Civilização do amor tarefa e esperança

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CELAM – Conselho Episcopal Latino Americano Seção Juventude - SEJ CIVILIZAÇÃO DO AMOR: TAREFA E ESPERANÇA ORIENTAÇÕES PARA A PASTORAL DA JUVENTUDE LATINO- AMERICANA EDITORA PAULINAS

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  1. 1. CELAM Conselho Episcopal Latino Americano Seo Juventude - SEJ CIVILIZAO DO AMOR: TAREFA E ESPERANA ORIENTAES PARA A PASTORAL DA JUVENTUDE LATINO- AMERICANA EDITORA PAULINAS
  2. 2. Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil Conselho Episcopal Latino-Americano CELAM. Seo Juventude. Civilizao do amor: tarefa e esperana: orientaes para a pastoral da juventude Latino-Americana / Seo Juventude; [traduo Hilrio Dick]. So Paulo: Paulinas, 1997. (Documentos da Igreja na Amrica) Bibliografia ISBN 85-7311-776-1 1.Amor 2.Igreja-Trabalho com jovens3.Teologia Pastoral I.Ttulo.II.Srie 97-2429 CDD-253-7 ndices para catlogo sistemtico: 1. Jovens : Evangelizao: Cristianismo 253.7 2. Pastoral da juventude: Cristianismo 253.7 Digitalizado por www.pjsorocaba.com.br TMotta Ttulo original da obra CIVILIZACIN DEL AMOR TAREA Y ESPERANZA CELAM Conselho Episcopal Latino-Americano / Seo Juventude, 1995. Traduo Pe.Hilrio Dick Reviso e preparao dos originais Jonas Pereira dos Santos Paulinas Av. Indianpolis, 2752 04062-003 So Paulo SP http://www.paulinas.org.br [email protected] Telemarketing Fone: 0800-157412 Pia Sociedade Filhas de So Paulo So Paulo 1997
  3. 3. A Pastoral da Juventude do Brasil faz chegar at voc, na verso em portugus, este precioso livro Civilizao do amor: tarefa e esperana, com orientaes para uma pastoral da juventude latino-americana. So quatro grandes captulos o Marco da Realidade, o Marco Doutrinal, o Marco Operacional e o Marco Celebrativo que nos brindam com uma riqueza impressionante de elementos, permitindo-nos reavaliar, reorganizar, reafirmar e redescobrir nossas opes pastorais e pessoais. A PJ do Brasil, com a 11 Assemblia Nacional em julho de 1995, redefiniu sua misso e organizao. Est em suas mos, de fato, o marco referencial da Pastoral da Juventude Latino-Americana e Caribenha e que deve ser o grande horizonte que orienta tambm a ao, a formao e a espiritualidade da Pastoral da Juventude do Brasil. Convido voc a mergulhar nessas pginas e descobrir a riqueza e a novidade da experincia vivida pela pastoral da juventude deste nosso continente: Ptria Grande, Amada Terra, Amerndia, Amerafro, Amrica Jovem. Lembro, com saudade e reconhecimento, de Juan Ramn, Daniel Bassano, Hilrio, Derry, Alejo, Germn, Pe.Horcio Penengo, na poca assessor da Pastoral da Juventude Latino-Americana, representaram a PJ das quatro regies do continente, trabajaran duro y nos regalaran este maravilhoso documento1 . Que Deus os recompense por este servio. E termino com uma prece: Esprito Santo de Deus, ilumine a Pastoral da Juventude do Brasil e todas as pessoas que amam os jovens, para que se convenam de que a Civilizao do Amor tarefa e esperana a ser abraada por todos. Maria, me da juventude, d-nos tua audcia e ternura neste bela e desafiante misso. Amm. Com carinho, Pe.Vilson Basso,dehoniano Assessor Nacional da PJ do Brasil 1 Trabalharam duro e nos presentearam este maravilhoso documento. Apresentao da edio brasileira
  4. 4. Foi com satisfao que aceitei o convite de escrever a apresentao da edio brasileira deste livro, Civilizao do Amor, tarefa e esperana. O livro fruto de uma evoluo importante do trabalho pastoral da Igreja latino- americana com jovens. Tive o privilgio de participar da articulao inicial da pastoral da juventude latino-americana nos anos 80, como assessor nacional do Brasil. A mola mestra da evoluo desse processo foi, e continua sendo, o encontro anual de responsveis nacionais da pastoral da juventude. A presena contnua de cerca de vinte pases fez dessa pastoral talvez a mais dinmica e comprometida do continente. No era um secretrio-executivo no CELAM fazendo tudo sozinho. Todos assumiram a caminhada; todos participaram das decises mais importantes. No incio, o desnvel de clareza do projeto e metodologia de pastoral. Como em todo incio de caminhada, houve tenses e conflitos. Depois de vrios anos afastados dos encontros latino-americanos, fui convidado para assessorar o XI Encontro em Porto Rico, em 1996. Foi uma surpresa agradvel perceber os delegados de todos os pases participando em p de igualdade e comungando o mesmo projeto pastoral. No havia mais as tenses e conflitos anteriores. Gradualmente, todos haviam chegado ao mesmo nvel de reflexo pastoral. Uma mstica comum uniu bispos, padres, irms, leigos adultos e jovens em seu entusiasmo e esforo por encontrar caminhos mais eficazes de evangelizao desse grupo social que tem uma presena-chave no continente. Desde o incio, a Pastoral da Juventude do Brasil deu uma contribuio importante. No conheo outra pessoa na Amrica Latina que tenha feito uma caminhada to rica e que tenha conseguido aprofundar sua reflexo sem sofrer quebras de continuidade. No conheo tambm outro continente que tenha uma experincia pastoral to significativa. Como expresso desse avano em termos de clareza de um projeto consequente de pastoral da juventude foi publicado, em 1987, o livro Pastoral da juventude, sim civilizao do amor. Essa obra foi logo traduzida para o portugus. Participei da equipe de redao desse livro. Foi um grande sucesso e teve papel importante para solidificar os avanos feitos. Mas a velocidade das mudanas culturais, polticas, econmicas, sociais e religiosas criou a necessidade de uma nova edio. A juventude de hoje no mais a juventude dos anos 80. Nasceu este livro, Civilizao do amor, tarefa e esperana, como resposta pastoral aos novos desafios. Os membros da equipe de redao so todos conhecidos pelo seu nvel de reflexo e experincia de trabalho pastoral com jovens. A bibliografia no final do livro deixa claro que foram recolhidas as melhores experincias e reflexes no continente. O livro apresenta algo que frequentemente falta aos assessores e coordenadores de pastoral da juventude: uma viso global. Muitos lderes se fixam em vises parciais e so pouco eficientes porque lhes falta a viso do conjunto. Todos os temas tratados no livro so importantes; no entanto, gostaria de chamar a ateno para a riqueza de idias na anlise da realidade, as mudanas culturais, a pedagogia, as etapas dos grupos e a assessoria. Trata-se de uma leitura importante para quem quer fazer um trabalho pastoral srio com jovens e caminhar com a Igreja da Amrica Latina. A Pastoral da Juventude do Brasil deu uma contribuio importante para essa caminhada, mas tambm tem muito a aprender. Hoje uma crescente conscincia latino-americana integra nossa pastoral na tarefa da construo da Ptria Grande. Somos o nico continente catlico, e, a partir desta f, a juventude chamada a construir a Civilizao do Amor, que tanto uma tarefa quanto uma esperana. Jorge Boran Apresentao da edio brasileira
  5. 5. Na aurora do Terceiro Milnio, os jovens ocupam um lugar especial no corao da Igreja. No exagerado dizer que na gerao jovem de hoje se inscreve o futuro da humanidade. O que eles e elas so, hoje, assim sero a Igreja e a sociedade do prximo milnio. o que intui, certeiramente, o Santo Padre ao dar aos jovens e s jovens um lugar to destacado em seu pontificado. Com eles celebra encontros e jornadas. A eles dedica tempo, cartas e mensagens. E, quando se encontra no meio da algaravia juvenil, o papa fala sua linguagem e se faz muito sensvel a suas preocupaes e expectativas. Na Igreja da Amrica e do Caribe, os jovens so opo preferencial. Muito se faz para servi-los e h muitssimo ainda a ser feito. No em vo que a populao jovem nos pases costuma aproximar-se de 25% do total. Este nosso orgulho e nosso desafio: ser um continente jovem. Portanto, com um futuro de esperana. Em seu servio s Conferncias Episcopais, o CELAM tem procurado traduzir essa opo em encontros e publicaes muito valorizadas. Entre as publicaes destaca-se o livro Pastoral da juventude, sim civilizao do amor, com uma enorme difuso nos diversos pases da Amrica Latina e do Caribe. Devido a seu impacto, a Seo Juventude do CELAM, ouvido o parecer das Comisses Nacionais de Pastoral da Juventude, decidiu reunir um grupo de especialistas neste campo para atualiz-lo e transform-lo num obra ainda mais completa. a que estamos apresentando agora. Seu ttulo semelhante ao primeiro: Civilizao do amor, tarefa e esperana. Nela se poder encontrar desde uma correta tipografia da juventude de nossos pases at uma proposta de espiritualidade jovem que, sem dvida, ser de grande ajuda. Dada a grande envergadura desta obra, desejo agradecer explicitamente, em nome do CELAM, a todos que nela colaboraram, sob a orientao do Pe. Hilrio Penengo, que acaba de concluir sua misso na Seo Juventude. Todos eles so pastores e leigos conhecidos por sua contribuio pastoral da juventude em seus respectivos pases e na Amrica Latina. A cada um deles, nossa gratido e bno. Estou certo de que essa gratido e bno aderiro, alegres, todos os que utilizarem este livro. D.Jorge Enrique Jimnez Carvajal Bispo de Zipaquir Secretrio-geral do CELAM Apresentao
  6. 6. H quase vinte anos o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) criava a Seo Juventude. Iniciava-se, ento, um longo caminho de animao e de servio evangelizao da juventude do continente. Os esforos iniciais por conhecer os problemas e tendncias do mundo jovem e fazer uma reflexo teolgica e pastoral que fornecesse orientaes claras para implementar uma Pastoral da Juventude Orgnica viram-se reforados a partir de 1983, quando comearam a se realizar os Encontros Latino-Americanos de Responsveis Nacionais pela Pastoral da Juventude. Com o tempo, estes Encontros foram se tornando um espao privilegiado de comunho e participao para bispos, sacerdotes e jovens que trabalham na Pastoral da Juventude da Igreja Latino-Americana. A troca de experincias e a reflexo a que esses Encontros deram ensejo permitiram a progressiva elaborao de um proposta global de pastoral da juventude, construtora da civilizao do amor; uma pedagogia para acompanhar os processos de formao humana e crist dos jovens; uma metodologia adequada para o trabalho de grupo; uma espiritualidade para o seguimento de Jesus e uma organizao participativa que tm dinamizado a ao evangelizadora das Comisses Episcopais de Pastoral da Juventude dos pases do continente. Um dos frutos mais visveis desse processo foi a publicao, em abril de 1987, do livro Pastoral da Juventude, sim civilizao do amor. Sua redao, efetuada aps um longo e participativo processo de recopilao e sistematizao de colaboraes e experincias, favoreceu a formulao e difuso da proposta da Pastoral da Juventude Latino-Americana, promoveu uma maior unidade de critrios e impulsionou decisivamente o trabalho comum e a organizao. Traduzido para o portugus e o francs, reeditado em sete pases, com uma tiragem superior a 27 mil exemplares, conhecido popularmente como o livro verde ou o livro laranja, em aluso cor da capa de algumas de suas edies mais difundidas, passou a ser referncia obrigatria para o trabalho da pastoral da juventude. A reflexo dos anos posteriores continuou aprofundando aspectos apenas intudos ou pouco desenvolvidos no livro anterior. Os processos de educao na f, a cultura jovem, a assessoria, a espiritualidade e as pastorais especficas de juventude foram, entre outros, alguns dos captulos que amadureceram e consolidaram a reflexo e a proposta. Ultimamente fez-se sentir, com fora cada vez maior, o reclamo dos agentes de pastoral quanto necessidade de contar com uma edio atualizada, que recolhesse as novas contribuies refletidas e servisse para apoiar o trabalho de formao dos coordenadores, animadores e assessores e para orientar melhor os mltiplos esforos da pastoral da juventude que se realizaram no continente. A Seo Juventude acolheu essa solicitao e encaminhou um proposta de trabalho inspirada nas mesmas caractersticas de ampla participao, de coleta e de sistematizao das contribuies e experincias com que se preparou a publicao anterior. Os participantes do 10 Encontro Latino-Americano de Responsveis Nacionais por Pastoral da Juventude, realizado em Mogi das Cruzes (Brasil), de 8 a 15 de outubro de 1994, responderam favoravelmente a uma consulta realizada pela Seo Juventude e propuseram uma lista de nomes de pessoas capacitadas para a redao dos diferentes captulos. Com essas propostas, a Seo integrou uma Comisso Redatora de assessores leigos e sacerdotes, representativa das quatro Regies, tendo sido convidados a participar o Pe. Daniel Bazzano, diretor do Instituto Paulo VI de Montevidu (Uruguai); o Sr. Juan Ramn Crdova, secretrio-executivo da Comisso Episcopal de Juventude de El Salvador e assessor regional de Pastoral da Juventude do Mxico e da Amrica Central; o Pe.Hilrio Dick SJ, do Instituto de Pastoral da Juventude de Porto Alegre (Brasil); o Pe. Derry Healy, ex-coordenador da Comisso Nacional de Pastoral da Juventude do Chile; o Pe. Alejandro Londono SJ, da Casa de la Juventud de Santaf de Bogot (Colmbia); o Pe. Germn Medina, assessor diocesano de Pastoral da Juventude de Higuey (Repblica Dominicana), e o Pe. Feliciano Rodrguez, assessor diocesano de Pastoral da Juventude de Caguas (Porto Rico). Sob a coordenao do P. Horcio G. Penendo SDB, secretrio-executivo da Seo Juventude, do CELAM, a Comisso Redatora reuniu-se na sede do prprio Conselho Episcopal Latino-Americano em Santaf de Bogot Prefcio
  7. 7. (Colmbia), de 23 a 30 de abril de 1995. Os participantes apresentaram suas propostas de trabalho, chegou-se a um esquema geral e cada um se dedicou redao do captulo que lhe havia sido designado. As redaes formuladas foram imediatamente revisadas, corrigidas, melhoradas e complementadas por todos, um longo processo que se iniciou naquela semana e se completou vrias semanas depois, at se chegar presente redao final. Durante esse perodo os textos redigidos foram submetidos apreciao de outros agentes pastorais nos diversos pases, com pedido de opinies, contribuies e sugestes. O livro , portanto, um trabalho coletivo de muitas pessoas. Este , talvez, seu maior mrito. No se trata de reflexes tericas nem individuais, mas de experincias vividas, recolhidas, partilhadas, organizadas e sistematizadas para serem oferecidas como orientao para a ao pastoral. No , por conseguinte, um livro terminado. Como se chegou at aqui, deve-se continuar caminhando, buscando, aprofundando, abrindo horizontes e descobrindo dimenses novas na sempre apaixonante tarefa da evangelizao dos jovens latino-americanos. Sua apresentao encerra, de algum modo, o perodo que vai de 1991 a 1995, da Seo Juventude do CELAM. Queremos expressar um enorme agradecimento a todos os que, de uma forma ou outra, redigindo, corrigindo, apoiando, estimulando e manifestando suas expectativas pela publicao, tornaram possvel transformar esse sonho em realidade. Oferecemo-lo com muito carinho a todos os agentes da Pastoral da Juventude Latino-Americana e, em especial, aos que, silenciosamente, em todos os rinces do continente, fazem acontecer, dia a dia, a pastoral da juventude. Neles pensamos permanentemente durante esses meses de trabalho. Eles so, na verdade, os primeiros destinatrios do esforo que realizamos. Acreditamos que ser uma contribuio para tornar mais efetiva a opo preferencial pelo jovens e, especialmente, para apresentar uma proposta evangelizadora sria, capaz de responder s exigncias das mudanas culturais do mundo de hoje, entusiasmar os jovens no seguimento de Jesus e tornar real a to desejada civilizao do amor. P.Horcio G.Penendo SDB Secretrio-executivo SEJ-CELAM
  8. 8. Parte 1
  9. 9. Com a inteno de sermos fiis atitude do Deus de Jesus Cristo, que, com olhar amoroso, est atento s necessidades de seu povo, escuta seus clamores e dispe todas as coisas para a sua libertao, queremos olhar a realidade dos povos do continente latino-americano, e sobretudo do povo jovem, para escutar seus gritos, reconhecer e compreender suas situaes de excluso e fazer o possvel para que, com a ajuda do Esprito, se realiza a salvao. Seguindo o exemplo de Jesus, necessrio abrir os olhos para compreender, com razo compassiva, a vida dos povos. O simples olhar da cincia no suficiente para explicar sua existncia. O esttico e suas diferentes expresses, o potico, o mtico, o utpico, o pico e o trgico so tambm vises vlidas que podem estar, talvez, mais prximas das suas buscas de sentido e das suas experincias do sagrado e da f, tanto dos jovens como dos povos em geral. preciso educar a viso da realidade para que se possa descobrir nela o dom de Deus, experimentar seu chamado a sermos acolhidos e amados, e a encarnar-nos no mundo dos jovens pela solidariedade humana e evanglica. O contato direto permite ver, ouvir, e se emocionar com suas vidas, seus sinais, suas sensibilidades e seus sentidos. Conhecer a realidade dos jovens a partir da perspectiva de Jesus exige estabelecer uma relao de intimidade. Exige dialogar e agir junto com eles. Somente assim ser possvel experimentar conhecer suas necessidades reais e perceber suas verdadeiras alegrias e amarguras. O desconhecimento da perspectiva dos outros, de suas formas de ver e compreender o mundo, j gerou demasiada violncia na histria. A vida no seguir sendo possvel pela via do extermnio de quem pensa diferente. Deve-se comear por reconhecer e compreender as diferenas e buscar sempre, razoavelmente, novas e melhores condies de comunicao, compreenso, transformao, justia e vida. Ao olhar a realidade da Amrica Latina e, nela, a realidade dos jovens, sente-se o chamado ao mesmo compromisso apaixonado de Jesus, de realizar sinais de vida que instaurem esperanas, possibilidades e oportunidade de vida nova, superando os sinais de morte, de decrepitude e da no-vida. A dupla dimenso morte-vida faz desejar e tornar real, j, a pscoa para e com os jovens do continente. Santo Domingo confirmou, tanto para a pedagogia como para a metodologia da pastoral da juventude, caminhos que partem da vida, das experincias e da realidade (SD 119). a epistemologia, o modo de acercar-se da realidade e da verdade, vigente nas cincias, na filosofia e na teologia atuais. Segui- los parece ser o nico modo de nos situarmos na cultura atual e nas perspectivas de uma pastoral da juventude que sintonize com a psicologia dos jovens. Este foi, por outro lado, o modo habitual do agir de Jesus, que aparece no Evangelho partindo da vida, dos problemas, das necessidades e das aspiraes dos destinatrios de sua caridade pastoral. O grande desafio da pastoral da juventude olhar o contexto social, econmico, poltico, cultural e religioso de forma global e no fragmentria (DP 15). No fcil nem se pode pretender chegar certeza e verdade plenas. O que se pode, sim, tentar conhecer, da melhor forma possvel, a realidade na qual se deve intervir, para acertar nos diagnsticos e escolher as melhores alternativas de ao pastoral. I
  10. 10. 1. O CONTEXTO LATINO-AMERICANO DE MUDANA A experincia de mudana vivida pelos homens e pelas mulheres do continente e as mais variadas anlises e estudos especializados realizados nos ltimos anos estimulam a percepo e reafirmam a convico de que algo novo est ocorrendo em nosso mundo. No se trata apenas de novas situaes particulares ou de novo elementos que simplesmente se acrescentam aos j existentes. Trata-se de grandes transformaes globais que afetam profundamente a compreenso e as percepes que as pessoas tm de si mesmas e de suas relaes com a natureza, com a sociedade e com Deus. Est-se dando uma profunda mudana cultural. Os jovens da Amrica Latina, na variedade de seus processos histricos e de suas diversidades tnicas e culturais (SD 244), so particularmente sensveis ao novo que est acontecendo. Eles so, ao mesmo tempo, filhos e construtores dessa nova realidade cultural que apresenta mltiplas e diversificadas manifestaes que condicionam suas vidas e geram novas e variadas compreenses, relaes e formas de expresso. Conhec-las e valoriz-las um grande desafio para a Igreja e para a pastoral da juventude (SD 253), que o acolhem como um convite a questionar suas prticas, revis-las e, sobretudo, a recriar, nesta nova situao, a experincia da permanente novidade de Jesus Cristo, o mesmo, ontem, hoje e sempre (Hb 13,8). 1.1 Algumas manifestaes da mudana cultural. No se pretende, aqui, uma anlise completa dessa nova situao cultural. Quer-se apenas assinalar algumas de suas principais manifestaes, que devem ser particularmente consideradas na pastoral da juventude. 1.1.1 Mudanas em relao natureza So poucos, hoje, os que se espantam diante das descobertas cientficas e do desenvolvimento tecnolgico. Entretanto, est-se dando uma crescente tomada de conscincia dos limites da cincia e da tecnologia, insuficientes quando tentam resolver, por si mesmas, os problemas fundamentais da vida e da pessoa humana. A crescente sensibilidade a esse problema expressa-se na busca de uma nova relao com o meio ambiente que permita viver mais dignamente neste terra que Deus entregou ao ser humano para que a trabalhasse e a cuidasse. 1.1.2 Mudana em relao sociedade A interdependncia da vida social manifesta-se principalmente no carter transnacional da economia, dos meios de comunicao social e nos acelerados processos de urbanizao. Essa influncia econmica e cultural do chamado Primeiro Mundo marca a vida das sociedades e das pessoas. Molda seus interesses, aspiraes e modelos de consumo. A crise das ideologias e o fracasso dos projetos histricos de transformao social vo dando lugar ao imprio do pragmatismo e da ideologia neoliberal, com sua poltica de mercado. Ela se apresenta como a aparentemente nica racionalidade social e como inquestionvel modo de intercmbio. No sem dificuldades, os pases latino-americanos esto em transio de regimes autoritrios para sistemas democrticos. Muitos partidos sofreram importantes transformaes. Tambm surgiram outros, novos. Mudou a poltica das alianas. O movimento sindical no tem a mesma ressonncia de antes; busca implementar suas demandas atravs do dilogo com empresrios e governos. Mudam os modos de fazer poltica e o interesse que se tem por ela. No to claro, hoje, que o Estado, os polticos ou simplesmente os grupos econmicos sejam os nicos detentores do poder. Tambm tem poder, igualmente, quem domina a tecnologia e a informao.
  11. 11. A prpria situao de pobreza tem hoje caractersticas novas. A pobreza da maioria convive ao lado do desenvolvimento, do consumo e da modernidade. Os setores populares, e seus modos histricos de resolver os desafios fundamentais da existncia, parecem cada vez menos unidos num projeto histrico de libertao. As idias e os movimentos gestados nas dcadas passadas j no tm a fora transformadora de ento nem constituem um elemento significativo de seu iderio social. A sociedade manifesta-se cada vez mais pluralista. Crescem a valorizao das diferenas e o chamado ao dilogo num sociedade pluralista. Ao mesmo tempo, porm, esse pluralismo estimula posturas subjetivistas. Em muitos casos gera atitudes de sincretismo e de grande confuso. 1.1.3 Mudanas na relao com Deus Apesar das propostas de diversas correntes materialistas que vaticinaram o desaparecimento da religio e a morte de Deus, persiste fortemente a busca de um sentido transcendente e absoluto para a vida humana e a necessidade de encontrar valores, critrios e normas ticas que a orientem. As principais ideologias j no parecem ter a fora mobilizadora de antes. As principais perguntas pelo sentido voltam a se fazer presentes. Essa busca est muito viva nas diversas expresses da religiosidade popular, nas quais o povo recria suas vivncias religiosas em meio s situaes que a vida moderna impe. O povo resiste s condies adversas da vida moderna que o marginaliza, recriando espaos de piedade peregrinaes, novenas, devoo s almas, festas de padroeiro, devoo cotidiana etc. que constituem verdadeiras formas de mstica popular muito profunda diante do individualismo, da competio e da lgica mercantil da dominao que pautam a modernizao das culturas oficiais.2 A persistncia do sagrado verifica-se tambm no crescimento sintomtico das seitas e das propostas que recorrem ao esoterismo e magia como resposta busca de sentido. Coexistem, assim, diversas manifestaes e ofertas religiosas. A Igreja Catlica aparece, entre elas, como uma alternativa a mais, entre as muitas possveis. Olhando o conjunto desses elementos, constata-se que se est diante de um novo tempo histrico no continente latino-americano. J no se vivem as grandes esperanas revolucionrias, de profundas mudanas sociais, que caracterizaram a dcada de 60. No se vive, igualmente, um tempo de confrontao violenta, de represso e de morte que caracterizou a dcada de 70 e parte da de 80. Nem se vive tampouco o tempo de recuperao da democracia que caracterizou a dcada de 80 e parte dos anos 90. Muitos poderiam pensar que essa problemtica da histria recente pouco interfere nos reais problemas e desafios enfrentados pelos jovens de hoje. Contudo, os jovens de qualquer poca histrica no criam a realidade na qual vivem. Mais ainda: as condies sociais, econmicas, poltica e culturais so, para eles, uma realidade que lhes dada, independentemente de sua vontade. Nessa realidade se socializaram, foram construindo sua prpria identidade e sonharam um futuro melhor. 1.2 Chaves de Leitura Duas chaves de leitura parecem fundamentais para procurar uma melhor compreenso dos fenmenos que esto acontecendo: o neoliberalismo, sua repercusso na sociedade e na cultura, e a ps-modernidade, que impregna todos os ambientes no complexo fenmeno da comunicao. 1.2.1 O neoliberalismo A sociedade atual resultado de vrias dcadas de frustrada tentativas para sair do subdesenvolvimento. Aps a queda do socialismo, o neoliberalismo passou a ser, ao menos no momento, o nico modelo socioeconmico vivel. Quando um modelo social no nico e tem que competir com os demais, necessita suavizar-se e humanizar-se para no ser substitudo por outras alternativas; porm, quando um modelo nico, no precisa ser transigente. o que acontece com o neoliberalismo, que est se desenvolvendo de forma quase selvagem na sociedade atual. 2 Cristian Parker. Lo espiritual de fines de siglo. Revista Mensaje 423, Santiago do Chile, 1993, p.511.
  12. 12. O neoliberalismo postula a preeminncia do mercado e da livre concorrncia. Sustenta uma srie de polticas econmicas desregulamentadoras, privatizantes e liberalizadoras das econmias nacionais e dos protecionismos tradicionais dos pases do Terceiro Mundo, impostas pelo organismos internacionais, dominados pelos Estados Unidos. Essas polticas aplicam-se de modo diversos nos diferentes espaos nacionais. Aludindo ao fim do socialismo e seus anseios de uma sociedade sem explorados, o neoliberalismo afirma que as utopias e os projetos de futuro terminaram: o que conta a ao imediata. O mercado capitalista e a democracia liberal surgem como os nicos com possibilidade histrica de realizao e de sucesso. Fala-se do fim das ideologias. Legitimaram-se as propostas neoliberais como as nicas e as melhores alternativas para a economia mundial. O neoliberalismo significa, concretamente: No econmico: as privatizaes e o fortalecimento do capital privado; a desregularizao dos mercados; a orientao da economia em funo do mercado internacional e o fomento das exportaes; a abertura ao capital estrangeiro e a internacionalizao do mercado interno. Isso traz, como consequncias, graves custos sociais como a queda do salrio real, uma maior taxa de desemprego, uma brecha maior entre os ricos e pobres e a multiplicao das situaes de pobreza extrema. No poltico: a funo do Estado se reduz praticamente a ser garantidor do equilbrio social e favorecedor da atuao do capital privado. Reduz-se tambm o papel dos sindicatos e das organizaes populares. Enfraquece-se a real participao do povo e da sociedade civil. A absolutizao do mercado como critrio nico para regular a atividade econmica nacional e internacional agudiza a subordinao dos pases pobres aos pases hegemnicos. Os governos diminuem drasticamente o gasto pblico e os investimentos em educao, sade e seguridade social. Suas alianas visam, antes, assegurar os privilgios econmicos e integrar-se nos processos internacionais do que promover o verdadeiro desenvolvimento, o crescimento e o bem-estar dos povos. No cultural: o consumo, a produo e a eficincia, o pragmatismo e o mercado convertem-se nos valores sociais mximos. A educao, orientada para a produtividade e a competio, conduz inevitavelmente a um materialismo prtico no qual se desenvolvem o individualismo, o utilitarismo e o hedonismo e do qual esto ausentes as exigncias da justia social e do bem comum. No religioso: o materialismo prtico eclipsa o sentido de Deus e da prpria pessoa humana. Apesar disso, muitos querem, inclusive no mbito catlico, legitimar esse sistema em bases religiosas. Nesses esforos, h uma clara tendncia a suavizar o compromisso exigido por Jesus e a acomod-lo aos postulados neoliberais, comungando com a Nova Era, a chamada religio do neoliberalismo. O neoliberalismo favorece ao mximo o desenvolvimento das empresas transnacionais, que, para promover o consumo, privilegiam certos modelos de vida o american way of life e tendem universalizar e uniformizar, pela propaganda, uma cultura do espetculo, do ter e do parecer. As culturas indgenas e autctones sentem-se esmagadas. Os processos, as formas concretas e os ritmos com que se vai implementando o modelo neoliberal dependem do lugar e da orientao que se d s economias nacionais para se inserirem na economia mundial. Os pases latino-americanos so considerados como centros industriais, produtores de artigos manufaturados, exportadores de produtos agrcolas e matrias-primas, com particular interesse na produo petrolfera. Apesar de a maioria dos planos neoliberais proclamar seus resultados positivos e os grandes indicadores econmicos, como o crescimento do produto interno bruto, a queda da inflao, o crescimento econmico, o aumento das exportaes e dos investimentos de capital estrangeiro e os maiores nveis de consumo, serem geralmente favorveis, na realidade no geraram melhores condies de vida e, especialmente, no mudaram as formas de distribuio da riqueza produzida, mantendo, e at mesmo acirrando, as condies de pobreza.
  13. 13. A pobreza extrema de que se aproxima a camada mais fraca da populao est produzindo uma excluso violenta das grandes maiorias, no que se refere aos benefcios do esforo coletivo dos povos. A deteriorao ecolgica tambm se faz sentir em todos os aspectos. Os recursos materiais, a biodiversidade e as riquezas naturais so sacrificados por planos economicamente rentveis a curto prazo para as transnacionais, mas de consequncias desastrosas para o futuro. No se teme sacrificar populaes inteiras e aniquil-las pela fome, pelo desemprego e pela violncia, como sucedeu com muitas comunidade negras, indgenas e camponesas. O neoliberalismo agride violentamente os estilos de vida e as cosmovises dos povos latino- americano. Influi de modo negativo especialmente nos jovens, sobre os quais se concentram seus efeitos mais dramticos: profundas carncias materiais e de vida digna, desemprego, ocupaes insalubres, mal-remuneradas e sem previdncia social; crise do sistema educacional, incapaz de uma absoro, maior evaso escolar e m qualidade do ensino; inexistncia de espaos para as atividades culturais e de lazer, discriminao dos jovens das camadas populares como grupo social indesejado, a ponto de legitimar seu extermnio fsico; a criminalizao de suas tentativas de organizao e expresso; e a ausncia de projetos de participao social e de polticas direcionados para essa camada da populao. 1.2.2 A ps-modernidade A chamada era ps-moderna toma conscincia dos fracassos e dos limites da modernidade. Sente que seus ideais humanistas e a absolutizao da racionalidade tcnico-cientfica no engendraram o mundo igualitrio, livre e fraterno que sonhava, e sim um mundo de dominantes e dominados em que o projeto igualitrio fracassou. Isso gerou um ambiente de desencanto que se expressa em vrios mbitos da vida pessoal e coletiva. A modernidade esperava um futuro grandioso para todos os homens, no qual existiria igualdade entre as naes e entre os indivduos; confiava na abolio da guerra, da propriedade e dos colonialismos; esperava a alfabetizao universal, o domnio da natureza, a erradicao das doenas e o triunfo definitivo da cincia e da tecnologia. O sculo XX demonstrou que esses grandes sonhos foram dolorosamente frustadas. O mais importante agora procurar sobreviver e faz-lo da melhor for Deus de cada uma possvel. Para as grandes maiorias j no interessam as utopias. O que importa o que se vive aqui e agora. Se no h progresso, se no importa para onde se vai, o que vale ento aproveitar o momento. Se para a modernidade importava produzir, para a ps-modernidade, importa consumir. O que d prazer e o que se sente passam a ser critrio ltimo de verdade e a motivao profunda do agir. A modernidade deu nfase especial ao valor da vida e ao bem-estar coletivo. A ps-modernidade converte a vida privada na medida de todas as coisas. OS problemas dos outros so dos outros e devem ser enfrentado e solucionados por eles. Predomina a lgica da vida privada: satisfazer os prprios desejos, comportar-se segundo o estilo de cada um, crer no Deus de cada um. A ps-modernidade nega a existncia de uma lei de carter universal. Cr que a sociedade no se fundamenta num pacto social, mas em pequenos acordos que possam ser estabelecidos entre partes que esto sempre em conflito. Tudo pergunta. No h respostas. Se houver, sero formuladas em termos de novas perguntas. A ps- modernidade uma crise no interior da modernidade. Eis algumas de suas principais caractersticas: Um neo-individualismo, entendido como afirmao radical de auto determinao e como desconfiana do coletivo, do solidrio, e de tudo o que sugira compromisso com os demais. Reivindica a autonomia da pessoa humana. Valoriza a criatividade e a subjetividade, tendendo a construir um pessoa sem sentido histrico, autocentrada, preocupada to s com o presente e com sua vida pessoal, facilmente inclinada a sucumbir na solido, no isolamento e no anonimato. Uma nova forma de niilismo que destri qualquer possvel fantasia utpica. Nega-se que a fora das utopias possa chegar a mudar o mundo. a cultura do grande vazio e da descrena, em que
  14. 14. nada tem fundamento suficiente para orientar globalmente a existncia. Recupera a dimenso do pessoal, do ntimo e do privado em face o pblico, mas reduz os horizontes, promove o imediatismo, a ausncia de viso de longo prazo e a falta de entusiasmo para trabalhar pela mudana da realidade. Leva a evitar os compromissos permanentes e a no aderir a propostas de projetos histricos. Uma maior permissividade na conduta moral, fruto do neo-individualismo e consequncia da falta de pontos universais e de valores absolutos. Antes, a famlia, a educao e a prpria religio impunham as normas de conduta, as formas de pensamento, as evidncias coletivas e os princpios de legitimao. Hoje h uma multiplicidade de mbitos de vida e de comunicao em que todos se expressam livremente, sem que haja um poder capaz de impor idias e condutas a todos. Promove-se uma tica pessoal em funo da qual vale mais o convencimento que a norma; Legitima-se a busca de felicidade no tempo presente; reafirma-se a liberdade individual, a necessidade de ser, sentir e expressar-se segundo a originalidade de cada um e o direito diferena. A busca da salvao, contudo, situa-se no presente; debilitam-se e relativizam-se as convices ticas; centra-se a ateno mais nos direitos do que nos deveres; desencadeia-se a crise do amor e da sexualidade e opera-se a perda do sentido de felicidade e do compromisso. Um pensamento dbil em face das ideologias mais ou menos radicais. Esse pensamento dbil quer pr abaixo um mundo que tenha consistncia em si mesmo e uma conscincia capaz de descobrir, conhecer e expressar o mundo real. Prefere antes experimentar as coisas a discutir teorias; recupera o valor do cotidiano, o sentido do simblico e do ritual. Aumenta, no entanto, a fragmentao da vida, dificulta a elaborao de projetos globais e favorece a manipulao pela publicidade, pela moda, pelos meios de comunicao de massa e pelas imposies culturais. Como movimento cultural, o ps-modernismo tem uma mensagem muito simples: vale-tudo. Essa mensagem no nem conservadora, nem revolucionria nem progressista. Torna irrelevantes as distines deste tipo... Todos podem participar dele. Trata-se de um onde em que so possveis todos os tipos de movimentos artsticos, polticos e culturais. Essas fortes correntes culturais, econmicas e polticas, portadoras de uma concepo de sociedade baseada na eficincia, promovem uma verdadeira cultura da morte. Criam e consolidam autnticas estruturas de pecado contra a vida, nas quais os jovens ficam envoltos e condicionados.3 Em meio a essa realidade, contudo, os jovens tentam sobreviver com valores que possuem. Lutam para encontrar um lugar na histria. uma juventude cujo sentido existencial foi em grande parte destrudo pela cultura da morte. Necessita, urgentemente, encontrar uma boa nova que lhe devolva o desejo de viver e lhe abra as portas a uma cultura de vida. 2. CONHECER A JUVENTUDE NO FCIL Hoje em dia, j no possvel falar, simplesmente, de juventude. quase impossvel abarcar o amplssimo aspecto da realidade e as variadssimas situaes em que os jovens vivem, segundo suas razes e origens tnicas, suas influncias culturais e suas condies polticas, sociais e econmicas. necessrio admitir que conhecer e compreender o mundo dos jovens no tarefa fcil. Os diferentes estudos realizados sobre a realidade juvenil mostram claramente a grande diversidade de opinies existente entre os pesquisadores. H muita impreciso sobre o prprio contedo do termo e sobre o que se quer dizer quando se fala de jovens e de juventude. Proliferam idias, opinies e julgamentos, por trs dos quais muitas vezes se ocultam interesses que projetam nos jovens os desejos e temores dos adultos, deformando a realidade juvenil e promovendo aes pedaggicas corretivas de comportamentos considerados mais ou menos anti-sociais. Por outro lado, no fcil concretizar e expressar as motivaes e formas de comportamento de uma vida em contnua evoluo: o jovem sempre uma incgnita. Um convite a deixar os prprios 3 Cf. Joo Paulo II, encclica Evangelium vitae, 12.24.
  15. 15. esquema pr-fabricados e a abandonar-se ao incerto e ao imprevisvel. Para poder dizer algo sobre os jovens, preciso ser, estar e viver com eles. A sociedade atual mostra um enorme interesse pelos adolescentes e jovens. Para eles se dirigem muitos olhares. Embora se trate de tentativas parciais de abordar a realidade deles, so teis na medida em que permitem maiores delimitaes e precises. Em todo o caso, trata-se de perspectivas que no pretendem ser exaustivas. Em toda aproximao realidade dos jovens necessrio considerar as variveis que intervm e, muitas vezes, determinam seu universo cultural. O uso da categoria juventude deve considerar essa multiplicidade de diferenas. 2.1 A viso biocronolgica Define a juventude em termo de idade. A juventude a idade da pessoa em crescimento. Um perodo compreendido entre os quinze e os vinte e cinco anos, no qual se toma conscincia de estar vivendo uma realidade vital, distante da infncia mas ainda no identificada com o mundo adulto. Trata-se de uma etapa de transio marcada por grandes mudanas fisiolgicas, fruto do amadurecimento hormonal. O resultado dessas transformaes a conscincia e a vivncia do prprio ser corporal. A imagem do corpo e sua valorizao so smbolos do eu e da personalidade. A significao do sexual passa para o primeiro plano. Essa valorizao do corpo e da sexualidade expressa-se numa srie de aspectos: psicolgicos, como a conscincia de sua fora e de sua capacidade fsica; psicossociais, como o cuidado extremo com a apresentao externa, e psico-biolgico-sexuais, como a descoberta do sexo como estmulo-demanda. Quando se absolutiza essa forma de olhar os jovens, corre-se o risco de perder de vista os contrastes e as oposies, de unificar o que diverso, de eliminar as diferenas e assim diluir e confundir a marginalizao e a riqueza, o rural e o urbano, as diferenas sociais e culturais, os estudante e o e o aluno que se evade da escola, o homem e a mulher, o trabalhador e o desempregado, o pai a me jovens, os filhos de mes solteiras e os filhos de famlias constitudas etc. No se pode desconhecer, alm disso, que a juventude, como grupo etrio, est sujeita a uma imagem social e a um processo de construo das caractersticas que a definem como tal e assinalam os limites e as possibilidades de suas prticas, de seu ser e de seu dever-ser como membro de uma comunidade. Esses elementos definidores criam expectativas de comportamento. Delimitam-se as caractersticas consideradas prprias dessa idade transitria e intermediria entre a infncia e a idade adulta. Elas circulam atrves dos mais diversos espaos sociais. 2.2 A viso psicolgica Identifica a juventude como o perodo conflitivo da vida da pessoa, em que ela se v a si mesma com a vida nas mos, j no estando na infncia mas ainda no sendo adulta, com uma vida afetiva, moral, cultural e espiritual prprias que devem ser garantidas e construdas mais plenamente. como um segundo nascimento. final e comeo: final de uma forma de vida no ambiente protegido da famlia e incio de algo novo, desconhecido, de um mundo que, muitas vezes, apresenta-se ao mesmo tempo hostil e perigoso, atraente e estimulante. a passagem do mundo interior da famlia para o mundo exterior das responsabilidade e das decises pessoais. Supe percorrer um caminho estreito, cheio de incertezas, temores e esperanas que identifica o ser jovem. Um caminho do qual deve se apropriar: passagem de um passado definido, que deve ser abandonado, para um futuro por identificar e com o qual deve identificar-se. uma etapa de busca e crescimento. De construo da identidade e de construo de um novo lugar no mundo. No se trata de um processo unvoco nem linear. Pelo contrrio, mltiplo e contraditrio, fruto do tecido das relaes com diversas instncias socializadoras, como a famlia, a Igreja, a escola, o grupo de companheiros, a vizinhana, os partidos polticos, os meios de comunicao, etc. A partir do jogo das inter-relaes que se d entre essas instituies e os jovens, definem-se os papis, as exigncias de comportamento, os limites e as possibilidades de seu agir , de seu ser e de seu dever-ser. Tudo condicionado pela pertena dos jovens a um grupo social e cultural determinado e pela biografia de cada um.
  16. 16. um tempo de opes e de definio de vocaes. um caminho aberto, onde se d a possibilidade de tentativa e erro. um tempo de valorizao do subjetivo, dos sentimentos e da capacidade de agir moralmente. Um tempo para configurar-se como pessoa, com direitos e deveres no mundo adulto. Situam-se, aqui, muitos diagnsticos que falam das feridas afetivas e dos desequilbrios psicolgicos e de personalidade dos jovens. Por circunstncia muito variadas, de ordem familiar, social ou econmica, muitos sofrem hoje uma carncia generalizada de afeto e de relaes pessoais. Esto ss. Precisam de amigos. Buscam um grupo ao qual possam pertencer e participar e sentir-se protagonistas. Um refgio que os liberte da solido e os faa sentir-se acolhidos e compreendidos. Joo Paulo II afirmou recentemente este carter pessoal dos problemas vividos pela juventude: O problema essencial da juventude profundamente pessoal. A juventude o perodo da personalizao da vida humana. , tambm, o perodo da comunho. Os jovens e as jovens sabem que tm de viver para os demais e com os demais. Sabem que sua vida tem sentido na medida em que se faz dom gratuito para o prximo.4 2.3 A viso sociolgica Do ponto de vista da sociologia, a juventude um grupo social com uma posio determinada dentro do conjunto da sociedade, caracterizado por um modo peculiar de ver e entender a vida e o mundo, prprio de quem deixou para trs a dependncia total de criana, mas no chegou ainda responsabilidade prpria do adulto. uma etapa substantiva da vida, com identidade e valores prprios, embora mediada pela posio que a juventude ocupa em cada sociedade e influenciada pelo que essa sociedade aceita ou impe. Da a variedade de seus comportamentos, tanto de submisso aos patres sociais como de protesto e rebelio contra toda tentativa de manipulao. Os modelos econmicos inspirados no neoliberalismo aguaram a excluso e a marginalizao dos povos-latinos americanos. Como consequncia, muitos jovens so vtimas do empobrecimento e da marginalizao social, do desemprego e do subemprego, de uma educao que no responde s exigncias de suas vidas, do narco-trfico, da guerrilha e das gangues. Muitos jovens vivem adormecidos pela propaganda dos meios de comunicao de massa e alienados por imposies culturais e pelo pragmatismo imediatista que tem gerado novos problemas em seu amadurecimento afetivo (SD 112). H, contudo, adolescente e jovens que reagem ao consumismo imperante e se sensibilizem diante das debilidades do povo e da dor dos mais pobres. Buscam inserir-se na sociedade, rejeitando a corrupo e gerando espaos de participao genuinamente democrticos... Vo carregados de perguntas vitais. Representam o desafio de articular um projeto de vida pessoal e comunitrio que d sentido a suas vidas, logrando assim a realizao de suas capacidades (SD 112). No conjunto da juventude, considerada como corpo social, surgem setores determinados pela condies socioeconmicas ou culturais e relacionados com os ambientes em que vivem os jovens. importante consider-los detidamente porque o meio especfico no qual se desenvolve a vida dos jovens, suas necessidades, problemticas e interesses influem decisivamente na definio da ao pastoral e das propostas de formao e espiritualidade que se quer desenvolver. 2.3.1. Os jovens da roa e do campo So jovens que vivem no campo, realizando tarefas agrcolas, ou em povoados onde estudam e/ou trabalham. Sua relao fundamental se d com a terra, gerando caractersticas culturais particulares e um especial forma de viver e entender a relao com a vida, a terra e a religio. Apesar da importncia que o trabalho de campo e seus produtos tm para as economias latino-americanas, as estruturas tradicionais do setor e os condicionamentos da sociedade os impedem de intervir, muitas vezes, como grupo social coerente no processo de desenvolvimento. Em muitos casos, a terra deixou de ser a me para tornar-se fonte de dor e de morte. Algumas caractersticas desse setor so: 4 Cf. Joo Paulo II, No limiar da esperana
  17. 17. O perodo juvenil no mundo campons muito breve. Os jovens assumem, desde cedo, responsabilidade prprias do mundo adulto, tanto pelo trabalho como pelo casamento e pela nova famlia. Diferentemente dos que vivem em zonas urbanas, esses jovens tm poucas possibilidades para expressar-se e progredir. Quando as tm, so muitas vezes manipulados e/ou alienados por agentes externos s suas comunidades. As organizaes sociais e polticas do campo so, com frequncia, fortemente reprimidas, o que dificulta seu funcionamento e sua ao em defesa dos direitos e da melhoria das condies de vida. A no propriedade da terra, o alto custo dos insumos agrcolas, o baixo preo que se paga pela produo e a falta de polticas governamentais para o desenvolvimento do campo obrigam-se a abandonar a terra e migrar para as cidades em busca de melhores oportunidades. Surgem, assim, grandes setores de sem-terra, com todas as consequncias que esse fenmeno gera. Embora tenha aumentado a escolaridade, grande nmero de jovens no tem possibilidades ainda de ingressar no ensino mdio. Muito poucos conseguem chegar universidade. Os programas educativos oferecidos os mundo do campo e da roa no respondem, em geral, a seus valores culturais nem s suas necessidades bsicas de desenvolvimento. Muito poucos so bilngues. A famlia continua sendo salvaguarda e potencial bsico para o desenvolvimento e o crescimento dos jovens do campo e da roa. A situao social geral, contudo, incide de tal forma que, pouco a pouco, tambm a famlia do campo e da roa vai se desagregando e sofrendo as consequncias da migrao. As comunidades do campo e da roa mantm vivos valores humanos, profundos, como a hospitalidade e a solidariedade. A religiosidade popular e um esprito cristo enraizado do-lhes uma sabedoria e uma espiritualidade que se caracterizam pela confiana em Deus, pela honestidade, pela valorizao e pela compreenso dos sofrimentos prprios e , sobretudo, dos sofrimentos dos outros. Os jovens do campo e da roa esto abertos ao comunitrio e ao cooperativo. Sua experincia e valorizao da pobreza e do sacrifcio fazem-nos capazes de tentar novas formas de empresas comunitrias, guiadas por critrios realmente humanos e no meramente economicistas. Em maior escala que outros, alguns setores jovens do capo e da roa so pressionados e muitas vezes utilizados pelo movimentos guerrilheiros, pelos que se dedicam ao cultivo da droga e ao narcotrfico e pelo Exrcito. 2.3.2. Os jovens estudantes Os jovens estudantes do 1 e do 2 grau no recebem, em geral, uma ateno especializada e diferenciada. Trata-se de um grupo no qual coexistem quem ainda adolescente e quem j ingressou na etapa juvenil. Sua caracterizao provm de sua localizao no ambiente escolar, que continua sendo, apesar de tudo, um dos meios onde se congrega, normalmente, maior quantidade de jovens. Algumas caractersticas desse setor so: Valorizam a escola como espao de encontro, formao, socializao e desenvolvimento pessoal. Muitos deles, contudo, no sabem para que estudam. Fazem-no por obrigao, para ocupar o tempo, encontrar-se com seu amigos ou por costume. Muitos estudam procurando chegar a ter coisas, profissionalizar-se, ganhar dinheiro ou vencer na vida. So poucos os que, conscientemente, buscam a escola como espao para a cultura, a humanizao, a cincia e o conhecimento. Apesar do avano das cincias pedaggicas, os mtodos utilizados no respondem, muitas vezes, os dinamismos reais da vida dos jovens. Continua-se ensinando em relaes verticais, e o mtodo de repetio deixa pouco espao para a criatividade e a iniciativa. O sistema de aprovao promove a competio e impulsiona a querer ser mais que os outros. A educao continua sendo considerada por muitos como um processo de acumulao de conhecimentos. Descuidam-se outros aspectos importantes da formao integral, como a educao dos sentimentos, o
  18. 18. desenvolvimento da sensibilidade e do sentido tico. Nas aulas, promovem-se prticas e valores relacionados com o neoliberalismo vigente. O sistema educacional ainda se mantm vivo alheio realidade. No prepara para a vida e os compromissos na sociedade. Ao terminar seus estudos, muitos se sentem frustrados. Descobrem que no lhes serviro nem para conseguir um trabalho ou assegurar o futuro. A crise econmica faz com que os estudantes se vinculem cada vez mais ao mundo do trabalho, para colaborar economicamente com suas famlias ou para manter-se nos estudos. O tempo limitado para dedicar-se ao estudo leva a um rendimento acadmico menor e a menor formao. Nos primeiros anos das aberturas democrticas, e por influncia do esprito ps-moderno, os estudantes aparecem como grupo aptico, desorganizado e com pouca capacidade de ao, at na estrutura acadmica. Apesar de tudo, buscam espaos para serem protagonistas, aceitando propostas fceis como a violncia, as gangues, as drogas e o lcool, ou as respostas construtivas como os grupos de estudo, o encontro, o esporte, a ao social ou a participao no movimento estudantil. Nesse grau de ensino normalmente se abrem ao sentido crtico, inquietude social e s primeiras experincias da participao ativa. As atividades solidrias ou comunitrias e o encontro com situaes de maior pobreza movem-nos a querer novos modelos de educao e novas formas de sociedade. Tm uma forte influncia, imposta ou herdada, da vida de f de seus pais. Tm, por isso mesmo, uma atitude de inconscincia e inrcia ou de rejeio e questionamento religio. O sentido da f se faz mais vivo, porm, quando os motiva para o compromisso e a solidariedade e quando lhes apresentada como resposta s suas buscas de uma religiosidade alegre, espontnea e juvenil. 2.3.3. Os jovens operrios/trabalhadores So jovens das famlias populares de operrios, trabalhadores, empregados, subempregos, desempregados e artesos. Seu nmero aumenta cada vez mais como consequncia das novas situaes de pobreza geradas pela aplicao de polticas neoliberais. A maior parte deles tem dificuldades para encontrar trabalho. Quando o encontram, vem-se forados muitas vezes a ser mo-de-obra barata e no especializada. Inseguros diante das transformaes que a tecnologia impe ai trabalho industrial, esto continuamente expostos possibilidade de desemprego. So economicamente frgeis e frequentemente no tm possibilidades para uma realizao vocacional verdadeira. Algumas caractersticas desse setor so: Faltam empregos. Os que existem so instveis. As exigncias de experincia e garantias que lhes fazem para dar-lhes uma oportunidade de trabalho esto, na maioria da vezes, muito alm de suas possibilidades. Isso os condena a ficar desempregados ou subempregados e permite que s uma minoria consiga um trabalho estvel e bem-remunerado. Vivem uma situao crtica pelo baixo nvel salarial e pela instabilidade do trabalho. Seu trabalho menos considerado que o capital. Muito deles especialmente as mulheres so explorados de diversas formas, com tratamentos desiguais e desumanizantes. Os sofrimentos, a represso e o sentido de luta deram aos operrios e trabalhadores um esprito popular autntico na ao pela verdade e pela justia, embora, em alguns casos, a politizao distora a finalidade de suas organizaes. Tentam viver num esprito solidrio e de luta por seus direitos. Faz-lo, no entanto, torna-se cada vez mais perigoso. As leis trabalhistas so aplicadas arbitrariamente e as organizaes sindicais so mal-vistas limitadas ou reprimidas. Apesar das dificuldades, os sindicatos ainda so um expresso viva e vlida do Movimento Popular. Com frequncia so utilizados pelos partidos polticos, mais para suas finalidades e estratgias do que para defender seus direitos e responder s suas necessidades. Muitos se prestam a esse jogo com a esperana de sair de sua situao e superar seus problemas econmicos.
  19. 19. Cansados das difceis circunstncias de sua semana de trabalho, procuram esquecer sua situao de excludos e divertem-se em busca de algo diferente que nem sempre conseguem identificar. 2.3.4. Os jovens universitrios Os jovens universitrios so os que tm mais possibilidades de viver sua juventude. Tm um campo de ao vital e relacional no qual podem desenvolver aes prprias sua condio de jovens, como assembleias, participao no movimento estudantil, participao nos conselhos das Universidades e muitas outras formas que o meio lhes proporciona. Algumas caractersticas desse setor so: O crescimento dos espaos fsicos e o sistema aberto, implantado nas Universidades nas ltimas dcadas, permitiram o acesso ao ensino superior a jovens provenientes dos setores mdios da sociedade e, tambm, embora em menor medida, os jovens dos setores populares. O ingresso cada vez mais marcado, contudo, pela competio, pelos altos custos e pelas exigncias dos programas de excelncia acadmica. Muitos jovens universitrios vivem marcados pela insegurana. Seu futuro profissional incerto. Com muito esforo, conseguem obter o diploma universitrio. Mesmo com o diploma, no conseguem emprego nem colocao profissional na sociedade. No so poucos os formados que se vem obrigados a realizar trabalhos diferentes e, muitas vezes, at mais bem remunerados que as prprias profisses. A realidade universitria leva-os a enfrentar, frequentemente, de maneiras muito diferentes e com maior ou menor grau de conscincia, a relao entre f e cincia. Nos ltimos anos, vem-se percebendo uma abertura maior aos valores espirituais e religiosos e a todo tipo de experincias especialmente orientais e mgicas em busca do transcendente. Entretanto, nem sempre h oportunidades para a formao e aprofundamento dos critrios ticos. Por isso, a vida de muitos jovens universitrios est desarticulada. Agem de maneira diferente na Universidade do que com sua famlia, seu namorado(a), seus amigos e a Igreja. O ambiente universitrio e os nveis de formao adquiridos provocam em muitos jovens uma certa atitude de rejeio de seus ambientes e classes de origem. O servio profissional no percebido como ligado comunidade; nem a atividade profissional a um modo de vida sem busca de lucro. A grande maioria dos universitrios trabalha e estuda. Isso dificulta sua vida universitria plena e sua participao como protagonistas nas atividades, na tomada de decises e nas aes de extenso e pesquisa da Universidade. Muitas organizaes acadmicas e polticas de universitrios que tiveram, por certo tempo, importante protagonismo esto atualmente desarticuladas e sem capacidade de ao. necessrio encontrar formas novas e novos canais de participao. Existe apatia, igualmente, pelas atividades polticas e partidrias. So consideradas manipuladoras e falsas. H ceticismo quanto s propostas de desenvolvimento e de participao comunitria. Alguns cristos so reconhecidos pelos valores evanglicos que so capazes de testemunhar e pela fora das opes da Igreja latino-americana pelos pobres, a luta pela justia e pelos direitos humanos, a defesa da vida, a promoo social e a transformao das estruturas e situaes injustas. Mas no devem se considerar os nicos que tm esse tipo de compromisso. 2.3.5. Os jovens indgenas A cultura latino-americana deve boa parte de suas caractersticas s culturas indgenas que foram conhecidas quando do descobrimento e da conquista do continente. Sua sobrevivncia constitui um desafio para a evangelizao, no somente porque no contato com a religio dominante a catlica deu- se uma forma peculiar de mestiagem religiosa, mas porque o esmagamento socioeconmico que esses povos suportam est exigindo uma conscientizao libertadora que no pode esquecer o componente religioso de suas etnias.
  20. 20. Algumas caractersticas desse setor so: Os povos originrios tm um sentido de unidade familiar e tribal, caracterizando-os por sua solidariedade e pelos valores comunitrios. Isso os leva a lutar contra a desagregao e o individualismo que a sociedade neoliberal lhes impe. Os jovens participam dessa luta de todos os povos. Seu sentido religioso expressa sua relao transcendente com Deus a partir das prprias vidas e da relao que tm com a natureza das coisas. Da, valores to genunos como a contemplao, a piedade, a sabedoria popular, as festas e a arte expressarem suas ntimas e mais fecundas vivncias espirituais. A maioria dos povos, despojados de suas terras, marginalizados e vivendo em situaes inumanas, aparece com os mais pobres entre os pobres da Amrica Latina. Sendo os primeiros habitantes e donos destas terras, devem ser reconhecidos seus direitos a uma justa demarcao e a um espao vital que no s garanta sua sobrevivncia, mas permita, sobretudo, conservar sua identidade como grupo humano, como povo e nao. Seu patrimnio cultural e sua participao social do vigor renovado ao continente. H um crescente despertar para os valores autctones e para o respeito originalidade das culturas e comunidades indgenas. Esse sinal de esperana, contudo, v-se ameaado pela influncia dos modelos culturais das sociedades nacionais, majoritrias e dominantes, cujas formas de vida, critrios e escalas de valores geralmente atentam contra essas culturas. A defesa da identidade e da cultura de seus povos, a integrao com outras culturas e outros desenvolvimentos sociais e sua prpria articulao so alguns dos grandes desafios que esto sendo colocados nas mos da juventude indgena. 2.3.6. Os jovens afro-americanos Constituem uma parte considervel da populao juvenil do continente. So um grupo tnico cuja identidade se estabelece em relao s suas razes africanas e sua insero no continente americano. Tm sido vtimas da escravido e de um longo processo de marginalizao histrica, social e econmica, bem como de uma ateno evangelizadora deficiente. Algumas caractersticas desse setor so: Sua histria marcada pelo desenraizamento do continente africano, de sua cultura, de sua terra e de sua famlia. Trezentos anos de escravido deixaram uma profunda marca de ressentimento e negatividade em seu estilo de vida e em sua maneira de ser. O racismo e os preconceitos sociais continuam sendo muito reais. Isso pode ser constatado no trabalho, ao se perceber que a maioria da populao negra trabalha em ocupaes manuais com remunerao muito baixa; na discriminao que os impede de viver como pessoas iguais s demais e na forma como so tratados por muitos meios de comunicao, que os apresentam como seres inferiores e perigosos. cada vez maior o nmero de jovens e pessoas que optam por uma reafirmao de sua identidade cultural e de suas razes africanas. Assumem sua negritude e lutam para resgatar, recriar e vivenciar elementos valiosos de sua cultura. Ao mesmo tempo, a manipulao sociocultural da estrutura dominante lava-os a no assumir a sua cultura, a envergonhar-se de sua origem e a assumir formas de comportamento prprias de outros grupos culturais. cada vez maior o nmero de jovens e pessoas que optam por uma afirmao de sua identidade cultural e de suas razes africanas. Assumem sua negritude e lutam para resgatar, recriar e vivenciar elementos valiosos de sua cultura. Ao mesmo tempo, a manipulao sociocultural, a envergonhar-se de sua origem e a assumir formas de comportamento prprio de outros grupos culturais.
  21. 21. Assim como os jovens indgenas, a defesa da identidade e da cultura de seus povos, a integrao com outras culturas e outros desenvolvimentos sociais e sua prpria articulao so alguns dos grandes desafios que esto nas mos dos jovens afro-americanos. 2.3.7. Os jovens em situaes crticas Trata-se d setor de jovens que se encontram em situaes sociais conflitivas ou em desvantagem social, no lhes permitindo um pleno desenvolvimento como pessoas. So consequncia das contradies da prpria sociedade que, na vida diria, contradiz o significado original do que a juventude etapa de aprendizagem, de opes, de estudos, de incorporao na vida social e produtiva, de idade do dinamismo, da alegria e da esperana e mostra um contexto de pobreza, desigualdade, marginalidade e desumanizao. o que se vem chamando de cultura da morte. Ao falar em situaes crticas, deve-se ter em conta que a crise da juventude uma crise generalizada. Todo o setor juvenil vive uma situao de desvantagem simplesmente pelo fato de ser jovem e viver num contexto social conflitivo. uma crise diversificada que, tendo uma mesma raiz, expressa-se em diferentes manifestaes e condutas, como a toxicomania, a delinquncia, a prostituio etc. uma crise individualizada. Cada jovem vive sua prpria histria de sofrimento diferentemente das demais pessoas. As situaes de crise que a juventude vive no seno reflexo das crises que a sociedade vive. Podem ser entendidas como as tenses ou problemticas agudas do setor juvenil em suas distintas ordens ou como momentos de ruptura com o estabelecido, mas com infinitas possibilidades de mudana e de transformao. Alguns elementos para uma descrio dos jovens em situaes crticas podem ser os seguintes: So os que vivem ou convivem em situaes de injustia, misria, intolerncia, desintegrao familiar e desamor que os levam a situaes-limite toxicomania, alcoolismo, prostituio, abuso sexual, violncia, infrao lei, suicdio, uso inadequado da sexualidade, infeco por HIV, etc e a atentar contra a sua prpria vida e a vida dos que os rodeiam. So os mais vulnerveis ao envolvimento em alguma situao crtica, por dificuldades pessoais como a baixa auto-estima, a insegurana, a solido, a timidez, a ansiedade, o ressentimento e a pouca capacidade de questionar, analisar e tomar decises. So os que, no encontrando espao em instituies fundamentais como a sociedade, o Estado, a Igreja, a escola, a famlia porque lhes negaram os direitos primordiais para se desenvolver e crescer como pessoas -, optam por alternativas que os levam a situaes limites. So os que, vtimas da manipulao e da alienao dos meios de comunicao de massa, criam para si mesmo falsas necessidades que buscam satisfazer de maneira equivocada, a partir de uma percepo distorcida da realidade, assumindo atitudes e comportamentos que os levam a perder a sua identidade. Os jovens em situaes crticas no so um grupo especfico fcil de delimitar socialmente. Nem sempre se encontram os grupos com caractersticas comuns. A classificao apresentada a seguir ajuda a localizar o tipo de problemtica e a maneira de atend-los. a) Os jovens dependentes das drogas A toxicomania includo o lcool um problema crescente entre a juventude. A toxicomania entendida como um problema de sade; a pessoa torna-se dependente dos efeitos fsicos e psicolgicos produzidos por uma substncia alheia a seu organismo. O abuso de tais substncia tem efeitos nocivos para sua vida individual, familiar e social. A toxicomania tem entre suas causas, a personalidade fraca dos adolescentes e sua baixa auto- estima; a influncia do meio ambiente; as relaes com outros jovens consumidores; os interesses econmicos de quem produz, processa e trafica; a desorganizao familiar e a falta de educao que previna contra os danos causados pela s substncia txicas.
  22. 22. H diferentes tipos jovens consumidores de drogas; os que somente as experimentam por curiosidade ou por presso do grupo, os que as usam de maneira frequente, porm mantendo certo controle; e os que j esto numa etapa em que necessitam da droga para poder viver. Caracteristicamente, os jovens dependentes tm problemas afetivos, so manipuladores, abandonam a escola, evitam a autoridade e rejeitam o cumprimento de normas sociais, como compromissos familiares, profissionais e polticos. Alguns negam a prpria doena; outros a reconhecem e solicitam apoio para se reabilitar. A toxicomania tende a aumentar nas grandes cidades. A idade em que se inicia o consumo cada vez menor, o que significa que muitos esto comeando a se drogar ainda crianas. b) Os jovens que delinquem A delinquncia de adolescentes e jovens pode ter diferentes causas. A principal a pobreza, que os leva a delinquir para buscar subsistncia e ajudar a economia familiar. Tambm pode ser produzida por fatores de personalidade, pela dinmica disfuncional da famlia, pelo meio ambiente crimingeno e pela resposta de alguns jovens represso ou ao fato de se sentirem vtimas da explorao. Deve-se distinguir os jovens que tm alguma conduta anti-social ou delituosa, imprudente ou pouco grave, daqueles que adotam um estilo de vida totalmente fora das regras sociais ou que j fazem parte da delinquncia organizada. So situaes diferentes. A maioria dos jovens delinquentes reproduz o modo de vida da sociedade a que pertencem. Reagem com a mesma violncia, desonestidade e corrupo que imperam na sociedade e com as quais esta os agride. Alguns viveram situaes dramticas. No tiveram uma socializao adequada e tm um baixo nvel de controle dos impulsos e de tolerncia frustrao. A introjeo de normas e limites muito deficiente. Os delinquentes no surgem de um momento para o outro. Surgem como consequncia de um processo em que as pessoas ou grupos vo se afastando progressivamente de um comportamento socialmente aceitvel. So jovens muito sensveis crtica e provao ou desaprovao de quem os rodeia. Por serem estigmatizados pela sociedade, costumam isolar-se. Suas relaes so superficiais. Eliminados os estigmas sociais, desaparece o sentimento de culpa e aumenta a possibilidade de reintegrao sociedade, buscando-se uma atividade produtiva honesta e estabelecendo-se relaes de confiana. Quando tm problemas com a lei ou esto presos, atemorizam-se, deprimem-se e procuram mudar. Muitas vezes, porm, sua prpria realidade impede a transformao e os leva a problemas ainda maiores. Por causa das deficincias do sistema judicirio, muitos tm de suportar abusos de autoridades e a violao de seus direitos. Normalmente, recebem mais castigos que medidas de orientao e de reintegrao social. c) Os jovens na prostituio As jovens entram na prostituio geralmente por razes econmicas. Como na situao anterior, tambm aqui a pobreza leva a essa forma de atividade como meio de consecuo dos recursos necessrios subsistncia. Influem, igualmente, os conflitos familiares, especialmente os relacionados com a figura do pai ou de algum familiar. J casos em que a prpria famlia as obriga a se prostituir. Agem sob presso de mfias que primeiro as atraem e seduzem, e depois as exploram at deixa-las enredadas em obrigaes e servios. Caracteristicamente, so mulheres que se valorizam pouco. Desde pequenas tiveram problemas afetivos ou foram vtimas de abusos sexuais, de maus-tratos fsicos ou psicolgicos. Normalmente so desconfiadas. Tm dificuldades para manter relaes conjugais estveis. So inseguras e necessitam de algum que as proteja. Quando engravidam, costumam proporcionar boa ateno a seus filhos, embora s vezes os abandonem. Reproduzem os padres de educao e relacionamento que receberam. Envolvem-se facilmente no consumo e no trfico de drogas e so muito sensveis ao reconhecimento que recebem da sociedade. Nas grandes cidades est aumentando a prostituio masculina, homossexual e infantil que, assim como a prostituio feminina, consiste no oferecimento de satisfaes sexuais em troca de dinheiro. Acarreta graves consequncias a quem a exerce, porque perde o sentido de sua vida e o
  23. 23. valor de sua dignidade. Ficam sujeitos explorao e ao abuso, alm de correrem graves riscos de sade e de segurana. Alguns dos que vivem essa situao aceitam-na e no tm dificuldades para apresentar-se socialmente como homossexuais. A grande maioria, contudo, sofre por ter de expor-se assim numa sociedade que no reconhece e castiga a homossexualidade como uma conduta moralmente desviada. Nos ltimos anos tm surgido numerosos movimentos de homossexuais e lsbicas exigindo respeito sua condio, proteo a seus direitos humanos e maior participao scio-poltica. Como prprio das minorias ativas, alguns de seus posicionamentos tm sido assumidos pelo pensamento social. Por isso encontram-se, especialmente entre os jovens, expresses a favor de uma cultura que seja mais tolerante com os homossexuais. Esses debates sacodem igualmente a Igreja e repercutem na postura que esta toma para atender pastoralmente a esse setor, tendo em conta que se trata de um grupo normalmente sensvel ao transcendente e a espiritual. d) Os jovens soropositivos e doentes de AIDS Trata-se de um grupo em crescimento, j que a sndrome da imunodeficincia adquirida uma doena que avana em ritmo acelerado, particularmente entre os jovens e os adultos em idade produtiva. A doena tem duas fases. Na primeira, chamada soropositividade assintomtica, a pessoa que incorreu em alguma conduta de risco infectou-se com o vrus da imunodeficincia humana, porm no desenvolve a doena, embora possa transmiti-la. Na segunda fase, aparecem os diferentes sintomas e sinais, e a doena se manifesta plenamente at levar morte. Num primeiro momento, procurou-se identificar esses setores com a populao homossexual, com as prostitutas e drogados. Os estudos, no entanto, confirmaram que no se trata de uma doena exclusiva de quem vive em situaes sociais crticas. Qualquer pessoa pode vir a contra-la, na medida em que se desenvolva comportamentos de risco como contatos sexuais com troca de fluxos, promiscuidade, uso compartilhado de seringas de drogas intravenosas, via perineal, transfuses de sangue, etc. Muitas pessoas e, principalmente, muitos jovens, mesmo sem sab-lo, esto contagiados. Quem j se sabe contaminado costuma sucumbir ao desespero e angstia. Os que esto na etapa de manifestao da doena sofrem de corpo e alma. Desesperam-se porque sabem que por ora no h cura possvel, os remdios que atenuam o processo so muito caros e os servios de sade, insuficientes. Sofrem igualmente porque comeam a experimentar a rejeio e a separao de suas prprias famlias, de seus amigos e comunidades. A AIDS abriu espaos para a discusso e para que se suscitassem grandes desafios de natureza psicossocial, pastoral e moral, relacionados, entre outros, com o uso de preservativos, a fidelidade, a castidade, os exames de laboratrio para a deteco do HIV, o tratamento dos doentes, o apoio familiar, os direitos dos doentes, as polticas sociais de sade e a dotao oramentria, a educao, a preveno, a ateno pastoral, os grupos religiosos que, diante desta situao, procuram se aproximar da populao contaminada, etc. e) Os jovens com deficincias Trata-se de um setor socialmente desarticulado, mas numerosamente significativo. So jovens que sofrem algum tipo de invalidez e que tm srios problemas fsicos, psicolgicos e sociais, como paralisia cerebral, sndrome de Down, psicoses e outras doenas mentais, deficincia visual ou auditiva, paralisia, etc. Muitos sofrem essa situao de desvantagem social desde o nascimento ou desde a infncia. Outros foram acometidos mais recentemente, como o caso daqueles gravemente vitimados por intoxicao com drogas ou pela violncia e pela guerra. Alguns esto sob cuidados de suas famlias. Outros permanecem em hospitais ou centros especializados. H quem viva e morra relegado solido e ao abandono. Sofrem por suas prprias doenas e limitaes permanentes, pela constante necessidade de receber servios reabilitadores de sade, pela insatisfao existencial, pelo estado psicolgico de depresso, angstia familiar, pela dificuldade de serem reconhecidos e ajudados socialmente e pelos problemas econmicos que sua situao e recuperao acarreta. particularmente preocupante sua difcil integrao sociedade, de maneira produtiva e auto- suficiente. O sistema econmico neoliberal exclui os improdutivos, obrigando-os a ser
  24. 24. dependentes, a se tornar um fardo para as suas famlias e a viver sujeitos assistncia e at mesmo mendicncia. Requerem uma ateno especializada em matria educativa, legal, de sade, econmic, trabalhista profissional e, evidentemente, pastoral. Neste campo, as experincias que existem so, na maioria do tipo assistencial. No promovem a auto-suficincia nem a participao social e o compromisso com os deficientes. Junto aos deficientes, suscita-se o desafio de acompanhar tambm os que os atendem e suprem suas necessidades familiares, amigos, profissionais, agentes de pastoral, homens e mulheres de boa vontade com um alto esprito de entrega, mas que, ao mesmo tempo, precisam satisfazer suas prprias necessidades e resolver seus prprios problemas para poder ajudar aos necessitados. f) Outras possveis situaes crticas Com uma situao social to difcil e com uma juventude to vulnervel, bem provvel que existam outras situaes crticas que obstaculizem seu pleno desenvolvimento e promoo humana. Analisando a realidade da juventude e acompanhando de perto os grupos de jovens, ser possvel descobrir novas situaes crticas que, sem deixar de lado a viso e a ao integral e de conjunto, podem ser atendidas pastoralmente. o caso das mes solteiras, das vtimas de abuso sexual, dos casais novos em crise, dos jovens encarcerados, etc. 2.4 A nova viso cultural-simblica A viso cultural simblica no desconhece as contribuies das vises anteriores para compreender os jovens. Pelo contrrio, integra-as e lhes d um sentido novo. Busca responder aos questionamentos que surgem sobretudo quando se olham as aceleradas e profunda mudanas culturais que estamos vivendo. No se deve esquecer que a juventude surge, historicamente, como um fenmeno prprio da cultura emergente, a partir dos processos de urbanizao. Desde o comeo a juventude aparece pouco homognea. Diferentes formas culturais correspondem a uma variada gama de condies juvenis que evoluem em ritmos prprios. Por isso, pode-se falar de um universo cultural dos jovens, definido por uma enorme variedade de formas de viver a vida e de encontrar sentido para a existncia. Nele se d um processo mltiplo e contraditrio de formas, fruto do tecido de relaes que os jovens vo estabelecendo com as diversas instncias socializadoras. Esse universo se compe de culturas jovens ou espao sociais de confluncia, de encontro, de identificao, de liberdade entre iguais, que expressam traos semelhantes, como uso do espao, gostos, formas expressivas e de significao, linguagens, etc. Apesar das diferenas, todas se caracterizam pela contestao cultura tradicional. Pem em xeque e reelaboram as propostas das diferentes instituies. Constituem fontes de resistncia contra toda ordem imposta e de rejeio ao cdigo dominante. Ultimamente, esto-se compreendendo mais como ambientes, atmosfera,sensibilidades, comunidades culturais geradoras de significao, nas quais coexistem elementos de diferente natureza, sociais, polticos e econmicos. Para entender essa nova sensibilidade dos jovens, necessrio retomar a referncia ps-modernidade, que est gerando um fenmeno cultural de polaridades em tenso: de uma cultura do uno, est-se passando para uma cultura do plural; do definido para o ambguo; do linear para a rede. Nesse sentido amplo, as culturas juvenis referem-se maneira como as experincias sociais dos jovens se expressam coletivamente mediante a construo de estilos de vida diferentes, localizados fundamentalmente no tempo livre ou em espaos intersticiais da vida institucional. Num sentido mais restrito, so microsociedades com graus significativos de autonomia em relao s instituies adultas. Os jovens de hoje criaram verdadeiros movimentos culturais que conjugam fatores institucionais com fatores de ordem subjetiva. Recentes estudos apontam alguns traos das sensibilidades dessas culturas juvenis. So diversas, no-homogneas e contra-culturais; tm a ver com atmosferas ou ambientes geradores de significado que no coexistem nem constituem em perodo cronolgico nem um setor. Alguns desses ambientes so a irracionalidade, expressa no delrio, na droga e nas seitas; a rebelio expressa no antiautoritarismo, na no-escola e na evaso; a intimidade, expressa no afetivo-sexual e nas
  25. 25. novas formas de ser famlia, como as comunidades; a identidade no consumo, expressa nas modas; e a paz. Expressa no antibelicismo e no no guerra. Sua caracterstica comum a mutabilidade permanente, a instabilidade, o nomadismo e o estar de passagem. No obstante seu carter nmade, podem esboar-se modas ou horizontes comuns de gostos que fazem com que se tornem familiares uns aos outros e, ao mesmo tempo, os diferenciam. Os jovens vivem e apreciam modas que no obedecem a um princpio ordenador da realidade, mas possibilidade de correspondncia. O gosto a correspondncia, mais ou menos conflitiva, de objetos culturais e valores. A moda uma forma de expressar publicamente sentidos compartilhados culturalmente. Na comunicao ou no mbito dinmico de circulao de sentidos partilhados, os jovens tomam objetos culturais de alto consumo (vdeos, msicas, roupas...) e os ressignificam. Neste contexto, aparece o ldico como um dos eixos e conceitos explicativos das identidades juvenis. O ldico entendido como o territrio dos estados de disponibilidade e abandono nos quais os jovens se situam. So estados que escapam a toda intencionalidade utilitria. Levam-nos a uma forte experincia de ser jovem, cuja raiz est na liberdade do jogo. Um jogo sem regras, nas atividades livres do prazer, na festa, na criao artstica, nos sonhos e na prtica do imaginrio. Recupera-se, assim, a dimenso esttica da vida, que permite um acesso totalidade da realidade a partir de um ngulo que no o da racionalidade iluminista. Trata-se de uma compreenso do mundo a partir das formas sensveis. A partir do gosto, da relao mediada por smbolos e do universo dos desejos. A partir dessa dimenso tomam sentido, para as culturas juvenis, todos os demais assuntos e temas. Ao observar essas culturas juvenis, no se pode deixar de perceber as notveis diferenas entre os jovens das grandes cidades, os jovens dos pequenos povoados ou dos jovens que vivem no campo. Em todos esses casos, necessrio um especial discernimento das riquezas de sua cultura juvenil. A viso sociolgica, que considera a juventude como corpo social, permitiu reconhecer diferentes setores, condicionados por distintas caractersticas socioeconmicas e culturais. Pela caminhada da Pastoral da Juventude Latino-Americana e pelo papel decisivo que os fatores socioeconmicos desempenham no passado, presente e no futuro do continente, deu-se uma nfase especial apresentao da situao social dos jovens em seus respectivos setores. No se deve desconhecer, contudo, o papel dessas novas comunidades culturais ou de sentido, as novas sensibilidades a partir das quais os jovens se apropriam e ressignificam sentidos e modos de ver e de viver. necessrio explorar melhor as novas sensibilidades que se constituem em novas pistas para conhecer e amar os jovens. Essa tentativa de olhar de forma mais ampla o juvenil leva a reconhecer a importncia da pessoa de cada jovem, do contexto socioeconmico a partir do qual eles constroem suas identidades e das novas comunidades culturais ou sensibilidades que impregnam todos os ambientes e setores. Uma pastoral da juventude que queira responder realmente s necessidades dos jovens no pode desconhecer nenhuma dessas dimenses. Ao olhar os jovens hoje, a Igreja percebe que eles no so somente destinatrios da evangelizao. Cada gerao aporta uma sensibilidade prpria sua vivncia crist, possui a capacidade de descobrir novas dimenses da f e revela sinais de vida ainda suficientemente explicitados na experincia crist (P1169). 3. CONHECER A JUVENTUDE NO FCIL A f na presena e na ao libertadora de Deus e de seu Esprito na histria leva a reconhecer os sinais de vida que se manifestam na grande diversidade de realidades nas quais vivem os jovens do continente. Nesses sinais de vida celebra-se a juventude como um dom especial de Deus para toda a humanidade. Atravs de caminhos muito diferentes, os jovens buscam respostas sua necessidade de Deus e s suas perguntas pelo sentido. De fato, a imensa maioria diz crer em Deus, e um nmero significativo est comprometido com o conhecimento e o seguimento de Jesus. Defendem decididamente seu direito de ser sujeitos e protagonistas de toda proposta que tenha relao com suas vidas. O valor da pessoa e de sua prpria subjetividade um trao muito significativo que marca a identidade geracional dos jovens de hoje.
  26. 26. A mentalidade tcnico-racionalista, adquirida na escolaridade, torna-os menos expostos resignao e ao fatalismo. No se sentem obrigados a repetir modelos pelo simples argumento do costume ou da tradio. A convico pessoal tem carter de critrio ltimo para a deciso de suas opes de vida. Desejam menos distncia, menos formalismo e maior espontaneidade no trato entre pais e filhos, entre professores e alunos, entre leigos e sacerdotes e, em geral, em todas as suas relaes. Agrada-lhes conhecer-se a si mesmos e partilhar suas inquietaes e intimidades com seus iguais. Mantm a mais democrtica relao entre os sexos que j houve na histria. Tm muitas ocasies para participar das experincias geracionais que renem outros jovens de diferentes classes sociais. Vivem a felicidade do momento presente com um sentido de gratuidade, e no como consequncia de merecimentos ou sacrifcios. Tm um forte sentido e grande admirao pela celebrao e pela festa. A par dessas, h tambm situaes do mundo juvenil ameaadas por sinais de morte, que se deve ser anotados e combatidos no trabalho pastoral que se realiza com os jovens. o No mundo de hoje, o sentido da vida tornou-se plural. Existe um amplo campo de sentidos da vida. Supe-se que cada um possa escolher como, por que e para que viver, com autonomia e independncia pessoal. Contudo, o mercado de sentidos manobra muitos jovens e frequentemente disfara de escolha a manipulao publicitria que se faz com eles. As diversas e contrapostas ofertas de estilo de vida debilitam as certeza de muitos jovens, confundem-nos e, no poucas vezes, levam-nos a experimentar graves contradies internas. Essa confuso agride sua sade espiritual, pois produz sentimentos de diviso e rupturas em sua identidade pessoal. o Muitos jovens se sentem distantes do mundo adulto da participao social e poltica e das figuras de autoridade. Em muitos casos, essa atitude esconde um desinteresse por crescer e amadurecer. No so poucos os que sentem a tentao de permanecer como esto e renunciar ao esforo e ao desafio de superar-se, melhorar e assumir novas responsabilidades. o Na medida em que os jovens se socializam, so impelidos a considerar os demais rivais. Incorporam desconfiana e temor para a relao com os outros. So cada vez mais escassas as possibilidades que tm de fazer experincias de solidariedade e cooperao, embora se sintam naturalmente inclinados a tanto. o A dificuldade de ingressar na educao superior e, portanto de entrar com relativo xito no mercado de trabalho faz com que muitos jovens incorporem uma espcie de desiluso pelas ofertas e possibilidades que a sociedade tem para eles. So e se sentem excludos. o A cultura ps-moderna tende a desencadear um falso sentido de espontaneidade e da responsabilidade moral. Na prtica, isso se traduz num imaturo sentimento de inocncia pessoal em face do mal cometido e do bem omitido. necessrio ajudar a superar essa falsa conscincia moral. o A sociedade de consumo multiplica os produtos e, para assegurar seu mercado, exacerba a capacidade de consumir. Um modo de consegui-lo fazer com que nenhum produto satisfaa efetivamente as necessidades mais profundas de quem o adquire. Manipula os consumidores para que vivam num nvel superficial, sem contato com as genunas motivaes. Isso leva, principalmente os jovens, a uma espcie de incapacidade para vivenciar e para interiorizar. Essa incapacidade faz recorrer permanentemente a estmulos e a novidades para se chegar a sentir que se est vivo. o polo oposto da espontaneidade e da vital expresso da alegria de viver. o A convico de que a felicidade pode ser uma experincia do presente, e no somente algo que se alcanar apenas no futuro, encheu a vida de muitos jovens de uma nova luz. A experincia demonstra, no entanto, que a felicidade completa s se desfruta quando acompanhada da capacidade de comprometer as energias em tarefas de longo alcance, com horizonte amplo e projeo social. Uma viso apenas de curto alcance torna estril a capacidade de gozar e a esgota.
  27. 27. Todas essas situaes convidam a estarmos atentos, a discenir e a no permitir que se debilite o sentido de Deus, de sua ao e presena que convida a apostar, sempre, na vida. Contra a morte. 4. OS JOVENS E A IGREJA No obstante a tendncia privatizao do religioso e a criao de campos religiosos prprios, longe do modelo institucional, os jovens latino-americano estabeleceram um dilogo com a Igreja especialmente atrves da Pastoral da Juventude. Ela j tem um longo caminho percorrido que deve ser valorizado e avaliado em todos os seus dinamismos e limitaes. Um momento forte desse dilogo foi o Primeiro Congresso Latino-Americano de Jovens, realizado em Cochabamba (Bolvia), de 18 de dezembro de 1991 a 5 de janeiro de 1992. Ali os jovens manifestaram sua conscincia sobre as riquezas do continente. Ao mesmo tempo, contudo, denunciaram sua situao de empobrecimento, manipulao, marginalizao e at extermnio, como consequncia de um processo histrico que violentou nossas culturas, direitos e dignidade humana5 e os fez dependentes econmica, poltica, cultural e socialmente. Definiram-se como jovens com rostos muito concretos, de classe popular, urbanos, rurais, trabalhadores, estudantes, desocupados, mineiros, pescadores... com um caminho comum de lutas e conquistas... porm necessitados de uma identidade latino-americana que nos d oportunidades e formas de protagonismos6 , unidos pela f em Jesus Cristo numa busca de perspectivas comuns para enfrentar a opresso e a marginalizao porque seguimos crendo num Deus que nos faz transmitir vida a partir da pobreza7 . Disseram querer que a Igreja, especialmente a hierarquia, se faa pobre com os pobres, tenha contato com o povo que sofre, seja servidora e, atravs de sua ao, assuma a luta do povo pela libertao, inserindo-se na dinmica social; que ela seja proftica, denunciando a dependncia e a pobreza no continente e os abusos econmicos e polticos, chamando por seu nome a cada injustia8 . Junto com a denncia clara da injustia, consideram necessrio o anncio de critrios e meios para a construo da sociedade fraterna, alternativa falsa liberdade que o neoliberalismo propaga e falta de liberdade que fez o socialismo real fracassar. Essa atitude deve brotar da reconciliao da Igreja com o passado e do pedido de perdo pelas sombras que projetou, valorizando tambm as luzes geradas na vida da Amrica Latina9 . Propuseram uma Igreja comunidade de comunidades, fraterna, dialogante, compreensiva, igualitria e sem distines, organizada com unidade de critrios e de planos pastorais feitos de forma participativa com pastores amigos dos jovens, em atitude de escuta e de servio, com leigos responsveis em sua vocao... Uma Igreja que priorize a formao de pequenas comunidades encarnadas no ambiente cultural dos povos... onde a mulher seja reconhecida e valorizada como dinamizadora do corpo eclesial e social10 . Os bispos, por sua vez, reunidos na IV Conferncia Geral do Episcopado Latino-Americano em Santo Domingo, constataram que so cada vez mais os adolescentes e jovens que se renem em grupos, movimentos e comunidades eclesiais para rezar e realizar distintos servios de ao missionria e apostlica (SD 112). Reconheceram que os jovens catlicos, organizados em grupos, pedem aos pastores acompanhamento espiritual e apoio em suas atividades. Necessitam, sobretudo, em cada pas, de linhas pastorais claras que contribuam para uma pastoral Juvenil orgnica (SD 113). A Igreja continua tendo um grave problema de comunicao com os jovens. Muitas vezes desconhece suas linguagens, suas sensibilidades, suas lgicas e seus cdigos. A rap