouco de milenrama?

Ela assentiu. Havia trazido todo o necessário de sua tenda, essa luxuosa

morada onde vivia feliz entre as coisas de seu avô.

— E poderia... Poderia...? — não pôde terminar.Mas não era necessário. Ela sabia o que lhe pedia; queria aliviar a dor de sua

dama. Ajoelhou-se junto à senhora e se aproximou o mais possível a ele para que só

ele pudesse ouvi-la. Fez uma profunda inspiração, rogando que o dom de sua mãe não

lhe falhasse.

— Posso aliviar sua dor lhe sussurrou, mas sua vida está em suas mãos.

E assim era. Havia muitas coisas que superavam o alcance de sua modesta

arte. Mas faria o que sabia que era capaz de fazer.

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O cavalheiro, que já era um Lorde, assentiu com um movimento brusco e se

 preparou para fazer o que devia. Só lhe causava pena o que estava sofrendo, porque já

tinha visto o final da noite e sabia o que ocorreria antes da aurora. Mas ele a acharia

fantasiosa, de modo que guardou no coração o que tinha visto, e lhe prestou a ajuda

que tinha solicitado dela.

O senhor pôs a mão sobre a flecha e se preparou para puxar. A menina sentiu

 pousar-se sobre a senhora do Artane o peso do amor e cuidado, e aliviá-la, embora ela

não soubesse.

O senhor puxou e a flecha saiu.

A senhora emitiu o mais ligeiro dos suspiros, e todos os que a rodeavamchoraram.

Mas ela não abriu os olhos nem disse nenhuma só palavra.

Cobrindo com sua pequena mão a mão de sua senhora, a menina fez tudo o

que podia fazer com sua modesta arte. Mas, como havia dito a seu senhor, só podia

fazer um pouco.

A vida de lady Gwennelyn estava em outras mãos além das dela.Levantou-se a procurar as coisas que havia trazido para trabalhar 

imediatamente na preparação do emplastro.

***

 

Rhys estava sentado com a cabeça inclinada entre os joelhos e os braços

  pendurando aos lados. Ocorreu-lhe pensar que nessa semana se encontrou nessa

 posição mais de uma vez. A primeira foi quando se inteirou de que seu pai seguia

vivo. Teria que lhe fazer pagar essa emoção; teria que fazê-lo, talvez quando

conseguisse mover-se dessa postura. Fazia quatro dias da última vez que se moveu

 para sair da tenda, de modo que as probabilidades de mover-se no futuro eram bastante

débeis.

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— Rhys?

A voz áspera e baixa vinha da porta da tenda. Rhys conseguiu mover a

cabeça para olhar ao seu avô; inclusive esse movimento lhe custou um esforço

considerável.

— Sim?

Jean entrou na tenda que tinham montado rapidamente para proteger a Gwen

dos elementos.

— Como vai?

— Segue respirando, embora ainda não fale, sussurrou Rhys.

— Sua mãe está rezando por ela. Jean se ajoelhou junto a Gwen e lhecolocou a mão na bochecha. Mas, pelo menos já não tem febre.

Rhys assentiu, mas achava nisso pouco consolo.

— A habilidade de seu pai continua em você, disse Jean sorrindo

gravemente.

— Para o bem que lhe tem feito a minha senhora.

— As poções da mocinha não a aliviaram?— A neta de Sócrates é uma excelente curadora, disse Rhys suspirando, e

estou seguro de que aliviou a dor de Gwen. Mas não pode fazer milagres. Ninguém

 pode.

Seu avô tirou brandamente o cabelo da cara de Gwen com sua mão

manchada pela idade. Rhys o observou fazer isso um bom momento e compreendeu

que seu avô não tinha nenhuma resposta para ele. O que podia lhe dizer Jean que ele jánão soubesse?

A flecha tinha dado em um osso e ficou enterrada ali até que ele a extraiu. A

única sorte tinha sido que não lhe perfurou nem o coração nem o pulmão. Ou Rollan

não tinha tão boa pontaria como acreditava, ou não tinha mirado a ela, e sim a ele e o

ombro de Gwen se interpôs no caminho da flecha bem dirigida. Ele acreditava nisto e

o aliviava pensar assim. Pelo menos Rollan não tinha estado exercitando sua vista nas

costas de Gwen. Como ele ia saber? Ele recordava claramente o horror que viu nos

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olhos do Rollan, horror que só podia supor que foi causado ao ver quem tinha ferido.

Rhys pôs de lado as lembranças daquela noite. O único bem que tinha

resultado de todo o encontro era que Rollan só feriu a Gwen, não a matou. Mas nem

sequer esse pouco de boa sorte tinha feito abrir os olhos de Gwen. E ele só podia rogar 

que os abrisse em algum momento.

Jean limpou a garganta.

— Se por acaso tem curiosidade, a família está instalada.

Rhys assentiu sem dizer uma palavra.

— Provisionamo-nos com umas quantas tendas de Sedgwick, continuou

Jean, como se isso o tivesse divertido muitíssimo em outra ocasião. Sua mãe e seu paiestão a salvo com seu ouro e os meninos. Os homens patrulham as muralhas.

Montgomery e seus guardas passeiam por toda parte com expressões de profunda

 preocupação em suas caras.

— Os meninos? Como estão?

— Havemo-lhes dito que Gwen está simplesmente descansando. Vê-la

adormecida os tranqüilizou o bastante, embora suspeite que Robin e Nicholas temam o pior. Amanda só sabe que não pode ter a sua mãe junto a ela e me parece que não acha

em Mary uma boa substituta.

— É uma lástima que não tenhamos a Joanna conosco, disse Rhys distraído.

Amanda a quer muito. Olhou ao seu avô-. Poderíamos lhe enviar uma mensagem,

suponho.

— Que mensagem? — sussurrou Jean em tom seco. Que sua filha está serecuperando muito bem?

Rhys não pôde responder; não se atreveu. Tinha muito medo de que quando

Gwen despertasse por fim, não despertasse sendo ela mesma. Em que pese a todos os

esforços, a febre tinha sido muito elevada. E se não soubesse que não era assim,

 poderia ter suspeitado que a flecha estivesse envenenada. Conhecendo Rollan...

— Não há nenhuma necessidade de dizer isso a Joanna, e não é que eu não

gostaria de vê-la outra vez. Deixemos que venha a nos visitar dentro de umas semanas.

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Então Gwen poderá lhe mostrar a cicatriz.

Rhys assentiu, simplesmente porque não podia fazer outra coisa. «Por favor,

que desperte sã. “Passamos tão pouco tempo juntos.»

Jean se levantou.

— Necessita algo?

Rhys negou com a cabeça.

— Não.

— Eu poderia ficar...

— Não, interrompeu Rhys. Ficarei eu.

— Pouco é o bem que lhe faz nesse estado...— Ficarei, repetiu Rhys. Olhou ao seu avô e tentou sorrir; tinha a cara muito

rígida de preocupação para ter êxito. Obrigado de todas as maneiras.

Jean assentiu, acariciou-lhe brevemente a cabeça e saiu da tenda.

Rhys voltou a ficar só com sua amada, sem outra coisa que seu amor e suas

orações para curá-la. Só podia esperar que isso fosse suficiente.

Sem dar-se conta do que fazia, começou a lhe falar. Recordou-lhe todos osmotivos que tinha para continuar ao seu lado. Falou-lhe de suas visões de um

magnífico castelo para protegê-los, a ela e aos seus filhos, dos elementos e dos

inimigos por igual. Recordou-lhe os sons do mar e das aves marinhas, o aroma do ar e

o frio do vento. Falou-lhe de seus pais e de como estavam orando por sua recuperação.

Falou e falou sem parar, sem poder fazer outra coisa que continuar lhe recordando

cada arranhão e cada ferida sofrida pelo Nicholas quando se encontrava apanhado nastravessuras do Robin; cada lágrima e cada chilique da Amanda por causa dos vermes e

cobras que se encontrava em seus vestidos.

E quando esgotou essa lista, que era longuíssima, falou-lhe de seu amor por 

ela, de todas as horas que tinha passado ao longo de sua vida sonhando com ela,

desejando-a, esperando que chegasse o dia em que fosse dele. Quando isso não

 provocou nenhuma reação, recordou-lhe que em mais de uma ocasião lhe havia dito

que teriam uma vida longa e feliz juntos.

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Mas ela continuou sem dizer uma palavra, sem dar nenhum sinal de que

tinha ouvido algo do que seu coração lhe havia dito com tanto amor.

Voltou a inclinar a cabeça sobre seus joelhos e a pendurar os braços aos

lados. Talvez tivesse confiado muito de que lhe extrair a flecha e lhe enfaixar a ferida

com um emplastro seria suficiente para curá-la.

Talvez passasse o resto de sua vida com seus filhos para recordar-lhe tudo o

que amava, essa só idéia era capaz de lhe destroçar o coração.

Tantos, tantos sonhos para converter em realidade. Rhys teria chorado se

tivesse tido a energia para fazê-lo. Esses sonhos que tinham sonhado juntos não

 podiam acabar assim. Não podiam acabar sobre uma rocha estéril da costa norte emque uivava o vento e as ondas açoitavam o litoral. Simplesmente não podia decidir-se

a acreditar que já tinha passado a oportunidade e que sua vida se estendia ante ele sem

Gwen nela.

Não, não podia permitir-se nem sequer pensá-lo. Gwen despertaria. Tinha

que despertar.

Sabia que ele não sobreviveria se ela não despertasse.Algo lhe passou roçando o pé e soltou uma maldição. O único que lhe

faltava, que viessem ratos a incomodá-lo.

O rato era ousado e tentou de novo; Rhys a agarrou pela cauda.

Mas resultou que não era uma penetra o que agarrou, era um dedo.

Levantou bruscamente a cabeça. O movimento quase o fez cair em cima de

Gwen. E poderia tê-lo jogado sobre ela, se ela não tivesse aumentado a pressão sobresua mão.

— Rhys, sussurrou ela. Tentou se estirar e teve que reter o fôlego pela dor. É

a flecha?

Ele quase se pôs a tremer de alívio. Gwen estava falando; recordava o que

lhe tinha ocorrido.

— A flecha nós tiramos, meu amor — lhe disse sentindo como lhe corriam

as lágrimas pelas bochechas.

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Ela sorriu e ver seu sorriso lhe rompeu o que ficava de coração.

— Estava... Dormindo a sesta? Bocejou como se só tivesse estado dando

uma cabeçada. Olhou-o e franziu o cenho. Te faz falta... Uma sesta.

— Um descanso? Sim querida, suponho que iria bem.

Ela trocou de posição, mas se encolheu ao mover o ombro ferido.

— Dói-me.

Rhys se estirou e com todo cuidado lhe colocou o braço em cima.

— Descansa, então, meu amor. Eu não sairei de seu lado.

— Sonhos agradáveis, sussurrou ela.

— Se você soubesse... — disse ele com sentimento.Tinham outra oportunidade para sonhar; esse não era um presente que se

tomaria à ligeira.

Esperou até que ela voltou a dormir e então se deu permissão para relaxar-se.

Ela seguia agarrada a sua mão e sua pressão era forte e segura. Sabia que logo teria

que levantar-se para ir informar aos que estavam fora que Gwen tinha despertado, e

 parecia sã de mente e corpo, mas no momento só era capaz de fazer de continuar aoseu lado e quase afogar-se na quebra de onda de gratidão que o alagava.

Gwen despertou, sussurrou seu nome e voltou a dormir.

Rhys fechou os olhos e lançou um suspiro de alívio.

 

Capítulo 48

Seis meses depois...

Gwen trabalhou sem interrupção no pergaminho, copiando com supremo

cuidado os ingredientes e as doses que tinha recebido. E quando terminou, tornou-se

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 para trás na cadeira e sorriu à menina que estava ao seu lado.

— Já está pronto, um bom uso do manuscrito de seu avô, disse satisfeita.

Sorriu à menina e acrescentou: Esta poção é teu invento, não é?

— Sim, milady.

— Tem muito bom sabor, disse Gwen com outro sorriso. E eu tenho que

sabê-lo porque tomei bastante todas estas semanas.

A menina se ruborizou. Gwen voltou a sorrir; a menina nunca alardeava sua

habilidade, mas ela sabia por própria experiência, que esta era grande. Era uma bênção

ter a uma curandeira assim com eles. E, mais importante ainda, a menina era capaz de

 preparar poções que não continham pedacinhos de substâncias asquerosas, ou pelomenos nenhum que ela pudesse ver. Isso era suficiente para convencê-la de que era

uma curadora e que tomara estivesse com eles o maior tempo possível.

— Temos que pôr seu nome filha, lhe disse.

Nesse momento percebeu, surpreendida, de que nunca lhe tinha perguntado o

nome. Sempre se referia a ela como «a neta do Sócrates», e a chamava «curadora

maravilhosa».— Como se chama?

A menina baixou a cabeça.

— Berengaria, respondeu em voz baixa.

— Berengaria, repetiu Gwen e lhe acariciou a cabeça. É um nome precioso.

Berengaria de Artane. Vai bem esse nome no momento?

— Sim, milady.Gwen suspeitava que a menina não ficasse ali para sempre, mas esse nome

iria bem para o futuro previsível. Escreveu o nome e depois ordenou as páginas que

tinha escrito esse dia e as passou a Berengaria.

— Não jantará conosco esta noite?

Berengaria negou com a cabeça.

— Quando estiver construída a sala grande, talvez, se isso agradar a milady.

— Porque então não vão se fixar muito em ti? — perguntou-lhe Gwen

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sorridente. Sim, minha filha, se isso for melhor. Encarregarei-me de que lhe levem

algo de bom à tenda.

— Sempre o faz, milady.

Dito isso, a menina beijou a mão de Gwen como se fosse à rainha e saiu

correndo da pequena construção que servia de sala grande no momento.

Gwen se levantou e pôs a capa. Embora já fosse quase primavera, ainda fazia

frio nesse lugar tão perto do mar. A dor do ombro a fez fazer uma careta; tinham

transcorrido seis meses desde que caiu derrubada pela flecha do Rollan, e ainda sentia

dor quando usava roupa. Mas estava viva; isso era algo que agradecia cada manhã ao

despertar. Conforme lhe contou Montgomery, Rollan ficou quase aniquilado ante aidéia de que podia tê-la matado, mas já ninguém saberia a verdade. Desejava acreditar 

que tinha sido um engano, mas se era assim, queria dizer que Rollan tinha tentado

matar ao Rhys.

Esse era um enigma no qual não queria pensar muito.

Saiu ao pátio e estremeceu. O inverno era muito cru, mas as obras

continuavam. O ouro de Rhys estava custeando um castelo impressionante. Nãotinham vindo nada mal às contribuições feitas pelo pai e o avô do Rhys.

Provavelmente levaria um par de anos a mais terminá-lo totalmente, mas estava segura

de que a espera e o custo valeriam a pena. Rhys estava resolvido a construir algo que

nem sequer João pudesse tomar pela força.

As mensagens tinham ido e vindo entre o Artane e Londres, e em cada uma o

Rei se mostrava menos irritado que na anterior. Finalmente João informou ao Rhys, pronta e sinceramente, que sempre tinha sido sua intenção que tomasse por esposa à

viúva do Ayre. Gwen sorriu ao recordar a reação de Rhys quando leu essa carta;

entretanto, apressou-se a responder ao Rei que graças a sua sabedoria e clarividência

superiores ele tinha agora uma excelente esposa.

Uma esposa e filhos, claro. Robin, Nicholas e Amanda tinham sido

reconhecidos oficialmente e devidamente registrados para satisfação dela. Robin

 parecia resolvido a ser digno do sobrenome e título de seu novo pai. Nicholas ainda

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  parecia pasmo pelo giro dos acontecimentos e passava a maior parte do tempo

seguindo ao Robin com uma expressão de embevecimento na cara.

Em troca Amanda parecia acreditar que seu pai nunca tinha sido outro que

não Rhys, e ela o entendia perfeitamente. A Alain tinha bastado ouvir que o bebê era

menina para esquecer-se dela. Rhys, em troca, era pródigo em suas manifestações de

carinho aos três meninos, embora fosse o primeiro em reconhecer que tinha um ponto

 particularmente fraco por sua única filha.

Gwen pensou qual seria a reação de Rhys quando o informasse que dentro de

uns meses poderia haver outro bebê competindo por seu afeto.

Guardou essa noticia para comunicá-la depois, meteu as mãos sob os braçose pôs-se a andar em busca de seu amor.

Encontrou-o, e não a surpreendeu, de pé no alto da muralha, contemplando o

mar. Subiu e quando chegou até ele pôs sua mão na sua.

— Contemplando o futuro outra vez? — brincou.

Apertou-lhe a mão.

— Por isso me conhece, poderia ser.— O mais provável é que esteja imaginando como será ter a torre terminada

com a sala grande, quando poderemos retirar ao nosso quarto junto à lareira e estar 

quentes para variar.

Ele a rodeou com um braço e a aproximou mais para ele.

— Isso também, sorriu. Depois moveu a cabeça e olhou de volta do mar.

Estava aqui me maravilhando de minha vida e dos dons que recebi e me perguntando oque fiz para merecê-los.

— Bom, para começar, salvou a vida de Lorde Bertram.

— Um feliz golpe de sorte, disse ele modesto.

— Bom e me resgatou do chiqueiro.

— Ah, assentiu ele pensativo, isso sim me serviu para ganhar tudo o que

tenho.

— Isso, diria eu. Era horrorosa a fetidez que teve que agüentar para me

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salvar.

Sua exuberante risada a envolveu por completo.

— Ai, minha doce Gwen, o prêmio bem valeu a pena. Estreitou-a mais

contra ele. Esse sim foi um muito afortunado gesto de cavalheirismo.

Gwen fechou os olhos e suspirou. Em realidade não podia fazer outra coisa

que estar de acordo com ele e maravilhar-se de que um gesto tão simples como meter-

se entre o esterco de porcos para tirar uma menina da sua prisão pudesse ter levado a

tanta felicidade. De vez em quando Rhys desfrutava da companhia de seu pai, quando

Etienne, Mary e Jean viajavam ao norte. Seus filhos gozavam da sorte de ter um pai

que os queria e cuidava deles. Sua mãe tinha todo o controle de Segrave, semnecessidade de preocupar-se de que poderia perder sua casa pelo capricho de alguém.

E ela estava ali, com as muralhas de um magnífico castelo aos seus pés, seus

filhos seguros dentro dessas muralhas e o amor de seu coração ao seu lado, rodeando-a

com seus braços. Quantas vezes havia imaginado como poderia ser, mas a realidade a

fazia compreender que pouca imaginação tinha.

— Amo-te, sussurrou levantando a cara para olhá-lo.— O que te moveu a dizer isso? — perguntou-lhe ele sorrindo.

— Simplesmente sua proximidade, respondeu ela também sorrindo. Nunca

esquecerei quão afortunada sou.

— Você? — riu ele. Vamos senhora, sou eu o afortunado. Obtive o sonho de

minha juventude.

Igual a ela, pensou, mas não o disse; dizê-lo teria sido interromper um dos beijos mais avassaladores de sua vida e se orgulhava de saber quando falar e quando

calar.

Assim, fechou os olhos, não disse nada e se entregou à magia da boca de seu

marido sobre a dela. Um beijo doce, cheio de amor, paixão e promessas.

Sua vida se converteu na matéria de que são feitos os sonhos.

Era feliz.

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FIM.