Cj 047914

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1 O Princípio da Especialidade enquanto Vetor de Inspiração da Organização da Administração Pública Tauã Lima Verdan 1 Resumo: É possível colocar em destaque que o corolário da especialidade, na condição de vetor de conformação da atuação da Administração Pública, decorre dos axiomas da legalidade e da indisponibilidade do interesse público, propiciando a estruturação de uma ótica que permite a descentralização administrativa. É verificável a incidência dos postulados contido no cânone ora comentado quando o Estado cria pessoas jurídicas públicas administrativas, como ocorre com as autarquias, a fim de descentralizar a prestação de serviços públicos, com o escopo de promover a especialização de função, a lei que cria a entidade estabelece com precisão as finalidades que lhe incumbe atender, de tal modo que não sabe aos seus administradores afastar-se dos objetos definidos na lei. Tal fato deriva da premissa que os administradores não detêm a disponibilidade dos interesses públicos. Nesta esteira, ao debruçar-se sobre a proeminência do princípio da especialidade na Administração Pública, verifica-se que o dogma em testilha apresenta-se como bastião motivador da descentralização administrativa, atrelando, inclusive, a atuação das autarquias e as sociedades de economia mista aos fitos que ensejaram suas respectivas criações ou autorizações legais. Palavras-chaves: Princípio da Especialidade. Organização Administrativa. Administração Pública. Sumário: 1 Argumentos Inaugurais: A Ciência Jurídica a partir de uma Perspectiva Pós-Positivista; 2 A Classificação dos Princípios no Direito Administrativo; 3 O Princípio da Especialidade enquanto Vetor de Inspiração da 1 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Especializando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental. WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

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    O Princpio da Especialidade enquanto Vetor de

    Inspirao da Organizao da Administrao Pblica

    Tau Lima Verdan1

    Resumo:

    possvel colocar em destaque que o corolrio da especialidade, na

    condio de vetor de conformao da atuao da Administrao Pblica,

    decorre dos axiomas da legalidade e da indisponibilidade do interesse pblico,

    propiciando a estruturao de uma tica que permite a descentralizao

    administrativa. verificvel a incidncia dos postulados contido no cnone ora

    comentado quando o Estado cria pessoas jurdicas pblicas administrativas,

    como ocorre com as autarquias, a fim de descentralizar a prestao de servios

    pblicos, com o escopo de promover a especializao de funo, a lei que cria

    a entidade estabelece com preciso as finalidades que lhe incumbe atender, de

    tal modo que no sabe aos seus administradores afastar-se dos objetos

    definidos na lei. Tal fato deriva da premissa que os administradores no detm

    a disponibilidade dos interesses pblicos. Nesta esteira, ao debruar-se sobre

    a proeminncia do princpio da especialidade na Administrao Pblica,

    verifica-se que o dogma em testilha apresenta-se como bastio motivador da

    descentralizao administrativa, atrelando, inclusive, a atuao das autarquias

    e as sociedades de economia mista aos fitos que ensejaram suas respectivas

    criaes ou autorizaes legais.

    Palavras-chaves: Princpio da Especialidade. Organizao Administrativa.

    Administrao Pblica. Sumrio: 1 Argumentos Inaugurais: A Cincia Jurdica a partir de uma

    Perspectiva Ps-Positivista; 2 A Classificao dos Princpios no Direito

    Administrativo; 3 O Princpio da Especialidade enquanto Vetor de Inspirao da

    1 Bolsista CAPES. Mestrando vinculado ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Especializando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho Bacharel em Direito pelo Centro Universitrio So Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

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    Organizao da Administrao Pblica

    1 Argumentos Inaugurais: A Cincia Jurdica a partir de uma

    Perspectiva Ps-Positivista

    Em sede de comentrios inaugurais, ao se dispensar uma anlise

    robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a

    Cincia Jurdica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouo

    doutrinrio e tcnico, assim como as pujantes ramificaes que a integra,

    reclama uma interpretao alicerada nos mltiplos peculiares caractersticos

    modificadores que passaram a influir em sua estruturao. Neste diapaso,

    trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

    Direito, tornou-se imperioso salientar, com nfase, que no mais subsiste uma

    viso arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios s necessidades

    e s diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

    Jurdicos. Ora, em razo do burilado, infere-se que no mais prospera a tica

    de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicao das leis, sendo, em

    decorrncia dos anseios da populao, suplantados em uma nova sistemtica.

    verificvel, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como

    os proeminentes cenrios apresentados com a evoluo da sociedade, passam

    a figurar como elementos que influenciam a confeco e aplicao das normas.

    Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilho de

    interpretao o prisma de avaliao o brocardo jurdico 'Ubi societas, ibi jus',

    ou seja, 'Onde est a sociedade, est o Direito', tornando explcita e cristalina a

    relao de interdependncia que esse binmio mantm2. Deste modo, com

    clareza solar, denota-se que h uma interao consolidada na mtua

    dependncia, j que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante

    processo de evoluo da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

    Legislativos e institutos no fiquem inquinados de inaptido e arcasmo, em

    total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

    estrutural dependncia das regras consolidadas pelo Ordenamento Ptrio, cujo

    escopo fundamental est assentado em assegurar que inexista a difuso da

    2 VERDAN, Tau Lima. Princpio da Legalidade: Corolrio do Direito Penal. Jurid Publicaes Eletrnicas, Bauru, 30 jun. 2009. Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013.

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    prtica da vingana privada, afastando, por extenso, qualquer rano que

    rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos

    estruturantes da Lei de Talio (Olho por olho, dente por dente), bem como

    para evitar que se robustea um cenrio catico no seio da coletividade.

    Afora isso, volvendo a anlise do tema para o cenrio ptrio,

    possvel evidenciar que com a promulgao da Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil de 1988, imprescindvel se fez adot-la como macio

    axioma de sustentao do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se

    objetiva a amoldagem do texto legal, genrico e abstrato, aos complexos

    anseios e mltiplas necessidades que influenciam a realidade contempornea.

    Ao lado disso, h que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros

    Grau, ao apreciar a Ao de Descumprimento de Preceito Fundamental N.

    46/DF, o direito um organismo vivo, peculiar porm porque no envelhece,

    nem permanece jovem, pois contemporneo realidade. O direito um

    dinamismo. Essa, a sua fora, o seu fascnio, a sua beleza3. Como bem

    pontuado, o fascnio da Cincia Jurdica jaz justamente na constante e

    imprescindvel mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que

    reverbera na sociedade e orienta a aplicao dos Diplomas Legais.

    Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepo

    ps-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de

    consequncia, uma rotunda independncia dos estudiosos e profissionais da

    Cincia Jurdica. Alis, h que se citar o entendimento de Verdan, esta

    doutrina o ponto culminante de uma progressiva evoluo acerca do valor

    atribudo aos princpios em face da legislao4. Destarte, a partir de uma

    anlise profunda de sustentculos, infere-se que o ponto central da corrente

    3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acrdo em Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF. Empresa Pblica de Correios e Telgrafos. Privilgio de Entrega de Correspondncias. Servio Postal. Controvrsia referente Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigaes concernentes ao Servio Postal. Previso de Sanes nas Hipteses de Violao do Privilgio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegao de afronta ao disposto nos artigos 1, inciso IV; 5, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e pargrafo nico, e 173 da Constituio do Brasil. Violao dos Princpios da Livre Concorrncia e Livre Iniciativa. No Caracterizao. Arguio Julgada Improcedente. Interpretao conforme Constituio conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sano, se configurada a violao do privilgio postal da Unio. Aplicao s atividades postais descritas no artigo 9, da lei. rgo Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurlio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013. 4 VERDAN, 2009. Acesso em 30 jun. 2013.

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    ps-positivista cinge-se valorao da robusta tbua principiolgica que Direito

    e, por conseguinte, o arcabouo normativo passando a figurar, nesta tela, como

    normas de cunho vinculante, flmulas hasteadas a serem adotadas na

    aplicao e interpretao do contedo das leis.

    Nesta tela, retratam-se os princpios jurdicos como elementos que

    trazem o condo de oferecer uma abrangncia rotunda, albergando, de modo

    singular, as distintas espcies de normas que constituem o ordenamento ptrio

    normas e leis. Os princpios passam a constituir verdadeiros estandartes

    pelos quais o arcabouo terico que compe o Direito se estrutura, segundo a

    brilhante exposio de Tovar5. Como consequncia do expendido, tais cnones

    passam a desempenhar papel de super-normas, ou seja, preceitos que

    exprimem valor e, por tal fato, so como pontos de referncias para as demais,

    que desdobram de seu contedo6. Por bvio, essa concepo deve ser

    estendida a interpretao das normas que do substrato de edificao

    ramificao Administrativa do Direito.

    2 A Classificao dos Princpios no Direito Administrativo

    Escorando-se no espancado alhures, faz-se mister ter em conta que

    o princpio jurdico um enunciado de aspecto lgico, de caracterstico explcito

    ou implcito, que, em decorrncia de sua generalidade, goza de posio

    proeminente nos amplos segmentos do Direito, e, por tal motivo, de modo

    implacvel, atrela o entendimento e a aplicao das normas jurdicas sua

    essncia. Com realce, uma flmula desfraldada que reclamada a observncia

    das diversas ramificaes da Cincia Jurdica, vinculando, comumente,

    aplicao das normas abstratas, diante de situaes concretas, o que permite

    uma amoldagem das mltiplas normas que constituem o ordenamento aos

    anseios apresentados pela sociedade. Gasparini, nesta toada, afirma que

    constituem os princpios um conjunto de proposies que aliceram ou

    embasam um sistema e lhe garantem a validade 7.

    Nesta senda, possvel analisar a prodigiosa tbua principiolgica a

    5 TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princpios no Ordenamento Jurdico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013. 6 VERDAN, 2009. Acesso em 30 jun. 2013. 7 GASPARINI, Digenes. Direito Administrativo.17 ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 60.

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    partir de trs rbitas distintas, a saber: onivalentes ou universais, plurivalentes

    ou regionais e monovalentes. Os preceitos acampados sob a rubrica princpios

    onivalentes, tambm denominados universais, tm como trao peculiar o fato

    de ser comungado por todos os ramos do saber, como, por exemplo, o caso

    da identidade e da razo suficiente. identificvel uma aplicao irrestrita dos

    cnones s diversificadas rea do saber. J os princpios plurivalentes (ou

    regionais) so comuns a um determinado grupo de cincias, no qual atuma

    como agentes de informao, na medida em que permeiam os aportes terico-

    doutrinrios dos integrantes do grupo, podendo-se citar o princpio da

    causalidade (incidente nas cincias naturais) e o princpio do alterum non

    laedere (assente tanto nas cincias naturais quanto nas cincias jurdicas).

    Os princpios classificados como monovalentes esto atrelados a to

    somente uma especfica seara do conhecimento, como o caso dos princpios

    gerais da Cincia Jurdica, que no possuem aplicao em outras cincias.

    Com destaque, os corolrios em comento so apresentados como axiomas

    cujo sedimento de edificao encontra estruturado to somente a um segmento

    do saber. Aqui, cabe pontuar a importante observao apresentada por Di

    Pietro que, com bastante nfase, pondera h tantos princpios monovalentes

    quantas sejam as cincias cogitadas pelo esprito humano 8. Ao lado disso,

    insta destacar, consoante entendimento apresentado por parte da doutrina, que

    subsiste uma quarta esfera de princpios, os quais so intitulados como

    setoriais. Prima evidenciar, com bastante destaque, que os mandamentos

    abarcados pela concepo de dogmas setoriais teriam como singular aspecto o

    fato de informarem os mltiplos setores que integram/constituem uma

    determinada cincia. Como robusto exemplo desse grupo, possvel citar os

    princpios que informam apenas o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito

    Administrativo, dentre outros.

    Tecidas estas ponderaes, bem como tendo em conta as

    peculiaridades que integram a ramificao administrativa da Cincia Jurdica,

    de bom alvitre se revela ponderar que os os princpios administrativos so

    postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administrao

    Pblica. Representam cnones pr-normativos, norteando a conduta do Estado

    8 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26 ed. So Paulo: Editora Atlas S/A, 2013, p. 62-63.

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    quando no exerccio das atividades administrativas9. Assim, na vigente ordem

    inaugurada pela Carta da Repblica de 198810, revela-se imperiosa a

    observao dos corolrios na construo dos institutos administrativos. Pois,

    olvidar-se de tal, configura-se verdadeira aberrao jurdica, sobremaneira,

    quando resta configurado o aviltamento e desrespeito ao sucedneo de

    baldrames consagrados no texto constitucional e os reconhecidos pela doutrina

    e jurisprudncia ptrios.

    Urge salientar que a Constituio Cidad, ao contrrio das Cartas

    que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princpios

    informadores da Administrao Pblica, assinalando a incidncia de tais

    preceitos a todos os entes da Federao, bem como os elementos

    estruturantes da administrao pblica direta e indireta de qualquer dos

    Poderes constitudos. Para tanto, como frtil sedimento de estruturao,

    possvel transcrever o caput do artigo 37 que, em altos alaridos, dicciona que

    a administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio,

    dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de

    legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia11. Nesta

    toada, ainda, quadra, tambm, ter em mente os seguintes apontamentos:

    Trata-se, portanto, de princpios incidentes no apenas sobre os rgos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos trs Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judicirio), nas tambm de preceitos genricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso pas integram a denominada Administrao Indireta, ou seja, autarquias, as empresas pblicas, as sociedades de economia mista e as fundaes governamentais ou estatais12.

    verificvel, desta sorte, que os preceitos em comento, dada

    proeminncia alada pelo texto constitucional, passam a atuar como elementos

    que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuao dos entes federativos,

    bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, 9 CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 20. 10 BRASIL. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013. 11 BRASIL. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013. 12 SERESUELA, Nvea Carolina de Holanda. Princpios constitucionais da Administrao Pblica. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013.

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    empresas pblicas e fundaes, que constituem a Administrao Indireta. Em

    razo de estarem entalhados nas linhas que do corpo Lex Fundamentallis

    do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou cham-los de Princpios

    Constitucionais Explcitos ou Princpios Expressos. So considerados como

    verdadeiras diretrizes que norteiam a Administrao Pblica, na medida em

    que qualquer ato por ela emanado s ser considerado vlido se estiver em

    consonncia com tais dogmas13.

    De outra banda, tem-se por princpios reconhecidos aqueles que,

    conquanto no estejam taxativamente contemplados no texto constitucional, de

    modo explcito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificao do Direito

    Administrativo. Isto , so corolrios que encontram descanso, mais evidente e

    palpvel, na atividade doutrinria e jurisprudencial, que, por meio dos seus

    instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidao e

    conscientizao de determinados valores, tidos como fundamentais, para o

    conhecimento e a interpretao das peculiaridades e nuances dos fenmenos

    jurdicos, advindos dessa ramificao da Cincia Jurdica. Os princpios so

    mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposio

    fundamental que se irradia sobre diferentes normas14. Em que pese o

    reconhecimento de uma tbua de preceitos e cnones pela doutrina, tal fato

    no tem o condo de desnaturar o importante papel desempenado na

    orientao e conformao da interpretao dos diplomas normativos.

    No mais, ao se ter em viso, a dinamicidade que influencia a

    contnua construo do Direito, conferindo, via de consequncia, mutabilidade

    diante das contemporneas situaes apresentadas pela sociedade, possvel

    salientar que a construo da tbua principiolgica no est adstrita apenas

    aos preceitos dispostos nos diplomas normativos e no texto constitucional. Ao

    reverso, uma construo que tambm encontra escora no mbito doutrinrio,

    tal como no enfrentamento, pelos Tribunais Ptrios, das situaes concretas

    colocadas sob o alvitre. Afora isso, doutrina e jurisprudncia usualmente a elas

    se referem, o que revela sua aceitao geral como regras de proceder da

    Administrao. por esse motivo que os denominamos de princpios

    13 Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2010, p. 21. 14 GASPARINI, 2012, p. 61.

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    reconhecidos, para acentuar exatamente essa aceitao15.

    3 O Princpio da Especialidade enquanto Vetor de Inspirao da

    Organizao da Administrao Pblica

    Em sede de comentrios introdutrios acerca do corolrio em

    comento, impende sustar que a Administrao Pblica norteada por uma

    gama de princpios gerais, cujo escopo est assentado na orientao da ao

    do administrador na prtica dos atos administrativos. De outro passo, aludidos

    dogmas asseguram uma boa administrao, que se materializa na correta

    gesto dos negcios pblicos e do manejo dos recursos pblicos, entendidos

    como dinheiro, bens e servios, visando o interesse coletivo, com o qual se

    assegura administrados o seu direito a prticas administrativas consideradas

    honestas e probas. cedio, arrimando-se nas ponderaes vertidas acima,

    que os princpios explicitados no caput do artigo 37 so os da legalidade, da

    impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficincia. Entrementes,

    outros defluem dos incisos e pargrafos do mesmo dispositivo, como a da

    licitao, da prescritibilidade dos ilcitos administrativos e o da responsabilidade

    civil das pessoas jurdicas de direito pblico.

    Nesta toada, ainda, como bem destacou o Ministro Luiz Fux, ao

    relatoriar o Agravo Regimental no Recurso Especial N880.955/RS, a

    Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 no se apresenta como

    um mero objeto de ornamentao nem to pouco um museu de princpio ou um

    conjunto incuo de preceitos e mandamentos. Ao reverso, em decorrncia de

    seus axiomas e basties alicerantes, a Lei Maior reivindica a real efetividade

    de suas normas. Destarte, na aplicao das normas constitucionais, a exegese

    deve partir dos princpios fundamentais, para os princpios setoriais. E, sob

    esse ngulo, merece destaque o princpio fundante da Repblica que destina

    especial proteo a dignidade da pessoa humana16. Verifica-se, desta

    15 CARVALHO FILHO, 2010, p. 34. 16 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Agravo Regimental no Recurso Especial n 880,955/RS. Processual Civil. Agravo Regimental. Procedimento Cirrgico. Descumprimento da deciso judicial de antecipao de tutela. Bloqueio de verbas pblicas. Medida executiva. Possibilidade, in casu. Pequeno valor. Art. 461, 5., do CPC. Rol exemplificativo de medidas. Proteo constitucional sade, vida e dignidade da pessoa humana. Primazia sobre princpios de direito financeiro e administrativo. Novel entendimento da E. Primeira Turma. [...] 4. Os direitos fundamentais vida e sade so direitos subjetivos

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  • 9

    maneira, que os preceitos e corolrios positivados no Texto Constitucional, tal

    como os dispositivos que ambicionam a promoo do superprincpio da

    dignidade da pessoa humana reclama concretude de atuao, notadamente no

    que concerne aos direitos fundamentais do indivduo.

    Calcado em tais ponderaes, possvel colocar em destaque que o

    corolrio da especialidade, na condio de vetor de conformao da atuao

    da Administrao Pblica, decorre dos axiomas da legalidade e da

    indisponibilidade do interesse pblico, propiciando a estruturao de uma tica

    que permite a descentralizao administrativa. verificvel a incidncia dos

    postulados contido no cnone ora comentado quando o Estado cria pessoas

    jurdicas pblicas administrativas, como ocorre com as autarquias, a fim de

    descentralizar a prestao de servios pblicos, com o escopo de promover a

    especializao de funo, a lei que cria a entidade estabelece com preciso as

    finalidades que lhe incumbe atender, de tal modo que no sabe aos seus

    administradores afastar-se dos objetos definidos na lei17. Tal fato deriva da

    premissa que os administradores no detm a disponibilidade dos interesses

    pblicos. Com o fito de ilustrar o acinzelado, possvel trazer colao o artigo

    2 da Lei N. 7.735, de 22 de Fevereiro de 1989, que dispe sobre a extino

    de rgo e entidade autrquica, cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

    dos Recursos Naturais Renovveis e d outras providncias, que compreende

    inalienveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrtico de Direito como o nosso, que reserva especial proteo dignidade da pessoa humana, h de superar quaisquer espcies de restries legais. No obstante o fundamento constitucional, in casu, merece destaque a Lei Estadual n. 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispe em seu art. 1.: "Art. 1.. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que no puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensveis ao prprio sustento e de sua famlia. Pargrafo nico. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com frequncia e de forma permanente, sendo indispensveis vida do paciente." 5. A Constituio no ornamental, no se resume a um museu de princpios, no meramente um iderio; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicao das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princpios fundamentais, para os princpios setoriais. E, sob esse ngulo, merece destaque o princpio fundante da Repblica que destina especial proteo a dignidade da pessoa humana. 6. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prtico equivalente ao que obteria se a prestao fosse cumprida voluntariamente. O meio de coero tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrncia do devedor. O Poder Judicirio no deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgncia da situao a entregar medicamentos imprescindveis proteo da sade e da vida de cidado necessitado, revela-se indiferente tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados. [...] 9. Agravo regimental desprovido. rgo Julgador: Primeira Turma. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 02.08.2007. Publicado no DJe em 13.09.2007, p. 168. Disponvel em: . Acesso 30 jun. 2013. 17 DI PIETRO, 2013, p. 69.

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    o objetivo da entidade autrquica criada:

    Art. 2

    o criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurdica de direito pblico, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministrio do Meio Ambiente, com a finalidade de: I - exercer o poder de polcia ambiental; II - executar aes das polticas nacionais de meio ambiente, referentes s atribuies federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, autorizao de uso dos recursos naturais e fiscalizao, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministrio do Meio Ambiente; e III - executar as aes supletivas de competncia da Unio, de conformidade com a legislao ambiental vigente18.

    Neste aspecto, possvel colocar em destaque que a

    descentralizao o fenmeno pelo qual o Estado cria, a partir da lei, outras

    entidades distintas, pessoas jurdicas administrativas a fim de prestarem

    determinados servios pblicos de forma autnoma e especializada. Assim, o

    princpio da especialidade o fundamento para a descentralizao. Conquanto

    o dogma em comento seja comumente aplicado s autarquias, inexiste bice

    para negar a sua incidncia s demais pessoas jurdicas, institudas por

    diplomas legislativas, para integrarem a Administrao Pblica Indireta. Em

    consonncia com o arvorado por Pinto, de acordo com o princpio da

    especialidade, as entidades estatais no podem abandonar, alterar ou

    modificar as finalidades para as quais foram constitudas19. Ao lado disso,

    cuida salientar que sobreditas entidades sempre estaro vinculadas aos fins

    que motivaram a sua criao. Consoante clara dico agasalhada na redao

    dos incisos XIX20 e XX21 do artigo 37 da Constituio da Repblica Federativa

    18 BRASIL. Lei N. 7.735, de 22 de Fevereiro de 1989. Dispe sobre a extino de rgo e entidade autrquica, cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis e d outras providncias, Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013. 19 PINTO, Alexandre Guimares Gavio. Os Princpios mais relevantes do Direito Administrativo. Revista da EMERJ, v. 11, n 42, 2008, p. 131-142. Disponvel em: . Acesso em 30 de jun. 2013, p. 137. 20 BRASIL. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013: Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte: [omissis] XIX somente por lei especfica poder ser criada autarquia e autorizada a instituio de empresa pblica, de sociedade de economia mista e de fundao, cabendo lei complementar, neste ltimo caso, definir as reas de sua atuao. 21 BRASIL. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: . Acesso em 30 jun. 2013:

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    do Brasil de 1988, necessrio que as mencionadas pessoas sejam institudas

    por lei ou por ela autorizadas, sendo defeso que haja o desvirtuamento dos

    objetivos legalmente definidos.

    No que pertine sociedade de economia mista, existe norma

    expressa, abarcada no artigo 237 da Lei N. 6.404, de 15 de Dezembro de

    1976, que dispe sobre sociedades por aes, explicita que a companhia de

    economia mista somente poder explorar os empreendimentos ou mesmo

    exercer as atividades previstas na lei que lhe autorizou a constituio. Ao

    versar acerca do tema, Di Pietro aponta que nem mesmo a Assembleia Geral

    de acionistas pode alterar esses objetivos, que so institucionais, ligados a

    interesse pblico indisponvel pela vontade das partes interessadas22. Nesta

    esteira, ao debruar-se sobre a proeminncia do princpio da especialidade na

    Administrao Pblica, verifica-se que o dogma em testilha apresenta-se como

    bastio motivador da descentralizao administrativa, atrelando, inclusive, a

    atuao das autarquias e as sociedades de economia mista aos fitos que

    ensejaram suas respectivas criaes ou autorizaes legais.

    Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte: [omissis] XX - depende de autorizao legislativa, em cada caso, a criao de subsidirias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participao de qualquer delas em empresa privada. 22 DI PIETRO, 2013, p. 70.

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    REFERNCIAS:

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