Ciencia e ação_politica_-_abordagem_critica-simburp_2013

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Ciência e Ação Política: Por uma Abordagem Críticai

Arlete Moysés Rodriguesii

Paulo Freire nos instiga a refletir sobre a ciência e a ação política, dentro de

uma abordagem crítica, quando diz:

“Acreditamos que a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressiva, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho se não viver a nossa opção. Encarná-la diminuindo, assim, a distância entre o que dizemos e o que fazemosiii”. Parafraseando o autor, a análise crítica do urbano sozinha não transforma

a sociedade, mas sem ela tampouco é possível constituir a cidade como direito, com

predomínio do valor de uso. Teoria e prática, ou seja, a práxis nos leva a procurar

caminhos para construir o direito à cidade com uma análise critica da produção e

reprodução do espaço urbano.

No atual período histórico, o urbano é um dos locus privilegiados para a

aplicação dos excedentes que objetivam a acumulação ampliada do capital e, desse

modo, ampliam-se as contradições e conflitos presentes na vida cotidiana. Trata-se do

sucesso do modo de produção capitalista que produz ao mesmo tempo a precariedade

de vida, de trabalho e de moradia.

Ao estarmos a favor da vida, da equidade, dos direitos - conquistados em lutas

históricas e não por dádivas de outrem -, ao estarmos a favor da justiça (mesmo que

dentro dos limites das normas capitalista), temos que tentar entender a complexidade

das contradições e conflitos na produção e reprodução do espaço urbano para nele

poder estabelecer a ação política que não negue a diversidade, a complexidade, as

contradições e conflitos.

É indispensável, para entender a complexidade do urbano, avaliar se utilizamos

instrumentais analíticos que permitem compreender e atuar na medida em que, cada

vez mais, as contradições, conflitos e confrontos são encobertos pela espessa cortina

de fumaça da modernização, do progresso, do desenvolvimento, da cidade

sustentável entre outras tantas formas de justificar a intervenção avassaladora do

capital no espaço urbanoiv.

O objetivo do texto é fazer algumas ponderações para uma crítica da economia

política da cidade e da urbanizaçãov, tendo o fio condutor a propriedade da terra

urbana como um dos elementos constitutivos da cidadania desigual. Esse componente

- a propriedade da terra - não está explicitado em obras de alguns autores que tratam

do tema.

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O sucesso do modo de produção capitalista faz ressurgir o que parecia ocorrer

apenas em outros períodos históricos, demonstrando a importância da propriedade

privada da terra.

No rural, expande-se o agronegócio, com a despossessão de territórios

indígenas, quilombolas e áreas de agricultura familiar.

No urbano, intensifica-se a remoção de trabalhadores que ganham baixo ou

nenhum salário, arrancando-os de seus lugares para viabilizar a acumulação ampliada

do capital. São áreas centrais, para uma refuncionalização, ou áreas que visam à

valorização futura. Aí se inserem áreas de interesse nos grandes eventos, obras de

infraestrutura, parcelamento do solo e edificação de grandes conjuntos horizontais e

verticais.

Para dar legitimidade às ações de empreendedores imobiliários e do Estado

capitalista, são criminalizados os movimentos populares que ocupam áreas e ou

edifícios vagos. Criminalização calcada no fato de não serem proprietários dessas

áreas.

Também são criminalizados os que se manifestam no espaço público, em

especial aqueles que, na esteira das manifestações de junho e julho e 2013,

continuam a se manifestar. Criminalizados porque mostram as contradições da

urbanização capitalista.

Os não proprietários são, assim, criminalizados por ocuparem – como valor de

uso – tanto propriedades estatais, como privadas. Atrapalham, com a ocupação, a

concretização do predomínio do valor de troca e contestam, ainda que não

explicitamente, o sacrossanto direito de propriedade.

A criminalização dos não proprietários tem origem no fato de que o Brasil,

desde que se constituiu como nação, teve a premissa da desigualdade como um dos

baluartes a propriedade privada. Desde os seus primórdios, a colonização portuguesa

se fundamentou, como todos sabem, na propriedade da terra, dos escravos. Grandes

extensões de terra foram distribuídas como sesmarias para um pequeno número de

indivíduos.

A constituição do Brasil de 1824 reconheceu o direito de propriedade originário

de Portugal. A Lei de Terras de 1850 estabeleceu concretamente o mercado de terras.

A naturalização da propriedade privada, como se fosse decorrência de um

poder divino, soberano, definido acima do bem e do mal, permanece, até hoje, como

garantias de poder, como demonstram vários estudos realizados, em especial no meio

ruralvi.

No urbano, dada a maior subdivisão em glebas, terrenos, lotes, tem sido mais

complicado relacionar os proprietários com o sistema político. No entanto, é possível,

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relacioná-lo com a incorporação imobiliária e suas alianças com proprietários de terras

e principalmente com o capital financeiro. Em dezembro de 2008, a Lei Complementar

nº 128 (BRASIL, 2008) possibilitou a substituição do consórcio simples pelas

Sociedades de Propósito Específico – SPE. Sociedades que se diluem quando o

empreendimento fica pronto. O setor financeiro recebe, então, os juros pelo

financiamento do empreendimento; os proprietários, a renda – em geral com um

número x de imóveis - e os empreendedores os lucros vii.

A terra – rural e urbana - constitui-se em patrimônio o qual garante instâncias

de poder (Faoro, Raimundo, 2001) que concretizam a desigualdade sobre a qual se

constrói a cidadania no Brasil (Souza, Jesse, 2012).

Na mesma linha de argumentação, José Carlos de Assis afirma:

“o elemento comum das liberdades (civil e política) é o direito à propriedade

privada. No campo civil, isso é óbvio, pois a propriedade privada é a pedra

basilar do direito civil. Mas o fato é que isso é também verdade no campo

político, embora bem menos reconhecido. A palavra democracia, que muitos

associam ao poder do povo na origem significava o poder dos proprietários”

(Assis, José Carlos, 2012).

A propriedade privada institui, desse modo, instâncias de poder que

concretizam a desigualdade e possibilita a apropriação privada de rendas, lucros e

juros. Utilizamos a propriedade da terra para realizar a crítica da economia política da

cidade, do urbano. É uma maneira de evidenciar as formas pelas quais se concretizam

e se realizam a produção e a reprodução do espaço urbano.

Pouco perceptível, nos demonstrativos de preços, a renda da terra é um dos

elementos que ajudam a explicitar a importância do urbano para aplicação dos

excedentes de capitais, em especial, se considerarmos a tendência decrescente das

taxas de lucro no setor produtivo. Tendência decorrente de conquistas do mundo do

trabalho e do avanço técnico, que alteram a composição orgânica do capital (Marx,

Karl – 1973).

A acumulação do capital, sobretudo no que diz respeito ao sistema financeiro,

pode ser considerada globalizada, porém a propriedade da terra tem dimensões

diferentes. Trata-se de um bem, uma riqueza que não se desloca e, assim,

caracteriza-se como instância de poder num lugar específico, num dado território,

onde se articulam o Estado – esferas municipal, estadual e federal - e instâncias -

legislativa, executiva e judiciária - com os diversos setores capitalistas.

Considerando a especificidade da terra-mercadoria, assemelhada ao capital

(Harvey, 2013), quanto mais cidade se produz - por ações públicas ou privadas -,

maior é o preço da terra, das edificações, o que explica a renda absoluta. Ou seja, a

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produção e reprodução da cidade produzem aumento geral do preço e, portanto, da

renda.

Como cada lugar é único e com localização fixa, a diferença de atuação dos

diversos agentes capitalistas, e não tipicamente capitalistas, caracteriza padrões de

urbanização (tamanho de lotes, tipo de material empregado, equipamentos coletivos,

infraestrutura e “amenidades” – reais ou imaginárias) que definem a renda diferencial,

ou renda de localização.

De qualquer modo, a apropriação da renda é realizada pela propriedade

privada. A renda de monopólio contém a renda diferencial e absoluta, é concretizada

no momento da compra e venda e ou no aluguel da terra, do imóvel.

A propriedade, como base da desigualdade, é também observável quando se

verifica a separação entre as políticas econômicas e as políticas públicas, constatada

por Marx, como demonstra Agnes Heller (Heller, Agnes 1986).

A distinção entre os sistemas econômicos e políticos – entre as políticas

econômicas e as públicas - do Estado capitalista moderno não representa dissociação,

mas diferentes formas de concretização do Estado capitalista, onde o pressuposto é a

propriedade.

Cabe lembrar que o Estado capitalista é classista, suas ações se pautam na

permanência das classes e não na sua abolição, mesmo quando atende

reivindicações das classes trabalhadoras, inclusive quando se referem a políticas de

acesso à terra urbana.

Utilizamos classes sociais no sentido de que apontam para o lugar na produção

de cada fração social, permitem, em nossa opinião, entender melhor as lutas sociais

travadas nas cidades, são lutas de classes.

Consideramos que níveis de renda não permitem analisar relações sociais do

ponto de vista da teoria materialista do Estado. Baseado em levantamento da

Fundação IBGE (IBGE, 2012), um jornal de economia afirma que a classe média nas

favelas dobrou, no período de 2000 a 2013, e se constitui em um mercado potencial.

Usa os dados de renda média de R$ 910,00 e o fato de a maioria ter TV Plasma,

internet, micro–ondas e computador. Não há menção de condições de trabalho e de

moradia, mas apenas a possibilidade de um mercado de consumoviii.

Como dissemos, o Estado capitalista é um Estado classista que não apenas

atende aos interesses do setor dominante, mas também a algumas das reivindicações

de setores populares, desde que estas não mudem os fundamentos e a dinâmica do

Estado capitalista.

Carnoy afirma que Poulantzas utiliza conceitos de Gramsci sobre hegemonia e

contra-hegemonia. Aponta que a “ação das massas populares, no seio do Estado, é

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uma condição necessária à sua transformação, mas não é ela mesma suficiente”. As

classes populares sempre estiveram presentes no Estado, sem, contudo, terem

modificado qualquer coisa em seu núcleo (Carnoy, Martin, 1986 p.161). Ou seja, um

Estado classista pode comportar, no sistema político, diversas classes, embora o

comando da política, da economia e das relações sociais seja definido pelas classes

dominantes. É o que observamos nitidamente no Brasil, onde conquistas de direitos

sociais representam uma condição necessária para minorar alguns problemas, mas é

insuficiente para eliminar a desigualdade e interferir na dinâmica da produção e

reprodução do espaço urbano.

Em relação às conquistas de direitos sociais, observamos que a Constituição

Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988) considera, em seu artigo 6º, como direitos sociais a

educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social. São direitos sociais que visam proteger os cidadãos não

proprietários dos mecanismos do mercado. Direitos que para serem obtidos

necessitam da mediação do Estado, via políticas sociais.

Os direitos sociais são dissociados dos princípios da Ordem Econômica e

Financeira expressos no artigo 170: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III -

função social da propriedade; IV – livre concorrência e V - defesa do consumidor.

A propriedade, elemento da concretização das desigualdades, aparece com

destaque na Ordem Econômica e Financeira, enquanto a função social da cidade e da

propriedade urbana (artigos 182 e 183) consta do capítulo do desenvolvimento da

política urbana. Não é, portanto, um direito social, mas uma política para o

desenvolvimento urbanoix.

As necessidades dos trabalhadores – mesmo que mercadorias do modo de

produção capitalista - devem ser atendidas pelo Estado, para permitir a reprodução

ampliada do capital. O atendimento, mesmo que parcial de algumas das necessidades

visa, sobretudo, minimizar conflitos e não transformar as normas e leis da propriedade

privada. Ressalte-se que, quando se atendem algumas das necessidades, as medidas

são consideradas populistas e não como função do Estadox, como se observa com as

críticas aos programas de salário família, renda mínima, bolsa educação, bolsa família,

luz para todos etc. xi.

As políticas públicas, além de secundárias para o Estado capitalista, podem

minimizar os conflitos, mas não resolvem as necessidades necessárias (Heller, 1986)

da classe trabalhadora. Aliás, com o predomínio do neoliberalismo, os direitos foram

transformados em serviços.

No Estado capitalista, as necessidades do capital são tidas como estimulo ao

progresso, ao desenvolvimento.

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Apresentamos alguns elementos de políticas que possibilitam entender a

permanência, no Brasil, da desigualdade calcada na propriedade da terra e da

desvinculação das políticas econômicas das sociaisxii, tendo como um dos parâmetros

o processo de urbanização.

No governo Juscelino Kubitschek (1955-1960), o Plano de Metas definia, como

objetivo, promover o desenvolvimento econômico calcado na indústria automobilística

sem nenhum vínculo com as políticas sociais. Em um processo de despossessão,

expande-se a malha rodoviária, como a Belém-Brasília ao longo da qual se implantam

ou se expandem centros urbanos. O transporte rodoviário e individual é a matriz

dominante. Ampliam-se a produção e a reprodução urbana em todo o território

nacional. Para a construção de Brasília, cria-se, em 1956, a NOVACAP - Companhia

Urbanizadora da Nova Capital (BRASIL, 1956).

O sucesso da política implantada tem impactos que permanecem, com

variantes, até a atualidade, entre os quais, problemas para a mobilidade urbana, em

especial, nos grandes centros, um dos motivos das mobilizações de junho/julho de

2013.

É, no período da ditadura (1964-1985), que a urbanização, como um “motor” do

desenvolvimento, ganha destaque com a socialização capitalista da exploração da

força de trabalho, por meio da política habitacional, que se consubstancia como

política urbana.

Criado em 1964 o BNH - Banco Nacional de Habitação (BRASIL, 1964) tinha,

como justificativa, a necessidade de produção de habitação para a população de baixa

renda. As faixas de renda utilizadas pelo BNH alteraram os princípios da carteira

predial dos IAPs (Institutos de Aposentadoria), que produzia habitação vinculada à

categoria profissional.

Em 1966, com a criação do FGTS - Fundo de Garantia de Tempo de Serviço

(BRASIL, 1966), são alteradas as relações de trabalho, com o fim da estabilidade no

emprego. Os fundos para implantar a política advêm do mundo do trabalho, com o

depósito de 8% da folha de pagamento (hoje 8,5%) no BNH. Desde 1986, os

depósitos são realizados na Caixa Econômica Federal que tem a atribuição de

administrar os recursos do FGTS.

Apesar da existência de outros órgãos de planejamento urbano, é o BNH que

conduz a política urbana, investindo na construção de grandes conjuntos

habitacionais, em geral nas periferias distantes, e outras grandes obras, como a ponte

Rio Niterói.

Trata-se da socialização capitalista da exploração da força de trabalho para

atuar no urbano e que permanece até os dias atuais xiii.

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A engenharia econômica/administrativa do FGTS não propiciou, com o fim da

ditadura, o retorno às normas trabalhistas anteriores, mesmo porque a precarização

do trabalho interessa à acumulação flexível do capital e ao neoliberalismo que se

tornam hegemônicos a partir da década de 90 do Século XX.

O Barão de Haussmann (Paris) ampliou a escala de intervenção do Estado de

um lugar para a cidade de Paris, Robert Moses (N.Y) ampliou a escala para a

metrópole e o BNH-SFH-FGTS ampliou a escala de intervenção para o âmbito

nacional com a produção de grandes conjuntos habitacionais.

É uma política econômica divulgada como política pública de habitação, que se

implanta de Norte a Sul do território brasileiro. Apesar de instituir a ideologia da casa

própria, não altera a desigualdade calcada na propriedade. Cria um novo mercado - o

de habitação social de mercado, um mercado específico que promove a indústria de

construção.

Os trabalhadores produzem a cidade, porém quando edificações,

infraestruturas, equipamentos de consumo coletivo estão prontos e/ou quando

terminam suas jornadas de trabalho, imagina-se que eles deveriam desaparecer.

Como não desaparecem ..., vão morar nas periferias distantes, em conjuntos da

COHAB, em loteamentos irregulares, em favelas e, na atualidade, nos conjuntos do

PMCMV- Programa Minha Casa Minha Vida (BRASIL, 2009). São Impedidos de se

apropriarem da cidade que ajudaram a produzir e suaram para isto.

As periferias pobres têm menor preço da terra já que não contam com

infraestrutura, equipamentos e meios de consumo e transportes coletivos. É

exatamente nessas áreas e nas ditas degradadas dos centros urbanos que a classe

trabalhadora que recebe baixos salários consegue se alojar.

Cabe destacar que os trabalhadores, que edificam tijolo a tijolo da cidade, têm

sido pouco citados em análises sobre o processo de produção e reprodução das e nas

cidades, como se as relações de trabalho em cada canteiro de obras – individual ou

em grandes obras - fossem uma questão que remetesse apenas aos que analisam o

mundo do trabalho. Para uma abordagem crítica que contenha elementos para uma

crítica da economia política da cidade, do urbano é necessário resgatar as relações

contraditórias e conflitantes da produção do espaço urbano com a reprodução das

condições sociais da classe trabalhadora, em especial, a que produz a cidade.

Durante e após esse período de criação, expansão e concretização da política

habitacional com recursos do FGTS, que permanece até a atualidade, aumenta de

forma exponencial o número de favelas, cortiços, loteamentos irregulares. Em 2012,

segundo o IBGE, há 3 224 529 unidades em favelas onde vivem mais de 11 milhões

de pessoas (IBGE, 2012). A maior parte das favelas está localizada em áreas

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distantes que têm precariedade de infraestrutura, transportes coletivos. Quando o

processo de urbanização se expande, os moradores são expulsos direta ou

indiretamente para outras áreas precárias.

Ao se alojarem nas periferias pobres, nas favelas, nos loteamentos irregulares

e os transformarem, isto é, produzirem um lugar menos precário, tanto por meio de

ações diretas - autoconstrução, reforma de unidades -, como indiretas – reivindicando

luz pública, água encanada, escolas, postos de saúde, regularização fundiária,

urbanização de favelas - se constituem como sujeitos coletivos.

Os movimentos sociais da década de 70/80, chamados de novos movimentos

sociais, colocaram em pauta várias questões, principalmente o direito a ter direitos,

mostrando que o desenvolvimento econômico, o progresso, não atinge a maioria. As

mobilizações, movimentos atuais continuam mostrando não se tratar de uma situação

ultrapassada.

Lutavam - continuam lutando - por melhores condições de vida e, embora suas

reivindicações não fossem atendidas, não foram tão esmagados como os movimentos

rurais. Era difícil chamar de subversivos os que clamavam por melhores condições de

vida e que não colocavam em xeque a propriedade.

Nesse contexto, a emenda da questão urbana, entregue ao Congresso

Constituinte propunha o princípio da função social da cidade e da propriedade com

instrumentos que visavam limitar a especulação imobiliária em terras vazias e em

imóveis desocupados, mas também sem contestar a propriedade, colocando em

destaque o uso ou não uso da mesma.

Nesse período, final da década de 80, ocorrem várias ocupações coletivas de

terras, em especial nas grandes cidades que mostravam também a incapacidade do

Estado em atender às necessidades de moradia. Ao ocuparem áreas vazias nas

periferias distantes, reproduzem o padrão de urbanização capitalista.

No Século XXI, embora permaneçam as ocupações coletivas de terras, há

mais ênfase para ocupar edifícios vazios, com o propósito de não reproduzir o padrão

no qual os trabalhadores devem morar nas periferias sem infraestrutura. Colocam em

pauta a função social da cidade em áreas infraestruturadas.

Como tem sido dito à exaustão, a função social da cidade não contesta a

propriedade, mas apenas o não uso urbano. Mesmo assim, não é cumprida, porém

tem sido importante para lutar contra as remoções forçadas.

Apesar de não contestar a propriedade, a proposta foi capturada pelo saber

competente. A Constituição remeteu aos planos diretores municipais definir quais

áreas cumprem ou não a função social da propriedade, ou seja, transformou a função

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da propriedade, que passou a ser considerada problema de gestão do uso do solo

urbano.

A gestão oculta a política e a propriedade privada permanece um dos baluartes

da desigualdade social, na medida em que precisa passar pelo planejamento urbano

para ser minimamente aplicada.

O Plano Diretor, a partir de 1988 e, especialmente após 2001, com a Lei

10.237/01– Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), passa a ser a política urbana por

excelência. Na realidade, o planejamento substituiu a política urbana. As agendas de

pesquisas foram capturadas por este processo. Basta ver a proliferação de pesquisas,

estudos que enfatizam os Planos Diretores e/ou os instrumentos previstos no Estatuto

da Cidade, como se apenas eles revelassem as contradições do processo de

urbanização. Os movimentos populares ficaram reféns de planejamento e, para tentar

encontrar saída, propõem o planejamento participativo. Este é outro tema que merece

ser analisado em profundidade, visando a uma abordagem crítica, em função de que

não há alteração da desigualdade relacionada com a propriedade da terra.

Com o “Estatuto da Cidade”, se reconhece a ocupação por necessidade de

moradia – como usucapião urbano em terras privadas -, o direito de uso nas terras

públicas, após cinco anos de ocupação e sem contestação, a regularização fundiária

de interesse social.

Contraditoriamente alavanca a acumulação ampliada do capital. Usucapião,

regularização fundiária de interesse social, reconhecimento da posse como valor de

uso liberam áreas que, no futuro, serão incorporadas ao mercado privado de terras.

Mesmo assim, há municípios que sequer utilizam o Estatuto da Cidade e se

referenciam no Código de Processo Civil, que dá destaque à propriedade em seu

sentido absoluto. Está em debate, no Congresso Nacional, alteração do Código de

Processo Civil. Os movimentos populares, que lutam contra as remoções forçadas,

destacam a necessidade de readequação do Código e de realização de audiências

públicas antes de se realizarem despejos sumáriosxiv.

Em 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, entra

em cena o ideário do desenvolvimento sustentável, do meio ambiente como bem

comum. Desconsideram-se a propriedade da terra e dos meios de produção, as

contradições e conflitos decorrentes do avanço do capitalismo. Passa-se, no discurso

dominante, do conflito de classes sociais para contradições entre gerações presentes

e futurasxv. Os resíduos sólidos viram uma grande questão na medida em que as ruas

se tornam o “chão da fábrica” para os catadores que cumprem uma grande função

social. Na agenda relacionada às políticas públicas, insiste-se em que a participação

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dos catadores em cooperativas implica inclusão social, sem que haja uma análise

precisa tanto do processo de geração de resíduos, como do significado de viver os

restos da sociedade descartável.

No período do governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), embora o

urbano já tivesse importância fundamental, o processo de privatização aponta para

outros interesses econômicos, o que talvez tenha permitido a aprovação do Estatuto

da Cidade, embora, como já demonstrado, os instrumentos não contestem a

propriedade privada da terra urbana. Os resultados gerais em relação às

privatizações são conhecidos e mostram a fragilidade das forças sociais contrárias à

privatização.

Com relação ao espaço urbano, é importante destacar como a privatização da

telefonia repercute na vida cotidiana. No predomínio da telefonia fixa, era fundamental

que houvesse empresas estatais (como ocorre na maior parte do mundo), dada a

necessidade de central telefônica, de rede de dutos, de cabos telefônicos, redes de

ruas que adentram nas casas. A telefonia fixa implica instalação em todas as

unidades, enquanto para a telefonia móvel, uma antena em cima de um prédio,

permite instalar 10 mil telefones móveis.

A privatização das teles ignorou a existência da Telesp Celular (hoje Vivo). Um

grande negócio para as empresas estrangeiras. Quem paga a conta são os chamados

usuários dos serviços. No Relatório de 2013 da UIT - União Internacional de

Telecomunicações, o Brasil tem mais telefones celulares por habitante do que Estados

Unidos, Canadá, França e Japão. Cabe destacar que, no meio rural, impõe-se como

regra a telefonia móvel, por não haver disponibilidade da telefonia fixa, o que explica

também o grande negócio da privatização. A tarifa cobrada também está entre as

mais caras do mundo, tanto para os celulares, como para os fixos.

Ao que tudo indica não houve um interregno para a aprovação do Estatuto da

Cidade porque não havia contestação da propriedade da terra. Contestavam-se a falta

de acesso à moradia digna e a necessidade de impor alguns limites ao não uso da

terra urbana. Além disso, em novembro de 1997, é aprovada a Lei 9.514 que criou o

Sistema Financeiro Imobiliário, os certificados de recebíveis imobiliários e a alienação

fiduciária de bem imóvel para garantia de débitos civis, considerada de grande

interesse para a incorporação imobiliária.xvi (BRASIL, 1997).

Em 2003, logo após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), é

criado o Ministério das Cidades que realizou no mesmo ano a 1ª. Conferência das

Cidades, onde foi aprovada a criação do Conselho das Cidades e o Plano Nacional de

Desenvolvimento Urbano.

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O Plano tem como princípio a universalização de direitos como o de moradia,

de saneamento ambiental, de transportes coletivos e mobilidade urbana, além de

tentar, por meio dos planos diretores participativos, tornar eficaz a função social da

cidade e da propriedade urbana.

Entretanto, o Ministério e o Conselho das Cidades estão na esfera das políticas

públicas urbanas, atreladas aos Planos Diretores sem relação com as políticas

econômicas. Por exemplo, o PAC – Programa de Aceleração de Crescimento, em

vários setores da economia, entre os quais o PAC Copa, acelera a remoção de

famílias, descumprindo os princípios aprovados nas conferências das cidades.

O PAC Moradia, apresentado como forma de articular as políticas econômicas

e sociais, também reafirma a propriedade como elemento chave da desigualdade e

consolida um pacto entre movimentos populares e setor privado, cujo significado

precisa ser desvendado.

A aprovação do Estatuto da Cidade, a criação do Ministério e do Conselho das

Cidades mais do que um interregno é um período em que transformações estavam

sendo chocadas como um ovo de serpente.

Em agosto de 2004, a Lei 10.931 (BRASIL, 2009) ampliou as facilidades

previstas na legislação de 1997 que criou, como já dito, o Sistema Financeiro

Imobiliário, os certificados de recebíveis imobiliários e a alienação fiduciária de bem

imóvel.

Uma lei que amplia as facilidades para o setor de incorporação imobiliária foi

aprovada logo após a criação do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades.

Estabelece um regime tributário especial, cria incentivos fiscais para a incorporação

imobiliária, define novas modalidades de créditos securitizados e um conjunto de

novas regras que asseguram direitos possessórios do credor nos casos de alienação

fiduciária.

A legislação e a expansão de créditos impulsionaram a abertura de capital das

empresas nas bolsas de valores nacionais e internacionais. Em suma, mais facilidades

para acumulação de capital no urbano, com ênfase na propriedade da terra, além de

maior oferta de credito e do processo de securitização – que significa capital dinheiro –

e ampliação da interferência do capital financeiro na produção do espaço urbano.

Entre os elementos que propiciam a expansão vertiginosa desse setor estão os

recursos disponibilizados para os produtores e compradores no MCMV de 2009

(BRASIL, 2009).

Em que pese algumas diferenças relacionadas aos subsídios diretos aos

compradores e o aumento dos recursos destinados ao programa, reeditam-se o

predomínio econômico e a escala nacional de intervenção do BNH.

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Incorporam-se, além do FGTS, outras fontes de recursos, como os

provenientes do OGU - Orçamento Geral da União, do FAR - Fundo de Arrendamento

Residencial (para a faixa até três salários mínimos) e do FDS - Fundo de

Desenvolvimento Social, recursos oriundos de tributação de operações financeiras

dirigidos para o MCMV Entidades.

O Estado continua, como fica evidente, incentivando a produção e reprodução

do espaço urbano com predomínio do valor de troca, mesmo quando tem o

pressuposto de atender à necessidade de moradia para os trabalhadores de baixos

salários.

Há vários trabalhos recentes que tratam do tema, ressaltamos apenas que é

uma política econômica e não uma política pública, ou política socialxvii. Provoca,

assim como ocorreu no período BNH-COHAB, aumento do preço da terra e das

edificações. Entre 2009 e 2012, o preço dos imóveis, em São Paulo, aumentou 153%

e, no Rio de Janeiro, 184% (Maricato, 2013). Evidentemente não é possível relacionar

este aumento apenas com o MCMV, mas com toda a produção do espaço urbano,

onde predomina o valor de troca, facilitado pelas Leis de 1997 e de 2004.

As grandes obras – de geração de energia, de infraestrutura (rodoviária,

aeroportuária, portuária, entre outras), de equipamentos coletivos para grandes

eventos - são políticas econômicas que atendem as necessidades de acumulação do

capital e provocam transformações na vida cotidiana de milhares de pessoas, seja

diretamente com as remoções forçadas, seja indiretamente com o aumento do preço

da terra e das edificações e a mudança do padrão urbano. Mesmo se considerarmos

que a produção de habitação, tal como posta pelo BNH e MCMV, poderia diminuir o

déficit habitacional, movimenta grande quantidade de recursos, em geral públicos, e

produz mercadorias, entre as quais, a própria cidade, com o predomínio do valor de

troca.

Essa produção movimenta também outros e amplos setores da indústria, do

comércio e de serviços e aumentam o preço da terra, permitindo elevação da renda

que, reafirmamos, pode explicar um dos fatores pelos quais, com a tendência

decrescente da taxa de lucros, o urbano passa a ser um lugar preferencial para a

acumulação ampliada de capital.

Estamos, pois, falando de políticas que não alteram a desigualdade calcada na

propriedade da terra urbana a tal ponto que, quando se planejam grandes obras, não

se cumpre sequer um quesito constitucional, o da função social da cidade e da

propriedade que não é colocada em risco.

Marx, no Dezoito Bromarão, afirma “Os homens fazem a sua própria história, mas

não a fazem como querem: não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob

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aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (Marx,

Karl, 1974, p. 335)

O Programa MCMV Entidades de 2009, proposto por movimentos populares

urbanos, tem como objetivo tornar a moradia digna acessível às famílias organizadas

por meio de cooperativas, associações e demais entidades privadas sem fins

lucrativos.

Os recursos destinados a esse programa, provenientes do Fundo de

Desenvolvimento Social (tributação de operações financeiras), são irrisórios quando

comparados aos disponibilizados para o setor empresarial. Além disso, há muitas

dificuldades para sua concretização. Como regra geral, só tem sido viabilizado em

pequenas áreas, porém em Rio Grande, Rio Grande do Sul, há determinação política

para transferir uma área federal de 11,4 hectares – 114 220 metros quadrados - para

que cooperativas possam produzir, objetivando atender cerca de 1 500 famíliasxviii.

Trata-se de produção com o predomínio de valor de uso. Poderia propiciar o

direito à moradia na luta para se atingir a cidade como direito? O direito à cidade,

como tem sido colocado a partir das análises de Henry Lefebvre implica a conquista

da cidade como valor de uso e, como diz Harvey, em formas diferentes de produção

da cidade.

A produção pelo MCMV Entidades pode significar a produção com

predominância do valor de uso e permitir avançar para o direito à cidade, mesmo que

no âmbito de um programa originalmente idealizado como econômico? Fica como

questão para reflexão.

As lutas contra as remoções recolocam, na arena política, a propriedade da

terra como um elemento fundamental da desigualdade social e da criminalização dos

movimentos sociais.

Manifestar-se contra as remoções são formas de resistência para manter

direitos já conquistados, como se observa, por exemplo, nas manifestações do Comitê

Popular da Copa. Este foi organizado, na maior parte das cidades que serão subsedes

da Copa, na tentativa infrutífera de impedir a remoção do Pinheirinho e de ocupações

de terras em vários lugares. São formas de resistência e ações políticas para evitar

que os não proprietários sejam arrancados de seus lugares, objetivando a valorização.

As conquistas institucionais possibilitam lutas de resistência mais do que

possibilidades emancipatórias, no entanto, sem tais conquistas, as resistências seriam

ainda mais frágeis.

Por imposição do Banco Mundial, as remoções forçadas estão sendo

chamadas eufemisticamente de “deslocamentos involuntários” (Brasil, Ministério das

Cidades, 2013), o que dificulta sanções contra os que realizam despejos forçados,

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além de ocultar, ainda mais, as formas pelas quais se age visando à manutenção da

propriedade da terra como base das desigualdades.

Outro destaque em relação à importância da propriedade como elemento

básico da desigualdade se refere à expansão dos loteamentos murados e

condomínios fechados, que provocam um novo tipo de segregação socioespacial

calcada na propriedade.

Nos condomínios, os muros definem a propriedade individual dos lotes e a

fração ideal das áreas coletivas – praças, áreas verdes e de circulação -. Nos

loteamentos murados, os muros definem a propriedade privada dos lotes e a

apropriação privada de terras públicas (áreas de circulação, áreas verdes e

institucionais). São produtos imobiliários que incorporam, como se fosse seu atributo,

a mercadoria segurança. A propriedade e a apropriação privada são a base da venda

da mercadoria segurança para os de dentro dos muros, negando até mesmo a função

do Estado de prover a segurança para todos. Os muros que delimitam a propriedade

são garantia da segurança contra os não proprietários. A propriedade é, portanto, o

elemento chave e a segurança, o discurso que potencializa a realização da

propriedade.

A segregação socioespacial ocorre desde os primórdios da urbanização, da

produção e reprodução da cidade. O que há de novo? O novo é a alteração da forma e

conteúdo da segregação socioespacial que se realiza pela propriedade privada, nos

condomínios fechados, acrescida da apropriação privada de áreas públicas nos

loteamentos murados.

Os loteamentos murados incorporam ilegalmente as áreas públicas. O projeto de

Lei 3057/2000 propõe a regularização fundiária de interesse específico – para os

loteamentos murados existentes -. Para os novos loteamentos propõe um novo tipo - o

loteamento de acesso controlado - que aumentaria o poder de controle sobre as terras

públicas. Fecham espaços públicos, o que é inconstitucional porque impedem a livre

circulação, porém tentam regularizar apenas as irregularidades urbanísticasxix.

Essa chamada nova forma de morar reafirma a propriedade da terra e a

apropriação de terras públicas calcada no urbanismo reformista e no urbanismo ad

hoc.

Os incorporadores imobiliários e depois os compradores moradores são

proprietários de seus lotes/casas, mas os muros – nos loteamentos murados – que

cercam as áreas públicas poderiam ser derrubados, sem ferir o sacrossanto direito de

propriedade dos lotes/casas, mas não o são.

Quando, porém, se trata de ocupação para fins de moradia, mesmo em áreas

públicas, os ocupantes são removidos com força policial, o que demonstra que a

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propriedade continua a ser um dos alicerces da desigualdade. Desigualdade que

aparece, aqui, como uma das formas pelas quais a incorporação imobiliária tem, nas

ultimas décadas, o urbano como locus privilegiado para a acumulação ampliada do

capital.

A cidade, como o centro, por excelência, da acumulação ampliada do capital é

cada vez mais capitaneada pelo capital financeiro. Constitui-se no lugar primordial

para a aplicação dos excedentes de capital e onde a propriedade da terra se realiza

com a renda da terra, absoluta, diferencial e de monopólio no momento da compra e

venda.

A aceleração do processo de urbanização – renovações urbanas nas áreas

centrais, megaprojetos de infraestrutura, equipamentos esportivos para megaeventos,

grandes obras para abertura de rodovias, avenidas, conjuntos do MCMV, condomínios

horizontais e verticais, loteamentos murados - mostra a importância do urbano para a

acumulação ampliada do capital.

O objetivo é conseguir mais rendas, lucros e juros. É a produção da cidade com

predomínio de valor de troca, onde a propriedade garante o domínio de fato sobre o

espaço, perpetuando a cidadania desigual, calcada na propriedade da terra.

Entender que se trata de um processo histórico, em que o ideário da cidadania

perpetua as diferenças, é fundamental para compreender as lutas dos movimentos

populares urbanos e as manifestações que tomam as ruas das cidades desde junho

de 2013.

Muito se escreveu sobre as manifestações desse período recente, tentando

decifrar seu enigma e significado com argumentos concretos e importantes que

permitem avançar na compreensão das contradições e conflitos. Também a

importância das novas formas de conexão advindas de avanços dos meios de

comunicação tem sido objeto de análises.

Esse avanço técnico tem sido fundamental para a comunicação entre os diversos

setores que estiveram e estão presentes nas manifestações. As atuais formas de

conexão, ainda que se pague entre as mais altas tarifas do mundo, mobilizam amplos

setores sociais, para além dos que estão organizados em movimentos populares.

Se a conexão instantânea possibilita a rápida expansão das manifestações, são os

indivíduos juntos, num dado lugar, que potencializam a práxis política de resistências.

Embora as mobilizações apareçam como desarticuladas e pontuais, permitem, em

seu conjunto, compreender a totalidade, colocando, em destaque, as formas pelas

quais a distribuição da riqueza produzida é concentrada nas mãos de alguns em

detrimento de maioria. Mostram que as questões urbanas são políticas. Demonstram

como políticas públicas, relacionadas ao atendimento das necessidades da maioria,

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têm sido sistematicamente descumpridas. Explicitam, ainda, que o sucesso do modo

de produção capitalista cria e recria contradições e conflitos, em alguns casos, em

confronto. Um sucesso que raramente é abordado porque há uma tendência de

considerar o mercado como portador do bem, enquanto o Estado e, principalmente, as

classes trabalhadoras, como portadoras do mal.

Se o mercado fosse bom, então o mercado de terras e de moradia resolveria os

problemas da falta de moradia adequada e não existiria a cidade desigual calcada na

propriedade.

Os movimentos organizados e as mobilizações recentes mostram que há outras

questões demandando análises em profundidade para saber se as crises nas cidades

contribuem para o avanço de forças progressistas.

Para finalizar, em novembro, realizou-se a 5ª Conferência das Cidades, organizada

pelo Conselho das Cidades, que colocou em debate um projeto de lei que cria o

Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano. Ao que tudo indica, é mais uma lei a

ser incluída nas que não serão cumpridas. Leis não são suficientes se não houver

organização social forte para colocá-las em prática. Pode ser, como dizia Octávio

Ianni, riscar a água.

Enfim, se a análise crítica do urbano sozinha não transforma a realidade, sem ela

tampouco é possível pensar em uma ciência que propicie ação política que auxilie a

transformar a realidade.

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i Conferência de Abertura do XII SIMBURP- Rio de janeiro novembro de 2013. ii -Profa .Livre Docente. UNICAMP. [email protected]

iii - Freire, Paulo http://www.nicoladavid.com/literatura/paulo-freire/a-educao-sozinha-no-transforma-

a-sociedade. iv - Não trato dos instrumentais analíticos e/ou dos métodos de abordagem, apenas faço indagações

para auxiliar reflexões. v Sobre a crítica da economia política do espaço, da cidade e do urbano, ver em especial Lefebvre, H,

2008; Santos,M. 1994: Singer, P. 2001 vi - ver em especial Costa, S. Helena, 2013 e Castilho, Alceu, 2012 que mostram a articulação do sistema

político com os grandes proprietários de terra rural e os vinculados ao agronegócio. vii

- nos prospectos de vendas aparecem, em letras menores, nomes de empresas que constituem as SPE. viii

- O exemplo é uma simplificação, pois foi baseado em noticia de interesse do mercado. Mas serve

para demonstrar que quando se utilizam apenas dados econômicos não se tem possibilidade de ir além

das aparências. ix - cabe lembrar que na Constituição de 1934 já consta a função social da propriedade, porém sempre

relacionada à ordem econômica e social sem alterar fundamentalmente o direito de propriedade

privada absoluta. Ver Faria, José Ricardo (2012) x - Sobre noções e conceitos de populismo, ver Laclau, Ernesto 2013.

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xi - Interessante observar, porém que quando se trata de bolsas CAPES, CNPq e de fundações estaduais

para pesquisa não se consideram medidas populistas, mas necessárias ao desenvolvimento científico e

tecnológico do pais. xii

- Não se trata de retrospecto histórico e nem de fazer uma interpretação da sociedade

contemporânea, mas apenas dar alguns destaques gerais. Assim as políticas e as questões apontadas não

são apresentadas em sequência cronológica. xiii

- Ver Rodrigues, Arlete Moysés, 2012. xiv

Sobre o debate atual, ver FNRU critica projeto de lei para novo projeto de Código de Processo Civil in

http://terradedireitos.org.br/biblioteca/fndc-critica-projeto-de-lei-para-novo-codigo-de-processo-civil/ xv

- Ver Rodrigues, Arlete Moysés, 2006. xvi

A lei foi festejada pelo setor imobiliário, como pode ser visto em

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI137483,101048-Breve+consideracao+acerca+da+alienacao+fiduciaria+de+bens+imoveis+no. E é parcialmente

alterada pela Lei 10.931 de 2 de agosto de 2004 que incentiva ainda mais a incorporação imobiliária. xvii

Sobre a separação entre políticas econômicas e públicas, ver Rodrigues, Arlete 2013a xviii

SMHARF – Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária de Reio Grande/ RS. xix

- Ver Rodrigues, Arlete Moysés 2013