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1 ARTEREVISTA, n. 4, ago./dez. 2014, p. 1-13 ENTREVISTA Liliana Bellio Vieira 1 e Alessandra Rocha Fernandes 2 CHICO HOMEM DE MELO Uma das maiores referências contemporâneas na produção e ensino de Design Gráfico no Brasil Professor doutor, pesquisador, membro da Comissão de Graduação da FAU-USP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde se encontra o programa de graduação e pós-graduação em Design, no qual faz parte do Departamento de Projeto. Designer e sócio-diretor do escritório de design com atuação voltada à educação e à cultura, Homem de Melo & Troia Design. Escreve regularmente sobre Design Gráfico, é autor dos livros: Design gráfico caso a caso: como o designer faz design (2000), Os Desafios do Designer, (2003), Signofobia (2005), O design como ele é - Homem de Melo & 1 Professora coordenadora do curso de Design da Faculdade Paulista de Artes. 2 Graduanda do último período do curso de Design da Faculdade Paulista de Artes.

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ARTEREVISTA, n. 4, ago./dez. 2014, p. 1-13

ENTREVISTA

Liliana Bellio Vieira1 e Alessandra Rocha Fernandes2

CHICO HOMEM DE MELO

Uma das maiores referências

contemporâneas na produção

e ensino de Design Gráfico no

Brasil

Professor doutor, pesquisador, membro da

Comissão de Graduação da FAU-USP - Faculdade

de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde se

encontra o programa de graduação e pós-graduação

em Design, no qual faz parte do Departamento de

Projeto.

Designer e sócio-diretor do escritório de design

com atuação voltada à educação e à cultura,

Homem de Melo & Troia Design.

Escreve regularmente sobre Design Gráfico, é autor dos livros: Design gráfico caso a caso: como o designer faz

design (2000), Os Desafios do Designer, (2003), Signofobia (2005), O design como ele é - Homem de Melo &

1 Professora coordenadora do curso de Design da Faculdade Paulista de Artes. 2 Graduanda do último período do curso de Design da Faculdade Paulista de Artes.

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Troia Design 2004-2005-2006 (2007), O Design Gráfico Brasileiro: anos 60 (2006), vencedor do prêmio Jabuti

2007 na categoria Arquitetura e Urbanismo, Fotografia, Comunicação e Artes e Linha do tempo do design

gráfico no Brasil em parceria com Elaine Ramos3 (2011). Este último deu origem à exposição Túnel do tempo

do Design Gráfico no Brasil no Sesc Pompéia na cidade de São Paulo, que esteve em visitação de 21 de agosto

a 6 de outubro de 2014 com prazo estendido até 30 de novembro, assim permanecendo ainda durante o mês de

comemoração ao Dia Nacional do Design, 5 de novembro4.

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Esta entrevista faz abordagem sobre a pesquisa do livro Linha do tempo do design

gráfico no Brasil (744 p.), um compêndio do design gráfico feito no país, e também sobre

a curadoria da exposição, no que diz respeito à seleção de espécimes e as dificuldades

encontradas para reunir os exemplares originais e apresentar um panorama de dois séculos

apresentados, de 1808 a 1999. A exposição reuniu cerca de 100 originais entre livros,

revistas e outras peças gráficas, e mais 40 fac-símiles de cartazes.

O livro apresenta divisão por décadas, de 1808 a 1999, o início de tudo aqui no

Brasil, pois até 1808 era proibido imprimir no Brasil. Quando a corte portuguesa foge da

Europa e se instala no Rio de Janeiro, uma das primeiras medidas de Dom João VI foi a de

criar a impressão Régia, gráfica esta a serviço da Coroa. Assim o que se pode chamar de

Design Gráfico inicia-se apenas no século XIX. Melo (2011) comenta que, por estarmos

um pouco atrasados na América — por exemplo, em comparação à colonização espanhola,

em que na cidade do México a primeira gráfica foi inaugurada em 1539 —, a sensação que

fica é de que “Chegamos atrasados na festa”. Não por acaso, este é o título do primeiro

conjunto de publicações originais apresentadas na exposição.

Assim livro e exposição são divididos em décadas, e para cada uma delas sua

contextualização, a qual se vê refletida nas produções/publicações. Na exposição cada

década recebe um título que representa um padrão mais evidentemente percebido:

Anos 1900 a 1910: O mundo é colorido; Anos 1920: Diversidade para além do

Modernismo; Anos 1930: Consolidação das mudanças; Anos 1940: Cicatrizes da Guerra;

Anos 1950: Estreia do design modernista; Anos 1960: Explosão criativa; Anos 1970:

Contracultura e militância política; Anos 1980: A fotografia assume o comando; Anos

3 Elaine Ramos - Diretora de arte na editora Cosac Naify, desde 2004, na qual também coordena as publicações de design. 4 Data instituída no Brasil no ano de 1998, em homenagem ao nascimento do importante designer brasileiro Aluísio Magalhães.

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1990: Ritual de passagem; novamente há uma mudança, a década de 1990 é o marco que

separa “antes do computador” e “depois do computador”.

Em entrevista concedida em seu escritório Homem de Melo & Troia Design, São

Paulo, em 7 de novembro de 2014, Chico Homem de Melo nos conta sobre os motivos que

o levaram à pesquisa da produção de Design Gráfico no Brasil, as dificuldades em

encontrar e selecionar os exemplares para o livro e para a montagem da exposição e ao

final faz apontamentos quanto à produção atual e futura do design gráfico.

AR - O livro inicia basicamente com peça do século XIX (1808) e vai até XX (1999). Qual

peça foi a mais difícil de ser encontrada e/ou catalogada?

CHM - Em uma pesquisa dessa abrangência não se pode falar individualmente de peças,

pois existem graus diferenciados de dificuldade. De certo modo, as peças mais antigas são

mais difíceis de encontrar, mas às vezes pode ser mais difícil adquirir uma peça recente a

uma do século XIX.

Em princípio, como estamos falando de Design Gráfico, dentro desse universo editorial,

livros, revistas, jornais, cartazes, selos e outros. Em tese considera-se que quanto mais

duradoura a peça gráfica, em sua própria concepção, mais fácil de encontrar, e quanto mais

efêmera, na sua própria concepção editorial, mais difícil. Então, um jornal é mais difícil de

ser encontrado porque ele é feito para durar um dia, enquanto um livro é feito para ser

“eterno”. Para os livros existem instituições que os guardam, que são as bibliotecas, até por

legislação, cada livro publicado no Brasil deve ter um exemplar depositado na biblioteca

nacional, então o livro é protegido institucionalmente.

O que acontece é que existe muito mais dificuldade em encontrar um exemplar do Jornal

da Tarde dos anos de 1980 do que um livro de 1880. Encontra-se um livro de 140 anos, e

não se encontra um jornal de 40 anos. A imprensa editorial não guarda exemplares, por

uma questão de espaço físico e por outros fatores. Em uma visão macro, uma revista da

década de 1970 pode ser mais difícil que um livro da década de 1930. Então, quanto mais

efêmero como um jornal, mais difícil. Livros se tornam um pouco mais fáceis de ser

encontrados, a não ser os de baixa tiragem, como alguns mais artesanais.

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Um exemplo clássico são as publicações em torno da geração da Semana de 22, livros

feitos para aquele grupo de intelectuais que estavam gravitando novas ideias que chegavam

ao Brasil naquele momento. Eles publicaram bastante, do ponto de vista de quantidade de

títulos, mas eram tiragens pequenas, como 50, 200, 300, apenas para o grupo. Dentro da

dimensão cultural, hoje essas obras se tornaram importantíssimas, são dificílimas, é

possível encontrá-las em leilão e caríssimas.

Também os livros de arte, os livros experimentais, que são quase livros objeto, - eu me

lembro de Aloísio Magalhães, que fez alguns livros especialíssimos, com tiragens

pequenas, em torno de 1.500 exemplares, como Doorway to Brasília, são raríssimos.

Algumas dessas raras publicações podem ser encontradas em colecionadores particulares

ou instituições, em São Paulo e Rio de Janeiro, as mais relevantes que nos cederam foram a

Brasiliana, IEB, Biblioteca Nacional e Casa Rui Barbosa. Em cada uma pudemos obter

cerca de seis a dez exemplares, os demais tivemos que ir atrás.

Em geral se poderia classificar que livros comercializados normalmente em livrarias são

mais fáceis que exemplares do século XIX e início do século XX são mais difíceis, e que a

partir dos anos de 1920 a quantidade de livros encontráveis é consideravelmente maior.

Vou contar sobre duas exceções que ocorreram na busca aos exemplares para o livro Linha

do tempo do design gráfico no Brasil. Uma foi em relação aos cartazes das páginas 214-

215, são cartazes da época da Ditadura, da década de 1940. Os cartazes foram

desenvolvidos pelo DIP - Departamento de Informação e Propaganda, eram de

impressionante qualidade de produção gráfica, acredito que os melhores profissionais

trabalhavam lá, mas hoje, ninguém sabe onde estão esses cartazes. Na reprodução usada no

livro, eles aparecem em preto e branco, mas originalmente eram coloridos, esse

departamento funcionava como um ministério da cultura, que tinha controle sobre toda a

informação, e também onde se fazia a censura. No livro eu deixei a seguinte frase: “A

produção do DIP, no campo da comunicação gráfica, é uma história à espera de ser mais

especialmente recuperada e contada”. Instigando assim a uma busca.

AR - Parece que não guardavam por não darem valor, talvez por ser material de

comunicação.

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Parece, mas vou contar a outra que foi da década de 1950, páginas 264-265, trata-se de

uma família de cartazes premiados que participaram da 1ª Mostra de Propaganda do

MASP. Esses cartazes envolvem uma grande empresa multinacional italiana, a Olivetti,

empresa de cultura avançada para a época, que sabia da importância e que valorizava a

cultura, tanto que contratava profissionais da mais alta qualidade para desenvolver suas

peças gráficas e seu material profissional. Esses cartazes a que me refiro foram feitos por

Leopoldo Haar, um dos professores do Masp, nos cursos do IAC – Instituto de Arte

Contemporânea. As fotos dos cartazes, de altíssima qualidade estética e técnica, foram

feitas por seu irmão, que possuía um estúdio de fotografia em São Paulo.

Neste caso temos o Masp, a empresa Olivetti e um profissional de formação europeia, com

toda a família ligada à cultura e às artes. Eu entrei em contato com o Masp, com a Olivetti

do Brasil e com a filha de Leopoldo Haar, a atriz Mira Haar. Ninguém sabe onde estão. A

única esperança que tenho é que possa haver um acervo na Olivetti italiana.

Nesses dois exemplos só há a reprodução da reprodução, os cartazes eram coloridos, mas

não sabemos quais eram suas cores.

AR - Das 140 peças da exposição Túnel do Tempo do Design Gráfico, qual delas tem um

valor afetivo maior? Por quê?

CHM – Das 140 peças da exposição, cento e sete são originais e os demais são cartazes

fac-símiles. Dentre as peças originais que lá estão, a de maior afetividade é a série Olho de

boi, acho lindo, emocionante, porque tem todo um mistério em torno de quem fez, como

fez, onde foi feito. Eu consegui comprar um livro da década de 1920 que discute a autoria

dos Olhos de boi, um livro que também foi difícil de encontrar.

Como o Olho de boi foi a primeira série de selos emitidos no Brasil e o segundo selo postal

do mundo, sendo precedido pelo selo inglês, é uma peça valorizada mundialmente. Não é

apenas mais um selo da história da filatelia mundial, que deve chegar a milhões de selos

impressos. É um selo raro e além do fato de ser muito singelo tem até um valor monetário,

nada muito extraordinário. Uma de suas peculiaridades é que não há nele nem o nome do

país e nem o ano, em função da ausência ainda de uma formatação para o que deveria ser

um selo postal.

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AR – Após dois séculos de produção em design gráfico, parece que agora temos uma

história para contar, e que apenas vendo tais trabalhos reunidos é que poderíamos

entender isso e dar a devida importância.

Qual ou quais motivos o fizeram despertar para essa pesquisa em design gráfico no

Brasil? Criar o livro foi o principal deles ou foi a partir de outro trabalho que surgiu o

interesse?

CHM – Como toda história, é cheia de idas e vindas. Eu sou designer e professor, atuo

nesse campo há cerca de trinta anos, sempre tive afinidade por impressos e para com os

impressos antigos. Fui reunindo materiais, montei um acervo com peças que eram

significativas dentro do meu interesse na linguagem gráfica.

A partir de meados dos anos 1980 eu comecei a atuar na área de livro didático, em que

atuo até hoje; no início eu fazia o que se chamava de edição de imagens, e hoje se chama

pesquisa iconográfica. Eu fazia o projeto gráfico dos livros, especialmente livros de

português, língua e literatura e fazia a pesquisa iconográfica de usos e das manifestações

da língua portuguesa, ou mesmo ilustrações que tivessem a ver com a história da literatura

brasileira e com isso fui reunindo um conjunto grande de imagens. Por muito tempo eu fiz

essa pesquisa iconográfica, hoje não faço mais. Naquele tempo as editoras não tinham um

departamento para essa pesquisa de apoio ao projeto gráfico, eu tinha um interesse natural

e passei a adquirir um conjunto plausível de materiais que tinham a ver com a cultura

brasileira e que tinham algum interesse do ponto de vista visual.

Em 2004 eu fiz a pesquisa que gerou o livro O Design Gráfico Brasileiro: anos 60, que é

o livro que antecedeu o livro Linha do tempo do design gráfico no Brasil que a

incorporou.

No livro “a linha do tempo”, tem um texto que chama “Crônica do processo de produção”

em que conto o passo a passo do livro que começa justamente com a demanda da editora

Cosac Naif, da Elaine Ramos, que estava publicando o livro A história do design gráfico

de Philip Meggs, que é talvez o principal livro da história do design gráfico mundial, que

iria ser lançado aqui e não tinha um panorama sobre o Brasil, o que causou um certo

desconforto para a própria editora. Então, ela pensou em acrescentar um encarte no livro e

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isso foi evoluindo e virou o livro Linha do tempo do design gráfico no Brasil, por isso até

o formato do livro é o mesmo, com quase o mesmo número de páginas, mas que não tem a

ambição de ser uma história e sim um panorama, uma linha do tempo bastante encorpada.

Eu não chamo o que eu faço de história, porque eu sou designer, é quase como se eu fosse

um “colecionador de figurinhas”, minha ótica é do designer, na relação direta com a peça,

com isso a pesquisa não é factual, meu embate é com a peça gráfica, minhas informações

estão na peça, eu tenho uma informação de contexto, mas não vou atrás do contexto para

buscar a peça, é ela que me traz o contexto. Com isso, eu não procuro a história dos

designers e evito procurar os autores para não ser influenciado, tenho certeza absoluta que

iriam me apontar e esclarecer diversos aspectos que apenas o meu contato visual não é

capaz de perceber, porém evito para não ficar preso a uma visão ou a uma relação. - Não

quero me “contaminar”.

Sobrecapa do livro Linha do tempo do design gráfico no Brasil em quatro versões.

Fonte: Blog da Editora Cosac Naify.

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AR - Vimos em seu currículo que há um projeto de pesquisa dos anos 1970, há a intenção

de formular livros mais aprofundados de outras décadas, como o livro sobre o Design dos

anos 1960?

CHM – A pesquisa que deu origem ao livro sobre o design dos anos de 1960 já se

estendeu aos anos 1970, eu comecei a preparar e estou preparando até hoje “o design dos

anos 70”, e já está quase concluída. Com o livro “a linha do tempo”, que acabou ganhando

prioridade, a pesquisa dos anos 1970 acabou atrasando para ser publicada, mas também

acabou sendo enriquecida com a pesquisa geral, que se ampliou, se modificou e se tornou

mais plausível, ficará pronta para 2015, é só ordenar e redigir o material.

AR - Os três anos de pesquisa compilaram em um livro com mais ou menos 1.600 peças.

Qual o critério utilizado para decidir o que entraria ou não no livro? Quais dificuldades

você e a Elaine Ramos encontraram na pesquisa?

CHM – Primeiro, reunir o material; é preciso reunir um grande número de peças - “precisa

ser grande para dar consistência às nossas escolhas”. Segundo, descartá-los, ou seja, editar.

As duas operações são muito difíceis, é preciso reunir o material para representativo e

depois é necessário selecionar o material para que seja viável, para que o leitor entenda e

conseguir transmitir o que deseja e alcançar o objetivo. Na crônica eu conto que reunimos

mais ou menos dez vezes mais do que se encontra no livro, que são 1.600 peças, foram

examinadas cerca de 16.000 peças gráficas, então foi mais ou menos uma proporção de um

para dez, de dez peças, nove nós descartávamos e uma ficava.

São dois processos difíceis, reunir e descartar 14.400, ao mesmo tempo; reunir as 16.000 é

importantíssimo para construir um olhar, o que eu considero um ponto de honra para o

livro e o que eu enfatizo sempre é o fato de não ter uma história antes; não havia uma tese

que deveria ser provada, o material reunido não foi para comprovar uma tese, e sim o que

nos parecia relevante. Essa relevância foi definida somente no contato direto com as peças

gráficas. Por isso é necessário ter muitas, para perceber os padrões, para perceber quais se

destacam.

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Dispúnhamos um lote sobre a mesa e, ao olhar, decidíamos as que ficavam e as que saíam.

Em nenhum momento houve uma quantidade pré-definida, os destaques saltavam

naturalmente.

AR – Cada lote recebido devia conter grandes surpresas, deve ter sido difícil decidir de

fato.

CHM – O processo de exclusão é um pouco angustiante, é dolorido e é quando a discussão

de fato se dá. “A escolha sempre foi feita pela potência das publicações”, o processo de

seleção foi feito por mim e pela Elaine, o levantamento das peças foi feito por mim e por

uma terceira pessoa, contratada nas instituições. Esse levantamento é um pouco complexo,

porque, quando procuro peças gráficas, elas têm que ter interesse dentro da linguagem

visual, então acaba sendo complicado de ser entendido, porque eu procuro tudo, não são só

livros ou discos, ou algo pontual, o que faz valer é o visual, então eu preciso ver. Pode ser

algo rústico ou refinado, pode ser algo raro ou até mesmo banal, que pode ter sido

impresso milhões de exemplares, o que interessa é se é interessante visualmente, assim não

há um a priori, é preciso ser visto.

As instituições são avessas a esse procedimento, elas buscam itens específicos, elas não

permitem que seja feita uma investigação, então quando se vai a uma instituição deve-se

saber o que quer, - “E como na maioria das vezes eu não sei o que eu quero e nem onde

está, eu vou atrás, e é uma busca eterna”. Eu me dedico a essa descoberta cotidianamente e

nessas instituições faço buscas pontuais a partir de seleções feitas em livros. Quando

encontradas, são avaliadas e são feitas autorizações para a publicação.

AR – Então foi surpreendente ver a quantidade de peças que foram reunidas com

importância dentro do interesse do design gráfico.

CHM – Muito surpreendente, seguramente mais de cinquenta por cento desse material eu

nunca tinha visto em trinta anos trabalhando na área, reunindo acervo iconográfico. Eu

considero um privilégio ter feito esse levantamento, e o mérito é justamente por não ter

estabelecido uma prioridade como: - “eu quero priorizar tal viés, porque eu acho que

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design é isto...”, não, então tem um universo, vira um instrumento para dar continuidade à

pesquisa, para causar divergências e instigar mais.

AR - Como designer e professor pesquisador, em sua opinião, o Brasil possui, possuiu ou

afirmará alguma identidade própria no campo do design gráfico?

CHM – É indefectível a identidade do design brasileiro. É frequente essa preocupação com

a identidade e o que penso a esse respeito é que nesse processo todo de coletar 16.000

peças, selecionar 1.600, nunca tivemos isso em nossa conversa, em nenhum momento

existiu a preocupação de perseguir eventualmente algum princípio de identidade.

Ao final da pesquisa, percebi a presença impressionante de estrangeiros entre os autores

das peças escolhidas, ou seja, a presença de estrangeiros no design produzido no Brasil é

imensa.

Em períodos em que a circulação de informação era muito menor, muitas pessoas se

formavam na Europa e vinham para o Brasil com grande bagagem cultural, se radicavam

aqui, produziam e de certo modo disseminavam a cultura que traziam.

Ao perceber isso, o título do livro foi alterado de Linha do tempo do design gráfico

brasileiro para Linha do tempo do design gráfico no Brasil.

Considero uma armadilha tentar procurar uma identidade brasileira, pelo fato de ser tão

expressivo o número de estrangeiros ao longo de 200 anos, por isso o que foi pesquisado

não foi design brasileiro e sim o design produzido no Brasil. Não se deve preocupar em

fazer design brasileiro e sim em fazer design.

AR - Estamos passando por um período de transformação, em que o mundo digital toma

conta da comunicação, há algum tempo atrás se temia que a impressão em papel

acabaria, em contrapartida se percebe hoje uma busca pelo “retrô” e técnicas

manuais/artesanais. Como você vê esse futuro? Qual sua projeção para o design gráfico?

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CHM – Eu considero que o retorno aos métodos tradicionais é fruto do esgotamento, da

homogeneização excessiva, da pasteurização que a mídia digital traz. Sempre parto do

princípio de que quem faz design é um produtor de linguagem, e aí qualquer produtor de

linguagem, principalmente no início de sua formação, se tiver contato com apenas uma

linguagem, sua capacidade de reflexão será absolutamente limitada, porque é uma

discussão de base, que considera que o computador, o lápis ou a gravura são instrumentos,

e eu não concordo, porque cada uma dessas técnicas visuais carrega com elas uma maneira

de pensar coisas, um mundo de possibilidades. Quando se pensa em uma só, mesmo que

seja poderosíssima como é o computador, ele acaba dirigindo o raciocínio, aí então, você

acha que ele está a seu serviço, e é uma ilusão, na verdade nós é que acabamos dominados

por ele. Como nos armarmos contra essa ilusão? – justamente experimentando outras

linguagens.

Como docente, e nas discussões quando fui envolvido na formação do curso de Design,

considero que tanto o computador, como o lápis ou as técnicas de gravura, devem estar

presentes desde o início do curso, então não acredito que, - “O verdadeiro pensamento está

no lápis”, está na mão, está no computador, está na gravura, o importante é ampliar o leque

de experiências, porque cada uma dessas técnicas pensa de uma maneira, portanto passar

por diversas experiências amplia o modo de pensar.

Na FAU leciono uma disciplina optativa há muitos anos, em que um terço do tempo dela é

dedicado exclusivamente à tipografia de chumbo de Gutemberg. Algum aluno pergunta se

vai ter tipografia de chumbo agora, - “Não, não vai!”, mas a relação que ele estabelece com

o computador se altera após os dois meses dessas experimentações com a tipografia de

chumbo, porque o computador nada mais é que “Gutemberg eletrônico”. É digital, mas o

raciocínio inteiro é a partir de Gutemberg.

Então na minha preocupação como docente quanto à formação de designers, creio ser

fundamental que façam gravura, serigrafia, xilogravura, não para virar um gravador, mas

para aumentar o repertório, porque o computador chega a ser opressivo. Por exemplo, com

o Photoshop®, se consegue o efeito de aquarela, -“Imita isso, imita aquilo”. Não se deve

cair na ilusão da superpotência que é o computador, portanto operando com outras

linguagens.

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Tendo isso incorporado como repertório de pensamento é que se percebe a retomada da

ilustração autográfica, da ilustração feita à mão, da ilustração digital, para fugir um pouco

da fotografia, que também considero que há certo esgotamento da linguagem fotográfica.

Quanto à impressão em papel, considero por princípio que o impresso continue, talvez,

menos expressivo, - “Livrarias no mundo fechando e eu entro na livraria Cultura e está

cheia”, acredito que o impresso não deixará de existir.

Uma observação, um paradoxo, se eu quiser encontrar um site criado em 1998 e examiná-

lo, eu queria saber quem vai achá-lo, e tem a questão da tecnologia, das versões dos

sistemas, das mídias digitais de armazenamento. É a volatilidade.

Falando sobre o digital, lembrei-me de um caso que ocorreu há três ou quatro anos. Eu

achava inacreditável que jornais como Folha de S Paulo apresentassem uma estética, -

“Com aquelas coisas pulando na tela”. Eu disse: -“Que barbárie é essa? Isso não vai durar,

não é possível!”

Cerca de três ou quatro meses atrás, o New York Times alterou o desenho do site, acalmou,

aproximou o design do site ao design do jornal impresso. Quase que instantaneamente a

Folha também está com o visual do site mais calmo.

Isso para dizer que estamos no começo.

AR - Estamos passando ainda por um período de deslumbramento, próprio da descoberta.

CHM – Sim, estamos deslumbrados, e é ao mesmo tempo uma sedução, como pesquisa,

como desafio profissional, como desafio da linguagem. E então, para onde vamos? – “Não

sei!”. É instigante pensar nisso, e é ao mesmo tempo o desafio à mesmice. Aí não diz

respeito tanto à linguagem eletrônica, à linguagem das mídias digitais, mas diz respeito à

própria cultura contemporânea. Mesmo no impresso a tendência é de se ter tudo igual, é

difícil escapar.

Como sou do meio editorial, volto a reforçar a importância do editor e acho importante

discutir esse assunto nos cursos de formação em Design, a questão da edição no sentido

mais amplo, porque a forma mais consagrada de edição está nas mídias impressas, livro,

revista e jornal, do mais duradouro para o mais efêmero, e site. São problemas diferentes,

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cada um com suas peculiaridades, mas nos quatro está colocada cada vez mais a

homogeneidade, em que tudo acaba ficando igual, cruzando com a edição, com o problema

de identidade com o marketing, enfim, tem um desafio específico, do ponto de vista da

linguagem no sentido das mídias digitais, de encontrar essa linguagem de construir uma

cultura.

Voltando lá no Olho de boi, justamente o que mais me encanta é justamente porque não

havia um modelo a ser seguido, um padrão, uma norma, então estava se experimentando.

Estamos entrando em uma mídia nova, cheia de vícios e o maior problema que se apresenta

na cultura contemporânea, a mesmice.

Para os novos designers, considero que trabalhar neste momento é um privilégio, cheio de

dificuldades, duríssimo, por todas as impressões que mencionei, por ser mais do mesmo, e

que como em qualquer outra época haveria dificuldade, mas ao mesmo tempo, este é um

momento de grande desafio.

A linguagem digital nós não conseguimos imaginar aonde vai chegar, mas a meu ver, a

complementaridade entre as mídias será obrigatória. É interessante trabalhar com várias

frentes ao mesmo tempo, no mesmo projeto, isso é estimulante. Este é um grande momento

para começar a ser designer.

Livro Linha do tempo do design gráfico no Brasil.

Fonte: Site da Editora Cosac Naify.