CIRCUITOS INTERROMPIDOS: AS ADINS DOS PARTIDOS … · Alexandre Pinho Fadel** RESUMO o trabalho...
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CIRCUITOS INTERROMPIDOS: AS ADINS DOS PARTIDOS POLÍTICOS NO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (1999-2004)
CIRCUITOS INTERRUMPIDOS: LAS ADINS DE LOS PARTIDOS POLÍTICOS EN EL
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (1999-2004)
Antonio Moreira Maués*
Alexandre Pinho Fadel**
RESUMO
o trabalho analisa as ADIns ajuizadas pelos partidos políticos contra normas federais, no
período de 1999 a 2004, visando identificar se os parâmetros normativos estabelecidos pelo
STF no julgamento dessas ações são utilizados pelos poderes legislativo e executivo como
base de suas deliberações. Para isso, parte do conceito de judicialização da política como
um processo dividido em dois momentos. No primeiro deles, ocorre a "politização da
justiça constitucional”: o controle de constitucionalidade é acionado para modificar os
resultados do processo legislativo ou a interpretação da Constituição, o que coloca o
tribunal constitucional na posição de árbitro final dos conflitos políticos. No segundo,
ocorre a "judicialização do processo legislativo": ao solucionar as demandas, a justiça
constitucional produz um discurso no qual se elaboram normas que regem o exercício do
poder legislativo, as quais passam a orientar os legisladores. No período objeto de estudo,
os partidos políticos ajuizaram 148 ADIns contra normas federais, dentre as quais somente
18 tiveram o pedido cautelar deferido integral ou parcialmente, e 3 foram julgadas
procedentes no mérito. Após a análise dos acórdãos de várias dessas ADIns, o trabalho
conclui que nelas há pouca produção de parâmetros normativos pelo STF, tendo em vista,
principalmente, a ausência de decisões de mérito na maioria dessas ações e o caráter não
exaustivo da fundamentação do julgamento das cautelares. Apesar dos partidos
incentivarem a politização do judiciário no Brasil, a atuação do STF tem objetivamente
imposto limites à judicialização da política.
* Professor Adjunto da Universidade Federal do Pará. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo ** Professor da Universidade Cândido Mendes e da Fundação Educacional Serra dos Órgãos. Mestre em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PALAVRAS-CHAVE: JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA - CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
RÉSUMEN
El trabajo analiza las ações diretas de inconstitucionalidade (ADIns) promovidas por los
partidos políticos contra normas federales, en el período de 1999 a 2004, con el propósito
de identificar si los parámetros normativos establecidos por el Supremo Tribunal Federal
(STF) en el enjuiciamiento de esas acciones se utilizan por los poderes legislativo y
ejecutivo como base de sus deliberaciones. Para eso, se parte del concepto de
judicialización de la política como un proceso que se divide en dos momentos. En el
primer, ocurre la "politización de la justicia constitucional”: se utiliza el control de
constitucionalidad para cambiar los resultados del proceso legislativo o la interpretación de
la Constitución, lo que pone el tribunal constitucional en la condición de árbitro final de los
conflictos políticos. En el segundo, ocurre la "judicialización del proceso legislativo": al
solucionar las demandas, la justicia constitucional produce un discurso en el cual se
elaboran normas que regulan el ejercicio del poder legislativo, las cuales pasan a orientar
los legisladores. En el período objeto del estudio, los partidos políticos promovieron 148
ADIns contra normas federales, de entre las cuales sólo 18 han tenido la medida cautelar
admitida integral o parcialmente, y 3 han sido estimadas. Después del análisis de las
sentencias de muchas de esas ADIns, el trabajo concluye que en ellas hay poca producción
de parámetros normativos por el STF, teniendo en cuenta, principalmente, la ausencia de
decisiones de mérito en la mayoría de esas acciones y el carácter no conclusivo de los
fundamentos del juicio de las cautelares. Pese a los partidos incentivaren la politización del
judiciario en Brasil, la actuación del STF viene objetivamente imponiendo límites a la
judicialización de la política.
PALABRAS-CLAVE: JUDICIALIZACIÓN DE LA POLÍTICA - CONTROL DE
CONSTITUCIONALIDAD -SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
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I - Introdução
Nos últimos anos, o conceito de "judicialização da política" conheceu uma notável
popularidade, ultrapassando as esferas acadêmicas para converter-se em expressão de uso
comum (Maciel e Koerner, 2002). No Brasil, desde o importante trabalho de Vianna et alli
(1999), o tema passou a integrar cada vez mais a agenda de cientistas sociais e juristas,
orientando estudos de caráter empírico (Arantes, 1997 e 2002; Vianna, 2002) e análises da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Vieira, 1994; Castro, 1997; Fadel, 2004;
Maués e Leitão, 2004). Apesar dos diferentes enfoques desses trabalhos, seu ponto de
partida comum é o reconhecimento da participação do judiciário no processo de tomada de
decisões políticas nas democracias contemporâneas, decorrente do aumento de seu poder de
fiscalização sobre as decisões do legislativo e do executivo.
De modo mais amplo, o conceito de judicialização da política chama a atenção para
um conjunto de transformações que levaram ao surgimento do Estado Social (Vianna et
alli, 1999; Przeworski, 1989; Faria, 1991). Essa forma de Estado implica uma regulação
crescente da vida social pelo direito, o que leva à ampliação da esfera de atuação do
judiciário para garantir a observância das normas estatais em áreas que, no Estado Liberal,
eram deixadas à "auto-regulação", tais como as relações de trabalho, o direito contratual e
as atividades econômicas. Além disso, o Estado Social também se caracteriza pela
expansão dos poderes do executivo, o que diminui a possibilidade de controle de seus atos
pelo legislativo e reclama a intervenção do judiciário para reequilibrar o exercício das
funções do Estado, protegendo os direitos violados por decisões da maioria (Cappelletti,
1984). Note-se, ainda, que a legislação torna-se cada vez mais incerta, acentuando as
controvérsias sobre sua aplicação e as possibilidades de atuação do judiciário em demandas
coletivas, que expressam os conflitos distributivos da sociedade.
Esses desdobramentos são mais nítidos naqueles países que optaram por regimes de
democracia constitucional, nos quais a adoção da regra de maioria e das instituições da
democracia representativa é baseada em uma Constituição rígida, que encarrega ao
judiciário sua proteção e estabelece limites formais e materiais ao exercício do poder
legislativo. No ápice desse sistema encontra-se um tribunal com competência exclusiva ou
de última instância para julgar a compatibilidade das leis com a Constituição. Assim, é a
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existência do controle de constitucionalidade que consolida a competência do judiciário1
para rever decisões coletivas vinculantes, convertendo-o em árbitro dos conflitos entre
maioria e minoria políticas ou entre governo e sociedade.
Dadas essas características, o marco para a análise da judicialização da política no
Brasil é a Constituição de 1988. Ainda que o início do desenvolvimento do Estado Social
no Brasil, na década de 30, houvesse sido acompanhado de novos mecanismos de defesa
judicial, notadamente o mandado de segurança, os períodos autoritários de 1937-1945 e
1964-1985 limitaram o envolvimento do judiciário na esfera política. Por outro lado, ainda
que o país conhecesse o controle de constitucionalidade desde a primeira Constituição
republicana, vários direitos fundamentais eram caracterizados como normas cuja eficácia
dependia de regulamentação pela legislação ordinária, o que dificultava sua proteção pelo
judiciário.
Com a democratização do final do século passado, as relações entre judiciário,
legislativo e executivo conheceram notável alteração. Em primeiro lugar, a Constituição de
1988 devolveu e ampliou as garantias do Poder Judiciário, atribuindo-as também ao
Ministério Público, que foi constitucionalmente reconhecido como protetor dos direitos
difusos e coletivos. No campo do controle de constitucionalidade, a Constituição de 1988
manteve o controle difuso e ampliou de modo expressivo a legitimidade ativa do controle
concentrado, criando ainda a inconstitucionalidade por omissão e a argüição de
descumprimento de preceito fundamental. A garantia judicial da Constituição também seria
incrementada com a adoção de novos institutos, como o mandado de injunção, o habeas
data e o mandado de segurança coletivo e, para encerrar com chave de ouro, foi
reconhecida a aplicabilidade direta dos direitos fundamentais, extensamente enunciados na
Constituição a fim de não deixá-los à disposição do legislador ordinário.
Essa série de decisões do poder constituinte abriu caminhos para a judicialização da
política no Brasil. Com efeito, em nenhum outro momento de nossa história a participação
dos tribunais na vida do país foi tão forte. O número de demandas judiciais cresceu
exponencialmente desde 1988, levando ao reconhecimento da "crise" do poder judiciário
que, menos de um lustro após a promulgação da Constituição, já se via objeto de proposta
1 Embora o tribunal constitucional não costume integrar organicamente o poder judiciário nos países que adotam o controle concentrado de constitucionalidade, essa distinção não é relevante aqui, tendo em vista o caráter judicial de sua função.
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de reforma constitucional. A sociedade organizada também "descobriu" o judiciário como
uma arena para suas demandas, solicitando-lhe de modo crescente a proteção de direitos
sociais não efetivados e desenvolvendo estratégias de litigância nas ações judiciais. No
quadro de crise econômica e descontrole inflacionário, os diferentes planos adotados por
sucessivos governos foram submetidos à apreciação dos juízes, deixando a sociedade em
suspenso até sua manifestação. Com base no direito adquirido, o judiciário invalidou
medidas que tinham um considerável impacto financeiro, e matérias sensíveis das políticas
públicas, tal como a reforma agrária e as privatizações, foram questionadas junto aos
tribunais. Mesmo as lideranças políticas não hesitaram em recorrer ao judiciário para
solucionar divergências internas dos partidos.
Boa parte desse quadro deve-se ao caráter analítico da Constituição de 1988. Como
rapidamente aprenderam os operadores do direito, não é difícil encontrar no texto
constitucional princípios que fundamentem as mais variadas demandas, ou identificar
conflitos entre suas disposições, ampliando as incertezas sobre a correta aplicação da Carta
Magna. Contudo, a inegável constitucionalização do direito que vem ocorrendo no Brasil
não é suficiente para afiançar o grau de judicialização da política em nosso país. O alto
número de respostas judiciais a demandas que envolvem políticas públicas aparece como
um elemento fundamental do processo de judicialização, mas não exaure suas
características.
Se o controle judicial sobre os atos do poder público confunde-se com a própria
idéia do Estado Constitucional, não cabe dúvida de que esse controle é maior quanto se
exerce sobre a função legislativa. Ainda que um judiciário atuante possa, ao exercer a tarefa
de aplicação-interpretação das leis, colaborar na definição das políticas públicas, esse poder
é notadamente acentuado quando o judiciário também é competente para invalidar leis
contrárias à Constituição, o que o leva a editar decisões coletivamente vinculantes. No caso
do controle concentrado, as decisões do tribunal constitucional possuem efeitos erga
omnes. No caso do controle difuso, ainda que as questões constitucionais estejam
vinculadas a um litígio particular, um conjunto de decisões judiciais desfavoráveis ao
governo em um mesmo assunto pode inviabilizar determinada política, especialmente
quando esses litígios adquirem o caráter de ações coletivas. Acrescente-se a isso que os
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textos constitucionais costumam ser mais indeterminados do que os demais textos
normativos, o que amplia o espaço para a construção judicial do direito.
O reforço do controle de constitucionalidade também integra o quadro pós-88. Um
dos principais indicadores dessa condição é o número de ações diretas de
inconstitucionalidade, que superou o terceiro milhar em 2003. A constante provocação do
STF pelos agentes e partidos políticos, além das entidades de classe e confederações
sindicais, demonstra que sua condição de árbitro dos conflitos políticos se incorporou na
cultura constitucional do país. Paralelamente, o crescimento exponencial dos recursos
extraordinários ajuizados desde 1988 indica que se intensificou o exercício do controle
difuso no país: em 1990, o STF recebeu 10.780 REs, número que se elevou a 44.478 no ano
de 2003.
O exercício do controle de constitucionalidade oferece o ponto de partida para o
processo de judicialização. Ao declarar inconstitucional uma lei, a justiça constitucional
inevitavelmente interfere no processo político, mas é preciso identificar como os demais
poderes reagem a essas decisões para saber em que medida o judiciário orienta a política.
Trata-se, portanto, de abordar a judicialização como um processo de interação da justiça
constitucional com o legislativo e o executivo, no qual as decisões judiciais,
particularmente aquelas emanadas do tribunal constitucional, produzem parâmetros
normativos que são tomados como base das deliberações dos demais poderes.
Para fins analíticos, podemos dividir o processo de judicialização da política em
dois momentos (Stone Sweet, 2000). No primeiro deles, ocorre a "politização da justiça
constitucional”: o controle de constitucionalidade é acionado para modificar os resultados
do processo legislativo ou a interpretação da Constituição, o que coloca o tribunal
constitucional na posição de árbitro final dos conflitos políticos. No segundo deles, ocorre a
"judicialização do processo legislativo": ao solucionar as demandas, a justiça constitucional
produz um discurso no qual se elaboram as normas que regem o exercício do poder
legislativo, normas essas que são cumpridas pelos legisladores.
A distinção mostra-se útil porque nos permite entender que a "politização" não
produz inevitavelmente a "judicialização". Em diferentes campos do direito podem ser
observados diferentes níveis de judicialização, que variam de acordo com a intensidade da
interação da justiça constitucional com o legislativo e o executivo em cada campo. Essa
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interação depende não apenas de um arcabouço institucional que possibilite e incentive a
solução de conflitos políticos pela justiça constitucional, mas também do desenvolvimento
de uma jurisprudência constitucional que oriente a produção legislativa.
Sob esse ponto de vista, o estudo da judicialização da política não deve limitar-se à
identificação quantitativa do fenômeno, por mais que essa seja a porta de entrada da
investigação. A análise do impacto que as decisões judiciais provocam no sistema político é
que tem a virtude de identificar em que medida as ações do executivo e do legislativo são
regidas por essas decisões e, portanto, em que medida a política encontra-se judicializada.
Assim, a judicialização implica o funcionamento de um circuito no qual as demandas
trazidas pelo sistema político ao sistema judicial retornam a ele como um conjunto de
orientações a serem cumpridas: as decisões da justiça constitucional não apenas resolvem
casos presentes, mas também estabelecem parâmetros para a solução de casos futuros.
Deve-se observar, ainda, que essa abordagem também contribui para as reflexões de
caráter normativo sobre a judicialização da política. Se é possível afirmar que existe um
amplo consenso sobre a legitimidade da justiça constitucional, o debate sobre seus limites
permanece muito vivo (Brito et alli, 1995; Souza Neto, 2006), enfatizando o respeito que os
tribunais devem às decisões tomadas pelo legislador democrático. Assim, o conhecimento
de como as decisões judiciais influenciam as decisões políticas é fundamental para analisar
em que medida elas devem exercer essa influência.
Esse conceito de judicialização implica que sua análise busque identificar os
mecanismos que possibilitam a passagem da politização para a judicialização, ou seja, de
que modo a justiça constitucional é acionada e toma suas decisões, e como o legislativo e o
executivo reagem a essas decisões. O processo pode ser dividido em quatro estágios:2
- Estágio 1: como vimos, o ponto de partida da judicialização é a adoção de um regime de
democracia constitucional que, limitando a vontade da maioria por meio de uma
Constituição rígida, regule formal e materialmente a produção legislativa e estabeleça um
sistema de controle de constitucionalidade das leis. Entrando em funcionamento esse
arcabouço institucional, passa a interessar aos legisladores prever a posição do tribunal
constitucional acerca da constitucionalidade de suas decisões, a fim de evitar que elas sejam
invalidadas. Nesse primeiro estágio da judicialização, no entanto, os limites impostos ao
2 Adapta-se, aqui, o modelo proposto por Stone Sweet (2000: 194-204).
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legislador são bastante amplos, tendo em vista que o tribunal constitucional ainda não
desenvolveu sua jurisprudência, o que abre espaço para que a maioria política interprete a
Constituição a sua maneira.
- Estágio 2: nos países que adotam o controle abstrato, processo legislativo e controle de
constitucionalidade encontram-se articulados. Na prática, o controle de constitucionalidade
torna-se o último estágio do processo legislativo, no qual compete ao tribunal
constitucional rever a decisão do legislador do ponto de vista de sua compatibilidade com a
Constituição. Como o controle abstrato é um mecanismo bastante eficaz de censura às
decisões legislativas, já que pode levar a uma decisão irrecorrível de declaração de
inconstitucionalidade, a minoria política tem um grande incentivo para acionar o tribunal
constitucional. Ao contrário do que ocorre na arena legislativa, a oposição pode vir a ser
vitoriosa na arena judicial, reduzindo a influência da maioria sobre a legislação. Se o
tribunal constitucional exerce suas funções com independência, o controle abstrato retira
poder do governo e o obriga a participar de um processo que ele não pode controlar nem
deter e no qual há igualdade entre as partes.3 Além disso, nos países de controle difuso e
nos países de controle concentrado que contam com a via incidental, os demais juízes
tampouco estão rigidamente subordinados à lei, podendo encaminhar questões de
inconstitucionalidade ao tribunal constitucional ou exercer diretamente a fiscalização da
constitucionalidade. Em conseqüência, as partes de um processo podem argüir a
inconstitucionalidade das leis em seu benefício, fazendo com que o exercício da jurisdição
"ordinária" também interfira na elaboração das políticas públicas.
- Estágio 3: a politização da justiça aumenta a necessidade de motivação das decisões da
justiça constitucional. Tendo em vista o caráter polêmico das matérias e a possibilidade de
críticas acentuadas dos setores políticos que venham a se sentir prejudicados, o tribunal
constitucional deve desenvolver amplamente os fundamentos jurídico-constitucionais de
sua sentença, excluindo o contexto político que pode tê-lo orientado. No entanto, de modo
mais aparente que em outros campos do direito, a aplicação do direito constitucional
implica um trabalho de construção judicial das normas, a partir das disposições amplamente
3 Esse incentivo à provocação do controle concentrado pela oposição, no entanto, pode ter maiores custos no longo prazo, quando a minoria se torna governo e pode vir a se defrontar com a mesma rede de limitações constitucionais que ajudou a construir. Por outro lado, o tribunal constitucional pode decidir a favor do governo, estabelecendo normas constitucionais opostas àquelas desejadas pela oposição.
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ambíguas, vagas, controversas e colidentes do texto constitucional (Ferreres Comella,
1997). Assim, quanto mais o juiz constitucional esforça-se para motivar suas decisões,
torna-se mais patente que as soluções para os litígios constitucionais são estabelecidas após
um longo e complexo processo argumentativo, em que o magistrado busca balancear os
diferentes princípios e regras envolvidos na questão. Para o processo de judicialização, a
principal conseqüência desse esforço é o desenvolvimento de fundamentações complexas,
cujo grau de abstração favorece a criação de parâmetros para a decisão de casos
semelhantes no futuro.
- Estágio 4: o juízo sobre a constitucionalidade implica a interpretação do ato questionado e
a determinação do sentido da própria Constituição. Assim, no exercício do controle de
constitucionalidade, o tribunal constitucional não apenas resolve uma demanda como
também elabora a Constituição, gerando um duplo impacto no processo legislativo. Em
primeiro lugar, a decisão do tribunal sobre a constitucionalidade de uma lei possui um
impacto retrospectivo e direto, pois o tribunal resolve um conflito já existente e declara
uma determinada lei constitucional, inconstitucional ou a interpreta conforme a
Constituição. Em segundo lugar, ao oferecer as razões que fundamentam sua decisão, o
tribunal (re)constrói as normas que regem o processo legislativo e indica aos legisladores
como casos semelhantes deverão ser resolvidos. Esse impacto é prospectivo e indireto, pois
a fundamentação do tribunal estabelece parâmetros normativos para a atividade legislativa
futura.
Ao completar-se o circuito da judicialização, o legislador encontra-se em uma
situação distinta do seu ponto de partida. Provocada pelos próprios agentes políticos, a
justiça constitucional produziu uma jurisprudência sobre as normas constitucionais que não
pode ser desconsiderada pelo legislador, sob pena de ter suas decisões invalidadas. Estando
presentes duas condições, o processo de judicialização tende a se aprofundar: a justiça
constitucional deve continuar a ser acionada para que possa prosseguir na elaboração
judicial da Constituição, e o tribunal constitucional deve conferir valor de precedente às
suas próprias decisões, aplicando seus fundamentos aos casos semelhantes.
Dessa forma, os legisladores são levados a ajustar seu comportamento às normas
constitucionais, tal como interpretadas pelo tribunal constitucional, buscando prever sua
posição em determinada matéria antes de tomar uma decisão sobre ela. Com a
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judicialização, o processo político é modificado pela incorporação do discurso
constitucional às deliberações do executivo e do legislativo, os quais também passam a
utilizar argumentos jurídico-constitucionais para justificar suas propostas e ações.
Sob esse ponto de vista, a análise da judicialização da política em um dado país
requer tanto o exame das decisões tomadas pelo tribunal constitucional quanto de seus
fundamentos, bem como sua repercussão nos planos legislativo e executivo. Neste trabalho,
pretendemos identificar as características da politização da justiça e da judicialização da
política no contexto das ações diretas de inconstitucionalidade propostas pelos partidos
políticos contra normas federais no período de 1999 a 2004. O recorte justifica-se por uma
série de razões. As ADIns apresentadas pelos partidos constituem um ponto de observação
privilegiado do processo acima exposto, pois colocam o STF como árbitro dos conflitos
políticos. A delimitação das ADIns contra normas federais, por sua vez, visa dirigir a
atenção para os conflitos mais importantes em torno do sentido da Constituição, apesar do
alto número de ADIns contra normas estaduais (Chagas, 2006). Por fim, o recorte temporal
parte da existência de dados já analisados sobre o período de 1988 a 1998 (Vianna et alli,
1999), bem como do aumento da litigiosidade constitucional provocada pelos partidos
políticos no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e do interesse em identificar
o comportamento dos partidos e do STF após a alternância no governo federal ocorrida em
2003.
Seguindo a lógica acima exposta, o artigo divide-se em duas partes. Na seção
seguinte, iremos identificar as principais características da politização do STF ocorrida a
partir de 1988. Posteriormente, o período objeto de estudo será analisado tanto em termos
quantitativos quanto qualitativos, por meio da análise de casos exemplares que ajudam a
identificar o grau de judicialização da política decorrente das ADIns dos partidos.
II – Politizando o Judiciário
Como vimos na seção anterior, a Constituição de 1988 criou um conjunto de
mecanismos que favoreciam a intervenção do STF no processo político, estabelecendo as
bases da judicialização da política. Pela via do controle difuso e do controle concentrado de
constitucionalidade, o STF poderia invalidar leis e atos normativos; o mandado de injunção
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permitia ao STF opor-se à inação do legislador na regulamentação da Constituição; a ampla
legitimidade ativa garantia à sociedade civil acesso ao controle concentrado.
No entanto, nos primeiros anos após a promulgação da Constituição o STF elaborou
uma jurisprudência que limitou os canais pelos quais as decisões ou omissões do legislador
poderiam ser por ele revistas. No que se refere ao objeto das ADIns, o STF excluiu de sua
apreciação o direito anterior à Constituição (ADIn nº 2), leis de efeitos concretos (ADIn nº
767) e os regulamentos do poder executivo (ADIn nº 264). Os legitimados foram divididos
entre universais (Presidente da República, Mesas da Câmara e do Senado, Procurador-Geral
da República, Conselho Federal da OAB e partidos políticos) e parciais (Governadores e
Assembléias Legislativas dos Estados, confederações sindicais e entidades de classe de
âmbito nacional), exigindo-se desses a demonstração da “relação de pertinência temática”
entre o objeto da ação e as atribuições do autor. As entidades de classe só foram admitidas
como legitimadas caso representassem uma associação de pessoas físicas4 de mesma
categoria profissional ou econômica (ADIn nº 34) e estivessem presentes em pelo menos
nove Estados da Federação, esta última exigência, feita a partir de uma interpretação
analógica com a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (ADIn nº 386).
Isso explica o elevado número de ADIns não conhecidas pelo STF. De acordo com
os dados coletados por Vianna et alli (1999: 116), 21% das ADIns foram extintas por não
conhecimento até 1998, a maior parte delas ajuizadas pelos partidos políticos e entidades de
classe. Outro dado relevante do período diz respeito às normas objeto de questionamento:
dentre as medidas cautelares concedidas total ou parcialmente pelo STF, 77% suspenderam
normas emanadas do legislativo ou do executivo estadual.
Apesar da tentativa do STF limitar seu envolvimento nos conflitos políticos, uma
série de inovações aprovadas a partir da entrada em vigor da Constituição de 1988 teve
sentido contrário. A primeira delas foi a criação da Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC), acompanhada do efeito vinculante atribuído às suas decisões
definitivas de mérito (EC nº 3), o qual foi posteriormente estendido para as decisões em
ADIn (Lei nº 9.868/99 e EC nº 45) e para a Súmula do STF (EC nº 45). A Argüição de
4 Esta exigência foi eliminada pelo STF na ADIn nº 3.153, na qual, por maioria, foi deferido o agravo regimental interposto pela Federação Nacional das Associações dos Produtores de Cachaça de Alambique – FENACA, contra decisão do Min. Celso de Mello, relator, que, por ausência de legitimidade da autora, julgara extinto o processo.
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Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi regulamentada pela Lei nº 9.882/99
de forma a possibilitar ao STF o julgamento concentrado da constitucionalidade de normas
e outros atos do Poder Público que não poderiam ser objeto de ADIn, sendo suas decisões
também dotadas de efeito vinculante. Portanto, ainda que essas inovações viessem limitar o
exercício do controle difuso de constitucionalidade (Scaff e Maués, 2005), elas ampliavam
a competência do STF para solucionar conflitos políticos.
Não cabe dúvida, portanto, que já no primeiro decênio após a promulgação da
Constituição de 1988 ocorreu a politização do judiciário no Brasil, havendo um constante
recurso à justiça constitucional das decisões tomadas pelo legislativo e o executivo. Além
dos dados quantitativos, vale a pena destacar algumas decisões relevantes tomadas pelo
STF em sede de ADIn. O Supremo Tribunal considerou contrários à Constituição
dispositivos de emenda constitucional, nas ADIns nºs 926 e 939, vedando a cobrança do
IPMF sobre Estados e Municípios e sua exação no mesmo ano de sua criação; julgou nulos
vários dispositivos da Lei nº 8.177/91, que tratava da desindexação da economia (ADIns
nºs 493 e 959, ajuizadas pelo Procuradoria-Geral da República); e, apesar de não ter
interferido na execução das medidas do Plano Collor, no julgamento da ADIn nº 293,
apresentada pelo Procuradoria, o STF firmou jurisprudência que vedava a reedição de
medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional.
No campo da competição política, o STF também atuou de modo forte no primeiro
decênio, concedendo cautelares nas seguintes ações: ADIn nº 958, do PRONA, contra a
Lei nº 8.713/93, que vinculava a indicação de candidatos ao desempenho do partido no
pleito anterior; ADIn nº 1.063, do PSC, contra a Lei nº 8.713/93, que definia o órgão
partidário competente para efeito de recusa da candidatura nata; ADIn nº 1.355, do PDT,
contra a Lei nº 9.100/95, que condicionava o número de candidatos às Câmaras Municipais
ao número de representantes na Câmara Federal; ADIn nº 1.382, do PL, contra a Lei nº
9.100/95, que erigiu o dia imediato como termo final para a renúncia do prefeito, vice ou
vereador pretendentes à transferência de domicílio.
Vale destacar, por fim, o caráter majoritariamente liminar dos julgamentos do STF.
Segundo Vianna et alli (1999: 116), ao final de 1998 havia 1.052 ADIns aguardando o
julgamento do mérito. Dentre as 338 ADIns apresentadas pelos partidos políticos, 87 não
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haviam sido conhecidas e 158 aguardavam julgamento do mérito (Vianna et alli, 1999:
129).
III – Judicializando a política?
O período objeto de análise deste trabalho compreende o segundo governo de
Fernando Henrique Cardoso, no qual, além da manutenção do ritmo de aprovação de
emendas constitucionais (EC nºs 21 a 39), houve um incremento da prática da reedição de
medidas provisórias, que atingiu o seu ápice no ano de 2000, com uma média mensal de
90,67 reedições. Assim, o Governo Federal dava continuidade às reformas que havia
iniciado em seu primeiro mandato e propunha novas alterações importantes no
ordenamento jurídico, provocando o aumento do recurso dos partidos de oposição ao STF.
Note-se que o uso acentuado de medidas provisórias diminuía consideravelmente a
possibilidade da oposição influenciar a produção legislativa, tornando as ADIns o único
meio disponível para combater a ausência de deliberação do Congresso Nacional (Fadel,
2004).
Esse quadro, caracterizado pela edição de uma legislação reformista radical e a
existência do controle concentrado, cria um ambiente favorável à judicialização da política
(Stone Sweet, 2000: 50). Contudo, é necessário identificar de que modo o STF respondeu a
essas ações para aferir o grau de judicialização, isto é, se o Supremo Tribunal desenvolveu
sua jurisprudência de modo a gerar um impacto não só retrospectivo mas também
prospectivo sobre a atividade legislativa.
Além disso, tendo em vista a alternância no governo ocorrida em 2003, é válido
analisar como os partidos políticos que antes compunham a maioria passaram a se
comportar no ajuizamento de ADIns, bem como se ocorreu alguma eventual mudança na
orientação do STF. Com esse fim, serão analisados os dois primeiros anos do Governo
Lula.
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No período de 1999 a 2002, os partidos políticos saíram do quarto lugar, que
ocuparam no primeiro decênio da Constituição de 1988, para o primeiro posto entre os
legitimados para a propositura de ADIn, tal como se vê a seguir:5
Ações Diretas de Inconstitucionalidade – 1999
NORMA
ESTADUAL FEDERAL TOTAL
Mesa de Assembléia Legislativa 1 2 3
Governador de Estado ou do DF 45 4 49
Procurador-Geral da República 3 15 18
Conselho Federal da OAB 7 5 12
Partidos políticos com representação no CN 31* 30 61
Confederação sindical ou entidade de classe 21 24 45
Outros 1
189
* A ADIn nº 2.070 foi proposta conjuntamente pelo Conselho dos Eleitores Pró-Emancipação, Autonomia e desenvolvimento de Itaoca e pelo PSL
ADIns de partidos políticos – 19996
ADIns Partidos
de Direita
Partidos
de Centro
Partidos
de
5 Na coleta de dados foram utilizadas duas fontes: a página eletrônica do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br), consultada durante o mês de maio de 2006, e o Banco de Dados Jurídicos Datadez (CD-ROM Datadez. Rio Grande do Sul: Notadez Informação, 2005). 6 Neste trabalho, foi utilizado o agrupamento ideológico dos partidos políticos (direita, centro e esquerda) feito por Vianna et alli (1999, p. 97-99). sendo considerados de direita: o Partido da Frente Liberal (PFL), o Partido Progressista Brasileiro (PPB) e o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA); de centro: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido Liberal (PL), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Social Trabalhista (PST), o Partido Democrata Cristão (PDC), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido da Mobilização Nacional (PMN) e o Partido Social Cristão (PSC); e de esquerda: o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido Comunista do Brasil (PC do B), o Partido Verde (PV) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Dentre os partidos que não constam no trabalho acima citado, o Partido Social Liberal (PSL), o Partido Humanista da Solidariedade (PHS), o Partido Trabalhista Nacional (PTN) e o Partido Social Democrata Cristão (PSDC) foram classificados como partidos de centro, e o Partido Progressista (PP) foi classificado como de direita.
14
Esquerda
Partidos
políticos
61
(32,28%*) -
19
(31,14%)
42
(68,86%)
* Percentual em relação ao total das ADIns de 1999.
ADIns de Partidos de Centro – 1999
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PSL 11 10 1
PST 3* 2 2
PSD 1 1 -
PMDB 3 3 -
PMN 1 - 1
Total 19 16 (84,21%) 4 (21,05%)
*Uma ADIn incidiu simultaneamente sobre norma federal e estadual.
ADIns de Partidos de Esquerda – 1999
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PT* 21 13 8
PDT 6 3 3
PC do B 4 - 4
PSB 1 - 1
Conjuntas** 10 - 10
Total 42 16 (38,1%) 26 (61,90%)
* Uma ADIn do Partido dos Trabalhadores foi interposta em conjunto com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Central Única dos Trabalhadores. ** PC do B/PT/PDT/PSB: 2; PT/PDT/PSB/PCB: 1; PT/PV: 2; PDT/PT: 3; PC do B/PSB: 2.
Ações Diretas de Inconstitucionalidade – 2000
15
NORMA
ESTADUAL FEDERAL TOTAL
Mesa de Assembléia Legislativa - 4 4
Governador de Estado ou do DF 65 3 68
Procurador-Geral da República 16 4 20 +
(1)*
Conselho Federal da OAB 11 8 19
Partidos políticos com representação no CN 44 30 74 +
(1)**
Confederação sindical ou entidade de classe 29 34 63 +
(1)**
Outros 2
253
* A ADIn nº 2.224 foi proposta contra norma estadual e federal ** ADIns propostas contra norma municipal.
ADIns de partidos políticos – 20007
ADIns Partidos de
Direita
Partidos de
Centro
Partidos de
Esquerda
Partidos
políticos
74
(29,24%)
1
(1,35%)
43
(58,10%)
30
(40,55%)
ADIns de Partidos de Direita – 2000
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PPB 1 1 -
ADIns de Partidos de Centro – 2000
7 Quanto ao total de ADIns, caso fossem descontadas as 23 ações propostas pelo Partido Humanista da Solidariedade (PHS), sobre o mesmo tema, os partidos de esquerda teriam, com as suas 30 ações, mais de 55% do total. As ações do PHS foram ajuizadas contra normas dos Tribunais Regionais Eleitorais que proibiam a divulgação do voto eletrônico com urnas similares à oficial, sendo que todas elas tiveram sua cautelar indeferida e, no mérito, foram julgadas improcedentes ou tiveram negado seu seguimento.
16
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PSL 8 5 3
PST 1 - 1
PTB 3 3 -
PMDB 1 1 -
PTN 2 - 2
PHS 23 23 -
PL 5 2 3
Total 43 34 (79,06%) 9 (20,94%)
ADIns de Partidos de Esquerda – 2000
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PT 10 3 7
PDT 5 2 3
PC do B 4 1 3
PSB 4 2 2
PPS 1 1 -
Conjuntas* 6 - 6
Total 30 9 (30%) 21 (70%)
* PC do B/PT/PDT/PSB: 3; PT/PSB/PC do B: 1; PT/PDT: 1; PC do B/PT: 1
Ações Diretas de Inconstitucionalidade – 2001
NORMA
ESTADUAL FEDERAL TOTAL
Mesa de Assembléia Legislativa 1 2 3
Governador de Estado ou do DF 56 2 58
Procurador-Geral da República 9 2 11
Conselho Federal da OAB 2 4 6
Partidos políticos com representação no CN 54 24 78 +
17
(1)*
Confederação sindical ou entidade de classe 25 27 52
Outros 1
210
* ADIn proposta contra norma municipal.
ADIns de partidos políticos – 2001
ADIns Partidos de
Direita
Partidos
de Centro
Partidos de
Esquerda
Partidos
políticos
78
(37,14%)-
56
(71,79%)
22
(28,21%)
ADIns de Partidos de Centro – 2001
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PSL 38 33 5
PST 2 2 -
PTB 5* 3 3
PMDB 2 2 -
PSDC 2 1 1
PHS 2 2 -
PL 5 3 2
Total 56 46 (82,14%) 11 (19,64%)
* Uma ADIn recaiu sobre norma federal e estadual.
ADIns de Partidos de Esquerda – 2001
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PT 8 5 3
PDT 4 2 2
PC do B 4 2 2
PSB 1 - 1
Conjuntas* 5 - 5
Total 22 9 (40,90%) 13 (59,10%)
18
* PC do B/PT/PL/PPS: 1; PT/PC do B/PDT/PSB/PPS: 1; PT/PC do B//PDT/PSB/: 1; PC do B/PSB/PDT: 1; PSB/PC do B: 1.
Ações Diretas de Inconstitucionalidade – 2002
NORMA
ESTADUAL FEDERAL TOTAL
Mesa de Assembléia Legislativa 2 1 3
Governador de Estado ou do DF 71 4 75
Procurador-Geral da República 6 2 8
Conselho Federal da OAB 10 5 15
Partidos políticos com representação no CN 24 15 39 + (21)*
Confederação sindical ou entidade de classe 28 16 44
Outros 1
206
* As 21 ações foram protocoladas por um representante do PDT contra atos normativos municipais. Ocorre, contudo, que o impetrante não possuía mandato para fazê-lo em nome do partido e normas municipais não podem ter sua constitucionalidade questionada em ADIn perante o Supremo Tribunal Federal.
ADIns de partidos políticos – 2002
ADIns Partidos
de Direita
Partidos de
Centro
Partidos de
Esquerda
Partidos
políticos
39
(18,93%)
1
(2,56%)
22
(56,41%)
16
(41,03%)
ADIns de Partidos de Direita – 2002
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PFL 1 - 1
Total 1 - 1 (100%)
ADIns de Partidos de Centro – 2002
19
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PSL 12 6 6
PSDB 2 2 -
PTB 3 1 2
PMDB 2 2 -
PSDC 1 1 -
PL 3 2 1
Total 23 14 (60,87%) 9 (39,13%)
ADIns de Partidos de Esquerda – 2002
PARTIDOS ADIns Norma Estadual Norma Federal
PT 4 1 3
PDT 1 1 -
PPS 3 3 -
PSB 5 4 1
Conjuntas* 2 1 1
Total 15 10 (66,67%) 5 (33,33%)
* PC do B/PT/PL/PPS/PSB: 1; PT/PL: 1.
Do ponto de vista dos resultados, o êxito dos partidos é pequeno no que se refere às
normas federais: das 99 ADIns ajuizadas de 1999 a 2002, somente 17 tiveram o pedido
cautelar deferido integral ou parcialmente (17%) e somente 3 ADIns (3%) foram julgadas
procedentes no mérito, conforme se verifica nas tabelas abaixo:
Cautelar e Mérito deferidos ou deferidos em parte
nas ADIns dos partidos políticos que incidiram sobre normas federais (1999)
ADIns Cautelar Mérito
20
contra
normas
federais
Deferida Deferida em
parte Total Deferida
Deferida em
parte Total
30 3 (10%) 5 (16,66%) 8
(26,66%)- 3 (10%)
3
(10%)
Cautelar e Mérito deferidos ou deferidos em parte nas ADIns dos partidos políticos que incidiram sobre normas federais (2000)
Cautelar Mérito ADIns
contra
normas
federais Deferida
Deferida em
parte Total Deferida
Deferida em
parte Total
30 4
(13,33%) 2 (6,66%)
6
(20%)- - -
Cautelar e Mérito deferidos ou deferidos em parte nas ADIns dos partidos políticos que incidiram sobre normas federais (2001)
Cautelar Mérito ADIns
contra
normas
federais Deferida
Deferida em
parte Total Deferida
Deferida em
parte Total
24 - 2 (8,33%) 2
(8,33%)- - -
Cautelar e Mérito deferidos ou deferidos em parte nas ADIns dos partidos políticos que incidiram sobre normas federais (2002)
Cautelar Mérito ADIns
contra
normas
federais Deferida
Deferida em
parte Total Deferida
Deferida em
parte Total
15 1 - 1 - - -
21
(6,67%) (6,67%)
O pequeno número de decisões de mérito do STF indica um baixo desenvolvimento
de sua jurisprudência a partir das ADIns dos partidos. Como vimos, a judicialização da
política depende de que o tribunal constitucional ofereça parâmetros normativos nos
fundamentos de suas decisões, os quais possam orientar as deliberações do legislativo e do
executivo. Considerando ainda que a ampla maioria das cautelares não foi deferida,
podemos concluir que, nessas ações, é limitado o impacto retrospectivo das decisões do
STF sobre o processo legislativo, o que inevitavelmente afeta seu impacto prospectivo.
Diante disso, as pistas da judicialização da política no Brasil devem ser buscadas
nas conseqüências do deferimento das cautelares. Tendo havido manifestação, ainda que
liminar, do STF sobre a matéria, podemos identificar as reações do Executivo e do
Legislativo a essas decisões.
Nas ADIns apresentadas contra medidas provisórias, observa-se que o Legislativo e
o Executivo acatam a decisão cautelar do STF ao não incluir o dispositivo suspenso na
reedição da medida ou quando de sua conversão em lei, como nos seguintes exemplos:
a) ADI nº 1.975 e nº 1.984, ajuizadas, respectivamente, pelo PT e pelo PC do B e PSB
contra a MP nº 1.815, cuja cautelar foi deferida em relação ao art. 1º, que mandava
desconsiderar um ano do tempo de serviço dos servidores públicos para fins de promoção e
progressão por antigüidade, excetuando diplomatas, militares e funcionários do Legislativo
e do Judiciário. No entendimento do STF, essa alteração implicava violação do princípio da
isonomia. Na reedição de nº 1.909-15, o dispositivo suspenso pelo STF foi revogado.
Observe-se que o outro pedido de cautelar, referente à extinção do adicional por tempo de
serviço, foi indeferido, mantendo-se a norma até hoje, por força da EC nº 32, como art. 15
da MP nº 2.225-45/01;
b) ADIn nº 2.005, ajuizada pelo PC do B e o PSB contra a MP nº 1.819-1/99, que
disciplinava questões referentes ao setor elétrico. A cautelar foi deferida pelo STF em
relação aos artigos que tratavam da privatização do setor, considerando que o art. 246 da
CF veda a adoção de medida provisória para regulamentação de artigo da Constituição cuja
redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995. A EC nº 6,
que permitia a autorização ou concessão para o aproveitamento dos potenciais de energia
22
hidráulica, havia sido aprovada nesse ano. A MP não foi reeditada, levando à
prejudicialidade da ação.
c) ADIn nº 2.125, ajuizada pelo PT contra o art. 2º da MP nº 2.006/99, que permitia a
contratação, por tempo determinado, de servidores para o Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI). A cautelar foi deferida pelo STF, por entender plausível a argumentação
de violação do art. 37, II, da CF. O referido artigo deixou de constar nas reedições
posteriores à decisão do STF, levando à prejudicialidade da ação;
d) ADIn n° 2.290, ajuizada pelo PSL contra o art. 6º da MP nº 2.045, que proibia o registro
de arma de fogo até 31 de dezembro de 2000. O referido dispositivo foi suspenso pelo STF
por ofensa ao devido processo legal substantivo, não constando nas reedições posteriores da
MP nem na lei de conversão dela originada (Lei nº 10.201/01), tendo sido a ação julgada
prejudicada;8
e) ADIn nº 2.380, ajuizada pelo PT contra dispositivos da Lei nº 9.849/99, tendo o STF
deferido a cautelar para suspender a contratação temporária de servidores para atividades de
análise e registro de marcas e patentes pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual
(INPI), por violação do art. 37, IX. O dispositivo impugnado foi revogado pela Lei nº
10.667/03, tendo sido a ação julgada prejudicada;
f) ADIn nº 2.473, ajuizada pelo PT, PC do B, PDT e PSB contra a MP nº 2.152-2/01, que
tratava de medidas de racionamento de energia elétrica. O STF deferiu a cautelar em
relação ao art. 24, que alterava competência da Justiça Federal estabelecida na
Constituição, e também suspendeu parte do art. 26, que permitia às decisões da Câmara de
Gestão da Crise de Energia Elétrica afastarem a aplicação de textos legais. Ambos os
dispositivos foram alterados quando da reedição da medida (MP nº 2.198-5/01).
Também podemos falar de uma resposta positiva do legislador em relação ao
julgado da ADIn nº 2.061, proposta pelo PDT, PT e Confederação dos Servidores Públicos
do Brasil, na qual o STF reconheceu a omissão do Presidente da República no
encaminhamento do projeto de lei de revisão geral anual da remuneração dos servidores da
União, prevista no art. 37, X, da CF, com a redação dada pela EC nº 19/98. Apesar do STF
8 No período, somente duas outras ações ajuizadas por partidos de centro obtiveram deferimento da cautelar: ADIn n° 2.175, proposta pelo Partido Social Trabalhista (PST) contra Resolução Administrativa do Tribunal Superior do Trabalho, nº 665, de 10 de dezembro de 1999 e ADIn nº 2.568, interposta pelo Partido Social Liberal (PSL) contra LC nº 110/01, que teve dispositivos suspensos por violação do princípio da anterioridade.
23
não poder fixar prazo para o suprimento da omissão, por tratar-se de medida legislativa, a
Presidência encaminhou a proposta de reajuste geral, no valor de 3,5%, que resultou na Lei
nº 10.331/01.
Em alguns casos, mesmo que a ADIn não tenha sido julgada pelo STF, seu
ajuizamento pode ter contribuído para a retirada dos dispositivo questionados, tendo em
vista a alta probabilidade de êxito da ação, como nos seguintes casos:
a) ADIn nº 2.001 e nº 2.002, ajuizadas, respectivamente, pelo PDT e o PT, contra o art. 56
do Decreto nº 3.048/99, que vinculava a concessão de aposentadoria no regime geral de
previdência social à idade mínima de 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher. Essa
proposta havia sido derrotada na votação dos destaques da EC nº 20, que promovera a
reforma da previdência. O decreto foi republicado antes do julgamento da cautelar pelo
STF, eliminando aquela vinculação;
b) ADIn nº 2.385, ajuizada pelo PDT contra dispositivos da MP nº 2.088-35/00, que
possibilitavam a sanção do agente do Ministério Público que viesse a propor ação de
improbidade administrativa manifestamente improcedente, os quais deixaram de constar na
reedição da medida.
Apesar dos exemplos acima, metade das ADIns dos partidos foram julgadas
prejudicadas. Isso se explica, em parte, pelo número de ações propostas contra medidas
provisórias, em que a prejudicialidade decorreu da falta de aditamento da inicial pelo
partido autor após a reedição da medida, ou da perda superveniente do objeto provocada
pela alteração ou revogação da norma.
Essa situação, contudo, pode indicar que o STF absteve-se de julgar determinadas
matérias, tal como exemplificam as ADIns apresentadas contra as medidas provisórias que
estabeleciam o valor do salário mínimo. Na ADIn nº 1.996, ajuizada pelo PT, PDT, PSB e
PC do B contra MP nº 1.824/99, o pedido da cautelar foi indeferido, sendo a ação julgada
prejudicada por decisão monocrática, considerando que os autores haviam aditado a inicial
tão somente em relação a cinco reedições da medida provisória, deixando de fazê-lo diante
de suas outras sete reedições, além de que a MP impugnada já havia sido revogada pela MP
nº 2.019/00, que estabelecia novo valor do salário mínimo. O mesmo ocorreu com a ADIn
nº 2.162, do PT, contra a MP 1.933-10/00. Assim, prevendo que no ano seguinte haveria a
24
revogação da norma pelo estabelecimento de novo valor para o salário mínimo, o STF evita
o julgamento do mérito da questão.
Em outros casos, verificamos que o não conhecimento da ação e a demora no
julgamento pelo STF também diminui sua interferência nos conflitos políticos, tal como
ocorreu com a ADIn nº 2.484, proposta pelo PC do B contra a Lei nº 10.266/01, de
diretrizes orçamentárias, não conhecida por tratar-se de lei “com efeitos concretos”; a
ADIn nº 2.135, de autoria do PDT, contra a EC nº 19, que não teve ainda seu julgamento
concluído; e a ADIn nº 2.199, ajuizada pelo PC do B, PSB, PT, PDT contra a EC nº 27,
que não teve julgamento.
No que se refere às ações contra emendas constitucionais, duas delas tiveram
julgamento favorável pelo STF: ADIn nº 1.946, proposta pelo PSB contra o art. 14 da EC
nº 20, na qual o STF deu interpretação conforme à Constituição ao referido dispositivo para
excluir o salário da licença gestante do limite máximo dos benefícios pagos pelo regime
geral de previdência social; e ADIn nº 2.031, proposta pelo PT contra a EC nº 21/99, na
qual o STF acatou o pedido em relação ao dispositivo (art. 75, § 3º) que autorizava a União
a emitir títulos da dívida pública para custeio da saúde e da previdencia social, tendo em
vista que a Câmara dos Deputados havia alterado o texto sem que o mesmo retornasse ao
Senado Federal para apreciação.9
Além da observância da decisão cautelar do STF por meio da alteração de medida
provisória pelo Executivo, há quatro ADIns no período que demonstram a incorporação dos
parâmetros normativos estabelecidos pelo STF nas deliberações do legislador. Nesses
casos, ao contrário da maioria das ADIns ajuizadas pelos partidos políticos, todo o circuito
da judicialização pode ser identificado: a provocação da minoria política ao STF em face de
uma decisão da maioria, a anulação dessa decisão pelo STF e a promoção de uma reforma
constitucional para atender aos fundamentos jurídicos do Tribunal.
a) ADIns nºs 2.223 e 2.244, ajuizadas, respectivamente, pelo PT e o PC do B contra a Lei
nº 9.932/99, que dispunha sobre a transferência de atribuições da IRB-Brasil Resseguros
S.A. para a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. O STF deferiu a cautelar por
9 Duas outras ações contra emendas constitucionais, ADIns nºs 2.046 e 2.047, ambas apresentadas pelo PC do B contra dispositivos da EC nº 19, não foram conhecidas, por entender o STF que o autor havia formulado uma consulta ao tribunal acerca da interpretação a ser dada às novas disposições da emenda constitucional. A ADIn nº 2.159, ajuizada pelo PSL contra o artigo 7º da EC nº 19 foi julgada prejudicada pelo advento da EC nº 41 e a ADIn nº 2.666, do mesmo partido contra o art. 3º da EC nº 37, foi julgada improcedente.
25
identificar inconstitucionalidade formal na lei, tendo em vista que, com base no então
vigente inciso II do art. 192, a regulamentação dos estabelecimentos de seguro e resseguro,
bem como do órgão oficial fiscalizador seria matéria reservada a lei complementar. Por
meio da EC nº 40, o dispositivo constitucional acima citado foi revogado;
b) ADIn nº 2.016, ajuizada pelo PT, PDT, PSB, PC do B. Essa ADIn tratava da mesma
matéria que a ADIn nº 2.010, proposta pela OAB, na qual o STF deferiu cautelar
suspendendo a cobrança de contribuição previdenciária dos servidores inativos e
pensionistas, estabelecida pela Lei nº 9.783/99.10 O STF entendeu que, apesar das
mudanças introduzidas pela EC nº 20, a Constituição não autorizava a instituição de
contribuição dos aposentados e pensionistas da União. Com base em informações do
processo legislativo, o STF afirmava que "o Congresso Nacional absteve-se,
conscientemente,11 no contexto da reforma do modelo previdenciário, de fixar a necessária
matriz constitucional, cuja instituição se revelava indispensável para legitimar, em bases
válidas, a criação e a incidência dessa exação tributária sobre o valor das aposentadorias e
das pensões. O regime de previdência de caráter contributivo, a que se refere o art. 40,
caput, da Constituição, na redação dada pela EC nº 20/98, foi instituído, unicamente, em
relação "Aos servidores titulares de cargos efetivos...", inexistindo, desse modo, qualquer
possibilidade jurídico-constitucional de se atribuir, a inativos e a pensionistas da União, a
condição de contribuintes da exação prevista na Lei nº 9.783/99." (RTJ 181/75)
Posteriormente, o Governo Lula enviou proposta de emenda constitucional que,
entre outras matérias, constitucionalizava a cobrança da contribuição previdenciária de
inativos e pensionistas.12 No parecer aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara dos Deputados, de autoria do Dep. Maurício Rands (PT-PE) é explícita a
adequação à orientação do STF na ADIn nº 2.010: "O principal fundamento do voto do
10 Anteriormente, no julgamento da ADIn nº 790, proposta pela Procuradoria-Geral da República, o STF havia julgado inconstitucional o art. 9º da Lei nº 8.162/91, que estabelecia alíquotas progressivas para a contribuição dos servidores, considerando que não havia causa suficiente para essa majoração, pois o art. 231, § 2º, da Lei nº 8.112/90 dispunha que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos seriam custeadas integralmente pelo Tesouro Nacional. O legislador respondeu a essa decisão instituindo constitucionalmente a contribuição previdenciária dos servidores, por meio da EC nº 3/93. 11 Na votação da EC nº 20, os líderes partidários haviam aprovado um destaque supressivo, excluindo a cláusula destinada a introduzir, no texto da Constituição, a necessária previsão de cobrança, aos pensionistas e aos servidores inativos, da contribuição de seguridade social. 12 Outro efeito do deferimento da cautelar na ADIn nº 2.010 foi a revogação do art. 2º da Lei nº 9.783/99, que estabelecia adicionais da contribuição previdenciária dos servidores, pelo art. 7º da Lei nº 9.988/00.
26
relator, Min. Celso de Mello, foi o de que a matriz constitucional vigente não estabelecia as
bases para que a lei ordinária criasse a exação tributária. Não deixou de reconhecer o STF
naquela ocasião, todavia, que uma nova matriz constitucional pode colocar o problema em
novas bases". O parecer lembrava ainda que o mesmo acórdão indicava que "Se, em
determinado momento histórico, circunstâncias de fato ou de direito reclamarem a alteração
da Constituição, em ordem a conferir-lhe um sentido de maior contemporaneidade, para
ajustá-la, desse modo, às novas exigências ditadas por necessidades políticas, sociais ou
econômicas, impor-se-á a prévia modificação do texto da Lei Fundamental, com estrita
observância das limitações e do processo de reforma estabelecidos na própria Carta
Política."
Assim, o relator propôs emenda saneadora, incluindo no caput do art. 40 as
expressões "solidário" e "inclusive mediante contribuição dos servidores inativos e
pensionistas", de modo a deixar mais claro que a mudança constitucional introduzia uma
nova matriz constitucional no tratamento do regime previdenciário dos servidores,
atendendo à orientação do STF.
Promulgada a EC nº 41, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
(CONAMP) ingressou com a ADIn nº 3.105, pedindo a declaração da
inconstitucionalidade da contribuição previdenciária dos inativos, dentre outros dispositivos
da reforma da previdência. Por maioria, o STF julgou constitucional essa contribuição,
ratificando o entendimento do Congresso Nacional: "não há, em nosso ordenamento,
nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da
aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de
ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a
respeito, direito adquirido com o aposentamento" (RTJ 193/137).
c) ADIn nº 2.626, ajuizada pelo PC do B, PL, PT e PSB, contra a Instrução nº 55 do TSE
(Resolução nº 20.993), pela qual os partidos políticos eram obrigados a manter nos Estados
as mesmas coligações estabelecidas para a eleição de Presidente da República. Como o
dispositivo impugnado resultava de uma interpretação do art. 6º da Lei nº 9.504/97, o STF,
por maioria, não conheceu da ação, aplicando sua jurisprudência de que ato regulamentar
não pode ser objeto de ADIn. Ainda em 2002, o Congresso Nacional iniciou o processo
legislativo para incluir no texto constitucional dispositivo que garantisse a autonomia dos
27
partidos políticos para decidirem suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de
vinculação entre as candidaturas dos diferentes pleitos. Essa emenda foi finalmente
aprovada em março de 2006, sob o número 52, ainda que o STF tenha decidido, na ADIn
nº 3.685, que ela não se aplicaria às eleições desse ano, tendo em vista a vedação do art. 16
da CF.
No período de 2003 a 2004, como se podia prever, houve uma inversão na autoria
das ADIns, passando a predominar aquelas apresentadas por partidos de centro e direita,
destacando-se os principais partidos de oposição: PSDB e PFL. Se no ano de 2003 o
número de ADIns ajuizadas por partidos contra normas federais não se elevou de modo
significativo, já em 2004 o número de ADIns nessa categoria praticamente igualou o nível
máximo alcançado em 1999 e 2000.
Ações Diretas de Inconstitucionalidade – 2003
NORMA
ESTADUAL FEDERAL TOTAL
Governador de Estado ou do DF 81 4 85
Procurador-Geral da República 97 21 118
Conselho Federal da OAB 6 3 9
Partidos políticos com representação no CN 24 20 44
Confederação sindical ou entidade de classe 37 15 52
308
ADIns de partidos políticos – 2003
ADIns Partidos
de Direita
Partidos de
Centro
Partidos de
Esquerda
Partidos
políticos
44
(14,28%)
13
(29,54%)
24
(54,54%)
7
(15,90%)
ADIns de Partidos de Direita – 2003
PARTIDOS ADIns Norma Norma Federal
28
Estadual
PFL 8 2 6
PPB 1 1 -
PP 3 2 1
PRONA 1 - 1
Total 13 5 (38,46%) 8 (61,54%)
ADIns de Partidos de Centro – 2003
PARTIDOS ADIns Norma
Estadual Norma Federal
PSL 7 7 -
PSDB 9 4 5
PTB 1 - 1
PMDB 1 - 1
PSC 1 1 -
PL 5 5 -
Total 24 17 (70,83%) 7 (29,17%)
ADIns de Partidos de Esquerda – 2003
PARTIDOS ADIns Norma
Estadual Norma Federal
PV 2 - 2
PDT 5 2 3
Total 7 2 (28,57%) 5 (71,43%)
Ações Diretas de Inconstitucionalidade – 2004
NORMA
ESTADUAL FEDERAL TOTAL
Governador de Estado ou do DF 52 2 53
Procurador-Geral da República 83 9 92
29
Conselho Federal da OAB 6 1 7
Partidos políticos com representação no CN 12 29 41
Confederação sindical ou entidade de classe 39 37 75
Outros 3 6 9
277
ADIns de partidos políticos – 2004
ADIns Partidos
de Direita
Partidos de
Centro
Partidos de
Esquerda
Partidos
políticos
41
(14,80%)
14
(34,14%)
14
(34,14%)
13
(31,70%)
ADIns de Partidos de Direita – 2004
PARTIDOS ADIns Norma
Estadual Norma Federal
PFL 10 - 10
PP 1 - 1
PRONA 2 - 2
PFL/PSDB 1 - 1
Total 14 - 14 (100%)
ADIns de Partidos de Centro – 2004
PARTIDOS ADIns Norma
Estadual Norma Federal
PSL 3 1 2
PSDB 5 - 5
PTB 5 3 2
PL 1 - 1
Total 14 4 (28,57%) 10 (71,43%)
30
ADIns de Partidos de Esquerda – 2004
PARTIDOS ADIns Norma
Estadual Norma Federal
PT 2 2 -
PV 1 - 1
PDT 10 6 4
Total 13 8 (61,54%) 5 (38,46%)
Sem embargo, o número de ADIns cuja cautelar foi deferida limita-se a 1 ADIn.
Isso se explica pelo alto número de ações aguardando julgamento da liminar (10 ações
ajuizadas em 2003 e 18 ações ajuizadas em 2004) e também pelo significativo número de
ações cujo medida cautelar foi julgada prejudicada (8 em 2003, 9 em 2004). Portanto,
apesar dos partidos que passaram à oposição terem mantido a politização do STF, não se
verifica alteração na conduta do tribunal em relação ao período anterior.
Cautelar e Mérito deferidos ou deferidos em parte nas ADIns dos partidos políticos que incidiram sobre normas federais (2003)
Cautelar Mérito ADIns
contra
normas
federais Deferida
Deferida em
parte Total Deferida
Deferida em
parte Total
15 1
(6,67%) -
1
(6,67%) - - -
Cautelar e Mérito deferidos ou deferidos em parte nas ADIns dos partidos políticos que incidiram sobre normas federais (2004)
ADIns Cautelar Mérito
31
contra
normas
federais
Deferida Deferida em
parte Total Deferida
Deferida em
parte Total
29 - - - - - -
A única cautelar, deferida monocraticamente, incidiu na ADIn nº 3.068, ajuizada
pelo PFL contra a MP nº 136/03, que autorizava a contratação temporária de pessoal para o
CADE, tendo sido, contudo, julgada improcedente no mérito. Observa-se ainda que boa
parte das ADIns prejudicadas decorre da regulamentação das medidas provisórias pela EC
nº 32, a qual, limitando sua reedição, acelera a conversão em lei. Nesses casos, a não
apresentação de nova ação pelos partidos pode significar que o processo legislativo
permitiu à oposição modificar a proposta original do Executivo, deixando de ser necessário
o recurso ao judiciário para a solução do conflito político.
IV – Considerações Finais
De acordo com o ponto de vista adotado neste trabalho, a judicialização da política
caracteriza-se como um processo que se completa com a utilização das decisões da justiça
constitucional como base das deliberações do legislador. Assim, a provocação do tribunal
constitucional para a solução de conflitos políticos conduz à elaboração de uma
jurisprudência que passa a influenciar o processo legislativo.
A análise das ADIns apresentadas pelo partidos políticos no período estudado indica
que há pouca produção de jurisprudência pelo STF nessas ações. Um conjunto de fatores
explica essa interrupção do circuito politização-judicialização:
a) na maioria das ADIns, não há decisão do STF sobre o mérito. Seja em razão da
prejudicialidade, do não conhecimento ou mesmo da demora no julgamento, o Tribunal
deixa de se manifestar sobre várias questões, incluindo algumas de cunho altamente
conflitivo;
b) o caráter provisório do julgamento da cautelar impõe limites à produção de
jurisprudência constitucional por essa via. Na maioria dos casos, a apreciação da matéria é
assumidamente limitada, deixando o STF de fundamentar de modo exaustivo sua
32
interpretação da Constituição e, portanto, oferecendo poucos parâmetros normativos para a
deliberação do legislador em casos futuros. Observe-se ainda que o indeferimento da
cautelar não necessariamente significa que o STF esteja convencido da constitucionalidade
do dispositivo (Maués e Leitão, 2004), o que pode confundir, mais do que esclarecer, o
legislador;
c) a recorrente prejudicialidade nas ADIns apresentadas contra medidas provisórias também
dificulta a elaboração de jurisprudência constitucional. No caso de deferimento da cautelar,
a ausência de julgamento do mérito coloca os mesmos problemas apontados no item
anterior. Mais grave, contudo, mostra-se o caso em que a cautelar não chega a ser
apreciada, deixando o STF de fornecer parâmetros que poderiam ser de grande utilidade no
processo de conversão da medida provisória em lei.
A análise aqui apresentada não exclui a possibilidade de que, em outros campos, o
processo de judicialização da política esteja mais desenvolvido. Em matéria tributária, por
exemplo, várias decisões do STF levaram à aprovação de emendas constitucionais, tal
como nos casos das EC nºs 33 e 39. Contudo, no âmbito das ADIns ajuizadas pelos
partidos, o STF tem deixado de julgar o mérito da maioria das questões que a ele são
levadas, havendo poucos casos em que se pode identificar o circuito completo da
judicialização. Apesar dos partidos de oposição incentivarem a politização do judiciário no
Brasil, a atuação do STF tem objetivamente imposto limites à judicialização da política,
não lhe permitindo dar a volta completa na Praça do Três Poderes.
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