A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

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LYNN HUNT A invenção dos direitos humanos Uma história Tradução Rosaura Eichenberg COMPANHIA DAS LETRAS

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L Y N N H U N T

A invenção dos direitos humanos Uma história

Tradução

Rosaura Eichenberg

COMPANHIA DAS LETRAS

Page 2: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Copyright © 2007 by Lynn H u n t Publicado originalmente nos Estados Unidos por W. W. Nor ton & Company, Inc. Grafia a tual izada segundo o Acordo Ortográf ico da Língua Por tuguesa de 1990, que ent rou em vigor no Brasil cm 2009.

Título original

Invcnting human rights — A history

Capa

Mariana Newlands

Foto de capa © Gianni Dagli Ort i / Corbis/ LatinStock Índice remissivo Luciano Marchiori

Preparação Lucas Mur t i nho

Revisão Ana Maria Barbosa Huendel Viana

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Hunt , Lynn A invenção dos direitos humanos ; unia história / Lynn Hunt ;

tradução Rosaura Eichenberg.— São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Título or ig inal : Invcnting human r ights : a history

ISBN 978-85-359-1459-7

I. Direitos humanos na literatura 2. Direitos humanos - História 3. Tortura - História I. Titulo.

09-03980 Í:DO-323.09

índice para catálogo sistemático' 1. Direitos humanos : Ciência política : História

[2009]

Todos os direitos desta edição reservados à E D I T O R A S C H W A R C Z LTDA.

Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32

04532-002 — São Paulo — SP Telefone (11) 3707-3500 F a x ( l l ) 3 7 0 7 - 3 5 0 1 www.companhiadasletras.com.br

Para Lee e Jane

Irmãs, Amigas, Inspiradoras

Page 3: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Sumário

Agradecimentos 9 I n t r o d u ç ã o — " C o n s i d e r a m o s estas verdades autoevidentes" 13

1. "TORRENTES DE EMOÇÕES" 35

Lendo romances e imaginando a igualdade

2. "OSSOS DOS SEUS OSSOS" 7«

Abolindo a tortura

3. "ELES DERAM UM GRANDE EXEMPLO" 113

Declarando os direitos

4. "ISSO NÃO TERMINARÁ N U N C A " 146

As consequências das declarações

5 . "A FORÇA MALEÁVEL DA HUMANIDADE" 177

Porque os direitos humanos fracassaram a princípio, mas tiveram

sucesso no longo prazo

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Apêndice — Três declarações: 1776,1789,1948 217

Notas 237

Créditos das imagens 271

índice remissivo 273

Agradecimentos

E n q u a n t o escrevia este livro, beneficiei-me de incontáveis

sugestões oferecidas por amigos, colegas e participantes de vários

seminár ios e conferências . N e n h u m a expressão de gra t idão de

minha parte poder ia pagar as dívidas que tive a felicidade de con-

Irair, e só espero que alguns dos credores reconheçam as suas con­

tribuições em certas passagens ou notas. O ato de proferir as Con­

ferências Pat ten na Univers idade de Ind iana , as Conferências

Merle Curt i na Universidade de Wisconsin e as Conferências James

W. Richards na Universidade de Virginia propiciou opor tunidades

inestimáveis para testar as m inhas noções prel iminares. Alguns

insights excelentes t a m b é m vie ram do públ ico em Camino Col-

lege; Carleton College; Cent ro de Investigación y Docencia Econó­

micas, Cidade do México; Universidade de Fordham; Insti tuto de

Pesquisa Histórica, Universidade de Londres, Lewis & Clark Col­

lege; P o m o n a College; Univers idade de Stanford; Univers idade

Texas A&M; Universidade de Paris; Universidade de Ulster, Cole-

raine; Universidade de Washington, Seattle; e na minha insti tui­

ção, a Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA). O financia-

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m e n t o para a maior parte da minha pesquisa proveio da Cátedra

Eugen Weber de História Moderna Europeia na UCLA, e a pesquisa

foi m u i t o facilitada pela riqueza verdadeiramente excepcional das

bibliotecas da UCLA.

A maior ia das pessoas pensa que o ensino fica abaixo da pes­

quisa na lista de pr ior idades dos professores universitários, mas a

ideia pa ra este livro surg iu o r ig ina lmen te de u m a coletânea de

documen tos que editei e t raduzi com o objetivo de ensinar estu­

dan tes dos cursos de g raduação : The French Revolution and Human Rights: A Brief Documentary History (Boston/ Nova York:

Bedford/ St. Martin 's Press, 1996). U m a bolsa da National Endow­

m e n t for the Humani t ies me ajudou a completar aquele projeto.

Antes de escrever este livro, publiquei um breve esboço, "The Para­

doxical Origins of H u m a n Rights", in Jeffrey N. Wasserstrom, Lynn

H u n t e Mar i lyn B. Young, eds. , Human Rights and Revolutions (Lanham, MD : Rowman & Littlefield, 2000), pp. 3-17. Alguns dos

a rgumentos no capítulo 2 foram pr imei ro desenvolvidos de um

m o d o diferente em "Le Corps au XVIIIE siècle: les origines des droits

de l 'homme", Diogène, 203 (julho-setembro de 2003), pp. 49-67.

Da ideia até a execução final, a estrada, pelo menos no m e u

caso, é longa e às vezes árdua, mas se to rna transitável com a ajuda

daqueles que me são p r ó x i m o s e que r idos . Joyce Appleby e

Suzanne Desan leram os pr imeiros rascunhos dos meus três pr i­

meiros capítulos e de ram sugestões maravilhosas para aperfeiçoá-

-los. A minha editora na W. W. Nor ton , Amy Cherry, forneceu o t i­

po de a tenção minuc iosa à redação e ao a r g u m e n t o c o m que a

maioria dos autores só consegue sonhar. Sem Margaret Jacob eu

não teria escrito este livro. Ela me es t imulou com o seu p r ó p r i o

entusiasmo pela pesquisa e redação, com a sua valentia em se aven­

turar em domínios novos e controversos e, não menos impor tan te ,

com a sua capacidade de deixar t udo de lado para preparar um jan­

tar refinado. Ela sabe o quan to lhe devo. Meu pai m o r r e u enquan to

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eu escrevia este livro, mas ainda posso escutar as suas palavras de

encora jamento e apoio . Dedico este livro às m i n h a s i rmãs Lee e

Jane, em reconhecimento, ainda que inadequado, por t udo o que

temos part i lhado ao longo de mui tos anos. Elas me ens inaram as

minhas primeiras lições sobre os direitos, a resolução de conflitos

e o amor.

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Introdução

"Consideramos estas verdades autoevidentes"

Às vezes grandes textos surgem da reescrita sob pressão. No

seu p r ime i ro rascunho da Declaração da Independência , p repa­

rado em meados de j u n h o de 1776, T h o m a s Jefferson escreveu:

"Cons ideramos que estas verdades são sagradas e inegáveis: que

todos os h o m e n s são cr iados iguais & independan t e s [sic], que

dessa criação igual derivam direitos inerentes 8c inalienáveis, entre

os quais estão a preservação da vida, a l iberdade & a busca da feli­

cidade". Em grande par te graças às suas própr ias revisões, a frase

de Jefferson logo se livrou dos soluços para falar em tons mais cla­

ros, mais vibrantes: "Consideramos estas verdades autoevidentes:

que todos os homens são criados iguais, do tados pelo seu Criador

de certos Direitos inalienáveis, que entre estes estão a Vida, a Liber­

dade e a busca da Felicidade". C o m essa única frase, Jefferson t rans­

formou um típico d o c u m e n t o do século xvin sobre injustiças polí­

ticas n u m a proclamação du radoura dos direitos humanos . 1

Treze anos mais tarde, Jefferson estava em Paris q u a n d o os

franceses começaram a pensar em redigir u m a declaração de seus

direitos. Em janeiro de 1789—vár ios meses antes da queda da Bas-

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tilha —, o marquês de Lafayette, amigo de Jefferson e veterano da

Guer ra da Independênc ia amer icana , del ineou u m a declaração

francesa, mu i to provavelmente com a ajuda de Jefferson. Q u a n d o

a Bastilha caiu, em 14 de julho, e a Revolução Francesa começou

pa ra valer, a necessidade de u m a declaração oficial g a n h o u

impulso. Apesar dos melhores esforços de Lafayette, o documen to

não foi forjado por u m a única mão, como Jefferson fizera para o

Congresso americano. Em 20 de agosto, a nova Assembleia Nacio­

nal começou a discussão de 24 artigos rascunhados por um comitê

desajeitado de quarenta deputados . Depois de seis dias de debate

t u m u l t u a d o e infindáveis emendas , os d e p u t a d o s franceses só

t i nham aprovado dezessete artigos. Exaustos pela disputa pro lon­

gada e precisando tratar de outras questões prementes , os deputa­

dos votaram, em 27 de agosto de 1789, por suspender a discussão

do r a s c u n h o e ado ta r p rov i so r i amen te os ar t igos já ap rovados

como a sua Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão.

O d o c u m e n t o tão freneticamente a jambrado era espantoso

na sua impetuos idade e simplicidade. Sem menc ionar n e m u m a

única vez rei, nobreza ou igreja, declarava que "os direitos naturais ,

inalienáveis e sagrados do h o m e m " são a fundação de todo e qual­

quer governo. Atribuía a soberania à nação, e não ao rei, e declara­

va que t odos são iguais pe r an t e a lei, a b r i n d o posições pa ra o

talento e o méri to e e l iminando implici tamente todo o privilégio

baseado no nascimento. Mais extraordinária que qualquer garan­

tia particular, entretanto, era a universalidade das afirmações fei­

tas. As referências a "homens", "homem", " todo homem", " todos os

homens", "todos os cidadãos", "cada cidadão", "sociedade" e " toda

sociedade" eclipsavam a única referência ao povo francês.

C o m o resultado, a publicação da declaração galvanizou ime­

dia tamente a opinião pública mundia l sobre o tema dos direitos,

tanto contra como a favor. N u m sermão proferido em Londres em

4 de novembro de 1789, Richard Price, amigo de Benjamin Fran-

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klin e crítico frequente do governo inglês, to rnou-se lírico a res­

peito dos novos direitos do h o m e m . "Vivi para ver os direitos dos

h o m e n s mais b e m c o m p r e e n d i d o s do que n u n c a , e nações

ans iando po r l iberdade que pareciam ter perd ido a ideia do que

isso fosse." Ind ignado c o m o entus iasmo ingênuo de Price pelas

"abstrações metafísicas" dos franceses, o famoso ensaísta E d m u n d

Burke, m e m b r o do Par lamento britânico, rabiscou u m a resposta

furiosa. O seu panfleto, Reflexões sobre a revolução em França (1790), foi logo reconhecido como o texto fundador do conserva­

d o r i s m o . "Não s o m o s os conver t idos p o r Rousseau", t rovejou

Burke. "Sabemos que não fizemos n e n h u m a descoberta, e pensa­

mos que n e n h u m a descoberta deve ser feita, no tocante à moral i ­

dade. [...] Não fomos estr ipados e amar rados para que pudésse­

m o s ser p reench idos c o m o pássaros e m p a l h a d o s n u m m u s e u ,

com farelos, t rapos e pedaços miseráveis de papel bo r rado sobre os

direi tos do h o m e m . " Price e Burke hav iam concordado sobre a

Revolução Americana: os dois a apoiaram. Mas a Revolução Fran­

cesa a u m e n t o u bastante o valor da aposta, e as l inhas de bata lha

logo se f o r m a r a m : era a au ro ra de u m a nova era de l iberdade

baseada na razão ou o início de u m a queda implacável r u m o à

anarquia e à violência? 2

Por quase dois séculos, apesar da controvérsia provocada pela

Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do H o m e m e do

Cidadão encarnou a promessa de direitos h u m a n o s universais. Em

1948, quando as Nações Unidas adota ram a Declaração Universal

dos Direitos Humanos , o artigo I a dizia: "Todos os seres h u m a n o s

nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Em 1789, o artigo

l 2 da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão já havia

proclamado: "Os h o m e n s nascem e pe rmanecem livres e iguais em

direitos". Embora as modificações na l inguagem fossem significa­

tivas, o eco entre os dois documentos é inequívoco.

As origens dos documentos não nos dizem necessariamente

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nada de significativo sobre as suas consequências. Impor ta real­

men te que o esboço tosco de Jefferson tenha passado por 86 alte­

rações feitas por ele mesmo, pelo Comitê dos Cinco* ou pelo Con­

gresso? Jefferson e A d a m s c la ramente pensavam que sim, pois

a inda estavam discut indo sobre q u e m cont r ibu iu com o quê na

década de 1820, a úl t ima de suas longas e memoráveis vidas. Entre­

tanto, a Declaração da Independência não t inha natureza consti­

tucional . Declarava s implesmente intenções, e passaram-se quin­

ze anos antes que os estados f inalmente ratificassem u m a Bill of

Rights m u i t o diferente em 1791. A Declaração dos Direi tos do

H o m e m e do Cidadão afirmava salvaguardar as liberdades indivi­

duais, mas não impediu o surgimento de um governo francês que

repr imiu os direitos (conhecido como o Terror), e futuras consti­

tuições francesas — houve mui tas delas — formularam declara­

ções diferentes ou passaram sem n e n h u m a declaração.

Ainda mais p e r t u r b a d o r é que aqueles que c o m tan ta con­

fiança declaravam no final do século xvin que os direitos são uni ­

versais vieram a demonst ra r que t inham algo mui to menos inclu­

sivo em mente . Não ficamos surpresos por eles considerarem que

as cr ianças, os insanos, os pr is ionei ros ou os es t rangeiros e r a m

incapazes ou indignos de plena participação no processo político,

pois p e n s a m o s da m e s m a mane i ra . Mas eles t a m b é m excluíam

aqueles sem propriedade, os escravos, os negros livres, em alguns

casos as minorias religiosas e, sempre e por toda par te , as mulhe ­

res. Em anos recentes, essas limitações a "todos os h o m e n s " provo­

caram muitos comentários, e alguns estudiosos até ques t ionaram

se as declarações t inham um verdadeiro significado de emancipa-

* O C o m m i t t e e of Five, f o r m a d o p o r T h o m a s Jefferson, J o h n A d a m s , Ben jamin

F rank l in , R o b e r t L iv ings ton e Roger S h e r m a n , foi d e s i g n a d o p e l o C o n g r e s s o

a m e r i c a n o em 11 de j u n h o de 1776 p a r a esboçar a Dec l a r ação da I n d e p e n d ê n c i a

amer icana . (N .T . )

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ção. Os fundadores, os que es t ruturaram e os que redigiram as decla­

rações t êm sido julgados elitistas, racistas e misóginos por sua inca­

pacidade de considerar todos verdadeiramente iguais em direitos.

N ã o devemos esquecer as res t r ições impos t a s aos di re i tos

pelos h o m e n s do século xvin, mas parar po r aí, d a n d o pa lmadi ­

nhas nas costas pelo nosso p rópr io "avanço" comparat ivo, é não

compreender o principal. C o m o é que esses homens , vivendo em

sociedades construídas sobre a escravidão, a subordinação e a sub­

serviência aparentemente natural , chegaram a imaginar h o m e n s

nada parecidos com eles, e em alguns casos t a m b é m mulhe res ,

como iguais? C o m o é que a igualdade de direitos se t o rnou u m a

verdade "autoevidente" em lugares tão improváveis? É espantoso

que h o m e n s como Jefferson, um senhor de escravos, e Lafayette,

um aristocrata, pudessem falar dessa forma dos direitos autoevi-

dentes e inalienáveis de todos os h o m e n s . Se pudéssemos c o m ­

preender como isso veio a acontecer, compreender íamos melhor o

que os direitos h u m a n o s significam para nós hoje em dia.

O P A R A D O X O D A A U T O E V I D Ê N C I A

Apesar de suas diferenças de l inguagem, as duas declarações

do século xvm se baseavam n u m a afirmação de autoevidência. Jef­

ferson deixou isso explíci to q u a n d o escreveu: "Cons ide ramos

estas verdades autoevidentes" . A declaração francesa afirmava

categoricamente que "a ignorância, a negligência ou o menosprezo

dos direitos do h o m e m são as únicas causas dos males públicos e

da cor rupção governamental" . Pouca coisa t inha m u d a d o a esse

respeito em 1948. Verdade, a Declaração das Nações Unidas assu­

mia um t o m mais legalista: "Visto que o reconhecimento da digni­

dade inerente a todos os m e m b r o s da família h u m a n a e de seus

direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da jus-

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tiça e da paz no mundo". Mas isso t a m b é m constituía u m a afirma­

ção de autoevidência , p o r q u e "visto que" significa l i tera lmente

"sendo fato que". Em outras palavras, "visto que" é s implesmente

um m o d o legalista de afirmar algo determinado, autoevidente.

Essa af irmação de autoevidência , crucial pa ra os direi tos

h u m a n o s mesmo nos dias de hoje, dá origem a um paradoxo: se a

igualdade dos direitos é tão autoevidente, por que essa afirmação

t inha de ser feita e por que só era feita em tempos e lugares específi­

cos? C o m o p o d e m os direitos h u m a n o s ser universais se não são

universalmente reconhecidos? Vamos nos contentar com a explica­

ção, dada pelos redatores de 1948, de que "concordamos sobre os

direitos, desde que n i n g u é m nos pergunte por quê"? Os direitos

p o d e m ser "autoevidentes" quando estudiosos discutem há mais de

dois séculos sobre o que Jefferson queria dizer com a sua expressão?

O debate continuará para sempre, porque Jefferson nunca sentiu a

necessidade de se explicar. N inguém do Comitê dos Cinco ou do

Congresso quis revisar a sua afirmação, m e s m o modi f i cando

extensamente out ras seções de sua versão prel iminar . Aparente­

me n te concordavam com ele. Mais a inda, se Jefferson tivesse se

explicado, a autoevidência da afirmação teria se evaporado. U m a

afirmação que requer discussão não é evidente por si mesma. 3

Acredito que a afirmação de autoevidência é crucial para a

história dos direitos h u m a n o s , e este livro busca explicar como ela

veio a ser tão convincente no século XVIII. Felizmente, ela t a m b é m

propicia um p o n t o focal no que tende a ser u m a his tór ia m u i t o

difusa. Os direitos h u m a n o s to rnaram-se tão ub íquos na atuali­

dade que pa recem requerer u m a h is tór ia igua lmen te vasta. As

ideias gregas sobre a pessoa individual, as noções romanas de lei e

direito, as doutr inas cristãs da alma... O risco é que a história dos

direitos h u m a n o s se to rne a história da civilização ocidental ou

agora, às vezes, até a história do m u n d o inteiro. A antiga Babilônia,

o h induísmo, o bud i smo e o islã t a m b é m não de ram as suas con-

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tribuições? Como, então, explicamos a repent ina cristalização das

afirmações dos direitos h u m a n o s no final do século XVIII?

Os direitos h u m a n o s requerem três qualidades encadeadas:

devem ser naturais ( inerentes nos seres h u m a n o s ) , iguais (os mes ­

m o s para todo m u n d o ) e universais (aplicáveis p o r toda pa r t e ) .

Para que os direitos sejam direitos humanos, todos os h u m a n o s em

todas as regiões do m u n d o devem possuí-los igualmente e apenas

por causa de seu status c o m o seres h u m a n o s . Acabou sendo mais

fácil aceitar a qualidade natural dos direitos do que a sua igualdade

ou universa l idade . De m u i t a s mane i r a s , a inda es tamos ap ren ­

dendo a lidar com as implicações da d e m a n d a por igualdade e un i ­

versalidade de direitos. C o m que idade alguém tem direito a u m a

plena par t ic ipação política? Os imigran tes — não-c idadãos —

par t ic ipam dos direitos ou não, e de quais?

Entretanto, n e m o caráter natural , a igualdade e a universali­

dade são suficientes. Os direitos h u m a n o s só se t o rnam significa­

tivos q u a n d o g a n h a m con teúdo político. Não são os direitos de

h u m a n o s n u m estado de natureza: são os direitos de h u m a n o s em

sociedade. N ã o são apenas direi tos h u m a n o s em opos ição aos

direitos divinos, ou direi tos h u m a n o s em oposição aos direi tos

animais: são os direitos de h u m a n o s vis-à-vis uns aos outros . São,

por tan to , direitos garantidos no m u n d o político secular (mesmo

que sejam chamados "sagrados"), e são direitos que requerem u m a

participação ativa daqueles que os detêm.

A igualdade, a universalidade e o caráter natural dos direitos

g a n h a r a m u m a expressão polí t ica d i re ta pela p r ime i ra vez na

Declaração da Independência americana de 1776 e na Declaração

dos Direitos do H o m e m e do Cidadão de 1789. Embora se referisse

aos "antigos direitos e l iberdades" estabelecidos pela lei inglesa e

derivados da história inglesa, a Bill ofRights inglesa de 1689 não

declarava a igualdade, a universal idade ou o caráter natura l dos

direitos. Em contraste, a Declaração da Independência insistia que

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"todos os h o m e n s são criados iguais" e que todos possuem"direi tos

inalienáveis". Da m e s m a forma, a Declaração dos Direi tos do

H o m e m e do Cidadão proclamava que "Os homens nascem e per­

manecem livres e iguais em direitos". Não os homens franceses, não

os h o m e n s brancos, não os católicos, mas "os homens", o que tanto

naquela época como agora não significa apenas machos, mas pes­

soas, isto é , m e m b r o s da raça h u m a n a . Em out ras palavras, em

algum m o m e n t o entre 1689 e 1776 direitos que t i nham sido consi­

derados mui to frequentemente como sendo de determinado povo

— o s ingleses nascidos livres, por exemplo—foram transformados

em direitos humanos , direitos naturais universais, o que os france­

ses chamavam les droits de Vhomme, ou "os direitos do homem". 4

O S D I R E I T O S H U M A N O S E " O S D I R E I T O S D O H O M E M "

U m a breve incursão na história dos te rmos ajudará a fixar o

m o m e n t o do su rg imen to dos direi tos h u m a n o s . As pessoas do

século xvni n ã o usavam f requen temen te a expressão "direi tos

h u m a n o s " e, quando o faziam, em geral quer iam dizer algo dife­

rente do significado que hoje lhe a t r ibuímos. Antes de 1789, Jeffer-

son, por exemplo, falava com mui ta frequência de "direitos na tu­

rais". C o m e ç o u a usar o t e r m o "direi tos do h o m e m " s o m e n t e

depois de 1789. Q u a n d o empregava "direitos humanos" , quer ia

dizer algo mais passivo e menos político do que os direitos naturais

ou os direitos do h o m e m . Em 1806, por exemplo, usou o t e rmo ao

se referir aos males do tráfico de escravos:

Eu lhes felicito, colegas cidadãos, por estar próximo o período em

que poderão interpor constitucionalmente a sua autoridade para

afastar os cidadãos dos Estados Unidos de toda participação ulte­

rior naquelas violações dos direitos humanos que têm sido reitera-

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das por tanto tempo contra os habitantes inofensivos da África, e

que a moralidade, a reputação e os melhores interesses do nosso país

desejam há muito proscrever.

Ao sustentar que os africanos gozavam de direitos h u m a n o s ,

Jefferson não tirava n e n h u m a ilação sobre os escravos negros no

país. Os direitos h u m a n o s , pela definição de Jefferson, n ã o capaci­

tava os africanos — m u i t o menos os afro-americanos — a agir em

seu própr io nome . 5

D u r a n t e o século xvni , em inglês e em francês, os t e r m o s

"direitos humanos" , "direi tos do gênero h u m a n o " e "di re i tos da

h u m a n i d a d e " se m o s t r a r a m todos demasiado gerais para servir ao

emprego polít ico d i re to . Referiam-se antes ao que d is t inguia os

h u m a n o s do divino, n u m a pon ta da escala, e dos animais , na ou ­

tra, do que a direitos pol i t icamente relevantes como a l iberdade de

expressão ou o direito de part ic ipar na política. Assim, n u m dos

empregos mais ant igos (1734) de "direitos da h u m a n i d a d e " em

francês, o acerbo crít ico li terário Nicolas Lenglet-Dufresnoy, ele

p rópr io um padre católico, satirizava "aqueles monges inimitáveis

do século vi, que renunc iavam tão inteiramente a todos 'os direitos

da h u m a n i d a d e ' que pas tavam como animais e andavam p o r toda

par te comple t amen te nus". Da mesma forma, em 1756, Voltaire

podia proclamar com i ronia que a Pérsia era a monarqu ia em que

mais desfrutava dos "direi tos da humanidade" , po rque os persas

t i n h a m os maiores " r ecu r sos con t ra o tédio". O t e r m o "di re i to

h u m a n o " apareceu em francês pela pr imeira vez em 1763 signifi­

cando algo semelhante a "direito natural", mas não pegou, apesar

de ser usado po r Voltaire no seu amp lamen te influente Tratado sobre a tolerância!'

Enquan to os ingleses con t inuaram a preferir "direitos na tu ­

rais" ou s implesmente "dire i tos" du ran t e todo o século xvni , os

franceses inventaram u m a nova expressão na década de 1760 —

21

Page 11: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

"direitos do h o m e m " {droits de l'homme). "O(s) direito(s) na tu-

ral( is)" ou "a lei na tura l" (droit naturel t em ambos os significados

em francês) t i nham histórias mais longas que recuavam centenas

de anos no passado, mas talvez como consequência"o(s) direito(s)

na tura l ( i s )" t inha um n ú m e r o exagerado de possíveis significados.

Às vezes significava s implesmente fazer sentido dent ro da o rdem

tradicional . Assim, por exemplo, o bispo Bossuet, um porta-voz a

favor da m o n a r q u i a absoluta de Luís xiv, u sou "direito na tu ra l "

somente ao descrever a en t rada de Jesus Cristo no céu ("ele en t rou

no céu pelo seu própr io direito natura l") . 7

O te rmo "direitos do h o m e m " começou a circular em francês

depois de sua aparição em O contrato social (1762), de Jean-Jac­

ques Rousseau, ainda que ele não desse ao te rmo n e n h u m a defini­

ção e ainda que — ou talvez porque — o usasse ao lado de "direi­

tos da humanidade","direitos do cidadão"e"direi tos da soberania".

Qualquer que fosse a razão, por volta de j u n h o de 1763, "direitos

do h o m e m " t inha s e t o r n a d o um t e r m o c o m u m , segundo u m a

revista clandestina:

Os atores da Comédie française representaram hoje, pela primeira

vez, Manco [uma peça sobre os incas no Peru ], de que falamos antes.

É uma das piores tragédias já construídas. Há nela um papel para um

selvagem que poderia ser muito belo: ele recita cm verso tudo o que

temos lido espalhado sobre reis, liberdade e os direitos do homem,

em A desigualdade de condições, em Emílio, em O contrato social.

Embora a peça não empregue de fato a expressão precisa "os direi­

tos do homem", mas antes a relacionada "direitos de nosso ser", é

claro que o t e rmo havia en t rado no uso intelectual e estava de fato

diretamente associado com as obras de Rousseau. Out ros escrito­

res do I lumin ismo, c o m o o barão D 'Holbach , Raynal e Mercier,

adotaram a expressão nas décadas de 1770 e 1780. 8

22

Antes de 1789, "direitos do h o m e m " t inha poucas incursões

no inglês. Mas a Revolução Americana inci tou o marquês de Con-

dorcet, defensor do I lumin i smo francês, a dar o p r ime i ro passo

para definir "os direitos do homem", que para ele incluíam a segu­

rança da pessoa, a segurança da propr iedade, a justiça imparcial e

idônea e o direito de contr ibuir para a formulação das leis. No seu

ensaio de 1786, "De l ' influence de la révolut ion d 'Amér ique sur

l'Europe", Condorcet ligava explicitamente os direitos do h o m e m

à Revolução Americana: "O espetáculo de um grande povo em que

os direitos do h o m e m são respeitados é útil para todos os outros ,

apesar da diferença de clima, costumes e constituições". A Declara­

ção da Independência americana, ele proclamava, era nada menos

que " u m a exposição simples e sublime desses direitos que são, ao

m e s m o t e m p o , tão sagrados e há t an to t e m p o esquecidos". Em

janeiro de 1789, Emmanuel -Joseph Sieyès usou a expressão no seu

incendiário panfleto contra a nobreza, O que é o Terceiro Estado?. O rascunho de u m a declaração dos direitos, feito por Lafayette em

janeiro de 1789, referia-se explicitamente aos "direitos do homem",

referência t a m b é m feita por Condorcet no seu própr io rascunho

do início de 1789. Desde a pr imavera de 1789 — isto é, m e s m o

antes da queda da Bastilha em 14 de ju lho — mui tos debates sobre

a necessidade de u m a declaração dos "direitos do h o m e m " per­

meavam os círculos políticos franceses. 9

Q u a n d o a l inguagem dos direi tos h u m a n o s apareceu, na

segunda metade do século xvin, havia a princípio pouca definição

explícita desses direitos. Rousseau não ofereceu n e n h u m a explica­

ção q u a n d o usou o t e r m o "direitos do homem". O jurista inglês

William Blackstone os definiu como "a liberdade natural da h u m a ­

nidade", isto é , os "direi tos absolu tos do h o m e m , cons iderado

como um agente livre, do tado de discernimento para distinguir o

bem do mal". A maior ia daqueles que usavam a expressão nas déca­

das de 1770 e 1780 na França, como D'Holbach e Mirabeau, figu-

23

Page 12: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

ras controversas do I luminismo, referia-se aos direitos do h o m e m

como se fossem óbvios e não necessitassem de n e n h u m a justificação

ou definição; eram, em outras palavras, autoevidentes. D 'Holbach

argumentava, por exemplo, que se os h o m e n s temessem menos a

m o r t e "os direitos do h o m e m seriam defendidos com mais ousa­

dia". Mirabeau denunciava os seus perseguidores, que não t i nham

"nem caráter n e m alma, porque não t êm absolutamente n e n h u m a

ideia dos direi tos dos homens" . N i n g u é m apresen tou u m a lista

precisa desses direi tos antes de 1776 (a da ta da Declaração de

Direitos da Virgínia redigida por George Mason). 1 "

A ambiguidade dos direitos h u m a n o s foi percebida pelo pas­

tor calvinista jean-Paul Rabaut Saint-Étienne, que escreveu ao rei

francês em 1787 para se queixar das limitações de um projeto de

edito de tolerância para protestantes c o m o ele p rópr io . Encora­

jado pelo sent imento crescente em favor dos direitos do h o m e m ,

Rabaut insistiu: " sabemos hoje o que são os direi tos na tura is , e

eles cer tamente dão aos h o m e n s mui to mais do que o edito con­

cede aos protestantes. [...] Chegou a hora em que não é mais acei­

tável que u m a lei invalide aber tamente os direitos da human idade ,

que são mui to b e m conhecidos em todo o mundo" . Talvez eles fos­

sem b e m conhecidos, mas o p rópr io Rabaut admit ia que um rei

católico não podia sancionar oficialmente o direito calvinista ao

culto público. Em suma, t udo d e p e n d i a — c o m o ainda d e p e n d e —

da interpretação dada ao que não era "mais aceitável". 1 1

C O M O O S D I R E I T O S S E T O R N A R A M A U T O E V I D E N T E S

Os direitos h u m a n o s são difíceis de de te rmina r po rque sua

definição, e na verdade a sua própr ia existência, depende tanto das

emoções q u a n t o da razão. A reivindicação de au toev idênc ia se

baseia em últ ima análise n u m apelo emocional : ela é convincente

24

se ressoa dent ro de cada indivíduo. Além disso, t emos mui ta cer-

leza de que um direito h u m a n o está em questão q u a n d o nos senti­

mos hor ror izados pela sua violação. Rabau t Saint-Étienne sabia

(|ue podia apelar ao conhecimento implícito do que não era "mais

aceitável". Em 1755, o influente escritor do I l u m i n i s m o francês

I )enis Diderot t inha escrito, a respeito do droit naturel, que "o uso

desse t e r m o é tão familiar que quase n i n g u é m deixaria de ficar

convencido, no interior de si mesmo, de que a noção lhe é obvia­

mente conhecida. Esse sent imento interior é c o m u m tanto para o

lilósofo q u a n t o para o h o m e m que abso lu tamente não refletiu".

( ]omo outros de seu t empo , Diderot dava apenas u m a indicação

vaga do significado de direitos naturais: "como homem", concluía,

"não t enho ou t ros direitos naturais que sejam verdade i ramente

inalienáveis a não ser aqueles da humanidade" . Mas ele tocara na

qualidade mais impor tan te dos direitos h u m a n o s : eles requer iam

certo "sent imento inter ior" amplamente par t i lhado. 1 2

Até Jean-Jacques Burlamaqui , o austero filósofo suíço da lei

natural, insistia que a l iberdade só podia ser exper imentada pelos

sen t imentos in ter iores de cada h o m e m : "Tais provas de sent i ­

mento estão acima de toda objeção e p roduzem a convicção mais

profundamente arraigada". Os direitos h u m a n o s não são apenas

nina dout r ina formulada em documentos : baseiam-se n u m a dis­

posição em relação às out ras pessoas, um conjunto de convicções

sobre c o m o são as pessoas e c o m o elas d i s t i nguem o cer to e o

e i rado no m u n d o secular. As ideias filosóficas, as tradições legais e

.1 política revolucionária precisaram ter esse t ipo de pon to de refe-

iciicia emocional inter ior para que os direitos h u m a n o s fossem

verdadeiramente "autoevidentes". E, como insistia Diderot, esses

M i i i i m e n t o s t i n h a m de ser exper imentados po r mui tas pessoas,

Bio somente pelos filósofos que escreviam sobre eles."

O que sustentava essas noções de liberdade e direitos era um

• onjunto de pressuposições sobre a au tonomia individual. Para

25

Page 13: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

ter direitos h u m a n o s , as pessoas deviam ser vistas c o m o indiví­

duos separados que eram capaz.es de exercer um julgamento moral

i n d e p e n d e n t e ; c o m o dizia Blackstone, os direi tos do h o m e m

acompanhavam o indivíduo "considerado como um agente livre,

do tado de discernimento para distinguir o b e m do mal". Mas, para

que se tornassem m e m b r o s de u m a comunidade política baseada

naqueles j u lgamen tos m o r a i s i ndependen te s , esses ind iv íduos

a u t ô n o m o s t i nham de ser capazes de sentir empat ia pelos outros .

Todo m u n d o teria direitos somente se t odo m u n d o pudesse ser

visto, de um m o d o essencial, como semelhante. A igualdade não

era apenas um conceito abstrato ou um slogan político. Tinha de

ser internalizada de a lguma forma.

E m b o r a cons ide remos na tu ra i s as ideias de a u t o n o m i a e

igualdade , j u n t o c o m os direi tos h u m a n o s , elas só g a n h a r a m

influência no século XVIII. O filósofo mora l con temporâneo J. B.

Schneewind investigou o que ele chama de "a invenção da au tono­

mia". "A nova perspectiva que surgiu no fim do século XVIII", afirma

ele, "centrava-se na crença de que todos os indivíduos normais são

igualmente capazes de viver juntos n u m a moral idade de autocon­

trole." Por trás desses " indivíduos n o r m a i s " existe u m a longa his­

tória de luta. No século XVIII (e de fato até o presente) não se imagi­

navam todas as "pessoas" c o m o igualmente capazes de au tonomia

moral . Duas qualidades relacionadas mas distintas estavam impli­

cadas: a capacidade de raciocinar e a independência de decidir por

s i mesmo. Ambas t i nham de estar presentes para que um indiví­

duo fosse mora lmen te a u t ô n o m o . Às crianças e aos insanos faltava

a necessária capacidade de raciocinar, mas eles p o d e r i a m algum

dia ganhar ou recuperar essa capacidade. Assim c o m o as crianças,

os escravos, os cr iados , os sem p r o p r i e d a d e e as mu lhe re s n ã o

t i n h a m a independênc ia de s tatus requer ida pa ra serem plena­

mente au tônomos . As crianças, os criados, os sem propr iedade e

talvez até os escravos poder i am um dia tornar-se au tônomos , cres-

26

(cndo, a b a n d o n a n d o o serviço, adqui r indo u m a propr iedade ou

1 o inp rando a sua l iberdade. Apenas as mulheres não pareciam ter

n e n h u m a dessas opções : e r a m definidas c o m o i n e r e n t e m e n t e

1 lependentes de seus pais ou mar idos . Se os p roponentes dos direi­

tos h u m a n o s natura is , iguais e universais excluíam au tomat ica ­

mente algumas categorias de pessoas do exercício desses direitos,

era p r imar iamente po rque viam essas pessoas como menos do que

plenamente capazes de au tonomia mora l . 1 4

Entretanto, o poder recém-descoberto da empat ia podia fun­

cionar até con t ra os preconcei tos mais d u r a d o u r o s . Em 1791, o

governo revo luc ionár io francês concedeu direi tos iguais aos

judeus; em 1792, até os h o m e n s sem propr iedade foram emanci ­

pados; e em 1794, o governo francês aboliu oficialmente a escravi­

dão. N e m a a u t o n o m i a n e m a empa t i a es tavam de t e rminadas :

eram habilidades que pod iam ser aprendidas, e as limitações "acei­

táveis" dos direi tos p o d i a m ser — e foram — ques t ionadas . Os

direitos não p o d e m ser definidos de u m a vez por todas, po rque a

sua base emocional cont inua a se deslocar, em par te como reação

Is declarações de direitos. Os direitos pe rmanecem sujeitos a dis­

cussão po rque a nossa percepção de q u e m tem direitos e do que são

(".ses direi tos m u d a c o n s t a n t e m e n t e . A revolução dos di re i tos

1111 manos é, por definição, cont ínua.

A au tonomia e a empat ia são práticas culturais e não apenas

ideias, e po r t an to são incorporadas de forma bastante literal, isto

r , têm d imensões t an to físicas c o m o emociona i s . A a u t o n o m i a

n i i l i v idua ldependedeuma percepção crescente da separação e do

(Ifáter sagrado dos corpos h u m a n o s : o seu corpo é seu, e o m e u

iOrpo é meu , e devemos ambos respeitar as fronteiras entre os cor­

pos um do out ro . A empat ia depende do reconhecimento de que

I tutros sentem e pensam c o m o fazemos, de que nossos sent imen-

i " . interiores são semelhan tes de um m o d o essencial. Para ser

l U t ô n o m a , u m a pessoa t e m de estar l eg i t imamen te separada e

27

Page 14: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

protegida na sua separação; mas, para fazer com que os direitos

acompanhem essa separação corporal , a individualidade de u m a

pessoa deve ser apreciada de forma mais emocional . Os direitos

h u m a n o s dependem tanto do domín io de s i mesmo como do reco­

nhec imento de que todos os outros são igualmente senhores de si.

É o desenvolvimento incomple to dessa úl t ima condição que dá

origem a todas as desigualdades de direitos que nos têm preocu­

pado ao longo de toda a história.

A au tonomia e a empat ia não se material izaram a part ir do ar

rarefeito do século xvni: elas t inham raízes profundas. Duran te o

longo per íodo de vários séculos, os indivíduos t i nham começado

a se afastar das teias da comunidade , to rnando-se agentes cada vez

mais i ndependen t e s t an to legal c o m o ps ico log icamente . Um

maior respeito pela integridade corporal e l inhas de demarcação

mais claras entre os corpos individuais haviam sido produz idos

pelo limiar cada vez mais elevado da vergonha a respeito das fun­

ções corporais e pelo senso crescente de decoro corporal . C o m o

tempo, as pessoas começaram a dormi r sozinhas ou apenas com

um cônjuge na cama. Usavam utensílios para comer e começaram

a cons iderar repulsivo um c o m p o r t a m e n t o antes tão aceitável,

c o m o jogar comida no chão ou l impar excreções corpora is nas

roupas. A constante evolução de noções de inter ioridade e profun­

didade da psique, desde a alma cristã à consciência protestante e às

noções de sensibilidade do século xvni, preenchia a individuali­

dade com um novo con teúdo . Todos esses processos ocor re ram

durante um longo per íodo.

Mas houve um avanço repent ino no desenvolvimento dessas

práticas na segunda metade do século xvni. A autor idade absoluta

dos pais sobre os filhos foi questionada. O público começou a ver

os espetáculos teatrais ou a escutar música em silêncio. Os retratos

e as pinturas de gênero desafiaram o p redomín io das grandes telas

mitológicas e históricas da p in tura acadêmica. Os romances e os

28

i < > rnais proliferaram, t o rnando as histórias das vidas comuns aces-

síveis a um amplo público. A tor tura c o m o par te do processo judi -

cial e as formas mais extremas de punição corporal começaram a

ser vistas como inaceitáveis. Todas essas m u d a n ç a s cont r ibuí ram

para u m a percepção da separação e do au tocon t ro le dos corpos

individuais, j un to com a possibilidade de empat ia com outros.

As noções de integridade corporal e individualidade empática,

investigadas nos próx imos capítulos, t êm histórias não desseme­

lhantes da dos direitos humanos , aos quais estão int imamente rela­

cionadas. Isto é, as mudanças nos pontos de vista parecem acontecer

todas ao mesmo tempo, em meados do século xvni. Considere-se,

por exemplo, a tortura. Entre 1700 e 1750, a maioria dos empregos

da palavra " tor tura" em francês se referia às dificuldades que um

escritor experimentava para encontrar u m a expressão apropriada.

Assim, Marivaux em 1724 se referia a " tor turar a mente para extrair

reflexões". A tor tura , isto é, a to r tu ra legalmente autorizada para

obter confissões de culpa ou nomes de cúmplices, tornou-se u m a

questão de grande importância depois que Montesquieu atacou a

prática no seu Espírito das leis (1748). N u m a das suas passagens mais

influentes, Montesquieu insiste que "Tantas pessoas inteligentes e

tantos homens de gênio escreveram cont ra esta prática [a tor tura

judicial] que não ouso falar depois deles". Acrescenta então, um

tanto enigmaticamente: "Eu ia dizer que talvez ela fosse apropriada

para o governo despótico, no qual t udo que inspira medo contribui

para o vigor do governo; ia dizer que os escravos entre os gregos e os

romanos.. . Mas escuto a voz da natureza gri tando contra mim". Aqui

t ambém a autoevidência—"a voz da natureza gr i tando"—fornece

o fundamento para o argumento . Depois de Montesquieu, Voltaire

e mui tos outros, especialmente o i taliano Beccaria, se juntar iam à

campanha. Na década de 1780, a abolição da tortura e das formas

bárbaras de punição corporal t i n h a m se to rnado artigos essenciais

na nova doutr ina dos direitos h u m a n o s . 1 5

29

Page 15: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

As mudanças nas reações aos corpos e individualidades das

out ras pessoas forneceram um supor te crítico para o novo funda­

m e n t o secular da au to r i dade polí t ica. E m b o r a Jefferson escre­

vesse que o "seu Cr iador" t inha do tado os h o m e n s de direitos, o

pape l do Cr iador t e rminava ali. O governo já n ã o depend ia de

Deus, m u i t o menos da interpretação da vontade de Deus apresen­

tada po r u m a igreja. "Governos são inst i tuídos entre os homens",

disse Jefferson,"para assegurar esses Direitos", e eles der ivam o seu

poder "do Consen t imen to dos Governados". Da m e s m a forma, a

Declaração francesa de 1789 m a n t i n h a que o "objetivo de toda

associação política é a preservação dos direitos naturais e impres­

critíveis do h o m e m " e que o "princípio de toda soberania reside

essencialmente na nação". A autor idade política, nessa visão, deri­

vava da natureza mais inter ior dos indivíduos e da sua capacidade

de criar a comunidade por meio do consent imento . Os cientistas

pol í t icos e os h i s to r iadores t ê m e x a m i n a d o essa concepção da

au to r idade polít ica a par t i r de ângulos var iados, mas t êm pres­

tado pouca atenção à visão dos corpos e das individualidades que

a t o r n o u possível. 1 6

Meu argumento fará grande uso da influência de novos tipos

de experiência, desde ver imagens em exposições públicas até ler

romances epistolares imensamen te popula res sobre o a m o r e o

casamento. Essas experiências a judaram a difundir as práticas da

au tonomia e da empatia. O cientista político Benedict Anderson

a rgumenta que os jornais e os romances cr iaram a "comunidade

imaginada" que o nacionalismo requer para florescer. O que pode­

ria ser denominado "empatia imaginada" antes serve como funda­

m e n t o dos direitos h u m a n o s que do nacional ismo. É imaginada

não no sent ido de inventada, mas no sen t ido de que a empa t i a

requer um salto de fé, de imaginar que alguma ou t ra pessoa é como

você. Os relatos de to r tura p roduz iam essa empat ia imaginada po r

meio de novas visões da dor. Os romances a geravam induz indo

30

111 ivas sensações a respeito do eu interior. Cada u m à sua manei ra

reforçava a noção de u m a c o m u n i d a d e baseada em ind iv íduos

.mlônomos e empáticos, que p o d i a m se relacionar, para além de

Ni ias famílias imediatas, associações religiosas ou até nações, c o m

valores universais maiores . 1 7

Não há n e n h u m m o d o fácil ou óbvio de provar ou m e s m o

medir o efeito das novas experiências culturais sobre as pessoas do

século xviii, mui to menos sobre as suas concepções dos direitos. Os

i s l udos científicos das reações atuais à leitura e ao ato de ver tele-

\ is.io revelaram-se bastante difíceis, e eles t êm a vantagem de exa-

m i i i a r sujeitos vivos que p o d e m ser expostos a estratégias de pes­

quisa sempre mutáve is . A inda assim, os neuroc ien t i s tas e os

psicólogos cognitivos t êm feito algum progresso em ligar a b io lo­

gia do cérebro a resul tados psicológicos e no fim das contas até

lociais e culturais. Mos t ra ram, por exemplo, que a capacidade de

1 onstruir narrativas é baseada na biologia do cérebro, sendo cru­

cial para o desenvolvimento de qualquer noção do eu. Certos t ipos

ilc lesões cerebrais afetam a c o m p r e e n s ã o narra t iva , e doenças

1 o r n o o aut ismo m o s t r a m que a capacidade de empatia — o reco-

uliecimento de que os ou t ros t êm mentes c o m o a nossa — t em

m na base biológica. Na sua maior parte, entretanto, esses estudos

•.o e x a m i n a m um lado da equação : o biológico. M e s m o que a

maioria dos psiquiatras e até alguns neurocient is tas concordem

| U e o própr io cérebro é influenciado por forças sociais e culturais,

essa interação t em sido mais difícil de estudar. Na verdade, o p r ó -

11] i< > eu t em se mos t rado mui to difícil de examinar. Sabemos que

l ei 1 í o s a experiência de ter um eu, mas os neurocientistas não con-

' .eguiram d e t e r m i n a r o local dessa experiência , m u i t o m e n o s

• plicar como ela funciona. 1 8

Se a neuroc iênc ia , a ps iquia t r ia e a psicologia a inda estão

nu ei las sobre a na tureza do eu, então talvez não seja surpreen-

1 lente que os historiadores t enham se man t ido totalmente afasta-

31

Page 16: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

dos do assunto. A maior ia dos historiadores provavelmente acre­

dita que o eu é, em alguma medida, modelado por fatores sociais e

culturais, isto é, que a individualidade no século x significava algo

diferente do que significa para nós hoje em dia. Mas pouco se sabe

sobre a história da pessoa c o m o um conjunto de experiências. Os

estudiosos t êm escrito bastante sobre o surgimento do individua­

lismo e da au tonomia como doutr inas , po rém mui to menos sobre

c o m o o própr io eu poderia m u d a r ao longo do tempo. Concordo

com out ros historiadores que o significado do eu m u d a ao longo

do t empo , e acredito que a experiência — e não apenas a ideia —

da individualidade m u d a de forma decisiva para algumas pessoas

no século xviii.

Meu a rgumento depende da noção de que ler relatos de tor­

tura ou romances epistolares teve efeitos físicos que se t raduz i ram

em mudanças cerebrais e t o rna ram a sair do cérebro como novos

conceitos sobre a organização da vida social e política. Os novos

tipos de leitura (e de visão e audição) cr iaram novas experiências

individuais (empatia) , que por sua vez t o rna ram possíveis novos

conceitos sociais e políticos (os direitos h u m a n o s ) . Nestas páginas

tento desemaranhar como esse processo se realizou. C o m o a his­

tória, m i n h a disciplina, t em desdenhado po r t an to t e m p o qual­

quer forma de a rgumen to psicológico — nós historiadores fala­

mos frequentemente de reducionismo psicológico, mas nunca de

r e d u c i o n i s m o sociológico ou cul tura l —, ela t e m o m i t i d o em

grande par te a possibilidade de um argumento que depende de um

relato sobre o que acontece dent ro do eu.

Estou tentando voltar de novo a atenção para o que acontece

d e n t r o das men tes indiv iduais . Esse pode r i a parecer um lugar

óbvio para procurar u m a explicação das mudanças sociais e polí­

ticas t ransformadoras, mas as mentes individuais — salvo as dos

grandes pensadores e escritores — têm sido surpreendentemente

negligenciadas nos t r aba lhos recentes das ciências h u m a n a s e

32

sociais. A atenção t em se voltado para o contexto social e cultural,

e não para o m o d o c o m o as mentes individuais compreendem e

remodelam esse contexto. Acredito que a m u d a n ç a social e política

— nesse caso, os direitos h u m a n o s — ocorre po rque mui tos indi­

víduos tiveram experiências semelhantes, n ã o po rque todos habi­

tassem o m e s m o contexto social, mas po rque , p o r meio de suas

i nterações entre si e com suas leituras e visões, eles realmente cria­

ram um novo contexto social. Em suma, estou insistindo que qual­

quer relato de mudança histórica deve no fim das contas explicar a

alteração das mentes individuais. Para que os direitos h u m a n o s se

(ornassem autoevidentes, as pessoas comuns precisaram ter novas

compreensões que nasceram de novos tipos de sent imentos.

33

Page 17: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

i. "Torrentes de emoções"

Lendo romances e imaginando a igualdade

Um ano antes de publicar O contrato social, Rousseau ganhou

atenção internacional com um romance de sucesso, Júlia ou A nova Heloísa (1761). Embora os leitores modernos achem que a forma

do r o m a n c e epistolar ou em cartas t em às vezes um desenvolvi­

mento to r turan temente lento, os leitores do século xvin reagiram

de m o d o visceral. O subtí tulo excitou as suas expectativas, pois a

história medieval do amor condenado de Heloísa e Abelardo era

bem conhecida . Pedro Abelardo, filósofo e clérigo católico do

século xii, seduziu a sua aluna Heloísa e pagou um alto preço nas

mãos do tio dela: a castração. Separados para sempre, os dois aman­

tes então t rocaram cartas ínt imas que cativaram leitores ao longo

tios séculos. A paródia contemporânea de Rousseau parecia a pr in­

cípio apontar n u m a direção mui to diferente. A nova Heloísa, Júlia,

t ambém se apaixona pelo seu tutor, mas desiste do miserável Saint-

- Preux para satisfazer seu pai autoritário, que exige o seu casamento

comWolmar , um soldado russo mais velho que no passado salvara

a vida do pai de Júlia. Ela não só supera a sua paixão por Saint-Preux

mas t a m b é m parece aprender a amá-lo simplesmente c o m o amigo

35

Page 18: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

antes de morrer, após salvar seu filho pequeno do afogamento. Será

que Rousseau procurava celebrar a submissão à autoridade do pai

e do esposo, ou t inha a intenção de retratar como trágico o ato de

ela sacrificar os seus próprios desejos?

O en redo , m e s m o c o m suas ambigu idades , não explica a

explosão de emoções exper imentada pelos leitores de Rousseau. O

que os comovia era a sua intensa identificação com as persona­

gens, especialmente Júlia. C o m o Rousseau já desfrutava de cele­

b r idade in ternac ional , a notícia da iminen te publ icação do seu

romance se espalhou como um rastilho de pólvora, em parte por­

que ele lia t rechos do r o m a n c e em voz alta pa ra vários amigos .

E m b o r a Voltaire fizesse p o u c o da obra , c h a m a n d o - a "esse lixo

miserável", Jean le Rond d 'Alembert , que coeditou a Encyclopédie com Diderot , escreveu a Rousseau para dizer que t inha "devorado"

o livro e avisá-lo de que devia esperar ser censurado n u m "país em

que se fala t an to do s e n t i m e n t o e da pa ixão e tão p o u c o se os

conhece". O Journal desSavantsadmiúa que o romance t inha defei­

tos e até algumas passagens cansativas, mas concluía que somente

os de coração empedern ido pod iam resistir às "torrentes de e m o ­

ções que tanto devastam a alma, que provocam de forma tão impe­

riosa e tirânica lágrimas tão amargas". 1

Os cortesãos, o clero, os oficiais militares e toda sorte de pes­

soas comuns escreviam a Rousseau para descrever seus sent imen­

tos de um "fogo devorador", suas "emoções e mais emoções, con­

vulsões e mais convulsões". Um contava que não t inha chorado a

mor t e de Júlia, mas que estava "gritando, u ivando como um ani­

mal" (figura 1). C o m o observou um comentar is ta do século xx a

respeito dessas cartas, os leitores do romance no século xvin não o

liam com prazer, mas antes com "paixão, delírio, espasmos e solu­

ços". A t radução inglesa apareceu dois meses após a edição original

francesa; seguiram-se dez edições em inglês en t re 1761 e 1800.

Cento e quinze edições da versão francesa foram publ icadas no

36

I I C U R A í . O leito de morte de Júlia lista cena provocou mais sofrimento do que qualquer outra em Júlia, ou Á nova Heloísa. A gravura de Nicolas Delaunay, baseada num desenho do famoso artista Jean-Michel Moreau, apareceu numa edição de 1782 das I ' Inas reunidas de Rousseau.

Page 19: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

m e s m o p e r í o d o pa ra satisfazer o apet i te voraz de um públ ico

internacional que lia francês. 2

A lei tura de Júlia predispôs os seus leitores para u m a nova

forma de empatia. Embora Rousseau tenha feito circular o te rmo

"direitos humanos", esse não é o tema principal do romance, que

gira em torno de paixão, amor e virtude. Ainda assim, Júlia encora­

java u m a identificação extremamente intensa com os personagens

e com isso tornava os leitores capazes de sentir empat ia além das

fronteiras de classe, sexo e nação. Os leitores do século XVIII, como

as pessoas antes deles, sentiam empatia por aqueles que lhes e ram

próx imos e por aqueles que e r am mui to obviamente seus seme­

lhantes — as suas famílias imediatas, os seus parentes, as pessoas de

sua paróquia , os seus iguais sociais costumeiros em geral. Mas as

pessoas do século XVIII t iveram de aprender a sentir empatia cru­

zando fronteiras mais amplamente definidas. Aléxis de Tocqueville

conta u m a his tór ia relatada pelo secretário de Voltaire sobre

m a d a m e de Châtelet, que não hesitava em se despir na frente de seus

criados, "não considerando ser um fato comprovado que os cama­

reiros fossem homens". Os direitos h u m a n o s só pod iam fazer sen­

t ido quando os camareiros fossem t a m b é m vistos como homens . 3

R O M A N C E S E E M P A T I A

Romances como Júlia levavam os leitores a se identificar com

personagens comuns , que lhes e ram por definição pessoalmente

desconhecidos. Os leitores sent iam empat ia pelos personagens ,

especialmente pela heroína ou pelo herói , graças aos mecanismos

da própr ia forma narrativa. Por meio da troca f ict ícia de cartas, em

outras palavras, os romances epistolares ensinavam a seus leitores

nada menos que u m a nova psicologia e nesse processo estabele­

ciam os fundamentos para u m a nova o rdem política e social. Os

romances t o r n a v a m a Júlia da classe méd ia e até cr iados c o m o

38

I 'ameia, a heroína do romance de m e s m o n o m e escrito por Samuel

Richardson, igual e m e s m o superior a h o m e n s ricos c o m o o sr. B.,

o empregador e futuro sedutor de Pamela. Os romances apresen­

tavam a ideia de que todas as pessoas são fundamenta lmente seme­

lhantes por causa de seus sent imentos ín t imos, e mu i tos romances

mostravam em part icular o desejo de au tonomia . Dessa forma, a

leitura dos romances criava um senso de igualdade e empat ia p o r

meio do envolvimento apaixonado com a narrat iva. Seria coinci­

dência que os três maiores romances de identificação psicológica

do século XVIII — Pamela (1740) e Clarissa (1747-8), de Richard­

son, e Júlia (1761), de Rousseau — tenham sido todos publicados

no per íodo que imed ia t amen te precedeu o su rg imen to do con­

ceito dos "direitos do homem"?

Não é preciso dizer que a empatia não foi inventada no século

XVIII. A capacidade de empat ia é universal, po rque está arraigada

na biologia do cérebro: depende de u m a capacidade de base bioló­

gica, a de c o m p r e e n d e r a subjet ividade de o u t r a s pessoas e ser

capaz de imaginar que suas experiências interiores são semelhan­

tes às nossas. As crianças que sofrem de aut ismo, po r exemplo, t êm

grande dificuldade em decodificar as expressões faciais como indi­

cadoras de sent imentos e em geral enfrentam problemas para atr i­

buir estados subjetivos a outros . O aut ismo, em suma, é caracteri­

zado pela incapacidade de sentir empatia pelos out ros . 4

Normalmen te , todo m u n d o aprende a sentir empatia desde

uma tenra idade. E m b o r a a biologia propicie u m a predisposição

essencial, cada cultura modela a expressão de empat ia a seu m o d o .

A empat ia só se desenvolve por meio da interação social: por tan to ,

as formas dessa in te ração conf iguram a empa t i a de mane i r a s

importantes . No século xviii, os leitores de romances aprenderam

a estender o seu alcance de empatia. Ao ler, eles sentiam empat ia

além de fronteiras sociais tradicionais entre os nobres e os plebeus,

os senhores e os criados, os h o m e n s e as mulheres , talvez até entre

39

Page 20: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

os adultos e as crianças. Em consequência, passavam a ver os ou­

tros — i n d i v í d u o s que não conheciam p e s s o a l m e n t e — c o m o seus

semelhantes , t endo os m e s m o s t ipos de emoções in ternas . Sem

esse processo de aprendizado, a "igualdade" talvez não tivesse um

significado p ro fundo e , em part icular , n e n h u m a consequência

política. A igualdade das almas no céu n ã o é a m e s m a coisa que

direitos iguais aqui na terra. Antes do século xvin, os cristãos acei­

tavam p ron tamen te a pr imeira sem admit i r a segunda.

A capacidade de identificação através das l inhas sociais pode

ter sido adquir ida de várias maneiras , e não me atrevo a dizer que

a leitura de romances tenha sido a única. Ainda assim, ler r o m a n ­

ces parece especialmente per t inente , em par te po rque o auge de

de te rminado tipo de r o m a n c e — o repis to lar—coincide cronolo­

gicamente com o nasc imen to dos direitos h u m a n o s . O romance

epistolar cresceu como gênero entre as décadas de 1760 e 1780 e

depois , um tan to mis t e r io samen te , ex t inguiu-se na década de

1790. Romances de todos os t ipos t i nham sido publicados antes,

mas eles decolaram c o m o gênero no século xvill, especialmente

depois de 1740, a data da publicação de Pamela, de Richardson. Na

França, oi to novos romances foram publ icados em 1701, 52 em

1750 e 112 em 1789. Na Grã-Bretanha, o n ú m e r o de novos r o m a n ­

ces a u m e n t o u seis vezes entre a pr imeira década do século xvin e a

década de 1760: cerca de t r inta novos romances apareceram todo

ano na década de 1770, quarenta por ano na de 1780 e setenta po r

ano na de 1790. Além disso, mais pessoas sabiam ler, e os romances

de então apresentavam pessoas comuns c o m o personagens cen­

trais , enf ren tando os p rob lemas cot id ianos do a m o r e do casa­

men to e cons t ru indo sua carreira no m u n d o . A capacidade de ler e

escrever t inha aumen tado a pon to de até criados, h o m e n s e mu lhe ­

res, l e rem romances nas g randes cidades, e m b o r a a le i tura de

romances não fosse então, n e m seja agora, c o m u m entre as classes

baixas. Os camponeses franceses, que chegavam a consti tuir 8 0 %

da população, não t i nham o cos tume de ler romances , isso q u a n d o

sabiam ler. 5

Apesar das l imitações do le i torado, os heró is e as he ro ínas

c o m u n s do romance do século xvin, de Robinson Crusoé e Tom

Jones a Clarissa Har lowe e Julie d 'Étanges , t o r n a r a m - s e n o m e s

familiares, m e s m o ocasionalmente para aqueles que n ã o sabiam

ler. Os personagens aristocráticos como D o m Quixote e a princesa

de Clèves, tão p roeminen tes nos romances do século xvii, agora

d a v a m lugar a c r iados , m a r i n h e i r o s e m o ç a s da classe méd ia

(enquanto f i lha de um pequeno nobre suíço, até Júlia parece b e m

classe méd ia ) . A escalada ext raordinár ia do r o m a n c e à p reemi ­

nência no século xvin não passou despercebida, e os estudiosos a

l igaram ao longo dos anos ao capitalismo, às ambições da classe

média, ao crescimento da esfera pública, ao surg imento da família

nuclear, a u m a m u d a n ç a nas relações de gênero e a té ao surgi­

m e n t o do nac iona l i smo. Qua i sque r que t e n h a m sido as razões

para o desenvolvimento do romance, o m e u interesse é pelos seus

efeitos psicológicos e pelo m o d o como ele se liga ao su rg imen to

dos direitos humanos ."

Para chegar ao est ímulo da identificação psicológica p ropor ­

c ionado pelo romance , concent ro-me sobre três romances episto­

lares especialmente influentes: f tília, de Rousseau, e dois romances

de seu predecessor inglês e mode lo confesso, Samuel Richardson:

Pamela(l740) e Clarissa (1747-8). O meu a rgumento poderia ter

abarcado o romance do século xvin em geral, e teria então conside­

rado as mui tas mulheres que escreveram romances e os persona­

gens mascul inos, c o m o Tom Jones ou Tristram Shandy, que defi­

n i t ivamen te t a m b é m receberam m u i t a a tenção. Decidi m e

concentrar em Júlia, Pamela e Clarissa, três romances escritos po r

h o m e n s e cen t rados em hero ínas , po r causa de seu indiscut ível

impacto cultural. Eles não p roduz i ram sozinhos as mudanças na

e m p a t i a aqui t r açadas , m a s um exame mais de t a lhado de sua

4 1 40

Page 21: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

recepção cer tamente mos t ra o novo aprendizado da empat ia em

ação. Para compreender o que era novo a respeito do " r o m a n c e " —

um r ó t u l o só a d o t a d o pelos escri tores na segunda m e t a d e do

século xviii — é proveitoso ver o que romances específicos provo­

cavam em seus leitores.

No romance epistolar, não há n e n h u m p o n t o de vista autoral

fora e ac ima da ação ( c o m o mais t a rde no r o m a n c e realista do

século xix): o pon to de vista autoral são as perspectivas dos perso­

nagens expressas em suas cartas. Os "edi tores" das cartas, c o m o

Richardson e Rousseau se denominavam, criavam u m a sensação

vívida de realidade exatamente porque a sua autoria ficava obscu­

recida den t ro da troca de cartas. Isso tornava possível u m a sensa­

ção intensificada de identificação, como se o personagem fosse real,

e n ã o fictício. Mui tos c o n t e m p o r â n e o s c o m e n t a r a m essa expe­

riência, alguns com alegria e assombro, out ros com preocupação e

até repulsa.

A publicação dos romances de Richardson e Rousseau p ro ­

duz iu reações ins tan tâneas — e n ã o apenas nos países em que

foram originalmente publicados. Um francês anôn imo , que agora

se sabe que era um clérigo, publ icou u m a carta de 42 páginas em

1742 de ta lhando a "ávida" recepção dada à t r adução francesa de

Pamela: "Não se p o d e en t r a r n u m a casa sem e n c o n t r a r u m a

Pamela". E m b o r a afirme que o r o m a n c e t em m u i t o s defeitos, o

autor confessa: "Eu o devorei". ("Devorar" se tornar ia a metáfora

mais c o m u m para a leitura desses romances.) Ele descreve a resis­

tência de Pamela às investidas do sr. B., seu patrão, c o m o se eles fos­

sem antes pessoas reais que pe r sonagens fictícios. Descobre-se

preso pelo enredo . Treme q u a n d o Pamela está em perigo, sente

indignação quando personagens aristocráticos c o m o o sr. B. agem

de forma indigna. A sua escolha de palavras e t ipo de l inguagem

reforçam repet idamente a sensação de absorção emocional criada

pela leitura. 7

42

O romance compos to de cartas podia produz i r esses efeitos

psicológicos extraordinários porque a sua forma narrat iva facili­

tava o desenvolvimento de um "personagem", isto é, u m a pessoa

com um eu interior. N u m a das pr imei ras cartas de Pamela, p o r

exemplo, a nossa heroína descreve para a mãe como o seu pa t rão

tentou seduzi-la:

Ele me beijou duas ou três vezes, com uma avidez assustadora.—Por

fim, arranqüei-me de seus braços, e estava saindo do pavilhão, mas

ele me reteve e fechou a porta. Eu teria dado a minha vida por um

vintém. E ele disse, não vou lhe fazer mal, Pamela, não tenha medo

de mim. Eu disse, não vou ficar. Não vai, garota! Disse ele: Você sabe

com quem está falando? Perdi todo o medo, e todo o respeito, e disse:

Sim, sei, senhor, até demais! — Bem que posso esquecer que sou sua

criada, quando o senhor esquece o que é próprio de um patrão, SOLU­

CEI e chorei com muita tristeza. Que garota tola você é, disse ele: Eu

lhe fiz algum mal? — Sim, senhor, disse eu, o maior mal do mundo:

o senhor me ensinou a esquecer quem eu sou e o que me é próprio; e

diminuiu a distância que o destino criou entre nós, rebaixando-se

para tomar liberdades com uma pobre criada.

Lemos a carta jun to com a mãe . N e n h u m narrador , n e m m e s m o

aspas se in t e rpõem entre nós e a p rópr ia Pamela. N ã o p o d e m o s

deixar de nos identificar com Pamela e experimentar com ela a eli­

minação potencial da distância social, b e m como a ameaça à sua

compostura (figura 2) . 8

Embora tenha mui tas qualidades teatrais e seja representada

para a mãe de Pamela por meio da escrita, a cena difere t a m b é m do

teatro porque Pamela pode escrever com mais detalhes sobre suas

emoções interiores. Mui to mais tarde, ela escreverá páginas sobre

suas ideias de suicídio q u a n d o seus planos de fuga fracassam. U m a

peça, em contraste, não poderia se demorar dessa manei ra sobre a

43

Page 22: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

FIGURA 2. O sr. B. lê uma das cartas de Pamela a seus pais Numa das cenas iniciais do romance, o sr. B. se aproxima impetuosamente de Pamela e pede para ver a carta que ela está escrevendo. Escrever é o meio de autonomia de Pamela. Os artistas e os editores não resistiram a acrescentar repre­sentações visuais das principais cenas. A gravura do artista holandês Jan Punt apareceu numa antiga tradução francesa publicada em Amsterdã.

manifestação de um eu interior, que no palco em geral t em de ser

i nferido a part i r da ação ou da fala. Um romance de mui tas cente­

nas de páginas podia revelar um personagem ao longo do t e m p o e,

ai nda por cima, a par t i r da perspectiva do eu interior. O leitor não

segue apenas as ações de Pamela: ele participa do florescimento de

sua personalidade enquan to ela escreve. O leitor se to rna simulta­

neamen te Pamela , m e s m o q u a n d o se imagina u m ( a ) amigo(a )

dela e um observador de fora.

Assim que se t o rnou conhecido como o autor de Pamela em

1741 (ele publ icou o romance anon imamen te ) , Richardson come­

çou a receber cartas, a maior ia de entusiastas. O seu amigo Aaron

I lill p roc lamou que o romance era "a alma da religião, boa educa­

ção, discrição, b o m caráter, espiri tuosidade, fantasia, belos pensa­

mentos e moral idade". Richardson t inha enviado um exemplar

para as filhas de Aaron no início de dezembro de 1740, e Hill rabis­

cou u m a resposta imedia ta : " N ã o t enho feito nada senão ler o

romance para outros , e escutar que outros o leiam para mim, desde

que me chegou às mãos; e acho provável que não faça nada mais,

por só Deus sabe quan to t e m p o ainda por vir [...] ele se apodera,

Iodas as noites, da imaginação. Tem um feitiço em cada u m a de

suas páginas; mas é o feitiço da paixão e do significado". O livro

como que enfeitiçava os seus leitores. A n a r r a t i v a — a troca de car-

las — arrebatava inesperadamente a todos, in t roduzindo-os n u m

novo conjunto de experiências. 9

Hill e suas filhas não estavam sozinhos. A loucura por Pamela logo t ragou a Inglaterra. N u m a vila, dizia-se, os habitantes toca­

ram os sinos da igreja depois de escutar o r u m o r de que o sr. B.

l inha finalmente se casado com Pamela. U m a segunda impressão

apareceu em jane i ro de 1741 (o original foi publ icado em 6 de

novembro de 1740), u m a terceira em março, u m a quarta em maio

e u m a quinta em setembro. A essa altura, out ros já t inham escrito

paródias, críticas extensas, poemas e imitações do original. A elas

45

Page 23: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

deveriam se seguir, com o passar dos anos, muitas adaptações tea­

trais, pinturas e gravuras das cenas principais. Em 1744, a tradução

francesa entrou para o índex papal dos livros proibidos, onde logo se

veria acompanhada de Júlia, de Rousseau, junto com muitas outras

obras do I luminismo. N e m todo m u n d o encontrava nesses roman­

ces "a alma da religião" ou "a moralidade" que Hill afirmara ver. 1 0

Q u a n d o Richardson começou a publicar Clarissa em dezem­

bro de 1747, as expectativas e r am elevadas. Q u a n d o os ú l t imos

volumes (foram sete ao todo, cada um com trezentas a quatrocen­

tas páginas!) aparece ram em dezembro de 1748, Richardson já

t inha recebido cartas implo rando que ele oferecesse um final feliz.

Clarissa foge com o devasso Lovelace para escapar do pretendente

abominável propos to pela sua família. Ela então tem de resistir a

Lovelace, que acaba es tuprando Clarissa depois de drogá-la. Ape­

sar do oferecimento arrependido de casamento por parte de Love­

lace, e de seus própr ios sent imentos pelo sedutor, Clarissa mor re ,

o coração pa r t i do pelo a taque do devasso à sua v i r tude e à sua

consciência de si m e s m a . Lady D o r o t h y Bradsha igh c o n t o u a

Richardson a sua reação à cena da mor te : "O m e u ân imo é estra­

n h a m e n t e a r reba tado , m e u sono é agi tado, a c o r d a n d o à no i te

i r r o m p o n u m choro de paixão, c o m o t a m b é m me aconteceu à

hora do café esta manhã , e como me acontece neste momento" . O

poeta Thomas Edwards escreveu em janeiro de 1749: "Nunca senti

tanta tristeza na minha vida como por essa quer ida menina", refe­

rida anter iormente como "a divina Clarissa". 1 1

Clarissa agradou mais aos leitores cultos que ao público em

geral, mas ainda assim teve cinco edições nos treze anos seguintes

e foi logo t r aduz ido para o francês (1751), o a lemão (1751) e o

holandês (1755). Um estudo das bibliotecas particulares m o n t a ­

das entre 1740 e 1760 mos t rou que Pamela e Clarissa estavam entre

os três romances ingleses (Tom Jones, de H e n r y Fielding, era o ter­

ceiro) c o m mais p robab i l idade de serem e n c o n t r a d o s nelas . O

46

l a m a n h o de Clarissa sem dúv ida d e s a n i m o u a lguns lei tores:

mesmo antes de os t r in ta volumes manuscr i tos i rem para o prelo,

Richardson se p reocupou e ten tou cortar o romance . Um bole t im

literário parisiense apresentou um ju lgamento misto sobre a lei­

tura da t radução francesa: "Ao ler este livro, experimentei algo n e m

um p o u c o c o m u m , o mais in tenso p raze r e o mais abo r r ec ido

tédio". Mas dois anos mais t a rde o u t r o co laborador do bo le t im

anunciou que o gênio de Richardson, ao apresentar tantos perso­

nagens individualizados, tornava Clarissa "talvez a obra mais sur­

preendente que já surgiu das mãos de um homem". 1 2

Embora Rousseau acreditasse que o seu romance era superior

ao de Richardson, ele ainda assim considerava Clarissa o melhor de

todo o resto: "Ninguém ainda escreveu, em qualquer l íngua, um

romance igual a Clarissa, nem mesmo algum que dele se aproxime".

As comparações en t re Júlia e Clarissa c o n t i n u a r a m p o r t o d o o

século. Jeanne-Marie Roland, esposa de um ministro e coordena­

dor informal da facção polít ica g i rondina d u r a n t e a Revolução

I 'rancesa, confessou a um amigo em 1789 que ela relia o romance de

Rousseau todo ano, mas ainda considerava a obra de Richardson o

i ume da perfeição. "Não há n inguém no m u n d o que apresente um

romance capaz de supo r t a r u m a comparação com Clarissa: é a

obra-pr ima do gênero, o modelo e o desespero de todo imitador.""

Tanto os h o m e n s como as mulheres se identificavam com as

I m o i n a s desses romances . Pelas cartas a Rousseau, sabemos que os

homens , m e s m o os oficiais mil i tares , reagiam i n t e n s a m e n t e a

Iiília. Um certo Louis François, oficial militar aposentado, escre­

veu a Rousseau: "Você me deixou louco por ela. Imagine então as

lagrimas que sua m o r t e a r rancou de m i m . [...] Nunca verti lágri­

mas mais deliciosas. Essa leitura teve um efeito tão poderoso sobre

mim que acredito que teria mor r ido de b o m grado duran te aquele

MI premo momento" . Alguns leitores reconheciam explicitamente

.i sua identificação com a heroína. C. J. Panckoucke, que se to rna-

47

Page 24: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

ria um famoso editor, disse a Rousseau: "Senti passar pelo meu cora­

ção a pureza das emoções de Júlia". A identificação psicológica que

conduz à empatia cruzava claramente as fronteiras de gênero. Os lei­

tores mascul inos de Rousseau não só não se identificavam com

Saint-Preux, o amante a que Júlia é forçada a renunciar, como sen­

t iam ainda menos empatia por Wolmar, o seu manso esposo, ou pelo

barão D'Étanges, o seu pai tirânico. Como as leitoras, os homens se

identificavam com a própria Júlia. A luta de Júlia para dominar as

suas paixões e levar u m a vida virtuosa tornava-se a sua luta. 1 4

Pela sua p róp r i a forma, p o r t a n t o , o r o m a n c e epistolar era

capaz de demons t r a r que a individual idade dependia de qualida­

des de " i n t e r i o r i d a d e " (ter um â m a g o ) , pois os pe r sonagens

expressam seus sent imentos ín t imos nas suas cartas. Além disso,

o r o m a n c e epistolar mos t rava que todos os indiv íduos t i n h a m

essa in ter ior idade (mui tos dos personagens escrevem) e, conse­

quen temente , que todos os indivíduos eram de certo m o d o iguais,

po rque todos e ram semelhantes por possuir essa inter ior idade. A

t roca de car tas t o r n a a c r iada Pamela , p o r exemplo , an tes um

mode lo de individualidade e au tonomia orgulhosa que um este­

reót ipo dos opr imidos . C o m o Pamela, Clarissa e Júlia passam a

representar a própr ia individualidade. Os leitores se t o r n a m mais

conscientes da capacidade que existe em si p rópr io e em todos os

outros indivíduos. 1 5

Desnecessário dizer que n e m todos exper imentaram os mes­

mos sent imentos ao ler esses romances. O sagaz romancis ta inglês

Horace Walpole zombava das "lamentações tediosas" de Richard -

son,"que são quadros da vida elevada como seriam concebidos por

um livreiro, e romances como seriam espiritualizados por um p ro ­

fessor metodista". Entretanto, mui tos sent i ram rap idamente que

Richardson e Rousseau t i nham mexido n u m nervo cultural vital.

Apenas um mês depois da publicação dos volumes finais de Cla­rissa, Sarah Fielding, a i rmã do grande rival de Richardson e ela

48

própria u m a romancis ta de sucesso, publ icou a n o n i m a m e n t e um

panfleto de 56 páginas defendendo o romance . E m b o r a seu i rmão

I lenry tivesse publ icado um dos pr imeiros artigos satíricos sobre

Pamela {An apologyfor the life ofmrs. Shamela Andrews, in which, lhe many notoriousfalsehoods and misrepresentations ofa Book cal-led "Pamela", are exposed and refuted [ Uma apologia à vida da sra. Shamela Andrews, na qual as muitas falsidades e deturpações de um livro chamado "Pamela"são desmascaradas e refutadas], 1741), ela

l i nha se to rnado u m a boa amiga de Richardson, que publ icou um

tle seus romances . U m a das suas personagens fictícias, o sr. Clark,

insiste que Richardson conseguiu atraí-lo de tal m o d o p a r a den t ro

da teia de ilusões "que de minha parte estou i n t i m a m e n t e familia­

rizado com todos os Harlow [sic], c o m o se os tivesse conhec ido

desde os pr imeiros anos da minha infância". Out ra pe rsonagem, a

srta. Gibson, insiste nas vir tudes da técnica literária de Richard­

son: "Mui to verdadeiro, senhor, é o seu comentá r io de que u m a

história contada dessa manei ra só pode se desenrolar l en tamente ,

de que os personagens só p o d e m ser vistos por aqueles que pres­

tam u m a atenção precisa ao conjunto; entre tanto , o a u t o r ganha

u m a vantagem escrevendo n o t empo presente, como ele p róp r io o

chama, e na pr imeira pessoa: o fato de que as suas pinceladas pene-

t i a m imedia tamente n o coração, e sent imos todas a s desgraças q u e

ele pinta; não só choramos por, mas com Clarissa, e a a c o m p a n h a ­

mos, passo a passo, por todas as suas desgraças". 1"

O célebre fisiologista e estudioso literário suíço Albrecht von

I laller publ icou u m a apreciação anôn ima de Clarissa em Gentle-inans Magazine em 1749. Von Haller lu tou com todas as forças

para compreender a originalidade de Richardson. E m b o r a apre-

1 iasse as mui tas v i r tudes de romances franceses anter iores , Von

I laller insistia que eles não ofereciam "geralmente n a d a mais do

que representações das i lustres ações de pessoas ilustres", e n ­

quanto no romance de Richardson o leitor vê um per sonagem " n a

49

Page 25: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

m e s m a posição de vida em que nós própr ios nos encontramos". O

autor suíço examinou a tentamente o formato epistolar. Embora os

leitores talvez tivessem dificuldade em acreditar que todos os per­

sonagens gostavam de passar o seu t empo registrando os seus sen­

t i m e n t o s e p e n s a m e n t o s í n t i m o s , o r o m a n c e epis to lar p o d i a

apresentar retratos minuciosamente acurados de personagens in­

dividuais e com isso evocar o que Haller chamava de compaixão:

"O patético nunca foi exposto com igual força, e é manifesto em

milhares de exemplos que os t emperamentos mais empedernidos

e insensíveis t êm sido suavizados até a compaixão, derretendo-se

em lágrimas pela mor te , pelos sofrimentos e pelas tristezas de Cla­

rissa". Ele concluía que "Não conhecemos n e n h u m a representa­

ção, em n e n h u m a língua, que chegue per to de poder competir com

esse romance". 1 7

D E G R A D A Ç Ã O O U M E L H O R A ?

Os con temporâneos sabiam po r suas p rópr ias experiências

que a lei tura desses romances t inha efeitos sobre os corpos, e não

apenas sobre as mentes , mas discordavam entre si sobre as con­

sequências. O clero católico e protes tante denunciava o potencial

de obscenidade, sedução e degradação mora l . Já em 1734, Nico­

las Lenglet-Dufresnoy, ele p r ó p r i o um clérigo educado na Sor-

b o n n e , a c h o u necessário defender os r o m a n c e s con t r a os seus

colegas, a inda que sob um p s e u d ô n i m o . Refutou p rovocadora ­

m e n t e todas as objeções que levavam as a u t o r i d a d e s a p ro ib i r

romances "como est ímulos que servem para inspirar em nós sen­

t i m e n t o s que são d e m a s i a d o vivos e d e m a s i a d o acen tuados" .

Ins i s t indo que o s r o m a n c e s e r a m a p r o p r i a d o s em q u a l q u e r

per íodo, ele concedia que "em todos os t e m p o s a credul idade, o

amor e as mulheres t êm re inado: assim, em todos os t empos os

50

romances t ê m sido l idos c o m a t enção e saboreados" . Seria

melhor concentrar-se em torná- los bons , sugeria, do que ten tar

supr imi- los po r comple to . 1 8

Os ataques não t e rmina ram quando a p rodução de romances

disparou em meados do século. Em 1755, ou t ro clérigo católico, o

abade Armand-Pier re Jacquin, escreveu u m a obra de quatrocentas

páginas para mos t ra r que a leitura de romances solapava a m o r a -

I idade, a religião e todos os pr incípios da o r d e m social. "Abram

essas obras", ele insistia, "e vocês verão em quase todas os direitos

ila justiça divina e h u m a n a violados, a autor idade dos pais sobre os

filhos desdenhada, os laços sagrados do casamento e da amizade

rompidos ." O per igo residia p rec i samente nos seus poderes de

at ração: ao mar te la r cons t an t emen te as seduções do amor , eles

es t imulavam os leitores a agir s egundo seus piores impulsos , a

recusar o conselho de seus pais e da igreja, a ignorar as censuras

morais da comunidade . O único lado b o m em que Jacquin podia

pensar era a falta de u m a força du radoura nos romances. O leitor

podia devorar um romance na pr imeira leitura, mas jamais o reler.

"Eu estava e r rado em profetizar que o romance de Pamela logo

seria esquecido? [...] Acontecerá o m e s m o em três anos com Tom lonese Clarissa?1*

Queixas semelhantes fluíam das penas dos protestantes ingle­

ses. O reverendo Vicesimus Knox resumiu décadas de ansiedades

subsistentes em 1779, quando proc lamou que os romances e r am

degenerados , prazeres culpados que desviavam as jovens inteli­

gências de u m a le i tura mais séria e edificante. A excitação n o s

romances bri tânicos só servia para disseminar os hábitos liberti­

nos franceses e explicava a corrupção da presente era. Os r o m a n ­

ces de Richardson, admi t i a Knox, t i n h a m sido escritos c o m "as

i ntenções mais puras". Mas inevitavelmente o autor t inha na r rado

cenas e excitado sent imentos que e ram incompatíveis com a vir-

tude . Os clérigos n ã o es tavam soz inhos no seu desprezo pelo

51

Page 26: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

romance . U m a estrofe em Lady's Magazine de 1771 resumia u m a visão amplamente part i lhada:

With Pamela, by name, No better acquainted; For as novels I hate, My mind is not tainted.

[Pamela, só de nome,

Mais não conheço;

Como romances odeio,

Minha mente é sem defeito.]

Muitos moralistas t emiam que os romances semeassem descon­

ten tamento , especialmente na mente de criados e moças. 2"

O méd ico suíço Samuel -Augus te Tissot ligava a lei tura de

romances à masturbação, que ele pensava provocar u m a degene­

ração física, mental e moral . Tissot acreditava que os corpos ten­

d iam natura lmente a se deteriorar, e que a mas turbação apressava

o processo tanto nos h o m e n s como nas mulheres . "Só o que posso

dizer é que o ócio, a inatividade, ficar t empo demais na cama, u m a

cama que seja demasiado macia, u m a dieta rica, picante, salgada e

cheia de vinhos, amigos suspeitos e livros licenciosos são as causas

mais propensas a gerar esses excessos." C o m "licenciosos" Tissot

não quer ia dizer a b e r t a m e n t e pornográf icos : n o século XVIII ,

"licencioso" significava algo que tendia ao erótico, mas era distinto

do mui to mais objetável "obsceno". Os romances sobre o amor —

e a maioria dos romances do século xvni contava histórias de amor

— escorregavam mui to facilmente para a categoria dos licencio­

sos. Na Inglaterra , as m o ç a s nos in t e rna tos pa rec i am especial­

mente em perigo, por causa de sua capacidade de conseguir esses

livros "imorais e repugnantes" para lê-los na cama. 2 1

Assim, os clérigos e os médicos concordavam em ver a leitura

de romances em te rmos de p e r d a — d e t empo , de fluidos vitais, de

religião e de moral idade . S u p u n h a m que a leitora imitaria a ação

do romance e se arrependeria mais tarde. U m a leitora de Clarissa, por exemplo , poder ia descons iderar os desejos da sua família e

concordar, c o m o Clarissa, em fugir com um devasso t ipo Lovelace,

que a conduzir ia , por b e m ou por mal, à sua ruína. Em 1792, um

crítico inglês a n ô n i m o ainda insistia que "o a u m e n t o de romances

ajuda a explicar o a u m e n t o da prost i tuição e os inúmeros adul té­

rios e fugas de que ouvimos falar nas diferentes regiões do reino".

Segundo essa visão, os romances es t imulavam exageradamente o

corpo, encorajavam u m a absorção em s i m e s m o mora lmen te sus­

peita e p rovocavam ações des t ru t ivas em relação à a u t o r i d a d e

familiar, mora l e religiosa. 2 2

Richardson e Rousseau reivindicavam antes o papel de edi-

lor que o de autor , para que pudessem se esquivar da má reputa ­

ção associada aos romances . Q u a n d o publ icou Pamela, Richard­

son n u n c a se referia à obra c o m o um romance . O t í tulo comple to

da p r i m e i r a ed ição é um e s t u d o sob re p ro tes tos excessivos:

Pamela: Ou a virtude recompensada. Numa série de cartas fami­liares de uma bela bonzela a seus pais: agora publicadas pela pri­meira vez para cultivar os princípios da virtude e religião nas men­tes de jovens de ambos os sexos. Uma narrativa que tem o seu fundamento na verdade e na natureza; e ao mesmo tempo em que agradavelmente entretém, por uma variedade de incidentes curio­sos e patéticos, é inteiramente despida de todas aquelas imagens que, em muitas obras calculadas apenas para a diversão, tendem a inflamaras mentes que deveriam instruir. O prefácio "pelo edi tor"

Richardson justifica a publ icação das "seguintes Car tas" em ter­

mos mora is : elas ins t ru i rão e aperfeiçoarão as mentes dos jovens,

inculcarão a religião e a m o r a l i d a d e , p in ta rão o vício "em suas

cores apropr iadas" etc . 2 3

53 52

Page 27: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

E m b o r a t a m b é m se referisse a si m e s m o como editor, Rous­

seau c laramente considerava sua obra um romance . Na pr imei ra

frase do prefácio de Júlia, Rousseau ligava os r o m a n c e s à sua

famosa crítica do teatro: "As grandes cidades devem ter teatros; e

os povos corruptos , Romances". C o m o se isso não fosse aviso sufi­

ciente, Rousseau t a m b é m apresentava um prefácio que consistia

n u m a "Conversa sobre Romances entre o Editor e um H o m e m de

Letras". Nele, o pe r sonagem "R" (Rousseau) apresenta todas as

acusações habituais contra o romance por ele br incar com a ima­

ginação pa ra criar desejos que os leitores não p o d e m satisfazer

v i r tuosamente :

Escutamos a queixa de que os Romances perturbam as mentes das

pessoas: posso muito bem acreditar. Ao dispor interminavelmente

diante dos olhos dos leitores os pretensos encantos de um estado

que não é o deles, eles os seduzem, levam-nos a ver o seu próprio

estado com desprezo e trocam-no na imaginação por um estado

que os leitores são induzidos a amar. Tentando ser o que não somos,

passamos a acreditar que somos diferentes do que somos, e esse é o

caminho para a loucura.

E, m e s m o assim, Rousseau passa então a apresentar um romance a

seus leitores. Ele até at i rou a luva em desafio. Se alguém quer me

criticar por tê-lo escrito, diz Rousseau, que ele o diga para todas as

pessoas d o m u n d o , m e n o s pa ra m i m . D e m i n h a pa r te , j amai s

poder ia ter qualquer estima por um h o m e m desses. O livro pode ­

ria escandalizar quase todo m u n d o , Rousseau alegremente admi­

te, mas ao m e n o s não p ropo rc iona rá apenas um prazer tép ido .

Rousseau esperava p lenamente que os seus leitores tivessem rea­

ções violentas. 2 4

Apesar das p reocupações de Richardson e Rousseau a res­

pei to de suas reputações , a lguns críticos já t i n h a m começado a

54

(I esenvolver u m a visão mui to mais positiva do funcionamento do

romance. Já ao defender Richardson, Sarah Fielding e Von Haller

i i nham chamado atenção para a empatia ou compaixão estimulada

I >cla leitura de Clarissa. Nessa nova visão, os romances operavam

sobre os leitores para torná-los mais compreensivos em relação aos

outros, em vez de apenas absorvidos em si mesmos , e assim mais

morais, e n ã o m e n o s . Um dos defensores mais ar t iculados do

romance foi Diderot, autor do artigo sobre o direito natural para a

üncyclopéâie e ele p r ó p r i o um romancis ta . Q u a n d o Richardson

morreu, em 1761, Diderot escreveu um panegírico comparando-o

aos maiores autores entre os antigos: Moisés, Homero , Eurípides e

Sófocles. Diderot se alongou mais, entretanto, sobre a imersão do

leitor no m u n d o do romance : "Apesar de todas as precauções ,

assume-se um papel nas suas obras, somos lançados nas conversas,

aprovamos, censuramos, admiramos , ficamos irritados, sent imos

i ndignação. Quantas vezes não me surpreendi gritando, como acon­

tece com as crianças que foram levadas ao teatro pela primeira vez:

' N ão acredite, ele está enganando você. [...] Se você for lá, estará per­

dido'." A narrativa de Richardson cria a impressão de que você está

1) resente, reconhece Diderot, e ainda mais, que esse é o seu m u n d o , e

i ião um país mui to distante, não um local exótico, não um conto de

ladas. "Os seus personagens são tirados da sociedade c o m u m [...] as

paixões que ele pinta são as que sinto em m i m mesmo." 2 5

Diderot não usa os te rmos "identificação" ou "empatia", mas

apresenta u m a descrição convincente dos dois. Nós nos reconhece­

mos nos personagens, ele admite, saltamos imaginativamente para

0 meio da ação, sent imos os mesmos sent imentos que os persona­

gens estão exper imentando. Em suma, aprendemos a sentir empa-

1 ia por alguém que não é nós mesmos e não p o d e jamais ter contato

direto conosco (ao cont rá r io , d igamos , d o s m e m b r o s da nossa

la mília), mas que ainda assim, de um m o d o imaginativo, é t a m b é m

nós mesmos, sendo esse um elemento crucial na identificação. Esse

55

Page 28: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

processo explica po r que Panckoucke escreveu pa ra Rousseau:

"Senti passar pelo meu coração a pureza das emoções de Júlia".

A empat ia depende da identificação. Diderot percebe que a

técnica narrat iva de Richardson o atrai inelutavelmente para essa

experiência. É u m a espécie de incubadora do aprendizado e m o ­

cional : " N o espaço de a lgumas ho ras , passei p o r um g r a n d e

n ú m e r o de situações que a mais longa das vidas não pode nos ofe­

recer ao longo de sua total duração. [...] Senti que t inha adqui r ido

experiência". Diderot se identifica tan to com os personagens que

se sente roubado no final do romance : "Tive a m e s m a sensação

que e x p e r i m e n t a m os h o m e n s que , i n t i m a m e n t e entre laçados,

viveram jun tos por um longo t empo e agora estão a p o n t o de se

separar. No final, tive de repente a impressão de que haviam me

deixado sozinho". 2 6

Diderot s imul taneamente perdeu a si m e s m o na ação e recu­

perou a si m e s m o na leitura. Ele tem u m a percepção mais nítida da

separação de seu eu — agora se sente soli tário —, mas t a m b é m

percebe com mais clareza que os ou t ros t a m b é m possuem u m a

individualidade. Em outras palavras, tem o que ele p rópr io cha­

mava aquele "sent imento inter ior" que é necessário aos direitos

h u m a n o s . Didero t c o m p r e e n d e , a lém disso, que o efeito do

romance é inconsciente: "Nós nos sent imos atraídos para o bem

com u m a impetuos idade que não reconhecemos . Q u a n d o con­

frontados com a injustiça, exper imentamos u m a aversão que não

sabemos como explicar para nós mesmos". O romance exerce o seu

efeito pelo processo de envolvimento na narrativa, e não por dis­

cursos moralizadores explícitos. 2 7

A leitura de ficção recebeu o seu t r a t amen to filosófico mais

sério no livro Elements of Criticism (1762), de H e n r y H o m e , lorde

Kames. O jurista e filósofo escocês não discutia os romances de per si na obra, mas argumentava que a ficção em geral cria u m a espé­

cie de "presença ideal" ou "sonho acordado" em que o leitor se ima-

56

gina t ranspor tado para a cena descrita. Kames descrevia essa "pre­

sença ideal" como um estado de transe. O leitor é " lançado n u m a

espécie de devaneio" e, "perdendo a consciência do eu e da leitura,

sua presente ocupação, concebe todo incidente c o m o se ocorresse

na sua presença, precisamente como se ele fosse u m a tes temunha

(>cular". O que é mais impor tan te para Kames é que essa transfor-

i nação promove a moral idade. A "presença ideal" abre o leitor para

sentimentos que reforçam os laços da sociedade. Os indivíduos são

a trancados de seus interesses privados e motivados a desempenhar

"a tos de generosidade e benevolência". A "presença ideal" era ou t ro

termo para "o feitiço da paixão e do significado" de A a r o n Hill. 2 8

T h o m a s Jefferson a p a r e n t e m e n t e pa r t i lhava essa op in ião .

(,)uando Robert Skipwith, que se casou com a m e i a - i r m ã da esposa

de Jefferson, escreveu a ele em 1771 p e d i n d o u m a lista de livros

i ecomendados , Jefferson sugeriu mui tos dos clássicos, antigos e

modernos , de política, religião, direito, ciência, filosofia e história.

lilements of Criticism de Kames estava na lista, mas Jefferson come-

Çou o seu catálogo com poesia, peças teatrais e romances , incluin­

do os de Laurence Sterne , H e n r y Fielding, J ean -F ranço i s Mar -

montel, Oliver Goldsmith , Richardson e Rousseau. Na carta que

acompanhava a lista de lei turas, Jefferson se t o r n a v a e loquen te

sobre "as diversões da ficção". C o m o Kames, ele insistia que a fic-

•0 poderia gravar na memór ia tanto os princípios c o m o a prática

d.i v ir tude. C i t ando especificamente Shakespeare, M a r m o n t e l e

• e m e , Jefferson explicava que, ao ler essas obras, e x p e r i m e n t a m o s

•m nós própr ios o forte desejo de praticar atos ca r idosos e gratos"

> . inversamente, ficamos repugnados com as más ações ou a con­

duta imoral . A ficção, ele insistia, p r o d u z o desejo da imi tação

moral com u m a eficácia ainda maior que a da le i tura de história. 2 9

Em últ ima análise, o que estava em jogo nesse conf l i to de opi-

i sobre o romance era nada menos do que a va lo r ização da

v i . l , i secular c o m u m c o m o o f u n d a m e n t o da m o r a l i d a d e . Aos

57

Page 29: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

olhos dos crít icos da le i tura desse gênero , a s impat ia po r u m a

hero ína de romance estimulava o que havia de pior no indivíduo

(desejos ilícitos e autorrespeito excessivo) e demonst rava a dege­

neração irrevogável do m u n d o secular. Para os adeptos da nova

visão de moral ização empát ica , em contraste , essa identificação

mostrava que o despertar de u m a paixão podia ajudar a transfor­

m a r a na tureza inter ior do indivíduo e p roduz i r u m a sociedade

mais mora l . Acredi tavam que a na tureza in ter ior dos h u m a n o s

fornecia u m a base para a autor idade social e política. 3"

Assim, o feitiço mágico lançado pelo romance mos t rou ter

efeitos de longo alcance. Embora os adeptos do romance não o dis­

sessem tão expl ic i tamente , eles c o m p r e e n d i a m que escri tores

c o m o Richardson e Rousseau estavam efetivamente a t ra indo os

seus leitores para a vida cotidiana como u m a espécie de experiên­

cia religiosa substituta. Os leitores aprendiam a apreciar a intensi­

dade emocional do c o m u m e a capacidade de pessoas como eles de

criar po r sua própr ia conta um m u n d o moral . Os direitos h u m a ­

nos cresceram no cante i ro s emeado po r esses s en t imen tos . Os

direitos h u m a n o s só p u d e r a m florescer q u a n d o as pessoas apren­

deram a pensar nos outros como seus iguais, como seus semelhan­

tes em algum m o d o fundamental . Aprenderam essa igualdade, ao

menos em parte , expe r imen tando a identificação com persona­

gens comuns que pareciam dramat icamente presentes e familia­

res, m e s m o que em úl t ima análise f ict ícios. 3 '

O E S T R A N H O D E S T I N O D A S M U L H E R E S

Nos três romances aqui escolhidos, o foco da identificação

psicológica é u m a jovem p e r s o n a g e m feminina cr iada p o r um

autor masculino. É claro, ocorria t a m b é m a identificação com per­

sonagens masculinos. Jefferson, por exemplo, seguia avidamente a

58

sorte de Tristram Shandy (1759-67), de Sterne, e do alter ego de

Sterne, Yorick, em Uma viagem sentimental (1768). As escritoras

t inham t a m b é m os seus entusiastas, tan to entre os leitores c o m o

entre as leitoras. O abolicionista e reformador penal francês Jac-

ques-Pierre Brissot citava Júlia cons tantemente , mas o seu r o m a n ­

ce inglês favorito era Cecília (1782), de Fanny Burney. C o m o o

exemplo de Burney confirma, entre tanto , as personagens femini­

nas possu íam u m a posição elevada: todos os seus três romances

t i nham os nomes das heroínas apresentadas. 3 2

As heroínas e ram convincentes po rque a sua busca de au to­

nomia nunca podia ser p l enamente bem-sucedida . As mulheres

t i nham poucos direitos legais sem os pais ou mar idos . Os leitores

achavam a busca de i n d e p e n d ê n c i a da he ro ína espec ia lmente

comoven te p o r q u e logo c o m p r e e n d i a m as restr ições que essa

mu lhe r inevi tavelmente enfrentava. N u m final feliz, Pamela se

casa com o sr. B. e aceita os limites implícitos de sua liberdade. Em

contraste, Clarissa mor re , em vez de se casar com Lovelace depois

que ele a estupra. Embora Júlia pareça aceitar a imposição do pai,

renunciando ao h o m e m que ama, ela t a m b é m mor re na cena f inal .

Alguns críticos mode rnos t êm visto masoqu i smo ou mart í r io

nessas histórias, mas os con temporâneos pod iam ver outras carac­

terísticas. Tanto os leitores como as leitoras se identificavam com

essas pe rsonagens , p o r q u e as mulhe res d e m o n s t r a v a m m u i t a

força de vontade , mu i t a personal idade. Os leitores não que r i am

apenas salvar as heroínas: quer iam ser como elas, até mesmo como

Clarissa e Júlia, apesar de suas mor tes trágicas. Quase toda a ação

nos três romances gira em to rno de expressões da vontade femi­

nina, em geral u m a vontade que t em de se atritar com restrições

dos pais e da sociedade. Pamela deve resistir ao sr. B. para manter o

seu senso de vir tude e o seu senso de individualidade, e a sua resis­

tência acaba por conquis tá- lo . Clarissa se m a n t é m firme cont ra

sua família e depois contra Lovelace por razões bem parecidas, e no

59

Page 30: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

final Lovelace quer desesperadamente casar-se com Clarissa, u m a

oferta que ela recusa. Júlia deve desistir de Saint-Preux e aprender

a amar a sua vida com Wolmar: a luta é toda sua. Em cada romance ,

t udo remete ao desejo de independência da heroína. As ações dos

personagens masculinos só servem para realçar essa vontade femi­

nina . Os leitores que sent iam empat ia pelas heroínas aprendiam

que todas as pessoas — até as mulheres — aspiravam a u m a maior

au tonomia , e exper imentavam imaginat ivamente o esforço psico­

lógico que a luta acarretava.

Os romances do século xvin refletiam u m a preocupação cul­

tural mais profunda com a au tonomia . Os fi lósofos do I luminismo

acreditavam firmemente que t i nham sido pioneiros nessa área no

século XVIII. Q u a n d o falavam de liberdade, quer iam dizer au tono­

mia individual , quer fosse a l iberdade de expressar opiniões ou

prat icar a religião escolhida, quer a independência ensinada aos

meninos , se fossem seguidos os preceitos de Rousseau no seu guia

educativo, Emilio (1762). A narrativa i luminista da conquista da

a u t o n o m i a at ingiu o seu ápice no ensaio de 1784 de I m m a n u e l

Kant, "O que é o Iluminismo?". Ele o definiu celebremente como "a

human idade saindo da imatur idade em que ela própr ia incorreu".

A imatur idade , ele cont inuava, "é a incapacidade de empregar a

própr ia compreensão sem a orientação de outro". O I luminismo,

para Kant, significava au tonomia intelectual, a capacidade de pen­

sar por si m e s m o . "

A ênfase do I luminismo sobre a au tonomia individual nasceu

da revolução no pensamento político do século XVII, iniciada por

H u g o Grot ius e John Locke. Eles t i n h a m a r g u m e n t a d o que o

acordo social de um h o m e m a u t ô n o m o com ou t ros indiv íduos

t a m b é m au tônomos era o único fundamento possível da autor i ­

dade polí t ica legít ima. Se a au to r i dade just i f icada pelo di re i to

divino, pela escritura e pela história devia ser subst i tuída po r um

contrato entre homens au tônomos , então os men inos t i nham de

60

ser ensinados a pensar po r si mesmos . Assim, a teor ia educacional ,

modelada de forma m u i t o influente por Locke e Rousseau, deslo­

cou-se de u m a ênfase na obediência reforçada pelo castigo pa ra o

( ultivo cuidadoso da razão como o principal m o v i m e n t o da inde­

xe udência. Locke explicava a impor tânc ia das novas práticas em

Pensamentos sobre a educação (1693): "Devemos cuidar para que

nossos f i lhos, q u a n d o crescidos, sejam c o m o n ó s p róp r io s . [...]

I'referimos ser considerados criaturas racionais e ter nossa liber­

dade; n ã o gos tamos de nos sentir cons t r ang idos sob cons tan tes

repreensões e intimidações". C o m o Locke reconhecia , a a u t o n o ­

mia política e intelectual dependia de educar as crianças (no seu

caso, tan to os meninos c o m o as meninas) segundo novas regras: a

au tonomia requeria u m a nova relação com o m u n d o , e não apenas

novas ideias. 3 4

Ter pensamentos e decisões própr ios requer ia , assim, t an to

mudanças psicológicas e polít icas c o m o filosóficas. Em Emílio, Rousseau pedia que as mães ajudassem a cons t ru i r paredes psico­

lógicas ent re os seus filhos e todas as pressões sociais e polít icas

externas. " M o n t e m desde cedo", ele r ecomendava , "um cercado ao

redor da alma de seu filho." O pregador e panfletário político inglês

Richard Price insistia em 1776, ao escrever em apoio aos colonos

americanos, que um dos quat ro aspectos gerais da l iberdade era a

liberdade física, "esse princípio da Espontaneidade, ou Autodeter­minação, que nos to rna Agentes". Para ele, a l iberdade era s inôn imo

de au tod i reção ou au togoverno , a metáfora pol í t ica nesse caso

sugerindo u m a metáfora psicológica; mas as duas e r a m in t ima­

mente relacionadas. 3 5

Os re fo rmadores insp i rados pelo I l u m i n i s m o q u e r i a m i r

além de proteger o co rpo ou cercar a a lma c o m o r e c o m e n d a v a

Rousseau. Exigiam u m a ampliação do âmbi to da t o m a d a de deci­

são individual . As leis revolucionárias francesas sobre a família

demons t r am a profundidade da preocupação sent ida em relação

61

Page 31: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

às l imitações tradicionais impostas à independência. Em março de

1790, a nova Assembleia Nacional aboliu a p r imogen i tu ra , que

dava direitos especiais de herança ao pr imeiro filho, e as infames

lettres de cachet, que permi t iam às famílias encarcerar as crianças

sem julgamento. Em agosto do mesmo ano, os deputados estabe­

leceram conselhos de família para ouvir as disputas entre pais e

filhos até a idade de vinte anos, em vez de permit i r aos pais o con­

trole exclusivo sobre os seus filhos. Em abril de 1791, a Assembleia

decretou que todas as crianças, meninos e meninas , deviam herdar

igualmente. Depois, em agosto e setembro de 1792, os deputados

d i m i n u í r a m a idade da maior idade de 25 para 21 anos, declararam

que os adultos já não pod iam estar sujeitos à autor idade pa terna e

ins t i tuí ram o divórcio pela pr imeira vez na história francesa, tor­

n a n d o - o acessível t an to para os h o m e n s c o m o para as mulheres

pelos mesmos motivos legais. Em suma, os revolucionários f ize­

r am tudo o que foi possível para expandir as fronteiras da au tono­

mia pessoal. 3 6

Na Grã -Bre t anha e em suas colônias n o r t e - a m e r i c a n a s , o

desejo de maior au tonomia pode ser mais facilmente retraçado em

autobiografias e romances do que na lei, ao menos antes da Revo­

lução Americana. De fato, em 1753, a Lei do Casamento t o rn o u ile­

gais na Ingla ter ra os ca samen tos daqueles abaixo de 21 anos , a

menos que o pai ou o guardião consentisse. Apesar dessa reafirma­

ção da au to r idade pa te rna , a ant iga d o m i n a ç ã o pat r ia rca l dos

m a r i d o s sobre as esposas e dos pais sobre os f i lhos dec l inou no

século x v m . De Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe, à Auto­biografia (escrita ent re 1771 e 1788) de Benjamin Frankl in , os

escri tores ingleses e amer i canos ce lebra ram a i ndependênc i a

como u m a vi r tude cardinal . O romance de Defoe sobre o mar i ­

nheiro naufragado fornecia um manual sobre como um h o m e m

podia aprender a se defender sozinho. Não é surpreendente , por ­

tanto , que Rousseau t enha t o r n a d o o r o m a n c e de Defoe le i tura

62

obrigatória para o jovem Emílio ou que Robinson Crusoétenha sido pub l i cado pela p r i m e i r a vez nas colônias amer icanas em

1774, b e m no m e i o do n a s c i m e n t o da crise da i ndependênc i a .

Robinson Crusoé foi um dos best-sellers coloniais amer icanos de

1775, só rivalizado por Cartas de lorde Chesterfield a seu filho e O

legado de um pai a suas filhas, de John Gregory, popularizações das

v isões de Locke sobre a educação de meninos e meninas . 3 7

As tendências na vida das pessoas reais se m o v i a m na m e s m a

direção, ainda que de forma mais hesitante. Os jovens esperavam

cada vez mais poder fazer as suas próprias escolhas de casamento,

e m b o r a as famílias a inda exercessem g rande pressão sobre eles,

i o m o podia ser observado nos romances com enredos que g i ram

em to rno desse pon to (por exemplo, Clarissa). As práticas de criar

as crianças t a m b é m revelam mudanças sutis de at i tude. Os ingle­

ses a b a n d o n a r a m o cos tume de enrolar os bebês em panos antes

dos franceses (a Rousseau pode-se dar um considerável crédi to

I nrr dissuadir os franceses desse hábi to) , mas mant iveram po r mais

l empo o de bater nos m e n i n o s na escola. Na década de 1750, as

famílias aristocráticas inglesas t i n h a m deixado de usar correias

para guiar o caminhar de seus filhos, desmamavam os bebês mais

cedo e, como as crianças já não e ram enroladas em panos, ens ina­

vam mais cedo o uso do banhei ro na hora de fazer as necessidades,

ludo sinal de u m a ênfase crescente na independência. 3 8

Entretanto, a história era às vezes mais confusa. O divórcio na

Inglaterra, ao contrár io de out ros países protestantes, era v i r tual ­

mente impossível no século x v m : entre 1700 e 1857, q u a n d o a Lei

das Causas Mat r imonia i s estabeleceu um t r ibunal especial pa ra

ouvir casos de divórcio, apenas 325 divórcios foram concedidos

pela lei pr ivada do Par lamento na Inglaterra, no País de Gales e na

Irlanda. Embora o n ú m e r o de divórcios tivesse de fato crescido, de

catorze na pr imei ra me tade do século x v m para 117 na s egunda

metade, o divórcio estava para todos os efeitos l imitado a h o m e n s

63

Page 32: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

aristocratas, pois os motivos exigidos to rnavam quase impossível

a ob t enção do divórcio pa ra as mulheres . Os n ú m e r o s ind icam

apenas 2,34 divórcios concedidos por ano na segunda metade do

século xviii. Depois que os revolucionários franceses inst i tuíram o

divórcio , em cont ras te , 20 mi l divórcios fo ram concedidos na

França entre 1792 e 1803, ou 1800 por ano. As colônias britânicas

na América do Norte seguiam em geral a prática inglesa de proibir

o divórcio mas permit i r alguma forma de separação legal; po rém

após a independênc ia , as pet ições de divórcio começaram a ser

aceitas pelos novos t r ibuna i s na maior ia dos estados. Estabele­

cendo u m a tendência depois repetida na França revolucionária, as

mulheres protocolaram a maioria das petições de divórcio nos pr i ­

meiros anos da independência dos novos Estados Unidos . 3 9

Em no tas escritas em 1771 e 1772 sobre um caso legal de

divórcio, Thomas Jefferson ligava claramente o divórcio aos direi­

tos naturais . O divórcio devolveria "às mulheres o seu direito na tu­

ral de igualdade". Ele insistia que, por sua própr ia natureza, os con­

t ra tos po r consen t imento m ú t u o deviam ser dissolúveis se u m a

das partes quebrasse o a c o r d o — o mesmo a rgumento que os revo­

lucionár ios franceses usar iam em 1792. Além disso, a possibili­

dade do divórcio legal assegurava a "liberdade de afeição", t a m b é m

um direito natural . Na "busca da felicidade", to rnada famosa pela

Declaração da Independência , estaria incluído o direito ao divór­

cio porque a "finalidade do casamento é a Reprodução & a Felici­

dade". O direito à busca da felicidade requeria, por tan to , o divór­

cio. N ã o é po r acaso que Jefferson apresen ta r ia a r g u m e n t o s

semelhantes para um divórcio entre as colônias amer icanas e a

Grã-Bretanha quatro anos mais tarde. 4 0

A medida que pressionavam pela expansão da au todetermi­

nação, as pessoas do século xvm defrontavam-se com um dilema:

o que propiciaria a or igem da comunidade nessa nova o rdem que

intensificava os direi tos do indivíduo? U m a coisa era explicar

6 4

como a moral idade podia ser derivada da razão h u m a n a , e não da

Sagrada Escritura, ou c o m o a au tonomia devia ser preferida à obe-

iliência cega. Mas era ou t ra coisa comple tamente diferente conci­

liar esse indivíduo or ientado para si m e s m o com o b e m c o m u m .

()s filósofos escoceses de meados do século puse ram a questão da

comunidade secular no centro da sua obra e apresen ta ram u m a

resposta filosófica que repercut ia a prát ica da empat ia ens inada

pelo r o m a n c e . Os filósofos, c o m o as pessoas do século x v m de

modo mais geral, chamavam a sua resposta de "simpatia". Usei o

(ermo "empatia" porque , apesar de ter en t rado no vernáculo ape­

nas no século xx, ele capta melhor a vontade ativa de se identificar

com os outros . Simpatia agora significa frequentemente piedade,

(> que pode implicar condescendência, um sent imento incompat í ­

vel com um verdadeiro sent imento de igualdade. 4 1

A palavra "simpatia" t inha um significado mui to amplo no

século xvm. Para Francis Hutcheson, a simpatia era u m a espécie de

sent ido, u m a faculdade m o r a l . Mais n o b r e do que a visão ou a

audição, sent idos pa r t i l hados c o m os an imais , p o r é m m e n o s

nobre do que a consciência, a simpatia ou sent imento de solidarie­

dade tornava a vida social possível. Pela força da natureza h u m a n a ,

anterior a qualquer raciocínio, a simpatia atuava como u m a espé­

cie de força gravitacional social para trazer as pessoas para fora de

si mesmas . A simpatia assegurava que a felicidade não podia ser

definida apenas pela autossatisfação."Por u m a espécie de contágio

ou infecção", concluía Hu tcheson , " todos os nossos prazeres ,

mesmo aqueles do t ipo mais inferior, são es t ranhamente intensifi­

cados pelo fato de serem part i lhados com os outros." 4 2

Adam Smith, autor de A riqueza das nações (1776) e a luno de

I lu tcheson, ded icou u m a de suas p r imei ras obras à ques tão da

simpatia. No capítulo inicial da sua Teoria dos sentimentos morais (1759), ele usa o exemplo da tor tura para chegar à maneira como

a simpatia opera. O que nos faz sentir compaixão pelo sofrimento

65

Page 33: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

de alguém que está sendo torturado? Ainda que o sofredor seja um

irmão, nunca podemos experimentar diretamente o que ele sente.

Podemos apenas nos identificar com o seu sofrimento por meio da

nossa imaginação, que nos coloca a nós própr ios na sua situação

s u p o r t a n d o os m e s m o s to rmen tos , "como que en t r amos no seu

corpo e nos tornamos em alguma medida ele próprio". Esse processo

de identificação imag ina t iva—simpa t i a—permi te que o observa­

dor sinta o que a vítima da tor tura sente. O observador só é capaz de

se tornar um ser verdadeiramente moral, entretanto, quando dá o

próximo passo e compreende que ele t ambém é passível dessa iden­

tificação imaginativa. Q u a n d o consegue ver a si p rópr io como o

objeto dos sentimentos dos outros, é capaz de desenvolver dentro de

si m e s m o um "espectador imparcial" que serve como sua bússola

mora l . A au tonomia e a s impat ia , po r t an to , a n d a m juntas para

Smith. Apenas u m a pessoa au tônoma pode desenvolver um "espec­

tador imparcial" dentro de si mesma, mas ela só pode fazê-lo, explica

Smith, caso se identifique com os outros primeiro.' 1 1

A simpatia ou a sensibilidade — o ú l t imo t e r m o era m u i t o

mais difundido em francês — tiveram u m a ressonância cultural

ampla nos dois lados do Atlânt ico na ú l t ima m e t a d e do século

XVIII. T h o m a s Jefferson lia Hu tcheson e Smi th , e m b o r a tivesse

c i tado especif icamente o romanc i s t a Laurence Sterne c o m o

aquele que oferecia "o melhor curso de moralidade". Dada a ubi­

quidade de referências a simpatia e sensibilidade no m u n d o atlân­

tico, não parece acidental que o pr imeiro romance escrito por um

americano, publ icado em 1789, tivesse como t í tulo The Power of

Sympathy. A simpatia e a sensibilidade pe rmeavam de tal m o d o a

literatura, a p in tura e até a medicina que alguns médicos começa­

r am a se p reocupar com um excesso dessas faculdades, que eles

receavam poder levar à melancolia, à h ipocondr ia ou aos "vapo­

res". Os médicos achavam que as damas desocupadas (as leitoras)

eram especialmente suscetíveis. 4 4

66

A simpatia e a sensibilidade a tuavam em favor de mui tos gru­

pos n ã o e m a n c i p a d o s , m a s n ã o das m u l h e r e s . Cap i ta l i zando o

sucesso do romance em invocar novas fo rmas de identificação psi-

( ológica, os p r ime i ros abol ic ionis tas e n c o r a j a v a m os escravos

libertos a escrever suas autobiografias romanceadas , às vezes par-

( ialmente fictícias, a fim de ganhar adeptos pa ra o m o v i m e n t o nas-

i ente. Os males da escravidão adqui r i ram vida q u a n d o foram des­

critos em pr imeira m ã o po r h o m e n s c o m o Olaudah Equiano, cujo

livro The Inter estingNar rative ofthe Life of Olaudah Equiano, or

(iustavus Vassa, TheAfrican. Written by Himself'foi publ icado pela

primeira vez em Londres, em 1789. Mas a maior ia dos abolicionis­

tas deixou de relacionar sua causa com os direitos das mulheres .

I >cpois de 1789, m u i t o s revoluc ionár ios franceses a s s u m i r i a m

posições públicas e vociferantes em favor dos direitos dos protes­

tantes, judeus , negros livres e até escravos, ao m e s m o t e m p o que se

opor iam at ivamente a conceder direitos às mulheres . Nos novos

listados Unidos , e m b o r a a escravidão se apresentasse imedia ta ­

mente como tema para um debate acalorado, os direitos das m u ­

lheres provocavam ainda m e n o s comen tá r io públ ico do que na

f iança . As mulheres não obt iveram direi tos polí t icos iguais em

n e n h u m lugar antes do século xx. 4 5

As pessoas do século xvin, como quase todo m u n d o na histó­

ria h u m a n a antes delas, v iam as mulheres como dependentes , um

estado definido pelo seu status familiar, e assim, por definição, não

plenamente capazes de au tonomia política. Elas p o d i a m lutar pela

, i i i Iode t e rminação como u m a virtude privada, moral , s e m estabe-

lei er ligação com os direitos políticos. T inham direitos, mas não

I io I í ticos. Essa visão se t o rnou explícita quando os revolucionários

l i .mceses red ig i ram u m a nova Cons t i tu ição em 1789. O abade

I 1 1 1 1 nanuel-Joseph Sieyès, um intérprete ilustre da teor ia consti tu-

I [onal, explicava a distinção emergente entre os direitos naturais e

civis, de um lado, e os direitos políticos, de outro . Todos os habi-

67

Page 34: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

tantes de um país, inclusive as mulheres, possuíam os direitos de

um cidadão passivo: o direito à proteção de sua pessoa, propr ie­

dade e l iberdade. Mas n e m todos eram cidadãos ativos, sustentava

ele, com direito a part icipar diretamente das atividades públicas.

"As mulheres , ao menos no presente estado, as crianças, os estran­

geiros, aqueles que não con t r ibuem para mante r a o rdem pública"

e ram definidos como cidadãos passivos. A ressalva de Sieyès, "ao

m e n o s no presente estado", deixava u m a p e q u e n a brecha pa ra

m u d a n ç a s futuras nos direi tos das mulheres . O u t r o s t en ta r i am

explorar essa brecha, mas sem sucesso no cur to prazo. 4 6

Os poucos que de fato defendiam os direitos das mulheres no

século xviii e ram ambivalentes a respeito dos romances. Os oposi­

tores t rad ic iona is dos romances acredi tavam que as mu lhe re s

e ram especialmente suscetíveis ao enlevo da leitura sobre o amor,

e até os defensores dos romances, como Jefferson, preocupavam-

-se com os seus efeitos sobre as jovens. Em 1818, um Jefferson mui to

mais velho do que aquele entusiasmado com seus romancistas pre­

feridos em 1771 alertava sobre "a paixão desregrada" por roman­

ces entre as moças. "O resultado é u m a imaginação intumescida" e

" u m juízo doentio". Não é surpreendente , por tan to , que os defen­

sores ardentes dos direitos das mulheres levassem essas suspeitas a

sério. C o m o jefferson, Mary Wollstonecraft, a mãe do feminismo

mode rno , contrastou explicitamente a leitura de romances — "o

único t ipo de leitura calculado para atrair u m a inteligência ino­

cente e frívola" — com a leitura de história e com a compreensão

racional ativa de m o d o mais geral. No entanto , a própr ia Wollsto­

necraft escreveu dois romances centrados em heroínas, resenhou

mui tos romances na imprensa e a eles se referia cons tantemente na

sua correspondência . Apesar de suas objeções às prescrições de

Rousseau para a educação feminina em Emílio, ela leu avidamente

Júlia e usava expressões lembradas de Clarissa e dos romances de

Sterne para t ransmit i r suas próprias emoções nas cartas. 4 7

68

Aprender a sentir empat ia abriu o c a m i n h o para os direitos

humanos , mas não assegurava que todos seriam capazes de seguir

imedia tamente esse c a m i n h o . N i n g u é m c o m p r e e n d e u isso m e -

I hor, n e m se afligiu mais a esse respeito, do que o autor da Declara-

ção da Independência . N u m a carta de 1802 ao clérigo, cientista e

re formador inglês Joseph Priestley, Jefferson exibiu o exemplo

americano para o m u n d o inteiro: "É impossível não ter consciên­

cia de que estamos agindo por toda a human idade ; de que circuns-

tâncias negadas a out ros , mas a nós concedidas, impuse ram-nos o

dever de exper imentar qual é o grau de l iberdade e autogoverno

que u m a sociedade pode se arriscar a conceder a seus indivíduos",

lefferson pressionava pelo mais elevado "grau de l iberdade" ima-

gj nável, o que para ele significava abrir a part icipação política para

lautos h o m e n s brancos q u a n t o fosse possível, e talvez eventual­

mente até para os índios, se eles pudessem ser t ransformados em

.!)• ricultores. Embora reconhecesse a human idade dos negros e até

O S direitos dos escravos como seres h u m a n o s , não imaginava u m

estado em que eles ou as mulheres de qualquer cor tivessem par te

al iva. Mas esse era o mais elevado grau de l iberdade imaginável

pa ra a imensa maioria dos amer icanos e europeus , mesmo 24 anos

mais tarde, no dia da mor t e de Jefferson. 4 8

69

Page 35: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

2. "Ossos dos seus ossos"

Abolindo a tortura

Em 1762, no m e s m o ano em que Rousseau usou pela pr imei­

ra vez o t e rmo "direitos do homem", um tr ibunal na cidade de Tou­

louse, no sul da França, condenou um protestante francês de 64

anos chamado Jean Calas por assassinar seu fi lho para impedir que

ele se convertesse ao catol ic ismo. Os juízes c o n d e n a r a m Jean à

m o r t e pelo suplício da roda. Antes da execução, Calas p r ime i ro

teve de s u p o r t a r u m a t o r t u r a jud ic ia lmen te superv i s ionada

conhecida como a "questão preliminar", que se destinava a conse­

guir que aqueles já condenados nomeassem seus cúmplices. C o m

os p u n h o s atados b e m apertados a u m a barra atrás dele, Calas foi

esticado por um sistema de manivelas e roldanas que puxava fir­

memen te seus braços para cima, enquan to um peso de ferro m a n ­

t inha os pés no lugar (figura 3). Q u a n d o Calas se recusou a forne­

cer nomes depois de duas aplicações, foi atado a um banco e jarros

de água foram despejados à força pela sua garganta, enquan to a

boca era man t ida aberta po r dois pauz inhos (figura 4). Pressio­

nado de novo a citar nomes , diz-se que ele respondeu: "Onde não

há crime, não pode haver cúmplices".

I ' IGURA3. Tortura judicial E quase impossível encontrar representações da tortura judicialmente sancionada. Esta xilografía de página inteira do século xvi (21,6 x 14,4 cm) tem o objetivo de mostrar um método empregado em Toulouse que se parece com o sofrido por Jean Calas dois séculos mais tarde. É uma versão da tortura judicial mais comumente usada na Europa, chamada strap-¡mdo, nome derivado da palavra italiana para puxão ou rasgão violento.

Page 36: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

FIGURA 4. Tortura pela água A xilografía do século xvi (21,6 x 14,4 cm) mostra um método francês de tortura pela água. Não é exatamente o mesmo que Calas sofreu, mas chega perto o suficiente para transmitir a ideia geral.

A m o r t e não se seguia imedia tamente , n e m se pretendia que

assim fosse. O suplício da roda, reservado aos h o m e n s condenados

por homicíd io ou assalto na estrada, ocorria em dois estágios. Pri­

meiro, o carrasco atava o condenado a u m a cruz em forma de X e

esmagava s is temat icamente os ossos de seus antebraços, pernas ,

coxas e braços, desferindo em cada um deles dois golpes brutais ,

l'or meio de um sarilho preso à corda ao redor do pescoço do con­

denado , um assistente embaixo do cadafalso então deslocava as

vértebras do pescoço com puxões violentos na corda. Enquan to

isso, o carrasco fustigava a c intura com três golpes fortes da vara de

ferro. Depois o carrasco descia o corpo quebrado e o prendia, com

os membros to r tu ran temen te inclinados para trás, a u m a roda de

carruagem em cima de um poste de três metros . Ali o condenado

pe rmanec ia bas tan te t e m p o depois da m o r t e , conc lu indo " u m

espetáculo m u i t o terrível". N u m a ins t rução secreta, o t r i buna l

concedeu a Calas a graça de ser estrangulado depois de duas horas

de to rmen to , antes que seu corpo fosse ligado à roda. Calas m o r r e u

ainda protes tando inocência. '

O "caso" Calas galvanizou a atenção quando foi adotado por

Voltaire a lguns meses depois da execução. Voltaire a r recadou

d inheiro para a família, escreveu cartas em n o m e de vários membros

da família Calas com o intuito de apresentar suas visões originais dos

latos e depois publicou um panfleto e um livro baseados no caso. O

mais famoso desses foi o seu Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de Jean Calas, no qual ele usou pela primeira vez a expressão

"direito h u m a n o " ; o p o n t o principal de seu argumento era que a

intolerância não podia ser um direito h u m a n o (ele não p ropunha o

a rgumento positivo de que a l iberdade de religião era um direito

11 umano ). Voltaire não protestou inicialmente nem contra a tor tura,

nem contra o suplício da roda. O que o enfureceu foi o fanatismo

religioso que ele concluiu ter mot ivado a polícia e os juízes: "É

impossível ver como, seguindo esse princípio [o direito h u m a n o ] ,

73

Page 37: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

um h o m e m pode dizer a outro, 'acredite no que eu acredito e no que

você não pode acreditar, senão vai morrer'. É assim que eles falam em

Portugal, Espanha e Goa [países infames pelas suas inquisições]". 2

C o m o o culto calvinista público t inha sido proibido na França

desde 1685, as autoridades aparentemente não precisavam se esfor­

çar m u i t o pa ra acredi tar que Calas tivesse m a t a d o o filho pa ra

impedir a sua conversão ao catolicismo. Certa noite, depois do jan­

tar, a família t inha encontrado Mare-Antoine pendendo n u m vão

de por ta que abria para u m a despensa nos fundos da casa, um apa­

rente suicídio. Para evitar o escândalo, af irmaram ter descoberto o

corpo no chão, presumivelmente vítima de assassinato. O suicídio

era punível pela lei na França: u m a pessoa que cometesse suicídio

não podia ser enterrada em chão consagrado e, se considerada cul­

pada n u m julgamento, o corpo podia ser exumado, arrastado pela

cidade, pendurado pelos pés e atirado no lixo.

A polícia se aprovei tou das incoerências no t e s t emunho da

família e logo prendeu o pai, a mãe e o i rmão jun to com seu criado

e um visitante, acusando todos de assassinato. Um tr ibunal local

condenou o pai, a mãe e o i rmão à tor tura para obter confissões de

culpa (chamada a "questão preparatór ia") , mas na apelação o Par-lement* de Toulouse revogou a sentença do t r ibunal local, recu­

sou-se a aplicar a to r tu ra antes da condenação e considerou cul­

pado apenas o pai, esperando que ele nomeasse os out ros q u a n d o

to r tu rado pouco antes da sua execução. A publicidade inexorável

dada por Voltaire ao caso valeu para o resto da família, que ainda

não t inha sido inocentada. O Conselho Real p r imei ro anu lou os

veredictos por razões técnicas em 1763 e 1764 e depois, em 1765,

votou a favor da absolvição de todos os envolvidos e da devolução

dos bens confiscados da família.

Duran te a tempestade a respeito do caso Calas, o foco de aten-

* Parlement: cor te de just iça. (N .T . )

74

ção de Voltaire começou a mudar , e cada vez mais o p r ó p r i o sis­

tema de justiça criminal, e especialmente o seu emprego da t o r t u r a

e da crueldade, passou a ser criticado. Nos seus textos iniciais sobre

Calas, em 1762-3, Voltaire não usou n e m u m a única vez o t e r m o

geral " to r tu ra" ( empregando em seu lugar o eufemismo legal "a

questão"). Ele denunc iou a to r tu ra judicial pela pr imeira vez em

1766 e depois estabeleceu frequentemente a ligação entre Calas e a

tortura. A compaixão natura l leva todo m u n d o a detestar a c rue l ­

dade da tor tura judicial, insistia Voltaire, embora ele p róp r io n ã o

tivesse dito essas palavras antes. "A t o r t u r a t em sido abol ida em

< >utros países, e com sucesso: a questão está, por tan to , decidida." As

visões de Voltaire m u d a r a m tanto que em 1769 ele se sentiu c o m ­

pelido a acrescentar um art igo sobre "Tor tura" a seu Dicionário filosófico, publicado pela pr imeira vez em 1764 e já no índex papal

tios livros proibidos. No artigo, Voltaire emprega a sua a l ternância

habitual do ridículo e do ataque fulminante para condenar as p r á ­

ticas francesas como incivilizadas: os estrangeiros julgam a França

pelas suas peças teatrais, romances , versos e belas atrizes, sem saber

que não há nação mais cruel que a França. U m a nação civilizada,

conclui Voltaire, já não pode seguir "antigos costumes atrozes". O

c i ue há mui to t empo t inha parecido aceitável a ele e a mui tos o u t r o s

passava a ser posto em dúvida. 3

Assim c o m o aconteceu com os direi tos h u m a n o s de m o d o

mais geral, as novas at i tudes sobre a to r tura e sobre u m a p u n i ç ã o

mais h u m a n a se cr is tal izaram pr ime i ro na década de 1760, n ã o

.i penas na França, mas em outros países europeus e nas colônias

americanas. Frederico, o Grande, da Prússia, amigo de Voltaire, já

l inha abolido a t o r tu ra judicial nas suas terras em 1754. O u t r o s

imitaram seu exemplo nas décadas seguintes: a Suécia em 1772, a

Áustria e a Boêmia em 1776. Em 1780, a monarqu ia francesa eli­

minou o uso da to r tu ra para extrair confissões de culpa antes da

i ondenação, e em 1788 aboliu provisor iamente o uso da t o r t u r a

75

Page 38: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

pouco antes da execução para obter os nomes de cúmplices. Em

1783, o governo bri tânico descont inuou a procissão pública para

Tyburn , o n d e as execuções t i nham se t o r n a d o um i m p o r t a n t e

en t r e t en imen to popular , e in t roduz iu o uso regular da "queda",

u m a plataforma mais elevada que o carrasco deixava cair para asse­

gurar enforcamentos mais rápidos e mais h u m a n o s . Em 1789, o

governo revolucionário francês renunciou a todas as formas de tor­

tura judicial, e em 1792 introduziu a guilhotina, que t inha a inten­

ção de tornar a execução da pena de mor t e uniforme e tão indolor

quan to possível. No final do século xvm, a opinião pública parecia

exigir o fim da tor tura judicial e de muitas indignidades infligidas

aos corpos dos condenados. C o m o o médico americano Benjamin

Rush insistia em 1787, não devemos esquecer que até os criminosos

"possuem almas e corpos compostos dos mesmos materiais que os

de nossos amigos e conhecidos. São ossos dos seus ossos".4

T O R T U R A E C R U E L D A D E

A tor tura judicialmente supervis ionada para extrair confis­

sões t inha sido int roduzida ou reintroduzida na maior ia dos paí­

ses eu ropeus no século XIII, c o m o consequênc ia do refloresci­

m e n t o da lei r o m a n a e do exemplo da Inquis ição católica. Nos

séculos xvi, xvii e Xvm, mui t a s das mais refinadas inteligências

legais da Europa dedicaram-se a codificar e regularizar o uso da

tor tura judicial para impedir abusos perpet rados por juízes exage­

r a d a m e n t e zelosos ou sádicos. A Grã -Bre t anha t i nha supos ta ­

mente substi tuído a tor tura judicial pelos júris no século XIII, mas

a to r tura ainda ocorria nos séculos xvi e XVII nos casos de sedição e

feitiçaria. Contra as bruxas, po r exemplo, os magis t rados escoce­

ses mais severos empregavam ferroadas, privação de sono, to r tura

pelas "bo ta s " (esmagar as pe rnas ) , q u e i m a d u r a s c o m ferro em

brasa e outros métodos . A tor tura para obter os nomes de cúmpl i ­

ces era permit ida pela lei colonial de Massachuset ts , mas aparente­

mente nunca era ordenada. 5

As formas b ru ta i s de pun ição depo i s da condenação e r a m

ubíquas na Europa e nas Américas. E m b o r a a Bill ofRights br i tâ­

nica de 1689 proibisse expressamente o castigo cruel , os-juízes

ainda sentenciavam os cr iminosos ao poste dos açoites, ao banco

dos afogamentos, ao t ronco, ao pe lour inho , ao ferro de marcar, à

execução p o r a r r a s t a m e n t o e e s q u a r t e j a m e n t o ( d e s m e m b r a ­

mento do corpo por meio de cavalos) ou , para as mulheres , arras-

lamento, esquartejamento e mor t e na fogueira. O que constituía

uma punição "cruel" dependia c laramente das expectativas cul tu­

rais. Foi s o m e n t e em 1790 que o P a r l a m e n t o b r i t ân ico p ro ib iu

queimar as mulheres na fogueira. Antes, entre tanto , havia a u m e n ­

tado dramat icamente o n ú m e r o de ofensas capitais, que segundo

algumas estimativas triplicou no século xvm e em 1753 t inha con­

t r ibuído para to rnar as punições po r assassinato ainda mais hor ­

ríveis a fim de a u m e n t a r seu poder de dissuasão. O Par lamento

t a m b é m o r d e n o u que os corpos de t o d o s os assassinos fossem

entregues a cirurgiões para dissecação — naquele t empo conside­

rada u m a ignomínia — e concedeu aos juízes a autor idade discri­

cionária de ordenar que o corpo de qualquer assassino mascul ino

fosse d e p e n d u r a d o aco r ren tado depois da execução. Apesar do

crescente desconforto com esse escarnecer do cadáver dos assassi­

nos, a prática só foi definitivamente abolida em 1834/'

N ã o surpreende que a punição nas colónias tenha seguido os

padrões estabelecidos no cen t ro imper ia l . Assim, um terço de

todas as sentenças na Corte Superior de Massachusetts, m e s m o na

úl t ima me tade do século xvm, exigia humi lhações públicas que

iam desde usar cartazes até a perda de u m a orelha, a marcação a

ferro e o açoite. Um con temporâneo em Boston descreveu c o m o

"as mulheres eram tiradas de u m a imensa jaula, na qual e ram arras-

77 76

Page 39: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

tadas sobre rodas desde a prisão, e atadas n u m poste com as costas

nuas, nas quais eram aplicadas tr inta ou quarenta chicotadas entre

os gritos das culpadas e o tumul to da turba". A Bill ofRights bri tâ­

nica não protegia os escravos, porque eles não eram considerados

pessoas com direitos legais. Virginia e Carolina do Norte permi t iam

expressamente a castração de escravos por ofensas hediondas, e em

Maryland, nos casos de pequena traição ou incêndio cr iminoso por

par te de um escravo, a m ã o direita era cortada e o escravo depois

enforcado, a cabeça cortada, o corpo esquartejado e as partes des­

m e m b r a d a s exibidas em públ ico . Ainda na década de 1740, os

escravos em Nova York pod iam ser queimados até a mor te de forma

tor turantemente lenta, supliciados na roda ou dependurados por

correntes até mor re rem por falta de alimento. 7

A maioria das sentenças determinadas pelos t r ibunais france­

ses na úl t ima metade do século xvin ainda incluía alguma forma de

castigo corporal público, como a marcação a ferro, o açoite ou o

uso do colarinho de ferro (que ficava preso a um poste ou ao pelou­

r inho — figura 5). No m e s m o ano em que Calas foi executado, o

Parlementde Paris* sentenciou apelações de processos penais con­

tra 235 homens e mulheres julgados em pr imeira instância no tri­

bunal de Châtelet ( um tr ibunal de instância inferior) de Paris: 82

foram sentenciados ao ban imen to e à marcação a ferro, em geral

combinados com açoites; nove à mesma combinação mais o cola­

r inho de ferro; dezenove à marcação a ferro e ao apr is ionamento;

vinte ao confinamento no Hospital Geral,** depois de serem mar ­

cados a ferro e /ou t e rem de usar o co la r inho de ferro; doze ao

enforcamento; três ao suplício da roda; e um a mor re r que imado

* O Parlementde Paris era a mais alta corte de justiça do Antigo Regime. (N.T.) ** Fundado por Luís xiv, o Hospital Geral servia para recolher marginais, indigentes etc. (N. T.)

Le -véritable PorlraiiiTtre' dâpres nature sur Lh Place du Palais Roy\il,d'Emmanuel Jean de­là Caste cotndamné par Jugement souverain de M vie Lieutenant G- de Police, dii28.Jau/l 1760• au Carcan pendant 3.Jaurs a Ittmanpl, et aux Galères a perpétuité^).

FIGURA 5. O colarinho de ferro A. ideia deste castigo era uma humilhação pública. Esta reprodução de um artista anônimo mostra um homem condenado por fraude e libelo em 1760. Segundo a legenda, ele foi primeiro preso ao colarinho de ferro por três dias e depois marcado a ferro e enviado às galés para o resto da vida.

Page 40: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

na fogueira. Se todos os outros tribunais de Paris fossem incluídos na

conta, o n ú m e r o de humilhações públicas e mutilações aumenta­

ria para quinhentas ou seiscentas, com umas dezoito execuções —

em apenas um ano, n u m a única jurisdição. 8

A pena de m o r t e podia ser imposta de cinco maneiras dife­

rentes na França: decapitação para os nobres; enforcamento para

os cr iminosos comuns ; ar ras tamento e esquartejamento por ofen­

sas c o n t r a o soberano conhecidas c o m o lèse-majesté; m o r t e na

fogueira por heresia, magia, incêndio criminoso, envenenamento,

bestialidade e sodomia; e o suplício da roda por assassinato ou sal-

teamento . Os juízes ordenavam arras tamento e esquartejamento e

m o r t e na fogueira com pouca frequência no século xvi l i , mas o

suplício da roda era mu i to c o m u m : na jurisdição do Parlementde Aix-en-Provence, no sul da França, por exemplo, quase a metade

das 53 sentenças de m o r t e impos tas ent re 1760 e 1762 era pelo

suplício da roda.''

Mas da década de 1760 em diante, campanhas de vários t ipos

levaram à abolição da tor tura sancionada pelo estado e a u m a cres­

cente moderação nos castigos (até para os escravos). Os reforma­

dores a t r ibuíam suas realizações à difusão do human i t a r i smo do

I luminismo. Em 1786, o reformador inglês Samuel Romilly o lhou

pa ra trás e a f i rmou cheio de confiança que "à m e d i d a que os

h o m e n s refletem e r ac ioc inam sobre esse t e m a i m p o r t a n t e , as

noções absurdas e bárbaras de justiça que prevaleceram por eras

t êm sido demol idas , e t êm sido adotados pr inc íp ios h u m a n o s e

racionais em seu lugar". Mui to do impulso imediato para pensar

sobre o assunto veio do cur to e vigoroso Dos delitos e das penas, publicado em 1764 por um aristocrata italiano de 24 anos, Cesare

Beccaria. Promovido pelos círculos em t o r n o de Diderot , t r adu­

zido rapidamente para o francês e o inglês e avidamente lido por

Voltaire no decorrer do caso Calas, o p e q u e n o livro de Beccaria

examinava o sistema de justiça criminal de cada nação. O sistema

8o

italiano recente não rejeitava apenas a to r tu ra e o castigo cruel, mas

t a m b é m — n u m a at i tude extraordinária para a é p o c a — a própr ia

pena de mor te . Con t ra o poder absoluto dos governantes, a o r t o ­

doxia religiosa e os privilégios da nobreza, Beccaria p r o p u n h a um

p a d r ã o d e m o c r á t i c o de just iça: "a m a i o r felicidade do m a i o r

número". Vir tua lmente todo reformador a part i r de então, de Phi­

ladelphia a Moscou, o citava. 1"

Beccaria a judou a valorizar a nova l inguagem do sent imento.

Para ele, a pena de m o r t e só podia ser "perniciosa para a sociedade,

pelo exemplo de barbár ie que proporciona", e ao objetar a " tor­

mentos e crueldade inúti l" na punição ele os ridicularizava c o m o

"o ins t rumento de um fanatismo furioso". Além disso, ao justificar

a sua intervenção ele expressava a esperança de que se "eu contr i ­

bui r para salvar da agonia da mor t e u m a vít ima infeliz da tirania,

ou da ignorânc ia igua lmen te fatal, a sua bênção e lágr imas de

êxtase serão para m i m um consolo suficiente para o desprezo de

toda a humanidade" . Depois de ler Beccaria, o jurista inglês Wil­

l iam Blackstone estabeleceu a conexão que se tornaria caracterís­

tica após a visão do I l u m i n i s m o : a lei c r imina l , afirmava Black­

s tone , deve s empre "se con fo rmar aos d i tados da verdade e da

justiça, aos sent imentos humani tá r ios e aos direitos indeléveis da

humanidade" ."

Entretanto, c o m o most ra o exemplo de Voltaire, a elite edu­

cada, e até mui tos dos principais reformadores, não compreendeu

imedia tamente a conexão entre a l inguagem nascente dos direitos

e a to r tu ra e o castigo cruel. Voltaire escarneceu do malogro da jus­

tiça no caso Calas, mas não objetou or iginalmente ao fato de que o

velho fora to r tu rado ou supliciado na roda. Se a compaixão na tu­

ral leva t o d o m u n d o a detestar a c rue ldade da t o r tu ra judicial ,

como Voltaire disse mais tarde, por ç|ue isso não era óbvio antes da

década de 1760, n e m m e s m o para ele? Evidentemente, antolhos de

8l

Page 41: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

a lgum t ipo haviam atuado para inibir a operação da empat ia antes

desse per íodo . 1 2

Q u a n d o os escritores e os reformadores legais do I luminismo

começaram a quest ionar a to r tura e a punição cruel, ocorreu u m a

viravolta quase completa de at i tude ao longo de algumas décadas.

A descoberta do sent imento de companhei r i smo constituía par te

dessa m u d a n ç a , mas apenas pa r te . O que era preciso a lém da

empat ia — na verdade, nesse caso, u m a precondição necessária

para a empat ia com o condenado pela j u s t i ç a — e r a um novo inte­

resse pelo corpo h u m a n o . Antes sagrado apenas den t ro de u m a

o r d e m re l ig iosamente definida, em que os corpos individuais

pod i am ser mut i lados ou tor turados para o b e m c o m u m , o corpo

se t o r n o u sagrado po r s i p r ó p r i o n u m a o r d e m secular que se

baseava na a u t o n o m i a e inviolabi l idade dos ind iv íduos . Esse

desenvolvimento ocorre em duas partes. Os corpos ganharam um

valor mais posi t ivo q u a n d o se t o r n a r a m mais separados , mais

senhores de si mesmos e mais individualizados duran te o desenro­

lar do século XVIII, enquan to as violações dos corpos provocavam

mais e mais reações negativas.

A P E S S O A A U T Ô N O M A

Embora possa parecer que os corpos estão sempre inerente­

men te separados um do out ro , ao menos após o nasc imento , as

fronteiras entre os corpos se t o rna ram mais n i t idamente definidas

depois do século xiv. Os indivíduos se t o rna ram mais a u t ô n o m o s

à medida que sent iam cada vez mais a necessidade de guardar para

si mesmos os seus excretos corporais . O l imiar da vergonha bai ­

xou, e n q u a n t o a pressão p o r au tocon t ro le a u m e n t o u . O ato de

defecar ou ur inar em público tornou-se cada vez mais repulsivo.

As pessoas começaram a usar lenços em vez de assoar o nariz com

82

as mãos . Cuspir, comer n u m a tigela c o m u m e do rmi r n u m a cama

com u m es t r anho t o r n a r a m - s e atos r epugnan t e s o u a o m e n o s

desagradáveis. As explosões violentas de emoção e o c o m p o r t a ­

m e n t o agressivo passa ram a ser soc ia lmente inaceitáveis. Essas

m u d a n ç a s de a t i tude em relação ao co rpo e r a m as indicações

superficiais de u m a t ransformação subjacente. Todas assinalavam

0 advento do ind iv íduo fechado em si m e s m o , cujas fronteiras

t inham de ser respeitadas na interação social. A compos tu ra e a

au tonomia requer iam u m a crescente autodisciplina. 1 3

As mudanças do século xviii nos espetáculos musicais e tea­

trais, na arquitetura domést ica e na arte do retrato tiveram como

base essas alterações de longo prazo nas ati tudes. Além disso, essas

novas experiências revelaram-se cruciais para o su rg imento da

própria sensibilidade. Nas décadas depois de 1750, em vez de cami­

nhar pe lo tea t ro pa ra e n c o n t r a r e conversar c o m os amigos , o

público das óperas começou a escutar a música em silêncio, o que

1 he facultava sentir fortes emoções individuais em reação à música.

Uma mulhe r con tou a sua reação à ópera Alceste, de Gluck, que

estreou em Paris em 1776: "Escutei essa nova obra com u m a p ro ­

funda atenção. [...] Desde os pr imeiros compassos fui invadida por

um forte s en t imen to de a d m i r a ç ã o reverente e senti den t ro de

mim esse impulso religioso com tal intensidade [...] que sem me

dar conta caí de joelhos no m e u camarote e permaneci nessa posi­

ção, suplicante e com as mãos unidas, até o final da peça". A reação

dessa mulhe r é especialmente notável, porque ela (a carta é assi­

nada Pauline de R***) traça um paralelo explícito com a experiên­

cia religiosa. O fundamento de toda a autor idade estava se deslo­

cando de u m a e s t r u t u r a religiosa t r anscenden ta l para u m a

estrutura h u m a n a interior; mas esse deslocamento só podia fazer

sentido para as pessoas se fosse exper imentado de um m o d o pes­

soal, até m e s m o ín t imo. 1 4

Os frequentadores do teatro exibiam u m a tendência maior

83

Page 42: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

para as a r ruaças d u r a n t e os espetáculos do que os aman tes da

mús ica , m a s m e s m o n o tea t ro novas prá t icas anunc i avam u m

fu turo diferente em que as peças ser iam represen tadas n u m a

a tmosfera semelhan te a um silêncio religioso. D u r a n t e g rande

par te do século xvin, os espectadores parisienses coordenavam os

atos de tossir, cuspir, espirrar e soltar gases para per tu rbar os espe­

táculos de que não gostavam, e demons t rações públicas de em­

briaguez e de brigas in t e r rompiam frequentemente as frases dos

ar t is tas . Para colocar os espectadores a u m a dis tância ma io r e

assim to rna r mais difíceis as per turbações , a possibil idade de se

sentar no palco foi e l iminada na França em 1759. Em 1782, os

esforços para estabelecer a o rdem na plateia ou parterre culmina­

ram na instalação de bancos na Comédie Française; antes disso, os

espectadores na plateia a n d a v a m l ivremente nesse espaço e às

vezes compor t avam-se mais c o m o u m a tu rba do que c o m o um

público. E m b o r a os bancos fossem aca loradamente contestados

na imprensa da época e vistos po r alguns c o m o um ataque per i ­

goso à l iberdade e franqueza da plateia, a direção dos acontecimen­

tos t inha se to rnado clara: as explosões coletivas deviam dar lugar

a experiências interiores individuais e mais t ranqui las . 1 5

A arquitetura residencial reforçava esse sentido de separação

do indivíduo. A "câmara" (chambre) nas casas francesas to rnou-se

cada vez mais especializada na segunda metade do século xvin. A

sala, antes de finalidade geral, t ransformou-se no "quar to de dor­

mir", e nas famílias mais ricas as crianças t i nham quar tos de dor­

mir separados do de seus pais. Dois terços das casas parisienses

t i n h a m qua r to s de d o r m i r na segunda m e t a d e do século xvin,

enquanto apenas u m a em sete t inha salas dest inadas às refeições. A

elite da sociedade parisiense começou a insistir n u m a variedade de

quar tos para uso privado, que iam desde os boudoirs (que vem do

francês bouâer para "amuar-se" — um quar to para expressar seu

m a u h u m o r em privado) à toalete e aos quar tos de banho . Ainda

assim, o mov imen to em direção à privacidade individual não deve

ser exagerado, ao menos na França. Os viajantes ingleses queixa­

vam-se incessan temente da prát ica francesa de três ou q u a t r o

e s t r anhos d o r m i r e m n u m m e s m o q u a r t o n u m a hospeda r i a

(ainda que em camas separadas) , do uso de lavatórios à vista de

todos, do ato de ur inar na lareira e do de jogar o conteúdo dos peni­

cos na rua pelas janelas. As suas queixas atestam, entre tanto , um

processo em a n d a m e n t o em ambos os países. Na Inglaterra, um

novo exemplo notável era o circui to de c a m i n h a d a no j a rd im,

desenvolvido nas grandes propriedades rurais entre as décadas de

1740 e 1760: o circuito fechado, com suas vistas e m o n u m e n t o s

cuidadosamente escolhidos, destinava-se a intensificar a contem­

plação e a recordação privadas. 1 6

Os corpos sempre t i nham sido centrais para a p in tura euro­

peia, mas antes do século XVII e ram com mui ta frequência os cor­

pos da Sagrada Família, dos santos católicos ou dos governantes e

seus cortesãos. No século XVII e especialmente no xvin, mais pes­

soas c o m u n s começaram a encomendar p in turas de si mesmas e de

suas famílias. Depois de 1750, as exposições públicas regulares —

elas própr ias u m a nova característica da vida social — apresenta­

vam n ú m e r o s crescentes de retratos de pessoas comuns em Lon­

dres e Paris, m e s m o que a p in tura histórica a inda ocupasse oficial­

mente a posição de premier genre.

Nas colônias britânicas na América do Nor te , a arte do retrato

dominava as artes visuais, em parte porque as tradições políticas e

eclesiásticas europeias t i n h a m m e n o r peso . A impor t ânc i a dos

retratos só fez crescer nas colônias no século xvin: qua t ro vezes

mais re tratos foram p in tados nas colônias ent re 1750 e 1776 do

que en t re 1700 e 1750, e m u i t o s desses re t ra tos representavam

cidadãos c o m u n s e propr ie tár ios de terras (figura 6) . Q u a n d o a

p in tu ra h is tór ica g a n h o u nova p r o e m i n ê n c i a na França sob a

Revolução e o Impér io Napoleónico, os retratos ainda consti tuíam

«s

Page 43: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

FIGURA 6. Retrato do capitão John Pigott feito por Joseph Blackburn Como muitos artistas ativos nas colônias americanas, Joseph Blackburn nasceu e foi muito provavelmente educado na Inglaterra antes de ir para Bermuda em 1752 e no ano seguinte para Newport, em Rhode Island. Depois de pintar muitos retratos em Newport, Boston e Portsmouth, em New Hampshire, ele retornou para a Inglaterra em 1764. Esta pintura a óleo do final da década de 1750 ou início dos anos 1760 (127 x 101,6 cm) forma um par com o retrato da esposa de Pigott. Blackburn era conhe­cido por sua atenção minuciosa às rendas e a outros detalhes nas roupas.

uns 4 0 % das p inturas apresentadas nos Salons. Os preços cobrados

pelos p in tores de re t ra tos a u m e n t a r a m nas ú l t imas décadas do

século xviii, e as gravuras levaram os retratos a um público mais

amplo do que os modelos originais e suas famílias. O mais famoso

pintor inglês da era, sir Joshua Reynolds, fez a sua reputação c o m o

retratista e, segundo Horace Walpole, "resgatou a p in tura de retra­

tos da insipidez". 1 7

Um espec tador c o n t e m p o r â n e o expressou o seu d e s d é m

depois de ver o n ú m e r o de retratos na exposição francesa de 1769:

A multidão de retratos, senhor, que me impressiona por toda parte,

força-me, a despeito de mim mesmo, a falar agora deste assunto e a

tratar deste tema árido e monótono que tinha reservado para o

final. Em vão o público há muito tempo reclama da multidão de

burgueses que deve passar incessantemente em revista. [...] A faci­

lidade do gênero, a sua utilidade e a vaidade de todas essas persona­

gens mesquinhas estimulam nossos artistas principiantes. [...] Gra­

ças ao infeliz gosto do século, o Salon está se tornando uma mera

galeria de retratos.

0 "infeliz gos to" do século emanava da Inglaterra , s e g u n d o os

franceses, e assinalava para mui tos a iminente vitória do comércio

sobre a verdadeira arte. No seu artigo "Retrato" para a Encyclopédie ile mui tos volumes de Diderot , o chevalier Louis de Jaucourt con­

cluía que "o gênero de p in tura mais seguido e p rocurado na Ingla-

1 erra é o do retrato". Mais tarde no m e s m o século, o escritor Louis-

Sébastien Mercier t e n t o u t ranqui l izar os espíritos: "os ingleses

si >bressaem nos retratos, e nada supera os retratos de Regnols [ sic], entre os quais os principais exemplos são os maiores, em t a m a n h o

maturai, e no m e s m o pa tamar das pinturas históricas" (figura 7).

I )o seu cos tume i ro m o d o as tu to , Mercier t inha cap t ado o ele­

mento crítico — na Inglaterra, os retratos e ram comparáveis ao

87

Page 44: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

FIGURA 7. Retrato de lady Charlotte Fitz-William, mezzotinto feito por James MacArdell de umapintura realizada por sir Joshua Reynolds, 1754 Reynolds ganhou fama por pintar retratos de figuras importantes da sociedade britânica. Ele frequentemente pintava apenas as faces e as mãos de seus modelos, deixando ao cuidado de especialistas ou assisten­tes a roupagem e a indumentária. Charlotte tinha somente oito anos na época deste retrato, mas o seu penteado, os brincos e o broche de pérola lhe dão uma aparência mais velha. Reproduções como esta levaram a fama de Reynolds ainda mais longe. James MacArdell fez mezzotintos de muitos retratos pintados por Reynolds. A legenda diz: "J. Reynolds pinxt. J. McArdell fecit. Lady Charlotte Fitz-William. Publicado por J. Reynolds de acordo com a Lei do Parlamento 1754".

principal gênero da Academia de Belas-Artes francesa, as p in tu ras

históricas. A pessoa c o m u m podia então ser heróica m e r a m e n t e

em vi r tude de sua individualidade. O corpo c o m u m t inha agora

distinção. 1 8

É verdade que os retratos pod iam t ransmit i r algo comple ta ­

mente diferente da ind iv idua l idade . À m e d i d a que a r i queza

comercial crescia aos t r ancos e ba r r ancos na Grã -Bre tanha , na

França e em suas colônias, encomendar retratos como u m a m a r c a

de s ta tus e nobreza refletia um a u m e n t o mais geral do c o n s u ­

mismo. A semelhança nem sempre t inha importância nessas enco ­

mendas. As pessoas comuns não quer iam parecer c o m u n s nos seus

retratos, e alguns pintores de retratos ganharam reputação ma i s

por sua capacidade de pintar rendas, sedas e cetins do q u e faces.

Entretanto, embora os retratos às vezes focalizassem representa­

ções de t ipos ou alegorias de v i r tudes ou r iqueza, na s e g u n d a

metade do século xvili esses retratos d iminu í ram de i m p o r t â n c i a

quando os artistas e seus clientes começaram a preferir represen-

l ações mais naturais da individualidade psicológica e fisionômica.

Além disso, a própr ia proliferação de retratos individuais es t imu­

lou a visão de que cada pessoa era um indivíduo — isto é, singular,

separado, distinto e original, e assim é que devia ser r ep resen tado . "

As mulheres d e s e m p e n h a r a m um papel às vezes s u r p r e e n ­

dente nesse desenvolvimento. A voga de romances c o m o Clarissa, que focalizavam mulheres c o m u n s com u m a rica vida in te r io r ,

fazia com que as p in turas alegóricas de modelos femininos c o m

laces semelhantes a máscaras parecessem irrelevantes ou s imples­

mente decorat ivas . No en t an to , c o m o os pintores p r o c u r a v a m

cada vez mais franqueza e int imidade psicológica nos seus re t ra -

los, a relação entre o pintor e o modelo tornou-se mais ca r regada

cie u m a visível tensão sexual, especialmente quando as m u l h e r e s

pintavam os homens . Em 1775, James Boswell registrou as crít icas

de Samuel Johnson contra as retratistas: "Ele [Johnson] achava a

89

Page 45: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

pin tura de retratos um emprego imprópr io para as mulheres . 'A

prática pública de qualquer arte, e o ato de perscrutar a face dos

h o m e n s , é algo m u i t o indel icado n u m a mulher '" . Ainda assim,

várias p in toras de retratos se t o r n a r a m verdadeiras celebridades

na ú l t ima metade do século xvin. Denis Diderot e n c o m e n d o u o

seu ret ra to a u m a delas, a artista alemã Anna Therbusch. Na sua

crítica do Salon de 1767, onde a p in tura apareceu, Diderot sentiu

que precisava se defender contra a sugestão de que t inha do rmido

com a artista, "uma mulher que não é bonita". Mas ele t a m b é m teve

de admi t i r que sua filha ficou tão impress ionada c o m a seme­

lhança do retrato feito por Therbusch que precisava se controlar

para não o beijar cem vezes, na ausência de seu pai, por medo de

ar ru inar a p intura . 2 0

Assim, embora alguns críticos talvez julgassem a semelhança

nos re t ra tos secundár ia para o valor estético, a parecença era

obviamente mui to valorizada por mui tos clientes e por um cres­

cente n ú m e r o de críticos. No seu autorrevelador Journal to Eliza, escrito em 1767, Laurence Sterne se refere repe t idamente à "sua

doce Imagem sent imenta l" — o retrato de Eliza, provavelmente

feito p o r Richard Cosway, t u d o o que ele t em de sua a m a d a

ausente. "A sua Imagem é Você Mesma — toda Sent imento, Suavi­

dade e Verdade. [...] Original mui to querida! C o m o se parece com

você — e se parecerá — até que você a faça desaparecer pela sua

presença." Assim como aconteceu no romance epistolar, t a m b é m

na p i n t u r a de re t ra tos a s mu lhe re s d e s e m p e n h a r a m um papel

fundamenta l no processo da empat ia . Ainda que a maior ia dos

h o m e n s , em teoria , quisesse que as mu lhe re s conservassem os

papéis de modést ia e v i r tude , na prática as mulheres inevitavel­

mente representavam e assim evocavam o sent imental ismo, u m a

ati tude que sempre ameaçava ir além das suas própr ias fronteiras. 2 1

Tão valorizada era a semelhança , po r fim, que em 1786 o

músico e gravurista francês Gilles-Louis Chrét ien inventou u m a

90

FIGURA 8. Fisionotraço de Jefferson A legenda diz: Quenedy dei. ad vivum et sculpt. (Traçado a partir modelo vivo e gravado por Quenedey.)

c

Page 46: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

m á q u i n a chamada f i s i ono t r aço , que p roduz ia mecan icamen te

retratos de perfil (ver figura 8). O perfil original em t amanho na tu­

ral era depois reduzido e gravado sobre u m a placa de cobre. Entre

as centenas de perfis produzidos por Chrétien, pr imeiro em cola­

boração com Edmé Quenedey, um miniatur is ta , e depois rivali­

zando com ele, encontrava-se um de Thomas Jefferson produzido

em abril de 1789. Um emigrado francês introduziu o processo nos

Estados Unidos , e Jefferson m a n d o u fazer ou t ro perfil em 1804.

Agora u m a curiosidade histórica há mui to obscurecida pelo surgi­

men to da fotografia, o fisionotraço é ainda ou t ro sinal do interesse

em representar pessoas comuns — Jefferson à parte — e em captar

as menores diferenças entre cada pessoa. Além disso, como suge­

rem os comentários de Sterne, o retrato, especialmente a miniatura,

servia frequentemente como um desencadeador de lembranças e

u m a opor tunidade para reencontrar u m a emoção amorosa. 2 2

O E S P E T Á C U L O P Ú B L I C O D A D O R

Caminhar pelo jardim, escutar música em silêncio, usar um

lenço e ver retratos são todas ações que parecem a c o m p a n h a r a

imagem do leitor empático, e que parecem comple tamente incon­

gruentes com a tor tura e execução de Jean Calas. Mas os própr ios

juízes e legisladores que sustentavam o sistema legal tradicional e

defendiam até a sua dureza sem dúv ida escu tavam mús ica em

silêncio, encomendavam retratos e possuíam casas com quar tos de

dormir , embora talvez não tivessem lido os romances por causa da

sua associação com a sedução e a devassidão. Os mag i s t r ados

endossavam o sistema tradicional de cr ime e castigo porque acre­

ditavam que os culpados do cr ime só pod iam ser controlados po r

u m a força externa. Na visão tradicional , as pessoas c o m u n s não

sabiam regular suas p rópr ias paixões. T i n h a m de ser l ideradas ,

92

estimuladas para fazer o b e m e dissuadidas de seguir seus instintos

mais baixos. Essa tendência para o mal na h u m a n i d a d e resultava

do pecado original, a dou t r ina cristã de que todos são ina tamente

predispostos para o pecado desde que Adão e Eva foram privados

da graça de Deus no ja rd im do Éden.

Os escritos de Pierre-François Muyar t de Vouglans nos dão

uma compreensão rara da posição tradicionalista, pois ele foi um

dos poucos juristas que aceitaram o desafio de Beccaria e publica­

ram defesas dos métodos antigos. Além de suas mui tas obras sobre

a lei criminal, Muyart t a m b é m escreveu ao menos dois panfletos

de fendendo o cr i s t ian ismo e a t acando seus críticos m o d e r n o s ,

especialmente Voltaire. Em 1767, publicou u m a refutação, p o n t o

por pon to , das ideias de Beccaria. Opôs-se nos te rmos mais fortes

à tentativa de Beccaria de fundamentar o seu sistema sobre "os sen-

(imentos inefáveis do coração". "Eu me orgulho de ter tanta sensi­

bilidade quan to qualquer pessoa", insistia, "mas sem dúvida não

lenho u m a organização de fibras [ te rminações nervosas] t ão

frouxa quan to a de nossos mode rnos criminalistas, pois não senti

esse es t remecimento suave de que falam." Em vez disso, Muyar t

sentiu surpresa, para não dizer choque, quando viu que Beccaria

construiu seu sistema sobre as ruínas de todo o senso comum. 2 3

Muyar t z o m b o u da a b o r d a g e m racional is ta de Beccaria.

"Sentado no seu gabinete , [o au tor ] começa a redigir as leis de

Iodas as nações e nos leva a compreender que até agora nunca tive­

mos um pensamento exato ou sólido sobre esse assunto crucial." A

razão de ser tão difícil reformar a lei criminal, segundo Muyart, era

que ela estava baseada sobre a lei positiva e dependia menos do

raciocínio que da experiência e da prát ica. O que a experiência

ensinava era a necessidade de controlar os indisciplinados, e não

.1 lagar as suas sensibilidades: "Quem, de fato, não sabe que, como

()s homens são modelados pelas suas paixões, o seu temperamento

domina mui to frequentemente os seus sentimentos?". Os homens

93

Page 47: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

devem ser julgados como são, não como deveriam ser, ele insistia,

e só o poder de u m a justiça vingadora que inspira um temor reve­

rente podia refrear esses t emperamentos . 2 4

A ostentação da dor no cadafalso era dest inada a insuflar o

t e r ro r nos espec tadores e dessa forma servia c o m o um ins t ru ­

men to de dissuasão. Os que a p resenc iavam—e as mult idões e ram

frequentemente i m e n s a s — e r a m levados a se identificar com a dor

da pessoa c o n d e n a d a e, p o r me io dessa exper iência , a sentir a

majestade esmagadora da lei, do Estado e, em últ ima instância, de

Deus. Muyart , por tan to , achava revoltante que Beccaria tentasse

justificar os seus a rgumentos po r referência à "sensibilidade em

relação à dor do culpado". Essa sensibilidade fazia o sistema t radi­

cional funcionar. "Precisamente porque cada h o m e m se identifi­

cava com o que acontecia ao ou t ro e porque ele t inha um hor ro r

na tura l à dor, era necessário preferir, na escolha dos castigos,

aquele que fosse mais cruel para o corpo do culpado." 2 5

Pela compreensão tradicional, as dores do corpo não per ten­

ciam in te i ramente à pessoa c o n d e n a d a indiv idual . Essas dores

t inham os propósi tos religiosos e políticos mais elevados da reden­

ção e reparação da comunidade . Os corpos pod iam ser muti lados

com o objetivo de impor a autor idade, e quebrados ou queimados

com o objetivo de restaurar a o rdem moral , política e religiosa. Em

ou t ra s palavras, o ofensor servia c o m o u m a espécie de v í t ima

sacrificai, cujo sofr imento restauraria a in tegr idade da comun i ­

dade e a o rdem do Estado. A natureza sacrificai do rito na França

era subl inhada pela inclusão de um ato formal de peni tência (a

amende honorablé) em mui tas sentenças francesas, quando o cri­

minoso condenado carregava u m a tocha de fogo e parava na frente

de uma igreja para pedir perdão a caminho do cadafalso. 2 6

Como a punição era um rito sacrificai, a festividade inevita­

velmente acompanhava e às vezes eclipsava o medo . As execuções

públicas reuniam milhares de pessoas para celebrar a recuperação

94

F I G U R A 9. Procissão para Tyburn, por William Hogarth, 1747 0 aprendiz ocioso executado em Tyburn é a ilustração 11 da série de 1 logarth Industryand Idleness [Atividade e ociosidade], que compara o destino de dois aprendizes. Esta representa o triste fim de Thomas Idle, o aprendiz ocioso [em inglês, the idle apprentice]. A forca pode ser vista no fundo à direita, perto da tribuna para a multidão. Um pregador meto­dista discursa enfadonhamente para o prisioneiro, que está provavel­mente lendo a sua Bíblia enquanto é transportado de carroça ao lado de seu caixão. Um homem vende bolos no primeiro plano à direita. O seu cesto está rodeado por quatro velas porque ele está ali desde o amanhe­cer, servindo as pessoas que chegaram cedo para conseguir bons lugares. I Im garoto está roubando a sua carteira. Atrás da mulher apregoando a confissão de Thomas Idle está outra, vendendo gim guardado no cesto preso à sua cintura. À sua frente uma mulher dá um soco num homem, enquanto outro homem ali perto se prepara para atirar um cachorro no pregador. Hogarth capta toda a desordem da multidão da execução. A legenda diz: "Desenhado & Gravado por Wm Hogarth Publicado segundo a Lei do Parlamento 30 de setembro de 1747".

Page 48: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

comuni tár ia do dano do crime. As execuções em Paris ocorr iam na

mesma praça — a Place de Greve — em que os fogos de artifício

celebravam os nascimentos e os casamentos da família real. Como

os observadores frequentemente relatavam, entretanto, essa festivi­

dade t inha em si u m a qual idade imprevisível. As classes inglesas

educadas expressavam cada vez mais a sua desaprovação das "cenas

espantosas de embriaguez e devassidão" que acompanhavam toda

execução em Tyburn (figura 9). Em cartas, os observadores deplo­

ravam que a mul t idão ridicularizasse os clérigos enviados pa ra

prestar assistência aos prisioneiros, que os aprendizes de cirurgiões

e os amigos dos executados brigassem pelos cadáveres, e de m o d o

geral que houvesse a expressão de u m a "espécie de Alegria, como se

o Espetáculo que t inham presenciado lhes proporcionasse Prazer

em vez de Dor". Relatando um enforcamento no inverno de 1776, o

MorningPostde Londres reclamava que a "mult idão impiedosa se

comportava com u m a indecência extremamente d e s u m a n a — g r i ­

t ando , r indo , a t i r ando bolas de neve uns nos ou t ros , pr inc ipal ­

mente naqueles poucos que manifestavam u m a compaixão apro­

priada pelas desgraças de seus semelhantes". 2 7

M e s m o q u a n d o a m u l t i d ã o era mais m o d e r a d a , só o seu

t a m a n h o já podia ser per turbador . Um visitante bri tânico em Paris

relatou u m a execução pelo suplício da roda em 1787: "O baru lho

da mul t idão era como o m u r m ú r i o rouco causado pelas ondas do

mar quebrando ao longo de u m a costa rochosa: por um m o m e n t o

amainava; e n u m silêncio terrível a mul t idão contemplava o car­

rasco pegar u m a barra de ferro e dar início à tragédia, golpeando o

antebraço da vítima". Mui to pe r tu rbador para este e mui tos out ros

observadores era o grande n ú m e r o de espectadoras: "É espantoso

que a par te mais delicada da criação, cujos sen t imen tos são tão

requintadamente ternos e refinados, venha em grandes n ú m e r o s

para ver um espetáculo tão sangrento; mas , sem dúvida, é a pie­

dade, a compaixão bondosa que sentem o que as to rna tão ansio-

96

sas sobre as tor turas infligidas a nossos semelhantes". Desnecessá­

rio dizer, não é "sem dúvida" que essa fosse a emoção p r e d o m i ­

nante das mulheres . A mul t idão já não sentia as emoções que o

espetáculo se destinava a provocar. 2 8

A dor, o castigo e o espetáculo público do sofrimento perde­

ram todos as suas amarras religiosas na segunda metade do século

xviii, mas o processo não aconteceu de repente e não era m u i t o

bem compreendido à época. Mesmo Beccaria deixou de ver todas

as consequências do novo pensamen to que ele t an to con t r ibu iu

para cristalizar. Quer ia pôr a lei n u m a base rousseauniana em vez

<le religiosa: as leis "devem ser convenções entre os h o m e n s n u m

estado de liberdade", sustentava. Mas embora argumentasse em fa­

vor de u m a moderação do cas t i go—que deveria ser "o m e n o r pos­

sível no caso dado" e "proporcional ao cr ime" —, Beccaria a inda

insistia que ele deveria ser público. Para ele, a exposição pública

garantia a t ransparência da lei. 2 9

Na visão individualista e secular que nascia, as dores per ten­

ciam apenas ao sofredor, aqui e agora. A at i tude em relação à dor

não m u d o u por causa do aperfeiçoamento médico no t ra tamento

da dor. Os que exerciam a medicina tentavam certamente aliviar a

dor à época, mas os verdadeiros passos pioneiros em anestesia só

aconteceram em meados do século xix, com o uso do éter e do clo­

rofórmio. Em vez disso, a mudança de at i tude surgiu como u m a

consequência da reavaliação do corpo individual e de suas dores.

( :omo a dor e o própr io corpo agora per tenciam somente ao indi­

víduo, e não à comunidade , o indivíduo já não podia ser sacrifi­

cado para o b e m da comunidade ou para um propósi to religioso

mais elevado. C o m o o reformador inglês Henry Dagge insistia, "o

bem da sociedade é p romovido com mais sucejsso pelo respeito aos

indivíduos". Em vez da expiação de um pecado, o castigo devia ser

visto c o m o o pagamento de uma"dív ida" com a sociedade, e clara­

mente n e n h u m pagamento podia ser esperado de um corpo mut i -

V. ' 97

Page 49: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

lado. Se a do r t inha servido c o m o o símbolo da reparação no antigo

regime, agora a dor parecia um obstáculo a qualquer quitação sig­

nificativa. N u m exemplo dessa m u d a n ç a de visão, mui tos juízes

nas colônias britânicas na América do Norte começaram a impor

mul tas por delitos contra a propr iedade em vez de chibatadas. 3 0

Na nova visão, consequentemente , o castigo cruel executado

n u m cenário público constituía um ataque à sociedade, em vez de

sua reafirmação. A dor brutalizava o indivíduo — e por identifica­

ção os espectadores — em vez de abrir a por ta para a salvação por

meio do ar rependimento . Assim, o advogado inglês William Eden

d e n u n c i o u a exposição dos cadáveres: "de ixamo-nos apodrecer

c o m o espantalhos nas sebes, e nossas forcas estão amontoadas de

carcaças humanas . Alguma dúvida de que u m a familiaridade for­

çada com esses objetos possa ter qualquer ou t ro efeito que não seja

o de embota r os sent imentos e destruir os preconceitos benevolen­

tes das pessoas?". Em 1787, Benjamin Rush podia afastar até as últi­

mas dúvidas. "A reforma de um cr iminoso jamais pode ser levada

a efeito por um castigo público", afirmava sem rodeios. O castigo

públ ico dest rói qua lque r sensação de ve rgonha , n ã o p r o d u z

m u d a n ç a s de a t i tude e , em vez de funcionar c o m o um ins t ru ­

men to de dissuasão, tem o efeito oposto nos espectadores. Embora

concordasse com Beccaria na sua oposição à pena de mor te , o dr.

Rush o abandonava ao a rgumentar que o castigo devia ser privado,

minis t rado por trás das paredes de u m a prisão e or ien tado para a

reabilitação, isto é, a readaptação do cr iminoso à sociedade e à sua

liberdade pessoal, "tão cara a todos os homens". 3 1

O S E S T E R T O R E S D A T O R T U R A

A conversão das elites às novas visões da do r e da p u n i ç ã o

ocorreu em estágios entre o início da década de 1760 e o final da

98

década de 1780. Muitos advogados, por exemplo, publ icaram pet i ­

ções na década de 1760 denunc iando a injustiça da condenação de

Calas, mas, como Voltaire, n e n h u m deles se o p u n h a ao emprego da

lortura judicial ou ao suplício da roda. Eles t a m b é m focalizavam o

fanatismo religioso, que estavam convencidos de haver inc i tado

tanto as pessoas comuns c o m o os juízes em Toulouse. As petições

se alongavam sobre o m o m e n t o da tor tura e mor t e de Jean Calas,

mas sem quest ionar a sua legit imidade como ins t rumentos penais .

Na verdade, as petições em favor de Calas essencialmente sus­

tentavam as pressuposições que estão por trás da to r tura e do cas­

tigo cruel. Os defensores de Calas p ressupunham que o corpo c o m

a dor diria a verdade: Calas p rovou a sua inocência quando cont i ­

nuou sustentando-a mesmo c o m a dor e o sofrimento (figura 10).

lim l inguagem típica do lado pró-Calas , Alexandre-Jerôme Loy-

seau de Mauléon insistia que"Calas supor tou a questão [a tor tura]

c o m u m a resignação heroica q u e só pe r t ence à inocência". E n ­

quanto seus ossos estavam sendo esmagados um a um, Calas p r o ­

nunc iou "estas palavras comoven te s " : " M o r r o inocente ; Jesus

Cristo, a própr ia inocência, desejou fervorosamente mor re r c o m

um sofr imento ainda mais c rue l . Deus p u n e em m i m o pecado

daquele infeliz [o filho de Calas] que se ma tou . [...] Deus é justo, e

adoro os seus castigos". Loyseau argumentava, além do mais, que a

"perseverança majestosa" do velho Calas provocou u m a inversão

dos sent imentos da população. Vendo-o afirmar repet idamente a

sua inocênc ia d u r a n t e os seus t o r m e n t o s , o povo de Toulouse

começou a sentir compaixão e a se arrepender da suspeita i rracio­

nal que antes sentia em relação ao calvinista. Cada golpe da vara de

I erro "soava.no fundo das a lmas" daqueles que presenciavam a exe-

(. tição, e " torrentes de lágrimas se der ramavam, tarde demais, de

lodos os olhos presentes". As " tor rentes de lágrimas" seriam sem­

pre "demasiado tardias" e n q u a n t o as pressuposições por trás da

lortura e do castigo cruel con t inuassem sem quest ionamento. 3 2

99

Page 50: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

FIGURA IO. Sentimentalizando o caso Calas A reprodução do caso Calas que teve circulação mais ampla foi esta, em tamanho grande (originalmente 34 x 45 cm), realizada pelo artista e gra-vurista alemão Daniel Chodowiecki, que fez a gravura a partir de sua pró­pria pintura a óleo da cena. A água-forte estabeleceu a sua reputação e manteve viva a afronta sentida por toda parte devido ao castigo de Calas. Chodowiecki tinha se casado com uma mulher pertencente a uma famí­lia de refugiados protestantes franceses em Berlim apenas três anos antes de produzir esta gravura.

A principal dessas pressuposições era a de que a to r tura podia

incitar o corpo a falar a verdade, m e s m o q u a n d o a men te indivi­

dual resistisse. U m a longa t radição f is ionômica na Europa t inha

sustentado que o caráter podia ser desvendado a par t i r das marcas

()u sinais do corpo. No final do século xvi e no XVII foram publica­

das várias obras sobre "metoposcopia", p r o m e t e n d o ensinar os lei-

lores a interpretar o caráter ou a sorte de u m a pessoa a part ir das

linhas, rugas ou manchas na face. Um dos títulos típicos era o de

Richard Saunders: Physiognomie, and Chiromancie, Metoposcopie, The Symmetrical Proportions and Signal Moles of the Body, Fully and Accurately Explained, with their Natural-Predictive Significa-lionsBoth toMen and Women [Fisionomia e quiromancia, metopos­copia, as proporções simétricas e os sinais do corpo plenamente e acu­radamente explicados, com suas significações naturais previsíveis tanto para os homens como para as mulheres], publicado em 1653.

Sem ter de endossar as var iantes mais ext remas dessa t radição,

muitos europeus acreditavam que os corpos pod iam revelar a pes­

soa interior de u m a forma involuntária . E m b o r a remanescentes

desse p e n s a m e n t o a inda pudessem ser encon t rados no f ina l do

século xviii e início do xix, na forma, po r exemplo, da frenología, a

maioria dos cientistas e médicos se virou contra ele depois de 1750.

A r g u m e n t a v a m que a aparênc ia exter ior do co rpo não t inha

nenhuma relação com a a lma ou caráter interior. Assim, o cr imi­

noso podia dissimular, e o inocente podia mu i to b e m confessar

um cr ime que não cometera. C o m o Beccaria insistia ao a rgumen­

tar contra a tor tura , "o robusto escapará e o fraco será condenado".

A dor, na análise de Beccaria, não podia ser "o teste da verdade,

como se a verdade residisse nos músculos e fibras de um desgra­

çado sob tortura". A dor era meramen te u m a sensação sem cone­

xão com o sent imento moral . ' 3

Os relatos dos advogados diziam relativamente pouco sobre

I reação de Calas à tor tura , po rque "a questão" ocorria em privado,

101

Page 51: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

longe dos olhos dos observadores. A aplicação privada da tor tura

tornava-a especialmente repulsiva aos olhos de Beccaria. Signifi­

cava que o acusado perdia a sua "proteção pública" mesmo antes de

ser considerado culpado, e que qualquer valor impeditivo da pun i ­

ção t a m b é m se perdia. Os juízes franceses t a m b é m começavam cla­

ramente a sentir algumas dúvidas, sobretudo a respeito da tor tura

para conseguir confissões de culpa. Depois de 1750, os parlements franceses (tr ibunais regionais de apelação) começaram a intervir

para impedir o uso da tor tura antes do julgamento do caso ("tor­

t u r a p repara tó r i a" ) , c o m o o Parlementde Toulouse fez no caso

Calas. Eles t a m b é m decretavam com menos frequência a pena de

mor te , e ordenavam mais amiúde que o condenado fosse estrangu­

lado antes de ser queimado na fogueira ou colocado sobre a roda. 3 4

Mas os juízes não renunc ia ram to ta lmente à tor tura , e não

teriam concordado com o desprezo de Beccaria pela estrutura reli­

giosa da tortura. O reformador italiano denunciava sumariamente

"outro motivo ridículo para a tortura, a saber, limpar um homem da infâmia". Esse "absurdo" só podia ser explicado como "fruto da reli­

gião". Como a própria tortura era uma causa de infâmia para a vítima,

não podia lavar a mancha. Muyart de Vouglans defendia a tor tura

contra os argumentos de Beccaria. O exemplo de um inocente falsa­

men te condenado empalidecia em comparação aos "milhões de

outros" que eram culpados, mas que jamais poder iam ter sido con­

denados sem o emprego da tortura. A tortura judicial não só era, por­

tanto, útil, como t a m b é m podia ser justificada pela antiguidade e

universalidade de seu emprego. As exceções frequentemente citadas

só provavam a regra, insistia Muyart, que devia ser procurada na his­

tória da p rópr ia França e no Sacro Impér io R o man o . Segundo

Muyart, o sistema de Beccaria contradizia a lei canónica, a lei civil, a

lei internacional e a "experiência de todos os séculos".

O p r ó p r i o Beccaria não enfatizava a conexão ent re as suas

visões sobre a t o r tu ra e a nascente l inguagem dos direi tos. Mas

102

out ros es tavam p r o n t o s a fazê-lo em seu n o m e . O seu t radutor

francês, o abade André Morellet , modif icou a o r d e m da apresen-

lação de Beccaria pa ra c h a m a r a a tenção pa ra a l igação com os

"direitos do homem". Morellet t i rou a única referência de Becca­

ria a seu objetivo de apoiar os "direitos do h o m e m " (i diritti degli uomini) do final do cap í tu lo 11 na ed ição i ta l iana or iginal de

1764, passando-a para a in t rodução da t r adução francesa de 1766.

Defender os di re i tos do h o m e m agora parec ia ser o pr incipal

objet ivo de Beccaria, e esses d i re i tos e r a m a f i rmados como o

baluarte essencial cont ra o sofr imento individual . O rearranjo de

Morellet foi ado tado em mui tas t raduções subsequentes e até em

edições italianas poster iores . 3 6

Apesar dos esforços de Muyart , a maré se virou contra a tor­

tura na década de 1760. E m b o r a tivessem sido publ icados ante­

r iormente ataques à tor tura , o fio d 'água das publicações se to rnou

u m a tor ren te . Liderando as acusações estavam as mui tas t radu­

ções, reimpressões e reedições de Beccaria. Umas 28 edições italia­

nas, mui tas com falsos cólofons, e nove francesas foram publicadas

antes de 1800, apesar de o livro ter aparecido no índex papal dos

livros proibidos em 1766. U m a t radução inglesa foi publicada em

Londres em 1767, e a ela se seguiram edições em Glasgow, Dublin,

Edimburgo, Charleston e Philadelphia. Traduções alemãs, holan­

desas, polonesas e espanholas apareceram pouco depois. O t radu­

tor londr ino de Beccaria captou o espírito mutável dos tempos: "as

leis penais [...] ainda são tão imperfeitas, e se fazem acompanhar

por tantas circunstâncias desnecessárias de crueldade em todas as

nações, que u m a tentativa de reduzi-las ao padrão da razão deve

interessar a toda a humanidade" . 3 7

A crescente influência de Beccaria era tão dramática que os

opositores do I luminismo acusavam a existência de u m a conspi­

ração. U m a coincidência que ao caso Calas tivesse sucedido o t ra­

tado definidor sobre a reforma penal? Redigido, além do mais, por

103

Page 52: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

u m i ta l iano a n t e r i o r m e n t e igno to , com c o n h e c i m e n t o apenas superficial da lei? Em 1779, o s empre incend iá r io jorna l i s ta S imon-Nico l a s -Hen r i Linguet no t i c iou que u m a t e s t e m u n h a havia lhe exposto tudo :

Pouco depois do caso Calas, os enciclopedistas, armados com os

tormentos da vítima e aproveitando circunstâncias propícias,

embora sem se comprometer diretamente, como é o seu costume,

escreveram ao reverendo padre Barnabite em Milão, que é seu ban­

queiro italiano e um famoso matemático. Contaram-lhe que era o

momento de desencadear uma catilinária contra o rigor dos casti­

gos e contra a intolerância; que a filosofia italiana devia fornecer a

artilharia, e eles fariam uso dela secretamente em Paris.

Linguet reclamava que o t ra tado de Beccaria era amplamente visto como u m a petição indireta em favor de Calas e outras recentes víti­mas de injustiça.

A influência de Beccaria a judou a galvanizar a c a m p a n h a

contra a tor tura , mas no início o processo foi lento. Dois artigos

sobre a to r tura na Encyclopédie de Diderot, ambos publicados em

1765, cap tam a ambiguidade. No pr imeiro, sobre a jur isprudência

da tor tura , Antoine-Gaspard Boucher d'Argis se refere prosaica­

men te aos " t o r m e n t o s v io lentos" a que o acusado é submet ido ,

mas sem n e n h u m j u l g a m e n t o sobre o seu mér i t o . No ar t igo

seguinte, entretanto, que considerava a tor tura par te do procedi­

m e n t o c r imina l , o chevalier de Jaucour t mar te la con t r a o seu

emprego, de sdobrando todos os a rgumen tos existentes desde a

"voz da human idade" às deficiências da tor tura em fornecer u m a

evidência segura da culpa ou da inocência . D u r a n t e a segunda

metade da década de 1760, cinco novos livros apareceram advo­

gando a reforma da lei criminal . Na década de 1780, em contraste,

39 livros desse t ipo foram publicados. 1 9

Duran te as décadas de 1770 e 1780, a c a m p a n h a pela abolição

da to r tu ra e pela moderação do castigo ganhou impulso q u a n d o

sociedades eruditas nos estados italianos, nos cantões suíços e na

França ofereceram p r ê m i o s pa ra os me lho re s ensa ios sobre a

reforma penal. O governo francês achou a intensidade crescente da

crítica tão preocupante que o rdenou que a academia de Châlons-

- su r -Marne parasse de i m p r i m i r cópias do ensaio vencedor de

1780, de Jacques-Pierre Brissot de Warville. Mais do que qualquer

nova proposta , a retórica injuriosa de Brissot d isparou os alarmes:

Esses direitos sagrados que o homem recebeu da natureza, que a

sociedade viola tão frequentemente com o seu aparato judicial,

ainda requerem a supressão de muitos de nossos castigos mutilado-

res e a suavização daqueles que devemos preservar. É inconcebível

que uma nação gentil [douce], vivendo num clima temperado sob

um governo moderado, possa combinar um caráter amável e costu­

mes pacíficos com a atrocidade de canibais. Pois os nossos castigos

judiciais exalam apenas sangue e morte, e só tendem a inspirar fúria

e desespero no coração do acusado.

O governo francês não gostou de se ver comparado a canibais, mas

na década de 1780 a barbárie da tor tura judicial e o castigo cruel

t i n h a m se t o r n a d o um m a n t r a da reforma. Em 1781, Joseph-

-Michel-Antoine Servan, um antigo defensor da reforma penal ,

aplaudiu a recente decisão de Luís xvi de abolir a to r tura para obter

u m a confissão de culpa, "essa infame tor tura que por tantos sécu­

los u s u r p o u o t emplo da p rópr ia justiça e o t r ans fo rmou n u m a

escola de sof r imento , o n d e os carrascos professavam o refina­

m e n t o da dor". A t o r t u r a judicial era pa ra ele " u m a espécie de

esfinge [...] um mons t ro absurdo indigno de encontrar asilo entre

os povos selvagens". 4 0

Encorajado por outros reformadores apesar de sua juventude

105 104

Page 53: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

e falta de experiência, Brissot se dedicou em seguida a publicar u m a

obra de dez volumes, Bibliothèquephilosophique du Législateur, du Politique et du Juriconsulte (1782-5), que teve de ser impressa na

Suíça e contrabandeada para a França e reunia o texto de Brissot e

out ros escritos sobre a reforma. Embora apenas um sintetizador,

Brissot claramente ligava a tor tura aos direitos humanos : "Alguém

é jovem demais, quando se trata de defender os direitos ultrajados

da humanidade?". O te rmo "humanidade" ("o espetáculo da h u m a ­

nidade sofredora", por exemplo) aparecia repetidas vezes nas suas

páginas . Em 1788, Brissot fundou a Sociedade dos Amigos dos

Negros, a primeira sociedade francesa pela abolição da escravatura.

Assim, a c a m p a n h a pela reforma penal t o rnou- se cada vez mais

in t imamente associada com a defesa geral dos direitos humanos . 4 1

Brissot empregou as mesmas estratégias retóricas dos advo­

gados que escreviam petições das várias causes célebres francesas da

década de 1780: eles não só defendiam seus clientes e r roneamente

acusados , mas t a m b é m a tacavam cada vez mais o sistema legal

c o m o um todo. Aqueles que escreviam petições adotavam em geral

a voz em pr imeira pessoa de seus clientes, para desenvolver narra­

tivas romanescas melodramát icas que provavam a sua tese. Essa

estratégia retórica cu lminou em duas petições escritas por um dos

co r re sponden tes de Brissot, Char les -Marguer i t e Dupa ty , um

mag i s t r ado de Bordeaux res idente em Paris que in terveio em

n o m e de três homens condenados ao suplício da roda por roubo

agravado. A pr imeira petição de Dupaty, de 1786, com 251 pági­

nas, não só denunc iava cada deslize do processo judicial c o m o

incluía um relato detalhado de seu encontro com os três h o m e n s

na prisão. Nesse relato, Dupa ty passa inteligentemente de sua visão

da cena na primeira pessoa para a dos prisioneiros: "E eu, Bradier

[um dos condenados ] , en tão disse, me tade do m e u corpo ficou

inchado por seis meses. E eu, disse Lardoise [outro dos condena­

dos] , graças a Deus fui capaz de resistir [a u m a epidemia na prisão];

en t re tan to , a pressão de m e u s ferros (eu [isto é, Dupa ty ] posso

mui to b e m acreditar, t r in ta meses nos ferros!) machucou tanto a

minha pe rna que ela gangrenou; quase t iveram de amputá-la". A

cena te rmina com Dupa ty em lágrimas. Dessa forma o advogado

explora ao máx imo a sua solidariedade para com os prisioneiros. 4 2

D u p a t y en tão m u d a de novo a perspect iva , dessa vez d i r i ­

gindo-se dire tamente aos juízes: "Juízes de C h a u m o n t , Magistra­

dos, Criminalistas, vós o escutais? [... ] Eis o grito da razão, da ver­

dade, da justiça e da Lei". Por fim, Dupa ty convoca di re tamente a

intervenção do rei. Implo ra que o m o n a r c a escute o sangue dos

inocentes , de Calas a seus três ladrões acusados : "digne-se , da

altura de seu t rono, digne-se a dar u m a olhada em todas as ciladas

sangrentas de sua legislação criminal , onde perecemos, onde todos

os dias inocentes pe recem!" A pet ição e n t ã o conclui com u m a

súplica de várias páginas para que Luís xvi reforme a legislação cri­

minal de acordo com a razão e a human idade . 4 3

A petição de Dupa ty inci tou de tal forma a opinião pública

em favor do acusado e cont ra o sistema legal que o Parlementde Paris vo tou que fosse publ icamente que imada . O porta-voz do tr i­

bunal denunc iou o estilo romanesco da petição: Dupa ty "vê a seu

lado a human idade t r e m e n d o e es tendendo-lhe as mãos, u m a terra

natal desgrenhada mos t rando- lhe as suas feridas, a nação inteira

assumindo a voz de Dupa ty e o rdenando que fale em seu nome".

Mas o t r ibunal se m o s t r o u impotente para conter a maré crescente

da opinião. Jean Caritat, marquês de Condorcet , em breve o defen­

sor dos direitos h u m a n o s mais coerente e de ma io r projeção da

Revolução Francesa, publ icou dois panfletos em favor de Dupa ty

no final de 1786. E m b o r a não fosse ele p róp r io um advogado, Con­

dorcet atacou o "desprezo pelo h o m e m " demons t r ado pelo t r ibu­

nal e a cont ínua "violação manifesta da lei na tura l " que se tornara

patente no caso Calas e em outros ju lgamentos injustos realizados

desde então. 4 4

107 i o 6

Page 54: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Em 1788, a p r ó p r i a Co roa francesa já t inha se associado a

m u i t a s das novas a t i tudes . No decre to que abol ia p rovisor ia ­

me n te a to r tu ra antes da execução para obter nomes de cúmpl i ­

ces, o governo de Luís xvi falava de "reaf i rmar a inocência [...]

remover do castigo qualquer excesso de severidade [... e] pun i r os

malfeitores com toda a moderação que a h u m a n i d a d e exige". No

seu t ra tado de 1780 sobre a lei cr iminal francesa, Muyar t reconhe­

cia que , ao defender a validade de confissões obtidas por meio de

to r tu ra , "não ignoro absolu tamente o fato de que devo combater

um sistema que mais do que n u n c a g a n h o u crédi to em t empos

recentes". Mas ele se recusava a en t rar no debate, insis t indo que

seus oposi tores e ram s implesmente polemistas e que ele t inha a

força do passado p o r t rás de sua pos ição . A c a m p a n h a pela

reforma penal na França foi tão bem-sucedida que em 1789 a cor­

reção dos abusos no código cr iminal consti tuía u m a das questões

mais f requentemente citadas nas listas de queixas preparadas para

os futuros Estados Gerais. 4 5

AS P A I X Õ E S E A P E S S O A

Ao longo desse debate cada vez mais unilateral, os novos sig­

nificados atr ibuídos ao corpo t i nham se to rnado mais p lenamente

evidentes. O corpo quebrado de Calas ou até a pe rna gangrenada

de Lardoise, o ladrão acusado de Dupaty, ganha ram u m a nova dig­

nidade. Nas idas e vindas sobre a to r tura e o castigo cruel, essa dig­

nidade apareceu pr imeiro nas reações negativas aos ataques judi­

ciais que sofreu. Mas com o t empo tornou-se o mot ivo, como era

evidente nas pet ições de Dupaty , de s en t imen tos posi t ivos de

empatia. Só mais para o fim do século xvm é que as pressuposições

do novo modelo se to rna ram explícitas. No seu cur to mas i lumi­

nador panfleto de dezoito páginas de 1787, o dr. Benjamin Rush

108

l igou os defeitos do castigo púb l i co à nova n o ç ã o do ind iv íduo

a u t ô n o m o mas sol idár io . C o m o méd ico , Rush admi t i a a l g u m

emprego de dor corporal no castigo, embora ele claramente prefe­

risse "trabalho, vigilância, solidão e silêncio", um reconhecimento

da individualidade e potencial ut i l idade do cr iminoso. O castigo

público se mostrava mui to objetável, aos seus olhos, pela sua ten­

dência a des t ru i r a s impat ia , "a v ice-regente da benevolênc ia

divina em nosso mundo" . Essas são as palavras-chave: a s impatia

— o u o que agora c h a m a m o s empa t i a—prop ic i ava os fundamen­

tos da mora l i dade , a cente lha do d iv ino na vida h u m a n a , " e m

nosso mundo".

"A sensibilidade é a sentinela da faculdade moral", afirmava

Rush. Ele equiparava essa sensibilidade a " u m senso repent ino de

justiça", u m a espécie de reflexo condic ionado para o b e m moral . O

castigo públ ico dava um cur to -c i rcu i to na s impat ia : " q u a n d o a

desgraça que os cr iminosos sofrem é o efeito de u m a lei do Estado,

a que não se pode resistir, a s impat ia do espectador é abor tada e

r e to rna vazia ao seio em que foi despertada". Assim, o castigo

público solapava os sent imentos sociais, t o rnando os espectadores

cada vez mais insensíveis: os espectadores perd iam os seus senti­

m e n t o s de " a m o r universa l" e a sensação de que os c r iminosos

t i nham corpos e almas semelhantes aos seus. 4 6

Embora Rush cer tamente se considerasse um b o m cristão, o

seu mode lo de pessoa diferia em quase todos os aspectos daquele

p ropos to por Muyart de Vouglans na sua defesa da to r tura e dos

castigos corpora is t rad ic ionais . Para Muyart , o pecado original

explicava a incapacidade dos h u m a n o s de controlar as suas pai ­

xões. Era verdade que as paixões forneciam a força motivadora da

vida, mas a sua turbulência, ou m e s m o rebeldia, inerente t inha de

ser con t ro lada pela razão , pelas pressões da c o m u n i d a d e , pela

igreja e, na falta dela, no caso do crime, pelo Estado. Na visão de

Muyart, as fontes do cr ime (vício) eram as paixões desejo e medo ,

109

Page 55: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

"o desejo de se adquir ir coisas que não se t êm e o m e d o de se per­

der aquelas que se têm". Essas paixões sufocavam os sent imentos

de h o n r a e justiça gravados pela lei natural no coração h u m a n o . A

Divina Providência dava aos reis a suprema au to r idade sobre a

vida dos homens , que eles delegavam aos juízes, reservando para si

mesmos o direito do perdão. O objetivo principal da lei criminal

era, por tan to , a prevenção do triunfo do vício sobre a vir tude. Con­

ter o mal inerente da human idade era o lema da visão de justiça de

Muyart . 4 7

Os reformadores em últ ima análise invertiam as pressuposi­

ções filosóficas e políticas desse modelo e defendiam em seu lugar

o cultivo, por meio da educação e da experiência, de qualidades

h u m a n a s inerentemente boas. Em meados do século xvm, alguns

f i lósofos do I lumin i smo t i n h a m ado tado u m a posição sobre as

paixões que não diferia daquela proposta recentemente pelo neu­

rologista An tón io Damás io , que insiste em que as emoções são

cruciais pa ra o rac iocínio e a consciência, e n ã o hos t i s a eles.

Embora Damásio ligue suas raízes intelectuais a Espinosa, filósofo

holandês do século XVII, as elites europeias só passaram a aceitar de

m o d o abrangente u m a avaliação mais positiva das e m o ç õ e s — d a s

paixões, c o m o eles as c h a m a v a m — no século XVIII. O "espino-

s ismo" t inha má reputação por levar ao mater ia l i smo (a a lma é

apenas matéria, por isso não há alma) e ao ateísmo (Deus é a na tu­

reza, po r t an to não há Deus) . Em meados do século xvm, alguns

dos pertencentes às profissões cultas t i nham aceitado, ainda assim,

u m a espécie de material ismo implícito ou mit igado, que não fazia

afirmações teológicas sobre a alma, mas argumentava que a maté ­

ria podia pensar e sentir. Essa versão do mater ia l i smo conduzia

logicamente à posição igualitária de que todos os h u m a n o s t êm a

mesma organização física e menta l e, por tan to , de que a experiên­

cia e a educação, e não o nascimento, explicam as diferenças entre

eles. 4 8

110

Subscrevendo u m a f i l o s o f i a explici tamente mater ia l i s ta o u

n ã o — e a maioria das pessoas não a subscrevia —, vários m e m b r o s

das elites cultas passaram a sustentar u m a visão das paixões m u i t o

diferente daquela defendida po r Muyar t . A emoção e a razão p a s ­

saram a ser vistas c o m o parceiras. As paixões eram "o único M o t o r

do Ser Sensível e dos Seres Inteligentes", s egundo o f is iologista

suíço Charles Bonnet . As paixões e r a m boas e pod iam ser m o b i l i ­

zadas pela educação para o aperfeiçoamento da h u m a n i d a d e , q u e

agora era vista como aperfeiçoável em vez de inerentemente m á .

Por essa visão, os cr iminosos t i n h a m cometido erros, mas p o d i a m

ser r eeducados . Além disso, as pa ixões , baseadas na b i o l o g i a ,

nu t r i am a sensibilidade mora l . O sen t imento era a reação e m o c i o ­

nal a u m a sensação física, e a m o r a l i d a d e era a educação d e s s e

sen t imento para trazer à luz o seu c o m p o n e n t e social (a sensibi l i ­

dade) . Laurence Sterne, o romancis ta favorito de Thomas Jeffer-

son, colocou o novo credo da era na boca de Yorick, o p e r s o n a g e m

central de seu romance reveladoramente int i tulado Uma viagem sentimental:

Cara sensibilidade! [...] eterna fonte de nossos sentimentos! — é

aqui que te descubro — e esta é a tua divindade que se agita den t ro

de mim [...] que sinto algumas alegrias generosas e afetos generosos

além de mim mesmo — tudo vem de ti, grande — grande SENSÓRIO

do mundo! que vibra mesmo quando um único fio de cabelo cai

sobre o chão, no deserto mais remoto da tua criação.

Sterne encontrava essa sensibilidade até no "camponês mais rude" . 4 9

Talvez pareça um t an to exagerado estabelecer u m a l i g a ç ã o

entre assoar o nariz com um lenço, escutar música, ler um r o m a n c e

ou encomendar um retrato e a abolição da to r tu ra e a m o d e r a ç ã o

do castigo cruel. Mas a to r tu ra legalmente sancionada não t e r m i ­

nou apenas porque os juízes desistiram desse expediente, ou p o r -

111

Page 56: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

que os escritores do I luminismo finalmente se opuseram a ela. A

to r tu ra t e r m i n o u porque a estrutura tradicional da dor e da pessoa

se d e s m a n t e l o u e foi subs t i tu ída p o u c o a p o u c o p o r u m a nova

es t ru tu ra , na qual os ind iv íduos e r a m d o n o s de seus corpos ,

t i nham direitos relativos à individualidade e à inviolabilidade des­

ses corpos, e reconheciam em outras pessoas as mesmas paixões,

sent imentos e simpatias que viam em si mesmos . "Os homens e às

vezes mulheres", para voltar ao b o m dr. Rush pela úl t ima vez, "cujas

pessoas de tes tamos [cr iminosos condenados] possuem almas e

corpos compostos dos mesmos materiais que os de nossos amigos

e conhecidos." Se contemplamos as suas misérias "sem emoção ou

simpatia", en tão o p rópr io "princípio da simpatia cessará comple­

t a m e n t e de a tuar ; e [...] logo pe rde rá o seu lugar no coração

humano" . 5 0

112

3. "Eles deram um grande exemplo"

Declarando os direitos

DECLARAÇÃO: A ação de afirmar, dizer, ap resen ta r ou a n u n c i a r

aberta, explícita ou formalmente ; afirmação ou asserção positiva;

u m a asserção, anúncio ou proclamação em te rmos enfáticos, sole­

nes ou legais. [...] U m a proclamação ou afirmação pública incor­

porada n u m documen to , ins t rumento ou ato público. — Oxford English Dictionary, 2 a ed. eletrônica.

Por que os direitos devem ser apresentados n u m a declaração?

Por que os países e os cidadãos sentem a necessidade dessa afirma­

ção formal? As campanhas para abolir a t o r tu ra e o castigo cruel

a p o n t a m para u m a resposta: u m a afirmação formal e pública con­

firma as mudanças que ocor re ram nas at i tudes subjacentes. Mas as

declarações de direitos em 1776 e 1789 foram ainda mais longe.

Mais do que assinalar t ransformações nas at i tudes e expectativas

gerais, elas a judaram a to rna r efetiva u m a transferência de sobera­

nia, de Jorge 111 e o Par lamento bri tânico para u m a nova república

no caso amer i cano e de u m a m o n a r q u i a que reivindicava u m a

autor idade suprema para u m a nação e seus representantes no caso 1

113

Page 57: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

francês. Em 1776 e 1789, as declarações abr i ram panoramas polí­

ticos in te i ramente novos. As campanhas contra a tor tura e o cas­

tigo cruel ser iam fundidas, a part i r de então, com toda u m a legião

de outras causas de direitos h u m a n o s , cuja relevância só se t o rnou

clara depois que as declarações foram feitas.

A história da palavra"declaração" fornece u m a pr imeira indi­

cação da m u d a n ç a na soberania. A palavra inglesa"declaration" vem da francesa declaration. Em francês, a palavra se referia origi­

na lmente a um catálogo de terras a serem dadas em troca do jura­

m e n t o de vassalagem a u m senhor feudal. Ao longo do século XVII,

passou cada vez mais a se referir às afirmações públ icas do rei.

Em ou t ras palavras, o ato de declarar estava ligado à soberania.

Q u a n d o a autor idade se deslocou dos senhores feudais para o rei

francês, o poder de fazer declarações t a m b é m m u d o u de mãos . Na

Inglaterra, o inverso t a m b é m é válido: quando os súditos quer iam

de seus reis a reafirmação de seus direitos, eles redigiam as suas

próprias declarações. Assim, a Magna Carta ("Great Charter") de

1215 formalizou os direitos dos barões ingleses em relação ao rei

inglês; a Petição de Direitos de 1628 confirmou os "diversos Direi­

tos e Liberdades dos Súditos"; e a Bill of Rights inglesa de 1689 vali­

dou "os verdadeiros, antigos e indubitáveis direitos e liberdades do

povo deste reino". 1

Em 1776 e 1789, as palavras "carta", "petição" e"bill" pareciam

inadequadas para a tarefa de garantir os direitos (o m e s m o seria

verdade em 1948). "Pet ição" e "bill" impl icavam um ped ido ou

apelo a um poder superior ( u m bill era or iginalmente "uma peti­

ção ao soberano") , e "carta" significava frequentemente um antigo

documen to ou escritura. "Declaração" t inha um ar menos mofado

e submisso . Além disso, ao con t r á r io de "petição", "bill" ou até

"carta", "declaração" podia significar a intenção de se apoderar da

soberania. Jefferson, por tan to , começou a Declaração de Indepen­

dência c o m a seguinte explicação da necessidade de declará-la:

114

" Q u a n d o , no Curso dos acontec imentos h u m a n o s , torna-se ne ­

cessário que um povo dissolva os laços pol í t icos que o l igam a

ou t ro e assuma entre as potências da ter ra a posição separada e

igual a que lhe dão direito as Leis da Natureza e do Deus da Natu­

reza, um respeito decente pelas opiniões da h u m a n i d a d e requer

que ele declare [minha ênfase] as causas que o impelem à separa­

ção". U m a expressão de "respeito decente" não podia obscurecer o

p o n t o pr inc ipa l : as colônias es tavam se dec la rando um Estado

separado e igual e se apode rando de sua p rópr ia soberania.*

Em cont ras te , em 1789 os d e p u t a d o s franceses a inda n ã o

estavam pron tos para repudiar explicitamente a soberania de seu

rei. Mas eles ainda assim quase realizaram esse repúdio, ao omit i r

de l iberadamente qualquer menção ao rei na sua Declaração dos

Direi tos do H o m e m e do Cidadão : "Os representantes do povo

francês, reunidos em Assembleia Nacional e cons iderando que a

ignorância, a negligência ou o menosprezo dos direitos do h o m e m

são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governa­

menta l , resolveram apresentar n u m a declaração [minha ênfase]

solene os direitos naturais , inalienáveis e sagrados do homem". A

Assembleia t inha de fazer algo mais além de proferir discursos ou

rascunhar leis sobre questões específicas. T inha de aspirar a escre­

ver para a pos ter idade que os direitos n ã o f luíam de um acordo

entre o governante e os cidadãos, menos ainda de u m a petição a ele

ou de u m a carta concedida po r ele, mas antes da natureza dos p r ó ­

prios seres h u m a n o s .

Esses atos de declarar t i nham ao m e s m o t e m p o um ar re t ró­

grado e avançado. Em cada caso, os declarantes afirmavam estar

conf i rmando direitos que já existiam e e r am inquestionáveis. Mas

ao fazê-lo efetuavam u m a revolução na soberania e criavam u m a

base inte i ramente nova para o governo. A Declaração da Indepen-

* Ver no Apénd ice o texto c o m p l e t o .

U5

Page 58: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

dência afirmava que o rei Jorge III t inha pisoteado os direitos pree­

xistentes dos colonos e que suas ações justificavam o estabeleci­

m e n t o de um governo separado: "sempre que qualquer Forma de

Governo se to rne destrutiva desses fins [assegurar os direitos], é

Direito do Povo alterá-la ou aboli-la, e instituir novo Governo". Da

mesma forma, os deputados franceses declararam que esses direi­

tos t i nham sido simplesmente ignorados, negligenciados ou des­

prezados; não af i rmaram que os t i n h a m inventado. "A par t i r de

agora", entretanto, a declaração p ropunha que esses direitos cons­

tituíssem o fundamento do governo, embora não o tivessem sido

no passado. Mesmo af irmando que esses direitos já existiam e que

eles os es tavam m e r a m e n t e defendendo , os d e p u t a d o s cr iavam

algo radica lmente novo: governos justificados pela sua garant ia

dos direitos universais.

D E C L A R A N D O O S D I R E I T O S N O S E S T A D O S U N I D O S

No começo, os americanos não t i nham a intenção clara de se

separar da Grã-Bretanha. Ninguém imaginava na década de 1760

que os direi tos os levariam a en t ra r n u m ter r i tór io tão novo. O

remodelamento da sensibilidade ajudou a to rnar a ideia dos direi­

tos mais tangível para as classes cultas, nos debates sobre a to r tura

e o castigo cruel, por exemplo; mas a noção dos direitos m u d o u

t a m b é m em reação às circunstâncias políticas. Havia duas versões

da l inguagem dos direitos no século xvni: u m a versão part icula­

rista (direitos específicos de um povo ou tradição nacional) e u m a

universalista (os direitos do h o m e m em geral). Os americanos usa­

vam u m a ou out ra l inguagem, ou ambas em combinação, depen­

dendo das circunstâncias. Duran te a crise da Lei do Selo em mea­

dos da década de 1760, po r exemplo, os panfletários amer icanos

enfatizavam os seus direitos como colonos den t ro do Impér io Bri-

tánico, enquan to a Declaração da Independência de 1776 invocava

claramente os direitos universais de todos os h o m e n s . Depois os

americanos m o n t a r a m a sua p rópr ia t radição part icularista com a

Const i tu ição de 1787 e a Bill of Rights de 1791. Em contraste , os

franceses a d o t a r a m quase imed ia tamente a versão universalista,

em par te po rque ela solapava as reivindicações par t icular is tas e

históricas da monarqu ia . Nos debates sobre a Declaração francesa,

o duque Mathieu de M o n t m o r e n c y exortou seus colegas deputa­

dos a "seguir o exemplo dos Estados Unidos: eles de ram um grande

exemplo no novo hemisfério; vamos dar um exemplo para o un i -" 2

verso .

Antes que os amer icanos e os franceses declarassem os direi­

tos do h o m e m , os p r inc ipa i s p r o p o n e n t e s do universa l i smo

viviam às margens das grandes potências. Talvez essa própr ia mar ­

ginalidade tenha capacitado um p u n h a d o de pensadores holande­

ses, alemães e suíços a t o m a r a iniciativa no a rgumen to de que os

direitos e ram universais. Já em 1625, um jurista calvinista holan­

dês, Hugo Grotius, p ropôs u m a noção de direitos que se aplicava a

toda a human idade , não apenas a um país ou a u m a tradição legal.

Ele definia "direitos natura is" c o m o algo autocont ro lado e conce­

bível separadamente da vontade de Deus. Sugeria t a m b é m que as

pessoas pod iam usar os seus direitos — sem a ajuda da religião —

para estabelecer os fundamentos contratuais da vida social. O seu

seguidor a lemão Samuel Pufendorf, o p r i m e i r o professor de

direito natural em Heidelberg, delineou as realizações de Grotius

na sua história geral dos ens inamentos do direito natural , publi­

cada em 1678. Embora criticasse Grotius em certos pontos , Pufen­

dorf a judou a solidificar a reputação de Grotius como uma fonte

pr imordia l da corrente universalista do pensamento dos direitos. 3

Os teóricos suíços do direito natural teor izaram sobre essas

ideias no início do século xvni. O mais influente deles, Jean-Jac-

ques Burlamaqui , ensinava direito em Genebra. Ele sintetizou os

LI 116

Page 59: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

vários escritos sobre direito natural do século xvi l em Principes du droit naturel (1747). C o m o seus predecessores, Burlamaqui forne­

ceu pouco conteúdo político ou legal específico para a noção dos

direitos naturais universais: o seu principal objetivo era provar que

eles existiam e derivavam da razão e da natureza humana . Ele atua­

lizou o conceito ao ligá-lo àquilo que os filósofos escoceses contem­

porâneos chamavam de senso mora l interior (antecipando, assim,

o a rgumento dos meus primeiros capítulos). Traduzida imediata­

mente para o inglês e o holandês, a obra de Burlamaqui foi ampla­

mente usada como u m a espécie de livro-texto da lei natural e dos

direitos naturais na úl t ima metade do século xvin. Rousseau, entre

outros, adotou Burlamaqui como um pon to de partida. 4

A obra de Burlamaqui es t imulou u m a renovação mais geral

das teorias da lei natural e dos direitos naturais na Europa Ociden­

tal e nas colônias nor te-americanas . Jean Barbeyrac, ou t ro protes­

tante genebrino, publ icou u m a nova t radução francesa da obra-

-chave de Grotius em 1746; antes ele havia publ icado u m a t radu­

ção francesa de u m a das obras de Pufendorf sobre direito natural .

U m a biografia adula tór ia de Gro t ius , escrita pelo francês Jean

Lévesque de Burigny, saiu em 1752 e foi t raduzida para o inglês em

1754. Em 1754, T h o m a s Rutherforth publ icou as suas conferên­

cias sobre Grotius e direito natural proferidas na Universidade de

Cambr idge . Grot ius , Pufendorf e Bur l amaqu i e r am todos b e m

conhec idos dos revoluc ionár ios amer i canos , c o m o Jefferson e

Madison, que eram versados em direito. 5

Os ingleses t inham produzido dois pensadores universalistas

capitais no século xv i l : T h o m a s Hobbes e John Locke. As suas

obras eram b e m conhecidas nas colônias britânicas da América do

Norte , e Locke em particular ajudou a formar o pensamento polí­

tico amer i cano , talvez a inda mais do que inf luenciou as visões

inglesas. Hobbes teve m e n o s impac to do que Locke, p o r q u e ele

acreditava que os direitos naturais t i nham de se render a u m a auto-

i i 8

r idade absoluta a fim de impedi r a "guerra de todos contra t o d o s "

que do contrár io sucederia. Enquan to Grot ius havia igualado os

direitos naturais à vida, ao corpo, à l iberdade e à h o n r a (uma lista

que parecia questionar, em particular, a escravidão), Locke definia

os direitos naturais c o m o "Vida, Liberdade e Propriedade". C o m o

enfatizava a posse — Prop r i edade —, Locke n ã o ques t ionava a

escravidão. Justificava a escravidão de cativos cap turados n u m a

guerra justa. Locke até p r o p u n h a u m a legislação para a s segu ra r

que " todo h o m e m livre de Caro l ina t enha p o d e r e a u t o r i d a d e

absolutos sobre seus escravos negros"/'

En t r e t an to , apesar da influência de H o b b e s e Locke, u r n a

grande porção, se não a ma io r par te da discussão inglesa, e p o r ­

tan to americana, sobre os direitos naturais na pr imeira m e t a d e do século xviii manteve o foco sobre os direitos particulares h i s t o r i c a ­

men te fundamentados do inglês nascido livre, e não sobre d i r e i t o s

universalmente aplicáveis. Escrevendo na década de 1750, W i l l i a m

Blackstone explicava por que os seus conterrâneos p u n h a m o f o c o

sobre seus direitos particulares em vez de atentar para os u n i v e r ­

sais: "Estas [liberdades naturais] e ram outrora , quer por h e r a n ç a *

quer por aquisição, os direitos de toda a humanidade ; mas, e s t a n d o

agora n a maior ia dos o u t r o s países d o m u n d o mais o u m e n o s

degradados e destruídos, pode-se dizer que no presente eles c o n t i ­

n u a m a ser, de um m o d o peculiar e enfático, os direitos do p o v o da

Inglaterra". Mesmo que os direitos tivessem sido outrora u n i v e r ­

sais, afirmava o p r o e m i n e n t e jurista, apenas os ingleses, em s u a

superior idade, t i nham conseguido mantê- los . 7

Da década de 1760 em diante, entretanto, o fio u n i v e r s a l i s t a

dos direitos começou a se entrelaçar com o particularista nas c o l ô -

nias bri tânicas da América do Norte . JúiThe Rights ofthe BritisH Colonies Asserted and Proved (1764) , po r exemplo , o a d v o g a d o

James Otis, de Boston, confirmava tanto os direitos naturais d o s

colonos ("A natureza colocou todos eles n u m estado de i g u a l d a d ^

119

Page 60: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

e l iberdade perfeita") c o m o seus direitos civis e polí t icos c o m o

cidadãos britânicos: "Todo súdito bri tânico nascido no cont inente

da América, ou em qualquer ou t ro dos domínios britânicos, está

autor izado pela lei de Deus e da natureza, pela lei c o m u m e pela lei

do Par lamento [...] a usufruir de todos os direitos naturais , essen­

ciais, inerentes e inseparáveis de nossos colegas súditos na Grã-

-Bretanha". Ainda assim, dos "direitos de nossos colegas súditos"

em 1764 até os "direitos inalienáveis" de "todos os h o m e n s " de Jef-

ferson em 1776 foi mister dar ou t ro passo gigantesco. 8

O fio universalista dos direitos engrossou na década de 1760

e especialmente na de 1770, q u a n d o se alargou a brecha entre as

colônias nor te-amer icanas e a Grã-Bretanha. Se os colonos que­

r i am estabelecer um novo país separado , n ã o p o d i a m con ta r

meramen te com os direitos dos ingleses nascidos livres. Caso con­

trário, estavam querendo u m a reforma, e não a independência . Os

direi tos universais p r o p o r c i o n a v a m um f u n d a m e n t o lógico

melhor, e assim os discursos das eleições americanas nas décadas

de 1760 e 1770 c o m e ç a r a m a citar d i re tamente Bur lamaqui em

defesa dos "direitos da humanidade" . Grotius, Pufendorf e espe­

cialmente Locke apareciam entre os autores mais frequentemente

citados nos escritos políticos, e Burlamaqui podia ser encont rado

em números cada vez maiores de bibliotecas públicas e particula­

res. Q u a n d o a autor idade bri tânica começou a ent rar em colapso,

em 1774, os colonos passaram a se considerar em algo semelhante

ao estado de natureza a respeito do qual t i nham lido. Bur lamaqui

t inha afirmado: "A ideia do Direito, e ainda mais a da lei natural, estão manifestamente relacionadas com a natureza do h o m e m . É

por tan to dessa própr ia natureza do h o m e m , da sua constituição e

da sua condição que devemos deduzir os princípios desta ciência".

Bur lamaqui falava apenas da natureza do h o m e m em geral, não

sobre a condição dos colonos amer icanos ou a cons t i tu ição da

Grã-Bretanha, mas sobre a constituição e a condição da h u m a n i -

120

dade universal. Esse pensamen to universalista tornava os colonos

capazes de imaginar um r o m p i m e n t o com a t radição e a soberania

bri tânica. 9

M e s m o antes de o Congresso declarar a independênc ia , os

colonos convocaram convenções estaduais para subst i tuir o go­

verno bri tânico, enviaram instruções com os seus delegados para

exigir i n d e p e n d ê n c i a e c o m e ç a r a m a r a scunha r Cons t i tu ições

estaduais que f requentemente incluíam declarações de direitos. A

Declaração de Direitos da Virginia, de 1 2 d e j u n h o de 1776, procla­

mava que " todos os h o m e n s são por natureza igualmente livres e

independentes e t êm certos direitos inerentes", que eram definidos

como "a fruição da vida e da l iberdade, com os meios de adquir ir e

possuir propr iedades e de buscar e obter felicidade e segurança".

Ainda mais impor tan te , a Declaração da Virginia passava a ofere­

cer u m a lista de direitos específicos, como a l iberdade de imprensa

e a l iberdade de op in i ão religiosa: ela a j u d o u a estabelecer o

mode lo não só para a Declaração da Independência , mas t a m b é m

para a definitiva Bill ofRightsda Consti tuição dos Estados Unidos.

Na pr imavera de 1776, declarar a independência — e declarar os

di re i tos universais em vez de br i tân icos — t inha a d q u i r i d o

momentum nos círculos políticos.'"

Assim, os acontecimentos de 1774-6 fund i ram temporar ia ­

mente os pensamentos particularista e universalista sobre os direi­

tos nas colônias insurgentes. Em reação à Grã-Bretanha, os colo­

nos p o d i a m citar os seus direi tos já exis tentes c o m o súdi tos

bri tânicos e, ao m e s m o tempo, reivindicar o d i re i to universal a um

governo que assegurasse os seus direitos inal ienáveis como h o ­

mens iguais. Entretanto, c o m o os úl t imos de fato anulavam os pr i ­

meiros, à medida que se moviam mais decisivamente para a inde­

pendência os americanos sentiam a necessidade de declarar os seus

direitos como parte da transição de um estado de natureza de volta

a um governo civil — ou de um estado de sujeição a Jorge III em

i . ' i

Page 61: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

direção a u m a nova política republicana. Os direitos universalistas

n u n c a t e r i am sido declarados nas colônias americanas sem o

m o m e n t o revolucionário criado pela resistência à autoridade britâ­

nica. E m b o r a n e m todos concordassem sobre a impor tânc ia de

declarar os direitos ou sobre o conteúdo dos direitos a serem decla­

rados, a independência abriu a por ta para a declaração dos direitos. 1 1

M e s m o na Grã-Bretanha, u m a noção mais universalista dos

direitos começou a se in t roduzir sorrate i ramente no discurso na

década de 1760. Os debates sobre os direitos t i nham se aquietado

com a res tauração da estabilidade depois da revolução de 1688,

que havia resultado na Bill ofRights. O n ú m e r o de títulos de livros

que incluíam alguma menção aos "direitos" decl inou constante­

me n te na Grã-Bre tanha do início dos anos 1700 aos anos 1750.

Q u a n d o se intensificou a discussão internacional da lei natural e

dos direitos naturais , os números começaram a se elevar de novo

na década de 1760 e con t inuaram a crescer a part i r de então. N u m

longo panfleto de 1768 que denunciava o patrocínio aristocrático

de posições clericais na Igreja da Escócia, o autor invocava tan to

"os direitos naturais da human idade" como "os direitos naturais e

civis dos BRETÕES LIVRES". Da mesma forma, o pregador anglicano

William D o d d argumentava que o papismo era "incoerente com

os Direitos Naturais dos HOMENS em geral e dos INGLESES em par t i ­

cular". Ainda assim, o polí t ico da oposição John Wilkes sempre

empregava a l inguagem de "vosso direito hereditár io como INGLE­

SES" ao apresentar seus a rgumentos na década de 1760. The Letters ofjunius, cartas anônimas publicadas contra o governo bri tânico

no final da década de 1760 e início da de 1770, t a m b é m usava a lin­

guagem dos "direitos do povo" para se referir aos direitos sob a t ra­

dição e a lei inglesas. 1 2

A guerra entre os colonos e a Coroa bri tânica to rnou a tendên­

cia universalista mais p lenamente manifesta na p rópr ia Grã-Bre­

tanha. Um folheto de 1776 assinado "M. D."cita Blackstone no sen-

122

t ido de que os colonos "carregam consigo apenas aquela par te das

leis inglesas que é aplicável à sua si tuação": p o r t a n t o , se " inova­

ções" minis ter ia is v io l am "seus direi tos na tu ra i s c o m o h o m e n s

[ingleses] livres", a cadeia de governo é "quebrada", p o d e n d o - s e

esperar que os colonos exerçam seus "direitos naturais". Richard

Price t o r n o u o apelo ao universal ismo mui to explícito em seu pan ­

fleto imensamente influente de 1776, Observations on theNature of Civil Liberty, the Principies of Government, and the Justice andPolicy ofthe War with America. O seu texto passou p o r n ã o m e n o s de

quinze edições em Londres em 1776, e foi reimpresso no m e s m o

ano em Dubl in , Ed imburgo , Charleston, Nova York e Filadélfia.

Price ba seou o seu apo io aos co lonos nos "pr inc íp ios gerais da

Liberdade Civil", isto é, no "que a razão, a equidade e os direitos da

h u m a n i d a d e propiciam", e não no precedente, no estatuto ou nas

cartas (a prática da l iberdade inglesa no passado) . O panfleto de

Price foi t raduzido para o francês, o alemão e o holandês. O seu tra­

du tor holandês, Joan Derk van der Capellen tot den Poli, escreveu

a Price em dezembro de 1777 e relatou o seu própr io apoio, n u m

discurso mais tarde impresso e de ampla circulação, à causa ame­

ricana: "Considero os amer icanos homens valentes que defendem

de um m o d o moderado , piedoso e corajoso os direitos que rece­

bem, sendo homens , não do Poder Legislativo da Inglaterra, mas

do p rópr io Deus". 1 3

O panfleto de Price provocou u m a feroz controvérsia na Grã-

-Bretanha. Uns t r inta panfletos apareceram quase imedia tamente

em resposta, acusando Price de falso pa t r io t i smo, par t idar i smo,

parricidio, anarquia, sedição e até traição. O panfleto de Price inse­

riu "os direitos naturais da humanidade", "os direitos da natureza

h u m a n a " e espec ia lmente "os direi tos inal ienáveis da na tureza

h u m a n a " na agenda da Europa. C o m o um au to r claramente reco­

nhecia, a questão crucial era a seguinte: saber "se existem direitos

inerentes à Natureza H u m a n a , tão ligados à vontade que tais direi-

123

Page 62: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

tos n ã o p o d e m ser alienados". Era apenas um sofisma, afirmava

esse opos i tor , a r g u m e n t a r que "há certos direi tos da Natureza

H u m a n a que são inalienáveis". A esses os h o m e n s t i n h a m de

renunciar — um h o m e m t inha de "desistir do governo de seu ser

pela sua p róp r i a von tade" — a fim de en t ra r no estado civil. As

polêmicas m o s t r a m que o significado de direitos naturais , liber­

dade civil e democracia era objeto de atenção e debate de muitas

das melhores inteligências políticas da Grã-Bretanha. 1 4

A distinção entre as liberdades natural e civil proposta pelos

opositores de Price serve para lembrar que a articulação dos direi­

tos naturais engendrava a sua própr ia tradição contrária, que con­

tinua até os dias atuais. C o m o os direitos naturais, que cresceram

em oposição a governos vistos como despóticos, a tradição contrá­

ria era t a m b é m reativa, a r g u m e n t a n d o que os direi tos na tura i s

consti tuíam u m a invenção ou que nunca poder iam ser inalienáveis

(e por tan to eram irrelevantes). Hobbes já t inha a rgumentado , na

me tade do século xvii, que os h o m e n s dever iam renunc ia r aos

direitos naturais (que por tan to não eram inalienáveis) para estabe­

lecer u m a sociedade civil ordeira. Robert Filmer, o inglês p ropo­

nente da autoridade patriarcal, refutou Grotius explicitamente em

1679 e declarou ser um "absurdo" a dout r ina da "liberdade natural".

Em Patriar dia (1680), ele novamente contradisse a noção da igual­

dade e liberdade natural da humanidade , a rgumentando que todas

as pessoas nascem sujeitas aos pais; o único direito natural , na visão

de Filmer, é inerente ao poder régio, que deriva do modelo original

do poder patriarcal e está confirmado nos Dez Mandamentos . 1 5

Mais influente no longo prazo foi a visão de Jeremy Bentham,

que argumentava que só importava a lei positiva (real em vez de

ideal ou natural) . Em 1775, mui to antes de se to rnar famoso como

o pai do Utilitarismo, Bentham escreveu u m a crítica sobre Com-mentaries on the Laws ofEngland, de Blackstone, e x p o n d o a sua

rejeição do conceito de lei natural : "Não há isso que c h a m a m de

124

'preceitos, nada que 'ordene o h o m e m a prat icar qualquer um dos

atos que se alega serem impostos pela pretensa lei da Natureza. Se

a lgum h o m e m conhece a lgum desses precei tos , que ele os p r o ­

duza. Se são produzíveis , não deveríamos nos dar ao t rabalho de

'descobri-los', c o m o nosso au to r [Blackstone] pouco depois nos

diz que devemos fazer, com a ajuda da razão".

Bentham se o p u n h a à ideia de que a lei na tura l era inata à pes­

soa e podia ser descoberta pela razão. Assim, rejeitava basicamente

toda a tradição da lei na tura l e com ela os direitos naturais . O pr in­

cípio da util idade (a maior felicidade do maior n ú m e r o de pessoas,

u m a ideia que ele t o m o u empres tada de Beccaria), ele a rgumenta ­

ria mais tarde, servia c o m o a melhor medida do certo e do errado.

Só cálculos baseados em fatos, em vez de julgamentos baseados na

razão, pod iam fornecer a base para a lei. Dada essa posição, a sua

rejeição pos te r io r da Declaração dos Direi tos do H o m e m e do

Cidadão é menos surpreendente . N u m panfleto em que critica a

Declaração francesa artigo po r artigo, ele negou categoricamente

a existência de direitos naturais . "Os direitos naturais são um mero

absurdo: os direitos naturais e imprescritíveis, um absurdo retó­

rico, um absurdo bombástico." 1 "

Apesar de seus crí t icos, o d iscurso dos direi tos estava ga­

n h a n d o impulso desde a década de 1760. Os "direitos naturais",

então suplementados pelos "direitos do gênero humano", "direitos

da h u m a n i d a d e " e "direitos do homem", to rnaram-se expressões

corriqueiras. C o m o seu potencial político imensamente intensifi­

cado pelos conflitos americanos das décadas de 1760 e 1770, o dis­

curso dos direi tos universais c ruzou de volta o Atlântico para a

Grã-Bretanha, a República Holandesa e a França. Em 1768, po r

exemplo , o economis ta francês de m e n t e reformista Pierre-

-Samuel du Pont de Nemours ofereceu a sua própr ia definição dos

"direitos de cada homem". A sua lista incluía a l iberdade de esco­

lher u m a ocupação, o livre comércio, a educação pública e a t r ibu-

125

Page 63: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

tação proporc ional . Em 1776, Du Pont se apresentou como volun­

tário para ir às colônias americanas e relatar os acontecimentos ao

governo francês (uma oferta que não foi aproveitada). Mais tarde

Du Pont se t o rnou amigo ín t imo de Jefferson, e em 1789 foi eleito

depu tado pelo Terceiro Estado. 1 7

E m b o r a a Declaração da Independência talvez não tenha sido

"prat icamente esquecida", como Pauline Maier recentemente p ro­

clamou, a l inguagem universalista dos direitos re to rnou essencial­

m e n t e ao seu lar na Europa depois de 1776. Os novos governos

estaduais dos Estados Un idos c o m e ç a r a m a adota r declarações

individuais dos direitos já em 1776, mas os Artigos da Confedera­

ção de 1777 n ã o inc lu íam n e n h u m a declaração de direi tos , e a

Const i tuição de 1787 foi aprovada sem n e n h u m a declaração desse

t ipo. A Bill of Rights americana só passou a existir com a ratificação

das p r imei ras dez emendas da Const i tu ição, em 1791, e era um

d o c u m e n t o p ro fundamente part icularista que protegia os cida­

dãos americanos contra abusos cometidos pelo seu governo fede­

ral. Em comparação, a Declaração da Independência e a Declara­

ção de Direitos da Virginia de 1776 t inham feito afirmações mu i to

mais universalistas. Na década de 1780, os direi tos na Amér ica

t i nham assumido u m a posição menos impor tan te do que o inte­

resse em cons t ru i r u m a nova e s t ru tu ra ins t i tuc iona l nac iona l .

C o m o consequência, a Declaração dos Direitos do H o m e m e do

Cidadão de 1789 de fato precedeu a Bill of Rights americana, e logo

atraiu a atenção internacional . 1 8

d e c l a r a n d o o s d i r e i t o s n a f r a n ç a

Apesar do a fa s t amen to a m e r i c a n o do un ive r sa l i smo na

década de 1780, os "direitos do h o m e m " receberam um grande

e m p u r r ã o do exemplo amer icano . Sem ele, na verdade, os direi-

126

tos h u m a n o s p o d e r i a m ter d e f i n h a d o p o r falta de in teresse .

Depois de insuflar um in teresse d i f u n d i d o pe los "d i re i tos do

h o m e m " no início da década de 1760, o p r ó p r i o Rousseau se desi-

I udiu. N u m a longa carta escrita em janei ro de 1769 sobre as suas

convicções rel igiosas, Rousseau a t a c o u o uso excessivo des ta

"bela pa lavra ' h u m a n i d a d e ' " . Os sof is t icados m u n d a n o s , "as

menos h u m a n a s das pessoas", invocavam-na com tanta frequên­

cia que ela estava se " t o r n a n d o insípida, até ridícula". A h u m a n i ­

dade t inha de ser gravada nos corações, insistia Rousseau, e não

apenas impressa nas páginas dos livros. O inventor da expressão

"direitos do h o m e m " não viveu para ver o impac to p leno da inde­

p e n d ê n c i a a m e r i c a n a : ele m o r r e u em 1778, o a n o em que a

França se j u n t o u ao l ado a m e r i c a n o c o n t r a a G r ã - B r e t a n h a .

E m b o r a Rousseau soubesse de Benjamin Frankl in , u m a verda­

deira ce lebr idade na França desde sua chegada c o m o min is t ro

dos colonos rebeldes em 1776, e n u m a ocasião tivesse defendido

o direi to dos amer icanos de proteger suas l iberdades m e s m o que

fossem "obscuros ou desconhecidos", ele expressava pouco inte­

resse pelos assuntos amer icanos . 1 9

As repet idas referências à h u m a n i d a d e e aos direi tos do

h o m e m con t inuaram apesar do escárnio de Rousseau, irias pode­

r iam ter sido ineficazes se os acontecimentos na América não tives­

sem lhes dado mais poder de fogo. Entre 1776e 1783,nove diferen­

tes t r a d u ç õ e s francesas da Declaração da Independênc ia e ao

menos cinco traduções francesas de várias constituições e declara­

ções de direi tos estaduais p rop ic i a ram aplicações específicas de

d o u t r i n a s de direi tos e a juda ram a cristalizar o senso de que o

governo francês t a m b é m pode r i a ser estabelecido sobre novos

fundamentos . Embora alguns reformadores franceses preferissem

u m a mona rqu i a consti tucional no estilo inglês, e Condorcet por

sua par te expressasse desapontamento com o "espírito aristocrá­

t ico" da nova Const i tuição dos Estados Unidos , mui tos se entu-

127

Page 64: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

siasmavam com a capacidade americana de escapar ao peso mor to

do passado e estabelecer o autogoverno. 2 0

Os precedentes americanos tornaram-se ainda mais convin­

centes q u a n d o os franceses en t r a ram n u m estado de emergência

constitucional. Em 1788, enfrentando u m a bancarrota causada em

grande medida pela participação francesa na Guerra da Indepen­

dência amer icana , Luís xvi conco rdou em convocar os Estados

Gerais, que t i nham se reunido pela úl t ima vez em 1614. Q u a n d o

começaram as eleições dos delegados, ruídos surdos de declarações

já pod iam ser ouvidos. Em janeiro de 1789, um amigo de Jefferson,

Lafayette, p r epa rou um ra scunho de declaração, e nas semanas

seguintes Condorcet silenciosamente formulou o seu. O rei t inha

ped ido que o clero (o Pr imei ro Estado) , os nobres (o Segundo

Estado) e o povo c o m u m (o Terceiro Estado) não só elegessem dele­

gados, mas t a m b é m fizessem listas de suas queixas. Várias listas

redigidas em fevereiro, março e abril de 1789 se referiam aos "direi­

tos inalienáveis do homem", aos "direitos imprescri t íveis dos

homens livres", aos "direitos e dignidade do h o m e m e do cidadão"

ou aos "direitos dos homens livres e esclarecidos", mas predomina­

vam os "direitos do homem". A linguagem dos direitos estava agora

se difundindo rapidamente na atmosfera da crescente crise. 2 1

Algumas listas de queixas t— as dos nobres mais frequente­

mente que as do clero ou do Terceiro Estado — exigiam de forma

explícita u m a declaração de direi tos (em geral as que t a m b é m

pediam u m a nova Const i tuição) . Por exemplo, a nobreza da região

Béziers, no sul, requeria que "a assembleia geral adotasse como sua

verdadeira tarefa prel iminar o exame, rascunho e declaração dos

direitos do h o m e m e do cidadão". A lista de queixas do Terceiro

Estado da grande Paris int i tulou a sua segunda seção "Declaração

de direitos" e apresentou u m a lista desses direitos. Quase todas as

listas ped iam direitos específicos de u m a ou ou t r a forma: liber­

dade de imprensa, l iberdade de religião em alguns casos, t r ibuta-

128

ção igual, igualdade de t r a t amen to perante a lei, proteção contra a

prisão arbitrária e que tais. 2 2

Os delegados v i e r a m c o m as suas listas de que ixas p a r a a

aber tura oficial dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789. Depois

de semanas de debates fúteis sobre o procedimento, os depu tados

do Terceiro Estado se dec la ra ram uni la tera lmente m e m b r o s de

u m a Assembleia Nacional em 17 de j u n h o ; eles afirmavam repre­

sentar toda a nação, e não apenas o seu "estado". Muitos depu ta ­

dos clericais logo se j u n t a r a m a eles, e em pouco t empo os nobres

não t iveram ou t ra escolha senão abandonar os t rabalhos ou t a m ­

bém aderir. Em 19 de j u n h o , b e m no meio dessas lutas, um depu­

tado ped iu que a nova Assembleia começasse imed ia t amen te a

"grande tarefa de u m a declaração de direitos", que ele insistia ter

sido exigida pelos eleitores; embora estivesse longe de ser univer­

salmente reclamada, a ideia estava com toda a certeza no ar. Um

Comi tê sobre a Const i tuição foi m o n t a d o em 6 de julho, e em 9 de

ju lho o comitê a n u n c i o u à Assembleia Nacional que começaria

com u m a "declaração dos direi tos na tura is e imprescritíveis do

homem", d e n o m i n a d a na recapi tulação da sessão "a declaração

dos direitos do homem". 2 1

T h o m a s Jefferson, então em Paris, escreveu a Thomas Paine

na Ingla te r ra em 11 de ju lho , d a n d o um relato esbaforido dos

acontecimentos que se desenrolavam. Paine era o autor de Com-mon Sense (1776) , o panfleto mais influente do m o v i m e n t o da

independênc ia amer icana . Segundo Jefferson, os depu tados da

Assembleia Nacional " lançaram por terra o velho governo, e estão

agora começando a construir ou t ro da estaca zero". Relatava que

eles consideravam que a pr imei ra tarefa devia ser o rascunho de

" u m a Declaração dos direi tos na tura i s e imprescri t íveis do

h o m e m " — os mesmos te rmos usados pelo Comitê sobre a Cons­

tituição. Jefferson t rocou mui tas ideias com Lafayette, que naquele

mesmo dia leu o seu própr io rascunho de u m a proposta de decla-

129

Page 65: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

ração para a Assembleia. Vários outros deputados proeminentes

c o r r e r a m en t ão a i m p r i m i r as suas p ropos tas . A te rmino log ia

variava: "os direitos do h o m e m na sociedade", "os direitos do cida­

dão francês" ou s implesmente "direitos", mas "os direi tos do

h o m e m " predominava nos t í tulos. 2 4

Em 14 de ju lho , t rês dias depois que Jefferson escreveu a

Paine, as mul t idões em Paris se a r m a r a m e a tacaram a prisão da

Bastilha e ou t ros s ímbolos da au tor idade real. O rei havia orde­

nado que milhares de tropas entrassem em Paris, levando mui tos

deputados a temer um golpe contrarrevolucionario. O rei retirou

os seus soldados, mas a questão de u m a declaração ainda não fora

so luc ionada . No final de ju lho e início de agosto, os depu tados

ainda estavam debatendo se precisavam de u m a declaração, se ela

deveria aparecer no topo da Consti tuição e se deveria ser acompa­

nhada por u m a declaração dos deveres do cidadão. A divisão sobre

a necessidade de u m a declaração refletia os desacordos fundamen­

tais sobre o curso dos acontec imentos . Se a au to r idade m o n á r ­

quica precisasse simplesmente de alguns reparos, u m a declaração

dos "direitos do h o m e m " não era necessária. Para aqueles, em con­

traste, que concordavam com o diagnóstico de Jefferson de que o

governo t inha de ser r econs t ru ído do nada , u m a declaração de

direitos era essencial.

Por fim, em 4 de agosto, a assembleia votou po r redigir u m a

declaração de direitos sem os deveres. N i n g u é m então ou desde

então explicou adequadamente como a opinião acabou m u d a n d o

em favor de rascunhar essa declaração, em grande par te porque os

deputados estavam tão ocupados confrontando as questões coti­

dianas que não compreendiam as grandes consequências de cada

u m a de suas decisões. C o m o resultado, as suas cartas e até m e m ó ­

rias poster iores m o s t r a r a m - s e t o r t u r a n t e m e n t e vagas sobre as

mudanças de maré da opinião. Sabemos que a maior ia t inha pas­

sado a acredi tar ser necessár io um f u n d a m e n t o i n t e i r amen te

130

novo. Os direitos do h o m e m forneciam os pr inc íp ios para u m a

visão alternativa de governo. C o m o os amer icanos haviam feito

antes, os franceses declararam os direitos c o m o par te de u m a cres­

cente rup tu ra com a au tor idade estabelecida. O deputado Rabaut

Saint-Étienne comen tou esse paralelo em 18 de agosto: "como os

amer i canos , q u e r e m o s n o s regenerar , e ass im a declaração de

direitos é essencialmente necessária". 2 5

O debate se a n i m o u em meados de agosto, apesar de alguns

d e p u t a d o s z o m b a r e m a b e r t a m e n t e da "discussão metafísica".

Conf ron tada com u m a série desnor tean te de alternativas, a As­

sembleia Nacional decidiu considerar um d o c u m e n t o de compro­

misso redigido por um subcomitê de quarenta membros , na sua

maior par te anôn imos . No meio da cont ínua incerteza e ansiedade

sobre o futuro, os d e p u t a d o s d e d i c a r a m seis dias a um deba te

t umu l tuado (20-24 de agosto, 26 de agosto). Concordaram a res­

peito de dezessete artigos emendados entre os 24 propostos (nos

Estados Unidos, os estados individuais ratificaram apenas dez das

doze pr imeiras emendas propostas para a Consti tuição). Exaurida

pela discussão dos artigos e emendas , em 27 de agosto a Assembleia

votou por adiar qualquer ou t ra discussão para depois da redação

de u m a nova Const i tu ição. A questão n u n c a foi reaberta. Dessa

manei ra um tanto ambígua, a Declaração dos Direitos do H o m e m

e do Cidadão adquir iu a sua forma definitiva.*

Os deputados franceses declaravam que todos os homens , e

não só os franceses,"nascem e pe rmanecem livres e iguais em direi­

tos" (artigo I a ) . Entre os "direitos naturais , inalienáveis e sagrados

do h o m e m " estavam a l iberdade, a propr iedade , a segurança e a

resistência à opressão (artigo 2 a ) . Concretamente , isso significava

que quaisquer limites aos direitos t i nham de ser estabelecidos na

lei (artigo 4 a ) . "Todos os cidadãos" t i nham o direito de participar

* Ver no Apênd ice o texto c o m p l e t o .

131

Page 66: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

na formação da lei, que deveria ser a mesma para todos (artigo 6 f i),

e consen t i r na t r i bu tação (ar t igo 14), que deveria ser d ividida

igualmente segundo a capacidade de pagar (artigo 13). Além disso,

a declaração proibia "ordens arbitrárias" (artigo 7°), punições des­

necessárias (artigo 8f l) e qualquer presunção legal de culpa (artigo

9 S) ou apropr iação governamental desnecessária da propr iedade

(artigo 17). Em te rmos um tan to vagos, insistia que " [n ] inguém

deve ser molestado por suas opiniões, mesmo as religiosas" (artigo

10), enquan to afirmava com mais vigor a l iberdade de imprensa

(artigo 11).

N u m único documento , por tanto , os deputados franceses ten­

ta ram condensar tanto as proteções legais dos direitos individuais

c o m o um novo fundamen to para a legi t imidade do governo. A

soberania se baseava exclusivamente na nação (artigo 3 2 ) , e a"socie-

dade" t inha o direito de considerar que todo agente público devia

prestar contas de seus atos (artigo 15). Não era feita n e n h u m a men­

ção ao rei, t radição, história ou costumes franceses, n e m à Igreja

Católica. Os direitos eram declarados "na presença e sob os auspí­

cios do Ser Supremo", mas por mais "sagrados" que fossem não lhes

era atr ibuída u m a origem sobrenatural . Jefferson t inha sentido a

necessidade de afirmar que todos os homens e ram "dotados pelo

seu Criador" com direitos, mas os franceses deduziam os direitos de

origens inteiramente seculares: a natureza, a razão e a sociedade.

Durante os debates, Mathieu de Montmorency havia afirmado que

"os direitos do h o m e m na sociedade são eternos" e "não é necessá­

ria n e n h u m a sanção para reconhecê-los". O desafio à antiga o rdem

na Europa não poderia ter sido mais direto. 2 6

N e n h u m dos artigos da declaração especificava os direitos de

g rupos par t iculares . "Os homens" , "o homem" , "cada homem", I "todos os cidadãos", "cada cidadão", "a sociedade", "qualquer socie­

dade" e ram contras tados com "ninguém", " n e n h u m indivíduo",

" n e n h u m homem". Era l i teralmente t u d o ou nada . As classes, as

132

religiões e os sexos não apareciam na declaração. Embora a a u s ê n ­

cia de especificidade logo criasse p rob lemas , a generalidade d a s

afirmações não era u m a grande surpresa. O Comitê sobre a C o n s ­

t i tuição t inha se c o m p r o m e t i d o or ig ina lmente em preparar a té

quat ro documentos diferentes sobre os direitos: (1) uma declara­

ção dos direitos do h o m e m ; (2) dos direitos da nação; (3) dos d i re i ­

tos do rei; e (4) dos direitos dos cidadãos sob o governo francês. O

d o c u m e n t o adotado combinava o pr imeiro , o segundo e o qua r to ,

mas sem definir as qualificações para a cidadania. Antes de passar

aos aspectos específicos (os direitos do rei ou as qualificações p a r a

a cidadania) , os deputados se e m p e n h a r a m pr imeiro em estabele­

cer princípios gerais para todo o governo. A esse respeito, o ar t igo

2 a é típico: "O objetivo de toda associação política é a preservação

dos direitos naturais e imprescritíveis do homem". Os depu tados

q u e r i a m p r o p o r a base de toda associação polít ica — n ã o da

monarqu ia , não do governo francês, mas de toda associação pol í ­

tica. Eles ter iam de se voltar em breve para o governo francês. 2 7

O ato de declarar não resolvia todas as questões . De fato,

emprestava maior urgência a algumas dessas questões — os direi­

tos daqueles que não t i nham propriedade ou das minorias religio­

sas, por exemplo — e abria novas questões sobre grupos, c o m o os

escravos ou as mulheres , que nunca haviam detido u m a posição

política (a serem examinadas no p róx imo capítulo). Talvez aque­

les que se o p u n h a m a u m a declaração tivessem percebido que o

p rópr io ato de declarar teria um efeito galvanizador. Declarar era

mais do que esclarecer artigos de doutr ina: ao fazer a declaração,

os d e p u t a d o s se apoderavam efetivamente da soberania . C o m o

resultado, o ato de declarar abr iu um espaço antes in imaginável

para o debate político: se a nação era soberana, qual era o papel do

rei, e q u e m representava melhor a nação? Se os direitos serviam

como o fundamento da legitimidade, o que justificava a sua l imi­

tação a pessoas de certas idades, sexos, raças, religiões ou riqueza?

133

Page 67: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

A l i n guagem dos direitos h u m a n o s t inha ge rminado po r algum

t e m p o nas novas prát icas cul tura is da a u t o n o m i a individual e

in tegr idade corporal , mas depois i r r o m p e u repen t inamente em

tempos de rebelião e revolução. Q u e m devia, queria ou podia con­

trolar os seus efeitos?

Declarar os direi tos t a m b é m teve consequências fora da

França. A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão t rans­

fo rmou a l inguagem de todo m u n d o quase da noite para o dia. A

m u d a n ç a pode ser encont rada de forma especialmente clara nos

escritos e discursos de Richard Price, o pregador bri tânico dissi­

dente que havia inf lamado a controvérsia com seu discurso dos

"direitos da h u m a n i d a d e " em apoio aos colonos amer icanos em

1 7 7 6 . 0 seu panfleto de 1784, Observations on theImportance ofthe American Revolution, con t inuava na m e s m a veia: comparava o

mov imen to de independência americano à in t rodução do cristia­

n ismo e predizia que ele "produzir ia u m a difusão geral dos princí­

pios da h u m a n i d a d e " (apesar da escravidão, que ele condenava

ca tegor icamente ) . N u m se rmão de n o v e m b r o de 1789, Price

endossava a nova terminologia francesa: "Vivi para ver os direitos

dos h o m e n s mais b e m c o m p r e e n d i d o s do que nunca , e nações

ans iando por l iberdade que pareciam ter perd ido a ideia do que

isso fosse. [... ] Depois de part i lhar os benefícios de u m a Revolução

[ 1688], fui p o u p a d o para ser tes temunha de duas out ras Revolu­

ções [a americana e a francesa], ambas gloriosas". 2 8

O panfleto escrito em 1790 por E d m u n d Burke contra Price,

Reflexões sobre a revolução na França, desencadeou po r sua vez um

frenesi de discussão em várias l inguagens sobre os direi tos do

h o m e m . Burke argumentava que o "novo impér io conquis tador

de luz e razão" não pod ia propic iar um f u n d a m e n t o a d e q u a d o

para um governo bem-sucedido, que t inha de estar arraigado nas

tradições du radouras de u m a nação. Na sua acusação aos novos

princípios franceses, Burke escolheu a Declaração para u m a con-

134

denação especialmente dura . A sua l inguagem enfureceu T h o m a s

l'aine, que se agar rou a essa passagem no tó r i a na sua réplica de

1791, Os direitos do homem: uma resposta ao ataque do sr. Burke à Revolução Francesa.

"O sr. Burke, com sua costumeira violência", escreveu Paine,

"insultou a Declaração dos Direitos do H o m e m . [...] A essa cha­

m o u de 'pedaços miseráveis de papel bo r r ado sobre os direitos do

homem'. O sr. Burke pre tende negar que o h o m e m tenha direitos?

Nesse caso, deve querer dizer que não existem esses tais direitos em

n e n h u m lugar, e que ele p r ó p r i o não t e m n e n h u m : pois q u e m

existe no m u n d o senão o h o m e m ? " E m b o r a a resposta de M a r y

Wollstonecraft, Vindication ofthe Rights ofMen, in a Letter to the Right Honourable Edmund Burke; Occasioned by his Reflections on the Revolution in France, tivesse sido publicada antes, em 1790, Os

direitos do homem causou um impacto a inda mais direto e estu­

pendo , em parte po rque Paine aproveitou a ocasião para a rgumen­

tar cont ra todas as formas de mona rqu i a hereditária, inclusive a

inglesa. A sua obra teve várias edições inglesas ainda no pr imeiro

ano de sua publicação. 2 9

C o m o consequência , o emprego da l inguagem dos direitos

a u m e n t o u d rama t i camen te depois de 1789. As evidências dessa

onda p o d e m ser p ron t amen te encontradas no n ú m e r o de títulos

em inglês que u s a m a palavra "dire i tos": ele quad rup l i cou na

década de 1790 (418) em comparação com a de 1780 (95) ou com

qualquer década anter ior duran te o século xvni. Algo semelhante

aconteceu em holandês: rechten van des mensch apareceu pela pr i ­

meira vez em 1791 com a t radução de Paine, sendo depois seguido

po r mui tos usos na década de 1790. Rechten des menschen apare­

ceu logo depois nas terras em que se falava o alemão. Um tanto iro­

n i c a m e n t e , p o r t a n t o , a po lêmica ent re os escritores de l íngua

inglesa levou os "direitos do h o m e m " francês a um público inter­

nacional . O impacto foi maior do que t inha sido depois de 1776,

1 3 5

Page 68: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

porque os franceses t i nham u m a monarqu ia como as da maioria

das out ras nações europeias, e eles nunca abandona ram a lingua­

gem do universa l i smo. Os escri tos insp i rados pela Revolução

Francesa t a m b é m elevaram o nível da discussão amer icana dos

direitos: os seguidores de Jefferson invocavam constantemente os

"direitos do homem", mas os federalistas t ra tavam com desprezo

u m a l inguagem associada com "excesso democrát ico" ou ameaças

à autor idade estabelecida. Essas disputas a judaram a disseminar a

l inguagem dos direitos h u m a n o s por todo o m u n d o ocidental . 3 0

A B O L I N D O A T O R T U R A E A P U N I Ç Ã O C R U E L

Seis semanas depois de aprovarem a Declaração dos Direitos

do H o m e m e do Cidadão, e m e s m o antes que tivessem sido deter­

minadas as ressalvas a votar, os deputados franceses aboliram todos

os usos da tor tura judicial como parte de u m a reforma provisória

do procedimento criminal. Em 10 de setembro de 1789, o conselho

da cidade de Paris enviou u m a petição formal à Assembleia Nacio­

nal em n o m e da "razão e humanidade" , d e m a n d a n d o reformas

judiciais imedia tas que não só "resgatar iam a inocência" c o m o

"estabeleceriam melhor as provas do crime e to rnar iam a condena­

ção mais certa". Os membros do conselho da cidade fizeram a peti­

ção porque muitas pessoas t i nham sido presas pela nova Guarda

Nacional , c o m a n d a d a em Paris po r Lafayette, nas semanas de

sublevação depois de 14 de julho. Poderia o sigilo habitual dos p ro­

cedimentos judiciais fomentar a manipulação e a chicana dos ini­

migos da Revolução? Em resposta, a Assembleia Nacional n o m e o u

um Comitê dos Sete para redigir as reformas mais prementes , não

apenas para Paris mas para toda a nação. Em 5 de ou tubro , sob a

pressão de u m a marcha impressionante a Versalhes, Luís xvi deu

finalmente a sua aprovação formal à Declaração dos Direitos do

136

H o m e m e do Cidadão. Os part icipantes da marcha forçaram o rei e

sua família a se m u d a r de Versalhes para Paris em 6 de outubro . No

meio dessa renovada agitação, em 8-9 de ou tub ro , a Assembleia

aprovou o decreto proposto pelo seu comitê. Ao mesmo tempo, os

deputados votaram por se juntar ao rei em Paris. 3 1

A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão t inha tra­

çado apenas pr incípios gerais de justiça: a lei devia ser a m e s m a

para todos , não devia permi t i r a prisão arbitrária ou castigos além

daqueles "estrita e obviamente necessários", e o acusado devia ser

considerado inocente até ser julgado culpado. O decreto de 8-9 de

ou tub ro de 1789 começava com u m a invocação da declaração: "A

Assembleia Nacional, cons iderando que um dos principais direi­

tos do h o m e m , por ela reconhecido, é o de usufruir, q u a n d o acu­

sado de um delito criminal , de toda a l iberdade e segurança para a

defesa que possa ser conciliada com o interesse da sociedade que

pede a punição dos crimes [...]". Passava então a especificar os p ro ­

cedimentos, a maior ia dos quais se destinava a assegurar a t ranspa­

rência para o público. N u m lance inspirado pela desconfiança no

judiciário então em vigor, o decreto requeria a eleição de comissá­

rios especiais em cada distrito para ajudar em todos os casos crimi­

nais, inclusive na supervisão da coleta de evidências e tes temu­

nhos . Garantia o acesso da defesa a todas as informações reunidas

e a natureza pública de todos os procedimentos criminais, p o n d o

em prática um dos princípios mais acalentados por Beccaria.

O mais cur to dos 28 artigos no decreto, o artigo 24, é o mais

interessante para nossos propósi tos. Ele abolia todas as formas de

tor tura e t a m b é m o uso de um banco baixo e humi lhan te (a sel-lette) para o interrogatório final do acusado perante os seus juízes.

Luís xvi havia supr imido anter iormente a "questão preparatória",

o emprego da t o r tu ra pa ra ob ter confissões de culpa, mas t inha

proibido apenas provisor iamente o uso da "questão preliminar", a

tor tura para obter os nomes de cúmplices. O governo do rei tinha

137

Page 69: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

el iminado a selletteem maio de 1788, mas c o m o a ação era mui to

recente os deputados cons ideraram necessário tornar a sua p ró ­

pria posição b e m clara. A sellette era um ins t rumento de humilha­

ção e representava o t ipo de a taque à dignidade do indivíduo que

os d e p u t a d o s agora cons ide ravam inaceitável. O d e p u t a d o que

apresen tou o decreto para o comitê reservou a discussão dessas

medidas para o fim, com o intui to de sublinhar a sua impor tância

simbólica. Tinha insistido com os seus colegas desde o início que

"vocês não p o d e m deixar no Código corrente manchas que revol­

t am a human idade ; vocês cer tamente que rem que elas desapare­

çam sem demora". Depois se t o rno u quase lacrimoso quando che­

gou ao tema da tor tura:

Acreditamos que devemos à humanidade apresentar-lhes uma

observação final. O rei já [...] baniu da França a prática absurda­

mente cruel de arrancar do acusado, por meio de tortura, a confissão

de crimes [...] mas ele lhes deixou a glória de completar esse grande

ato de razão e justiça. Permanece ainda em nosso código a tortura

preliminar!...] os refinamentos mais execráveis de crueldade] ainda

são empregados para obter a revelação dos cúmplices. Fixem seus

olhos nesse resquício de barbárie, por favor, senhores, e logrem pros­

crever de seus corações essa prática. Seria um espetáculo belo e

comovente para o universo: ver um rei e uma nação, unidos pelos

laços indissolúveis de um amor recíproco, rivalizando entre si no

zelo pela perfeição das leis, um tentando superar o outro na constru­

ção de monumentos à justiça, à liberdade e à humanidade.

Na esteira da declaração de direitos, a tor tura foi po r fim comple­

tamente abolida. A abolição da t o r tu ra n ã o estava na agenda do

governo da cidade de Paris em 10 de setembro, mas os deputados

não resistiram à opor tun idade apresentada de torná- la o clímax de

sua pr imeira revisão do código criminal . 3 2

138

Q u a n d o chegou a ho ra de comple t a r a revisão do cód igo

penal após mais de dezoi to meses , o d e p u t a d o enca r r egado de

apresentar a reforma invocou todas as noções que t i nham se tor­

nado familiares duran te as campanhas contra a to r tura e a punição

cruel. Louis-Michel Lepeletier de Saint-Fargeau, ou t ro ra juiz no

Parlementde Paris, subiu à t r ibuna em 23 de ma io de 1791 pa ra

apresen ta r os p r inc íp ios do C o m i t ê sobre a Lei Cr imina l ( u m a

cont inuação do Comitê dos Sete nomeado em setembro de 1789).

Denunc iou as " tor turas atrozes imaginadas em séculos bárbaros e

ainda assim conservadas em séculos esclarecidos", a falta de p r o ­

porção entre os crimes e as punições ( u m a das principais queixas

de Beccaria) e a "ferocidade geralmente absurda" das leis anter io­

res. "Os pr incípios de h u m a n i d a d e " agora mode la r i am o código

penal, que no futuro se basearia antes na reabilitação por meio do

t rabalho que na punição sacrificai por meio da dor. 3 3

Tão bem-sucedidas t i nham sido as campanhas contra a tor­

tu ra e a pun ição cruel que o comitê colocou a seção sobre as pun i ­

ções antes da seção que definia os crimes no novo código penal .

Todas as sociedades exper imentam o crime, mas a punição reflete

a própr ia natureza de u m a política pública. O comitê propôs u m a

revisão completa do sistema penal para dar corpo aos novos valo­

res cívicos: em n o m e da igualdade, todos seriam julgados nos mes­

m o s t r i buna i s sob a m e s m a lei e ser iam suscetíveis às m e s m a s

punições. A privação da liberdade seria a punição exemplar, o que

significava que ser enviado para as galés no mar e para o exílio seria

subst i tuído pelo apr i s ionamento e por trabalhos forçados. Os con­

c idadãos do c r i m i n o s o n a d a saber iam sobre a significância da

pun ição se o c r i m i n o s o fosse s implesmente enviado para o u t r o

lugar, fora do alcance da visão pública. O comitê até defendia eli­

m ina r a pena de m o r t e à exceção dos casos de rebelião cont ra o

Estado, mas sabia que enfrentaria resistência quanto a esse ponto .

Os depu tados vo ta ram p o r reinstalar a pena de mor t e para alguns

139

Page 70: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

crimes, embora excluíssem todos os crimes religiosos como a here­

sia, o sacrilégio ou a prática da magia. (A sodomia, antes punível

com a m o r t e , não era mais considerada crime.) A pena de mor t e só

seria executada pela decapi tação, antes reservada aos nobres . A

guilhotina, inventada para to rnar a decapitação o menos dolorosa

possível, começou a ser prat icada em abril de 1 7 9 2 . 0 suplício da

roda, a que ima na fogueira, "essas tor turas que acompanhavam a

pena de m o r t e " desapareceriam; " todos esses horrores legais são

detestados pela human idade e pela opinião pública", insistia Lepe-

letier. "Esses espetáculos cruéis degradam a mora l pública e são

indignos de um século h u m a n o e esclarecido." 3 4

C o m o a reabilitação e o reingresso do cr iminoso na sociedade

eram as metas principais, a muti lação corporal e as marcas de ferro

em brasa se t o r n a r a m intoleráveis . Ainda assim, Lepeletier se

estendeu bastante sobre a questão das marcas feitas com ferro em

brasa: como a sociedade se protegeria contra cr iminosos condena­

dos sem n e n h u m tipo de sinal pe rmanen te de seu status? Concluiu

que na nova o rdem seria impossível que vagabundos ou c r imino­

sos passassem despercebidos, po rque as municipal idades man te ­

r iam registros exatos com os nomes de cada habi tante . Marcar os

seus corpos de forma pe rmanen te impedir ia que se reintegrassem

na sociedade. Nisso como na questão mais geral da dor, os deputa­

dos t i nham de seguir um caminho sem mui ta margem de erro: a

punição devia ter, s imul taneamente , efeitos de dissuasão e readap­

tação. A punição não podia ser tão degradante a p o n t o de impedir

que os condenados se reintegrassem na sociedade. C o m o c o n s e :

quência, embora prescrevesse a exposição pública dos condenados,

às vezes acorrentados, o código penal limitava cu idadosamente a

exposição (no m á x i m o três dias) d e p e n d e n d o da gravidade do

delito.

Os deputados t a m b é m quer iam acabar com o colorido reli­

gioso da punição. El iminaram o ato formal da penitência (arriende

140

honorable) em que o c o n d e n a d o , ves t indo apenas u m a camisa ,

com u m a corda ao redor do pescoço e u m a tocha na m ã o , ia até a

por ta de u m a igreja e implorava o perdão de Deus , do rei e da jus­

tiça. Em lugar disso, o comitê p r o p u n h a u m a pun ição baseada nos

direitos chamada de "degradação cívica", que poder ia ser a única

punição ou ser acrescentada a um período de encarceramento . Os

procedimentos e ram descritos em detalhes po r Lepeletier. O con­

denado era c o n d u z i d o a um lugar públ ico especificado, o n d e o

escrivão do t r ibunal cr iminal lia em voz alta estas palavras: "O seu

país o considerou culpado de u m a ação desonrosa. A lei e o t r ibu­

nal lhe t i ram a posição de cidadão francês". O condenado era então

preso n u m colarinho de ferro e ali permanecia exposto ao público

por duas horas . O seu n o m e , o seu crime e o seu ju lgamento seriam

escritos n u m cartaz colocado abaixo da sua cabeça. As mulheres, os

estrangeiros e os recidivistas criavam um problema, ent re tanto :

como pod iam perder os seus direitos de votar ou o direito de ocu­

par um cargo público, q u a n d o não t inham esses direitos? O artigo

32 tratava especificamente desse ponto : no caso de u m a sentença

de "degradação cívica" cont ra mulheres, estrangeiros ou recidivis­

tas, eles e ram condenados ao colarinho de ferro por duas horas e

usavam um cartaz semelhante ao prescrito para os homens , mas o

escrivão não lia a frase a respeito da perda da posição cívica. 3 5

A "degradação cívica" p o d e parecer formulíst ica, mas ela

apontava para a reorientação não só do código penal mas do sis­

t ema político em geral. O condenado agora era um cidadão, não

um súdito: por tan to , ele ou ela (as mulheres e ram cidadãs "passi­

vas") não pod iam ser obrigados a supor tar a tor tura, castigos des­

necessariamente cruéis ou penalidades excessivamente desonro­

sas. Q u a n d o ap re sen tou a re forma do código penal , Lepeletier

dist inguiu entre dois t ipos de punição: castigos corporais (prisão,

mor te ) e castigos desonrosos. Embora todas as punições tivessem

u m a dimensão de vergonha ou desonra, como o próprio Lepele-

141

Page 71: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

tier afirmava, os deputados quer iam circunscrever o uso de castigos

desonrosos. Eles mant iveram a exposição pública e o colarinho de

ferro, mas sup r imi ram o ato de penitência, o uso do t ronco e do

pe lour inho , o ato de arrastar o corpo n u m a espécie de a rmação

depois da mor te , a repr imenda judicial e o ato de declarar indefini­

damente em aberto um caso contra o acusado (sugerindo por tanto

a culpa). "Propomos", dizia Lepeletier, "que vocês adotem o princí­

pio [do castigo desonroso] , mas mult ipl iquem menos as variações,

que ao dividi-lo enfraquecem este pensamento terrível e salutar: a

sociedade e as leis proferem um anátema contra alguém que se cor­

rompeu pelo crime." Podia-se desonrar um criminoso em n o m e da

sociedade e das leis, mas não em n o m e da religião ou do rei. 3 6

N u m ou t ro passo que significou um rea l inhamento funda­

mental , os deputados decidiram que os novos castigos desonrosos

se dest inavam apenas ao indivíduo cr iminoso, não à sua família.

C o m os t ipos tradicionais de castigo desonroso, os membros das

famílias dos condenados sofriam di re tamente as consequências.

N e n h u m deles podia compra r cargos ou ocupar posições públicas,

a sua propr iedade ficava, em alguns casos, sujeita a confisco, e eles

e ram considerados igualmente desonrados pela comunidade . Em

1784, o jovem advogado Pierre-Louis Lacretelle ganhou um prê­

mio da Academia Metz por um ensaio em que defendia que a ver­

gonha do castigo desonroso não devia ser estendida aos m e m b r o s

da família. O segundo p r ê m i o foi pa ra um jovem advogado de

Arras c o m um ex t raord inár io futuro, Maximi l ien Robespierre ,

que adotou a mesma posição.

Essa atenção ao castigo desonroso reflete u m a m u d a n ç a sutil

mas impor tan te no conceito de honra : com o desenvolvimento de

u m a noção dos direitos h u m a n o s , a compreensão tradicional de

honra começava a ser atacada. A h o n r a t inha sido a qualidade pes­soal mais i m p o r t a n t e sob a m o n a r q u i a ; de fato, M o n t e s q u i e u

a r g u m e n t o u em seu O espírito das leis (1748) que a h o n r a era o

142

princípio inspirador da mona rqu i a como forma de governo. Mui­

tos consideravam a h o n r a a província especial da aristocracia. No

seu ensaio sobre castigos desonrosos, Robespierre t inha a t r ibuído

a prá t ica de deson ra r famílias inteiras aos defei tos da p r ó p r i a

noção de honra :

Se consideramos a natureza dessa honra, fértil em caprichos, sem­

pre inclinada a uma excessiva sutileza, frequentemente apreciando

as coisas pelo seu glamour e não pelo seu valor intrínseco e os

homens pelos seus acessórios, títulos que lhes são alheios, e não

pelas suas qualidades pessoais, podemos facilmente compreender

como ela [a honra] podia entregar ao desprezo aqueles que têm

como ente querido um vilão punido pela sociedade.

En t re tan to , Robespierre t a m b é m d e n u n c i o u o a to de reservar a

decapitação (considerada mais honrada) apenas p a r a os nobres .

Ele quer ia que todas as pessoas fossem igualmente hon radas ou

que renunciassem ao própr io conceito de honra? 3 7

Mesmo antes da década de 1780, ent re tanto , a h o n r a estava

passando por mudanças . "Honra", segundo a edição de 1762 do

dicionário da Académie Française, significa "vir tude, probidade".

"Ao falar das mulheres", ent re tanto , "a h o n r a significa castidade,

modéstia." Na segunda metade do século xvni, observa-se cada vez

mais que as distinções de h o n r a separavam mais os h o m e n s das

mulheres que os aristocratas dos comuns . Para os h o m e n s , a honra

estava se t o rnando ligada à vir tude, a qualidade que Montesquieu

associava com repúblicas: todos os cidadãos eram h o n r a d o s se fos­

sem vir tuosos. Sob o novo regime, a h o n r a t inha a ver c o m as ações,

não com o nascimento. A distinção entre os homens e as mulheres

passou da h o n r a para as questões de cidadania, b e m c o m o para as

formas de punição. A h o n r a (e a vir tude) das mulheres era privada

e doméstica, a dos h o m e n s era pública. Tanto os h o m e n s como as

143

Page 72: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

mulhe re s p o d i a m ser d e s o n r a d o s na pun ição , mas apenas os

h o m e n s t i n h a m direitos políticos a perder. Tanto na punição como

nos di re i tos , os ar is tocratas e os c o m u n s agora e r am iguais; os

h o m e n s e as mulheres, não . 3 8

A di luição da h o n r a n ã o passou despercebida. Em 1794, o

escritor Sébastien-Roch Nicolas Chamfor t , um dos m e m b r o s da

elitista Académie Française, satirizou a mudança :

É uma verdade reconhecida que o nosso século tem posto as pala­

vras no seu lugar: ao banir sutilezas escolásticas, dialéticas e metafí­

sicas, ele retornou ao simples e verdadeiro na física, na moral e na

política. Falando apenas da moral, percebe-se o quanto esta palavra,

honra, incorpora ideias complexas e metafísicas. O nosso século

sentiu os inconvenientes dessas ideias e para trazer tudo de volta ao

simples, para impedir todo abuso de palavras, estabeleceu que a

honra permanece integral para todo homem que nunca foi um ex-

-condenado. No passado essa palavra foi uma fonte de equívocos e

contestações; no presente, nada poderia ser mais claro. O homem

foi colocado no colarinho de ferro ou não? Essa é a pergunta a ser

feita. É uma simples pergunta factual que pode ser facilmente res­

pondida pelos registros do escrivão do tribunal. Um homem que

não foi colocado no colarinho de ferro é um homem de honra que

pode reivindicar qualquer coisa, cargos no ministério etc. Tem

ingresso garantido nas corporações profissionais, nas academias,

nas cortes do soberano. Percebe-se como a clareza e a precisão nos

poupam de brigas e discussões, e como o comércio da vida se torna

conveniente e fácil.

Chamfort t inha as suas próprias razões para levar a honra a

sério. U m a criança abandonada de pais desconhecidos, Chamfor t

construiu u m a reputação literária e se t o rnou o secretário pessoal

da i rmã de Luís xvi. Matou-se no auge do Terror, pouco depois de

144

escrever essas palavras. Duran t e a Revolução, ele p r imei ro a t a c o u

a prestigiada Académie Française, que o t inha elegido em 1781 , e

depois se a r rependeu de suas ações e a defendeu. Chegar à Acadé­

mie era a maior h o n r a que podia ser conferida a um escritor s o b a

monarqu ia . A Académie foi abolida em 1793 e revivida sob N a p o ­

leão. Chamfor t compreendeu não só a magn i tude da m u d a n ç a na

h o n r a — a dificuldade de mante r as distinções sociais n u m m u n d o

impacientemente equa l izador—, mas t a m b é m a conexão do n o v o

código penal c o m tal modificação. O colar inho de ferro t i n h a se

t o rnado o m í n i m o d e n o m i n a d o r c o m u m da p e r d a de hon ra . 3 9

O novo código penal foi apenas u m a das mui tas c o n s e q u ê n ­

cias que der ivaram da Declaração dos Direitos do H o m e m e do

Cidadão. Os depu tados t i nham reagido à recomendação insis tente

do d u q u e de M o n t m o r e n c y — "dar um g r a n d e exemplo" r e d i ­

gindo u m a declaração de direitos — e em algumas semanas c o m e ­

çaram a descobrir c o m o pod iam ser imprevisíveis os efeitos desse

exemplo. "A ação de afirmar, dizer, apresentar ou anunciar aber ta ,

explícita ou formalmente", implícita no ato de declarar, t inha u m a

lógica própr ia . U m a vez anunciados aber tamente , os direitos p r o ­

p u n h a m novas ques tões — ques tões antes n ã o cogitadas e n ã o

cogitáveis. O ato de declarar os direitos revelou-se apenas o p r i ­

meiro passo n u m processo ex t remamente tenso que con t inua até

os nossos dias.

145

Page 73: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

4. "Isso não terminará nunca"

As consequências das declarações

Pouco antes do Natal de 1789, os depu tados da Assembleia

Nacional francesa se v i ram no meio de um debate peculiar. Come­

çou em 21 de dezembro, quando um deputado propôs a questão

dos direi tos de voto dos não-ca tó l icos . "Vocês dec la ra ram que

todos os h o m e n s nascem e pe rmanecem livres e iguais em direi­

tos", ele lembrou a seus colegas deputados . "Declararam que n in­

guém pode ser pe r tu rbado por suas opiniões religiosas." Há m u i ­

tos d e p u t a d o s pro tes tan tes en t re nós , ele obse rvou , e assim a

Assembleia devia decretar imed ia t amen te que os não-catól icos

possam ser eleitos pelo voto, ocupar cargos e aspirar a qualquer

posto civil ou militar, "como os outros cidadãos".

Os "não-católicos" consistiam u m a categoria estranha. Q u a n ­

do Pierre Brunet de Latuque a usou na sua proposta de decreto, ele

claramente queria dizer protestantes. Mas não incluía t a m b é m os

judeus? A França era o lar de uns 40 mil judeus em 1789, além de

ter de 100 mil a 200 mil protes tantes (os católicos fo rmavam os

outros 99% da população) . Dois dias depois da intervenção inicial

de Brunet de Latuque, o conde Stanislas de C le rmont -Tonner re

decidiu entrar no emaranhado da questão. "Não há meio-termo",

insistiu. Ou vocês estabelecem u m a religião oficial do Estado, ou

admi tem que os membros de qualquer religião p o d e m votar e ocu­

par cargos públicos. Clermont-Tonnerre insistia que a crença reli­

giosa não devia ser motivo para a exclusão dos direitos políticos e

que, por tan to , os judeus t a m b é m deviam ter direitos iguais. Mas

não era tudo. A profissão t a m b é m não devia ser mot ivo de exclusão,

ele a rgumen tou . Os carrascos e os atores, a q u e m e ram negados

direitos políticos no passado, agora deviam ter acesso a eles. (Os

carrascos cos tumavam ser cons iderados desonrados po rque ga­

nhavam a vida m a t a n d o pessoas, e os atores p o r q u e fingiam ser

outra pessoa.) Clermont-Tonnerre acreditava em coerência: "deve­

m o s ou pro ib i r c o m p l e t a m e n t e as peças teatrais , ou e l iminar a

desonra associada ao ato de representar". 1

As questões dos direitos revelavam, por tan to , u m a tendência

a se suceder em cascata. Assim que os deputados consideraram o

status dos protestantes como u m a minor ia religiosa sem direitos

civis, os judeus estavam fadados a vir à baila; q u a n d o as exclusões

religiosas en t ra ram na agenda, as profissionais não d e m o r a r a m a

segui-las. Já em 1776 John Adams temera u m a progressão ainda

mais radical em Massachusetts. A James Sullivan ele escreveu:

Pode acreditar, senhor, é perigoso abrir uma Fonte de Controvérsia

e altercação tão fértil como a que seria aberta pela tentativa de alte­

rar as Qualificações dos Votantes. Isso não terminará nunca. Surgi­

rão novas reivindicações. As mulheres exigirão o voto. Os garotos de

12 a 21 anos pensarão que seus Direitos não são suficientemente

considerados, e todo Homem sem um tostão exigirá uma Voz igual

a qualquer outra em todas as Leis do Estado.

A d a m s n ã o pensava rea lmente que as mulheres ou as crianças

pedi r iam o direito de votar, mas temia as consequências de esten-

147 i 4 6

Page 74: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

der o sufrágio aos homens sem propr iedade. Era mui to mais fácil

a r g u m e n t a r con t r a " todo H o m e m sem u m tos tão" a p o n t a n d o

pedidos a inda mais absurdos que poder iam vir daqueles em pata­

mares a inda mais inferiores na escala social. 2

Tanto nos novos Estados Unidos como na França, as declara­

ções de direitos se referiam a "homens", "cidadãos", "povo" e "socie­

dade" sem cuidar das diferenças na posição política. Mesmo antes

que a Declaração francesa fosse r a scunhada , um as tuto teórico

consti tucional, o abade Sieyès, t inha a rgumentado a favor de u m a

distinção entre os direitos naturais e civis dos cidadãos, de um la­

do, e os direitos políticos, de out ro . As mulheres , as crianças, os es­

t range i ros e aqueles que n ã o pagavam t r i bu tos dev iam ser so­

mente cidadãos "passivos". "Apenas aqueles que con t r ibuem para

a o r d e m públ ica são c o m o os verdadeiros acionistas da g rande

empresa social. Somente eles são os verdadeiros cidadãos ativos." 3

Os mesmos princípios já estavam em vigor há mu i to t empo

do ou t ro lado do Atlântico. As treze colônias negavam o voto às

mulheres, aos negros, aos índios e aos sem propr iedade. Em Dela-

ware, po r exemplo, o sufrágio era l imi tado aos h o m e n s brancos

adultos que possuíssem cinquenta acres de terra, que tivessem resi­

dido em Delaware por dois anos, que fossem naturais da região ou

na tu ra l i zados , que negassem a au to r i dade da Igreja Catól ica

Romana e que reconhecessem que o Antigo e o Novo Testamentos

e ram obra da inspiração divina. Depois da independência , alguns

estados decre ta ram condições mais l iberais. A Pensilvânia, p o r

exemplo, es tendeu o direito de votar a todos os h o m e n s adul tos

livres que pagassem tr ibutos de qualquer impor tância , e Nova Jer-

sey permit iu por um cur to per íodo que as mulheres que tivessem

alguma propr iedade votassem; mas a maioria dos estados reteve as

suas qualificações referentes à propr iedade, e mui tos conservaram

os testes religiosos, ao menos por algum tempo. John Adams cap­

tou a visão dominan te : "tal é a Fragilidade do Coração h u m a n o

que poucos H o m e n s que não possuem Propr iedade têm um julga­

mento próprio". 4

A cronologia básica da extensão dos direitos é mais fácil de

seguir na França, porque os direitos políticos e ram definidos pela

legislatura nac iona l , e n q u a n t o n o s novos Estados Un idos tais

direitos e ram regulados pelos estados individuais. Na semana de

20-27 de ou tub ro de 1789, os depu tados aprovaram u m a série de

decretos estabelecendo as condições de elegibilidade para votar:

(1) ser francês ou ter se t o rnado francês p o r meio de naturalização;

(2) ter at ingido a maior idade , estabelecida então em 25 anos; (3)

ter res id ido na zona elei toral ao m e n o s p o r um ano; (4) pagar

impostos diretos n u m c ô m p u t o igual ao valor local de três dias de

t rabalho (um c ô m p u t o mais elevado era exigido no caso da elegi­

bi l idade para ocupar cargos); (5) n ã o ser c r iado domést ico . Os

deputados nada diziam sobre religião, raça ou sexo ao estabelecer

esses requis i tos , e m b o r a fosse c l a r amen te pressupos to que as

mulheres e os escravos estavam excluídos.

Duran te os meses e anos seguintes, g rupo após grupo foi alvo

de discussões específicas, e por fim a maior ia deles conseguiu direi­

tos políticos iguais. Os h o m e n s protestantes ganharam seus direi­

tos em 24 de dezembro de 1789, assim c o m o todas as profissões. Os

h o m e n s judeus obtiveram finalmente o m e s m o avanço em 27 de

se tembro de 1791. Alguns mas n e m todos os homens negros livres

conqu i s t a ram direitos polít icos em 15 de ma io de 1791, mas os

pe rde ram em 24 de se tembro e depois os v i ram restabelecidos e

apl icados de m o d o mais geral em 4 de abr i l de 1792. Em 10 de

agosto de 1792, os direitos de votar foram estendidos a todos os

h o m e n s (na França metropol i tana) à exceção dos criados e desem­

pregados . Em 4 de fevereiro de 1794, a escravidão foi abolida e

direitos iguais concedidos, ao menos em princípio, aos escravos.

Apesar dessa quase inimaginável extensão dos direitos políticos a

grupos antes não emancipados , a linha foi traçada nas mulheres: as

149 148

Page 75: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

m u l h e r e s n u n c a g a n h a r a m direi tos pol í t icos iguais d u r a n t e a

Revolução. Elas ganharam, entretanto, direitos iguais de herança e

o direito ao divórcio.

A L Ó G I C A D O S D I R E I T O S : M I N O R I A S R E L I G I O S A S

A Revolução Francesa, mais do que qualquer ou t ro aconteci­

men to , revelou que os direitos h u m a n o s têm u m a lógica interna.

Q u a n d o enfrentaram a necessidade de t ransformar seus nobres

ideais em leis específicas, os deputados desenvolveram u m a espé­

cie de escala de concept ib i l idade ou discut ib i l idade. N i n g u é m

sabia de an temão que grupos iam aparecer na discussão, quando

surgir iam ou qual seria a decisão sobre o seu status. Porém, mais

cedo ou mais tarde tornou-se claro que conceder direitos a alguns

grupos (aos protestantes, por exemplo) era mais facilmente ima­

ginável do que concedê-los a outros (as mulheres) . A lógica do pro­

cesso determinava que, logo que surgia um grupo cuja discussão

fosse mui to concebível (homens com propriedades, protestantes) ,

aqueles na m e s m a espécie de categoria m a s local izados mais

abaixo na escala de conceptibil idade (homens sem propr iedade ,

judeus) apareciam na agenda. A lógica do processo não movia os

acontecimentos necessariamente adiante, mas em longo prazo era

essa a tendência. Os opositores dos direitos dos judeus , por exem­

plo, usavam o caso dos protestantes (ao contrár io dos judeus, eles

e ram ao m e n o s cristãos) para convencer os depu tados a adiar a

questão dos direitos judaicos. Entretanto, em menos de dois anos

os judeus ainda assim conseguiram direitos iguais, em par te por ­

que a discussão explícita de seus direitos t inha to rnado a concessão

de direitos iguais aos judeus mais imaginável.

Nos mecan i smos dessa lógica, a na tu reza s u p o s t a m e n t e

metafísica da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão

(

revelou-se um b e m m u i t o positivo. Exatamente po r ter deixado de

I ado qualquer questão específica, a discussão dos pr incípios gerais,

em julho-agosto de 1789, a judou a pô r em ação m o d o s de pensar

que acabaram p romovendo interpretações mais radicais das espe­

cificidades necessárias. A declaração se dest inava a ar t icular os

direitos universais da h u m a n i d a d e e os direitos políticos gerais da

nação francesa e dos seus c idadãos . N ã o oferecia qualif icações

específicas para a part icipação ativa. A instituição de um governo

requeria o mov imen to do geral para o específico: assim que as elei­

ções foram estabelecidas, a definição das qualificações para votar e

ocupa r cargos t o r n o u - s e u rgen te . A v i r tude de começa r c o m o

geral to rnou-se visível assim que as questões específicas passaram

a ser consideradas.

Os protestantes foram o pr imeiro g rupo de ident idade defi­

nida a se apresentar para consideração, e a discussão a seu respeito

estabeleceu u m a caracter ís t ica d u r a d o u r a das d i spu tas subse­

quentes: um g rupo n ã o pod ia ser cons iderado em separado. Os

protestantes não pod iam se apresentar sem levantar a questão dos

judeus . Da m e s m a forma, os direitos dos atores n ã o p o d i a m ser

quest ionados sem invocar o espectro dos carrascos, ou os direitos

dos negros livres sem chamar atenção para os escravos. Q u a n d o

escreviam sobre os direitos das mulheres, os panfletistas os com­

paravam inevitavelmente aos dos h o m e n s sem propr iedade e aos

dos escravos. M e s m o as discussões sobre a ma io r idade (que foi

d iminuída de 25 para 21 anos em 1792) dependiam da sua compa­

ração com a infância. O status e os direitos de protestantes, judeus,

negros livres ou mulheres e ram determinados, em grande medida,

pelo seu lugar na grande rede de grupos que const i tuíam a comu­

nidade organizada.

Os protestantes e os judeus já t i nham aparecido juntos nos

debates sobre o rascunho de u m a declaração. Um jovem deputado

nobre , o conde de Castellane, t inha a rgumentado que os protes-

151 150

Page 76: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

t an tes e os j u d e u s dev iam possui r o "mais sagrado de todos os

direitos, o da liberdade de religião". No entanto, m e s m o ele insistia

que n e n h u m a religião específica devia ser ci tada na declaração.

Rabaut Saint-Étienne, ele p rópr io um pastor calvinista de Langue-

doc, o n d e viviam mui tos calvinistas, mencionava a d e m a n d a de

l iberdade de religião para os não-católicos na sua lista de queixas

local. Rabaut incluía explicitamente os judeus entre os não-católi­

cos, mas o seu argumento , como o de todos os demais no debate,

dizia respeito à l iberdade de religião, e não aos direitos políticos das

minor ias . Depois de horas de um debate tumul tuado , os deputa­

dos ado ta ram em agosto um artigo de compromisso que não fazia

menção aos direitos políticos (artigo 10 da declaração): "Ninguém

deve ser molestado por suas opiniões, m e s m o as religiosas, desde

que sua manifestação não per turbe a o rdem pública estabelecida

pela lei". A formulação era del iberadamente ambígua e até inter­

pretada por alguns c o m o u m a vitória dos conservadores, que se

o p u n h a m com ferocidade à l iberdade de religião. O culto público

dos protestantes não per turbar ia "a o rdem pública"? 5

Em dezembro, menos de seis meses mais tarde, entretanto, a

maior ia dos deputados tomava a liberdade de religião como algo

na tura l . Mas a l iberdade de religião t a m b é m implicava direi tos

polí t icos iguais para as minor i a s religiosas? Brune t de La tuque

p ropôs a questão dos direi tos polí t icos dos protes tantes apenas

u m a semana depois da redação dos regulamentos para as eleições

municipais em 14 de dezembro de 1789. In formou a seus colegas

que os não-católicos estavam sendo excluídos das listas dos votan­

tes sob o pretexto de que não t inham sido explicitamente incluídos

nos regulamentos. "Os senhores cer tamente não quiseram", disse

esperançosamente, "deixar que as opiniões religiosas fossem u m a

razão oficial para excluir alguns cidadãos e admit i r outros." A lin­

guagem de Brunet era reveladora: os deputados estavam tendo de

interpretar as suas ações anteriores à luz do presente. Os oposi to-

152

res d o s pro tes tan tes qu i se ram alegar q u e os p ro tes tan tes n ã o

p o d i a m par t ic ipar po rque a Assembleia n ã o t i nha vo tado um

decreto nesse sentido: afinal, os protestantes t i n h a m sido excluídos

dos cargos políticos pela lei desde a revogação do Edito de Nantes,

em 1685, e n e n h u m a lei subsequente havia revisado formalmente

o seu status político. Brunet e seus par t idár ios a rgumen ta ram que

os pr inc íp ios gerais proclamados na Declaração dos Direitos do

H o m e m e do Cidadão não admit iam exceções, que todos aqueles

que satisfaziam as condições etárias e econômicas de elegibilidade

t i n h a m de ser automat icamente elegíveis e que , por tan to , as restri­

ções anteriores contra os protestantes já não e r am válidas. 6

Em out ras palavras, o universalismo abstrato da declaração

estava i m p o n d o as suas consequências. N e m Brunet n e m qualquer

o u t r a pessoa p r o p ô s a ques tão dos direi tos das mulheres nesse

m o m e n t o : a elegibilidade au tomát ica apa ren temente não abar­

cava a diferença sexual. Mas no minu to em que se discutiu o status

dos protestantes dessa maneira, os diques cederam. Alguns depu­

tados reagiram com alarme. A proposição de Clermont-Tonnerre

de es tender os direi tos dos protestantes para todas as religiões e

profissões deu or igem a um intenso debate. Embora a questão dos

direitos dos protes tantes tivesse começado a discussão, quase todo

m u n d o agora admi t ia que eles deviam ter os mesmos direitos dos

católicos. Estender os direitos para os carrascos e atores suscitou

apenas objeções isoladas, em grande parte frívolas, mas a sugestão

de conceder direitos políticos aos judeus provocou u m a resistên­

cia furiosa. Até um depu tado aberto a u m a eventual emancipação

dos judeus a r g u m e n t o u que a "sua ociosidade, a sua falta de tato,

um resul tado necessário das leis e condições humi lhantes a que

estão sujeitos em m u i t o s lugares, t u d o con t r ibu i para torná- los

odiosos". Dar - lhes d i re i tos , na sua visão, apenas desencadear ia

uma reação p o p u l a r violenta contra eles (e, de fato, tumul tos con­

tra os j u d e u s já t i n h a m ocor r ido no leste da França) . Em 24 de

153

Page 77: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

dezembro de 1789 — véspera de Natal — a Assembleia votou por

estender direitos políticos iguais aos "não-catól icos" e a todas as

profissões, ao m e s m o t e m p o que adiavam a questão dos direitos

polí t icos dos judeus . O voto em favor dos direitos políticos dos

protestantes foi evidentemente maciço, segundo os participantes,

e um depu tado escreveu no seu diário sobre "a alegria que se man i ­

festou no m o m e n t o em que o decreto foi aprovado". 7

A reviravolta na opinião sobre os protestantes foi espantosa.

Antes do Edito de Tolerância de 1787, os protestantes não t i nham

sido capazes de praticar legalmente a sua religião, casar ou t rans­

mit ir sua propr iedade. Depois de 1787, eles pod iam praticar a sua

religião, casar perante os oficiais locais e registrar os nascimentos

de seus filhos. G a n h a r a m apenas direi tos civis, en t re tan to , não

direi tos iguais de par t ic ipação política, e a inda não possu íam o

direito de praticar a sua religião em público. Isso era reservado uni ­

c a m e n t e aos católicos. Algumas das altas cor tes t i n h a m cont i ­

nuado a resistir à aplicação do edito ao longo de 1788 e 1789. Em

agosto de 1789, por tanto , estava longe de ser evidente que a maio­

ria dos d e p u t a d o s apoiava a verdadei ra l iberdade de religião.

Entretanto, no f inal de dezembro t i nham concedido direitos polí­

ticos iguais aos protestantes.

O que explicava a mudança de opinião? Rabaut Saint-Étienne

atribuía a t ransformação de ati tudes à demons t ração de responsa­

bilidade cívica dos deputados protestantes. Vinte e quat ro protes­

tantes , inclusive ele p róp r io , t i n h a m sido eleitos d e p u t a d o s em

1789. Mesmo antes disso os protestantes t i nham ocupado cargos

locais apesar das proscrições oficiais, e na incerteza dos pr imeiros

meses de 1789 mui tos protestantes t i nham par t ic ipado das elei­

ções para os Estados Gerais. O principal his tor iador da Assembleia

Nacional, T imothy Tackett, a tr ibui a mudança de opinião sobre os

protes tantes a lutas polít icas in ternas den t ro da Assembleia: os

mode rados achavam o obs t ruc ion ismo da direita cada vez mais

154

desagradável, e assim al inhavam-se com a esquerda, que apoiava a

extensão dos direitos. Mas até o principal exemplo de obs t rucio­

n ismo citado por Tackett, o ru idoso depu tado clerical e abade Jean

Maury , a rgumen tava em favor dos direi tos dos p ro tes tan tes . A

posição de Maury fornece um indício do processo, pois ele ligava

o apoio dos direitos políticos dos protestantes ao ato de negar os

dos judeus: "Os protestantes t êm a mesma religião e as mesmas leis

que nós [...] já possuem os m e s m o s direitos". Maury procurava

estabelecer dessa manei ra u m a distinção ent re os protestantes e os

judeus . Entre tanto , os judeus espanhóis e por tugueses do sul da

França c o m e ç a r a m i m e d i a t a m e n t e a p r e p a r a r u m a pe t ição à

Assembleia Nac iona l c o m o a r g u m e n t o de que eles t a m b é m já

estavam exercendo os seus direitos políticos em nível local. A ten­

tativa de o p o r u m a m i n o r i a religiosa c o n t r a ou t ra só alargava a

fenda na por ta . 8

O status dos protestantes foi t rans formado tanto pela teoria

c o m o pela prática, isto é, pela discussão d o s princípios gerais da

liberdade de religião e pela participação real dos protestantes em

assuntos locais e nacionais. Brunet de La tuque t inha invocado o

p r inc íp io geral ao af i rmar que os d e p u t a d o s n ã o p o d e r i a m ter

desejado que "as opiniões religiosas fossem u m a razão oficial para

excluir alguns cidadãos e admit i r outros". N ã o querendo admit ir o

p o n t o geral, Maury t inha de conceder o prá t ico : os protestantes já

exerciam os mesmos direitos que os católicos. A discussão geral em

agosto deixara in tenc iona lmente essas ques tões não resolvidas,

ab r indo a por t a para reinterpretações pos te r iores e, ainda mais

impor t an te , sem fechar a por t a para a par t ic ipação em assuntos

locais. Os protestantes e até alguns judeus t i nham se precipitado

para aproveitar ao máx imo as novas opo r tun idades apresentadas.

Ao contrár io dos protestantes antes do Edito de Tolerância de

1787, os judeus franceses não sofriam penal idades por professar

pub l i camen te a sua religião, mas t i n h a m poucos direitos civis e

155

Page 78: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

n e n h u m direito político. Na verdade, o caráter francês dos judeus

era em a lguma medida quest ionado. Os calvinistas e ram franceses

que t i n h a m se desviado do caminho ao abraçar a heresia, enquanto

os judeus e r am originalmente estrangeiros que const i tuíam u m a

nação sepa rada d e n t r o da França. Assim, os j u d e u s alsacianos

eram conhecidos oficialmente como "a nação judaica da Alsácia".

Mas "nação" t inha um significado menos nacionalista nessa época

do que teria mais tarde nos séculos xix e xx. C o m o a maioria dos

judeus na França, os j udeus alsacianos cons t i tu íam u m a nação

u m a vez que v iv iam d e n t r o de u m a c o m u n i d a d e judaica cujos

direitos e obrigações t i nham sido de terminados pelo rei em cartas

patentes especiais. Eles t i nham o direito de governar alguns de seus

assuntos e até decidir casos em suas próprias cortes de justiça, mas

t a m b é m sofriam u m a legião de restrições aos t ipos de comércio

que pod iam praticar, aos lugares onde pod iam viver e às profissões

a que pod iam aspirar.''

Os escritores do I luminismo t inham escrito frequentemente

sobre os judeus , embora n e m sempre de m o d o positivo, e depois

da concessão de direitos civis aos protestantes em 1787 a atenção

se deslocou para a tentativa de melhorar a situação dos judeus . Luís

xvi c r iou u m a comissão pa ra es tudar a ques tão em 1788, ta rde

demais para que fosse tomada qualquer medida antes da Revolu­

ção. Embora os direitos políticos dos judeus estivessem abaixo dos

concedidos aos pro tes tan tes na escala de concept ib i l idade , os

judeus se beneficiaram da atenção atraída para o seu caso. Entre­

tan to , a discussão explícita n ã o se t r aduz iu i m e d i a t a m e n t e em

direitos. Trezentas e sete das listas de queixas redigidas na p r ima­

vera de 1789 mencionavam explicitamente os judeus , mas a opi­

nião estava claramente dividida. Dezessete por cento urg iam pela

limitação do n ú m e r o de judeus permit idos na França e 9% advo­

gavam a sua expulsão, e n q u a n t o apenas 9 -10% ins is t iam na

melhoria de suas condições. Entre as milhares de listas de queixas,

156

apenas oito advogavam a concessão de direi tos iguais aos judeus .

Ainda assim, era um n ú m e r o maior que o daque l a s que faziam a

m e s m a reivindicação para as mulheres . 1 0

Os direitos dos judeus parecem se ajustar à regra geral de que

os pr imei ros esforços para p ropo r a questão d o s direitos saem fre­

quen temen te pela culatra. A posição em g rande pa r t e negativa das

listas de queixas prenunciava a recusa dos d e p u t a d o s a conceder

direitos políticos aos judeus em dezembro de 1789. Ao longo dos

vinte meses seguintes, entre tanto , a lógica dos d i re i tos fez avançar

a discussão. Apenas um mês depois do a d i a m e n t o do debate dos

direitos dos judeus , os judeus espanhóis e po r tuguese s do sul da

França apresen ta ram a sua petição à Assembleia , a r g u m e n t a n d o

que, c o m o os protestantes, eles já estavam pa r t i c ipando da política

em a lgumas cidades francesas no sul, c o m o Bordeaux . Fa lando

pelo Comi tê sobre a Const i tuição, o bispo catól ico liberal Charles-

-Maur ice de Tal leyrand-Pér igord essencia lmente endossou essa

posição. Os judeus n ã o estavam ped indo novos direitos de cidada­

nia, ele insistiu, estavam apenas ped indo para "cont inuar a gozar

esses direitos", u m a vez que eles, como os protes tantes , já os esta­

v a m exercendo. Ass im, a Assembleia podia c o n c e d e r d i re i tos a

a lguns j u d e u s sem m u d a r o s tatus dos j u d e u s em geral. Dessa

manei ra , o a rgumen to da prática podia se virar cont ra aqueles q u e

que r i am distinções categóricas."

O discurso de Talleyrand provocou u m a comoção , especial­

men te entre os depu tados da Alsácia-Lorena, l a r da maior popu la ­

ção judaica . Os j u d e u s do leste da França e r a m asquenazes q u e

falavam iídiche. Os h o m e n s t i nham barba, ao cont rá r io dos sefar­

ditas de Bordeaux, e os regulamentos franceses res t r ing iam-nos

em grande parte a ter c o m o ocupação o emprés t imo de d inhei ro e

a mascataria. As relações entre eles e seus devedores camponeses

não e r am exatamente amigáveis. Os deputados da região não pe r ­

d e r a m t e m p o em a p o n t a r a consequência inevitável de seguir a

157

Page 79: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

orientação de Talleyrand: "a exceção para os judeus de Bordeaux

[major i ta r iamente sefarditas] logo resultará na m e s m a exceção

para os out ros judeus do reino". Enfrentando objeções vociferan­

tes, os deputados ainda assim votaram por 374 a 224 no sentido de

que " todos os judeus conhecidos como judeus portugueses, espa­

nhóis e de Avignon cont inuarão a exercer os direitos que t êm exer­

cido até o presente", e po r t an to "exercerão os direitos dos cidadãos

ativos, desde que satisfaçam os requis i tos estabelecidos pelos

decretos da Assembleia Nacional [para a cidadania ativa] ".'2

O voto a favor de direitos para alguns judeus de fato to rnou

mais difícil, no longo prazo , recusá- los pa ra ou t ro s . Em 27 de

se tembro de 1791, a Assembleia revogou todas as suas reservas e

exceções anteriores com respeito aos judeus, concedendo a todos

os judeus direitos iguais. Exigiu t a m b é m que os judeus prestassem

um ju r amen to cívico renunciando aos privilégios e isenções espe­

ciais negociados pela monarquia . Nas palavras de Clermont -Ton-

nerre: "Devemos recusar t u d o aos judeus c o m o u m a nação e con­

ceder tudo aos judeus como indivíduos". Em troca da renúncia a

suas própr ias cortes de justiça e leis, eles se t o r n a r i a m cidadãos

franceses individuais como todos os outros . Mais u m a vez, a prá­

tica e a teoria operavam n u m a relação dinâmica mú tua . Sem a teo­

ria, isto é, os princípios enunciados na declaração, a referência a

alguns judeus que já praticavam esses direitos teria causado pouco

impacto. Sem a referência à prática, a teoria poder ia ter pe rmane­

cido u m a letra mor ta (como aparentemente con t inuou a ser para

as mulheres) . 1 3

No en t an to , o s di re i tos n ã o e r a m apenas conced idos pelo

corpo legislativo. Os debates sobre os direitos incitavam as comu­

nidades de minor ias a falar po r si mesmas e a exigir reconheci ­

m e n t o igual. Os pro tes tan tes t i n h a m ma io r acesso aos debates

porque pod iam falar por meio de seus deputados já eleitos para a

Assembleia Nacional . Mas os judeus parisienses, que n ã o passa-

158

vam de algumas centenas e não t inham status corporativo, apre­

sentaram a sua pr imeira petição à Assembleia Nacional a inda em

agosto de 1789. Já ped iam que os deputados "consagrem o nosso

tí tulo e direitos de Cidadãos". Uma semana mais tarde, os repre­

sentantes da m u i t o mais numerosa comunidade dos j u d e u s na

Alsácia e na Lorena t a m b é m publicaram u m a carta aberta ped indo

a cidadania. Q u a n d o os deputados reconheceram os direitos dos

judeus do sul, em janeiro de 1790, os judeus de Paris, da Alsácia e

da Lorena uni ram-se para apresentar u m a petição em conjunto.

C o m o alguns depu tados t i nham ques t ionado se os judeus real­

mente quer iam a cidadania francesa, os peticionários to rna ram a

sua posição clara c o m o água: "Eles pedem que as distinções degra­

dantes que sofreram até o presente sejam abolidas e que eles sejam

declarados CIDADÃOS". OS peticionários sabiam exatamente como

apresentar seu caso. Depois de uma longa revisão de todos os pre­

conceitos havia mui to existentes contra os judeus, concluíam com

u m a invocação da inevitabilidade histórica: "Tudo está m u d a n d o ;

a sorte dos judeus deve m u d a r ao mesmo tempo; e as pessoas não

ficarão mais surpresas com essa mudança particular do que com

todas aquelas que veem ao seu redor todo dia. [...] Liguem o aper­

fe içoamento da sor te dos j udeus à revolução; ama lgamem, p o r

assim dizer, esta revolução parcial com a revolução geral". Da ta ram

o seu panfleto com a mesma data em que a Assembleia votou por

criar uma exceção para os judeus do sul. 1 4

Em dois anos , p o r t a n t o , as minor ias religiosas t i n h a m

ganhado direitos iguais na França. Claro que o preconceito n ã o

havia desaparecido, especialmente com relação aos judeus . Ainda

assim, u m a percepção da e n o r m i d a d e de tal m u d a n ç a em tão

pouco t empo pode ser estabelecida por simples comparações. Na

Grã-Bretanha, os católicos ganharam acesso às Forças Armadas, às

universidades e ao Judiciário em 1793. Os judeus britânicos tive­

r am de esperar até 1845 para conseguir as mesmas concessões. Os

159

Page 80: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

católicos só p u d e r a m ser eleitos pa ra o Pa r l amen to b r i t ân ico

depois de 1829, os judeus depois de 1858. A história registrada nos

novos Estados Unidos foi um pouco melhor. A pequena população

judaica nas colônias britânicas na América do Norte , que contava

apenas com cerca de 2.500 indivíduos, não t inha igualdade polí­

tica. Depois da independência , a maior par te dos novos Estados

Unidos con t inuou a restringir a ocupação de cargos públicos (e em

alguns estados o ato de votar) aos protestantes. A pr imeira emenda

da Cons t i tu ição , redigida em se tembro de 1789 e ratificada em

1791, garantia a l iberdade de religião, e depois disso os estados reti­

r a ram gradat ivamente os seus testes religiosos. O processo prosse­

guiu em geral pelos mesmos dois estágios observados na Grã-Bre­

tanha: pr imeiro os católicos, depois os judeus, ganharam direitos

polít icos plenos . Massachuset ts , po r exemplo, abr iu em 1780 os

cargos públ icos pa ra q u a l q u e r um "da religião cristã", e m b o r a

esperasse até 1833 para fazer a mesma coisa com todas as religiões.

Seguindo o exemplo de Jefferson, a Virginia agiu com mais rapi­

dez, concedendo direitos iguais em 1785, e a Carol ina do Sul e a

Pensilvânia t r i lharam o m e s m o caminho em 1790. Rhode Island

só o faria em 1842. 1 5

N E G R O S L I V R E S , E S C R A V I D Ã O E R A Ç A

A força in t imidadora da lógica revolucionária dos direitos

p o d e ser vista c o m a inda ma io r clareza nas decisões francesas

sobre os negros livres e os escravos. Mais u m a vez, a comparação é

reveladora: a França concedeu direitos políticos iguais aos negros

livres (1792) e emancipou os escravos (1794) m u i t o antes de qual­

quer ou t ra nação que possuía escravos. Apesar de conceder direi­

tos às minor ias religiosas b e m antes dos seus p r i m o s bri tânicos, os

novos Estados Unidos ficaram mui to atrás no tocante à questão da

escravidão. Depois de anos de campanhas de petições encabeçadas

pela Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos, de inspira­

ção quaker, o Par lamento br i tânico votou pelo fim da part icipação

no tráfico de escravos em 1807 e decidiu em 1833 abolir a escravi­

dão nas colônias br i tânicas . A história nos Estados Unidos foi mais

sombria porque a Convenção Const i tucional de 1787 n ã o conce­

deu ao governo federal o cont ro le sobre a escravidão. Apesar de o

Congresso ter t a m b é m vo tado a proibição da impor tação de escra­

vos em 1807, os Estados Unidos só abol i ram oficialmente a escra­

vidão em 1865, q u a n d o a 13 a e m e n d a da Const i tuição foi ratifi­

cada. Além disso, o status dos negros livres na realidade decl inou

em muitos estados depois de 1776, a t ingindo o seu nadir no n o t ó ­

rio caso Dred Scott, de 1857, q u a n d o a Suprema Corte dos Estados

Unidos declarou que n e m os escravos n e m os negros livres e r a m

cidadãos. Dred Scott só foi d e r r u b a d o em 1868, q u a n d o a 14 a

emenda da Const i tuição dos estados Unidos foi ratificada, garan­

t indo que "Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados

Unidos e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos

e do estado em que residem". 1 6

Os abolicionistas na França seguiram a or ientação inglesa,

cr iando em 1788 u m a sociedade i rmã modelada segundo a br i tâ­

nica Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos. Carecendo

de a m p l o apo io , a francesa Sociedade dos Amigos dos Negros

poder ia ter naufragado n ã o fossem os acontec imentos de 1789,

que a colocaram em pr ime i ro plano. As opiniões dos Amigos dos

Negros n ã o p o d i a m ser ignoradas po rque entre seus p roeminen­

tes m e m b r o s estavam Brissot, Condorcet , Lafayette e o abade Bap-

t is te-Henri Grégoire, todos participantes famosos de campanhas

pelos direi tos h u m a n o s em ou t ras arenas. Grégoire, um clérigo

católico da Lorena, t i nha defendido mesmo antes de 1789 o rela­

x a m e n t o de restr ições con t r a os judeus no leste da França e em

1789 pub l i cou um panf le to advogando di re i tos iguais pa r a os

161 160

Page 81: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

h o m e n s de cor livres. Chamava atenção para o racismo florescente

dos colonos brancos . "Os brancos", sustentava, " tendo o poder do

seu lado, decidiram injustamente que a pele escura exclui o indiví­

duo das vantagens da sociedade." 1 7

Ainda assim, a concessão de direi tos aos negros e mu la to s

livres e a abolição da escravatura não se de ram por aclamação. O

n ú m e r o de abolicionistas na nova Assembleia Nacional era mu i to

m e n o r que o daqueles que t emiam mexer com o sistema de escra­

vos e as imensas riquezas que ele trazia para a França. Em geral, os

cultivadores brancos e os mercadores dos por tos do Atlântico con­

seguiam retratar os Amigos dos Negros c o m o fanáticos que pre ­

t end iam fomentar a insurreição dos escravos. Em 8 de março de

1790, os deputados votaram por excluir as colônias da Const i tui­

ção e po r t an to da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cida­

dão. O por ta-voz do comitê colonial, Antoine Barnave, explicou

que "a aplicação rigorosa e universal dos pr incípios gerais não é

conveniente para [as colônias... A] diferença em te rmos de lugares,

costumes, clima e p rodu tos nos parecia requerer u m a diferença

nas leis". O decreto t a m b é m tornava cr ime a incitação de t umu l to

nas colônias. 1 8

Apesar dessa recusa, o discurso dos direitos abr iu o seu cami­

nho inelutavelmente por toda a escala social nas colônias. C o m e ­

çou no t o p o c o m os cul t ivadores b rancos da m a i o r e mais rica

colônia, Saint D o m i n g u e (hoje Hai t i ) . Em meados de 1788, eles

exigiram reformas no comércio e na representação das colônias

nos v indouros Estados Gerais. Em pouco t empo , ameaçavam exi­

gir a independênc ia , c o m o os n o r t e - a m e r i c a n o s , se o governo

nacional tentasse interferir no sistema dos escravos. Os brancos

das classes mais baixas, por ou t ro lado, esperavam que a revolução

na França lhes t rouxesse compensação con t r a os b r ancos mais

ricos, que não desejavam par t i lhar o pode r polí t ico c o m meros

artesãos e comerciantes.

162

As d e m a n d a s crescentes dos negros e m u l a t o s livres e r a m

mui to mais perigosas para a cont inuidade do status quo. Excluídos

por decreto real de prat icar a maior ia das profissões ou até de ado­

tar o n o m e de parentes brancos , as pessoas de cor livres ainda assim

possuíam consideráveis propr iedades: um terço das plantações e

um quar to dos escravos em Saint Domingue , po r exemplo. Q u e ­

r i am ser t ra tados da m e s m a forma que os b r ancos e ao m e s m o

t e m p o m a n t e r o sistema de escravos. Um de seus delegados em

Paris em 1789, Vincen t Ogé, t e n t o u conqu is ta r os cul t ivadores

b rancos enfat izando os seus interesses c o m u n s c o m o d o n o s de

p lan tações : "Veremos d e r r a m a m e n t o de sangue , nossas te r ras

invadidas, os objetos de nosso t raba lho des t ru ídos , nossas casas

queimadas [...] o escravo levará a revolta mais longe". A sua solu­

ção era conceder direitos iguais aos h o m e n s de cor livres como ele

própr io , que então ajudariam a conter os escravos, ao menos por

um tempo . Q u a n d o o seu apelo aos cultivadores brancos fracassou

e o apoio dos Amigos dos Negros mos t rou-se igualmente inútil ,

Ogé voltou a Saint D o m i n g u e e no o u t o n o de 1790 inci tou u m a

revolta dos h o m e n s de cor livres. A revolta fracassou, e Ogé foi

supliciado na roda.' 1 '

Mas o apoio aos direitos dos homens de cor livres não parou

por aí. Em Paris, a agitação cont ínua dos Amigos dos Negros con­

quistou um decreto, em maio de 1791, que concedia direitos polí­

ticos a todos os h o m e n s de cor livres nascidos de mães e pais livres.

Depo is que os escravos de Saint D o m i n g u e se rebelaram, em

agosto de 1791, os depu tados resc indi ram até esse decreto alta­

men te restritivo, mas aprovaram um mais generoso em abril de

1792. Não surpreende que os deputados agissem de maneira con­

fusa, pois a situação real nas colônias era desnorteante. A revolta

dos escravos, que começou em meados de agosto de 1791, havia

atraído até 10 mil insurgentes já no f inal do mês, um n ú m e r o que

cont inuava a crescer r ap idamente . Bandos a rmados de escravos

163

Page 82: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

massacravam os brancos e queimavam os campos de cana -de-açú-car e as casas das plantações. Os cultivadores imediatamente cul­p a r a m os Amigos dos Negros e a difusão de"lugares-comuns sobre os Direitos do Homem". 2 0

De que lado os homens de cor livres se posicionavam nessa

luta? Eles t i n h a m servido nas milícias acusadas de capturar escra­

vos fugidos e às vezes e ram eles p rópr ios donos de escravos. Em

1789, os Amigos dos Negros os t i nham retratado não só como um

baluar te con t ra um potencial levante de escravos, mas t a m b é m

c o m o med iadores em qua lquer futura abolição da escravatura.

Agora os escravos t i nham se rebelado. Tendo inicialmente rejei­

tado a visão dos Amigos dos Negros, um n ú m e r o cada vez maior

de deputados em Paris começou desesperadamente a endossá-la

no início de 1792. Esperavam que os h o m e n s de cor livres pudes­

sem se aliar às forças francesas e aos brancos de classe baixa contra

tanto os cultivadores quanto os escravos. Entre os deputados , um

ant igo oficial naval, nob re e d o n o de plantações , expôs o argu­

m e n t o : "Essa classe [os b rancos pobres] é reforçada pela dos

homens de cor livres que possuem propriedade: esse é o par t ido da

Assembleia Nacional nesta ilha. [...] Os receios de nossos colonos

[cultivadores brancos] têm, por tan to , fundamento , u m a vez que

eles t êm tudo a temer da influência de nossa revolução sobre os

seus escravos. Os direitos do h o m e m de r rubam o sistema em que

se assentam as suas fortunas. [...] Somente m u d a n d o os seus pr in­

cípios é que [os colonos] salvarão as suas vidas e as suas fortunas".

O depu tado A r m a n d - G u y Kersaint passou a defender a p rópr ia

abolição gradual da escravidão. Na verdade, os negros e mulatos

livres desempenharam um papel ambíguo durante todo o levante

dos escravos, ora se aliando aos brancos contra os escravos, ora se

aliando aos escravos contra os brancos. 2 1

Mais u m a vez, a potente combinação de teoria (declaração

dos direitos) e prática (nesse caso, franca revolta e rebelião) forçou

164

a m ã o dos legisladores. C o m o most rava o a rgumento de Kersaint,

os direitos do h o m e m e r a m inevi tavelmente par te da discussão,

mesmo na Assembleia que os t inha declarado inaplicáveis às colô­

nias. Os acontecimentos levaram os depu tados a reconhecer a sua

aplicabilidade em lugares, e em relação a grupos, que eles t i nham

o r ig ina lmen te e spe rado excluir desses di re i tos . Aqueles que se

o p u n h a m a conceder direitos aos h o m e n s de cor livres concorda­

vam a respeito de um p o n t o central c o m aqueles que apoiavam a

ideia de conferir esses direitos: os direitos dos h o m e n s de cor livres

n ã o p o d i a m ser s epa rados da reflexão sobre o p r ó p r i o s is tema

escravagista. Assim, u m a vez reconhec idos esses direitos o p r ó ­

x imo passo se tornava ainda mais inevitável.

No verão de 1793, as colônias francesas es tavam em total

sublevação. U m a repúbl ica havia s ido dec la rada na França, e a

guerra agora o p u n h a a nova república à Grã-Bretanha e à Espanha

no Caribe. Os cultivadores brancos p rocu ra r am fazer alianças com

os br i tân icos . Alguns dos escravos rebeldes de Saint D o m i n g u e

j u n t a r a m - s e aos espanhóis , que con t ro l avam a me tade leste da

ilha, Santo Domingo , em troca de promessas de liberdade para si

mesmos . Mas a Espanha não t inha a m e n o r intenção de abolir a

escravidão. Em agosto de 1793, enfrentando um colapso total da

au tor idade francesa, dois comissários enviados da França começa­

r a m a oferecer a emancipação aos escravos que lutavam pela Repú­

blica Francesa, e depois t a m b é m a suas famílias. Além disso, p ro­

me t i am concessões de terra. No f inal do mês, estavam prometendo

l iberdade a províncias inteiras. O decreto emancipando os escra­

vos do nor t e abria com o artigo P da Declaração dos Direitos do

H o m e m e do Cidadão: "Os h o m e n s nascem e permanecem livres e

iguais em direitos". Embora inicialmente temerosos de u m a t rama

bri tânica para solapar o poder francês por meio da libertação de

escravos, os deputados em Paris vo ta ram por abolir a escravidão

em todas as colônias em fevereiro de 1794. Agiram assim que escu-

165

Page 83: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

t a r am relatos em pr imeira m ã o de três homens — um branco, um

mula to e um escravo liberto — enviados de Saint Domingue para

explicar a necess idade da emanc ipação . Além da "abol ição da

escravidão negra em todas as colônias", os deputados decretaram

"que todos os homens , sem distinção de cor, residindo nas colô­

nias, são cidadãos franceses e gozarão de todos os direitos assegu­

rados pela Constituição". 2 2

A abolição da escravatura foi um ato de pu ro al t ruísmo escla­

recido? Difici lmente. A con t ínua revolta dos escravos em Saint

D o m i n g u e e sua conjunção com a guerra em muitas frentes deixa­

vam pouca escolha aos comissários, e por t an to aos deputados em

Paris, se quisessem conservar até m e s m o u m a pequena porção de

sua i lha-colônia. Mas, c o m o revelavam as ações dos bri tânicos e

dos espanhóis, ainda havia mui to espaço de m a n o b r a para mante r

a escravidão no seu lugar: eles p o d i a m promete r a emancipação

exclusivamente àqueles que passassem para o seu lado, sem ofere­

cer a abolição geral da escravatura. Mas a propagação dos "direitos

do h o m e m " tornou a manu tenção da escravidão mui to mais difí­

cil para os franceses. A medida que se espalhava na França, a dis­

cussão dos direitos boicotava a tentativa da legislatura de mante r

as colônias fora da Consti tuição, precisamente po r ser inevitável

que incitasse os homens de cor livres e os própr ios escravos a fazer

novas demandas e a lutar ferozmente por elas. Desde o começo os

cultivadores e seus aliados perceberam a ameaça. Os depu tados

coloniais em Paris escreveram secretamente para as colônias a fim

de instruir seus amigos a "vigiar as pessoas e os acontecimentos;

prender os suspeitos; apoderar-se de quaisquer escritos em que a

palavra ' l iberdade ' seja m e r a m e n t e pronunciada" . E m b o r a os

escravos talvez não tivessem compreend ido todas as sutilezas da

dout r ina dos direitos do h o m e m , as próprias palavras passaram a

ter um efeito inegavelmente talismânico. O ex-escravo Toussaint-

-Louverture, que se tornaria em breve o líder da revolta, p roc lamou

166

em agosto de 1793 que"Eu quero que a Liberdade e a Igualdade rei­

nem em Saint Domingue . Trabalho para que elas passem a existir.

Uni-vos a nós, i rmãos [companheiros insurgentes] , e lutai conos­

co pela m e s m a causa". Sem a declaração inicial, a abolição da escra­

vatura em 1794 teria permanec ido inconcebível. 2 3

Em 1802, Napoleão enviou u m a imensa força expedicionária

da França pa ra cap tu ra r Toussa in t -Louver tu re e restabelecer a

escravidão nas colônias francesas. T ranspor t ado de volta pa ra a

França, Toussaint m o r r e u n u m a prisão fria, louvado po r Will iam

W o r d s w o r t h e ce lebrado pelos abol ic ionis tas em toda par te .

Wordswor th acolheu o zelo de Toussaint pela l iberdade:

Though fallen thyself, never to rise again, Live, and take comfort. Thou hast left behind Powers that will work for thee; air, earth, and skies; There's nota breathing of the common wind That will forget thee; thou hast great allies; Thy friends are exultations, agonies, And love, and mans unconquerable mind.

[Embora tu próprio caído, para não mais te erguer,

Vive e consola-te. Deixaste para trás

Poderes que lutarão por ti: o ar, a terra e os céus;

Nem um único sopro do vento comum

Te esquecerá; tens grandes aliados;

Teus amigos são o júbilo, a agonia

E o amor, e a mente inconquistável do homem.]

A ação de Napoleão retardou a abolição definitiva da escravatura

nas colônias francesas até 1848, q u a n d o u m a segunda república

chegou ao poder. Mas ele não conseguiu fazer o t empo andar com­

pletamente para trás. Os escravos de Saint Domingue recusaram-

167

Page 84: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

-se a acei tar a sua sor te e resis t i ram c o m sucesso ao exército de

Napoleão até a retirada francesa, que deixou para trás a pr imeira

nação l iderada po r escravos l ibertos, o Estado independen te do

Haiti. Dos 60 mil soldados franceses, suíços, alemães e poloneses

enviados à ilha, apenas uns poucos milhares re to rnaram ao ou t ro

lado do oceano. Os outros t i nham tombado em combates ferozes

ou pela febre amarela que d iz imou milhares, inclusive o coman­

dante-chefe das forças expedicionárias . Ent re tan to , m e s m o nas

colônias o n d e a escravidão foi restaurada com sucesso o gosto da

l iberdade não foi esquecido. Depois que a revolução de 1830 na

França subst i tuiu a mona rqu i a ul t raconservadora, um abolicio­

nista visitou Guadalupe e relatou a reação dos escravos à sua ban­

deira tricolor, adotada pela república em 1794. "Signo glorioso de

nossa emancipação, nós te saudamos!", gr i taram quinze ou vinte

escravos. "Olá, bande i r a benévola , que vem do o u t r o lado do

oceano pa ra anunc ia r o t r iunfo de nossos amigos e as horas de

nossa libertação." 2 4

D E C L A R A N D O O S D I R E I T O S D A S M U L H E R E S

Embora os deputados pudessem concordar — se pressiona­

dos — que a declaração de direitos se aplicava a " todos os homens ,

sem distinção de cor", apenas um p u n h a d o se d i spunha a dizer que

ela se aplicava t a m b é m às mulheres . Ainda assim, os direitos das

mulheres surg i ram na discussão, e os depu tados es tenderam os

direi tos civis das mulhe res em i m p o r t a n t e s novas di reções . As

moças ganharam o direito ao divórcio pelas mesmas razões de seus

mar idos . O divórcio não era permi t ido pela lei francesa antes de

sua decretação em 1792. A monarqu ia restaurada revogou o divór­

cio em 1816, e o divórcio só foi re ins t i tu ído em 1884, e m e s m o

en tão com mais restrições do que as aplicadas em 1792. D a d a a

i 6 8

exclusão universal das mulhe res dos direitos políticos no século

xviii e duran te a maior par te da história h u m a n a — as mulheres

não g a n h a r a m o direi to de votar nas eleições nacionais em n e ­

n h u m lugar do m u n d o antes do f im do século xix —, é mais sur­

preendente que os direitos das mulheres não t enham sequer sido

discutidos na arena pública do que o fato de as mulheres em úl t ima

análise não os terem ganhado .

Os direitos das mulheres estavam claramente mais abaixo na

escala de "conceptibil idade" do que os de outros grupos. A "ques­

tão da mulher" veio à tona per iodicamente na Europa duran te os

séculos xvii e xvm, sobre tudo com respeito à educação das mulhe ­

res, ou à falta dessa educação, mas os direitos delas não t inham sido

o foco de n e n h u m a discussão prolongada nos anos que levam à

Revolução Francesa ou à Americana. Em contraste com os protes­

tantes franceses, os judeus ou até os escravos, o status das mulhe ­

res n ã o t inha sido objeto de guerras de panfletos, compet ições

públ icas de ensaios , comissões do governo ou organizações de

defesa especialmente organizadas, como os Amigos dos Negros.

Esse descaso talvez se devesse ao fato de que as mulheres não cons­

t i t u í a m u m a m i n o r i a perseguida . Eram o p r i m i d a s segundo os

nossos padrões , e opr imidas por causa de seu sexo, mas não e ram

u m a minor ia , e cer tamente n inguém estava t en tando forçá-las a

m u d a r de ident idade , c o m o acontecia c o m os protestantes e os

judeus . Se alguns c o m p a r a v a m a sua sorte à escravidão, poucos

levavam a analogia além do reino da metáfora. As leis limitavam os

d i re i tos das mu lhe res , s em dúvida , mas elas rea lmente t i n h a m

alguns di re i tos , ao c o n t r á r i o dos escravos. Pensava-se que as

mulheres e ram mora lmente , se não intelectualmente, dependen­

tes de seus pais e mar idos , mas não se imaginava que fossem des­

providas de autonomia; na verdade, a sua inclinação pela au tono­

mia requeria u m a vigilância constante de supostas autoridades de

todos os t ipos . T a m p o u c o e r a m desprovidas de voz, m e s m o em

169

Page 85: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

assuntos políticos: as demonst rações e tumul tos a respeito do pre­ço do pão revelaram repet idamente essa verdade, antes e duran te a Revolução Francesa. 2 5

As mulheres s implesmente não cons t i tu íam u m a categoria

política c laramente separada e distinguível antes da Revolução. O

exemplo de Condorce t , o mais aber to defensor mascu l ino dos

direitos políticos das mulheres duran te a Revolução, é revelador. Já

em 1781 ele publ icou um panfleto exigindo a abolição da escrava­

tura. N u m a lista que incluía reformas propostas para os campone­

ses, os protes tantes e o sistema de justiça cr iminal , b e m c o m o o

estabelecimento do livre comércio e a vacinação contra a varíola,

as mulheres não eram mencionadas . Elas apenas se to rna ram u m a

questão para esse pioneiro dos direitos h u m a n o s um ano depois

do início da revolução. 2 6

Embora algumas t enham votado po r procuração nas eleições

pa ra os Estados Gerais e um p e q u e n o n ú m e r o de d e p u t a d o s

achasse que as mulheres, ou ao menos as viúvas que possuíam p ro ­

priedades, poder iam votar no futuro, as mulheres c o m o tais, isto é,

como u m a potencial categoria de direitos, absolutamente não apa­

receram nas discussões da Assembleia Nacional entre 1789 e 1791.

Alista alfabética dos enormes Archives parlementaires cita "mulhe­

res" apenas duas vezes: n u m dos casos um g r u p o de bretãs que

pedia pa ra fazer um j u r a m e n t o cívico e no o u t r o um g r u p o de

mulheres parisienses que enviava um discurso. Em contraste , os

judeus apareciam em discussões diretas dos deputados ao menos

em dezessete ocasiões diferentes. No final de 1789, atores, carras­

cos, p ro tes tan tes , j udeus , negros livres e até h o m e n s pobres

pod iam ser imaginados como cidadãos, ao menos po r um n ú m e r o

substancial de deputados . Apesar dessa recalibração cont ínua da

escala de conceptibilidade, os direitos iguais para a classe feminina

pe rmanec iam inimagináveis para quase todo m u n d o , t a n t o h o ­

mens como mulheres . 2 7

M \

I 7 O

Porém, m e s m o aqu i a lógica dos direitos seguiu o seu cami­

nho , a inda que de forma espasmódica. Em julho de 1790, Condor ­

cet chocou os seus leitores com um surpreendente editorial jo rna­

lístico, "Sobre a admissão das mulheres aos direitos da cidadania",

t o r n a n d o explícito o fundamen to lógico dos direi tos h u m a n o s ,

que t inha se desenvolvido constantemente na segunda metade do

século XVIII: "os direitos dos homens resul tam apenas do fato de

que eles são seres sensíveis, capazes de adquir i r ideias morais e de

rac ioc inar sobre essas ideias". As mulheres n ã o t ê m as m e s m a s

características? " C o m o as mulheres têm as mesmas qualidades", ele

insistia, "elas t ê m necessar iamente d i re i tos iguais." C o n d o r c e t

t irava a conc lusão lógica que os seus colegas revoluc ionár ios

t i nham tanta dificuldade em deduzir por s i mesmos : " O u n e n h u m

indivíduo na h u m a n i d a d e t em direitos verdadeiros, ou todos t êm

os mesmos ; e q u e m vota contra o direito de out ro , qualquer que

seja a sua religião, cor ou sexo, abjurou a pa r t i r desse m o m e n t o os

seus própr ios direitos".

Aí estava a filosofia moderna dos d i re i tos h u m a n o s na sua

forma pura, claramente articulada. As particularidades dos h u m a ­

nos (excluindo-se talvez a idade, as crianças a inda não sendo capazes

de raciocinar por conta própria) não devem pesar na balança, n e m

mesmo dos direitos políticos. Condorcet t a m b é m explicava por que

tantas mulheres, b e m como homens, t i n h a m aceitado sem questio­

nar a subordinação inj ustificável das mulheres: "O hábito pode fami­

liarizar os homens com a violação de seus direitos naturais a ponto

de, entre aqueles que os perderam, ninguém sonhar em reclamá-los,

nem acreditar que sofreu u m a injustiça". Ele desafiava os seus leitores

a reconhecer que as mulheres sempre t i ve ram direitos, e que o cos­

tume social os cegara para essa verdade fundamenta l . 2 8

Em setembro de 1791, a dramaturga antiescravagista Olympe

de Gouges virou a Declaração dos Direi tos do H o m e m e do Cida­

dão pelo avesso. A sua Declaração dos D i r e i t o s da Mulher insistia

171

Page 86: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

que "A mulhe r nasce livre e permanece igual ao h o m e m em direi­

tos" (artigo I a ) . "Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais aos seus

[da lei] olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas as digni­

dades , cargos e empregos públ icos , segundo a sua capacidade e

sem n e n h u m a o u t r a dis t inção que não seja a de suas vir tudes e

talentos" (artigo 6 a ) . A inversão da l inguagem da declaração oficial

de 1789 não nos parece chocante no presente, mas cer tamente cho­

cou à época. Na Inglaterra, Mary Wollstonecraft não foi tão longe

quan to as suas companhei ras francesas, que exigiam direitos polí­

t icos abso lu tamente iguais para as mulheres , mas escreveu com

mais detalhes e com u m a paixão intensa sobre as maneiras como a

educação e a tradição haviam tolhido a inteligência das mulheres.

Em Vindication of the Rights ofWoman, pub l icado em 1792, ela

ligava a emancipação das mulheres à implosão de todas as formas

de hierarquia na sociedade. C o m o De Gouges, Wollstonecraft foi

ví t ima de difamação públ ica pela sua ousadia . O des t ino de De

Gouges foi ainda pior, pois ela acabou na guilhotina, condenada

como u m a contrarrevolucionaria " impuden te" e um ser inatural

( um " h o m e m - m u l h e r " ) . 2 9

U m a vez desencadeado o momentum, os direi tos das mulhe ­

res não ficaram l imi tados às publ icações de u n s poucos indiví­

duos pioneiros. Entre 1791 e 1793, as mulheres estabeleceram clu­

bes políticos em ao menos c inquenta cidades provincianas e de

maior por te , b e m c o m o em Paris. Os direitos das mulheres come­

çaram a ser debat idos nos clubes, em jornais e em panfletos. Em

abril de 1793, du ran t e a cons ideração da c idadan ia n u m a nova

propos ta de Const i tu ição para a república, um d e p u t a d o argu­

m e n t o u de ta lhadamente em favor de direitos políticos iguais para

as mu lhe re s . A sua in te rvenção mos t rava q u e a ideia t i n h a

g a n h a d o a lguns adep tos . " H á sem d ú v i d a u m a diferença", ele

admitia, "a dos sexos [...] mas n ã o co m p reen d o c o m o u m a dife­

rença sexual cont r ibui para u m a desigualdade nos direi tos. [...]

Vamos antes nos desvenci lhar do p reconce i to do sexo, a s s im

c o m o nos l iberamos do preconceito contra a cor dos negros." Os

depu tados não seguiram a sua or ientação. 3 0

Em vez disso, em o u t u b r o de 1793, os depu tados a tacaram os

clubes de mulheres. Reagindo a lutas nas ruas entre mulheres a res­

peito do uso de insígnias revolucionárias, a Convenção votou p o r

supr imir todos os clubes políticos para mulheres sob o pretexto de

q u e tais c lubes só as desviavam de seus a p r o p r i a d o s deveres

domés t i cos . Segundo o d e p u t a d o que ap resen tou o decre to , as

mulheres não t inham o conhecimento , a aplicação, a dedicação ou

a abnegação exigidos para governar. Deviam se ater às "funções

privadas a que as mulheres são destinadas pela p rópr ia natureza".

O fundamento lógico não era n e n h u m a novidade; o que era novo

era a necessidade de vir a público e proibir as mulheres de formar

e frequentar clubes políticos. As mulheres p o d e m ter surgido po r

ú l t imo nas discussões e como tema de m e n o r impor tância , mas os

seus direitos acabaram en t r ando na agenda, e o que foi dito a seu

respeito na década de 1790 — especialmente em favor dos direitos

— teve um impacto que d u r o u até o presente. 3 1

A lógica dos direitos t inha forçado até os direitos das mu lhe ­

res a sair da névoa obscura do hábi to , ao m e n o s na França e na

Ingla ter ra . Nos Estados Un idos , o descaso c o m os direi tos das

mulheres atraiu relat ivamente pouca discussão pública antes de

1792, e não apareceram escritos americanos na era revolucionária

que possam ser comparados aos de Condorcet , O lympe de Gouges

ou Mary Wollstonecraft. Na verdade, antes da publicação de Vin­dication of the Rights ofWoman, de Wollstonecraft, em 1792, o con­

ceito dos direi tos das mu lhe re s quase n ã o recebeu a tenção na

Inglaterra n e m na América. A própr ia Wollstonecraft havia desen­

volvido as suas influentes noções sobre o assunto n u m a reação

direta à Revolução Francesa. Na sua pr imeira obra sobre direitos,

Vindication of the Rights ofMen (1790), ela contestou as acusações

173 172

Page 87: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

de Burke cont ra os direitos do h o m e m na França. Isso a levou a

considerar, p o r sua vez, os direitos da mulher . 3 2

Se o lha rmos além das proc lamações oficiais e decretos dos

políticos homens , a mudança de expectativa a respeito dos direitos

das mulheres é mais impress ionante . Surpreenden temente , po r

exemplo, Vindication ofthe Rights ofWoman podia ser encont rado

em mais bibliotecas particulares americanas no início da república

do que Os direitos do homem, de Paine. Embora o p rópr io Paine

não desse atenção aos direitos das mulheres, out ros os considera­

vam. No início do século xix, sociedades de debates, discursos de

formatura e revistas populares nos Estados Unidos t ra tavam regu­

larmente das pressuposições de gênero por trás do sufrágio mas­

culino. Na França, as mulheres aproveitaram as novas opor tun ida­

des de publicação criadas pela l iberdade de imprensa para escrever

mais livros e panfletos do que nunca . O direi to das mulhe res à

herança igual provocou incontáveis processos na justiça, porque as

mulhe res d e t e r m i n a r a m se agar rar ao que era agora legi t ima­

men te delas. Afinal, os direitos não eram u m a proposição t u d o -

-ou-nada . Os novos direitos, m e s m o que não fossem direitos polí­

ticos, ab r i am o c a m i n h o de novas opo r tun idades para as mu lhe ­

res, e elas logo as ap rove i t a ram. C o m o as ações an te r io res dos

protestantes , judeus e h o m e n s de cor livres já t i n h a m mos t r ado ,

a c idadania n ã o é apenas algo a ser concedido pelas autor idades :

é algo a ser conquis tado po r si m e s m o . U m a m e d i d a da a u t o n o ­

mia m o r a l é essa capac idade de a r g u m e n t a r , insis t i r e , p a r a

alguns, lutar. 3 3

Depois de 1793, as mulheres se v i r am mais r ep r imidas no

m u n d o oficial da polí t ica francesa. En t r e t an to , a p romessa de

direi tos n ã o havia sido c o m p l e t a m e n t e esquecida. N u m longo

artigo publicado em 1800 sobre De la condition desfemmes dans les Republiques, de Charles Théremin , a poeta e d r a m a t u r g a Cons ­

tance Pipelet (mais ta rde conhecida c o m o Cons tance de Salm)

174

m o s t r o u que as m u l h e r e s n ã o t i n h a m perd ido de vista as metas

enunciadas nos p r ime i ros anos da revolução:

É compreensível que [no Antigo Regime] não se acreditasse neces­

sário assegurar a uma metade da humanidade metade dos direitos

ligados aos seres humanos; mas seria mais difícil compreender que

se tenha podido deixar inteiramente de reconhecer [os direitos] das

mulheres durante os últimos dez anos, naqueles momentos em que

as palavras igualdade e liberdade ressoavam por toda parte, naque­

les momentos em que a filosofia, ajudada pela experiência, ilumi­

nava sem cessar o homem a respeito de seus verdadeiros direitos.

Ela atr ibuía esse descaso com os direitos das mulheres ao fato de

que as massas mascul inas acreditavam facilmente que limitar ou

até aniqui lar o pode r das mulheres aumenta r i a o poder dos h o ­

mens . No seu artigo, Pipelet citava a obra de Wollstonecraft sobre

os direitos das mulheres , mas não reivindicava para as mulheres o

direito de votar ou ocupar cargos públicos. 3 4

Pipelet demons t rava u m a compreensão sutil da tensão entre

a lógica revolucionária dos direitos e as restrições continuadas dos

cos tumes . "É espec ia lmente d u r a n t e a revolução [...] que as

mu lhe res , s egu indo o exemplo dos h o m e n s , rac ioc inam m u i t o

sobre a sua verdadeira essência e t o m a m atitudes em consequên­

cia desse seu pensar." Se continuava a obscuridade ou a ambigui­

dade sobre o tema dos direitos das mulheres (e Pipelet emprestou

um t o m de grande incerteza a muitas de suas passagens), era por­

que o I lumin i smo não havia progredido o suficiente: as pessoas

comuns , e especialmente as mulheres comuns , cont inuavam não

educadas . À m e d i d a que as mulheres ganhavam educação, elas

demons t ravam inevitavelmente os seus talentos, pois o méri to não

t em sexo, afirmava Pipelet. Ela concordava com Théremin que as

mu lhe re s dev iam ser empregadas c o m o mestres-escolas e ter a

«75

Page 88: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

permissão para defender os seus "direitos naturais e inalienáveis" nos t r ibunais .

Se a p rópr ia Pipelet não chegou a advogar direitos políticos

plenos para as mulheres foi porque ela estava reagindo ao que via

como poss ível—imaginável , argumentável — nos seus dias. Mas,

c o m o m u i t o s out ros , ela via que a filosofia dos direitos naturais

t inha u m a lógica implacável, m e s m o que a inda não tivesse sido

e laborada no caso das mulheres essa ou t r a m e t a d e da h u m a n i ­

dade. A noção dos "direitos do homem", como a própr ia revolução,

abr iu um espaço imprevisível para discussão, conflito e mudança .

A promessa daqueles direitos pode ser negada, supr imida ou sim­

plesmente cont inuar não cumpr ida , mas não mor re .

1 7 6

5. "A força maleável da humanidade"

Por que os direitos humanos fracassaram a princípio, mas tiveram sucesso no longo prazo

Os direitos h u m a n o s eram simplesmente " u m absurdo retó­

rico, um absurdo bombástico", como afirmava o fi lósofo Jeremy

Bentham? A longa lacuna na história dos direitos humanos , de sua

fo rmulação inicial nas revoluções amer i cana e francesa até a

Declaração Universal das Nações Unidas em 1948, faz qualquer

u m pa ra r pa r a pensar . O s direi tos n ã o desaparece ram n e m n o

p e n s a m e n t o n e m na ação, mas as discussões e os decretos agora

o c o r r i a m quase exclusivamente den t ro de es t ru turas nacionais

específicas. A noção de vár ios t ipos de direi tos garant idos pela

Const i tuição — os direitos políticos dos trabalhadores, das m i n o ­

rias religiosas e das mulheres, por exemplo — cont inuou a ganhar

ter reno nos séculos xix e xx, mas os debates sobre direitos naturais

un ive rsa lmente aplicáveis d i m i n u í r a m . Os t rabalhadores , p o r

exemplo, ganharam direitos como trabalhadores britânicos, fran­

ceses, alemães ou americanos. O nacionalista italiano do século xix

Giuseppe Mazzini captou o novo foco sobre a nação quando fez a

pergunta retórica: "O que é um País [...] senão o lugar em que os

nossos direitos individuais estão mais seguros?". Foram necessá-

177

Page 89: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

rias duas guerras mundia is devastadoras para estilhaçar essa con­f iança na nação. 1

D E F I C I Ê N C I A S D O S D I R E I T O S D O H O M E M

O nac iona l i smo só a s sumiu a pos ição de e s t ru tu ra d o m i ­

nante para os direitos gradualmente , depois de 1815, com a queda

de Napoleão e o fim da era revolucionária. Entre 1789 e 1815, duas

concepções diferentes de autor idade guerrearam entre si: os direi­

tos do h o m e m de um lado e a sociedade hierárquica tradicional do

out ro . Cada lado invocava a nação, embora n e n h u m deles fizesse

afirmações sobre a de terminação da ident idade pela etnicidade.

Por definição, os direitos do " h o m e m " repudiavam qualquer ideia

de que os direitos dependiam da nacionalidade. E d m u n d Burke,

por ou t ro lado, havia tentado ligar a sociedade hierárquica a certa

concepção de nação, a rgumen tando que a l iberdade só podia ser

garant ida p o r um governo arra igado na his tór ia de u m a nação,

com ênfase sobre a história. Os direitos só funcionavam, ele insis­

tia, quando nasciam de tradições e práticas de longa data.

Aqueles que apoiavam os direitos do h o m e m haviam negado

a impor tânc ia da t radição e da história. Precisamente po rque se

baseava em "abstrações metafísicas", a Declaração francesa, sus­

tentava Burke, não t inha força emocional suficiente para impor a

obediência. C o m o poder iam aqueles "pedaços miseráveis de papel

bo r rado" ser comparados ao amor a Deus, ao amor reverente aos

reis, ao dever com os magistrados, à reverência aos padres e à defe­

rência para com os superiores? Os revolucionários ter iam de usar

a violência pa ra se m a n t e r no poder , ele já t i nha conc lu ído em

1790. Q u a n d o os republicanos franceses executaram o rei e passa­

r a m ao Terror c o m o um sistema reconhecido de governo, c o m o

fizeram em 1793 e 1794, o prognóst ico de Burke parecia ter se con-

178

cretizado. A Declaração dos Direi tos do H o m e m e do Cidadão ,

arquivada jun to com a Const i tuição de 1790, não havia impedido

a supressão do dissenso e a execução de todos aqueles vistos como

inimigos.

Apesar das críticas de Burke, mui tos escritores e políticos na

Europa e nos Estados Unidos haviam saudado entusiast icamente

a Declaração dos Direitos em 1789. Quando a Revolução Francesa

to rnou-se mais radical, entre tanto , a opinião pública começou a se

dividir. Os governos monárquicos , em particular, reagiram forte­

mente contra a proclamação de u m a república e a execução do rei.

Em dezembro de 1792, T h o m a s Paine foi forçado a fugir para a

França quando um t r ibunal br i tânico o julgou culpado de sedição

por atacar a monarqu ia hereditária na segunda par te de Os direitos do homem. O governo bri tânico seguiu adiante com u m a campa­

n h a s is temática de t o r m e n t o e perseguição dos defensores das

ideias francesas. Em 1798, somente 22 anos depois da declaração

dos direitos iguais de todos os homens , o Congresso dos Estados

Unidos aprovou as Leis dos Estrangeiros e da Sedição para limitar

as críticas ao governo americano. O novo espírito dos tempos pode

ser visto nos comentár ios feitos em 1797 por John Robinson, um

professor de filosofia natural na Universidade de Edimburgo. Ele

invectivava cont ra "essa m á x i m a maldita, que agora ocupa toda

m e n t e , de pensar c o n t i n u a m e n t e em nossos direitos e exigi-los

ans io samen te de toda parte". Essa obsessão dos direi tos era "o

maior veneno da vida" segundo Robinson, que a via como a causa

principal da sublevação política existente, m e s m o na Escócia, e da

guerra entre a França e seus vizinhos, que agora ameaçava tragar

toda a Europa. 2

A cautela de Robinson quan to aos direitos empalidecia em

comparação com os mísseis de ataque lançados sobre o continente

pelos m o n a r q u i s t a s con t ra r revo luc ionar ios . Segundo Louis de

Bonald, um conservador sem papas na língua, "a revolução come-

179

Page 90: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

çou c o m a declaração dos direi tos do h o m e m e só t e r m i n a r á

q u a n d o os direi tos de Deus forem declarados". A declaração de

direitos, afirmava, representava a má influência da filosofia do Ilu­

min i smo e, j un to com ela, o ateísmo, o protes tant ismo e a maço­

naria, que ele colocava todos no m e s m o saco. A declaração enco­

rajava as pessoas a negligenciar os seus deveres e a pensar apenas

em seus desejos individuais. Já que não podia servir como um freio

para essas paixões, ela consequentemente levou a França direto à

anarquia , ao t e r ro r e à desintegração social. Apenas u m a Igreja

Católica revivida, protegida po r u m a monarqu ia restaurada e legí­

t ima , pod ia inculcar p r inc íp ios m o r a i s verdadei ros . Sob o rei

Bourbon reinstalado em 1815, Bonald assumiu a l iderança para

revogar as leis revolucionár ias sobre o divórcio e restabelecer a

censura rigorosa antes da publicação. 1

Antes do re torno dos reis Bourbon, quando os republicanos

franceses e mais tarde Napoleão espalharam a mensagem da Revo­

lução Francesa p o r me io da conqu i s t a mili tar , os direi tos do

h o m e m ficaram emaranhados com a agressão imperialista. Para

seu crédito, a influência da França induziu os suíços e os holande­

ses a abol i r a t o r t u r a em 1798; a Espanha os seguiu em 1808,

quando o i rmão de Napoleão governou como rei. Depois da queda

de Napoleão, entretanto, os suíços re in t roduzi ram a to r tu ra e o rei

espanhol restabeleceu a Inquisição, que usava a to r tu ra para obter

confissões. Os franceses t a m b é m encorajaram a emancipação dos

j udeus em todos os lugares d o m i n a d o s pelos seus exércitos.

E m b o r a os governantes que r e to rnavam ao p o d e r e l iminassem

alguns desses direitos recentemente adqui r idos nos estados ita­

liano e alemão, a emancipação dos judeus most rou-se pe rmanen te

nos Países Baixos. U m a vez que a emancipação dos judeus era vista

como francesa, os bandoleiros que a to rmentavam as forças fran­

cesas em alguns terr i tór ios recém-conquis tados t a m b é m ataca­

vam frequentemente os judeus . 4

As intervenções contradi tór ias de Napoleão mos t r avam que

os direitos n ã o precisavam ser vistos c o m o um pacote único. Ele

in t roduziu a tolerância religiosa e direitos políticos e civis iguais

para as minor ias religiosas em todos os lugares em que governou;

mas em casa, na França, l imi tou severamente a l iberdade de ex­

pressão de todos e basicamente e l iminou a l iberdade de imprensa .

O imperador francês acreditava que "os h o m e n s não nascem para

serem livres. [...] A l iberdade é u m a necessidade sentida por u m a

pequena classe de h o m e n s a q u e m a natureza do tou com mentes

mais nobres do que a massa dos h o m e n s . Consequen temente , ela

pode ser repr imida com impunidade . A igualdade, po r ou t ro lado,

agrada às massas". Os franceses não desejavam a verdadeira liber­

dade, na sua opinião: eles s implesmente aspiravam a ascender ao

topo da sociedade. Sacrificariam os seus direi tos pol í t icos para

assegurar a sua igualdade legal. 5

Sobre a questão da escravidão, Napoleão se revelou inteira­

mente coerente. Durante u m a breve calmaria na luta na Europa em

1802, ele enviou expedições militares às colônias no Caribe. Embora

deixasse as suas intenções deliberadamente vagas no início, para não

provocar um levante geral dos escravos libertos, as instruções dadas

ao seu cunhado, um dos generais comandantes , deixavam os seus

objetivos b e m claros. Assim que chegassem os soldados deviam ocu­

par pon tos estratégicos e obter o controle da região. Em seguida

dev iam "perseguir os rebeldes sem piedade", desa rmar todos os

negros, prender os seus líderes e t ransportá- los de volta à França,

abr indo o caminho para restaurar a escravidão. Napoleão t inha cer­

teza de que "a perspectiva de u m a república negra é igualmente per­

tu rbadora para os espanhóis , os ingleses e os americanos". O seu

p lano fracassou em Saint Domingue , que ganhou a sua indepen­

dência como Haiti, mas teve sucesso em outras colônias francesas.

Os m o r t o s na luta em Saint D o m i n g u e chegaram a 150 mil; um

décimo da população de Guadalupe foi mor ta ou deportada. 6

181 i8o

Page 91: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Napoleão t en tou criar um h íb r ido entre os direitos do h o ­

m e m e a sociedade hierárquica tradicional, mas no fim das contas

ambos os lados rejeitaram a cria bastarda. Napoleão foi criticado

pelos tradicionalistas devido à sua ênfase na tolerância religiosa,

na abolição do feudalismo e na igualdade perante a lei, e pelo out ro

lado devido às restrições que impôs a um grande n ú m e r o de liber­

dades políticas. Conseguiu ficar em paz com a Igreja Católica, mas

nunca se t o r n o u um governante legítimo aos olhos dos tradiciona­

listas. Para os defensores dos direitos, a sua insistência na igualdade

perante a lei não conseguiu contrabalançar a sua revivescência da

nobreza e a criação de um impér io hereditário. Q u a n d o perdeu o

poder, o imperador francês foi denunciado tanto pelos tradiciona­

listas como pelos defensores dos direitos como um t i rano, um dés­

pota e um usurpador . Um dos críticos mais persistentes de Napo­

leão, a escritora Germaine de Stáel, p roc lamou em 1817 que o seu

único legado e ram "mais alguns segredos na arte da tirania". De

Stâel, como todos os outros comentaris tas tanto da esquerda como

da direita, só se referia ao líder deposto pelo seu sobrenome, Bona­

parte, e nunca lhe dava o t ra tamento imperial do pr imeiro nome ,

Napoleão. 7

O N A C I O N A L I S M O E N T R A E M C E N A

A vitória das forças da o rdem most rou-se efêmera no longo

prazo, em grande parte graças aos desenvolvimentos ativados pelo

seu nêmesis, Napoleão. Ao longo do século xix o nacional ismo sur­

preendeu ambos os lados dos debates revolucionários, transfor­

m a n d o a discussão dos direitos e cr iando novos t ipos de hierarquia

que em últ ima análise ameaçavam a o rdem tradicional. As aventu­

ras imperial is tas do corso emergen te ca ta l i saram inadver t ida ­

men te as forças do nacional i smo, de Varsóvia a Lima. Por o n d e

182

andou ele criou novas ent idades (o ducado de Varsóvia, o reino da

Itália, a confederação do Reno) , produziu novas opor tun idades ou

p rovocou novas an imos idades que a l i m e n t a r i a m aspirações

nacionais. O seu ducado de Varsóvia l e m b r o u aos poloneses que

existira ou t rora u m a Polônia, antes de ela ser engolida po r Prússia,

Áustria e Rússia. Mesmo que os novos governos italiano e alemão

t enham desaparecido depois da queda de Napoleão, eles haviam

mos t rado que a unificação nacional era concebível. Ao depor o rei

da Espanha, o imperador francês abriu a p o r t a para os mov imen­

tos de independência sul -americanos nas décadas de 1810 e 1820.

Simon Bolívar, o l ibertador de Bolívia, Panamá , Colômbia , Equa­

dor, Peru e Venezuela, falava a m e s m a l i nguagem nascente do

nac iona l i smo empregada p o r seus congêneres na Europa . "O

nosso solo nativo", dizia c o m entus iasmo, "desperta sent imentos

ternos e lembranças deliciosas. [...] Q u e alegações de amor e dedi­

cação p o d i a m ser ma io res?" O s e n t i m e n t o nac iona l oferecia a

força emocional que faltava àqueles "pedaços miseráveis de papel

bo r r ado" ridicularizados po r Burke. 8

Em reação ao imperia l ismo francês, alguns escritores alemães

re je i taram t u d o o que era f rancês — inclusive os direi tos do

h o m e m — e desenvolveram um novo sent ido de nação, baseado

explicitamente na etnicidade. Carecendo de u m a estrutura única

de nação-Es tado , os nac iona l i s tas a lemães enfat izavam em seu

lugar a mística do Volk ou povo, um caráter p rópr io alemão que o

dis t inguia dos out ros povos . Os p r i m e i r o s sinais de p rob lemas

futuros já pod iam ser percebidos nas visões expressas no início do

século xix pelo nacionalista a l emão Friedrich Jahn. "Quan to mais

p u r o um povo, melhor", ele escreveu. As leis da natureza, susten­

tava, ope ravam contra a m i s t u r a de raças e povos. Para Jahn os

"direitos sagrados" eram os do povo alemão, e ele ficava tão exas­

pe rado com a influência francesa que exortava seus colegas ale­

mães a pa ra r c o m p l e t a m e n t e de falar francês. C o m o todos os

183

Page 92: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

nacionalistas subsequentes, Jahn recomendava insistentemente que

se escrevesse e estudasse a história patriótica. Monumentos , funerais

públicos e festivais populares deviam todos se concentrar em assun­

tos alemães, e não ideais universais. No mesmo m o m e n t o em que os

europeus travavam as maiores batalhas contra as ambições impe­

riais de Napoleão, Jahn p ropunha fronteiras surpreendentemente

amplas para essa nova Alemanha. Ela devia incluir, ele afirmava, a

Suíça, os Países Baixos, a Dinamarca , a Prússia e a Áustria, e u m a

nova capital devia ser construída com o n o m e de Teutona. 9

C o m o Jahn, a maior ia dos pr imei ros nacionalistas preferia

u m a forma democrá t ica de governo, p o r q u e ela maximizar ia o

senso de per tencimento à nação. Em consequência, os tradiciona­

listas se o p u s e r a m inic ia lmente ao nac iona l i smo e à unificação

alemã e italiana, t an to q u a n t o t i n h a m se opos to aos direitos do

h o m e m . Os pr imeiros nacionalistas falavam a l inguagem revolu­

cionária do universalismo messiânico, mas para eles a nação, em

vez dos direitos, servia como um t r ampol im para o universalismo.

Bolívar acreditava que a Colômbia i luminaria o caminho para a

l iberdade e a justiça universais; Mazzini, fundador da nacionalista

Sociedade da Jovem Itália, p roc lamou que os italianos l iderariam

u m a cruzada universal dos povos o p r i m i d o s pela l iberdade; o

poeta Adam Mickiewicz achava que os poloneses m o s t r a r i a m o

caminho para a libertação universal. Os direitos h u m a n o s agora

dependiam da autodeterminação nacional, e a pr ior idade per ten­

cia necessariamente à últ ima.

Depois de 1848, os tradicionalistas começa ram a aceitar as

d e m a n d a s nacional is tas , e o nac iona l i smo passou da esquerda

pa ra a direi ta no espectro pol í t ico. O fracasso das revoluções

nacionalista e constitucionalista em 1848 na Alemanha, na Itália e

na Hungr ia abriu o caminho para essas mudanças . Os nacionalis­

tas interessados em garantir os direitos dentro das nações recente­

mente propostas mostravam-se demasiado dispostos a rejeitar os

184

direitos de out ros grupos étnicos. Os alemães reunidos em Frank­

furt redigiram u m a nova Const i tuição nacional para a Alemanha,

mas n e g a r a m q u a l q u e r a u t o d e t e r m i n a ç ã o aos d inamarquese s ,

poloneses ou tchecos den t ro de suas fronteiras propostas. Os h ú n ­

garos que ped iam independência daÁus t r ia ignoravam os interes­

ses dos romenos , eslovacos, croatas e eslovenos, que const i tu íam

mais da metade da população da Hungr ia . A competição interét-

nica condenou ao fracasso as revoluções de 1848, e com elas a liga­

ção entre os direitos e a au tode te rminação nacional . A unificação

nacional da Alemanha e da Itália foi obt ida nas décadas de 1850 e

1860 po r guerras e diplomacia, e a garantia dos direitos individuais

não desempenhou n e n h u m papel.

Antes en tus ias t i camente p r o n t o pa ra assegurar os direi tos

po r me io da difusão da au tode t e rminação nacional , o nac iona­

l i smo se t o r n o u cada vez mais fechado e defensivo. A m u d a n ç a

refletia a enormidade da tarefa de criar u m a nação. A ideia de que

a Europa podia ser capr ichadamente dividida em nações-Estados

de etnicidade e cul tura relat ivamente homogêneas era desment ida

pelo p rópr io m a p a linguístico. Toda nação-Estado abrigava m i n o ­

rias linguísticas e culturais no século xix, m e s m o aquelas estabele­

cidas havia mu i to t empo , como a Grã-Bretanha e a França. Q u a n ­

do foi dec la rada a repúbl ica na França , em 1870, m e t a d e dos

cidadãos não sabia falar francês: os outros falavam dialetos ou lín­

guas regionais c o m o o bretão, o franco-provençal, o basco, o alsa-

ciano, o catalão, o córsico, o occitano ou, nas colônias, o crioulo.

U m a grande campanha de educação teve de ser empreendida para

integrar todos na nação. As nações aspirantes enfrentavam pres­

sões a inda maiores por causa da maior heterogeneidade étnica: o

conde Camil lo di Cavour, p r ime i ro -min i s t ro do novo Reino da

Itália, t inha como pr imeira língua o dialeto p iemontês , e menos de

3% de seus concidadãos falavam o italiano padrão. A situação era

ainda mais caótica na Europa Oriental , o n d e mui tos grupos étni-

185

Page 93: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

cos diferentes v ivam em grande in t imidade . U m a Polônia revi­

vida, por exemplo, incluiria não só u m a comunidade substancial

de judeus , mas t a m b é m li tuanos, ucranianos, alemães e bielo-rus-

sos, cada um com sua língua e tradições.

A dif iculdade de criar ou m a n t e r a h o m o g e n e i d a d e étnica

cont r ibuiu para a crescente preocupação com a imigração em todo

o m u n d o . Poucos se o p u n h a m à imigração antes da década de

1860, mas ela passou a ser criticada nos países anfitriões nas déca­

das de 1880 e 1890. A Austrália ten tou impedir o influxo de asiáti­

cos para poder conservar o seu caráter inglês e irlandês. Os Estados

Unidos pro ib i ram a imigração da China em 1882 e de toda a Ásia

em 1917, e depois , em 1924, es tabeleceram cotas para todos os

demais c o m base na compos ição étnica cor ren te da popu lação

n o r t e - a m e r i c a n a . O governo b r i t ân ico ap rovou u m a Lei dos

Estrangeiros em 1905 para impedir a imigração de "indesejáveis",

que mui tos interpretavam serem os judeus da Europa Oriental . Ao

m e s m o t empo que os t rabalhadores e criados começaram a ganhar

direitos políticos iguais nesses países, barreiras b loqueavam aque­

les que não part i lhavam as mesmas origens étnicas.

Nessa nova atmosfera protetora, o nacionalismo assumiu um

caráter mais xenófobo e racista. Embora a xenofobia pudesse ter

c o m o alvo qualquer g rupo estrangeiro (os chineses nos Estados

Unidos, os italianos na França ou os poloneses na Alemanha) , as

úl t imas décadas do século xix assistiram a um crescimento alar­

man te do antissemitismo. Os políticos de direita na Alemanha, na

Áustria e na França usavam jornais , clubes políticos e, em alguns

casos, novos part idos políticos para atiçar o ódio aos judeus como

inimigos da verdadeira nação. Depois de duas décadas de propa­

ganda antissemítica nos jornais de direita, o Part ido Conservador

Alemão fez do antissemitismo um artigo oficial da sua plataforma

em 1892. Mais ou menos na mesma época, o caso Dreyfus fez estra­

gos na polí t ica francesa, c r i ando divisões d u r a d o u r a s en t re os

i 8 6

defensores e os opositores de Dreyfus. O caso começou em 1894,

quando um oficial judeu do exército chamado Alfred Dreyfus foi

e r roneamente acusado de espionar para a Alemanha. Q u a n d o foi

ju lgado cu lpado apesar do g rande n ú m e r o de evidências p r o ­

vando a sua inocência, o famoso romancista Emile Zola publ icou

um artigo ousado na pr imeira página dos jornais acusando o exér­

cito e o governo francês de acobertar as tentativas de incr iminar

falsamente Dreyfus. Em resposta à crescente maré de opinião em

favor de Dreyfus, u m a recém-formada Liga Antissemítica francesa

f o m e n t o u t u m u l t o s em mui t a s cidades e me t rópo le s , às vezes

incluindo ataques de milhares de agitadores a propriedades judai­

cas. A Liga conseguia mobilizar tantas pessoas porque várias cida­

des t i nham jornais que p roduz iam em grande quant idade diatri­

bes antissemíticas. O governo ofereceu a Dreyfus um perdão em

1899 e finalmente o exonerou em 1906, mas o antissemitismo tor­

nou-se mais venenoso por toda parte. Em 1895, Karl Lueger con­

seguiu se eleger prefeito de Viena com um programa antissemítico.

Ele se tornar ia um dos heróis de Hitler.

E X P L I C A Ç Õ E S B I O L Ó G I C A S P A R A A E X C L U S Ã O

Q u a n d o se to rnou mais in t imamente entrelaçado com a etni-

cidade, o nacionalismo al imentou u m a ênfase crescente nas expli­

cações biológicas para a diferença. Os argumentos para os direitos

do h o m e m t inham se baseado na pressuposição da igualdade da

natureza h u m a n a em todas as culturas e classes. Depois da Revo­

lução Francesa, tornou-se cada vez mais difícil reafirmar as dife­

renças s implesmente com base na t radição, nos costumes ou na

história. As diferenças t i nham de ter um fundamento mais sólido

se os h o m e n s quisessem man te r a sua superior idade em relação às

mulheres , os brancos em relação aos negros ou os cristãos em rela-

187

Page 94: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

ção aos judeus . Em suma, se os direitos deviam ser menos que uni­

versais, iguais e naturais , era preciso explicar por quê. Em conse­

quência, o século xix presenciou u m a explosão de explicações bio­

lógicas da diferença.

I ronicamente , por tan to , a p rópr ia noção de direitos h u m a ­

nos abr iu inadver t idamente a por t a para formas mais virulentas

de sexismo, racismo e antissemitismo. C o m efeito, as afirmações

de alcance geral sobre a igualdade natural de toda a human idade

suscitavam asserções igualmente globais sobre a diferença natural ,

p roduz indo um novo t ipo de oposi tor aos direitos h u m a n o s , até

mais poderoso e sinistro do que os tradicionalistas. As novas for­

mas de racismo, antissemitismo e sexismo ofereciam explicações

biológicas para o caráter natura l da diferença h u m a n a . No novo

racismo, os judeus não e ram apenas os assassinos de Jesus: a sua

inerente inferioridade racial ameaçava macular a pureza dos b ran­

cos por meio da miscigenação. Os negros já não e ram inferiores

p o r serem escravos: m e s m o q u a n d o a abolição da escravatura

avançou po r t odo o m u n d o , o rac i smo se t o r n o u mais , e não

m e n o s , venenoso . As mulheres não e r am s implesmente m e n o s

racionais que os homens por serem menos educadas: a sua biolo­

gia as destinava à vida pr ivada e domést ica e as tornava inteira­

mente inadequadas para a política, os negócios ou as profissões.

Nessas novas doutr inas biológicas, a educação ou as mudanças no

meio ambiente jamais poder iam alterar as estruturas hierárquicas

inerentes na natureza humana .

Entre as novas dout r inas biológicas, o sexismo era a menos

organizada em termos políticos, a menos sistemática em te rmos

intelectuais e a m e n o s negat iva em t e r m o s emoc iona i s . Afinal,

n e n h u m a nação pod ia se r ep roduz i r sem as mães : p o r t a n t o ,

e m b o r a fosse concebível a r g u m e n t a r que os escravos negros

deviam ser enviados de volta para a África ou que os judeus deviam

ser proibidos de residir em d e t e r m i n a d o local, n ã o era possível

188

excluir comple tamente as mulheres . Assim, podia-se admitir que

elas possu íam qualidades positivas que talvez fossem importantes

na esfera privada. Além disso, c o m o as mulheres diferiam clara­

men te dos h o m e n s em t e r m o s biológicos ( e m b o r a o grau dessa

diferença ainda permaneça t ema de debate) , poucos descartavam

imedia tamente os a rgumentos biológicos sobre a diferença entre

os sexos, que t inha u m a his tór ia m u i t o mais longa que os argu­

men tos biológicos sobre as raças. Mas a Revolução Francesa havia

mos t r ado que até a diferença sexual, ou ao m e n o s a sua importân­

cia política, podia ser ques t ionada . C o m o su rg imen to de argu­

men tos explícitos para a igualdade política das mulheres, o argu­

m e n t o biológico para a inferioridade das mulheres m u d o u . Elas já

não ocupavam um pa tamar mais baixo na m e s m a escala biológica

dos h o m e n s , o que as to rnava b io log icamente semelhantes aos

h o m e n s , a inda que inferiores. As mulheres agora e r am cada vez

mais moldadas como biologicamente diferentes: elas se tornaram

o "sexo oposto". 1"

Não é fácil de te rminar a hora exata n e m m e s m o a natureza

dessa m u d a n ç a no pensamento sobre as mulheres , mas o período

da Revolução Francesa parece ser crítico. Os revolucionários fran­

ceses t i n h a m invocado a rgumentos em grande parte tradicionais

para a diferença das mulheres em 1793, quando as proibiram de se

reunir em clubes políticos. "Em geral, as mulheres não são capazes

de p e n s a m e n t o s elevados e medi tações sérias", p roc lamava o

por ta-voz do governo. Nos anos seguintes, entretanto, os médicos

na França t r aba lha ram m u i t o pa ra dar a essas ideias vagas u m a

base mais biológica. O principal fisiologista francês da década de

1790 e início dos anos 1800, Pierre Cabanis, argumentava que as

mulheres t i nham fibras musculares mais fracas e a massa cerebral

mais delicada, o que as tornava incapazes para as carreiras públ i ­

cas, mas a sua consequente sensibilidade volátil adequava-as para

os papéis de esposa, mãe e ama. Esse pensamento ajudou a estabe-

189

Page 95: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

lecer u m a nova tradição em que as mulheres pareciam predestina­das a se realizar den t ro dos limites da domest ic idade ou de u m a esfera feminina separada. 1 1

No seu influente t r a t ado A sujeição das mulheres (1869), o

filósofo inglês John Stuart Mili ques t ionou a p róp r i a existência

dessas diferenças biológicas. Insistia que não podemos saber como

os h o m e n s e as mulheres diferem quan to à sua natureza, porque só

os vemos nos seus papéis sociais correntes. "O que agora se chama

a na tureza das mulheres", a rgumentava , "é algo eminen temen te

artificial." Mill li gava a reforma do status das mulheres ao p r o ­

gresso social e econômico global. A subordinação legal das mulhe ­

res, afirmava, "é errada em si mesma" e "deve ser substi tuída por

um princípio de perfeita igualdade, não admi t indo n e n h u m poder

ou privilégio n u m dos lados n e m incapacidade no outro". Não foi

necessário n e n h u m equivalente das ligas ou par t idos antissemíti-

cos, entretanto, para man te r a força do a rgumento biológico. Em

1908, n u m caso legal perante a Suprema Corte dos Estados Unidos

que criou jur isprudência, o juiz Louis Brandéis usou os mesmos

velhos a rgumentos ao explicar po r que o sexo podia ser u m a base

legal para classificação. A "organização física da mulher", as suas

funções materna is , a criação dos filhos e a m a n u t e n ç ã o do lar a

colocavam n u m a categoria diferente e separada. O "feminismo" se

tornara um t e rmo de uso c o m u m na década de 1890, e a resistên­

cia às suas d e m a n d a s era feroz. As mu lhe re s só consegu i r am o

direi to de votar na Austrál ia em 1902, nos Estados Un idos em

1920, na Grã-Bretanha em 1928 e na França em 1944. 1 2

À semelhança do sexismo, o racismo e o antissemit ismo assu­

m i r a m novas formas depois da Revolução Francesa. Os proposi to-

res dos direitos do h o m e m , embora ainda nutr issem mui tos este­

reótipos negativos sobre os judeus e os negros, já não aceitavam a

existência do preconce i to c o m o base suficiente pa ra um argu­

m e n t o . O fato de que os direi tos dos j udeus na França s empre

190

t inham sido restringidos provava apenas que o hábi to e o costume

exerciam grande poder, e não que tais restrições fossem autorizadas

pela razão. Da m e s m a forma, para os abolicionistas a escravidão

não demons t rava a infer ior idade dos africanos negros: revelava

m e r a m e n t e a ganância dos escravagistas e cult ivadores brancos .

Assim, aqueles que rejei tavam a ideia de direi tos iguais para os

judeus ou negros necessitavam de u m a dout r ina — um caso con­

vincentemente arrazoado — para apoiar a sua posição, especial­

mente depois que os judeus t i nham ganhado direitos e a escravidão

fora abolida nas colônias britânicas e francesas, em 1833 e 1848, res­

pect ivamente. Ao longo do século xix, os oposi tores dos direitos

para os judeus e os negros recorreram cada vez mais à ciência, ou ao

que passava por ciência, para encontrar essa doutr ina .

Pode-se r emon ta r a ciência da raça ao fim do século xvin e

aos esforços para classificar os povos do m u n d o . Dois fios tecidos

no século xvin entrelaçaram-se no xix: pr imeiro , o a rgumento de

que a h i s tó r ia t i nha vis to um desenvo lv imen to sucessivo dos

povos r u m o à civilização e de que os brancos e ram os mais avan­

çados do grupo; e segundo, a ideia de que as características perma­

nen tes h e r d a d a s d iv id i am as pessoas de aco rdo c o m a raça. O

racismo, c o m o u m a dou t r ina sistemática, dependia da conjunção

dos dois. Os pensadores do século xvm p re s supunham que todos

os povos acabar iam po r alcançar a civilização, enquan to os teóri­

cos raciais do século xix acredi tavam que somente certas raças o

fariam, po r causa de suas inerentes qualidades biológicas. É pos­

sível encont ra r e lementos dessa conjunção em cientistas do início

do século xix, c o m o o na tura l i s ta francês Georges Cuvier, que

escreveu em 1817 que "cer tas causas in t r ínsecas" i m p e d i a m o

desenvolvimento das raças negra e mongólica. Somente depois da

me tade do século, ent re tanto , é que essas ideias aparecem na sua

forma p lenamente ar t iculada. 1 3 (

O epí tome do gênero pode ser encont rado no Essai sur Viné-

191

Page 96: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

galité des races humaines (1853-5), de Ar thur Gobineau. Usando

u m a misce lânea de a r g u m e n t o s der ivados da arqueologia , da

etnologia, da linguística e da historia, o d ip lomata e h o m e m de

letras francês argumentava que u m a hierarquia das raças funda­

m e n t a d a na biologia determinava a historia da human idade . Na

par te inferior ficavam as raças de pele escura, animalistas, ininte-

lectuais e in tensamente sensuais; logo acima na escala v inham os

amarelos, apáticos e medíocres mas práticos; e no topo estavam os

povos brancos, perseverantes, intelectualmente enérgicos e aven­

tu rosos , que equi l ib ravam " u m ex t r ao rd iná r io ins t in to pa ra a

o r d e m " com " u m p ronunc i ado gosto pela liberdade". Den t ro da

raça b ranca , o r a m o a r iano reinava s u p r e m o . "Tudo o que é

grande, nobre e proveitoso nas obras do h o m e m sobre esta terra,

na ciência, na arte e na civilização" deriva dos ar ianos , concluía

Gobineau. Migrando de seu lar inicial na Asia Central , os arianos

t i nham propiciado a estirpe original para as civilizações indiana,

egípcia, chinesa, romana , europeia e até, por meio da colonização,

as tecae inca . 1 4

A miscigenação explicava tanto a ascensão c o m o a queda de

civilizações, segundo Gobineau. "A questão étnica d o m i n a todos

os outros problemas da historia e detém a sua chave", escreveu. Ao

contrár io de alguns de seus futuros seguidores, entretanto, Gobi­

neau achava que os arianos já t i nham perdido a sua força po r meio

de casamentos entre grupos étnicos diferentes e que, a inda que isso

o desgostasse, o igual i tar ismo e a democrac ia acabar iam t r i u n ­

fando, o que assinalaria o fim da própr ia civilização. E m b o r a as

noções fantasiosas de Gob ineau recebessem p o u c o impu l so na

França, o imperador Gui lherme i da Alemanha (que governou de

1861 a 1888) considerou-as tão apropriadas que conferiu cidada­

nia honorár ia ao francês. Elas t a m b é m foram adotadas pelo com­

positor alemão Richard Wagner e depois pelo genro de Wagner, o

escritor inglês e germanófilo Hous ton Stewart Chamber la in . Por

192

meio da influência de Chamber la in , os arianos de Gobineau se tor­

n a r a m um elemento central da ideologia racial de Hitler. 1 5

Gobineau deu um mo lde secular e aparen temente sistemá­

tico a ideias já em circulação em grande par te do m u n d o ociden­

tal. Em 1850, p o r exemplo , o ana tomis t a escocês Rober t Knox

publ icou The Races ofMen, em que argumentava que "a raça, ou a

descendência hereditária, é t udo : ela car imba o homem". No ano

seguinte, o chefe do s indicato dos composi tores tipográficos da

Phi ladelphia , John Campbe l l , ap re sen tou o seu Negro Mania, Beingan Examination ofthe Falsely Assumed Equality ofthe Races ofMankind. O racismo não estava l imitado ao sul dos Estados Uni­

dos. Campbel l citava Cuvier e Knox, entre out ros , para insistir na

selvageria e barbár ie dos negros e para a rgumenta r contra qual­

quer possibilidade de igualdade entre brancos e negros. C o m o o

própr io Gobineau t inha criticado o t ra tamento dos escravos afri­

canos nos Estados Unidos , os seus t radutores americanos t iveram

de e l iminar esses t rechos pa ra t o r n a r a ob ra mais palatável aos

sulistas pró-escrav idão q u a n d o ela foi publ icada em inglês, em

1856. Assim, a perspectiva da abolição da escravatura (que só se

oficializou nos Estados Unidos em 1865) só intensificou o in te­

resse pela ciência racial. 1 6

C o m o d e m o n s t r a m os t í tu los das obras de Gob ineau e

Campbe l l , a caracter ís t ica c o m u m em g rande par te do pensa­

m e n t o racista era u m a reação visceral contra a noção de igualdade.

Gobineau confessou a Tocqueville o asco que lhe provocavam "os

macacões sujos [ t rabalhadores]" que t i nham part icipado da revo­

lução de 1848 na França. De sua parte, Campbel l sentia repugnân­

cia a part i lhar u m a plataforma política com homens de cor. O que

antes havia definido u m a rejeição aristocrática da sociedade m o ­

derna — ter de se mis turar com as camadas inferiores — assumia

agora um significado racial. O advento da polít ica de massa na

úl t ima metade do século xix pode ter corroído aos poucos o senso

193

Page 97: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

de diferença de classe (ou criado a ilusão de que o desgastava), mas n ã o e l i m i n o u c o m p l e t a m e n t e a diferença, que se des locou do registro de classe para o de raça e sexo. O estabelecimento do sufrá­gio universal mascul ino combinava com a abolição da escravatura e o início da imigração em massa para tornar a igualdade mui to mais concreta e ameaçadora . 1 7

O imperial ismo agravou ainda mais esses desenvolvimentos. Ao m e s m o t e m p o em que aboliam a escravidão nas suas colônias de exploração, as potências europeias estendiam o seu domín io na África e na Ásia. Os franceses invadiram a Argélia em 1830 e termi­n a r a m po r incorporá-la à França. Os britânicos anexaram Cinga-p u r a em 1819 e a Nova Zelândia em 1840, a lém de a u m e n t a r implacavelmente o seu controle sobre a índia. Em 1914, a África t inha sido dividida entre a França, a Grã-Bretanha, a Alemanha, a Itália, a Bélgica, a Espanha e Portugal. Quase n e n h u m estado afri­cano saiu ileso. E m b o r a em alguns casos o governo est rangeiro tivesse na verdade to rnado os países mais "atrasados", ao destruir as indústrias locais em favor das importações do centro imperial, os europeus em geral t i raram apenas u m a lição de suas conquistas: eles t i nham o direito — e o d e v e r — d e "civilizar" os lugares bárba­ros e mais atrasados que governavam.

N e m todos os defensores dessas aventuras imperiais p r o m o ­viam o racismo explícito. John Stuart Mill, que t rabalhou por m u i ­tos anos para a Companh ia Britânica das índias Orientais , a admi­nistradora efetiva do governo bri tânico na índia até 1858, rejeitava as explicações biológicas da diferença. Ainda assim, até ele acredi­tava que os estados principescos da índia e ram "selvagens", com "pouca ou n e n h u m a lei" e vivendo n u m a condição "mui to pouco acima do mais elevado dos animais". Apesar de Mill, o imper ia ­lismo europeu e a ciência racial desenvolveram u m a relação sim­biótica: o imperial ismo das "raças conquis tadoras" tornava as afir­mações raciais mais verossímeis , e a ciência racial ajudava a

194

justificar o imperialismo. Em 1861, o explorador bri tânico Richard Bur ton ado tou um discurso que logo se to rnar ia padrão . O afri­cano, dizia, "possui em grande medida as piores características dos t ipos orientais inferiores — estagnação da men te , indolência do corpo, deficiência moral , superstição e paixão infantil". Depois da década de 1870, essas at i tudes descobr i ram um público de massa em novos jo rna is de p r o d u ç ã o bara ta , s e m a n á r i o s i lus t rados e exposições etnográficas. M e s m o na Argélia, considerada parte da França após 1848, os nativos só ganharam direitos depois de mui to tempo. Em 1865 um decreto do governo declarou-os súditos, e não cidadãos, e n q u a n t o em 1870 o Estado francês t o r n o u os judeus argel inos c idadãos na tu ra l i zados . Os h o m e n s m u ç u l m a n o s só g a n h a r a m direi tos polí t icos iguais em 1947. A "missão civiliza­dora" não era um projeto de cur to prazo. 1 8

Gobineau não havia considerado os judeus um caso especial na sua elaboração da ciência racial, mas os seus seguidores sim. Em seu Foundations ofthe Nineteenth Century, publ icado na Alema­nha em 1899, Hous ton Stewart Chamber la in combinava as ideias de Gobineau sobre raça e o misticismo alemão a respeito do Volk com um ataque acr imonioso contra os judeus , "esse povo estran­geiro" que escravizou "os nossos governos, a nossa lei, a nossa ciên­cia, o nosso comércio, a nossa literatura, a nossa arte". Chamber ­lain apresentava apenas um novo a rgumen to , mas ele teve u m a influência direta sobre Hitler: entre todos os povos, apenas os aria­nos e os judeus t i nham man t ido a sua pureza racial, o que signifi­cava que agora eles deviam lutar um contra o ou t ro até a mor te . Em outros aspectos, Chamber la in a m o n t o o u u m a variedade de ideias cada vez mais comuns . 1 9 í

Embora o antissemit ismo m o d e r n o se baseasse nos estereóti­pos cr is tãos negativos sobre os judeus que já c i rculavam havia séculos, a dou t r ina assumiu novas características depois da década de 1870. Ao contrár io dos negros, os judeus já não representavam

195

Page 98: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

F I G U R A 11. A Revolução Francesa: antes ehoje. Caran d'Ache em Psst...!, 1898. Caran d'Ache era o pseudônimo de Emmanuel Poiré, um cartunista polí­tico francês que publicou caricaturas antissemitas durante o caso Drey-fus na França. Esta caricatura brinca com uma imagem comum da Revo­lução Francesa de 1789 , mostrando o camponês oprimido por um nobre (porque os nobres eram isentos de alguns impostos). Nos tempos moder­nos, o camponês tem de carregar ainda mais fardos: sobre seus ombros estão um político republicano, um maçom e, no topo, um financista judeu. Caran d'Ache também publicou várias imagens ridicularizando Zola. De Psst...!, n a 3 7 , 1 5 de outubro de 1 8 9 8 .

um estágio inferior do desenvolvimento histórico, c o m o hav iam

representado, por exemplo, no século xviii. Em vez disso, eles sig­

nificavam as ameaças da p róp r i a m o d e r n i d a d e : o ma te r i a l i smo

excessivo, a emancipação e a part ic ipação política de g rupos m i n o ­

ritários e o cosmopoli t ismo "degenerado" e "desarraigado" da vida

u r b a n a . As car ica turas n o s jo rna i s p i n t a v a m os j u d e u s c o m o

gananciosos, fingidos e devassos; os jornal is tas e os panfletistas

escreviam sobre o controle judaico do capital m u n d i a l e sua m a n i ­

pu lação consp i ra tó r ia dos pa r t i dos p a r l a m e n t a r e s (f igura 11).

Uma caricatura americana de 1894, menos malévola do que m u i ­

tas de suas congêneres europeias, mos t ra os cont inentes do m u n d o

rodeados pelos tentáculos de um polvo colocado no lugar das ilhas

britânicas. O polvo traz a et iqueta ROTSCHILD, em referência à rica

e poderosa família judaica. Esses esforços m o d e r n o s de difamação

ganha ram força com Os protocolos dos sábios de Sião, um docu ­

men to fraudulento que t inha o propósi to de revelar u m a conspi­

ração judaica para m o n t a r um supergoverno que con t ro la r i a o

m u n d o inteiro. Publ icado p r i m e i r a m e n t e na Rússia em 1903 e

de smasca rado c o m o u m a falsificação em 1921, Os protocolos foram m e s m o assim repet idamente reimpressos pelos nazistas na

Alemanha, sendo até os nossos dias ensinados c o m o fato nas esco­

las de alguns países árabes. Assim, o novo ant issemit ismo combi ­

nava e lementos t radic ionais e m o d e r n o s : os j u d e u s dev i am ser

excluídos dos direitos e até expulsos da nação po rque e ram dema­

siado diferentes e demasiado poderosos.

S O C I A L I S M O E C O M U N I S M O

O nacional ismo não foi o único mov imen to de massas a sur­

gir no século xix. A semelhança do nacionalismo, o socialismo e o

c o m u n i s m o se fo rmaram n u m a reação explícita a l imitações visí-

197

Page 99: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

veis dos direi tos individuais cons t i tuc iona lmente es t ru turados .

Enquan to os pr imeiros nacionalistas quer iam direitos para todos

os povos, e n ã o apenas para aqueles com estados já estabelecidos,

os socialistas e os comunistas quer iam assegurar que as classes bai­

xas tivessem igualdade social e econômica, e não apenas direitos

políticos iguais. Ent re tanto , m e s m o q u a n d o chamavam atenção

para direitos que t i nham sido defraudados pelos propositores dos

direitos do h o m e m , as organizações socialistas e comunistas rebai­

xavam inevi tavelmente a i m p o r t â n c i a dos direi tos c o m o u m a

meta. A própr ia visão de Marx era bem delineada: a emancipação

política podia ser alcançada po r meio da igualdade legal dent ro da

sociedade burguesa , mas a verdadei ra emanc ipação h u m a n a

requeria a destruição da sociedade burguesa e suas proteções cons­

ti tucionais da propr iedade privada. Ainda assim, os socialistas e os

comunistas p ropuse ram duas questões duradouras sobre os direi­

tos. Os direitos políticos e ram suficientes? E o direito individual à

proteção da p ropr iedade privada podia coexistir com a necessi­

dade de a sociedade fomen ta r o bem-es t a r de seus m e m b r o s

menos afortunados?

Assim como o nacionalismo t inha passado po r duas fases no

século xix, indo do entusiasmo inicial sobre a au todeterminação a

um protecionismo mais defensivo sobre a identidade étnica, t am­

bém o socialismo evoluiu com o tempo. Passou de u m a pr imeira

ênfase em reconstruir a sociedade po r meios pacíficos, mas não

políticos, a u m a divisão entre aqueles a favor da política par lamen­

tar e aqueles pela derrubada violenta dos governos. Duran te a pr i ­

meira metade do século xix, quando os sindicatos e ram ilegais na

maioria dos países e os trabalhadores não t i nham direito ao voto,

os socialistas se concent raram em revolucionar as novas relações

sociais criadas pela industrialização. Não pod iam esperar ganhar

as eleições quando os trabalhadores não pod iam votar, o que con­

t i n u o u a ser verdade até pelo m e n o s a década de 1870. Em vez

198

disso, os pioneiros socialistas m o n t a r a m fábricas-modelo, coope­

rativas de produtores e de consumidores e comun idades experi­

men ta i s pa r a supe ra r o confl i to e a a l ienação en t r e os g rupos

sociais. Quer i am capacitar os t rabalhadores e os pobres a t irar p r o ­

veito da nova o rdem industrial , "socializar" a indús t r ia e substituir

a compet ição pela cooperação.

Muitos desses pr imeiros socialistas par t i lhavam u m a descon­

fiança em relação aos "direitos do homem". O principal socialista

francês das décadas de 1820 e 1830, Charles Fourier, a rgumentava

que as const i tuições e o discurso dos direi tos inalienáveis e r am

u m a hipocrisia. O que pode r i am significar os "direitos imprescri­

tíveis do cidadão", q u a n d o o indigente "não t e m n e m a liberdade de

t rabalhar" n e m a autor idade de exigir emprego? O direito de t ra­

balhar suplantava todos os out ros direitos, na sua opinião. C o m o

Fourier, mui tos dos pr imeiros socialistas citavam o ato de não con­

ceder direitos às mulheres um sinal da bancar ro ta das dout r inas

anteriores de direitos. As mulheres poder i am atingir a libertação

sem a abolição da p rop r i edade pr ivada e dos códigos legais que

sustentavam o patr iarcado? 2 0

Dois fatores a l teraram a trajetória do socialismo na segunda

metade do século xix: o advento do sufrágio universal masculino e

o surg imento do c o m u n i s m o (o t e rmo "comunis ta" apareceu pela

pr imeira vez em 1840). Os socialistas eos comunis tas então se divi­

d i ram entre os que visavam estabelecer um m o v i m e n t o político

parlamentar , com par t idos e campanhas para os cargos públicos, e

aqueles, como os bolcheviques na Rússia, que insistiam que ape­

nas a d i tadura do proletar iado e a revolução total t ransformariam

as condições sociais. Os pr imeiros acreditavam que o estabeleci­

m e n t o gradual do voto para todos os h o m e n s abria a perspectiva

de que os t rabalhadores poder iam atingir os seus objetivos dent ro

da pol í t ica pa r l amen ta r . O Par t ido Trabalhis ta br i tânico , p o r

exemplo, foi formado em 1900 a part ir de u m a variedade de sindi-

1 9 9

Page 100: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

catos, par t idos e clubes preexistentes para promover os interesses

e a eleição de trabalhadores. Por ou t ro lado, a Revolução Russa de

1917 encora jou os comun i s t a s em t o d a pa r t e a acredi tar que a

t ransformação social e econômica total estava prestes a se realizar

e que a part icipação na política par lamentar só desperdiçava ener­

gias necessárias para outros t ipos de luta.

C o m o era de se esperar, os dois ramos t a m b é m diferiam na

sua visão dos direitos. Os socialistas e comunistas que adotavam o

processo político t a m b é m patrocinavam a causa dos direitos. Um

dos fundadores do Par t ido Socialista francês, Jean Jaurès, a rgu­

mentava que um Estado socialista "só re tém a sua legi t imidade

enquanto assegura os direitos individuais". Ele apoiava Dreyfus, o

sufrágio universal mascul ino e a separação da Igreja e do Estado,

em suma , direi tos polí t icos iguais pa ra todos os h o m e n s , b e m

como a melhora da vida dos t rabalhadores. Jaurès considerava a

Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão um d o c u m e n t o

de importância universal. Os do ou t ro lado seguiam Marx mais de

per to ao argumentar , como fazia um socialista francês oposi tor de

Jaurès, que o Estado burguês só podia se r"um ins t rumento de con­

servadorismo e opressão social". 2 1

O p r ó p r i o Karl Marx só havia discut ido os direi tos do h o ­

m e m c o m a lguma minúc i a na sua j u v e n t u d e . No seu ensaio

"Sobre a questão judaica", publ icado em 1843, cinco anos antes do

Manifesto comunista, Marx condenava os própr ios fundamentos

da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão. " N e n h u m

dos supos tos d i re i tos do homem" , queixava-se , "vai a lém do

h o m e m egoísta." A assim chamada l iberdade só dizia respeito ao

h o m e m como um ser isolado, não c o m o par te de u m a classe ou

c o m u n i d a d e . O direi to de p rop r i edade só garant ia o direi to de

buscar o interesse p rópr io sem considerar os out ros . Os direitos

do h o m e m garant iam a l iberdade de religião q u a n d o a necessi­

dade dos homens era se livrar da religião; conf i rmavam o direi to

200

de possuir propr iedade q u a n d o o necessário era se livrar da p r o ­

pr iedade; incluíam o direito de negociar q u a n d o o necessár io e ra

se l ivrar dos negócios . M a r x n ã o gostava p a r t i c u l a r m e n t e da

ênfase pol í t ica nos d i re i tos do h o m e m . Os d i re i tos p o l í t i c o s

diziam respeito aos meios, pensava ele, e não aos fins. "O h o m e m

polí t ico" era "abstra to , artificial", não "autêntico". O h o m e m só

podia recuperar a sua autent ic idade reconhecendo que a e m a n c i ­

pação h u m a n a não pod ia ser alcançada po r meio da polí t ica: ela

requeria u m a revolução focalizada nas relações sociais e na abol i ­

ção da propr iedade privada. 2 2

Essas visões e poster iores variações a seu respeito exe rce r am

inf luência no m o v i m e n t o social is ta e c o m u n i s t a p o r m u i t a s

gerações . O s bo lchev iques p r o c l a m a r a m u m a D e c l a r a ç ã o d o s

Direi tos do Povo Trabalhador e Explorado em 1918, mas ela n ã o

incluía n e m um ún ico d i re i to pol í t ico ou legal. A sua m e t a e r a

"abol i r t o d a a exp lo ração do h o m e m pe lo h o m e m , e l i m i n a r

comple t amen te a divisão da sociedade em classes, e smagar i m ­

placavelmente a resistência dos exploradores [e] estabelecer u m a

o r g a n i z a ç ã o social is ta da sociedade". O p r ó p r i o Lên in c i t ava

Marx ao a rgumen ta r con t ra qualquer ênfase nos direitos ind iv i ­

dua i s . A n o ç ã o de um d i re i to igual , a f i rmava Lênin, é em si

m e s m a u m a violação da igualdade e u m a injustiça, p o r q u e está

baseada na"leiburguesa" . Os assim chamados direitos iguais p r o ­

tegem a p ropr iedade pr ivada e p o r t a n t o p e r p e t u a m a exp lo ração

dos t raba lhadores . Joseph Stálin p r o c l a m o u u m a nova C o n s t i ­

tu ição em 1936 que afirmava garant i r a l iberdade de expressão ,

de imprensa e de religião, mas o seu governo não hesi tou em des ­

pachar centenas de milhares de inimigos da classe, d iss identes e

até colegas m e m b r o s do pa r t ido para campos de pr i s ione i ros ou

execução imediata . 2 3

• o i

Page 101: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

A S G U E R R A S M U N D I A I S E A B U S C A D E N O V A S S O L U Ç Õ E S

Ao m e s m o t empo que os bolcheviques começavam a estabe­

lecer a sua d i tadura do proletariado na Rússia, as baixas as t ronô­

micas da Primeira Guerra Mundia l incitavam os líderes dos Alia­

dos, em breve vitoriosos, a encont ra r um novo mecan i smo para

assegurar a paz. Q u a n d o os bolcheviques assinaram um t ra tado de

paz c o m os a lemães em m a r ç o de 1918, a Rússia t i nha pe rd ido

quase 2 milhões de homens . Q u a n d o a guerra t e rminou na frente

ocidental em novembro de 1918, até 14 milhões de pessoas t inham

m o r r i d o , a ma io r i a delas so ldados . Três qua r to s dos h o m e n s

mobil izados para lutar na Rússia e na França acabaram feridos ou

mor tos . Em 1919, os diplomatas que redigiram os acordos de paz

fundaram u m a Liga das Nações para mante r a paz, supervisionar

o desarmamento , arbitrar as disputas entre as nações e garantir os

direitos para as minor ias nacionais , mulheres e crianças. A Liga

fracassou, apesar de alguns esforços nobres. O Senado dos Estados

Unidos se recusou a ratificar a part icipação americana; no início

foi negado à Alemanha e à Rússia o ingresso no quad ro dos asso­

ciados; e, embora promovesse a au tode te rminação na Europa, a

Liga adminis t rou as antigas colônias alemãs e terri tórios do agora

defunto Impér io O t o m a n o po r meio de um sistema de "manda ­

tos", justificados mais u m a vez pelo maior progresso europeu em

relação aos out ros povos. Além disso, a Liga se mos t rou impoten te

para deter o surgimento do fascismo na Itália e do naz ismo na Ale­

m a n h a e p o r t a n t o não conseguiu imped i r a deflagração da

Segunda Guerra Mundial .

A Segunda Guerra Mundia l estabeleceu u m a nova referência

para a barbárie com os seus quase incompreensíveis 60 milhões de

mor tos . Além do mais, a maior ia dos m o r t o s dessa vez era de civis,

e 6 milhões e ram judeus m o r t o s apenas p o r serem judeus . A con-

202

fusão e a destruição de ixaram milhões de refugiados no final da

guer ra , m u i t o s deles quase incapazes de imag ina r um futuro e

vivendo em campos para pessoas desalojadas. Ainda out ros foram

forçados a se reassentar po r razões étnicas (2,5 milhões de alemães,

por exemplo, foram expulsos da Tchecoslováquia em 1946). Todas

as potências envolvidas na guerra a tacaram civis n u m ou n o u t r o

m o m e n t o ; mas , quando a guerra t e rminou , as revelações sobre a

escala dos horrores de l iberadamente perpe t rados pelos alemães

chocaram o público. As fotografias tiradas na libertação dos cam­

pos de extermínio nazistas mos t ravam as consequências estarrece-

doras do antissemitismo, que t inha sido justificado pelo discurso

da supremacia racial a r iana e da purificação nacional . Os julga­

mentos de Nuremberg de 1945-6 não só c h a m a r a m a atenção do

grande públ ico para essas a t rocidades , mas t a m b é m estabelece­

r am o precedente de que os governantes, os funcionários e o pes­

soal militar podiam ser punidos por crimes "contra a humanidade".

M e s m o antes do f im da guerra, os A l i a d o s — e m part icular os

Estados Unidos , a União Soviética e a Grã-Bretanha — determina­

ram aperfeiçoar a Liga das Nações. U m a conferência realizada em

San Francisco na primavera de 1945 estabeleceu a estrutura básica

para um novo corpo internacional , as Nações Unidas. Ele teria um

Conselho de Segurança d o m i n a d o pelas grandes potências, u m a

Assembleia Geral c o m delegados de todos os pa í ses -membros e

um Secretariado chefiado por um secretário-geral à guisa de Poder

Executivo. O encontro t a m b é m providenciou u m a Corte Interna­

cional de Justiça em Haia, nos Países Baixos, para substituir u m a

corte semelhante estabelecida pela Liga das Nações em 1921. Cin­

quen t a e um países ass inaram a Car ta das Nações Unidas c o m o

m e m b r o s fundadores em 26 de j u n h o de 1945.

Apesar do s u r g i m e n t o das evidências dos cr imes nazistas

contra os judeus, os ciganos, os eslavos e outros , os diplomatas que

se r eun i ram em San Francisco tiveram de ser estimulados e incita-

203

Page 102: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

dos a pô r os direitos h u m a n o s na agenda. Em 1944, tanto a Grã-

-Bretanha c o m o a União Soviética haviam rejeitado propostas de

incluir os direitos h u m a n o s na Carta das Nações Unidas. A Grã-

-Bre tanha t emia o encora jamen to que tal ação pode r i a dar aos

mov imen tos de independência nas suas colônias, e a União Sovié­

tica não queria n e n h u m a interferência na sua esfera de influência,

então em expansão. Além disso, os Estados Unidos t i nham inicial­

mente se opos to à sugestão da China de que a carta deveria incluir

u m a afirmação sobre a igualdade de todas as raças.

A pressão vinha de duas direções diferentes. Muitos estados

de t a m a n h o pequeno e médio na América Latina e na Ásia pediam

insistentemente mais atenção aos direitos h u m a n o s , em parte por­

que se ressentiam da dominação arrogante das grandes potências

sobre os procedimentos . Além disso, u m a mul t idão de organiza­

ções religiosas, trabalhistas, femininas e cívicas, a maior ia baseada

nos Estados Unidos , tentava influenciar d i re tamente os delegados

da conferência. Apelos urgentes feitos face a face po r representan­

tes do C o m i t ê Judaico Amer i cano , do C o m i t ê C o n j u n t o pela

Liberdade Relig iosa, do Congresso das Organizações Industriais

(CIO) e da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor

(NAACP) a judaram a m u d a r a visão de funcionár ios do Depar ta ­

m e n t o de Estado dos Estados Unidos, que conco rda ram em pôr os

direitos h u m a n o s na Carta das Nações Unidas . A União Soviética

e a Grã-Bretanha deram o seu consen t imento po rque a carta t am­

bém garantia que as Nações Unidas nunca in tervi r iam nos assun­

tos internos de um país. 2 4

O compromisso com os direitos h u m a n o s a inda não estava

n e m um pouco assegurado. A Car ta das Nações Unidas de 1945

enfatizava as questões de segurança in ternacional e dedicava ape­

nas a lgumas l inhas ao "respei to e c u m p r i m e n t o universa l dos

direitos h u m a n o s e das liberdades fundamenta is para todos , sem

dis t inção de raça, sexo, l íngua ou religião". Mas ela criava u m a

204

Comissão dos Direitos H u m a n o s , que dec id iu que sua p r ime i ra

tarefa devia ser o esboço de u m a car ta d o s d i re i tos h u m a n o s .

C o m o presidente da comissão, Eleanor Roosevelt d e s e m p e n h o u

um papel central ao conseguir que u m a declaração fosse rascu­

nhada e depois guiá-la pelo complexo processo de aprovação. John

Humphrey, um professor de direito de quaren ta anos da Universi­

dade McGill, no Canadá , p reparou um rascunho preliminar. Esse

texto t inha de ser revisado por toda a comissão, posto a circular po r

todos os Es tados-membros , depois revisto pelo Conselho Social e

Econômico e, se aprovado , enviado para a Assembleia Geral, na

qual devia ser p r imei ro considerado pelo Terceiro Comitê sobre

Assuntos Sociais, H u m a n i t á r i o s e Cul turais . O Terceiro Comi tê

t inha delegados de todos os Estados-membros , e quando o rascu­

n h o foi discut ido a União Soviética p ropôs emendas para quase

todos os ar t igos. O i t en ta e três reuniões (apenas do Terceiro

Comitê) e quase 170 emendas mais tarde, um rascunho foi sancio­

n a d o pa ra ser vo t ado . Por fim, em 10 de dezembro de 1948, a

Assembleia Geral ap rovou a Declaração Universal dos Direi tos

H u m a n o s . Quaren ta e oito países votaram a favor, oito países do

bloco soviético abstiveram-se e n e n h u m votou contra. 2 5

C o m o seus predecessores do século xvin, a Declaração Uni­

versal explicava n u m p r e â m b u l o por que esse p ronunc iamento

formal t inha se t o r n a d o necessário. "O desrespeito e o desprezo

pelos direitos h u m a n o s têm resultado em atos bárbaros que ofen­

d e r a m a consciência da humanidade" , afirmava. A variação em

re lação à l inguagem da Declaração francesa original de 1789 é

reveladora. Em 1789, os franceses t inham insistido que "a ignorân­

cia, a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as

únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental".

A " ignorância" e até a simples "negligência" já não eram possíveis.

Em 1948 todos sabiam, presumivelmente, qual era o significado

dos direitos h u m a n o s . Além disso, a expressão "males públicos" de

20S

Page 103: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

1789 n ã o captava a magni tude dos acontecimentos recentemente

e x p e r i m e n t a d o s . O desrespei to e o desprezo propos i ta i s pelos

direi tos h u m a n o s t i n h a m p r o d u z i d o atos de u m a b ru ta l idade

quase inimaginável.

A Declaração Universal n ã o reafirmava s implesmente as

noções de direitos individuais do século xvni, tais c o m o a igual­

dade perante a lei, a liberdade de expressão, a l iberdade de religião,

o direito de part icipar do governo, a proteção da propr iedade pr i ­

vada e a rejeição da tor tura e da punição cruel. Ela t a m b é m proibia

expressamente a escravidão e providenciava o sufrágio universal e

igual por votação secreta. Além disso, requeria a l iberdade de ir e

vir, o direito a u m a nacionalidade, o direito de casar e, com mais

controvérsia, o direito à segurança social; o direito de trabalhar,

com pagamento igual para t rabalho igual, t endo po r base um salá­

rio de subsistência; o direito ao descanso e ao lazer; e o direito à

educação, que devia ser grátis nos níveis elementares. N u m a época

de endurec imento das linhas de conflito da Guerra Fria, a Declara­

ção Universal expressava um con jun to de aspirações em vez de

u m a realidade p ron tamente alcançável. Delineava um conjunto de

obrigações mora i s para a c o m u n i d a d e mund ia l , m a s n ã o t inha

n e n h u m mecanismo de imposição. Se tivesse incluído um meca­

n i smo para i m p o r as obrigações mora is , nunca teria sido ap ro ­

vada. En t re t an to , apesar de todas as suas deficiências, o docu ­

m e n t o teria efeitos não de todo diferentes daqueles causados pelos

seus predecessores do século xviil. Por mais de c inquenta anos ele

tem estabelecido o padrão para a discussão e ação internacionais

sobre os direitos humanos .*

* Ver no Apêndice o texto comple to .

206

A Declaração Universal cr is ta l izou 150 anos de luta pelos

direitos. Duran te todo o século xix e o início do xx, algumas socie­

dades benevolentes t i n h a m m a n t i d o acesa a c h a m a dos direitos

h u m a n o s universais, enquan to as nações se voltavam para dent ro

de si mesmas. As principais organizações desse t ipo eram as socie­

dades inspiradas pelos quakers, fundadas para combater o tráfico

de escravos e a escravidão. A bri tânica Sociedade para a Abolição

do Tráfico de Escravos, criada em 1787, distribuía literatura e ima­

gens abolicionistas e organizava grandes campanhas de petições

dirigidas ao Parlamento. Os seus líderes desenvolveram laços p r ó ­

ximos com os abolicionistas nos Estados Unidos, na França e no

Caribe. Quando , em 1807, o Par lamento aprovou um projeto de lei

para acabar com a participação bri tânica no tráfico de escravos, os

abolicionistas deram um novo n o m e ao seu grupo, o de Sociedade

Ant iescravidão, e passa ram a organizar g randes campanhas de

petições para que o Par lamento abolisse a p rópr ia escravidão, o

que f inalmente aconteceu em 1833. A Sociedade Antiescravidão

Estrangeira e Britânica então t o m o u a ba tu ta e promoveu agita­

ções para o fim da escravidão em outros países, especialmente nos

Estados Unidos.

Por sugestão dos abolicionistas americanos, a sociedade bri­

tânica o rgan izou u m a convenção m u n d i a l ant iescravidão em

Londres , em 1840, pa ra coordenar a luta in ternacional cont ra a

escravidão. Apesar de os delegados terem se recusado a permit ir a

part icipação formal de mulheres abolicionistas, assim ajudando a

precipitar o movimento sufragista das mulheres, eles favoreceram

a causa internacional com o desenvolvimento de novos contatos

in te rnac iona i s , informações sobre as condições dos escravos e

resoluções que denunciavam a escravidão "como um pecado con­

tra Deus" e condenavam aquelas igrejas que a apoiavam, especial­

men te no sul dos Estados Unidos. Embora fosse dominada pelos

b r i t ân icos e amer icanos , a convenção " m u n d i a l " estabeleceu o

207

Page 104: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

molde para futuras campanhas internacionais pelo sufrágio das

mulheres , pela proteção do t rabalho infantil, pelos direitos dos tra­

balhadores e u m a legião de outras questões, algumas relacionadas

a direitos e out ras não, como a abstêmia. 2 6

Duran te as décadas de 1950 e 1960, a causa dos direitos h u m a ­

nos internacionais assumiu u m a posição de m e n o r impor tânc ia

em relação às lutas anticoloniais e de independência . Ao té rmino

da Pr imeira Guer ra Mundial , o presidente amer icano Woodrow

Wilson insistira no to r i amen te em que a paz d u r a d o u r a devia se

assentar sobre o princípio da autodeterminação nacional . "Todo

povo", insistia ele, " tem o direito de escolher a soberania sob a qual

deverá viver." Tinha em mente os poloneses, os tchecos e os sérvios

— não os africanos —, e ele e seus aliados concederam indepen­

dência à Polônia, à Tchecoslováquia e à Iugoslávia po rque se con­

sideravam no direito de dispor dos terri tórios antes controlados

pelas potências derrotadas. A Grã-Bretanha concordou em incluir

a a u t o d e t e r m i n a ç ã o nac iona l na Car ta Atlânt ica de 1941, que

e x p u n h a os p r inc íp ios compar t i l hados pelos Estados Unidos e

pela Grã-Bretanha para travar a guerra , mas Wins ton Churchi l l

insistiu que esse concei to se aplicava apenas à Europa , e não às

colônias da Grã-Bretanha. Os intelectuais africanos discordaram e

incorpora ram a questão à sua crescente campanha pela indepen­

dência. Embora as Nações Unidas tivessem deixado de tomar u m a

posição forte sobre a descolonização nos seus pr imei ros anos, já

em 1952 haviam concordado em tornar a au todeterminação u m a

par te oficial do seu p r o g r a m a . A maior ia dos es tados africanos

recuperou a sua independência , pacificamente ou pela força, na

década de 1960. Embora às vezes incorporassem nas suas consti­

tuições os direitos enumerados , por exemplo, na Convenção Euro­

peia para a Proteção dos Direitos H u m a n o s e Liberdades Funda­

mentais de 1950, a garantia legal dos direitos foi f requentemente

vít ima dos caprichos da política internacional e intertr ibal . 2 7

208

Nas décadas depois de 1948, formou-se aos t rancos e ba r ran ­

cos um consenso internacional sobre a impor tânc ia de se defender

os direitos h u m a n o s . A Declaração Universal é mais o início do

processo do que o seu apogeu . Em n e n h u m o u t r o lugar o p r o ­

gresso dos direitos h u m a n o s foi mais visível do que entre os comu­

nistas, que t inham resistido por tanto t empo a esse apelo. Desde o

início da década de 1970, os par t idos comunis tas da Europa Oci­

dental re tornaram a u m a posição mui to semelhante à exposta po r

Jaurès na França na virada do século. Eles subst i tu í ram "a di tadura

do p ro le t a r i ado" nas suas p la ta formas oficiais pelo avanço da

democracia e endossaram explicitamente os direitos h u m a n o s . No

final da década de 1980, o bloco soviético começou a se mover na

mesma direção. O secretário-geral do Partido Comunis ta Mikhail

Gorbatchev propôs ao Congresso do Partido Comunis ta de 1988,

em Moscou, que a União Soviética fosse a part i r daquela data um

Estado sob o domín io da lei com "a máxima proteção para os direi­

tos e a l iberdade do indivíduo soviético". Naquele mesmo ano, foi

cr iado pela pr imeira vez um depar tamento de direitos h u m a n o s

n u m a escola de direito soviética. Ocorrera certa convergência. A

Declaração Universal de 1948 incluía direitos sociais e econômicos

— o direi to à segurança social, o direito ao t rabalho , o direito à

educação, por exemplo —, e nos anos 1980 a maioria dos part idos

socialistas e comunistas havia desistido de sua anterior hostilidade

aos direitos políticos e civis. 2 8

As organizações não governamentais (agora chamadas ONGS)

n u n c a desapareceram, mas ganharam mais influência internacio­

nal a par t i r do início da década de 1980, em grande parte por causa

da difusão da própr ia globalização, ONGS como Anistia Internacio­

nal ( fundada em 1961), Anti-Slavery In ternat ional (uma cont i­

nuação da Sociedade Antiescravidão), H u m a n Rights Watch (fun­

dada em 1978) e Médicos sem Fronteiras (fundada em 1971), para

não falar em incontáveis grupos locais cujas atividades são desco-

209

Page 105: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

nhecidas fora de suas regiões, providenciaram apoio fundamental

para os direitos h u m a n o s nas úl t imas décadas. Essas ONGS frequen­

temente exerceram mais pressão sobre governos danosos e contri­

b u í r a m mais para sanar a fome, a doença e o t ra tamento brutal de

diss identes e m i n o r i a s do que as p róp r i a s Nações Unidas , mas

quase todas elas basearam os seus programas nos direitos articula­

dos n u m a ou n o u t r a parte da Declaração Universal. 2 9

Desnecessário dizer que ainda é mais fácil endossar os direitos

h u m a n o s do que os impor. O fluxo constante de conferências e con­

venções internacionais contra o genocídio, a escravidão, o uso da

tor tura e o racismo e a favor da proteção das mulheres, crianças e

minorias most ra que os direitos h u m a n o s ainda precisam ser res­

gatados. As Nações Unidas adota ram u m a Convenção Suplemen­

tar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das

Inst i tuições e Práticas Análogas à Escravatura em 1956, p o r é m

ainda assim estima-se que haja 27 milhões de escravos no m u n d o

hoje. Aprova ram a Convenção cont ra a Tor tura e Ou t ros Trata­

mentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes em 1984 por­

que a tor tura não desapareceu, quando suas formas judiciais foram

abolidas no século xvm. Em vez de ser empregada n u m cenário

legalmente sancionado, a tor tura passou aos quartos dos fundos da

polícia e das forças militares secretas, e n e m tão secretas, dos Esta­

dos mode rnos . Os nazistas au tor izaram explicitamente o uso do

"aperto" contra os comunistas, as tes temunhas de Jeová, os sabota-

dores, os terroristas, os dissidentes, os "elementos antissociais" e os

"vagabundos poloneses ou soviéticos". As categorias já não são exa­

tamente as mesmas, mas a prática resiste. A África do Sul, os france­

ses na Argélia, o Chile, a Grécia, a Argentina, o Iraque, os america­

nos em Abu G h r a i b — a lista jamais termina. A esperança de acabar

com os "atos bárbaros" ainda não se to rnou realidade. 3 0

210

O S L I M I T E S D A E M P A T I A

O que devemos concluir do r e s su rg imen to da t o r t u r a e da

l impeza étnica, do emprego con t inuado do es tupro como a rma de

guerra, da opressão cont inuada das mulheres , do crescente tráfico

sexual de crianças e mulheres e das práticas subsistentes da escra­

vidão? Os direitos h u m a n o s nos desapon ta ram por se mos t ra rem

inadequados para a sua tarefa? Um paradoxo entre distância e p ro ­

ximidade está em ação nos t empos mode rnos . Por um lado, a difu­

são da capacidade de ler e escrever e o desenvolvimento de roman­

ces, jornais , rádio, filmes, televisão e in terne t t o r n a r a m possível

que mais e mais pessoas s in tam empat ia por aqueles que vivem em

lugares distantes e em circunstâncias m u i t o diferentes. Fotos de

crianças m o r r e n d o de fome em Bangladesh ou relatos de milhares

de h o m e n s e m e n i n o s assass inados em Srebrenica, na Bósnia,

p o d e m mobilizar milhões de pessoas para que enviem dinheiro,

mercadorias e às vezes a si própr ias c o m o ajuda ao povo de outros

lugares, ou para que exortem seus governos ou organizações inter­

nacionais a intervir. Por ou t ro lado, relatos em pr imeira mão con­

t am como vizinhos em Ruanda se matavam uns aos outros, com

furiosa b ru ta l idade , po r causa da e tnic idade. Essa violência em

close está longe de ser excepcional ou recente: os judeus, os cristãos

e os m u ç u l m a n o s t e n t a m há m u i t o t e m p o explicar po r que o

bíblico Caim, filho de Adão e Eva, ma tou seu i rmão Abel. À medida

que se passam os anos depois das atrocidades nazistas, pesquisas

cuidadosas t êm mos t rado que seres h u m a n o s comuns , sem ano­

malias psicológicas n e m paixões políticas ou religiosas, podem ser

i nduz idos , nas c i rcuns tâncias "corretas", a empreende r o que

sabem ser assassinato em massa em combates corpo a corpo. Os

to r turadores na Argélia, na Argent ina e em Abu Ghraib também

começaram como soldados comuns . Os tor turadores e os assassi-

211

Page 106: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

nos são c o m o nós e f requentemente infligem dor a pessoas que

estão b e m diante deles. 3 1

Assim, embora as formas modernas de comunicação t enham

expandido os meios de sentir empat ia pelos outros , elas não t êm

sido capazes de assegurar que os homens ajam com base nesse sen­

t imento de camaradagem. A ambivalência quanto à força da empa­

tia pode ser e n c o n t r a d a do século xvin em diante , t endo sido

expressa até por aqueles que empreenderam explicar a sua opera­

ção. Na sua Teoria dos sentimentos morais, Adam Smith considera a

reação de " u m h o m e m humani tá r io na Europa" ao ficar sabendo de

um ter remoto na China que mata centenas de milhões de pessoas.

Ele dirá todas as coisas adequadas, prediz Smith, e cont inuará com

as suas atividades c o m o se nada tivesse acontecido. Se, em con­

traste, soubesse que perderia o dedo m í n i m o no dia seguinte, ele se

agitaria e viraria de um lado para o out ro a noite inteira. Estaria dis­

posto a sacrificar as centenas de milhões de chineses em troca do seu

dedo mínimo? Não, não estaria, afirma Smith. Mas o que leva u m a

pessoa a resistir a essa barganha? "Não é a força maleável da h u m a ­

nidade", insiste Smith, que nos torna capazes de agir contra o inte­

resse próprio . Tem de ser u m a força mais forte, a da consciência: "É

a razão, o princípio, a consciência, o habitante do peito, o h o m e m

interior, o grande juiz e árbitro da nossa conduta". 3 2

A própr ia lista de Smith em 1759 — razão, pr incípio, cons­

ciência, o h o m e m interior — capta um elemento impor tan te no

estado atual do debate sobre empat ia . O que é suf ic ientemente

forte para nos mot ivar a agir com base em nosso sen t imento de

camaradagem? A heterogeneidade da lista de Smith indica que ele

p r ó p r i o t i nha a lgum p r o b l e m a pa ra r e sponde r essa ques tão :

"razão" é s inônimo de "o habi tante do peito"? Smith parecia acre­

ditar, como muitos ativistas dos direitos h u m a n o s hoje em dia, que

u m a combinação de invocações aos princípios dos direitos e ape­

los emocionais ao sent imento de camaradagem p o d e m to rna r a

212

empat ia mora lmen te mais eficaz. Os críticos daquela época e m u i ­

tos críticos atuais responder iam que um senso de dever religioso

mais elevado precisa ser ativado para fazer a empat ia funcionar. Na

opinião deles os h u m a n o s não p o d e m vencer a sua propensão inte­

r ior à apatia ou ao mal por conta própria . Um antigo presidente da

Amer i can Bar Associat ion [ O r d e m dos Advogados amer icana]

expressou essa opinião c o m u m . " Q u a n d o os seres h u m a n o s não

são vistos c o m o semelhantes a Deus", disse ele, "os seus direitos

básicos p o d e m mui to b e m perder a sua raison d'être metafísica."

Sozinha, a ideia dos atr ibutos h u m a n o s comuns não é suficiente. 3 3

A d a m Smi th focaliza u m a ques tão q u a n d o há rea lmente

duas. Smith considera que a empat ia por aqueles distantes está na

m e s m a categoria dos sent imentos por aqueles que nos são próxi­

mos , apesar de reconhecer que o que nos confronta diretamente é

mu i to mais mot ivador do que os problemas enfrentados por aque­

les que estão distantes. As duas questões, por tanto, são: o que pode

nos mo t iva r a agir c o m base em nossos sen t imentos pelos que

estão distantes, e o que faz o sent imento de camaradagem entrar

n u m tal colapso que p o d e m o s torturar , aleijar ou até matar os que

nos são mais próximos? A distância e a proximidade, os sent imen­

tos positivos e os negativos, t udo tem de entrar na equação.

Da m e t a d e do século xvin em diante , e precisamente po r

causa do surg imento de u m a noção dos direitos humanos , essas

tensões se t o rna ram cada vez mais mortíferas. Todos os que faziam

campanhas contra a escravidão, a tor tura legal e o castigo cruel no

final do século xvin realçavam a c rue ldade nas suas narrat ivas

e m o c i o n a l m e n t e a r reba tadoras . Eles p re t end iam provocar a

repulsa, mas o desper ta r de sensações, por meio da leitura e da

visão de gravuras explícitas do sofrimento, n e m sempre podia ser

c u i d a d o s a m e n t e canal izado. Da m e s m a forma, o romance que

suscitava u m a a tenção in tensa pa ra os sofrimentos de moças

c o m u n s assumiu outras formas mais sinistras no final do século

213

Page 107: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

XVIII. O romance gótico, exemplificado por The Monk (1796), cie Mat thew Lewis, apresentava cenas de incesto, es tupro, tortura I

assassinato, e essas cenas sensacionalistas parec iam ser cada vez mais a razão do exercício, em de t r imento do estudo dos sentimcn

tos in ter iores ou resul tados mora i s . O m a r q u ê s de Sade fez o

romance gótico dar um passo além para se t ransformar n u m a por

nografia explícita da dor, reduzindo del iberadamente a seu núcleo

sexual as longas e dilatadas cenas de sedução de romances mais

antigos, c o m o Clarissa, de Richardson. Sade visava revelar os sig­

nificados ocultos dos romances anteriores: sexo, dominação, dor I poder em vez de amor, empat ia e benevolência. O "direito natural"

para ele significava apenas o direito de agarrar o máx imo de poder

possível e sentir prazer em brandi- lo sobre os outros . Não é mero

acaso que Sade t enha escri to quase t odos os seus romances na

década de 1790, duran te a Revolução Francesa. 3 4

Assim, a noção dos direitos h u m a n o s t rouxe na sua esteira

toda u m a sucessão de gêmeos malignos. A reivindicação de direi­

tos universais, iguais e naturais estimulava o crescimento de novas

e às vezes fanáticas ideologias da diferença. Alguns novos modos de

ganhar compreensão empática abr i ram o caminho para um sen­

sacionalismo da violência. O esforço para expulsar a crueldade de

suas amarras legais, judiciais e religiosas tornava-a mais acessível

como u m a ferramenta diária de dominação e desumanização. Os

crimes inteiramente desumanos do século xx só se t o rna ram con­

cebíveis quando todos p u d e r a m afirmar serem m e m b r o s iguais da

família humana . O reconhecimento dessas dualidades é essencial

para o futuro dos direitos h u m a n o s . A empat ia n ã o se exaur iu ,

c o m o alguns t êm afirmado. Mais do que nunca , t o rnou - se u m a

força mais poderosa para o bem. Mas o efeito compensa tór io de

violência, dor e dominação t a m b é m é maior do que nunca . 3 5

Os direitos h u m a n o s são o único baluar te que par t i lhamos

comumen te contra esses males. Ainda devemos aperfeiçoar cont i -

214

nuamente a versão dos direitos h u m a n o s do século xviil, para se

assegurar que o " H u m a n o s " na Declaração Universal dos Direitos

11 umanos el imine todas as ambiguidades do " h o m e m " nos "direi-

tos do homem" . A cascata de direi tos con t inua , e m b o r a sempre

com um grande conflito sobre c o m o ela deve fluir: o direito de u m a

mulher a escolher versus o direito de um feto a viver, o direito de

morrer com dignidade versus o direito absoluto à vida, os direitos

dos inválidos, os direitos dos homossexuais , os direitos das crian­

ças, os direi tos dos an imais — os a rgumen tos n ã o t e r m i n a r a m ,

nem vão t e rmina r . Os que fizeram c a m p a n h a s pelos direi tos

h u m a n o s no século xvin p o d i a m c o n d e n a r os seus opos i tores

como tradicionalistas insensíveis, interessados apenas em man te r

u m a o rdem social baseada antes na desigualdade, na part iculari­

dade e no cos tume histór ico do que na igualdade, na universali­

dade e nos direitos naturais . Mas já não p o d e m o s nos dar ao luxo

de u m a simples rejeição de visões mais antigas. Na out ra ponta da

luta pelos direitos h u m a n o s , q u a n d o a crença neles se torna mais

difundida, t emos de enfrentar o m u n d o que foi forjado po r esse

esforço. Temos de imaginar o que fazer com os tor turadores e os

assassinos, como prevenir o seu surgimento no futuro sem deixar

de reconhecer, o t empo todo , que eles são nós. Não podemos n e m

tolerá-los n e m desumanizá- los .

A es t ru tura dos direitos h u m a n o s , com seus órgãos interna­

cionais, cortes internacionais e convenções internacionais, talvez

seja exasperadora na sua lent idão para reagir ou na sua repetida

incapacidade de atingir seus objetivos principais, mas não existe

n e n h u m a es t ru tu ra mais adequada para confrontar essas ques­

tões . As cor tes e as organizações governamenta is , por mais que

t e n h a m alcance internacional , serão sempre freadas por conside­

rações geopolíticas. A história dos direitos h u m a n o s most ra que os

direitos são afinal mais b e m defendidos pelos sent imentos, con­

vicções e ações de mult idões de indivíduos, que exigem respostas

215

Page 108: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

correspondentes ao seu senso ín t imo de afronta. O pastor protes

tante Rabaut Saint-Étienne já t inha compreend ido essa verdade

em 1787, q u a n d o escreveu ao governo francês para reclamar dos

defeitos do novo edito que oferecia tolerância religiosa aos protes­

tantes. "Chegou a hora", disse ele, "em que não é mais aceitável que

u m a lei invalide aber tamente os direitos da humanidade , que são

mui to b e m conhecidos em todo o mundo ." As declarações — em

1776, 1789 e 1948 — providenc ia ram u m a pedra de toque para

esses direitos da human idade , recorrendo ao senso do que "não é

mais aceitável" e a judando, por sua vez, a tornar as violações ainda

mais inadmissíveis. O processo t inha e tem em si u m a inegável cir­

cularidade: conhecemos o significado dos direitos h u m a n o s por­

que nos afligimos q u a n d o são violados. As verdades dos direitos

h u m a n o s talvez sejam paradoxais nesse sentido, mas apesar disso

ainda são autoevidentes.

216

A P Ê N D I C E

Três declarações 1776,1789,1948

Page 109: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Declaração da Independência, 1776

NO CONGRESSO, 4 de julho de 1776.

A Declaração unânime dos treze Estados unidos da América.

Q u a n d o , no Curso dos acontec imentos h u m a n o s , torna-se

necessário que um povo dissolva os laços políticos que o ligam a

ou t ro e assuma entre as potências da Terra a posição separada e

igual a que lhe dão direito as Leis da Natureza e do Deus da Natu­

reza, um respeito decente pelas opiniões da h u m a n i d a d e requer

que ele declare as causas que o impelem à separação.

C o n s i d e r a m o s estas verdades au toevidentes : que todos os

h o m e n s são cr iados iguais, do t ados pelo seu Cr iador de cer tos

Direitos inalienáveis, que ent re estes estão a Vida, a Liberdade e a

busca da Felicidade. — Q u e para assegurar esses direitos, Gover­

nos são inst i tuídos entre os H o m e n s , der ivando seus justos p o d e ­

res do consen t imen to dos governados. — Que , sempre que qua l ­

quer Fo rma de Governo se to rne destrutiva desses fins, é Direi to

do Povo alterá-la ou aboli- la , e ins t i tu i r novo Governo , assen-

219

Page 110: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

t a n d o sua fundação nesses p r inc íp io s e o r g a n i z a n d o os seus

poderes da forma que lhe pareça mais conveniente para a realiza­

ção da sua Segurança e Felicidade. A prudência , de fato, dita que

os Governos estabelecidos há m u i t o t e m p o não devem ser m u d a ­

dos p o r causas superficiais e t rans i tó r ias ; e, ass im sendo , toda

experiência t em m o s t r a d o que a h u m a n i d a d e está mais disposta

a sofrer, e n q u a n t o os males são suportáveis , do que a se desagra­

var abol indo as formas a que está acos tumada . Mas q u a n d o u m a

longa sequência de abusos e usurpações , perseguindo invariavel­

men te o m e s m o Objeto, revela o desígnio de reduzir o povo a um

D e s p o t i s m o abso lu to , é seu d i re i to , é seu dever, d e r r u b a r tal

Governo, e providenciar novos Guardiães para sua futura segu­

rança. — Tal t em sido a tolerância paciente destas Colônias; e tal

é agora a necessidade que as força a alterar os Sistemas anter iores

de Governo . A história do presente Rei da Grã-Bre tanha é u m a

história de repetidas injúrias e usurpações , todas t endo po r obje­

tivo direto o estabelecimento de u m a Tirania absoluta sobre estes

Es tados . Para p rová - lo , que os Fatos sejam s u b m e t i d o s a um

m u n d o hones to .

Ele recusou Assent imento a Leis, as mais salutares e necessá­

rias para o b e m público.

Ele pro ib iu aos Governadores aprovar Leis de impor tânc ia

imediata e urgente, a menos que sua aplicação fosse suspensa até

que se obtivesse seu Assentimento; e, quando assim suspensas, dei­

xou totalmente de lhes dar atenção.

Ele recusou aprovar outras Leis para acomodar grandes dis­

t r i tos de pessoas, a m e n o s que essas pessoas abr i s sem m ã o do

direito de Representação no Legislativo, um direi to inest imável

para elas e temível apenas para os t i ranos.

Ele convocou os corpos legislativos a se reunir em lugares inu­

sitados, desconfortáveis e distantes dos locais em que se gua rdam

220

os Arquivos públicos, c o m o único propósi to de fatigá-los até que

se submetessem a suas medidas .

Ele dissolveu as Câmaras de Representantes repet idas vezes,

por se oporem com firmeza viril a suas invasões dos direitos do povo.

Ele recusou por m u i t o t empo , depois dessas dissoluções, fazer

com que outros fossem eleitos; com isso, os pode res Legislativos,

incapazes de Aniqu i lação , r e t o r n a r a m ao Povo em geral p a r a

serem exercidos; p e r m a n e c e n d o o Estado, nesse m e i o - t e m p o ,

expos to a t odos os per igos de invasão ex te rna ou convulsão

interna.

Ele se e m p e n h o u em impedi r o povoamen to desses Estados,

obs t ru indo para esse fim as Leis de Naturalização de Estrangeiros,

recusando aprovar out ras que encorajassem as migrações para cá,

e i m p o n d o mais condições para novas Apropr iações de Terras.

Ele dificultou a Adminis t ração da Justiça, recusando Assenti­

m e n t o a Leis que estabeleciam poderes Judiciários.

Ele t o rnou os Juízes dependentes apenas da Vontade do sobe­

rano quan to à posse dos cargos e ao valor e pagamen to dos salários.

Ele cr iou u m a m u l t i d ã o de Novos Cargos, e para cá enviou

enxames de Oficiais para a to rmen ta r o nosso povo e devorar-lhe

comple tamente a substância.

Ele manteve entre nós , em tempos de paz, Exércitos Perma­

nentes sem o Consen t imen to de nossos corpos legislativos.

Ele t en tou tornar o pode r Militar independente e superior ao

poder Civil.

Ele combinou com out ros para nos submeter a u m a jurisdi­

ção alheia à nossa Const i tuição e não reconhecida pelas nossas leis;

d a n d o Assent imento a seus Atos de pretensa legislação:

Para Aquartelar grandes corpos de tropas armadas entre nós;

Para protegê-las, po r um ar remedo de Julgamento, da pun i ­

ção po r quaisquer Assassinatos que viessem a cometer contra os

Habi tantes destes Estados;

221

Page 111: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Para co r t a r o nosso Comérc io c o m todas as regiões do

m u n d o ;

Para fixar Impostos sem o nosso Consent imento ;

Para nos privar, em mui tos casos, dos benefícios do Julga­

m e n t o pelo Júri;

Para nos t r a n s p o r t a r a l é m - M a r pa ra se rmos ju lgados po r

pretensos delitos;

Para abolir o Sistema livre de Leis Inglesas n u m a Província

vizinha, aí estabelecendo um governo Arbitrário e ampl iando- lhe

as fronteiras, a fim de torná- lo, ao m e s m o tempo, um exemplo e

um i n s t r u m e n t o a d e q u a d o para i n t roduz i r o m e s m o d o m í n i o

absoluto nestas Colônias;

Para nos t omar as nossas Cartas, abol indo as nossas Leis mais

valiosas e a l t e r ando f u n d a m e n t a l m e n t e as Formas de nossos

Governos;

Para suspender os nossos Corpos Legislativos, declarando-se

investido do poder para legislar para nós em todo e qualquer caso.

Ele abdicou do Governo aqui, ao nos declarar fora da sua p ro ­

teção e travar Guerra contra nós.

Ele s aqueou os nossos mares , devas tou as nossas Costas ,

incendiou as nossas cidades e destruiu a vida de nosso povo.

Ele está, neste m o m e n t o , t r anspor tando grandes Exércitos de

Mercenários estrangeiros para completar a obra de mor te , desola­

ção e tirania, já iniciada em circunstâncias de Crueldade & perfídia

quase sem paralelo nas eras mais bárbaras e totalmente indignas

do Chefe de u m a nação civilizada.

Ele obrigou nossos concidadãos Aprisionados em al to-Mar a

pegar em armas contra o p rópr io País deles, a se tornar os carras­

cos de seus amigos e I rmãos, ou a t o m b a r e m eles própr ios pelas

Mãos desses seus semelhantes.

Ele p rovocou insurre ições domés t icas ent re nós , e e m p e ­

n h o u - s e em lançar sobre os hab i tan tes de nossas fronteiras os

222

cruéis índ ios Selvagens, cuja conhecida regra de g u e r r a é a destrui­

ção de todos sem distinção de idade, sexo e cond ições .

Em t o d a etapa dessas Opressões , N ó s f i zemos Pedidos de

Reparação nos te rmos mais humildes : Nossas repet idas Petições só

t êm recebido como resposta repetidas injúrias. Um Príncipe cujo

caráter é assim marcado por t odo ato que define um Tirano é ina­

propr iado para ser o governante de um povo livre.

Tampouco temos sido descorteses com nossos i rmãos bri t tâ-

nicos [sic]. De tempos em tempos , nós os t e m o s a ler tado sobre as

tentativas de seu legislativo no sentido de estender sobre nós u m a

jurisdição injustificável. Temos lhes l embrado as circunstâncias de

nossa emigração e colonização. Temos apelado à sua justiça e mag­

nan imidade nativas, e temos rogado, pelos laços de nosso paren­

tesco c o m u m , que desautorizem essas usurpações que in ter rom­

pe r i am, inevi tavelmente , as nossas ligações e co r respondênc ia .

Eles t a m b é m t êm sido surdos à voz da justiça e da consanguini ­

dade . Devemos , po r t an to , admi t i r a necess idade, que denunc ia

nossa Separação , e cons iderá- los , ass im c o m o c o n s i d e r a m o s o

resto da human idade , Inimigos na Guerra, Amigos na Paz.

N ó s , p o r t a n t o , os Representantes dos Es tados Unidos da

Amér ica , Reun idos em Congresso Geral , a p e l a n d o ao Juiz Su­

p r e m o do m u n d o pela ret idão de nossas intenções, publ icamos e

dec l a r amos so lenemente , em N o m e e p o r Au to r idade do b o m

Povo destas Colônias, que estas Colônias Unidas são e por direito

devem ser Estados Livres e Independentes; que elas estão Desobri­

gadas de toda Vassalagem para com a Coroa Britânica, e que todo

vínculo político entre elas e o Estado da Grã-Bretanha é e deve ser

to ta lmente dissolvido; e que, como Estados Livres e Independen­

tes, elas t ê m pleno Poder para declarar Guerra, concluir a Paz, con­

t ra i r Al ianças , estabelecer Comérc io e pra t icar todos os ou t ros

223

Page 112: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Atos e Negócios que os Estados Independen tes t êm o direito de

fazer. E para apoiar esta Declaração, com u m a firme confiança na

p ro teção da Divina Providência , e m p e n h a m o s m u t u a m e n t e as

nossas Vidas, as nossas For tunas e a nossa sagrada Honra .

Fonte: Paul Leicester Ford, ed., The Writings of Thomas Jeffer­son, 10 vols. (Nova York: G. P. Putnam's Sons, 1892-9), vol. 2, pp.

42-58; <www.archives .gov/nat ional-archives-exper ience/char-

ters /declarat ion_transcr ipt .html>.

224

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789

Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia

Naciona l e c o n s i d e r a n d o que a ignorânc ia , a negligência ou o

menosprezo dos direitos do h o m e m são as únicas causas dos males

públ icos e da co r rupção governamenta l , resolveram apresentar

n u m a declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagra­

dos do h o m e m : pa ra que esta declaração, p o r estar cons tan te ­

men te presente a todos os membros do corpo social, possa sempre

l embra r a todos os seus direi tos e deveres; para que os atos dos

poderes Legislativo e Executivo, p o r es tarem a t o d o m o m e n t o

sujeitos a u m a c o m p a r a ç ã o c o m o objetivo de toda ins t i tu ição

política, possam ser mais p lenamente respeitados; e para que as

demandas dos cidadãos, po r estarem a partir de agora fundamen­

tadas em princípios simples e incontestáveis, possam sempre visar

a man te r a Consti tuição e o bem-estar geral.

Em consequênc ia , a Assembleia Nacional reconhece e

declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguin­

tes direitos do h o m e m e do cidadão:

1. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direi -

225

Page 113: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

tos . As d is t inções sociais só p o d e m ser baseadas na ut i l idade

c o m u m .

2 . 0 objetivo de toda associação política é a preservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do h o m e m . Esses direitos são a

l iberdade, a propr iedade, a segurança e a resistência à opressão.

3. O p r inc íp io de toda soberan ia reside essencia lmente na

nação . N e n h u m corpo e n e n h u m ind iv íduo p o d e exercer u m a

autor idade que não emane expressamente da nação.

4. A liberdade consiste em poder fazer t udo o que não preju­

d ique o o u t r o : assim, o exercício dos direi tos na tu ra i s de cada

h o m e m não tem outros limites senão aqueles que asseguram aos

ou t ro s m e m b r o s da sociedade o desfrute dos m e s m o s direi tos.

Esses limites só p o d e m ser de terminados pela lei.

5. A lei só tem o direito de proibir aquelas ações que são pre­

judiciais à sociedade. N e n h u m obstáculo deve ser in terpos to ao

que a lei não proíbe, n e m pode alguém ser forçado a fazer o que a

lei não ordena.

6. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos t êm

o direito de participar, em pessoa ou por meio de seus representan­

tes, na sua formação. Deve ser a mesma para todos , quer proteja,

quer penalize. Todos os cidadãos, sendo iguais a seus olhos, são

igualmente admissíveis a todas as dignidades, cargos e empregos

públicos, segundo a sua capacidade e sem n e n h u m a out ra distin­

ção que não seja a de suas vir tudes e talentos.

7 . N e n h u m h o m e m p o d e ser indic iado, preso ou de t ido

exceto em casos determinados pela lei e segundo as formas que a

lei prescreve. Aqueles que solicitam, lavram, executam ou m a n ­

d a m executar ordens arbitrárias devem ser punidos ; mas os cida­

dãos int imados ou detidos por força da lei devem obedecer ime­

diatamente, to rnando-se culpados pela resistência.

8. Apenas punições estrita e obviamente necessárias p o d e m

ser estabelecidas pela lei, e n inguém pode ser p u n i d o senão po r

226

força de u m a lei estabelecida e p r o m u l g a d a an t e s do t e m p o do

delito, e legalmente aplicada.

9. Sendo todo h o m e m considerado inocente até ser declarado

culpado, se for cons iderado indispensável p rendê - lo , t o d o r igor

desnecessário para deter a sua pessoa deve ser severamente repri­

mido pela lei.

10. N inguém deve ser molestado por suas opiniões , m e s m o as

religiosas, desde que sua manifes tação n ã o p e r t u r b e a o r d e m

pública estabelecida pela lei.

11. A livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos

mais preciosos direitos do h o m e m . Todo cidadão pode, por tan to ,

falar, escrever e publicar livremente, se aceitar a responsabilidade por

qualquer abuso dessa liberdade nos termos estabelecidos pela lei.

12. A salvaguarda dos direitos do h o m e m e do cidadão requer

u m a força pública. Essa força é, por tan to , insti tuída para o bem de

todos , e não para o benefício privado daqueles a q u e m é confiada.

13. Para a manu tenção da autor idade pública e para as despe­

sas da admin i s t r ação , a t r ibu tação c o m u m é indispensável . Ela

deve ser dividida igualmente entre todos os cidadãos de acordo

com sua capacidade de pagar.

14. Todos os cidadãos têm o direito de exigir, por si mesmos

ou por meio de seus representantes, que lhes seja demonst rada a

necessidade dos impostos públicos, de concordar livremente com

a sua existência, de acompanhar o seu emprego e de determinar os

meios de distribuição, avaliação e arrecadação, bem como a dura ­

ção dos impostos .

15. A sociedade tem o direito de considerar que todo agente

público da adminis t ração deve prestar contas de seus atos.

16. Não possui Const i tuição a sociedade em que a garantia

dos d i re i tos n ã o esteja assegurada ou a separação dos poderes

estabelecida.

17. C o m o a p rop r i edade é um direito inviolável e sagrado,

227

Page 114: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

n i n g u é m p o d e ser dela pr ivado, a não ser q u a n d o a necessidade

públ ica lega lmente comprovada a requei ra indubi tave lmente e

sob condição de u m a justa e prévia compensação.

Fonte: La Constitution française, Présentée au Roi par

l'Assemblée Nationale, le 3 septembre 1791 (Paris, 1791).

228

Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948

PREÂMBULO

Visto que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

m e m b r o s da família h u m a n a e de seus direitos iguais e inalienáveis

é o fundamento da l iberdade, da justiça e da paz no m u n d o ,

Visto que o desrespeito e o desprezo pelos direitos h u m a n o s

t êm resultado em atos bárbaros que ofenderam a consciência da

h u m a n i d a d e e que o advento de um m u n d o em que os seres h u m a ­

nos t enham liberdade de expressão e crença e a liberdade de viver

sem m e d o e privações foi proclamado como a aspiração mais ele­

vada do h o m e m c o m u m ,

Visto que é essencial que os direitos humanos sejam protegidos

pelo estado de direito, para que o h o m e m não seja compel ido a

recorrer, em última instância, à rebelião contra a tirania e a opressão,

Visto que é essencial p romover o desenvolvimento de rela­

ções amistosas entre as nações,

Visto que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta,

sua fé nos direitos h u m a n o s fundamentais , na dignidade e valor da

pessoa h u m a n a e na igualdade de direitos dos homens e mulheres,

229

Page 115: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

e que decidi ram promover o progresso social e melhores padrões de vida em maior liberdade,

Visto que os Es tados-membros se comprome te ram a desen­volver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos h u m a n o s e liberdades fundamentais e o c u m p r i m e n t o desses direitos e liberdades,

Visto que u m a compreensão c o m u m desses direitos e liber­dades é da ma io r impor tânc ia para o p leno c u m p r i m e n t o desse compromisso ,

A ASSEMBLEIA GERAL proclama ESTA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS

DIREITOS HUMANOS c o m o um ideal c o m u m a ser a lcançado p o r

todos os povos e todas as nações, para que todo indivíduo e todo

órgão da sociedade, t endo sempre em mente esta Declaração, p ro­

cure, pelo ens inamen to e pela educação, p r o m o v e r o respeito a

esses direitos e l iberdades e, po r medidas progressivas de caráter

nacional e internacional, assegurar o seu reconhecimento e cum­

pr imen to universais e efetivos, tan to entre os povos dos própr ios

E s t a d o s - m e m b r o s c o m o en t re os povos dos te r r i tó r ios sob sua

jurisdição.

Artigo 1". Todos os seres h u m a n o s nascem livres e iguais em

dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem

agir uns para com os outros n u m espírito de fraternidade.

Artigo 2'-. Todo ser h u m a n o pode fruir de todos os direitos e

liberdades apresentados nesta Declaração, sem dist inção de qual­

quer sorte, c o m o raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política

ou de ou t ra ordem, origem nacional ou social, bens, nascimento

ou qualquer ou t ro status. Além disso, n e n h u m a distinção deve ser

feita com base no status político, jurisdicional ou internacional do

país ou ter r i tór io a que u m a pessoa per tence , seja ele te r r i tór io

230

independente , sob tutela, não a u t ô n o m o ou com qualquer ou t ra

l imitação de soberania.

Artigo 3 1 '. Todo ser h u m a n o t em direito à vida, à l iberdade e à

segurança pessoal.

Artigo 4". N inguém deve ser man t ido em escravidão ou servi­

dão: a escravidão e o tráfico de escravos devem ser proibidos em

todas as suas formas.

Artigo 5e. N inguém deve ser submet ido à to r tu ra ou a um tra­

t amen to ou punição cruel, desumano ou degradante .

Artigo 6". Todo ser h u m a n o tem o direito de ser reconhecido,

po r toda parte, c o m o u m a pessoa perante a lei.

Artigo 7\ Todos são iguais pe ran te a lei e t ê m direi to, sem

qualquer distinção, a u m a proteção igual da lei. Todos têm direito

a u m a proteção igual cont ra qualquer discriminação que viole esta

Declaração e contra qualquer inci tamento a tal discriminação.

Artigo 8". Todo ser h u m a n o tem direito a receber, dos t r ibu­

nais nacionais competentes , u m a reparação efetiva para atos que

violem os direitos fundamentais a ele concedidos pela constituição

ou pela lei.

Artigo 9". N inguém deve ser submet ido à prisão, à detenção

ou ao exílio arbitrários.

Artigo 10. Todo ser h u m a n o tem direito, em total igualdade, a

u m a audiência justa e pública, por parte de um tr ibunal indepen-

231

Page 116: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

dente e imparcial , para a determinação de seus direitos e deveres e

de qualquer acusação criminal contra a sua pessoa.

Artigo 11.(1) Todo ser h u m a n o acusado de um delito t em

direito à presunção de inocência até que seja provada a sua culpa

de acordo com a lei, n u m julgamento público em que lhe t enham

sido asseguradas todas as garantias necessárias para a sua defesa.

(2) N inguém deve ser considerado culpado por qualquer ato

ou omissão que não constituía delito perante o direito nacional ou

internacional na época em que foi cometido. Tampouco deve ser

imposta u m a pena mais pesada do que a aplicável na época em que

o delito foi cometido.

Artigo 12. N inguém deve ser sujeito a interferências arbitrá­

rias na sua privacidade, família, lar ou correspondência, n e m a ata­

ques à sua h o n r a e reputação. Todo ser h u m a n o tem direito à p ro­

teção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo 13. (1) Todo ser h u m a n o tem o direito à l iberdade de

locomoção e residência dent ro das fronteiras de cada Estado.

(2) Todo ser h u m a n o tem o direito de sair de qualquer país,

inclusive do seu própr io , e de re tornar ao seu país.

Artigo 14.(1) Todo ser h u m a n o vít ima de perseguição tem o

direito de procurar e receber asilo em outros países.

(2) Este direito não pode ser invocado no caso de u m a perse­

guição legi t imamente mot ivada por crimes não políticos ou po r

atos contrár ios aos propósi tos e pr incípios das Nações Unidas.

Artigo 15.(1) Todo ser h u m a n o tem direito a u m a nacionali­

dade.

232

(2) Ninguém deve ser arbitrariamente des t i tu ído de sua nacio­

nalidade, n e m lhe será negado o direito de m u d a r de nacionalidade.

Artigo 16. (1) Os h o m e n s e mulheres adu l tos , sem qua lquer

restrição de raça, nacional idade ou religião, t ê m o direito de casar

e fundar u m a família, fazendo jus a direitos iguais em relação ao

casamento, duran te o casamento e na sua dissolução.

(2) O casamento deve ser realizado s o m e n t e c o m o livre e

pleno consent imento dos futuros cônjuges.

(3) A família é a un idade de g rupo na tura l e fundamental da

sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo 17.(1) Todo ser h u m a n o tem direi to à propr iedade, só ou em sociedade com out ros .

(2) Ninguém deve ser arbi t rar iamente dest i tu ído de sua p r o ­priedade.

Artigo 18. Todo ser h u m a n o tem direito à l iberdade de pensa­

m e n t o , consciência e rel igião; este direi to inclui a l iberdade de

m u d a r de religião ou crença, e a l iberdade de manifestar a sua reli­

gião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observân­

cia, sozinho ou em c o m u n i d a d e com out ros , em públ ico ou em

privado.

Artigo 19. Todo ser h u m a n o tem direito à l iberdade de op i ­

nião e expressão; este direito inclui a l iberdade de ter opiniões s em

quaisquer interferências e de procurar , receber e t ransmit ir infor­

mações e ideias por qualquer meio de comunicação e independen­

temente de fronteiras.

Artigo 20.(1) Todo ser h u m a n o tem direito à liberdade de reu­

nião e associação pacíficas.

233

Page 117: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

(2) N i n g u é m pode ser obrigado a pertencer a u m a associação.

Artigo 21.(1) Todo ser h u m a n o tem o direito de participar do

governo de seu país, d i re tamente ou po r meio de representantes

l ivremente escolhidos.

(2) Todo ser h u m a n o tem igual direito de acesso ao serviço

público no seu país.

(3) A v o n t a d e do povo deve ser a base da a u t o r i d a d e do

governo; esta vontade deve ser expressa em eleições periódicas e

legí t imas, p o r sufrágio universa l e igual, real izadas po r vo to

secreto ou po r p r o c e d i m e n t o equivalente que assegure a liber­

dade de voto.

Artigo 22. Todo ser h u m a n o , c o m o m e m b r o da sociedade,

tem direito à segurança social e à realização, por meio de esforço

nacional e cooperação internacional e de acordo com a organiza­

ção e os recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais

e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvi­

m e n t o da sua personalidade.

Artigo 23.(1) Todo ser h u m a n o tem direito ao t rabalho, à livre

escolha do emprego, a condições justas e satisfatórias de t rabalho

e à proteção contra o desemprego.

(2) Todo ser h u m a n o , sem qualquer distinção, tem direito a

pagamento igual para t rabalho igual.

(3) Todo ser h u m a n o que t rabalha tem direito a u m a remu­

neração justa e satisfatória que assegure para si m e s m o e para sua

família u m a existência à al tura da dignidade h u m a n a , suplemen­

tada, se necessário, por outros meios de proteção social.

(4) Todo ser h u m a n o tem o direito de organizar sindicatos e

deles participar para a proteção de seus interesses.

234

Artigo 24. Todo ser h u m a n o tem direito ao descanso e ao lazer, inclusive a u m a limitação razoável das horas de t raba lho e a férias periódicas remuneradas .

Artigo 25.(1) Todo ser h u m a n o tem direito a um padrão de vida

que lhe assegure, para si mesmo e para sua família, saúde e bem-estar,

incluindo alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os

serviços sociais indispensáveis, bem como o direito à segurança em

caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou perda dos

meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

(2) A matern idade e a infância t êm direito a cuidados e assis­

tência especiais. Todas as crianças, nascidas dent ro ou fora do casa­

mento , devem ter a m e s m a proteção social.

Artigo 26.(1) Todo ser h u m a n o tem direito à educação. A edu­

cação deve ser gratuita, ao menos nos estágios elementares e fun­

damentais . A educação elementar deve ser obrigatória. A educação

técnica e profissional deve ser colocada à disposição de todos , e a

educação superior deve ser igualmente acessível a todos com base

no méri to .

(2) A educação deve ser or ientada para o pleno desenvolvi­

m e n t o da personalidade h u m a n a e para o fortalecimento do res­

pe i to pelos direi tos h u m a n o s e l iberdades fundamenta i s . Deve

promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as

nações e grupos raciais ou religiosos, e deve fomentar as atividades

das Nações Unidas para a manu tenção da paz.

(3) Os pais têm o direito priori tár io de escolher o t ipo de edu­cação que será dado a seus filhos.

Artigo 27. (1) Todo ser h u m a n o tem o direito de par t ic ipar

l ivremente na vida cultural da comunidade , apreciar as artes e par ­

ticipar do progresso científico e seus benefícios.

235

Page 118: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

(2) Todo ser h u m a n o t em direi to à pro teção dos interesses

morais e materiais que resultem de qualquer p rodução científica,

literária ou artística de sua autoria.

Artigo 28. Todo ser h u m a n o tem direito a u m a o rdem social e

internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos nesta

Declaração possam ser p lenamente realizados.

Artigo 29.(1) Todo ser h u m a n o tem deveres para com a co­

mun idade em que o livre e pleno desenvolvimento da sua persona­

lidade é possível.

(2) No exercício de seus direi tos e l iberdades , t o d o ser

h u m a n o deve estar sujeito apenas às limitações determinadas pela

lei exclusivamente com o propósi to de assegurar o devido reco­

nhec imento e respeito pelos direitos e liberdades dos outros e de

satisfazer as jus tas exigências da mora l , da o r d e m públ ica e do

bem-estar geral de u m a sociedade democrática.

(3) Estes direitos e l iberdades não p o d e m ser exercidos, em

hipótese a lguma, con t ra os p ropós i tos e p r inc íp ios das Nações

Unidas.

Artigo 30. Nada nesta Declaração p o d e ser in te rp re tado de

manei ra a implicar que qualquer Estado, g rupo ou pessoa t em o

direito de se envolver em qualquer atividade ou executar qualquer

ato dest inado à destruição de qualquer um dos direitos e liberda­

des aqui estabelecidos.

Fonte: Mary Ann Glendon, A World Made New: Eleanor Roo-seveltand the Universal Declaration ofHuman Rights (Nova York:

R a n d o m House , 2001) , pp . 310-4; <www.un .o rg /Overv iew/ -

r ights .html>.

236

Notas

I N T R O D U Ç Ã O [ P P . 13-33]

1. Jul ian P. Boyd, ed., The Papers of Thomas Jefferson, 31 vols. (Pr ince ton :

P r i n c e t o n Univers i ty Press, 1950- ) ,vol . 1 (1760-66) , esp. p . 4 2 3 , m a s ver t a m b é m

p p . 3 0 9 - 4 3 3 .

2. D. O. T h o m a s , ed., Political Writings/ Richard Price ( C a m b r i d g e / Nova

York: C a m b r i d g e Univers i ty Press, 1991 ) ,p . 195. Ci tação de Burke t i rada do pará­

grafo 144, d isponível on - l i ne em < w w w . b a r t l e b y . c o m / 2 4 / 3 / 6 . h t m l > : Reflections

on the French Revolution, vol. xxiv, p a r t e 3 (Nova York: P. F. Coll ier & Son, 1909-

-14; Bar teb ly .com, 2001) . [Ed. brasi le i ra: Reflexões sobre a revolução em França,

t rad . Rena to d e A s s u m p ç ã o Faria (Brasília: U N B , 1997).]

3. Jacques M a r i t a i n , u m d o s l íderes d o C o m i t é d a U N E S C O sob re as Bases

Teór icas d o s Di re i to s H u m a n o s , c i t ado in M a r y A n n G l e n d o n , A World Made

New: Eleanor Roosevelt and the Universal Declaration ofHuman Rights (Nova

York: R a n d o m H o u s e , 2001) , p . 77. Sobre a Dec la ração Amer i cana , ver Paul ine

Maier , American Scripture: Making the Declaration of Independence (Nova York:

Alfred A. Knopf, 1997), p p . 2 3 6 - 4 1 .

4. Sobre a d i ferença e n t r e a Dec la ração de I n d e p e n d ê n c i a a m e r i c a n a e a

Dec la ração dos Dire i tos inglesa de 1689, ver Michae l P. Zucker t , Natural Rights

and the New Republicanism (P r i nce ton : P r i n c e t o n Univers i ty Press, 1994), esp.

p p . 3 -25 .

5. A ci tação de Jefferson é t i r ada de A n d r e w A. L i p s c o m b e Albert F.. Bergh,

237

Page 119: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

eds. , The Writings of Thomas Jefferson, 20 vols. (Wash ing ton , D.C.: T h o m a s Jeffer­

son M e m o r i a l Associa t ion of the Un i t ed States, 1903-4) , vol. 3 , p . 4 2 1 . Fui capaz

de seguir o uso dos t e r m o s p o r Jefferson graças ao site de suas ci tações, c r iado pela

b ib l i o t eca d a U n i v e r s i d a d e d e Vi rg in ia : <h t tp : / / e t ex t . l i b .v i rg in i a . edu / j e f f e r -

s o n / q u o t a t i o n s > . Há m u i t o ma i s a ser feito sobre a ques t ão dos t e r m o s dos direi­

tos h u m a n o s , e à m e d i d a q u e os b a n c o s de d a d o s on- l ine se e x p a n d e m e são refi­

n a d o s essa pesqu i sa se t o r n a m e n o s e m b a r a ç o s a . "Di re i tos h u m a n o s " é u s a d o

desde os p r i m e i r o s anos do século xvni em inglês, m a s a m a i o r i a das ocor rênc ias

aparece f r e q u e n t e m e n t e em conj u n ç ã o c o m religião, c o m o em "direi tos d iv inos e

h u m a n o s " ou até "dire i to d iv ino d i v i n o " vs. "dire i to d iv ino h u m a n o " . Este ú l t imo

ocor re in M a t t h e w Tinda l , The Rights of the Christian Church Asserted, against the

Romish, and All Other Priests Who Claim an Independent Power over It (Londres ,

1706), p. liv; o p r i m e i r o e m , p o r exemplo , A Compleat History of the Whole Procee­

dings of the Parliament of Great Britain against Dr. Henry Sacheverell (Londres ,

1710), p p . 8 4 e 8 7 .

6. A l inguagem dos direitos h u m a n o s é t raçada m u i t o facilmente em francês

graças ao Project for Amer ican and French Research on the Treasury of the French

Language ( A R T F L ) , u m banco de dados on- l ine de uns 2 mil textos franceses dos sécu­

los X I I I ao X X . A R T F L inclui apenas u m a seleção de textos escritos e m francês, e favo­

rece a l i teratura em d e t r i m e n t o de ou t ra s categorias. Encont ra - se u m a descrição do

recurso em <h t t p : / / human i t i e s . uch i cago . ed u / o r g s /A R TFL/ a r t f l . f l ye r . h t m l > . Nico­

las Lenglet-Dufresnoy, De l'usage des romans. Où l'on fait voir leur utilité et leurs dif­

férents caractères. Avec une bibliothèque des romans, accompagnée de remarques cri­

tiques sur leurs choix et leurs éditions (Amste rdam: Vve de Poilras, 1734; Genebra :

Slatkine Reprints , 1970),p. 245. Voltaire, Essay sur l'histoire générale et sur les moeurs

et l'esprit des nations, depuis Charlemagne jusqu'à nos jours ( G e n e b r a : C r a m e r ,

1756), p . 292. C o n s u l t a n d o Voltaire électronique, u m C D - R O M pesquisável das obras

coligidas de Voltaire, encont re i droit humain u sado sete vezes ( droits humains, no

plural , n u n c a ) , qua t ro delas no Tratado sobre a tolerância e u m a vez em três ou t ra s

obras . E m A R T F L a expressão aparece u m a vez in Louis-François R a m o n d , lettres de

W. Coxe à W. Melmoth (Paris : Belin, 1781) , p. 9 5 , m a s no c o n t e x t o significa lei

h u m a n a em opos ição à lei divina. A função de busca do Voltaire e le t rônico t o rna

v i r tua lmente impossível de t e rmina r c o m rapidez se Voltaire usou droits de l'homme

ou droits de l'humanité!em qualquer u m a de suas obras (a busca só indica as mi lha­

res de referências a droits e homme, p o r e x e m p l o , na m e s m a o b r a , e n ã o n u m a

expressão consecutiva, e m contras te a A R T F L ) .

7. A R T F L dá a ci tação c o m o s e n d o de Jacques-Bénigne Bossuet , Méditations

sur l'Évangile ( 1704, Paris: Vr in , 1966), p. 484 .

8 . Rousseau p o d e ter t o m a d o o t e r m o "direi tos do h o m e m " de Jean-Jacques

238

B u r l a m a q u i , q u e o u s o u no s u m á r i o de Principes du droit naturel par /. /. Burla-

maqui, Conseiller d'État, et ci-devant Professeur en droit naturel et civil à Genève

( G e n e b r a : Barr i l lo t et f i ls , 1747) , p a r t e 1, cap . vu , seção 4 ( " F o n d e m e n t généra l des

D r o i t s d e l ' h o m m e " ) . Aparece c o m o "dire i tos d o h o m e m " n a t r a d u ç ã o inglesa d e

N u g e n t ( L o n d r e s , 1748). Rousseau discute as ideias de B u r l a m a q u i s o b r e o droit

naturelem seu Discours sur l'origine et les fondements de l'inégalité parmi les hom­

mes, 1755, Oeuvres complètes, ed. Be rna rd G a g n e b i n e M a r c e l R a y m o n d , 5 vols.

(Par is : Ga l l imard , 1959-95) , vol. 3 (1966) , p. 124. [Ed. bras i le i ra : Discurso sobre a

origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, t r a d . Pau lo Neves (Por to

Alegre: L & P M , 2008) . ] O relato sobre Manco é t i r a d o de Mémoires secrets pour ser­

vir à l'histoire de la République des lettres en France, depuis MDCCIXII jusqu'à nos

jours, 36 vols . (Londres : J. A d a m s o n , 1784-9) , vol. 1, p. 230 . As Mémoires secrets

c o b r i a m os a n o s 1762-87. S e m ser o b r a de um ún i co autor (Louis Peti t de B a c h a u -

m o n t m o r r e u e m 1771), m a s p rovave lmen te d e vários, a s " m e m ó r i a s " i n c l u í a m

r e s e n h a s de l ivros , panf le tos , peças tea t ra is , concer tos m u s i c a i s , e x p o s i ç õ e s de

a r t e e casos sensacionais n o s t r i b u n a i s — v e r Jeremy D. P o p k i n e B e r n a d e t t e For t ,

The M é m o i r e s secrets and the Culture of Publicity in Eighteenth-Century France

(Oxford : Voltaire F o u n d a t i o n , 1998), e Louis A. Oliver, " B a c h a u m o n t t h e C h r o ­

nicler : A Q u e s t i o n a b l e Renown", in Studies on Voltaire and the Eighteenth Century,

vol . 143 (Vol ta i re F o u n d a t i o n : B a n b u r y , O x f o r d , 1975), p p . 161-79 . C o m o os

v o l u m e s f o r a m pub l i cados depo i s das da tas q u e p r e t e n d i a m cobrir , n ã o p o d e m o s

ter abso lu t a certeza de q u e o uso de "dire i tos do h o m e m " fosse t ão c o m u m em

1763 q u a n t o o a u t o r s u p õ e . N o p r i m e i r o a to , c e n a I I , M a n c o recita: " N a s c i d o s ,

c o m o eles, na floresta, m a s r á p i d o s em n o s conhece r / E x i g i n d o t a n t o o t í t u l o

c o m o os d i re i tos de nosso ser/ L e m b r a m o s a seus corações su rp resos / T a n t o este

t í t u lo c o m o estes d i re i tos há t a n t o t e m p o p r o f a n a d o s " — A n t o i n e Le B l a n c de

Guil let , Manco-Capac, premier Ynca Du Pérou, Tragédie, Représentée pour lapre-

mière fois par les Comédiens François ordinaires du Roi, le 12 Juin 1763 (Par i s : Belin,

1782) ,p . 4 .

9 . "Di re i tos do h o m e m " aparece u m a vez in Wil l iam Blackstone, Commen­

taries on the Laws ofEngland, 4 vols. (Oxford , 1765-9) ,vol . 1 (1765) ,p . 1 2 1 . 0 p r i -

m e i r o uso q u e encon t re i em inglês está em John Perceval, Earl of E g m o n t , A Full

and Fair Discussion of the Pretensions of the Dissenters, to the Repeal of the Sacra­

mental Test (Londres , 1733) ,p . 14.Aparece t a m b é m na"epís tola poé t i ca" de 1773,

The Dying Negro, e n u m t r a t a d o an te r io r do l íder abolicionista Granvi l l e Sha rp ,

A Declaration of the People's Natural Right to a Share in the Legislature... ( L o n d r e s ,

1774), p . xxv. Encon t re i esses d a d o s u s a n d o o se rv iço on- l ine de T h o m s o n Galé,

E i g h t e e n t h C e n t u r y Col lec t ions O n l i n e , e sou g r a t a a Jenna G i b b s - B o y e r pela

a juda nessa pesqu i sa . A c i tação de C o n d o r c e t es tá em Mar ie Louise S o p h i e de

239

Page 120: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Grouchy , m a r q u e s a de C o n d o r c e t , ed., Oeuvres complètes de Condorcet, 21 vols.

( B r u n s w i c k / Par is : Vieweg H e n r i c h s , 1804) , vol . X I , p p . 240-2 , 249, 2 5 1 . Sieyès

u s o u o t e r m o droits de l'homme a p e n a s u m a vez: "Il ne faut p o i n t j uge r de ses

d e m a n d e s p a r les o b s e r v a t i o n s isolées de q u e l q u e s a u t e u r s p lu s ou m o i n s in s ­

t r u i t s des d r o i t s de l ' h o m m e " [ N ã o se deve j u lga r suas [do Terce i ro E s t a d o ]

d e m a n d a s pelas observações isoladas de a lguns au to res mais ou m e n o s conhece ­

dores dos d i re i tos do h o m e m ] — E m m a n u e l Sieyès, Le Tiers-État (1789; Paris: E.

C h a m p i o n , 1888), p . 36. Na sua car ta a James M a d i s o n escri ta em Paris em 12 de

Jane i ro de 1789, T h o m a s Jefferson e n v i o u o r a s c u n h o da dec l a ração feito p o r

Lafayette. O s e g u n d o pa rág ra fo começava : "Les d ro i t s de l ' h o m m e as su ren t sa

p rop r i é t é , sa l iber té , son h o n n e u r , sa vie" [Os di re i tos do h o m e m asseguram sua

p r o p r i e d a d e , s u a l i b e r d a d e , s u a h o n r a , s u a v i d a ] —Jefferson Papers, vol. 14,p. 438.

O r a s c u n h o d e C o n d o r c e t d a t a d e u m p o u c o an t e s d a a b e r t u r a d o s E s t a d o s -

-Gera is em 5 de m a i o de 1789, in Ia in McLean e F iona Hewi t t , eds. , Condorcet:

Foundations of Social Choice and Political Theory ( A l d e r s h o t , H a n t s : E d w a r d

Elgar, 1994), p . 57; ver p p . 255-70 sobre o r a s c u n h o da dec la ração "dos direitos",

em q u e aparece a expressão "direi tos do h o m e m " , e m b o r a n ã o no t í tu lo . Ver os tex­

tos dos vár ios pro je tos p a r a u m a dec la ração in A n t o i n e de Baecque, ed., L'An Ides

droits de l'homme (Paris: Presses d u C N R S , 1988).

10. Blacks tone , Commentaries on the Laws of England, vol. 1, p. 121. P. H.

d ' H o l b a c h , Système de la Nature ( 1770; Londres , 1771 ), p. 336. H. C o m t e de M i r a ­

beau , Lettres écrites du donjon (1780; Paris , 1792), p. 4 1 .

11. C i t ado in Lynn H u n t , ed., The French Revolution and Human Rights: A

Brief Documentary History(Boston: Bedford Books/St . Mar t in ' s Press, 1996) ,p. 46 .

12. Den i s D i d e r o t e Jean le R o n d d 'A lember t , eds. , Encyclopédie ou Diction­

naire raisonné des sciences, des arts et des métiers, 17 vols. (Paris , 1751-80) , vol. 5

(1755) , p p . 115-6. Esse v o l u m e inclui dois ar t igos diferentes sobre "Dro i t N a t u ­

rel". O p r i m e i r o é in t i tu lado " D r o i t Na tu re l (Mora le) ", p p . 115-6, e c o m e ç a c o m o

as te r i sco ed i t o r i a l ca rac t e r í s t i co de D i d e r o t ( a s s i n a l a n d o a s u a a u t o r i a ) ; o

s e g u n d o é in t i tu lado "Dro i t de la na tu r e , ou Dro i t naturel" , p p . 131 -4 , e é ass inado

"A" ( A n t o i n e - G a s p a r d B o u c h e r d 'Argis) . A i n f o r m a ç ã o sob re a a u t o r i a v e m de

John L o u g h , " T h e C o n t r i b u t o r s to the Encyclopédie", in R ichard N. Schwab e Wal­

ter E. Rex, Inventory of Diderot's Encyclopédie , vol. 7: Inventory of the Plates, with

a Study of the Contributors to the Encyclopédie by John Lough (Oxford: Voltaire

F o u n d a t i o n , 1984), p p . 483-564 . O s e g u n d o ar t igo de B o u c h e r d 'Argis consis te

n u m a h is tór ia do concei to e é ba seado em g r a n d e pa r t e no t r a t a d o de B u r l a m a -

qui de 1747, Principes du droit naturel.

13. B u r l a m a q u i , Principes du droit naturel, p. 29 (a ênfase é de le) .

14. J. B. Schneewind , Thelnvention of Autonomy: A History of Modem Moral

240

Philosophy ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e Univers i ty Press, 1998), p. 4. [Ed. brasileira:

A invenção da autonomia: uma história da filosofia moral moderna, t r a d . Magda

França Lopes (São L e o p o l d o : U n i s i n o s , 2001) . ] A a u t o n o m i a parece ser o ele­

m e n t o crucial q u e falta nas teor ias da lei n a t u r a l a té m e a d o s d o século X V I I I . C o m o

a r g u m e n t a H a a k o n s s e n , " S e g u n d o a m a i o r i a d o s a d v o g a d o s da lei n a t u r a l n o s

séculos xvn e xviii, a ação m o r a l consis t ia em estar sujei to à lei na tura l e c u m p r i r

o s deveres i m p o s t o s p o r essa lei, e n q u a n t o o s d i r e i t o s e r a m de r ivados , s e n d o

m e r o s m e i o s p a r a o c u m p r i m e n t o dos deveres" — K n u d Haakonssen , Natural

Law and Moral Philosophy: From Grotius to the Scottish Enlightenment ( C a m ­

br idge : C a m b r i d g e Univers i ty Press, 1996), p. 6. A esse respei to , Bur l amaqu i , que

t a n t o in f luenc iou os a m e r i c a n o s nas décadas de 1760 e 1770, pode m u i t o b e m

m a r c a r u m a t rans ição i m p o r t a n t e . B u r l a m a q u i insiste q u e os h o m e n s estão sub

m e t i d o s a um p o d e r supe r io r , m a s q u e esse p o d e r deve es tar de a c o r d o c o m a

n a t u r e z a in te r ior do h o m e m : "Para que regule as ações h u m a n a s , a lei deve estar

a b s o l u t a m e n t e de a c o r d o c o m a n a t u r e z a e a cons t i t u i ção do h o m e m , re lac io­

nada , enf im, c o m a sua felicidade, q u e é aqui lo q u e a razão o leva necessar iamenle

a b u s c a r " — B u r l a m a q u i , Príncipes, p. 89. Sobre a i m p o r t â n c i a geral da a u t o n o ­

m i a p a r a os direi tos h u m a n o s , ver Char les Taylor, Sources of the Self: The Making

of Modern Identity ( C a m b r i d g e , M A : H a r v a r d Univers i ty Press, 1989), esp. p. 12.

[Ed. brasi leira: As fontes do Self: a construção da identidade moderna, t r ad . Adail

Ubi ra ja ra Sobral e D i n a h de Abreu Azevedo (São Paulo : Edições Loyola, 1997). ]

15. Pesquisei " t o r t u r a " e m A R T F L . A expressão de Mar ivaux é d e Le Specta-

teurfrançais (1724) , in Freder ic Deloffre e Miche l Gilet, eds. , Journaux et oeuvres

diverses (Paris: Garn ie r , 1969), p. 114. M o n t e s q u i e u , The Spirit of the Laws, t r ad , e

ed . A n n e M. Cohler , Basia Ca ro lyn Mil ler e H a r o l d Samue l Stone ( C a m b r i d g e :

C a m b r i d g e Univers i ty Press , 1989) , p p . 92 -3 . [Ed. brasi leira: O espírito das leis,

t r ad . Cr is t ina M u r a c h c o (São Pau lo : M a r t i n s Fontes , 2005).]

16. A m i n h a o p i n i ã o é c l a r a m e n t e m u i t o ma i s o t imi s t a do que a e l aborada

p o r Miche l Foucau l t , q u e enfatiza antes as superfícies q u e as p ro fundezas ps ico

lógicas, l igando as novas visões do c o r p o m a i s ao s u r g i m e n t o da discipl ina q u e ¡1

l i b e r d a d e . Ver, p o r e x e m p l o , Discipline and Punish: The Birth of the Prison dc

Foucau l t , t r ad . Alan S h e r i d a n (Nova York: Vin tage , 1979). [Ed. brasi leira: Vigiar

e punir: história da violência nas prisões, t r a d . R a q u e l R a m a l h e t e (Pe t rópo l i s :

Vozes, 1987).]

17. Benedic t A n d e r s o n , Imagined Communities: Reflections on the Origin

and Spread of Nationalism (Londres : Verso, 1983), esp. p p . 25-36. [Ed. brasileira:

Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalisino,Ym.\,

Den i se B o t t m a n (São Paulo : C o m p a n h i a das Letras, 2008).]

18. Leslie Bro thers , F r i d a / s Footprint : H o w Society Shapes the Human Mind

' l i

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(Nova York: Oxfo rd Univers i ty Press, 1997) . Kai Voigeley, M a r t i n Kur then , Peter

Falkai e W a l f g a n g Maie r , "Essen t ia l F u n c t i o n s o f t h e H u m a n Self M o d e l Are

I m p l e m e n t e d in t h e Prefrontal Cor tex" , Consciousness and Cognition, 8 (1999) :

343-63 .

i . " T O R R E N T E S D E E M O Ç Õ E S " [ P P . 3 5 - 6 9 ]

1 . F r anço i s -Mar i e Aro uet de Vol ta i re a Mar i e de Vichy de C h a m r o n d , m a r ­

quesa de Deffand, 6 de m a r ç o de 1761, em R. A. Leigh, éd., Correspondance com­

plete de Jean Jacques Rousseau, 52 vols. ( G e n e b r a : Ins t i tu t et Musée Voltaire, 1965-

-98) , vol. 8 (1969) , p. 222. Jean le R o n d d ' A l e m b e r t a Rousseau , Paris , 10 de feve­

reiro de 1761, in Correspondance complète de Jean Jacques Rousseau, vol. 8, p. 76.

Sobre as respos tas d o s leitores ci tadas n e s t e parágrafo e no seguinte , ver Danie l

M o r n e t , / . - / . Rousseau: La NouvelleHéloïse, 4 vols. (Paris: Hache t t e , 1925), vol. 1,

p p . 246-9 .

2. S o b r e as t r a d u ç õ e s inglesas , v e r J ean - Jacques R o u s s e a u , La Nouvelle

Héloïse, t r ad . Jud i th H. McDowel l (Univers i ty Park, P A : Pennsylvania State Uni ­

versi ty Press, 1968), p. 2. [Ed. brasi leira: Júlia ou A nova Heloísa, t r ad . F u l v i a M . L .

M o r e t t o (São Pau lo : Huc i tec , 1994).] S o b r e as edições francesas, ver J o - A n n E.

McEache rn , Bibliography of the Writings of Jean Jacques Rousseau to 1800, vol. 1:

Julie, ou La Nouvelle Héloïse (Oxford : Vol ta i re F o u n d a t i o n , Taylor I n s t i t u t i o n ,

1993), p p . 769-75 .

3. Alexis de Tocquevil le , L'Ancien Régime, ed. J. P. Mayer ( 1856; Paris: Gall i­

m a r d , 1964), p. 286. [Ed. brasi leira: O Antigo Regime e a Revolução, t r a d . Yvone

Jean (Brasília: U N B , 1989). ] Olivier Z u n z m u i t o gen t i lmen te m e i nd i cou essa obra .

4. Jean Decety e Phi l ip L. J a c k s o n , " T h e Func t iona l Arch i tec tu re of H u m a n

Empathy" , Behavioral and Cognitive Neuroscience Reviews, 3 (2004) : 71-100; ver

esp. p . 9 1 .

5. Sobre a evolução geral do r o m a n c e francês, ver Jacques Rust in , Le Vice à

la mode: Etude sur le roman français du XVIII' siècle de M a n o n Lescau t à

l'apparition deha Nouve l l e Hé lo ï se (1731-1761) (Par is : O p h r y s , 1979) , p. 20 .

Compi l e i os n ú m e r o s sobre a pub l icação d o s novos r o m a n c e s franceses a pa r t i r

de Angus M a r t i n , Viv ienne G. Mylne e R icha rd Frautschi , Bibliographie du genre

romanesque français, 1751-1800 ( L o n d r e s : M a n s e l l , 1977) . S o b r e o r o m a n c e

inglês , ver James Raven , British Fiction 1750-1770 ( N e w a r k , D E : Un ive r s i ty of

De l aware Press , 1987) , p p . 8-9, e J ames Raven , " H i s t o r i c a l I n t r o d u c t i o n : T h e

Novel C o m e s of Age", in Peter Gars ide , James Raven e Ra iner Schõwer l ing , eds. ,

The English Novel, 1770-1829: A Bibliographical Survey of Prose Fiction Published

242

in the British Isles (Londres / N o v a York: Oxford Univers i ty Press , 2000) , p p . 15-

- 1 2 1 , esp. p p . 26-32 . Raven m o s t r a q u e a p o r c e n t a g e m de r o m a n c e s epis to lares

caiu de 4 4 % de t o d o s os r o m a n c e s na década de 1770 p a r a 1 8 % na década de 1790.

6. Este n ã o é o lugar p a r a u m a exaustiva lista de o b r a s . A m a i s inf luente p a r a

m i m é Benedic t A n d e r s o n , Comunidades imaginadas.

7. [Abade M a r q u e t ] , Lettre sur Pamela (Londres , 1742), p p . 3 ,4 .

8. Man t ive a p o n t u a ç ã o or iginal . Pamela: or Virtue Rewarded. In a Series of

Familiar Letters from a Beautiful YoungDamsel to her Parents: In four volumes. The

sixth edition; corrected. By the late Mr. Sam. Richardson ( L o n d r e s : W i l l i a m

Ot r idge , 1772), vol. l , p p . 2 2 - 3 .

9. Aaron Hill a Samuel Richardson , 17 de d e z e m b r o de 1740. Hill i m p l o r a

que Richardson revele o n o m e do autor , suspe i t ando sem dúv ida q u e seja o p r ó p r i o

R i c h a r d s o n — A n n a Laetitia Barbauld , ed., The Correspondence of Samuel Richard­

son, Author of'Pamela, Clarissa, and Sir Char les Grand i son . Selectedfrom theOrigi-

nalManuscripts..., 6 vols. (Londres : Richard Phillips, 1804), vol. 1, pp . 54-5 .

10. T. C. D u n c a n Eaves e Ben D. Kimpel , Samuel Richardson: A Biography

(Oxford : C l a r e n d o n Press, 1971), p p . 124-41 .

11. Car ta de Bradsha igh d a t a d a de 11 de jane i ro de 1749, c i tada em Eaves e

Kimpel , Samuel Richardson, p . 224. Ca r t a de Edward de 26 de jane i ro de 1749, in

Barbau ld , ed., Correspondence of Samuel Richardson,vol. m, p. 1.

12. Sobre as bibl iotecas par t icu la res francesas, ver François Jost ,"Le R o m a n

ép i s to la i r ee t l a t e chn ique nar ra t ive au xvnr ' siècle", in Comparative Literature Stu­

dies, 3 (1966) : 397-427 , esp. p p . 401-2 , baseado n u m e s tudo de Dan ie l M o r n e t de

1910. Sobre as reações dos bo le t ins in format ivos (bole t ins escr i tos p o r in te lec­

tua is na F rança p a r a governan tes es t rangei ros q u e q u e r i a m a c o m p a n h a r os úl t i ­

m o s desenvo lv imen tos na cu l tu r a francesa) , ver Correspondance littéraire, philo­

sophique et critique par Grimm, Diderot, Raynal, Meister, etc., revue sur les textes

originaux, comprenant outre ce qui a été publié à diverses époques les fragments sup­

primés en 1813 parla censure, les parties inédites conservées à la Bibliothèque ducale

de Gotha et à l'Arsenal à Paris, 16 vols. (Paris: Garn ie r , 1877-82, N e n d e l n , Lich-

tens te in : Kraus , 1968), p p . 25 e 248 (25 de j ane i ro de 1751 e 1 5 d e j u n h o de 1753).

O a b a d e Gu i l l aume T h o m a s Raynal foi o au to r do p r i m e i r o e Fr iedr ich Melchior

G r i m m m u i t o p rovave lmen te escreveu o s egundo .

13. R icha rdson n ã o r e t r ibu iu o elogio de Rousseau: ele af i rmava ter achado

imposs íve l 1er falia ( m a s m o r r e u n o a n o da pub l icação de Júlia e m francês). Ver

Eaves e Kimpel , Samuel Richardson, p. 605 , sobre a ci tação de Rousseau e a reação

de R i c h a r d s o n a Júlia. C l a u d e P e r r o u d , ed. , Lettres de Madame Roland, vol . 2

(1788-93) (Paris : I m p r i m e r i e Na t iona le , 1902), p p . 43-9 , esp. p . 48.

14. Robe r t D a r n t o n , The Great Cat Massacre and Other Episodes in French

• I t

Page 122: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Cultural History (Nova York: W. W. N o r t o n , 1984), c i tação p. 243 . [Ed. brasi leira:

O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa, t r ad .

Sonia C o u t i n h o (Rio de Janeiro: Graa l , 1986).] C l a u d e Labrosse, Lire au XVIII'

siècle: La Nouvelle Héloïse et ses lecteurs (Lyon: Presses Univers i ta i res de Lyon,

1985) , c i tação p . 96 . 15. Um e x a m e recente d o s textos s o b r e o r o m a n c e epis tolar p o d e ser e n c o n ­

t r a d o em El izabeth H e c k e n d o r n C o o k , Epistolary Bodies: Gender and Genre in the

Eighteenth-Century Republic of Letters (S t an fo rd : S t a n f o r d Un ive r s i t y Press ,

1996). Sobre as o r igens do gênero , ver Jost ,"Le R o m a n épistolaire".

16. W. S. Lewis, éd., The Yale Edition of Horace Walpole's Correspondence, vol.

22 (New H a v e n , 1960), p . 271 (car ta a sir Horace M a n n , 20 de d e z e m b r o de 1764).

Remarks on Clarissa, Addressed to the Author. Occasioned by some critical Conver­

sations on the Characters and Conduct of that Work. With Some Reflections on the

Character and Behaviour of Prior'sEmma (Londres , 1749), p p . 8 e 5 1 .

17. Gentleman's Magazine, 19 ( j u n h o de 1749) , p p . 245-6 , e 19 (agosto de

1749), p p . 345-9 , c i tações nas p p . 245 e 346.

18. N. A. Lengle t -Dufresnoy, De l'usage des romans, où l'on fait voir leur uti­

lité et leurs différents caractères, 2 vols. (1734; G e n e b r a : Sla tkine Repr in t s , 1979),

ci tações p p . 13 e 92 (vol. 1:8 e 325 no or ig ina l ) . Vin te anos ma i s t a rde , Lenglet-

-Duf resnoy foi c o n v i d a d o a co labora r c o m ou t r a s figuras do I l u m i n i s m o na Ency­

clopédie de D ide ro t .

19. A r m a n d - P i e r r e Jacquin , Entretiens sur les romans (1755; Geneb ra : Slat­

k ine Repr in t s , 1970) , c i tações p p . 225 , 237 , 3 0 5 , 1 6 9 e 101. A l i t e ra tura a n t i r r o -

m a n c e é d i scu t ida em Danie l M o r n e t , / . - / . Rousseau: La Nouvelle Héloïse, 4 vols.

(Paris: Hache t t e , 1925) , vol. 1.

20. R icha rd C . Taylor, " James H a r r i s o n , ' T h e Novelist Magazine ' , a n d t h e

Early C a n o n i z i n g of the English Novel", Studies in English Literature, 1500-1900,

33 (1993) : 6 2 9 - 4 3 , c i tação p. 6 3 3 . J o h n T i n n o n Taylor, Early Opposition to the

English Novel: The Popular Reaction from 1760 to ¡830 (Nova York: King's C r o w n

Press, 1943), p . 52.

2 1 . Samue l -Augus t e Tissot , L'Onanisme ( 1774, ed. la t ina 1758; Paris: Édi ­

t ions d e l a Différence, 1991) ,esp . p p . 22 e 166-7. Taylor, Early Opposition,]). 6 1 .

22. G a r y Kel ly , "Unbecoming a Hero ine : Novel Reading , R o m a n t i c i s m , a n d

Barret t ' s The Heroine", Nineteenth-Century Literature, 45 ( 1990): 2 2 0 - 4 1 , c i tação

p . 222.

23 . Londres : Impresso pa ra C. Riv ing ton , no a d r o de St. Paul ; e J . O s b o r n

[etc.] , 1741.

24. Jean-Jacques Rousseau , Julie, or The New Heloise, t r ad . Phi l ip Stewar t e

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tings o f Rousseau (Hanover , N H : Univers i ty Press of N e w Eng land , 1997), ci tações p p . 3 e 15.

25 . "Éloge de R icha rdson" , Journal étranger, 8 ( 1 7 6 2 ; G e n e b r a : S l a tk ine

Repr in t s , 1968) , 7-16, c i tações pp . 8-9. U m a anál ise m a i s de t a lhada des te tex to

e n c o n t r a - s e in Roger Char t i e r , " R i c h a r d s o n , D i d e r o t e t la lec t r ice impat ien te" ,

MLN, 114 ( 1 9 9 9 ) : 6 4 7 - 6 6 . N ã o se s a b e q u a n d o D i d e r o t leu pe la p r i m e i r a vez

R i c h a r d s o n ; as referências a ele na c o r r e s p o n d ê n c i a de D i d e r o t só c o m e ç a m a

aparecer em 1758. G r i m m referiu-se a R icha rdson na sua c o r r e s p o n d ê n c i a já em

1753 — J u n e S . Siegel, " D i d e r o t a n d R i c h a r d s o n : M a n u s c r i p t s , Miss ives , a n d

Mysteries", Diderot Studies, 18 (1975) : 145-67.

26. "Éloge", p p . 8 ,9 .

27. Ibid . , p . 9 .

28. H e n r y H o m e , l o r d e Kames , Elements of Criticism, 3 1 ed., 2 vols. ( E d i m ­

b u r g o : A. Kinca id 8c J. Bell, 1765), vol. 1, p p . 8 0 , 8 2 , 8 5 , 9 2 . Ver t a m b é m M a r k Sal-

be r Phil l ips , Society and Sentiment: Genres of Historical Writings in Britain, 1740-

-1820 (P r ince ton : P r i n c e t o n Univers i ty Press, 2000) , p p . 109-10.

29 . Julian P. Boyd, ed., The Papers of Thomas Jefferson, 30 vols. (P r ince ton : P r ince ton Univers i ty Press, 1950- ) ,vo l . l , p p . 7 6 - 8 1 .

30. Jean Starobinski d e m o n s t r a q u e esse deba te sobre os efeitos da identif i­

cação aplicava-se igua lmen te ao tea t ro , m a s a r g u m e n t a q u e a análise de D ide ro t

a respei to de R ichardson cons t i tu i um i m p o r t a n t e p o n t o crí t ico no desenvolvi­

m e n t o de u m a nova a t i t ude p a r a c o m a ident if icação — '"Se m e t t r e à la place ' : la

m u t a t i o n de la c r i t ique de l 'âge classique à Diderot" , Cahiers Vilfredo Pareto, 14

(1976) : 364-78 .

3 1 . Sobre esse p o n t o , ver esp. Michae l McKean , The Origins of the English

Novel, I 600-J74O(Ba l t imore : Johns H o p k i n s Univers i ty Press, 1987), p. 128.

32 . A n d r e w Burs te in , The Inner Jefferson: Portrait of a Grieving Optimist (Char lo t tesvi l le , V A : Univers i ty of Virgin ia Press, 1995), p . 54. J . P. Brissot de War-ville, Mémoires (¡754-1793); publiés avec étude critique et notes par Cl. Perroud (Paris: P i c a r d , s . d . ) , v o l . l , p p . 3 5 4 - 5 .

3 3 . I m m a n u e l Kant , "An Answer t o t h e Q u e s t i o n : W h a t i s Enl ightenment?" ,

in James Schmid t , ed., What Is Enlightenment? Eighteenth-Century Answers and

Twentieth-Century Questions (Berkeley: Universi ty of California Press, 1996) ,pp .

58-64, c i tação p. 58 . N ã o é fácil d e t e r m i n a r a c rono log ia da a u t o n o m i a . A m a i o ­

ria d o s h i s t o r i a d o r e s c o n c o r d a q u e o a lcance da t o m a d a de decisão individual-

a u m e n t o u de m o d o geral en t r e os séculos xvi e xx no m u n d o ocidenta l , m e s m o

ipê d i s c o r d e m s o b r e c o m o e p o r q u e isso o c o r r e u . I n ú m e r o s l ivros e a r t i g o s

foram esc r i to s s o b r e a h i s t ó r i a do i n d i v i d u a l i s m o c o m o d o u t r i n a f i losóf ica e

social e suas associações c o m o c r i s t i an i smo, a consciência p ro tes tan te , o capi ta-

• -is

Page 123: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

l i smo, a m o d e r n i d a d e e os valores oc iden ta i s de m o d o ma i s geral — ver Michae l

Car r i the r s , Steven Coll ins e Steven Lukes, eds. , The Category of the Person: Anthro­

pology, Philosophy, History ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e Univers i ty Press, 1985). Um

breve e x a m e dos textos sobre o t e m a p o d e ser e n c o n t r a d o em Michael Mascuch ,

Origins of the Individualist Self: Autobiography and Self-Identity in England, 1591-

-1791 (S tanford: S tanford Univers i ty Press, 1996), p p . 13-24. Um dos p o u c o s a

relatar esses desenvo lv imen tos pa ra os d i re i tos h u m a n o s é Char les Taylor, As fon-

tes do Self.

34. C i t a d o em Jay Fl iegelman, Prodigals and Pilgrims: The American Revo­

lution Against Patriarchal Authority, ¡750-1800 ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e Univer ­

sity Press, 1982), p. 15.

35 . J ean - Jacques R o u s s e a u , Emile, ou l'Éducation, 4 vols . (Ha ia : Jean

N é a u m e , 1762), vol. 1, p p . 2-4. [Ed. brasileira: Emílio ou Da educação, t r ad . Rober to

Leal Ferrara (São Paulo: Mar t i n s Fontes , 1995).] Richard Price, Observations on the

Nature of Civil Liberty, the Principles of Government, and the Justice and Policy of the

War with America to which is added, An Appendix and Postscript, containing, A State

of the National Debt, An Estimate of the Money drawn from the Public by the Taxes,

and An Account of the National Income and Expenditure since the last War, 9" ed.

(Londres : Edward 8c Char les Dilly, a n d T h o m a s Cadell , 1776), p p . 5-6.

36. Lynn H u n t , The Family Romance of the French Revolution (Berkeley:

Universi ty of Cal i fornia Press, 1992), pp . 4 0 - 1 .

37. Fl iegelman, Prodigals and Pilgrims, p p . 3 9 , 6 7 .

38. Lawrence Stone , The Family, Sex and Marriage in England, 1500-1800

(Londres : Weidenfeld 8c Nicolson , 1977). Sobre enro la r os bebês em p a n o s , des ­

m a m a d o s e ens iná- los a usar o b a n h e i r o , ver R a n d o l p h T r u m b a c h , The Rise of the

Egalitarian Family: Aristocratic Kinship and Domestic Relations in Eighteenth-

-Century England (Nova York: Academic Press, 1978), p p . 197-229.

39. Sybil Wolf ram, "Divorce in Eng land 1700-1857", Oxford Journal of Legal

Studies, 5 (verão de 1985): 155-86. Roder ick Phil l ips , Putting Asunder: A History

of Divorce in Western Society ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e Univers i ty Press , 1988), p.

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- C e n t u r y Massachuset ts" , William andMary Quarterly, y série, vol. 33 , n a 4 ( o u t u ­

b r o de 1976): 586-614.

40. F r a n k L. Dewey, " T h o m a s Jefferson's No te s on Divorce", William and

Mary Quarterly, 3" série, vol. 39, n" 1, The Family in Early American History and

Culture (Janeiro de 1982): 212-3 , c i tações p p . 2 1 9 , 2 1 7 , 2 1 6 .

Al."Empathy"só e n t r o u n a l íngua inglesa n o início d o século X X c o m o u m

t e r m o u s a d o na estética e na psicologia. U m a t r a d u ç ã o da pa lavra a l emã Einfüh-

246

lung, ela foi def in ida c o m o "o p o d e r de p ro je t a r a p r ó p r i a p e r s o n a l i d a d e no (e

ass im c o m p r e e n d e r p l e n a m e n t e o ) objeto da con templação" .

42 . Francis H u t c h e s o n , A Short Introduction to Moral Philosophy, in Three

Books: ContainingtheElementsofEthicksandthe Law of Nature, 1 7 4 7 , 2 a e d . (Glas­

gow: Robe r t 8c A n d r e w Foulis , 1753) , p p . 12-6.

4 3 . A d a m Smi th , The Theory of Moral Sentiments, 3 a ed. (Londres , 1767), p.

2. [Ed. brasi leira: Teoria dos sentimentos morais, t r a d . Lya Luft (São Pau lo : M a r t i n s

Fontes , 1999).]

44. Burs te in , The Inner Jefferson,]). 54; The Power ofSympathyfoi escr i to p o r

Wi l l i am Hill Brown. A n n e C. Vila, "Beyond Sympa thy : Vapors , Melancho l i a , a n d

the Pa thologies of Sensibil i ty in Tissot a n d Rousseau", Yale French Studies, n" 92,

Exploring the Conversible World: Text and Sociability from the Classical Age to the

Enlightenment (1997) : 8 8 - 1 0 1 .

4 5 . H á m u i t o s d e b a t e s s o b r e a s o r i g e n s d e E q u i a n o (se ele n a s c e u n a

África, c o m o af i rmava , ou n o s Es t ados U n i d o s ) , m a s isso n ã o é re levan te p a r a o

m e u a r g u m e n t o . Sobre a d i scussão ma i s recen te , ver V i n c e n t Ca r r e t t a , Equiano,

the African: Biography of a Self-Made Man ( A t h e n s , G A : Univers i ty of Georg i a

Press , 2005) .

46 . Abade Sieyès, Préliminaire de la constitution française (Paris: B a u d o u i n ,

1789).

47 . H. A. Wash ing ton , éd., The Writings of Thomas Jefferson, 9 vols. (Nova

York: J o h n C. Riker, 1853-7) , vol. 7 (1857) , p p . 101-3 . Sobre Wolls tonecraf t , ver

Phil l ips , Society and Sentiment, p. 114, e espec ia lmente Janet Todd, éd., The Col­

lected Letters of Mary Wollstonecraft (Londres : Allen Lane, 2003) , p p . 3 4 , 1 1 4 , 1 2 1 ,

2 2 8 , 2 5 3 , 3 1 3 , 3 4 2 , 3 5 9 , 3 6 4 , 4 0 2 , 4 0 4 .

48 . A n d r e w A. L i p s c o m b e Alber t E. Bergh, eds. , The Writings of Thomas Jef­

ferson, 20 vols. (Wash ing ton , D C : T h o m a s Jefferson M e m o r i a l Associa t ion o f t h e

U n i t e d States, 1903-4) , vol. 10, p . 324.

2. " O S S O S D O S S E U S O S S O S " [ P P . 7 O - H 2 ]

1 . 0 m e l h o r relato geral a inda é de David D. Bien, The Calas Affair: Persecu­

tion, Toleration, and Heresy in Eighteenth-CenturyToulouse (Pr ince ton : P r ince ton

Univers i ty Press , 1960) . As t o r t u r a s de Calas são descr i tas em Char les Berrial

-Sa in t -P r ix , Des tribunaux et de la procédure du grand criminel au XVIII' siècle

jusqu'en 1789 avec des recherches sur la question ou torture (Paris: Augus te Aubry,

1859), p p . 93-6 . Baseio m i n h a descr ição do suplício da roda no relato de u m a les

t e m u n h a ocu la r do supl íc io em Paris — James St. John , Esq., Letters from FranCt

247

Page 124: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

to a Gentleman in the South of Ireland: Containing Various Subjects Interesting to

both Nations. Written in 1787,2 vols. (Dub l in : P. Byrne , 1788), vol. I I : car ta de 23

de j u l h o de 1787, p p . 10-6.

2 . Voltaire p u b l i c o u um panfleto de 21 pág inas em agosto de 1762 sobre a

Histoire d'Elisabeth Canning et des Calas. Ele u s o u o caso de Elisabeth C a n n i n g

pa ra m o s t r a r c o m o a jus t iça inglesa funcionava de m a n e i r a super ior , m a s a m a i o r

p a r t e do panfleto é ded icada ao caso Calas . A e s t ru tu r ação do caso em t e r m o s de

in to lerância religiosa, ap resen tada p o r Voltaire, p o d e ser vista m u i t o c l a r amen te

em Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de lean Calas ( 1763 ). A ci tação

é t i r a d a de Jacques v a n d e n Heuve l , ed . , Mélanges/Voltaire (Par i s : G a l l i m a r d ,

1 9 6 1 ) , p . 5 8 3 .

3. A conexão en t r e a t o r t u r a e Calas p o d e ser pesqu i sada em Ulla Kòlving,

ed. , Voltaire électronique, C D - R O M (Alexandr ia , V A : Chadw yck - H ea l ey , Oxford :

Voltaire F o u n d a t i o n , 1998). A d e n ú n c i a de t o r t u r a em 1766 p o d e ser e n c o n t r a d a

in An Essay on Crimes and Punishments, Translated from the Italian, with a Com­

mentary Attributed to Mons. De Voltaire, Translated from the French, 4'1 ed. (Lon­

dres: F. Newber ry , 1775), p p . xii-xiii. [Ed. brasi leira: Dos delitos e das penas, t r ad .

Lucia Guidic in i e Alessandro Berti Contessa (São Paulo: M a r t i n s Fontes , 1995).)

Sobre o ar t igo a respei to da "To r tu r a " no Dicionário filosófico, ver T h e o d o r e Bes-

t e r m a n et al., eds. , les oeuvres complètes de Voltaire, 135 vols. ( 1968-2003) , vol. 36,

ed. Ulla Kôlving (Oxford: Voltaire F o u n d a t i o n , 1994), pp . 572-3 . Voltaire a rgu ­

m e n t o u a favor da abol ição real da t o r t u r a em 1778 em seu O preço da justiça.Ver

Franco Ventur i , ed., Cesare Beccaria, Dei Delitti e dellepene, con une raccolta di let-

tere e documenti relativi alia nascita dell'opera e alia sua fortuna nelTEuropa Del

Settecento (Tur im: Giu l io E inaud i , 1970), p p . 4 9 3 -5 .

4. J. D. E. Preuss , Friedrich der Grosse: eine Lebengeschichte, 9 vols. (Osna -

b r ü c k , A l e m a n h a Ociden ta l : Biblio Verlag, 1981; r e impres são da ed. de Ber l im,

1832), vol. 1, p p . 140-1 . O decre to do rei francês de ixou aber ta a perspect iva de

res tabe lecer a question préalable, se a expe r i ênc i a revelasse a sua nece s s idade .

Além disso, o decre to era um en t re m u i t o s o u t r o s re lac ionados aos esforços da

C o r o a p a r a d i m i n u i r a a u t o r i d a d e d o s parlements. D e p o i s de ter de regis t rá- lo

n u m lit de justice, Luís xvi s u s p e n d e u a i m p l e m e n t a ç ã o de t o d o s esses decre tos em

se t embro de 1788. C o m o consequênc ia , a t o r t u r a só foi de f in i t ivamente abol ida

q u a n d o a Assembleia Nac iona l a s u p r i m i u em 8 de o u t u b r o de 1789 — Berr ia t -

-Saint -Pr ix , Des Tribunaux, p. 55. Ver t a m b é m David Yale Jacobson , " T h e Politics

o f C r i m i n a l Law R e f o r m i n P r e - R e v o l u t i o n a r y France" , d i s s e r t a ç ã o d e P h D ,

B r o w n University, 1976, p p . 367-429. Sobre o texto dos decre tos da abol ição , ver

Athanase Jean Léger et al., eds. , Recueil général des anciennes lois françaises depuis

l'an 420 jusqu'à la Révolution de 1789,29 vols . (Par i s : P i o n , 1 8 2 4 - 5 7 ) , vol . 26

248

(1824) , p p . 373-5 , e vol. 28 (1824) , p p . 526-32. Ben jamin Rush , An Enquiry into

the Effects of Public Punishments upon Criminals, and Upon Society. Read in the

Society for Promoting Political Enquiries, Convened at the House of His Excellency

Benjamin Franklin, Esquire, in Philadelphia, March 9th, 1787 ( P h i l a d e l p h i a :

Joseph James , 1787), in Reform of Criminal Law in Pennsylvania: Selected Enqui­

ries, 1787-1810 (Nova York: A r n o Press , 1972), c o m a n u m e r a ç ã o o r i g i n a l d a s

páginas , ci tação p. 7.

5 . S o b r e o e s t a b e l e c i m e n t o e abo l i ção geral da t o r t u r a na E u r o p a , v e r

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[Ed. po r tuguesa : História da tortura, t r ad . Pedro Silva R a m o s (Lisboa: T e o r e m a ,

1994).] E m b o r a a t o r t u r a n ã o fosse abo l ida em a lguns c a n t õ e s suíços até m e a d o s

do século xix, a prát ica desapareceu em g rande par te (ao m e n o s e n q u a n t o i n s t r u ­

m e n t o legal) na E u r o p a ao l o n g o das guer ras r e v o l u c i o n á r i a s e n a p o l e ó n i c a s .

Napo l eão a abol iu na Espanha , p o r exemplo , em 1808, e ela n u n c a foi r e s tabe le ­

cida. Sobre a h is tór ia do desenvo lv imen to dos júr is , ver sir James Fi tz james Ste­

p h e n , A History of the Criminal Law of England, 3 vols. (1833 , C h i p p e n h a m , Wi l t s :

Rout ledge , 1996), vol. 1, p p . 250-4 . Sobre casos de feitiçaria e o uso da t o r t u r a , ve r

Alan Macfar lane , Witchcraft in Tudor and Stuart England: A Regional and Compa­

rative Study (Londres : Rout ledge & Kegan Paul, 1970), p p . 139-40; e Cr i s t i na A.

Larner , Enemies of God: The Witch-hunt in Scotland (Londres : C h a t t o & W i n d u s ,

1981), p . 109. C o m o Larner indica , as cons tantes in junções dos juízes escoceses e

ingleses, ex ig indo um f im pa ra a t o r t u r a n o s casos de feitiçaria, m o s t r a m q u e ela

con t inuava a ser um p o n t o con t rove r so . James Hea th , Torture and English Law: An

Administrative and Legal History from the Plantagenets to the Stuarts ( W e s t p o r t ,

C T : G r e e n w o o d Press, 1982), p . 179, de ta lha várias referências a o uso d a r o d a n o s

sécu los xvi e X V I I , m a s ela n ã o e ra s a n c i o n a d a pela lei c o m u m . Ver t a m b é m

Kathryn Preyer, "Penal Measures in the Amer ican Colonies: An Overview", Ameri­

can Journal of Legal History, 26 ( o u t u b r o de 1982): 326 -53 , esp. p. 333 .

6. Sobre os m é t o d o s gerais de p u n i ç ã o , ver J. A. Sharpe , Judicial Punishment

in England ( L o n d r e s : Fábe r 8c Fáber , 1990) . A p u n i ç ã o no p e l o u r i n h o p o d i a

incluir ter as ore lhas co r t adas ou ter u m a orelha pregada no p e l o u r i n h o (p. 21) . O

t r o n c o era u m d i spos i t i vo d e m a d e i r a p a r a p r e n d e r o s pés d e u m inf ra tor . O

p e l o u r i n h o era um disposi t ivo em q u e os infratores f icavam c o m a cabeça e as

m ã o s en t r e dois pedaços de m a d e i r a — Leon Radzinowicz , A History of English

Criminal Law and Its Administration from 1750,4 vols. (Londres : Stevens 8c Sons ,

1948), vol . 1 , p p . 3-5 e 165-227. Um p a n o r a m a da pesquisa recente nesse agora

m u i t o r i c a m e n t e exp lo rado veio e n c o n t r a - s e em J o a n n a Innes e John Styles ,"The

C r i m e Wave: Recent Wr i t i ng on C r i m e a n d Cr imina l Justice in E igh teen th -Cen­

t u r y England", Journal of British Studies, 25 ( o u t u b r o de 1986): 380-435.

249

Page 125: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

7. L inda Kealey, "Pa t t e rns of P u n i s h m e n t : Massachuse t t s in t h e Eighteenth

Century" , American Journal ofLegal History, 30 (abri l de 1986): 163-86, citação p.

172. Wi l l i am M. Wiecek, " T h e S t a tu to ry Law of Slavery a n d Race in t h e Th i r t een

M a i n l a n d Co lon ie s of Brit ish America", William and Mary Quarterly, 3' série, vol.

34, n" 2 (abri l de 1977): 258-80 ,e sp . p p . 274-5 .

8. R i c h a r d M o w e r y A n d r e w s , Law, Magistracy, and Crime in Old Regime

Paris, ¡735-1789, vol. 1: The System of Criminal Justice ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e

Univers i ty Press , 1994), espec ia lmente p p . 3 8 5 , 3 8 7 - 8 .

9. Benoî t G a r n o t , Justice et société en France aux XVIe, XVII et XVIII siècles

(Paris: O p h r y s , 2 0 0 0 ) , p . 186.

10. Romi l ly é c i tado em Randal l M c G o w e n , " T h e Body a n d P u n i s h m e n t in

E i g h t e e n t h - C e n t u r y England", Journal of Modern History, 59 (1987) : 651-79 , p.

668. A famosa frase de Beccaria p o d e ser e n c o n t r a d a in Crimes and Punishments,

p. 2. Jeremy B e n t h a m t o m o u o l e m a de Beccaria c o m o o f u n d a m e n t o p a r a a sua

d o u t r i n a d o Ut i l i t a r i smo. Para B e n t h a m , Beccaria era n a d a m e n o s q u e " m e u m e s ­

t re , o p r i m e i r o evangelis ta da R a z ã o " — L e o n Radzinowicz , "Cesare Beccaria a n d

t h e English System of C r i m i n a l Justice: A Reciprocal Relat ionship", in Atti delcon-

vegno internazionale su Cesare Beccari promosso dali'Accademia delle Scienze di

Torino nel secondo centenário deli'opera "Dei delitti e delle pene", T u r i m , 4-6 de

o u t u b r o de 1964 (Tur im: Accademia delle Scienze, 1966), p p . 57-66, c i tação p . 57.

Sobre a recepção na França e em o u t r a s regiões da Europa , ver as car tas r e impr e s ­

sas in Ven tur i , ed., Cesare Beccaria, esp. p p . 312-24. Voltaire m e n c i o n o u q u e lia

Beccaria n u m a car ta de 16 de o u t u b r o de 1765, na qual ele t a m b é m se refere ao

caso Calas e ao caso Sirven (que t a m b é m envolvia p ro tes tan tes ) — T h e o d o r e Bes-

t e r m a n et al., eds. , Les Oeuvres complètes de Voltaire, 135 vols. (1968-2003) , vol.

113: T h e o d o r e B e s t e r m a n , ed. , Correspondence and Related Documents, April-

-December 1765, vol. 29 (1973) : 346.

1 1 . 0 e rud i to h o l a n d ê s Pieter Sp ie renburg liga a m o d e r a ç ã o da p u n i ç ã o à

crescente empa t ia : "A m o r t e e o so f r imen to de seres h u m a n o s e r a m e x p e r i m e n ­

t ados cada vez mais c o m o do lo rosos , só p o r q u e as o u t r a s pessoas e r a m cada vez

ma i s pe rceb idas c o m o seres h u m a n o s s e m e l h a n t e s " — S p i e r e n b u r g , The Spec­

tacle of Suffering: Executions and the Evolution of Repression: From a Preindustrial

Metropolis to the European Experience ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e Univers i ty Press,

1984) , p. 185. Beccar ia , Crimes and Punishments, c i t ações p p . 4 3 , 107 e 112.

Blackstone t a m b é m defendia p u n i ç õ e s p r o p o r c i o n a i s aos c r i m e s e l amen tava o

g r a n d e n ú m e r o de c r imes p u n i d o s c o m a p e n a de m o r t e na I n g l a t e r r a — W i l l i a m

Blackstone, Commentaries on the Laws of England, 4 vols. , 81 ed . (Oxford: C la ren­

d o n Press, 1778), vol. I V , p . 3 . Blackstone cita M o n t e s q u i e u e Beccaria n u m a n o t a

nessa página . Sobre a influência de Beccaria sobre Blackstone, ver C o l e m a n Phi l -

250

l ipson, True Criminal Law Reformers: Beccaria, Bentham, Romilly (Montc la i r , N j :

Pa t te r son Smi th , 1970), esp. p . 90.

12. Em a n o s recentes os e s t ud io sos t ê m q u e s t i o n a d o se Beccar ia ou o I lu ­

m i n i s m o d e m o d o m a i s gera l t i v e r a m a l g u m p a p e l e m e l i m i n a r a t o r t u r a j u d i ­

cial ou em m o d e r a r a p u n i ç ã o , ou até se a abo l i ção foi u m a coisa t ã o b o a a s s im

— ver J o h n H. Langbe in , Torture and the Law of Proof: Europe and England in the

Ancien Regime ( C h i c a g o : U n i v e r s i t y of C h i c a g o Press , 1976) ; A n d r e w s , Law,

Magistracy, and Crime; J. S. C o c k b u r n , " P u n i s h m e n t a n d Bru t a l i za t i on in t h e

E n g l i s h E n l i g h t e n m e n t " , Law and History Review, 12 ( 1 9 9 4 ) : 155-79; e esp .

Miche l Foucaul t , Vigiar epunir.

1 3 . N o r b e r t Elias, The Civilizing Process: The Development ofManners,trad.

E d m u n d Jephcot t (ed. a lemã, 1939; Nova York: Urizen Books , 1978), c i tação p p .

69-70 . [Ed. brasi le i ra: O processo civilizador ¡: Uma história dos costumes, t r a d .

Ruy J u n g m a n n (São Pau lo : Jorge Z a h a r Editor , 1995).] E n c o n t r a - s e u m a visão

crít ica des ta nar ra t iva em Barba ra H . Rosenwein , " W o r r y i n g Abou t E m o t i o n s in

History", American Historical Review, 107 (2002) : 821-45 .

14. James H. J o h n s o n , Listeningin Paris: A Cultural History (Berkeley: U n i ­

versi ty of California Press, 1995), c i tação p. 6 1 .

15. Jeffrey S. Ravel enfatiza a c o n t i n u a d a rebeldia da plateia q u e ficava em

pé em The Contested Parterre: Public Theater and French Political Culture, ¡680-

-¡79¡ ( I thaca, N Y : Corne l l Univers i ty Press, 1999).

16. A n n i k Pa rda i lhé -Ga lab run , The Birth of Intimacy: Privacy and Domestic

Life in Early Modern Paris, t r a d . Jocelyn P h e l p s ( P h i l a d e l p h i a : Unive r s i ty of

Pennsylvania Press, 1991). John Archer , "Landscape a n d Ident i ty : Baby Talk a t t h e

Leasowes, 1760", Cultural Critique, 51 (2002) : 143-85.

17. Ellen G. Miles , ed., The Portrait in Eighteenth Century America (Newark ,

D E : Univers i ty of Delaware Press, 1993), p . 10. George T. M. Shackelford e M a r y

Tavener H o l m e s , A Magic Mirror: The Portrait in France, ¡700-^00 ( H o u s t o n :

M u s e u m of the Fine Arts , 1986), p . 9 . A ci tação de Walpole foi t i rada de D e s m o n d

Shawe-Taylor, The Georgians: Eighteenth-Century Portraiture and Society (Lon­

dres: Barr ie & Jenkins, 1990), p. 27 .

18. Lettres sur les peintures, sculptures et gravures de Mrs. de I'Academie

Royale, exposées au Sallon du Louvre, depuis MDCCLXVI1jusqu'en MDCCLXXIX

(Londres : John A d a m s o n , 1780), p. 51 (Salon de 1769). Ver t a m b é m Rémy G. Sais-

selin, Style, Truth and the Portrait (Cleveland: Cleveland M u s e u m of Art, 1963) ,

esp. p. 27. As reclamações q u a n t o à a r te do re t ra to e aos "tableaux du petit genre"

c o n t i n u a r a m na década de 1770 — L e t t r e s sur les peintures, pp . 76, 212 ,229 . O

ar t igo de Jaucour t p o d e ser e n c o n t r a d o em Encyclopedic ou dictionnaire raisonnc

dessciences, des arts et desmétiers,\lvols. (Paris, 1751-80) , vol. 13 (1765),p. 153. ()

2 5 1

Page 126: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

c o m e n t á r i o de Merc ie r da década de 1780 é c i tado em Shawe-Taylor, The Geor­gians,^. 2 1 .

19. Sobre a i m p o r t â n c i a das r o u p a s e o i m p a c t o do c o n s u m i s m o na p i n t u r a

de r e t r a to s n a s co lôn ias b r i t ân i ca s da A m é r i c a do N o r t e , ver T . H . Breen, " T h e

M e a n i n g o f 'L ikenes s ' : P o r t r a i t - P a i n t i n g i n a n E i g h t e e n t h - C e n t u r y C o n s u m e r

Society", in Miles , ed., The Portrait, p p . 37-60 .

20. Ange la R o s e n t h a l , "She's G o t t h e Look! E i g h t e e n t h - C e n t u r y Female

Po r t r a i t Pa in te r s a n d t h e Psychology of a P o t e n t i a l l y ' D a n g e r o u s E m p l o y m e n t ' " ,

in J o a n n a W o o d a l l , ed., Portraiture: Facing the Subject (Manches t e r : M a n c h e s t e r

U n i v e r s i t y P res s , 1997) , p p . 147-66 (c i t ação d e Boswel l p . 147) . Ver t a m b é m

Ka th leen N i c h o l s o n , " T h e Ideo logy o f F e m i n i n e 'V i r tue ' : T h e Vestal Vi rg in in

F r e n c h E i g h t e e n t h - C e n t u r y Allegorical Por t r a i tu re" , i n ib id , p p . 52 -72 . D e n i s

D ide ro t , Oeuvres complètes de Diderot, revue sur les éditions originales, compre­

nant ce qui a été publié à diverses époques et les manuscrits inédits, conservés à la

Bibliothèque de l'Ermitage, notices, notes, table analytique. Étude sur Diderot et le

mouvement philosophique au XVIII' siècle, par J. Assézat, 20 vols. (Paris : Garn ie r ,

1875-7; N e n d e l n , Lichtens te in : Kraus , 1966), vol. 11: Beaux-Arts II, arts du des­

sin {Salons), p p . 260-2 .

2 1 . S terne , A Sentimental Journey,^p. 158 e 164.

22. H o w a r d C. Rice, Jr., "A 'New' Likeness of T h o m a s Jefferson", William and

Mary Quarterly, 3 a série, vol. 6, li 1 (janeiro de 1949) : 84-9. Sobre o processo de m o d o

mais geral, ver Tony Halliday, Facing the Public: Portraiture in the Aftermath of the

French Revolution (Manchester : Manches ter University Press, 1999), pp . 43-7.

2 3 . M u y a r t n ã o p ô s o seu n o m e n o s pan f l e to s q u e d e f e n d i a m o cr i s t ia ­

n i s m o : Motifs de ma foi en Jésus-Christ, par un magistrat (Par is : Vve Hér i s san t ,

1776) e Preuves de l'authenticité de nos évangiles, contre les assertions de certains

critiques modernes. Lettre à Madame de Par l'auteur de Motifs de ma foi en

Jésus-Christ (Paris: D u r a n d et Belin, 1785).

24. P ie r re -Franço i s M u y a r t de Vouglans , Réfutation du Traité des délits et

peines, etc., impressa no final de seu Les Lois criminelles de France, dans leur ordre

naturel (Paris: Benoî t M o r i n , 1780), p p . 811 ,815 e 830.

25 . Ibid. , p . 830.

26. Sp ie renburg , The Spectacle of Sufferings. 53 .

27. A n o n . , Considerations on theDearness of Corn and Provisions (Londres :

J. A l m o n , 1767), p. 3 1 ; A n o n . , The Accomplished Letter-Writer; or, Universal Cor­

respondent. Containing Familiar Letters on the Most Common Occasions in Life

(Londres , 1779) ,pp . 1 4 8 - 5 0 . D o n n a T . A n d r e w e R a n d a l l M c G o w e n , ThePerreaus

and Mrs. Rudd: Forgery and Betrayal in Eighteenth-Century London (Berkeley:

Univers i ty of California Press, 2001 ), p. 9.

252

28. St. John , Letters from France, vol . I I : ca r ta de 23 de j u l h o de 1 7 8 7 , p . 13.

29 . Crimes and Punishments, p p . 2 e 179.

30. A respei to dos e s tudos do século x v m sobre a dor , ve r M a r g a r e t C. Jacob

e M i c h a e l J . Sauter , " W h y D i d H u m p h r y Davy a n d Assoc ia t e s N o t P u r s u e t h e

Pain-Allevia t ing Effects of N i t r o u s Oxide?", journal of the History of Medicine, 58

(abri l d e 2002) : 161-76. Dagge c i tado i n M c G o w e n , " T h e B o d y a n d P u n i s h m e n t

i n E i g h t e e n t h - C e n t u r y Eng land" , p . 669 . S o b r e m u l t a s c o l o n i a i s , v e r P reyer ,

"Penal Measures", p p . 3 5 0 - 1 .

3 1 . Eden c i tado i n M c G o w e n , " T h e Body a n d P u n i s h m e n t i n E i g h t e e n t h -

- C e n t u r y Eng land" , p . 670 . A m i n h a aná l i se segue a de M c G o w e n em m u i t o s

aspectos . Ben jamin Rush , An Enquiry, ver esp. p p . 4 , 5 , 1 0 e 15.

32. U m a fonte essencial, n ã o só sobre o caso Calas m a s s o b r e a p r á t i c a da

t o r t u r a de m o d o mais geral, é Lisa Si lverman, Tortured Subjects: Pain, Truth, and

the Body in Early Modern France (Chicago: Univers i ty of C h i c a g o Press , 2001 ). Ver

t a m b é m Alexandre - Jé rôme Loyseau de M a u l é o n , Mémoire pour Donat, Pierre et

Louis Calas (Paris: Le Bre ton , 1762), p p . 38-9 ; e Élie de B e a u m o n t , Mémoire pour

Dame Anne-Rose Cabibel, veuve Calas, et pour ses enfants sur le renvoi aux requêtes

de l'Hôtel au Souverain, ordonné par arrêt du Conseil du 4 juin 1764 (Par i s : L. Cel -

lot, 1765) . Élie de B e a u m o n t r ep re sen tou a família Calas p e r a n t e o C o n s e l h o Real.

Sobre a pub l icação desse t ipo de pe t ição legal, ver Sarah M a z a , Private Lives and

Public Affairs: The Causes Célèbres ofPrerevolutionary France (Berkeley: Un ive r ­

sity of Cal i fornia Press, 1993 ) , pp . 19-38.

33 . Alain C o r b i n , Jean-Jacques C o u r t i n e e Georges Vigarel lo, eds . , Histoire

du corps, 3. vols. (Paris: Édi t ions du Seuil, 2005-6) , vol . \\Dela Renaissance aux

Lumières (2005) , p p . 306-9 . [Ed. brasi leira: História do corpo, 3 vols . , t r a d . Lúcia

M. E. O r t h (Pet rópol is : Vozes, 2008) , vol. 1: Da Renascença às Luzes.] Crimes and

Punishments, p p . 58 e 60.

34. O Parlement de B u r g u n d y de ixou de o r d e n a r a question préparatoire

depo i s de 1766, e o seu e m p r e g o da p e n a de m o r t e dec l inou de 1 3 - 1 4 , 5 % de t o d a s

a s c o n d e n a ç õ e s c r imina is na p r i m e i r a m e t a d e do século xviu p a r a m e n o s de 5%

e n t r e 1770 e 1789. O e m p r e g o da question préparatoire, e n t r e t a n t o , a p a r e n t e ­

m e n t e n ã o d i m i n u i u n a F r a n ç a — J a c o b s o n , " T h e Pol i t ics o f C r i m i n a l Law

Reform", p p . 36-47.

35 . Crimes and Punishments, p p . 60-1 (ênfase no or ig ina l ) . M u y a r t de V o u ­

glans, Réfutation du Traité, p p . 824-6 .

36. Ver Venturi , ed., Cesare Beccaria, p p . 30 -1 , a edição italiana definitiva de

1766 (a ú l t i m a s u p e r v i s i o n a d a pe lo p r ó p r i o Beccar ia) . O parágrafo aparece no

m e s m o lugar na t r a d u ç ã o inglesa original , no cap. 11. Sobre o emprego poster ior da

o r d e m francesa, ver, p o r exemplo , Dei delitti e delle pene. Edizione rivista, coretta, e

253

Page 127: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

disposta secondo Fordine delia traduzionefrancese approvato dall'autore (Londres:

Presso la Società dei Filosofi, 1774), p. 4. Segundo Luigi Firpo, essa edição foi na ver­

d a d e publ icada p o r Coltellini em Livorno — Luigi Firpo, " C o n t r i b u t o alia bibl io­

grafia dei Beccaria. (Le edizioni italiane settecentesche del Dei delitti e dellepene)",

in Atti del convegno internazionale su Cesare Beccaria, p p . 329-453, esp. p p . 378-9.

37. A p r ime i ra obra francesa abe r t amen te crítica ao emprego judicial da tor­

tura apareceu em 1682 e foi escrita p o r um i m p o r t a n t e magis t rado no Parlement de

Dijon, August in Nicolas; o seu a r g u m e n t o era cont ra o uso da to r tu ra em ju lgamen­

tos de fe i t içar ia—Silverman, Tortured Subjects, p. 1 6 1 . 0 es tudo mais comple to das

várias edições italianas de Beccaria p o d e ser encon t r ado em Firpo, "Con t r ibu to alia

bibliografia de Beccaria", p p . 329-453. Sobre a t r adução inglesa e para ou t ras l ínguas,

ver Marcello Maes t ro , Cesare Beccaria and the Origins of Penal Reform (Philadelphia:

Temple University Press, 1973), p. 43 . Suplemente i a sua contagem das edições de lín­

gua inglesa c o m o English Shor t Tide Catalogue. Crimes and Punishments, p. iii.

38 . Ventur i , ed., Cesar Beccaria, p. 4 9 6 . 0 texto apareceu em Annales politi­

ques et littéraires 5 ( 1779), de Linguet .

39. Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers,

17 vols. (Paris, 1751 -80) , vol. 13 ( 1765), pp . 702-4. Jacobson, " T h e Polit ics of Cr i ­

mina l Law Reform", p p . 295-6 .

40. Jacobson, " T h e Politics of C r i m i n a l Law Reform", p . 316. Ventur i , ed.,

Cesare Beccaria, p. 517. Jo seph -Miche l -An to ine Servan, Discours sur le progrès des

connoissances humaines en général, de la morale, et de la législation en particulier

(n . p . , 1781) ,p . 99

4 1 . Tenho u m a op in ião mais favorável dos escritos sobre lei c r imina l de Bris-

sot do que Rober t D a r n t o n . Ver, p o r exemplo , George Washington's False Teeth: An

Unconventional Guide to the Eighteenth Century (Nova York: W . W . N o r t o n , 2003) ,

esp. p. 165. [Ed. brasileira: Os dentes falsos de George Washington, t r ad . José Gera ldo

C o u t o (São Paulo: C o m p a n h i a das Letras, 2005).] As citações de Brissot são t i ra­

das de Théorie des lois criminelles, 2 vols. (Paris: J. P. Ail laud, 1836), vol. 1, pp 6-7.

42 . Essas estratégias re tór icas são ana l i sadas em p r o f u n d i d a d e em Maza ,

Private Lives and Public Affairs. Q u a n d o Brissot p u b l i c o u o seu Théorie des lois cri­

minelles (1781) , escr i to o r i g i n a l m e n t e p a r a um c o n c u r s o de ensa ios em Berna ,

D u p a t y lhe escreveu c o m o in tu i to de celebrar o esforço de a m b o s "pa ra fazer a

ve rdade , e c o m ela a h u m a n i d a d e , tr iunfar". A car ta foi r e impressa na edição de

1836, Théorie des lois criminelles, vol . 1, p. vi . [ C h a r l e s - M a r g u e r i t e D u p a t y ] ,

Mémoire justificatif pour trois hommes condamnés àla roue (Paris: Ph i l i ppe -Denys

Pier res , 1786), p . 2 2 1 .

4 3 . Dupa ty , Mémoire justificatif, p p . 226 e 240. L'Humanité apa rece m u i t a s

vezes na pe t ição e em v i r t ua lmen te t o d o parágrafo nas ú l t imas pág inas .

254

44. Maza , Private Lives and Public Affairs, p. 253 . J a c o b s o n , " T h e Polit ics of

C r imina l Law Reform", p p . 3 6 0 - 1 .

45 . Jou rdan , ed., Recueil general des anciennes lois françaises, vol. 28, p. 528 .

M u y a r t de Vouglans , Les Loix criminelles, p. 796. No ranking da f requência d o s

assun tos p o r d o c u m e n t o (1 s e n d o o g r a u ma i s al to, 1125 o m a i s ba ixo ) , o cód igo

c r imina l teve 70,5 p a r a o Terceiro Es tado , 27,5 p a r a a N o b r e z a e 337 p a r a as P a r ó ­

quias ; o processo legal teve 34 p a r a o Terceiro Es tado , 77,5 p a r a a N o b r e z a e 15

p a r a as Pa róqu ias ; a acusação e as pena l idades c r imina i s t i ve ram 60,5 p a r a o Ter­

ceiro Es tado, 76 p a r a a N o b r e z a e 171 p a r a as Pa róqu ias ; e as pena l idades pela lei

c r imina l t i ve ram 41,5 p a r a o Terceiro Es tado , 213,5 p a r a a N o b r e z a e 340 p a r a as

Pa róqu ias . As duas fo rmas de t o r t u r a j ud i c i a lmen te s a n c i o n a d a s n ã o c h e g a r a m a

ter g raus ass im t ão elevados, p o r q u e a "ques t ão p r e p a r a t ó r i a " já t i n h a s ido def ini­

t i v a m e n t e e l iminada e a "ques t ão p r e l i m i n a r " fora t a m b é m p r o v i s o r i a m e n t e a b o ­

lida. O ranking dos assun tos é t i r a d o de Gi lber t Saph i ro e John Markoff, Revolu­

tionary Demands: A Content Analysis of the C a h i e r s de D o l é a n c e s of 1789

(Stanford: S tanford Univers i ty Press , 1998), p p . 438-74 .

46 . Rush , An Enquiry, p p . 13 e 6-7 .

47 . M u y a r t de Vouglans , Les Loix criminelles, esp. p p . 3 7 - 8 .

48 . A n t ó n i o D a m á s i o , The Feeling of What Happens: Body and Emotion in

the Making of Consciousness (San Diego: H a r c o u r t , 1999) [ed. brasi leira: O misté­

rio da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si, t r ad . Laura Tei­

xeira M o t t a (São Paulo : C o m p a n h i a das Letras, 2000) ], e Looking for Spinoza: Joy,

Sorrow, and the Feeling Brain (San D i e g o : H a r c o u r t , 2003) [ed. bras i le i ra : Em

busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos, t r ad . João Baptis ta da

Cos ta Aguia r (São Paulo : C o m p a n h i a das Letras, 2004 ) ] . A n n T h o m s o n , " M a t e ­

rialistic T h e o r i e s of M i n d a n d Brain", in Wolfgang Lefèvre, ed., Between Leibniz,

Newton, and Kant: Philosophy and Science in the Eighteenth Century (Dord rech t :

Kluwer Academic Publ ishers , 2001) , p p . 149-73.

49 . Jessica Riskin, Science in the Age of Sensibility: The Sentimental Empiri­

cists of the French Enlightenment (Ch icago : Univers i ty of Ch icago Press, 2002) ,

c i tação de B o n n e t , p. 5 1 . S terne , A Sentimental Journey, p. 117.

50. Rush , An Enquiry, p. 7.

3. " E L E S D E R A M U M G R A N D E E X E M P L O " [ P P . 113"45]

1. O s ign i f i cado de " d e c l a r a ç ã o " p o d e ser p e s q u i s a d o in Dictionnaires

d'autrefois, f u n ç ã o d e A R T F I . e m <www. l ib .uch icago .edu/e f t s /ARTFl . /p ro jc i : t s /

2 5 5

Page 128: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

d i c o s X O t í tu lo oficial da Bill ofRights inglesa de 1689 era " U m a Lei D e c l a r a n d o

os Dire i tos e as L iberdades do Súd i to e Es tabe lecendo a Sucessão da Coroa".

2. Archives parlementaires de 1787à 1860: Recueil complet des débats législa­

tifs et politiques des chambres françaises, série 1,99 vols. (Paris : Librai r ie A d m i n i s ­

t ra t ive de P. D u p o n t , 1875-1913) , vol. 8, p. 320.

3. Sobre a i m p o r t â n c i a de Gro t ius e do seu t r a t a d o O direito da guerra e da

paz (1625) , ver R ichard Tuck, Natural Rights Théories: Their Origin and Develop­

ment ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e Univers i ty Press, 1979). Ver t a m b é m Léon Ingber,

"La Trad i t ion de Gro t iu s . Les Dro i t s de l ' h o m m e et le dro i t na tu re l à l ' époque con ­

t empora ine" , Cahiers de philosophie politique et juridique, n" 11 : "Des Théor i e s du

d ro i t n a t u r e l " (Caen , 1988): 43 -73 . Sobre Pufendorf , ver T. J. Hochs t rasser , Natu­

ral Law Théories in the Early Enlightenment ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e Univers i ty

Press, 2000) .

4 . N ã o me concen t re i aqu i na d is t inção en t r e a lei n a t u r a l e os dire i tos n a t u ­

rais, em p a r t e p o r q u e nas obras em francês, c o m o a de B u r l a m a q u i , ela é f requen­

t e m e n t e p o u c o n í t ida . A lém disso, a s p r ó p r i a s f i gu ras pol í t icas do século x v m n ã o

faziam necessa r i amen te dis t inções claras. O t r a t a d o de B u r l a m a q u i de 1747 foi

t r a d u z i d o i m e d i a t a m e n t e p a r a o ing lês c o m o The Principies of Natural Law

(1748) e depo i s p a r a o h o l a n d ê s (1750) , d i n a m a r q u ê s (1757) , i ta l iano (1780) e

finalmente e spanho l ( 1850) — B e r n a r d G a g n e b i n , Burlamaqui et le droit naturel

(Genebra : Edi t ions de la Frégate, 1944), p . 227. G a g n e b i n af i rma q u e B u r l a m a q u i

t i n h a m e n o s inf luência n a França , m a s u m dos i lustres a u t o r e s q u e esc rev iam

p a r a a Encyclopédie (Boucher d 'Argis) u s o u - o c o m o sua fonte p a r a um dos a r t i ­

gos sobre a lei na tu ra l . Sobre as visões de B u r l a m a q u i a respei to da razão , da n a t u ­

reza h u m a n a e da filosofia escocesa, ver J. J. B u r l a m a q u i , Principes du droit natu­

rel par J.}. Burlamaqui, Conseiller d'État, et ci-devant Professeur en droit naturel et

civil à Genève (Genebra : Barr i l lot et fils, 1747), p p . 1-2 e 165.

5. Jean Lévesque de Burigny, Vie de Grotius, avec l'histoire de ses ouvrages, et

de négociations auxquelles il fut employé, 2 vols. (Paris : D e b u r e l ' a îné , 1752). T.

Ruther ford , D. D. F. R. S., Institutes of Natural Law Being the substance ofa Course

of Lectures on Grotius de Jure Belli et Paci, read in St. Johns Collège Cambridge, 2

vols. ( C a m b r i d g e : J . B e n t h a m , 1754-6) . As pales t ras de Ru the r fo rd p a r e c e m ser

u m a exemplif icação perfeita da ideia de H a a k o n s s e n de q u e a ênfase da teor ia da

lei n a t u r a l sobre os deveres m o s t r o u - s e m u i t o difícil de se conci l iar c o m a ênfase

emergen t e sobre os dire i tos na tu ra i s q u e cada pessoa possu i ( a inda q u e Gro t ius

tivesse c o n t r i b u í d o p a r a a m b a s ) . O u t r o ju r i s t a su íço , E m e r de Vattel , escreveu

t a m b é m ex tensamen te sobre a lei na tu r a l , m a s ele se c o n c e n t r o u m a i s nas relações

en t r e as nações . Vattel t a m b é m insistia na l iberdade e i n d e p e n d ê n c i a n a t u r a i s de

t odos os h o m e n s . " O n p rouve en Droit Naturel, que t ous les h o m m e s t i e n n e n t de

256

l a N a t u r e u n e Liber té 8c u n e i n d é p e n d a n c e , qu ' i ls ne p e u v e n t p e r d r e q u e p a r leur

c o n s e n t e m e n t " [Prova-se em Direito Natural que t o d o s os h o m e n s r e c e b e m da

Na tu reza u m a Liberdade 8c u m a i n d e p e n d ê n c i a que eles n ã o p o d e m p e r d e r s e n ã o

p o r seu c o n s e n t i m e n t o ] — M. de Vat te l , Le Droit des gens ou principes de la hi

naturelle appliques à la conduite etaux affaires des nations et des souverains, 2 vols .

( L e y d e n : A u x D é p e n s de l a c o m p a g n i e , 1758) , vol. l , p . 2 .

6. J o h n Locke, Two Treatises of Government ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i ­

versi ty Press, 1963), p p . 366-7 . [Ed. bras i le i ra : Dois tratados sobre o governo, t r ad .

Júlio Fischer (São Paulo : M a r t i n s Fon te s , 1998).] James Fa r r , " 'So Vile a n d Mise ­

rab le an Estate ' : T h e P r o b l e m of Slavery in Locke's Poli t ical T h o u g h t " , Political

Theory, vol. 14, n a 2 ( m a i o de 1986): 263 -89 , c i tação p. 263 .

7. Wi l l i am Blackstone, Commentaries on the Laws of England, 8' ed., 4 vols.

(Oxford: C l a r e n d o n Press, 1778) ,vol . l , p . 1 2 9 . A i n f l u ê n c i a d o d i s c u r s o dos d i re i ­

tos na tu ra i s é ev idente nos c o m e n t á r i o s de Blacks tone , p o r q u e ele c o m e ç a a sua

discussão no livro 1 c o m u m a cons ide ração sobre os "direitos abso lu tos dos ind i ­

víduos", c o m os qua is ele que r i a d izer "aqueles que p e r t e n c e r i a m às suas pessoas

m e r a m e n t e n u m es tado de na tu reza , e q u e t o d o h o m e m t e m o d i re i to de possuir ,

d e n t r o ou fora da soc iedade" (1:123, m e s m a s palavras na edição de 1766, D u b l i n ) .

Há u m a l i t e ra tu ra i m e n s a sob re a relat iva inf luência das ideias universal is tas e

pa r t i cu la r i s t a s d o s d i re i tos n a s co lón ias b r i t â n i c a s n a A m é r i c a d o N o r t e . U m a

a lusão sobre esses debates p o d e ser e n c o n t r a d a em D o n a l d S. Lutz, " T h e Relative

Inf luence o f E u r o p e a n Wri te r s on Late E i g h t e e n t h - C e n t u r y A m e r i c a n Political

Thought", American Political Science Review, 78 (1984) : 189-97.

8. James Ot i s , TheRights of the British Colonies Asserted and Proved (Bos ton:

Edes 8c Gill, 1764), ci tações p p . 28 e 35 .

9. Sobre a inf luência de B u r l a m a q u i n o s confli tos a m e r i c a n o s , ver Ray For­

rest Harvey, Jean Jacques Burlamaqui: A Liberal Tradition in American Constitu­

tionalism (Chape l Hill: Univers i ty of N o r t h Caro l ina Press, 1937) ,p . 116. Sobre as

ci tações de Pufendorf , Gro t iu s e Locke, ver Lutz, " T h e Relative Inf luence of Eu ro ­

p e a n Wri te rs" , esp . p p . 193-4 ; s o b r e a p r e sença de B u r l a m a q u i nas b ib l io tecas

a m e r i c a n a s , ver D a v i d L u n d b e r g e H e n r y F . May, " T h e E n l i g h t e n e d Reader in

America", American Quarterly, 28 (1976) : 262 -93 , esp. p. 275. Ci tação de Burla­

m a q u i , Principes du droit naturel, p. 2.

10. Sobre o crescente desejo de declarar a i ndependênc ia , ver Paul ine Maier,

American Scripture, p p . 47 -96 . Sobre a Dec la ração da Virginia , ver Kate M a s o n

Rowland , The Life of George Mason, 1725-1792,2 vols. (Nova York: G. P. P u t n a m ' s

Sons , 1892) ,vol . l . p p . 4 3 8 - 4 1 .

11 . U m a discussão b reve m a s e x t r e m a m e n t e p e r t i n e n t e é e n c o n t r a d a em

257

Page 129: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Jack N. Rakove, Declaring Rights: A Brief History with Documents (Bos ton: Bed­

ford Books , 1998) , esp. p p . 32 -8 .

12. Sou gra ta a Jennifer Popiel pela pesquisa inicial sobre os t í tu los ingleses

e m p r e g a n d o o Engl ish Shor t Title Ca ta logue . N ã o faço d i s t inção no e m p r e g o do

t e r m o "direitos", e n ã o excluo o considerável n ú m e r o de re impressões ao longo

dos anos . O n ú m e r o de usos de direitos n o s t í tu los d o b r o u dos anos 1760 p a r a os

anos 1770 (de 51 na década de 1760 pa ra 109 na de 1770) e depo i s p e r m a n e c e u

q u a s e o m e s m o na d é c a d a de 1780 (95 ) . [Wi l l i am G r a h a m o f N e w c a s t l e ] , An

Attempt to Prove, That Every Species of Patronage is Foreign to the Nature of the

Church, and, That any MODIFICATIONS, which either have been, or ever can be

proposed, are INSUFFICIENT to regain, and secure her in the Possession of the

LIBERTY, wherewith CHRISThath made her free... ( E d i m b u r g o : J .Gray 8cG.Als-

t o n , 1768) , p p . 163 e 167. Já em 1753, um cer to James Tod t i n h a p u b l i c a d o um

panf le to in t i t u l ado The Natural Rights of Mankind Asserted: Or a Just and Faithful

Narrative of the Illegal Procedure of the Presbytery of Edinburgh against Mr. James

Tod Preacher of the Gospel... ( E d i m b u r g o , 1753). Wi l l iam D o d d , Popery inconsis­

tent with the Natural Rights of MEN in general, and of ENGLISHMEN in particu­

lar: A Sermon Preached at Charlotte-Street Chapel ( L o n d r e s : W. F a d e n , 1768) .

Sobre Wilkes, ver p o r exemplo "To t h e Electors of Aylesbury (1764)", in English

Liberty: Being a Collection of Interesting Tracts, From the Year 1762 to 1769 Contai­

ning the Private Correspondence, Public Letters, Speeches, and Addresses, of John

Wilkes, Esq. (Londres : T. Baldwin , s. d . ) , p. 125. Sobre Jun ius , ver, p o r exemplo , as

car tas xii (30 de m a i o de 1769) e xni (12 de j u n h o de 1769) in The Letters of Junius,

2 vols. (Dub l in : T h o m a s Ewing, 1772 ) , pp . 69 e 8 1 .

13. [Manasseh Dawes ] , A Letter to Lord Chatham, Concerning the Present

War of Great Britain against America; Reviewing Candidly and Impartially Its

Unhappy Cause and Consequence; and wherein The Doctrine of Sir William Black-

stone as Explained in his Celebrated C o m m e n t a r i e s on the Laws of England, is Oppo­

sed to Ministerial Tyranny, and Held up in Favor of America. With some Thoughts

on Government by a Gentleman of the Inner Temple (Londres : G. Kearsley, s.d.;

m a n u s c r i t o 1776), ci tações p p . 17 e 25 . Richard Price, Observations on the Nature

of Civil Liberty, c i tação p. 7. Pr ice a legou exis t i rem o n z e edições de seu t r a t a d o

n u m a car ta a John W i n t h r o p — D. O. T h o m a s , The Honest Mind: The Thought

and Work of Richard Price (Oxford: C l a r e n d o n Press, 1977), p p . 1 4 9 - 5 0 . 0 sucesso

do panfleto foi i n s t an tâneo . Price escreveu a Wi l l iam A d a m s , em 14 de fevereiro

de 1776, q u e o panf le to fora p u b l i c a d o t rês dias an tes e já estava q u a s e in te i ra ­

m e n t e esgotada a sua edição de mi l cópias — W. Be rna rd Peach e D. O. T h o m a s ,

eds., The Correspondence of Richard Price, 3 vols. ( D u r h a m , N C : D u k e Univers i ty

Press, e Cardiff: Universi ty of Wales Press, 1983-94) , vol . 1: July 1748-March 1778

258

(1983) , p . 243 . U m a bibl iograf ia c o m p l e t a e n c o n t r a - s e e m D . O . T h o m a s , J o h n

S tephens e P. A. L. Jones , A Bibliography of the Works of Richard Price (Aldershot ,

H a n t s : Scolar Press, 1993), esp. p p . 54-80. J . D. v a n der Cape l len , ca r ta de 14 de

d e z e m b r o de 1777, in Peach e T h o m a s , eds. , The Correspondence of Richard Price,

v o l . 1 , p . 262.

14. Civil Liberty Asserted, and the Rights of the Subject Defended, against The

Anarchical Principles of the Reverend Dr. Price. In which his Sophistical Reasonings,

Dangerous Tenets, and Principles of False Patriotism, Contained in his O b s e r v a ­

t ions on Civil Liberty, etc . are Exposed and Refuted. In a Letter to a Gentleman in

theCountry.ByaFriendtotheRightsoftheConstitution(Londres:].WiMe, 1776),

ci tações p p . 38-9 . Os opos i to res de Price n ã o n e g a v a m necessa r i amen te a exis tên­

cia de d i re i tos un iversa i s . Às vezes eles s i m p l e s m e n t e se o p u n h a m às pos ições

específicas de Price no P a r l a m e n t o ou à relação da G r ã - B r e t a n h a c o m as colônias .

Por exemplo , The Honor of Parliament and the Justice of the Nation Vindicated. In

a Reply to Dr. Price's O b s e r v a t i o n s on t h e N a t u r e of Civil L iber ty (Londres : W.

Davis , 1776) usa a expressão "os d i re i tos n a t u r a i s da h u m a n i d a d e " p o r t o d o o

l ivro n u m sen t ido favorável. Da m e s m a forma, o a u t o r de Experience Preferable to

Theory. An Answer to Dr. Price's Obse rva t i ons on t h e N a t u r e of Civil Liberty, and

the Justice and Policy of the War with America (Londre s : T. Payne, 1776) n ã o vê

n e n h u m p r o b l e m a em se referir aos "direi tos da na tu reza h u m a n a " (p. 3 ) ou aos

"di re i tos da h u m a n i d a d e " (p . 5) .

15. A longa réplica de Fi lmer a Gro t ius p o d e ser e n c o n t r a d a em "Obse rva ­

t i o n s C o n c e r n i n g the Or ig ina l of Gove rnmen t " , no seu The Free-holders Grand

Inquest, TouchingOur Sovereign Lord the Kingandhis Parliament (Londres , 1679).

Ele r e s u m e a sua pos ição: "Apresentei b r e v e m e n t e aqu i as inconveniências i r re ­

mediáve is que a c o m p a n h a m a doutrina da liberdade natural e da comunidade de

todas as coisas; estes e m u i t o m a i s a b s u r d o s são faci lmente e l iminados , se ao con ­

t r á r i o m a n t e m o s o domínio natural e privado de Adão c o m o a fonte de t o d o o

gove rno e p r o p r i e d a d e " — p. 58. Patriarcha: Or the Natural Power of Kings (Lon­

dres : R. Chiswel et al., 1685), esp. p p . 1-24.

16. Char les W a r r e n Everett , ed., A Comment on the Commentaries: A Criti­

cism of William Blackstone's C o m m e n t a r i e s on t h e Laws of E n g l a n d by Jeremy

Bentham (Oxford : C l a r e n d o n Press , 1928) , c i tações pp . 37 -8 . " N o n s e n s e u p o n

Stilts, o r Pandora ' s Box O p e n e d , o r T h e French Declara t ion of Rights Prefixed to

t h e C o n s t i t u t i o n o f 1791 Laid O p e n a n d Exposed", r e impresso in Phi l ip S c h o -

field, C a t h e r i n e Pease -Watk in e C y p r i a n Blamires , eds. , The Collected Works of

Jeremy Bentham. Rights, Representation, and Reform: N o n s e n s e u p o n Stilts and

Other Writings on the French Revolution (Oxford : C l a r e n d o n Press, 2002) , p p .

259

Page 130: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

319-75 , c i tação p . 3 3 0 . 0 panf le to , escr i to em 1795, só foi p u b l i c a d o em 1816 ( e m

francês) e 1824 ( em inglês) .

17. D u P o n t t a m b é m ins i s t i a n o s deve re s r e c í p r o c o s d o s i n d i v í d u o s —

P i e r r e du P o n t de N e m o u r s , De l'Origine et des progrès d'une science nouvelle

(1768) , in Eugène Da i re , ed., Physiocrates. Quesnay Dupont de Nemours, Mercier

de la Rivière, l'Abbé Bandeau, Le Trosne (Paris: Librar ie de G u i l l a u m i n , 1846), p p .

335-66 , c i tação p . 342 .

18. Sobre a " p r a t i c a m e n t e e squec ida" Dec l a r ação da I n d e p e n d ê n c i a , ver

Maier , American Scripture, pp . 160-70.

19. A carta de Rousseau c r i t i cando o uso excessivo de " h u m a n i d a d e " p o d e

ser e n c o n t r a d a em R. A. Leigh, ed., Correspondance complète de Jean Jacques Rous­

seau, vol. 27, Janvier 1769-Avril 1770 (Oxford: Voltaire F o u n d a t i o n , 1980), p. 15

(car ta de Rousseau a Laurent A y m o n de Franquières , 15 de jane i ro de 1769). Sou

grata a Melissa Verlet pela sua pesquisa sobre esse t ema . Sobre Rousseau ter c o n h e ­

cido Benjamin Frankl in e sua defesa dos amer i canos , ver o relato de T h o m a s Ben­

tley d a t a d o de 6 de agos to de 1776, em Leigh, ed., Correspondance complète, vol. 40,

Janvier 1775-Juillet 1778,pp. 258-63 ("[...] os amer i canos , q u e ele disse n ã o t e rem

m e n o s direi to de defender as suas l iberdades p o r serem obscuros ou desconhec i ­

dos", p . 259 ) . A lém desse re la to de um v i s i t an te de Rousseau , n ã o há m e n ç ã o a

t emas amer i canos nas cartas do p r ó p r i o Rousseau de 1775 até a sua m o r t e .

20. Elise M a r i e n s t r a s e N a o m i Wul f , "F rench Trans la t ions a n d Recept ion of

t h e Dec la ra t ion of Independence" , Journal of American History, 85 (1999) : 1299-

-334 . Joyce Appleby, "America as a M o d e l for t h e Radical F rench Refo rmers of

1789", William and Mary Quarterly, 3" série, vol. 28 , n" 2 (abri l de 1971 ): 267-86.

2 1 . Sobre os e m p r e g o s dessas expressões , ver Archives parlementaires, 1:

711 ; 2 : 5 7 , 1 3 9 , 3 4 8 , 3 8 3 ; 3 : 2 5 6 , 3 4 8 , 6 6 2 , 6 6 6 , 7 4 0 ; 4 : 6 6 8 ; 5 : 3 9 1 , 5 4 5 . O s p r i m e i ­

ros seis v o l u m e s d o s Archives parlementaires c o n t ê m a p e n a s u m a se leção das

mi lha re s de l istas de que ixas exis tentes ; os ed i to res i n c l u í r a m m u i t a s d a s listas

"gerais" (as dos nobres , clero e Terceiro Es tado de t o d a u m a região) e a l g u m a s dos

estágios p re l iminares . Sou grata a Susan M o k h b e r i pela pesquisa sobre esses ter­

m o s . A m a i o r pa r t e da análise do c o n t e ú d o das listas de queixas foi real izada an tes

q u e houvesse e s c a n e a m e n t o e pesquisa e le t rônica e, p o r t a n t o , reflete os in teres­

ses específicos dos au tores e os m e i o s um t a n t o canhes t ros de anál ise an tes d i s p o ­

n í v e i s — Gilber t Saphi ro e John Markoff, Revolutionary Demands.

22. Archives parlementaires, 2: 3 4 8 ; 5: 238 . Bea t r i ce F r y H y s l o p , French

Nationalism in 1789According to the General Cahiers (Nova York: C o l u m b i a U n i ­

versi ty Press, 1934), p p . 90-7 . S t éphane Rials, La Déclaration des droits de l'homme

et du citoyen (Paris: Hache t t e , 1989). Um t a n t o d e s a p o n t a d o r é C l a u d e C o u r v o i -

sier,"Les Droi t s de l ' h o m m e dans les cahiers de doléances", in G é r a r d C h i n é a , ed.,

260

Les Droits de l'homme et la conquête des libertés: Des Lumières aux révolutions de

1848 (Grenoble : Presses Univers i ta i res de Grenob le , 1988), p p . 4 4 - 9 .

23. Archives parlementaires, 8 :135,217.

24. Julian P. Boyd, ed. , The Papers of Thomas Jefferson, 31 v o l s . ( P r i n c e t o n :

P r i n c e t o n Univers i ty Press , 1950- ) ,vol . 15: March 27,1789, to November30,1789

( 1958) , p p . 266-9 . O s t í tu los d o s vá r ios p ro je tos e n c o n t r a m - s e e m A n t o i n e d e

Baecque , ed., L'An Ides droits de l'homme. De Baecque oferece i n f o r m a ç õ e s essen­

ciais sobre o p a n o de fundo dos deba tes .

25 . R a b a u t é c i t ado em de Baecque , L'An I , p . 138. Sobre a d i f i c u l d a d e de

explicar a m u d a n ç a de op in iões a respei to da necess idade de u m a d e c l a r a ç ã o , ver

T i m o t h y Tackett , Becoming a Revolutionary: The Deputies of the French National

Assembly and the Emergence of a Revolutionary Culture ( 1789-1790) ( P r i n c e t o n :

P r ince ton Univers i ty Press, 1996) , p . 183.

26. Sessão da Assemble ia Nac iona l de 1" de agos to de 1789, Archives parle­

mentaires,^: 230.

27. A necess idade de q u a t r o declarações é m e n c i o n a d a na " r e c a p i t u l a ç ã o "

d a d a pe lo C o m i t ê sob re a C o n s t i t u i ç ã o em 9 de j u l h o de 1789 — Archives parle­

mentaires^: 217.

28 . C o n f o r m e c i t ado em D. O. T h o m a s , ed., Richard Price: Political Writings

( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e Univers i ty Press, 1991) ,pp . 1 1 9 e 195.

29 . A passagem de Direitos do homem p o d e ser e n c o n t r a d a em " H y p e r t e x t

o n A m e r i c a n H i s t o r y f rom t h e Co lon ia l Per iod un t i l M o d e r n Times" , D e p a r t ­

m e n t o f H u m a n i t i e s C o m p u t i n g , U n i v e r s i d a d e d e G r o n i n g e n , Países Baixos ,

< h t t p : / / o d u r . l e t . n l / ~ u s a / _ D / 1 7 7 6 - 1 8 0 0 / p a i n e / R O M / r o f m 0 4 . h t m > ( c o n s u l t a d o

e m 1 3 d e j u l h o d e 2 0 0 5 ) . A p a s s a g e m d e B u r k e p o d e ser e n c o n t r a d a e m

< w w w . b a r t l e b y . e o m / 2 4 / 3 / 6 . h t m l > ( consu l t ado em 7 de abril de 2006) .

30 . Sobre os t í tu los ingleses, ver no ta 12 ac ima. O n ú m e r o de t í tu los ingle­

ses q u e u s a m a palavra "di re i tos" na década de 1770 foi 109, m u i t o ma i s e levado

q u e n a d é c a d a d e 1760, m a s a inda s ó u m q u a r t o d o n ú m e r o e n c o n t r a d o n a década

de 1790. Os t í tu los ho landeses p o d e m ser e n c o n t r a d o s no Shor t Title Ca ta logue

N e t h e r l a n d s . Sobre a s t r a d u ç õ e s a l emãs de Pa ine , ver H a n s Arno ld , " D i e Auf­

n a h m e v o n T h o m a s Pa ine Schriften in Deutschland" , PMLA, 72 (1959): 365-86.

Sobre as ideias de Jefferson, ver M a t t h e w Schoenbachler , "Republ ican ism in the

Age o f D e m o c r a t i c R e v o l u t i o n : T h e D e m o c r a t i c - R e p u b l i c a n Societies o f t h e

1790s", Journal of the Early Republic, 18 (1998) : 2 3 7 - 6 1 . Sobre o impac to d e W o l l -

s tonecraf t n o s Estados U n i d o s , ver Rosemar ie Zagarr i , " T h e Rights of M a n and

W o m a n in Pos t -Revo lu t iona ry America", William and Mary Quarterly, 3" série,

vol. 55 , n" 2 (abri l de 1998): 203-30 .

3 1 . Sobre a d iscussão de 10 de s e t e m b r o de 1789, ver Archivesparlementai-

• ( . I

Page 131: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

res, 8 :608 . Sobre a d iscussão e passagem finais, ver ibid. , 9 : 3 8 6 - 7 , 3 9 2 - 6 . 0 m e l h o r

relato da pol í t ica em t o r n o da nova legislação c r imina l e p e n a l p o d e ser e n c o n ­

t r a d o em R o b e r t o Mar tucc i , La Costituente ed il problema pénale in Francia, 1789-

-1791 (Mi lão : Giuffre, 1984). M a r t u c c i m o s t r a q u e o C o m i t ê dos Sete t o r n o u - s e

o C o m i t ê sobre a Lei Cr imina l .

32. Archives parlementaires, 9: 394-6 (o decre to final) e 9: 213-7 ( re la tór io

d o c o m i t ê a p r e s e n t a d o p o r B o n A l b e r t Br io i s d e B e a u m e t z ) . O a r t i g o 2 4 n o

decre to f ina l e ra u m a versão l evemente revisada do ar t igo 23 or iginal , s u b m e t i d o

pe lo c o m i t ê em 29 de s e t e m b r o . Ver t a m b é m E d m o n d Se l igman , La Justice en

Francependantla Révolution, 2 vols. (Paris: Librair ie P ion , 1913), vol. 1, p p . 197-

-204 . A l i n g u a g e m usada pe lo c o m i t ê sus ten ta a pos ição t o m a d a p o r Bar ry M.

Saphi ro de q u e o " h u m a n i t a r i s m o " do I l u m i n i s m o an imava as cons iderações dos

d e p u t a d o s — S a p h i r o , Revolutionary Justice in Paris, 1789-1790 ( C a m b r i d g e :

C a m b r i d g e Univers i ty Press, 1993).

33. Archives parlementaires, 2 6 : 3 1 9 - 3 2 .

34. Ib id . , 26: 323 . A i m p r e n s a focalizava q u a s e exc lu s ivamen te a q u e s t ã o

d a p e n a d e m o r t e , e m b o r a a l g u n s n o t a s s e m c o m a p r o v a ç ã o a e l i m i n a ç ã o d a

m a r c a de fer ro em brasa . O o p o s i t o r m a i s voc i fé ran te da p e n a de m o r t e foi Louis

P r u d h o m m e em Révolutions de Paris, 98 (21-28 de m a i o de 1791) , p p . 321-7 , e

99 (28 de m a i o - 4 de j u n h o de 1791 ) , p p . 365-470 . P r u d h o m m e citava Beccar ia

c o m o a p o i o .

3 5 . 0 texto do código c r imina l p o d e ser e n c o n t r a d o em Archivesparlemen-

taires,3\: 326-39 (sessão de 25 de s e t e m b r o de 1791).

36. Ibid. , 2 6 : 3 2 5 .

37 . R o b e s p i e r r e é c i t a d o em c o n f o r m i d a d e c o m a cr í t ica q u e Lacretel le

pub l i cou a respei to do ensaio: "Sur le d i scours qu i avait o b t e n u un second pr ix à

l 'Académie de Metz , p a r M a x i m i l i e n Robespierre" , em P ie r r e -Lou i s Lacretel le,

Oeuvres, 6 vols. (Paris : Bossange , 1823-4) , vol . m, p p . 315-34 , c i tação p. 3 2 1 . O

p r ó p r i o ensa io d e Lacretel le e n c o n t r a - s e n o vol . lit, p p . 205 -314 . Ver t a m b é m

Joseph I . Shu l im , " T h e Youthful Robesp ie r re a n d Hi s A m b i v a l e n c e Toward the

Anc ien Régime", Eighteenth-Century Studies, 5 ( p r imave ra de 1972): 398-420. Fui

a le r t ada p a r a a i m p o r t â n c i a da h o n r a no s i s tema de jus t iça c r i m i n a l p o r G e n e

Ogle, "Pol ic ing Saint D o m i n g u e : Race, Violence, a n d H o n o r i n an O l d Reg ime

Colony", diss. P h D , Univers i ty of Pennsylvania , 2003 .

38. A def inição de h o n r a no d i c i o n á r i o da A c a d é m i e F rança i se p o d e ser

e n c o n t r a d a e m A R T F L , < h t t p : / / c o l e t . u c h i c a g o . e d u / c g i - b i n / d i c o l l o o . p t f - l s t r i p -

p e d h w + h o n n e u r > .

39 . S é b a s t i e n - R o c h - N i c o l a s C h a m f o r t , Maximes et pensées, anecdotes et

caracteres, ed. Louis D u c r o s (1794; Paris: Larousse , 1928), p. 27 . [Ed. brasi le i ra:

262

Máximas e pensamentos, t r ad . C l á u d i o F igue i redo (Rio de Janei ro : José O l y m p i o ,

2007).] Eve Katz, "Chamfor t " , Yale French Studies, n" 40 (1968) : 32 -46 .

4. "isso N Ã O T E R M I N A R Á N U N C A " [ P P . 146-76]

1. Archives parlementaires, 10: 6 9 3 - 4 , 7 5 4 - 7 . Sobre os a tores , ver Pau l Fr ie-

d l a n d , Political Actors: Representative Bodies and Theatricality in the Age of the

French Revolution ( I thaca , N Y : Corne l l Univers i ty Press, 2002) , esp. p p . 215-7 .

2 . C i tado em Joan R. G u n d e r s e n . ' T n d e p e n d e n c e , Ci t izenship , a n d t h e A m e ­

r ican Revolution", Signs: Journal of Women in Culture and Society, 13 ( 1987): 63-4 .

3. Em 20-21 de j u l h o de 1789 Sieyès leu o s e u " R e c o n n a i s s a n c e et expos i t ion

r a i sonnée des dro i t s de l ' h o m m e et du c i toyen" p a r a o C o m i t ê sobre a C o n s t i t u i ­

ção . O tex to foi p u b l i c a d o c o m o Préliminaire de la constitution française (Paris :

B a u d o i n , 1789).

4 . Sobre as qualif icações p a r a vo ta r em Delaware e nas o u t r a s t reze co lôn ias ,

ver Pat r ick T. Con ley e John P. Kaminsky, eds. , The Bill of Rights and the States: The

Colonial and Revolutionary Origins of American Liberties (Mad i son , wi: M a d i s o n

H o u s e , 1992), esp. p . 2 9 1 . A d a m s é c i tado in Jacob Katz C o g a n , " T h e Look W i t h i n :

Proper ty , Capacity, a n d Suffrage in N i n e t e e n t h - C e n t u r y America", Yale Law Jour­

nal, 107 (1997) : 477 .

5. An to ine de Baecque, éd., L'An Ides droits de l'homme, p. 165 (22 de agos to) ,

p p . 174-9 (23 de agos to) . T i m o t h y Tackett, Becoming a Revolutionary, p. 184.

6. Archives parlementaires, 10 (Paris , 1878): 693-5 .

7. Ibid. , 780 e 782. A frase-chave do decre to diz: " N ã o p o d e ser a p r e s e n t a d o

n e n h u m mot ivo para excluir da elegibi l idade um c idadão , a n ã o ser aqueles q u e

r e su l t am de decre tos const i tucionais" . Sobre a reação à decisão a respei to dos p r o ­

tes tan tes , ver Journal d'Adrian Duquesnoy, Député du tiers état de Bar-le-Duc sur

l'Assemblée Constituante, 2 vols. (Par is , 1894) , vol . 11, p. 208 . Ver t a m b é m Ray­

m o n d Birn, "Religious Tolera t ion a n d F r e e d o m of Expression", in Dale van Kley,

ed., The French Idea of Freedom: The Old Regime and the Declaration of the Rights

of1789 (Stanford: S tanford Univers i ty Press, 1994), p p . 265-99.

8. Tackett , Becoming a Revolutionary, p p . 262 -3 . Archives parlementaires, 10

(Paris , 1878): 757.

9. Rona ld Schechter , Obstinate Hebrews: Representations of Jews in France,

1715-1815 (Berkeley: Univers i ty of Cal i fornia Press, 2003) , p p . 18-34.

10. Dav id Feuerwerker , " A n a t o m i e de 307 cahiers de doléances de 1789",

Annales: E. S. G, 20 ( 1965): 4 5 - 6 1 .

11. Archives parlementaires, 11 (Paris, 1880): 364.

263

Page 132: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

12. Ibid . , 364-5 ; 31 (Paris , 1880): 372.

13. As pa lavras de C l e r m o n t - T o n n e r r e são t i r adas de seu d iscurso de 23 de

d e z e m b r o de 1789 — ibid. , 10 (Paris , 1878): 754-7 . Alguns crí t icos t o m a m o dis­

curso de C l e r m o n t - T o n n e r r e c o m o um exemp l o da recusa a endossa r a diferença

é tn ica d e n t r o d a c o m u n i d a d e nac iona l . M a s u m a i n t e r p r e t a ç ã o m a i s a n ó d i n a

parece just if icada: os d e p u t a d o s ac red i t avam q u e t o d o s os c idadãos d e v e m viver

sob as m e s m a s leis e ins t i tu ições , p o r t a n t o um g r u p o de c idadãos n ã o p o d i a ser

j u lgado em t r i b u n a i s sepa rados . Tenho c l a r amen te u m a visão ma i s posi t iva q u e

Schechter, q u e descar ta a " e m a n c i p a ç ã o fabulosa dos judeus". O decre to de 27 de

s e t e m b r o de 1791 , ele ins is te , "era m e r a m e n t e u m a revogação de r e s t r i ções" e

m u d o u "o s ta tus apenas de um p u n h a d o de j u d e u s , a saber, aqueles q u e satisfa­

z i am as cond ições r igorosas" p a r a a c idadan ia ativa. Q u e o dec re to tivesse conce ­

d ido aos j u d e u s dire i tos iguais aos de t o d o s os o u t r o s c idadãos franceses parece

n ã o ser m u i t o significativo p a r a ele, m e s m o q u e o s j u d e u s só t e n h a m g a n h a d o

essa igua ldade no es tado de M a r y l a n d em 1826 ou na G r ã - B r e t a n h a em 1858 —

Schechter, Obstinate Hebrews, p. 151.

14. U m a discussão das pet ições juda icas encon t r a - se em Schechter , Obsti­

nate Hebrews, p p . 165-78, ci tação p. 166; Petition desjuifs établis en France, adres-

sée à 1'Assemblée Nationale, le 28 Janvier 1790, sur I'ajournement du 24 décembre

1789 (Paris : P rau l , 1790) , ci tações p p . 5 -6 ,96 -7 .

15. Stanley F. C h y e t , " T h e Political Rights of Jews in the Un i t ed States: 1776-

-1840", American Jewish Archives, 1 0 ( 1 9 5 8 ) : 14-75. Sou gra ta a Beth Wenge r pela

sua ajuda nessa ques tão .

16. Um úti l p a n o r a m a do caso dos Estados U n i d o s p o d e ser e n c o n t r a d o em

C o g a n , " T h e L o o k With in" . Ver t a m b é m D a v i d Skillen Bogen , " T h e M a r y l a n d

C o n t e x t of Dred Scott: T h e Decl ine in t h e Legal Status of M a r y l a n d Free Blacks,

1776-1810", American Journal of Legal History, 34 (1990) : 3 8 1 - 4 1 1 .

17. Mémoire enfaveur desgens de couleur ou sang-mêlés de St.-Domingue, et

desautresílesfrançoisesdel'Amérique,adresséàl'AssembléeNationale,parM. Gré-

goire, cure d'Embermenil, Depute de Lorraine (Paris, 1789).

18. Archivesparlementaires, 12 (Par i s , 1881) : 7 1 . D a v i d G e g g u s , "Racia l

Equal i ty , Slavery, a n d C o l o n i a l Secess ion d u r i n g t h e C o n s t i t u e n t Assembly" ,

American Historical Review,vo\. 94, n" 5 ( d e z e m b r o de 1989): 1290-308.

19. Motion faiteparM. Vincent Ogé,jeuneàl'assembléedes colons, habitants

deS.-Domingue, à 1'hôtel Massiac, Place des Victoires ( p rovave lmen te Paris , 1789).

20 . L a u r e n t D u b o i s , Avengers of the New World: The Story of the Haitian

Revolution ( C a m b r i d g e , M A : Be lknap Press of H a r v a r d Univers i ty Press , 2004) ,

p . 102.

21. Archives parlementaires, 40 (Paris , 1893): 586 e 590 ( A r m a n d - G u y Ker-

264

saint , "Moyens p roposés à l 'Assemblée Na t iona l e p o u r ré tabl i r la pa ix e t l ' o r d r e

dans les co lonies") .

22 . D u b o i s , Avengers of the New World, esp. p. 163. Décret de la Convention

Nationale, du 16 jour de pluviôse, an second de la République française, une et indi­

visible (Paris: I m p r i m e r i e Na t iona l e Executive du Louvre , a n o 11 [ 1794] ).

2 3 . Ph i l i p D . C u r t i n , " T h e D e c l a r a t i o n o f t h e R i g h t s o f M a n i n S a i n t -

- D o m i n g u e , 1788-1791", Hispanic American Historical Review, 30 (1950) : 1 5 7 -

-75 , c i tação p. 162. Sobre Toussa in t , ver D u b o i s , Avengers of the New World, p. 176.

D u b o i s fornece u m relato c o m p l e t o d o interesse dos escravos pe los d i r e i t o s d o

h o m e m .

24 . S o b r e o f racasso d o s es forços de N a p o l e ã o , ve r D u b o i s , Avengers. O

p o e m a de W o r d s w o r t h , "To Toussa in t L 'Over tu re" (1803) , p o d e ser e n c o n t r a d o

em E. de S e l i n c o u r t , éd . , The Poetical Works of William Wordsworth, 5 v o l s .

(Oxford: C l a r e n d o n Press, 1940-9) , vol. 3, p p . 112-3 . Lau ren t D u b o i s , A Colony of

Citizens: Revolution and Slave Emancipation in theFrench Caribbean, 1787-1804

(Chape l Hill: Universi ty o f N o r t h Caro l ine Press, 2004) , c i tação p . 4 2 1 .

25 . A expl icação p a r a a exclusão das m u l h e r e s t e m s ido m u i t o d e b a t i d a n o s

ú l t i m o s t e m p o s . Ver, p o r exemplo , a m u i t o sugestiva in t e rvenção de A n n e Verjus,

Le Cens de la famille: Les femmes et le vote, 1789-1848 (Paris : Belin, 2002) .

26. Réflexions sur l'esclavage des nègres (Neufchâtel : Société t y p o g r a p h i q u e ,

1781), p p . 97-9 .

27. As referências às m u l h e r e s e aos j u d e u s e n c o n t r a m - s e em Archives par­

lementaires, 33 (Paris , 1889): 3 6 3 , 4 3 1 - 2 . Sobre as op in iões a respei to das v iúvas ,

ver Tackett , Becoming a Revolutionary, p. 105.

28 . "Sur l ' admiss ion des f e m m e s au d ro i t de cité", Journal de la Société de

1789,5 (3 de j u lho de 1790): 1-12.

29 . Os textos de C o n d o r c e t e O l y m p e de G o u g e s p o d e m ser e n c o n t r a d o s

em Lynn H u n t , éd., The French Revolution and Human Rights: A Brief Documen­

tary History(Boston: Bedford/St . Mar t in ' s Press, 1996), p p . 119-21 ,124-8 . Sobre

a reação a Wolls tonecraf t e p a r a um ó t i m o relato das suas idéias, ver Barbara Tay­

lor, Mary Wollstonecraft and the Feminist Imagination ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e

Univers i ty Press, 2003) .

30 . A c o n t r i b u i ç ã o de P ie r re G u y o m a r p o d e ser e n c o n t r a d a em Archives

parlementaires, 63 (Par is , 1903) : 591 -9 . O p o r t a - v o z do c o m i t ê cons t i t uc iona l

p r o p ô s a ques tão dos d i re i tos das m u l h e r e s em 29 de abril de 1793, e c i tou dois

defensores da idéia, um deles G u y o m a r , m a s a rejei tou (pp . 561-4) .

3 1 . Lynn H u n t , The Family Romance, esp. p. 119.

32 . Rosemar ie Z a g a r r i , " T h e Rights o f M a n a n d W o m a n in Pos t -Revolu t io-

265

Page 133: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

n a r y America", William and Mary Quarterly, 3* série, vol. 5 5 , n a 2 (abri l de 1998):

203-30 .

3 3 . Z a g a r r i , " T h e R igh t s o f M a n a n d W o m a n " ; Car la Hesse , The Other

Enlightenment: How French Women Became Modern (P r ince ton : P r ince ton U n i ­

versi ty Press, 2001 ); S u z a n n e Desan , The Family on Trial in Revolutionary France

(Berkeley: Univers i ty of Cal i fornia Press, 2004) . Ver t a m b é m Sarah K n o t t e Bar­

b a r a Taylor, eds. , Women, Gender and Enlightenment (Nova York: Palgrave/Mac-

m i l l a n , 2 0 0 5 ) .

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272

índice remissivo

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Académie Française , 143-5 ,262

a ç o i t a m e n t o , 7 7 , 7 8

a c o r d o social, 60

A d a m s , John , 1 6 , 1 4 7 - 8 , 2 5 8 , 2 6 3

África: d iv i são co lon i a l e u r o p e i a da ,

194 ,208

A l e m a n h a : a n t i s s e m i t i s m o , 1 9 5 , 1 9 7 ;

i deo log ia racia l da , 186, 192, 195,

197, 202 ; n a c i o n a l i s m o da , 184-5 ,

195; r eg ime nazista da, 1 9 7 , 2 0 2 - 3 ,

210-1

A l e m b e r t , Jean Le R o n d d', 3 6 , 2 4 0 , 2 4 2

a lma , negação mater ia l is ta da , 110

amende honorable, 94 ,140

A m é r i c a d o Sul, m o v i m e n t o s d e i n d e ­

p e n d ê n c i a da, 183

A n d e r s o n , Benedic t , 3 0 , 2 4 1 , 2 4 3

anestesia, 97

a n t i s s e m i t i s m o , 1 8 6 - 8 , 1 9 0 , 1 9 5 , 1 9 7 ,

203

Argélia, con t ro l e francês da , 194-5 ,210

a rqu i t e tu ra domés t i ca , 83

a r r a s t a m e n t o e e s q u a r t e j a m e n t o , 77 ,

80

ar te d o re t ra to , 8 3 , 8 5 , 2 5 1

Art igos da Confederação (1777) , 126

asiáticos, imigran tes , 186

asquenazes , 157

assassinos, pena l idades judiciais pa ra ,

77

Assemble i a N a c i o n a l : dec l a r ações de

d i r e i t o s da , 1 1 5 , 1 2 9 - 3 3 ; ver tam­

bém D e c l a r a ç ã o d o s D i r e i t o s do

H o m e m e d o C i d a d ã o ; f o r m a ç ã o

da , 129; p u n i ç ã o jud ic i a l refor­

m a d a pela, 137-42,248; sobre a eli-

g ib i l i dade d o s d i r e i t o s po l í t i cos ,

146; sobre o s is tema da escravatura ,

162 ,164-5

a te í smo, 110,180

atores , d i re i tos polí t icos dos , 147 ,153

Austrá l ia : res t r ições de i m i g r a ç ã o da ,

186; sufrágio femin ino na , 190

273

Page 137: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

a u t i s m o , 3 1 , 3 9

a u t o c o n t r o l e , 2 6 , 2 9 , 8 2

a u t o d e t e r m i n a ç ã o nacional , 184-5,208

a u t o n o m i a ind iv idua l : a escri ta c o m o

e x p r e s s ã o da , 44 ; a u t o d i s c i p l i n a

r e q u e r i d a pela, 83 ; busca das he ro í ­

n a s d a f icção pe l a , 5 9 - 6 0 ; c o m o

l iberdade , 6 1 ; das mu lhe re s , 2 6 , 5 8 -

6 0 , 6 4 , 67 -9 , 169; ênfase e d u c a c i o ­

nal na , 60 , 6 1 ; i n t e r i o r i d a d e c o m o

e v i d ê n c i a da , 30 , 4 8 ; j u l g a m e n t o

m o r a l e , 2 6 , 2 4 1

a u t o r i d a d e pol í t ica: a c o r d o social so ­

b r e a , 60; p r e se rvação dos d i re i tos

c o m o base da, 30

Barbeyrac , Jean, 118

Barnave , A n t o i n e , 162

Bastilha, a t aque à p r i são da, 130

Beccaria, Cesare , 8 0 , 8 1 , 9 3 - 4 , 9 7 , 1 0 1 -

4 , 139, 2 4 8 , 2 5 0 - 1 , 2 5 3 - 4 ; a m p l a

influência de , 8 0 - 1 , 1 0 2 , 1 0 3 - 4 , 1 2 5 ,

250-1 ,262 ; o p o s t o à p e n a de m o r t e ,

80 , 8 1 , 98 ; p r o c e d i m e n t o s c r i m i ­

nais públ icos apo iados por , 9 7 , 9 8 ,

101, 137; sobre a t o r t u r a , 29, 8 0 - 1 ,

101-2; sobre os direi tos do h o m e m ,

102-3

B e n t h a m , Jeremy, 124-5 , 1 7 7 , 2 5 0 - 1 ,

256 ,259

Bill of Rights, americana ( 1 7 9 1 ) , 16,

117 ,121 ,126

Bill of Rights, b r i t ân ica (1689) , 19, 77,

114 ,122 ,256

Blackburn , Joseph, 86

B lacks tone , W i l l i a m , 2 3 , 26 , 8 1 , 119,

1 2 2 , 1 2 4 - 5 , 2 3 9 - 4 0 , 2 5 0 , 2 5 7 - 9

bo lcheviques , 199 ,201-2

Bolívar, S i m ó n , 183 ,184 ,267

Bona ld , Louis de , 179-80 ,266

Bonne t , Char les , 111 ,255

Bossuet , Jacques-Bénigne , 22 ,238

Boswell, James, 89 ,252

B o u c h e r d 'Arg i s , A n t o i n e - G a s p a r d ,

104 ,240 ,256

Bradsha igh , Lady Doro thy , 4 6 , 2 4 3

Brandeis , Louis , 190 ,267

Brissot, Jacques-Pierre , 5 9 , 1 0 5 - 6 , 1 6 1 ,

245 ,254

Brune t de La tuque , P ier re , 146 ,152 -3 ,

155

B u r k e . E d m u n d , 15 ,134 ,135 ,174 ,178 -

9 , 1 8 3 , 2 3 7 , 2 6 1

B u r l a m a q u i , Jean-Jacques , 25 , 117-8 ,

120 ,238 -41 ,256 -7

Burney, Fanny, 59

B u r t o n , Richard , 195 ,267

Caban i s , Pierre , 189

Calas, Jean, 7 0 - 5 , 7 8 , 8 0 - 1 , 9 2 , 9 9 - 1 0 4 ,

1 0 7 - 8 , 2 4 7 - 8 , 2 5 0 , 2 5 3

Calas, M a r c - A n t o i n e , 74

calvinistas, 152 ,156

Campbe l l , John , 193

capac idade de 1er e escrever, 40 ,211

capi ta l i smo, 4 1 , 2 4 6

C a r a n d 'Ache ( E m m a n u e l Poi ré ) , 196

carrascos , 1 0 5 , 1 4 7 , 1 5 1 , 1 5 3 , 1 7 0 , 2 2 2

Ca r t a Adân t i ca ( 1 9 4 1 ) , 2 0 8

casamen to : a u t o r i d a d e d o s pais n o , 62-

3; dire i tos de d ivórc io e, 62-4 , 150,

168, 180; e n t r e d i fe ren tes g r u p o s ,

188,192

Castel lane, C o m t e de , 151

c a t o l i c i s m o : a r g u m e n t o d o s d i r e i t o s

n a t u r a i s c o n t r a , 122; d i re i tos civis

b r i t ân icos e , 1 5 9 ; d o m í n i o n a F ran ­

ça do , 2 4 , 7 0 , 7 4 , 1 4 6 , 1 5 5 , 1 7 9 , 1 8 1 ;

274

nas colônias a m e r i c a n a s , 148, 160;

tát icas da Inquis ição d o , 7 4 , 7 6 , 1 8 0

Cavour , Cami l lo di , 185

cérebro , f u n c i o n a m e n t o do , 3 1 , 3 9

C h a m b e r l a i n , H o w a r d Stewar t , 192-3 ,

195 ,268

C h a m f o r t , S é b a s t i e n - R o c h Nico la s ,

144 -5 ,262 ,263

C h o d o w i e c k i , Danie l , 100

Chré t i en , Gil les-Louis, 9 0 , 9 2

Church i l l , W i n s t o n , 208

Clarissa ( R i c h a r d s o n ) : d i l e m a f emi ­

n i n o ap re sen t ado e m , 4 6 , 5 3 , 5 9 , 6 3 ;

p u b l i c a ç ã o de , 39, 46; r eações dos

lei tores a, 4 6 , 4 8 , 4 9 , 5 1 , 5 5 , 6 8 , 8 9

C l e r m o n t - T o n n e r r e , c o n d e Stanis las

de , 1 4 6 - 7 , 1 5 3 , 1 5 8 , 2 6 4

clínica méd ica , t r a t a m e n t o da d o r na,

97

c o l a r i n h o d e ferro, 7 8 , 7 9 , 1 4 1 - 2 , 1 4 4 ,

145

C o m i t ê dos Sete, 136 ,139 ,262

C o m i t ê sobre a Cons t i tu i ção , 129 ,133 ,

1 5 7 , 2 6 1 , 2 6 3

C o m i t ê sobre a Lei Cr imina l , 139,262

Common Sense (Pa ine) , 129

c o m u n i d a d e , a u t o n o m i a i n d i v i d u a l

vs . ,64

c o m u n i s m o , 197 ,199

C o n d o r c e t , m a r q u ê s de, 23 ,107 ,127-8 ,

1 6 1 , 1 7 1 , 1 7 3 , 2 3 9 - 4 0 , 2 6 5 ; sobre os

d i re i tos das mu lhe re s , 170-2

consciência , 65

C o n s t i t u i ç ã o ( E U A ) , 117, 1 2 1 , 126-7 ,

131 ,161

c o n s u m i s m o , 8 9 , 2 5 2

Contrato social, O (Rousseau) , 2 2 , 3 5

C o n v e n ç ã o Cons t i t uc iona l , 161

C o n v e n ç ã o Europe i a p a r a a P r o t e ç ã o

d o s D i r e i t o s H u m a n o s e L i b e r d a ­

des F u n d a m e n t a i s (1950) , 208

c o r p o : ca rá t e r r eve lado pe lo , 99 , 101;

d i g n i d a d e d o , 108; i n t eg r idade d o ,

2 7 - 8 , 3 0 , 8 2 , 2 4 1 ; n a p i n t u r a , 8 5

C o r t e I n t e r n a c i o n a l de Justiça, 203

C o s w a y , Richard , 90

cr ianças : con t ro l e dos pais sob re as, 28 ,

6 1 - 2 ; e d u c a ç ã o das , 6 0 - 2 ; p rá t i ca s

de cr iação das , 63

c r imes c o n t r a a h u m a n i d a d e , 202

c r i s t i an i smo , 93 , 1 3 4 , 2 4 5 , 252; igua l ­

d a d e das a l m a s n o , 28 , 40; p e c a d o

o r i g i n a l n o , 9 3 , 109; ver também

ca to l ic i smo, p r o t e s t a n t i s m o

Cuvier , Georges , 191 ,193 ,267

Dagge, Henry , 9 7 , 2 5 3

D a m á s i o , A n t ó n i o , 110 ,255

decap i tação , 8 0 , 1 4 0 , 1 4 3

14 a E m e n d a , 161

13 a E m e n d a , 161

declaração (def inição) , 113-4

Dec la ração da I n d e p e n d ê n c i a (1776) :

Bill ofRightsvs., 16, 126; busca da

fe l ic idade na , 64 ; D e c l a r a ç ã o da

Virg ina vs., 121; dire i tos h u m a n o s

a f i r m a d o s n a , 13 , 2 3 , 115-6 , 126;

f ranceses i n f l u e n c i a d o s pe la , 20 ,

127; tex to da, 219-23; t ransferência

de sobe ran ia a f i rmada na , 115

D e c l a r a ç ã o d e Di re i to s d a V i rg ín i a

(1776) , 121,126

D e c l a r a ç ã o dos Di re i to s d a M u l h e r

(1791) ,171

Dec la ração dos Direi tos do H o m e m e

do C i d a d ã o (1789) : adoção da, 13,

131 ; a f i r m a ç ã o d e a u t o e v i d ê n c i a

da, 17; aprovação real da, 136; con -

275

Page 138: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

t r o v é r s i a d o s d i r e i t o s i n f l a m a d a

pela, 15, 134-5; cr i tér ios d o s d i re i ­

tos pol í t icos e , 150 -1 ,153 ; Dec la ra ­

ção d a s N a ç õ e s U n i d a s vs . , 2 0 5 ;

dec la ração d o s direi tos das m u l h e ­

res m o d e l a d a na , 171 ; exc lusão

colonia l da, 162; l iberdade religiosa

n a , 132, 146, 152; m o t i v a ç ã o da ,

127 -30 ; m u d a n ç a d e s o b e r a n i a

suger ida pela, 133; o rei o m i t i d o na ,

115, 132; p r e c e d e n t e s a m e r i c a n o s

p a r a , 19, 127, 131 ; r a s c u n h o da ,

130 -1 ; r eações cr í t icas a, 125, 135,

179; reações socialistas a, 199-200;

s o b r e o g o v e r n o c o m o f iador d o s

di re i tos , 2 9 , 1 1 5 , 1 3 3 ; t e rmino log i a

d o s d i r e i t o s na , 2 3 , 240; t e x t o da ,

2 2 5 , 227 , 229 ; u n i v e r s a l i d a d e da ,

1 4 , 1 9 , 1 1 7 , 1 5 3 , 1 9 9 , 2 0 0

Dec la ração dos Dire i tos dos Traba lha­

d o r e s e d o s E x p l o r a d o s ( 1 9 1 8 ) ,

200-1

D e c l a r a ç ã o Unive r sa l d o s D i r e i t o s

H u m a n o s ( 1 9 4 8 ) , 1 5 , 2 0 5 , 2 1 5 , 2 2 9

Defoe, Danie l , 62

deg radação cívica, 141

Delaunay, Nicolas, 37

Dez M a n d a m e n t o s , 124

Dicionário Filosófico (Voltaire) , 75 ,248

Diderot , Denis , 25 ,55-6 ,80 ,90 ,240,243,

245 , 252; enc ic lopéd ia d e , 36 , 87,

104 ,240 , 244; sobre d i re i tos n a t u ­

rais, 25; sobre Richardson, 55 ,245

direi to r o m a n o , 76

Direitos do homem, Os ( P a i n e ) , 135,

174

dire i tos h u m a n o s : abol ição da t o r t u r a

l igada aos , 102-3 , 106, 108, 113 ,

254; au toev idênc ia dos , 17, 2 4 , 2 9 ,

33 ; bases b io lóg icas p a r a exclusão

d o s , 187 -95 ; c o m o n a t u r a i s , 19,

115-25 ,256-7 ; conflitos en t re , 215;

da l iberdade , 6 1 , 1 8 1 , 2 0 0 ; da to le­

rância religiosa, 24, 7 3 - 4 , 1 2 1 , 132,

146, 1 5 2 , 1 5 4 - 5 , 160; das m i n o r i a s

é tn i ca s , 185; ver também n e g r o s ;

j u d e u s ; d e n t r o da e s t r u tu r a nac io ­

na l , 177; d i r e i t o s d i v i n o s vs. , 238 ;

esforços i n t e r n a c i o n a i s pa r a , 202 -

7, 209 , 215 ; foco pa r t i cu l a r i s t a vs.

p e n s a m e n t o un ive r sa l i s t a s o b r e ,

116-8, 120, 122-6; fontes seculares

d o s , 132; g a r a n t i a g o v e r n a m e n t a l

dos , 1 9 , 1 3 3 , 1 7 8 , 1 8 4 - 5 ; igua ldade

d o s , 17-9, 1 8 7 - 8 , 2 0 1 ; in to le rânc ia

re je i t ada c o m o , 73 -4 ; o r i e n t a ç ã o

soc ia l i s ta s o b r e , 1 9 7 - 2 0 1 ; p o d e r

pa t r ia rca l vs., 1 2 4 , 1 7 8 , 1 9 9 ; pol í t i ­

cos vs. n a t u r a i s , 67 , 124, 148; ver

também d i r e i t o s po l í t i cos ; r e c o ­

n h e c i m e n t o p r o g r e s s i v o d o s , 27 ,

177; s o c i e d a d e h i e r á r q u i c a t r a d i ­

c ional a m e a ç a d a pelos , 178-81; ter­

mino log i a dos , 20 -4 ,238 ; universa­

l idade dos , 1 4 , 1 6 , 1 8 - 2 0 , 6 9 , 1 1 6 - 8 ,

1 2 0 , 1 2 2 - 6 , 1 3 2 , 1 3 6 , 1 7 7 , 1 8 8

dire i tos h u m a n o s , declarações dos: da

O N U ver D e c l a r a ç ã o Universa l d o s

Di re i tos H u m a n o s ; f rancesa ver

Declaração dos Direi tos d o H o m e m

e d o C i d a d ã o ; n o s E U A , 1 1 6 - 8 , 1 2 0 ,

122-6; ver também Bill of Rights,

amer icana ; Declaração da I n d e p e n ­

dênc ia ; t r ans fe rênc ia de sobe ran i a

sugerida por , 114-5 ,132-3

dire i tos pol í t icos: das m i n o r i a s rel igio­

sas, 146, 148-9 , 1 5 1 - 6 1 , 177, 181 ,

263 ; das m u l h e r e s , 67 -9 , 1 4 1 , 1 4 7 -

276

9 , 1 5 1 , 1 5 3 , 1 5 7 , 1 6 8 - 7 5 , 1 7 7 , 1 8 9 -

9 0 , 1 9 9 , 2 0 7 , 2 6 5 ; d i re i tos na tu ra i s

v s . , 6 7 , 1 2 3 , 1 2 4 , 1 4 8 ; d o s t r aba lha ­

dores , 177 ,198 ; igua ldade vs., 181;

n o s E U A , 148; n o s t e r r i t ó r i o s co lo ­

niais , 194-5; posse de p r o p r i e d a d e

vs., 2 6 , 1 4 8 , 163 ,170 ; profissão vs.,

147, 149, 153 ; r a ça vs . , 149, 1 5 1 ,

160-7; requis i tos de idade dos , 147-

8 ,151

divórcio , 6 2 - 4 , 1 5 0 , 1 6 8 , 1 8 0

D o d d , Wi l l iam, 122 ,258

d o r : c o m o e x p e r i ê n c i a c o m u n a l , 94 ;

p o r n o g r a f i a da , 214 ; t r a t a m e n t o

m é d i c o da , 97

Dos delitos e das penas (Beccar ia ) , 80 ,

248

DredScott, 161 ,264

Dreyfus , Alfred, 1 8 6 - 7 , 1 9 6 , 2 0 0

D u P o n t d e N e m o u r s , P i e r r e -Samue l ,

125 ,260

D u p a t y , C h a r l e s - M a r g u e r i t e , 106-8 ,

254

Eden , Wi l l iam, 98

Edi to de Tolerância (1787) , 154-5

e d u c a ç ã o , 6 3 ; a u t o n o m i a d a i n d i v i ­

d u a l i d a d e na , 6 0 - 1 ; das m u l h e r e s ,

6 8 , 1 7 5 ; públ ica , 125

Edwards , T h o m a s , 46

Elements ofCriticism ( K a m e s ) , 5 6 - 7 ,

245

Emílio (Rousseau) , 2 2 , 6 0 - 1 , 6 3 , 6 8 , 2 4 6

e m o ç ã o ver pa ixões

empa t i a : através das l inhas do gênero ,

4 8 , 60 ; c o m o m e i o d e ape r fe i çoa ­

m e n t o m o r a l , 5 5 - 8 , 6 5 - 6 , 1 0 9 ; defi­

n ição , 65; desenvo lv imen to da, 27,

39; e v o c a d a n o s r o m a n c e s , 3 1 - 2 ,

3 8 - 4 3 , 4 - 9 , 5 5 - 6 , 60 ; f ron t e i r a s

soc iocu l tu ra i s t r a n s p o s t a s pela, 27 ,

38-9 ; f u n c i o n a m e n t o do cé rebro e ,

3 1 , 39; i g u a l d a d e e , 26, 39; l imi tes

da , 212 , 2 1 3 , 214; r e f o r m a s c r i m i ­

na is p r o d u z i d a s pela , 82; s i m p a t i a

vs., 65 ; t o r t u r a e , 3 0 , 1 0 8 - 0 9

e m p r e g a d o s domés t i cos , d i re i tos pol í ­

t icos dos , 149

Encyclopédie (D ide ro t ) , 3 6 , 5 5 , 8 7 , 1 0 4 ,

2 4 0 , 2 4 4 , 2 5 1 , 2 5 4 , 2 5 6

e n f o r c a m e n t o s , 76 ,78

E q u i a n o , O l a u d a h , 6 7 , 2 4 7

e s c r a v i d ã o : a b o l i ç ã o a m e r i c a n a da ,

1 6 0 - 1 , 193; a b o l i ç ã o f rancesa da ,

27, 149, 160-1 , 165-7; abo l ic ion i s ­

tas e , 6 7 , 1 6 1 - 2 , 1 6 7 , 191 ,207 ;ações

in t e rnac iona i s c o n t r a a , 206-7 ,210 ;

a r g u m e n t o s dos d i r e i t o s n a t u r a i s

c o n t r a a , 2 0 , 1 1 9 , 1 3 4 ; de p r i s ione i ­

ros em guer ras jus tas , 119; dire i tos

das m u l h e r e s vs. , 67 , 151, 169; n a s

colônias francesas, 1 6 1 - 7 , 1 8 1 , 1 9 1 ;

negros livres vs., 151; p u n i ç ã o cor ­

p o r a l e, 78; relatos autobiográf icos

da, 67

Espinosa , 110,255

Essai sur l'inégalité des races humaines

( G o b i n e a u ) , 191,267

Es tados Un idos : Bill of Rights dos , 16,

117, 1 2 1 , 126; C o n s t i t u i ç ã o d o s ,

117, 1 2 1 , 1 2 6 - 7 , 1 3 1 , 1 6 1 ; d i r e i tos

das m i n o r i a s re l ig iosas n o s , 159-

60; eligibil idade dos dire i tos pol í t i ­

cos expand ida nos , 148; escravidão

n o s , 2 0 , 7 8 , 1 6 0 - 1 , 1 9 3 ; n a s c i m e n t o

r e v o l u c i o n á r i o d o s , 15, 2 3 , 6 1 - 2 ,

122 ,134; restr ições é tnicas de i m i ­

g r a ç ã o n o s , 186; s o b r e g r u p o s d a

277

Page 139: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

p a z i n t e r n a c i o n a l , 202 -4 ; sufrágio

f e m i n i n o n o s , 190

Es tados-Gera i s , 170 ,240

eu in ter ior , revelação co rpo ra l d o , 99,

101

exper iência religiosa: aprec iação ar t í s ­

tica da , 83 ; m o r a l i d a d e secular vs.,

57 ,58

expressão , l i b e r d a d e d e , 2 1 , 1 8 1 , 2 0 1 ,

206 ,229

famíl ia , r e f o r m a s legais francesas na ,

61-2

federalistas, 136

feitiçaria, 7 6 , 2 4 9 , 2 5 4

f emin i smo , 6 8 , 1 9 0

Fielding, Henry , 4 6 , 5 7

Fielding, Sarah, 4 8 , 5 5

F i lmer .Robe r t , 124,259

fisionotraço, 92

Fi tz-Wil l iam, Lady Char lo t t e , 88

Foucaul t , Michel , 2 4 1 , 2 5 1

Fourier , Char les , 199,268

França: an t i s s emi t i smo na , 186-7; Ar­

gélia i nco rpo rada à, 193-4; Declara­

ção dos Di re i tos do H o m e m e do

C i d a d ã o ver Dec la ração dos Dire i ­

tos do H o m e m e do C i d a d ã o ( en ­

t r ada p r inc ipa l ) ; dialetos regionais

da, 185; diferenças religiosas na, 24,

70 ,74 ,146 ,149-58 ; escravidão colo­

nial da , 161-7, 181, 190; i m p e r i a ­

l i s m o da , 1 7 9 - 8 1 , 183 , 193-5 ; n a

Pr imei ra Guer ra Mund ia l , 202; Re­

vo lução A m e r i c a n a a judada pela ,

127; Revolução Francesa, 1 4 - 5 , 4 7 ,

107, 135-6, 150, 169-70, 173, 179-

8 0 , 1 8 7 , 1 8 9 - 9 0 , 1 9 6 , 2 1 4 ; sufrágio

f e m i n i n o c o n c e d i d o na , 190; ver

também Assembleia Nacional

François , Louis , 47

F r a n k l i n , B e n j a m i n , 14, 16, 62 , 127,

249 ,260

Freder ico I I (o G r a n d e ) , rei da Prússia,

75

frenologia, 101

Gagneb in , Bernard , 2 3 9 , 2 5 6

Gluck, C h r i s t o p h Wil l ibald von , 83

G o b i n e a u , A r t h u r de , 192 -3 ,195 ,267

G o l d s m i t h , Oliver, 57

Gorba tchev , Mikhai l , 209

Gouges , O l y m p e de, 171 -3 ,265

Grã-Bre tanha : abol ição da escravatura

da, 160,207; controvérs ia dos direi­

tos na , 123-5 ,259 ; direi tos pa r t i cu ­

lares d o s h o m e n s l ivres da , 116,

119-20; direi tos pol í t icos das m i n o ­

rias religiosas na, 159; d o c u m e n t o s

dos direi tos na , 19 ,77 ,114 ,122 ,256 ;

r e s t r i ções de i m i g r a ç ã o da , 186;

sepa ração a m e r i c a n a da, 1 1 6 , 1 2 0 ,

122,127; sufrágio f emin ino na , 190;

te r r i tór ios colônias da, 194,208

G r a h a m , Wil l iam, 258

Grégoire , Bap t i s t e -Henr i , 161

G r i m m , Fr iedr ich Melchior , 2 4 3 , 2 4 5

G r o t i u s , H u g o , 60 , 117 -20 , 124, 2 4 1 ,

2 5 6 - 7 , 2 5 9

G u a d a l u p e , escravos e m , 168 ,181

G u i l h e r m e I da A l e m a n h a , 192

gu i lho t ina , 7 6 , 1 4 0 , 1 7 2

Guyomar , P ier re , 265

Haakonssen , K n u d , 2 4 1 , 2 5 6

H a i t i (Sa in t D o m i n g u e ) , l e v a n t e d o s

escravos do , 1 6 2 - 3 , 1 6 5 - 7 , 1 8 1 , 2 6 2

278

Haller, Albrecht von , 4 9 - 5 0 , 5 5

Heloísa , 3 5 , 3 7 , 2 4 2

he rança , d i re i tos de , 6 2 , 1 5 0 , 1 7 4

h e t e r o g e n e i d a d e é tn ica , m o v i m e n t o s

nacional is tas vs., 185

H i l l , A a r o n , 4 5 , 5 7 , 2 4 3

H i t l e r , A d o l f , 1 8 7 , 1 9 3 , 1 9 5

H o b b e s , T h o m a s , 118-9 ,124

H o g a r t h , Wi l l i am, 95

H o l b a c h , P a u l - H e n r i - D i e t r i c h d', 2 2 -

4 , 2 4 0

h o n r a , 142-5

H u m p h r e y , John , 205

H u t c h e s o n , Francis , 6 5 , 6 6 , 2 4 7

identif icação, 3 6 , 3 8 - 9 , 5 5 - 8 , 2 4 5

i g u a l d a d e : a r g u m e n t o s b i o l ó g i c o s

con t r a , 190-5; crítica social da, 2 0 1 ;

das a lmas cristãs vs. d i re i tos t e r r e ­

n o s , 40; do s is tema pena l , 139; dos

d i re i tos h u m a n o s , 1 7 - 9 , 1 8 7 - 8 , 2 0 1 ;

e m p a t i a e , 26 , 39 , 58 ; l i b e r d a d e s

polí t icas vs., 181

I l u m i n i s m o , 2 2 - 5 , 4 6 , 6 0 - 1 , 81-2 , 103,

1 1 2 , 1 5 6 , 1 7 5 , 1 8 0 , 2 4 4 , 262; a u t o ­

n o m i a ind iv idua l enfa t izada pe lo ,

6 0 - 1 ; r e fo rmas do s is tema c r imina l

e , 8 0 - 1 , 2 5 1 ; sobre e m o ç õ e s , 110-1

i m i g r a ç ã o , res t r ições racis tas na , 186,

194

i m p e r i a l i s m o , 183,194

i m p r e n s a , l ibe rdade de , 1 2 1 , 1 2 8 , 1 3 2 ,

174 ,181

í n d e x p a p a l d o s l ivros p r o i b i d o s , 46 ,

7 5 , 1 0 3

í n d i a , d o m í n i o b r i t ân ico da, 194

i n d i v i d u a l i d a d e , 2 8 - 9 , 3 2 , 4 8 , 56 , 59 ,

8 9 , 1 0 9 , 1 1 2 ; ver também a u t o n o ­

m i a indiv idual ; i n t e r io r idade

i n d i v i d u a l i s m o , a r t e do r e t r a t o e , 8 5 -

92

indus t r ia l ização , 198

Inqu is ição Catól ica , 7 6 , 1 8 0

in t e r io r idade , 2 8 , 4 8

Itália, unif icação da, 184-5

Jacquin , A r m a n d - P i e r r e , 51 ,244

Jahn, Fr iedr ich , 183-4 ,267

j a rd ins , c i rcui to de c a m i n h a d a e m , 85

Jaucour t , Louis de , 8 7 , 1 0 4 , 2 5 1

J a u r è s , J e a n , 2 0 0 , 2 0 9 , 2 6 8

Jefferson, T h o m a s : a Dec la ração F ran ­

cesa e , 13 ,129 ,130 ,240 ; c o m o a u t o r

d a D e c l a r a ç ã o d a I n d e p e n d ê n c i a ,

1 3 , 1 6 - 8 , 64 , 120, 132; c r i t é r io s de

p a r t i c i p a ç ã o po l í t i c a d e , 69 , 160;

escravidão e , 1 7 , 2 0 , 6 9 ; r e t r a to de ,

91 -2 ; s o b r e o d ivórc io , 64; s o b r e o

gove rno c o m o segurança dos di re i ­

tos , 30; s o b r e r o m a n c e s , 5 7 - 8 , 66 ,

6 8 , 1 1 1 ; t e r m o s dos direi tos h u m a ­

nos e m p r e g a d o s por, 20 ,136

Jesus Cris to , 2 2 , 9 9

Johnson , Samuel , 89 ,251

Jorge m, rei da Ingla ter ra , 113 ,116 ,121

j o r n a i s , 29 , 30, 172, 186-7 , 195, 197,

211

Journal to Eliza (S terne) , 90

j u d e u s : d i r e i t o s po l í t i cos c o n c e d i d o s

aos , 27 , 146, 149, 151-3 , 1 5 5 - 6 1 ,

170, 180, 195, 264; g e n o c í d i o n a ­

zista c o n t r a , 202; p r e c o n c e i t o xe­

n ó f o b o e u r o p e u c o n t r a , 1 8 6 - 9 1 ,

195,197

Ju lgamentos de N u r e m b e r g , 203

Júlia (Rousseau) , 3 8 , 4 1 , 4 6 , 5 6 , 5 9 , 6 8 ,

243 ; e n r e d o de , 3 5 , 5 9 ; prefácio de ,

54; reações empá t i ca s dos le i tores

279

Page 140: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

a , 3 6 , 4 7 ; s u b t í t u l o d e , 35 ; sucesso

de , 36

Kames , H e n r y H o m e , Lorde , 56 -7 ,245

Kant , I m m a n u e l , 6 0 , 2 4 5 , 2 5 5

K e r s a i n t , A r m a n d - G u y , 164-5 ,264

K n o x , R o b e r t , 193

Knox, Vices imus , 51

Lacretelle, P ie r re -Louis , 142 ,262

Lafayette, m a r q u ê s de , 14, 1 7 , 2 3 , 1 2 8 ,

1 2 9 , 1 3 6 , 1 6 1 , 2 4 0

Larner , Chr i s t ina A., 249

Le Blanc de Guil let , A n t o i n e , 239

Lei das C a u s a s M a t r i m o n i a i s (1857) ,

63

Lei do C a s a m e n t o (1753) , 62

lei posi t iva, 9 3 , 1 2 4

Leis d o s E s t r a n g e i r o s e da Sed ição

(1798) , 179

L e n g l e t - D u f r e s n o y , N ico l a s , 2 1 , 50,

238 ,244

Lênin , 201

Lepe le t ie r de S a i n t - F a r g e a u , L o u i s -

-Michel , 139-42

Letters ofjunius, The, 122 ,258

lettres de cachet, 62

Lévesque de Burigny, Jean, 118 ,256

Lewis, Mat thew, 214

l iberdade, a u t o g o v e r n o c o m o , 61

l ibe r t inagem, 51

Liga das Nações , 202-3

L ingue t , S i m o n - N i c o l a s - H e n r i , 104,

254

Locke, John. , 6 0 - 1 , 6 3 , 1 1 8 - 2 0 , 2 5 7

Loyseau d e M a u l é o n , A l e x a n d r e -

Jé rôme , 9 9 , 2 5 3

Lueger .Karl , 187

Luís xiv, rei da França , 2 2 , 7 8

Luís X V I , rei d a França , 105 ,107 -8 ,128 ,

136-7 ,144 , 156 ,248 ; ações revolu­

c i o n á r i a s c o n t r a , 130, 136; re for ­

m a s d o s i s t ema c r i m i n a l d e , 105,

107 -8 ,137 ,248

MacArdel l , James, 88

M a d i s o n , James, 118 ,240

M a g n a Ca r t a (1215) , 114

Maier , Paul ine , 1 2 6 , 2 3 7 , 2 4 2 , 2 5 7 , 2 6 0

Manco (Le Blanc de Gui l le t ) , 2 2 , 2 3 9

m a r c a de ferro em brasa , 262

Mar ivaux , Pierre Car le t de C h a m b l a i n

de, 29 ,241

Mar tucc i , Rober to , 262

M a r x , Karl , 1 9 8 , 2 0 0 - 1 , 2 6 8

M a s o n , George , 2 4 , 2 5 7

m a s t u r b a ç ã o , 52

ma te r i a l i smo , 110 ,197

Maury , Jean, 155

Mazzin i , G iuseppe , 1 7 7 , 1 8 4 , 2 6 6

Mercier , Louis -Sébas t i en , 22 , 8 7 , 2 5 2 ,

260

me toposcop i a , 101

Mick iewicz ,Adam, 184

Mill , John Stuar t , 190 ,194

M i r a b e a u , conde de , 2 3 , 2 4 , 2 4 0

m o n a r q u i a , 2 1 , 2 2 , 75 , 113 , 117, 127,

1 3 3 , 1 3 5 - 6 , 1 4 2 , 1 4 5 , 1 5 8 , 1 6 8 , 1 7 9 -

80

M o n t e s q u i e u , b a r ã o de, 2 9 , 1 4 2 - 3 , 2 4 1 ,

250

M o n t m o r e n c y , M a t h i e u , d u q u e d e ,

117 , 1 32 ,145

M o r e a u , Jean-Michel , 37

Morel le t , A n d r é , 103

m o v i m e n t o d e i n d e p e n d ê n c i a h ú n ­

garo, 185

m u ç u l m a n o s argel inos , 195

28o

m u l h e r e s : a u t o n o m i a pessoal das , 26 ,

58 -60 ,64 ,67 -9 ,169 ; c o m o h e r o í n a s

de f icção, 59 -60 , 68 ; ver também

r o m a n c e s ; c o m o p in to r a s d e re t ra ­

tos , 89-90; d e p e n d ê n c i a m o r a l i m ­

p u t a d a às , 26 , 169; d i r e i t o s de d i ­

vórc io das , 6 2 - 4 , 1 4 9 , 168; d i re i tos

pol í t icos das , 6 7 - 9 , 1 4 1 , 1 4 7 - 9 , 1 5 1 ,

1 5 3 , 1 5 7 , 1 6 8 - 7 5 , 1 7 7 , 1 8 9 - 9 0 , 1 9 9 ,

207 ,265 ; h o n r a das , 143; l imi tações

b io lógicas a t r i bu ídas às, 187, 188-

90; p u n i ç ã o c r i m i n a l das , 7 7 , 1 4 1 ,

172; s e n t i m e n t o a s s o c i a d o às , 90 ,

97

M u y a r t de Vouglans , P ie r re -Franço i s ,

9 3 - 4 , 1 0 2 - 3 , 1 0 8 - 1 1 , 2 5 2 - 3 , 2 5 5

nac iona l i smo , 3 0 , 4 1 , 1 7 8 , 1 8 2 - 7 , 1 9 7 -

8 , 2 4 1 ; po lonês , 183 ,186

Nações Un idas , 1 5 , 1 7 , 1 7 7 , 2 0 3 - 4 , 2 0 8 ,

210 , 2 2 9 - 3 0 , 232 , 2 3 5 - 6 ; D e c l a r a ­

ção Universal d o s Dire i tos H u m a ­

n o s a p r o v a d a pe las , 2 0 4 - 6 , 210 ,

229-36

N a p o l e ã o B o n a p a r t e , 1 4 5 , 1 6 7 - 8 , 1 7 8 ,

1 8 0 - 4 , 2 4 9 , 2 6 5

n a z i s m o , 202

n e g r o s : i n f e r i o r i d a d e b io lóg i ca a t r i ­

b u í d a a o s , 187 -95 ; l ivres , 16, 6 7 ,

149, 1 5 1 , 1 6 0 - 1 , 170; ver também

escravidão

Nicolas , Augus t in , 254

Observations on the Importance ofthe

American Revolution (Pr ice) , 134

Observations on the Nature of Civil

Liberty (Pr ice) , 123 ,246 ,258 -9

O g é , V i n c e n t , 1 6 3 , 2 6 4

o r g a n i z a ç õ e s n ã o g o v e r n a m e n t a i s

( O N G S ) , 209-10

Ot is , James , 119 ,257

Pa ine , T h o m a s , 1 2 9 , 1 3 0 , 1 3 5 , 1 7 4 , 1 7 9 ,

261

pais , a u t o r i d a d e abso lu ta dos , 28

p a i x õ e s : a u t o c o n t r o l e das , 82; c o m ­

p o r t a m e n t o c r imina l l igado a , 109-

10; c o n t r o l e e x t e r n o d a s , 92 , 9 3 ;

r azão vs., 110-1

Pamela ( R i c h a r d s o n ) , 4 0 - 1 , 4 4 , 4 9 , 5 1 ;

d i f e r enças de classe e m , 39 , 42 ;

efeito m o r a l de , 52-3 ; p o p u l a r i d a d e

de, 42-6 ; reações emoc iona i s a , 42 -

3 ; res t r ições da he ro ína e m , 59

Panckoucke , C. J., 4 7 , 5 6

Patriarcha (F i lmer ) , 124 ,259

p e c a d o or ig ina l , 9 3 , 1 0 9

p e l o u r i n h o , 7 7 , 7 8 , 1 4 2 , 2 4 9

p e n a d e m o r t e : a d m i n i s t r a ç ã o m e n o s

do lo rosa da, 76 ,102 ,139 -40 ; a d m i ­

n i s t r a ç õ e s t o r t u r a n t e s da , 70 , 77 ,

80 , 99 , 131-40 ; e x e c u ç ã o p ú b l i c a

da , 73 , 76 , 9 4 - 9 9 ; fa tor d i s suas ivo

da , 77 ; o p o s i ç ã o à , 8 0 - 1 , 98 , 139,

250 , 262; taxas de i m p l e m e n t a ç ã o

da, 7 7 , 1 0 2 , 2 5 3

pen i tênc ia , a tos formais dos c r i m i n o ­

sos de , 9 4 , 1 4 0 - 1

Pensamentos sobre a educação (Locke) ,

61

pe r fo rmances musicais , 83

Petição de Dire i tos (1628) , 114

Pigot t , John , 86

P ipe le t , C o n s t a n c e ( C o n s t a n c e d e

Sa lm) , 174-6 ,266

Place de Greve, 96

p o d e r pat r iarca l , 124

281

Page 141: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Poiré , E m m a n u e l ( C a r a n cTAche), 196

p resença ideal , 5 6 , 5 7

Pr ice , R i c h a r d , 14 -5 , 6 1 , 123-4 , 134,

2 3 7 , 2 4 6 , 2 5 8 , 2 5 9 , 2 6 1

Priestley, Joseph, 69

P r ime i r a G u e r r a M u n d i a l , 202 ,208

P r i m e i r o Es tado , 128

p r i m o g e n i t u r a , 62

pr ivac idade , no pro je to do lar, 85

p r o p r i e d a d e : a p r o p r i a ç ã o g o v e r n a ­

m e n t a l da, 131; crít ica socialista da,

198-201; d i re i tos l igados à , 2 6 , 1 4 8 ,

163 , 170; d o s n e g r o s l ivres, 163;

escravos c o m o , 119; p u n i ç ã o p e l o

confisco da, 142

p r o t e s t a n t i s m o : consc i ênc i a i nd iv i ­

dua l no , 28; dire i tos pol í t icos fran­

ceses e, 1 4 6 , 1 4 9 , 1 5 1 - 5 8 , 2 6 3 ; m a i o -

ria a m e r i c a n a , 160; na França , 24 ,

7 0 , 1 4 6 , 1 8 0 , 2 1 6

Protocolos dos sábios de Sião, Os, 197

P r u d h o m m e , Louis , 262

Pufendor f , S a m u e l , 117-8 , 120, 256 ,

257

p u n i ç ã o : obed iênc ia i m p o s t a pela, 61

p u n i ç ã o c o r p o r a l , 29 ; das c r ianças na

escola, 63; dos escravos, 78; fo rmas

b ru ta i s de , 2 9 , 7 7 , 2 4 9 ; h u m i l h a ç ã o

na , 79 -80 , 137, 141-3 ; m o d e r a ç ã o

n a , 105, 108, 2 5 0 - 1 ; m u l t a s , 98 ;

m u t i l a ç ã o na , 80, 140; p u n i ç õ e s

v e r g o n h o s a s vs. , 141 ; r eab i l i t ação

vs . ,98 ,139-40; ver rambém p u n i ç ã o

c r imina l ; p e n a d e m o r t e ; t o r t u r a

p u n i ç ã o c r i m i n a l : a b o r d a g e n s r a c i o ­

nais da, 8 0 - 1 , 9 3 ; c o m o reparação à

c o m u n i d a d e , 94, 98; cond ições da

pr i são e, 106; das mu lhe re s , 7 7 , 1 4 1 ,

171; de m e m b r o s da famíl ia , 142;

d e s o n r a da , 141 -5 ; i g u a l d a d e da ,

139; re formas francesas da , 136-45;

valor dissuasivo da , 7 7 , 9 4 , 9 8 , 1 4 0 ;

visões religiosas da , 92 -3 ,97 -8 ,102 ,

1 0 9 - 1 0 , 1 4 0 ; ver também p u n i ç ã o

corpora l ; p e n a d e m o r t e ; t o r t u r a

P u n t , Jan, 44

q u a r t o s de do r mi r , 8 4 , 9 2

q u e i m a na fogueira, 7 7 - 8 , 8 0 , 1 0 2 , 1 4 0

Quenedey , E d m é , 91-2

ques t ão pre l iminar , 7 0 , 1 3 7 , 2 5 5

ques t ão p repa ra tó r i a , 7 4 , 1 3 7 , 2 5 5

R a b a u t Sa in t -É t ienne , Jean-Paul , 24 -5 ,

1 3 1 , 1 5 2 , 1 5 4 , 2 1 6 , 2 6 1

r a c i s m o , 162, 188, 1 9 0 - 1 , 193-4 , 210;

ver também an t i s s emi t i smo

Raven, James, 242-3

Raynal , Gu i l l aume T h o m a s , 2 2 , 2 4 3

razão, 6 1 , 6 5 ; just iça c r imina l e , 8 0 , 8 1 ,

94; pa ixão vs., 110 ,111

rel igião: a r g u m e n t o s d o s d i re i tos n a ­

t u r a i s c o n t r a i n s t i t u i ções da , 122;

l i b e r d a d e d e , 128, 132, 146, 152,

154-5, 160, 2 0 0 , 2 0 4 , 2 0 6 ; p u n i ç ã o

c r imina l in f luenc iada pela , 9 2 , 9 3 ,

9 7 - 8 , 1 0 2 , 1 0 9 - 1 0 , 1 4 0 ; t o l e r â n c i a

d a , 2 4 , 7 3 - 4 , 1 2 1 , 1 3 2 , 1 4 6 , 1 5 2 , 1 5 4 -

5 , 1 6 0 , 1 8 1 - 2 , 2 1 6 , 2 4 8 ; ver também

ca to l i c i smo; c r i s t i a n i s m o ; j u d e u s ;

p r o t e s t a n t i s m o

revogação do Edi to de N a n t e s , 153

r evo luções : c o m p r o m i s s o c o m u n i s t a

c o m , 1 9 9 , 2 0 0 ; R e v o l u ç ã o A m e r i ­

cana , 15, 2 3 , 6 2 ; R e v o l u ç ã o F r a n ­

cesa, 1 4 - 5 , 4 7 , 1 0 7 , 1 3 5 - 6 , 1 5 0 , 1 6 9 -

70, 173, 179-80, 187, 189-90 , 196,

214; Revolução Russa, 200

282

Reynolds , Sir Joshua, 87-8

R icha rdson , Samuel , 3 9 , 4 1 , 2 4 3 ; c o m o

au to r a n ô n i m o , 45 ,243 ; c o m o "edi­

t o r " d e r o m a n c e s ep i s to l a r e s , 4 2 ,

53 -4 ; r eações d o s l e i to res a , 4 5 - 9 ,

5 1 , 5 5 - 6

Rights ofthe. British Colonies Asserted

and Proved, The (Ot i s ) , 119 ,257

R o b e s p i e r r e , M a x i m i l i e n d e , 1 4 2 - 3 ,

262

Robinson Crusoé (Defoe) , 4 1 , 6 2 , 6 3

Robison , John , 179

roda , supl íc io da , 7 0 , 7 3 , 7 8 , 8 0 , 9 6 , 9 9 ,

106 ,140 ,247

Roland , J eanne -Mar ie , 4 7 , 2 4 3

r o m a n c e s : a u t o n o m i a ind iv idua l n o s ,

58 -60 ; b u s c a d a a u t o n o m i a pe las

p e r s o n a g e n s femin inas , 58-60 , 68;

efeitos m o r a i s dos , 4 5 , 5 0 - 8 , 67 -8 ;

epis tolares , 3 0 , 3 2 , 3 8 , 4 1 , 2 4 3 ; gó t i ­

cos , 214; ident i f icação d o s le i tores

c o m os pe r sonagens dos , 3 6 , 3 8 , 4 2 -

3 , 4 5 - 8 , 55-6 , 58-60; l e i to rado dos ,

4 1 , 4 5 - 6 ; na tu reza in te r io r revelada

nos , 3 0 , 4 3 , 4 8 , 5 8 ; peças tea t ra is vs.,

4 3 ; pessoas c o m u n s c o m o p e r s o n a ­

gens centra is dos , 2 9 , 4 0 , 8 9 ; p o n t o

de vista do autor , 42; reações e m p á ­

ticas aos , 3 1 - 2 , 3 8 - 4 9 , 5 5 - 6 , 6 0 , 6 6

Romilly, Samuel , 80 ,250-1

Roosevel t , Eleanor , 2 0 5 , 2 3 6 - 7

Rothschi ld , família, 197

Rousseau , Jean-Jacques: c o m o r o m a n ­

cista, 3 5 - 6 , 4 1 , 4 6 - 8 , 5 3 - 4 , 5 7 - 8 , 2 4 3 ;

s o b r e R i c h a r d s o n , 47 , 243 ; t eor ias

e d u c a c i o n a i s d e , 6 0 - 3 , 6 8 ; t e r m o s

d e d i r e i t o s h u m a n o s u s a d o s p o r ,

2 2 - 3 , 7 0 , 1 2 7 , 2 3 8

R u a n d a , confli to é tn ico e m , 211

Rush , B e n j a m i n , 76 , 9 8 , 108-9 , 112,

2 4 9 , 2 5 3 , 2 5 5

Ruther fo rd , T h o m a s , 256

Sade, m a r q u ê s de , 2 1 4 , 2 6 9

Saint D o m i n g u e ver Hai t i

Salm, C o n s t a n c e de ( C o n s t a n c e P ipe -

l e t ) , 174

Saphi ro , Ba r ry M . , 2 5 5 , 2 6 0 , 2 6 2

Saunders , R ichard , 101

Schechter, Rona ld , 263-4

S c h n e e w i n d , J . B . , 2 6 , 2 4 0

sefarditas, 157

Segunda G u e r r a M u n d i a l , 202

S e g u n d o Es tado, 128

sellette, 137

sens ib i l idade , 28 , 66; ver também e m ­

pat ia ; s impa t i a

senso m o r a l in ter ior , 118

Servan , J o s e p h - M i c h e l - A n t o i n e , 105,

254

sexismo, 188 ,190

Shakespeare , Wi l l iam, 57

Sieyès, E m m a n u e l - J o s e p h , 2 3 , 6 7 - 8 ,

1 4 8 , 2 4 0 , 2 4 7 , 2 6 3

s impa t i a , 58 , 65 -7 , 109, 112; ver tam­

bém e m p a t i a

s indica tos , 198-9 ,234

Skipwith , Rober t , 57

Smi th , A d a m , 6 5 , 2 1 2 - 3 , 2 4 7

Sobre a admissão das mulheres aos

direitos da cidadania ( C o n d o r c e t ) ,

171

social ismo, 197-9

Sociedade Ant iescravidão, 207 ,209

soc iedade burguesa , 198

S o c i e d a d e d o s A m i g o s d o s N e g r o s ,

106,161

soc iedade h ierárquica , 178,182

283

Page 142: A Invenção dos Direitos Humanos - Lynn Hunt

Sociedade p a r a a Abo l i ção do Tráfico

de Escravos, 161 ,207

s o d o m i a , 8 0 , 1 4 0

Sp ie renburg , Peter, 250 ,252

Staèl, G e r m a i n e de , 266

Stalin, Joseph, 201

Starobinski , Jean, 245

Sterne , Laurence , 5 7 , 5 9 , 6 6 , 6 8 , 9 0 , 9 2 ,

111 ,252 ,255

strappado,7\

suicídio, 4 3 , 7 4

Sujeição das mulheres, A (Mil l ) , 190

S u p r e m a C o r t e d o s E s t a d o s U n i d o s ,

161,190

supremacia : a r iana , 203

Tackett, T imothy , 1 5 4 - 5 , 2 6 1 , 2 6 3 , 2 6 5

T a l l e y r a n d - P é r i g o r d , C h a r l e s - M a u ­

rice de , 157-8

tea t ro , 4 3 , 5 4 - 5 , 8 3 , 2 4 5

teor ia da lei n a t u r a l , 256; ver também

direi tos h u m a n o s ; c o m o na tu ra i s

Teoria dos sentimentos morais (Smi th ) ,

6 5 , 2 1 2 , 2 4 7 , 2 6 9

Terce i ro E s t a d o , 2 3 , 126, 128-9 , 240 ,

255 ,260

Terror, 16 ,144 ,178

T h e r b u s c h , Anna , 90

T h é r e m i n , Char les , 174-5 ,266

Tissot , Samuel -Augus te , 5 2 , 2 4 4 , 2 4 7

Tocquevil le, Alexis de , 38 ,193 ,242 ,267

Tod, James, 258

Tom Jones (Fielding), 4 1 , 4 6 , 5 1

t o r t u r a : abo l i ç ão oficial da , 7 5 , 108,

136-9 ,248-9 ; af i rmações dos di re i ­

tos h u m a n o s vs. , 1 0 2 - 3 , 106, 108,

113,254; c a m p a n h a c o n t r a a , 102-

6 ,108 ,254 ; convenção d a O N U con ­

tra , 210; empa t i a e, 30, 1 0 8 - 9 , 1 1 1 -

2 ; m é t o d o s de, 70 ,74 ,76 ,137 ; m o t i ­

vação religiosa da , 1 0 2 , 1 8 0 ; n o c a s o

Calas , 70, 7 4 , 9 9 ; p a r a ob te r infor­

mações , 2 9 , 7 0 , 7 4 - 6 , 9 9 , 1 0 1 -2 ,104 ,

108 ,138 ,180 ; p e n a d e m o r t e a d m i ­

n i s t r ada c o m , 7 0 , 7 7 , 8 0 , 9 9 , 1 3 1 -40;

r e s su rg imen to c o n t e m p o r â n e o da,

210-1

Toussa in t -Louver tu re , 166-7

t r a b a l h a d o r e s , d i r e i t o s po l í t i cos d o s ,

177,198

Tratado sobre a tolerância por ocasião

da morte de Jean Calas (Vol ta i re ) ,

73

t r i bu tação , 1 2 5 , 1 2 9 , 1 3 2 , 2 2 7

Tristram Shandy(Steme),4l, 59

t r o n c o ( i n s t r u m e n t o d e t o r t u r a ) , 77,

142,249

Tyburn , execuções públ icas e m , 7 6 , 9 5 -

6

U n i ã o Sovié t ica , 2 0 3 - 5 , 209 ; n a P r i ­

me i r a G u e r r a M u n d i a l , 202

Ut i l i t a r i smo, 124,250

Van d e r C a p e l l e n t o t d e n Poli , Joan

Derk , 123 ,259

Vattel, E m e r de , 256-7

Viagem sentimental, Uma (S te rne) , 59,

111

vida secular, 57

Vindication of the Rights of Woman

(Wol ls tonecraf t ) , 172-4

v io lênc ia : da r e v o l u ç ã o po l í t i ca , 179;

r e p o r t a g e n s d a m í d i a m o d e r n a

sobre , 2 1 1 ; sensac iona l i smo da , 214

Vol ta i re , 2 1 , 29 , 36 , 3 8 , 7 3 - 5 , 8 1 , 9 3 ,

2 3 8 - 9 , 242 , 2 4 8 , 2 5 0 , 260 ; a r g u ­

m e n t o dos d i re i tos h u m a n o s u s a d o

284

por , 73-4; sobre o caso da t o r t u r a de Wol l s tonecra f t , Mary , 68 , 135, 1 7 2 - 3 ,

Calas, 7 3 - 4 , 8 0 - 1 , 9 9 , 2 4 8 , 2 5 0

Wagner , Richard , 192

Walpole , H o r a c e , 4 8 , 8 7 , 2 4 4 , 2 5 1

Wilkes, John , 122 ,258

Wi lson , W o o d r o w , 208

1 7 5 , 2 4 7 , 2 6 1 , 2 6 5

W o r d s w o r t h , Wi l l i am, 167 ,265

xenofobia , 186

Zola, Emile , 187 ,196

285