Clara Vaz Pinto

March 27, 2014 2 SEMINRIO TURISMO E PATRIMNIO CULTURAL | OPORTUNIDADES E DESAFIOS

Painel 1 Equipamentos Culturais: Museus, Monumentos e Stios Pgina 1

Do valor sua percepo: uma reflexo para o Museu Nacional do Traje

Clara Vaz Pinto

O Museu Nacional do Traje, criado em 1976, distingue-se pela singular conjugao do

patrimnio que lhe foi afecto uma antiga quinta de recreio setecentista onde, num

dos palcios a existentes, se encontra sedeado e das coleces que esto na sua

gnese.

Falamos de uma propriedade sentida ento e ainda agora como estando na

periferia da cidade de Lisboa, como refere Natlia Correia Guedes1 a propsito da

possvel instalao, em 1974, do ento denominado museu de instrumentos musicais

na quinta do monteiro-mor, proposta essa inviabilizada pela recusa da Comisso

Directiva do Conservatrio em aceitar instalaes fora de Lisboa, nas palavras da

referida autora.

1 Natlia Correia Guedes, Museu Nacional do Traje | Elementos para a histria da sua organizao 1969-1979, APOM, Vila Viosa, 1988



Esta propriedade murada a quinta do monteiro-mor -, com cerca de 11 ha que

correspondem a diferentes tipologias de espaos verdes, conta com dois palacetes de

poca, um ento em runas e que hoje alberga o Museu Nacional do Teatro e outro o

Palcio Angeja-Palmela - que alberga as coleces e servios do Museu Nacional do

Traje, entidade que responsvel pela gesto do espao verde, hoje conhecido como

parque botnico do Monteiro-Mor.

O Museu Nacional do Traje pois uma organizao rica de patrimnio:

- patrimnio cultural: uma coleco de traje e acessrios



- patrimnio arquitectnico: um palcio



- patrimnio natural: um parque

Neste quadro, o que estrutura e d corpo nossa misso , essencialmente, a

preocupao em garantir a acessibilidade a este patrimnio e reforar os laos a uma

comunidade entendida no apenas do ponto de vista estrito da geografia, mas de

relacionamentos (afectos, especialidade, vizinhana ), que aprecia e tem interesse

pelo Museu Nacional do Traje.



Contudo, implica tambm procurarmos os nossos no pblicos ainda! e levar-lhes a

ideia / a percepo do valor da instituio e mesmo tentar criar a inteno da visita

ajudando a concretiz-la, tanto quanto esteja na nossa mo faz-lo.

Pblicos e no-pblicos constituem uma entidade abstracta e desconhecida temos

estatsticas de bilhtica mas no de visitantes, enquanto pessoas que utilizam um ou

mais dos servios que o Museu proporciona - contudo podemos arriscar a identificao

das motivaes que trazem os pblicos visitantes at ao Museu Nacional do Traje

agrupadas genericamente em trs ordens de razo:

lazer (turistas, lato sensu),

aprendizagem (escolas ao nvel do secundrio)



e razes de ordem tcnica ou de especialidade (rea de museus do traje ou com

coleces de traje ou da rea do vesturio e moda).

Que valor encontram estes pblicos nesta visita ao nosso espao?

falta de estudos de pblico, como referido acima, temos uma fonte de informao

interessante embora, obviamente, a sua anlise tenha que ser feita com esprito crtico

refiro-me aos livros dos visitantes, onde qualquer um que nos visite nos pode deixar

o seu comentrio.



uma tradio que arrancou ainda com a exposio do Traje Civil, realizada no Museu

Nacional de Arte Antiga (Janeiro de 1974) e que se tem mantido embora no

tenhamos todos os exemplares pois alguns perderam-se irremediavelmente nas vrias

inundaes que o edifcio tem sofrido at actualidade para a visita s exposies e

descontinuada uma opo a corrigir! para a visita ao parque.

A primeira percepo que o folhear destes livros nos transmite - e, repito no nos

esqueamos nunca que mais fcil escrever coisas simpticas do que as-que-nem-

tanto - a da valorizao intrnseca positiva que a esmagadora maioria dos visitantes

que escreve a sua opinio nos transmite: amei, adorei, gostei, supresa, etc so termos

recorrentes e repetidos em diferentes tons e sentimentos, de uma forma mais

sinttica ou mais elaborada:



Valor intrnseco esse por vezes associado a uma aco, a uma inteno futura:



Contudo nem sempre o valor intrnseco de sinal positivo, podendo manifestar-se

claramente negativo:

ou o sentimento negativo percepcionado por esse visitante pode ser expresso de

forma algo mitigada:

Em qualquer dos casos, a sua frequncia absolutamente irrelevante na apreciao

global, pois a percepo negativa sistematicamente superada por algo positivo e da

nasce ainda o que deve ser visto como uma contribuio positiva de relevo a



capacidade de identificar reas de melhoria e de expressar uma sugesto, de

contribuir para a melhoria o que denota um envolvimento e um interesse pelo

Museu:

A percepo negativa, quando baseada numa avaliao exclusivamente subjectiva, ,

para ns, difcil de interpretar por incapacidade total de identificar a causa.



Usualmente, o comentrio negativo extremamente direcionado, o que significa

claramente que a visita, por causa do mau servio percepcionado, ficou aqum das

expectativas uma questo de qualidade do servio prestado, algo a ter

absolutamente em ateno, mesmo que as opinies dos visitantes sejam divergentes:

Estes registos de carcter negativo, no sendo nunca de escamotear, tm a enorme

potencialidade de criar uma ligao ao dar voz ao visitante, seja o seu comentrio uma

mera opinio negativa ou nem tanto, o visitante pode dizer isso mesmo ao Museu,

sua equipa pode transmitir livremente a sua opinio, assinar ou no assinar, como

entender!



Que fazer com estes comentrios?

Obviamente, procurar compreend-los, avaliar a sua pertinncia e a nossa capacidade

de resposta ou seja, se algo que esteja na nossa mo ou se nos ultrapassa.

No caso das tabelas das peas, as actuais foram implementadas recentemente e

cumprem as regras de acessibilidade. A sua colocao, juntamente com o problema da

iluminao museogrfica, tornam a leitura difcil se estvamos muito contentes

quando as ensaimos e implementmos, percebemos pela leitura posterior do Livro de

Visitantes que tnhamos de repens-las e, neste momento, j temos uma proposta

pronta para avaliao do responsvel pela museografia.

No tocante ao edifcio e porque as referncias ao seu estado de conservao so

recorrentes:

a convivncia dos visitantes com as campanhas de obras usualmente pacfica.



Alm do projecto de iluminao museogrfica ou das campanhas de obras necessrias,

que nos transcendem, h um outro comentrio que recorrente:

e que, muitos anos depois e num outro registo, parece ainda ecoar o relato de Natlia

Correia Guedes, referido no incio.

Aparentemente uma situao fora da nossa capacidade de interveno?

Alm do valor intrnseco, tambm o valor instrumental transparece com elevada

frequncia. Na fonte em referncia, sobretudo positivo :



e ocorre com frequncia associado ou s visitas guiadas ou s actividades,

especialmente as do 18.Maio:

Obviamente este gnero de comentrios e, sejamos sinceros, a sua abundncia

reforam o valor institucional que ns, profissionais de museus e deste Museu em

particular, reconhecemos ao patrimnio cultural e aos museus e interpretamos como

uma validao:

- validao da importncia, do valor das coleces para quem as

conhece e olha de forma muito particular

- validao das nossas opes:



- validao do resultado visvel do nosso trabalho:

Este tipo de comentrios, de valor mais intrnseco ou mais instrumental implica, por

parte dos pblicos visitantes, uma validao da razo de ser e da existncia dos

museus:



E est usualmente associado a uma oferta de qualidade e com impactos [outcomes] de

carcter social.

E, embora o reconhecimento do valor intrnseco signifique a disponibilidade da

sociedade para manter estas instituies, esta mesma disponibilidade e este mesmo

valor - eventualmente pela dificuldade da sua medio no so usualmente

percepcionados ou ouvidos pelos decisores polticos como tal: uma validao (que

no igual a perfeio) da existncia dos museus, afirmada pelos primeiros

interessados, os nossos visitantes:



A vantagem dos Livros de Visitantes reside na possibilidade de ouvirmos.

Ouvirmos as crticas, ouvirmos as sugestes, pensar novas linhas de trabalho, pensar

projectos em novas linhas.

Identificarmos propostas que criem valor para pblicos e outros interessados e no

necessariamente olhando apenas para dentro da instituio, mas para o territrio em

que se insere.

Pblicos e no-pblicos circulam num territrio fsico e virtual vasto e sobre este

territrio que preciso trabalhar, compreendendo as barreiras e os constrangimentos

que oferece e trabalhando-o para benefcio dos potenciais pblicos.

E estando este Museu sedeado numa das muitas quintas de recreio que envolviam a

cidade de Lisboa, torna-se bvio que o seu territrio fsico imediato o da cidade de

Lisboa.

Olhar este territrio tambm olhar a acessibilidade deste Museu na cidade, partindo

do que escutmos/lemos no Livro de Visitantes e das interrogaes e inquietaes que

nos deixa e, alinhando com o tema deste seminrio e com o pedido para este painel,

reconhecendo um leit-motiv confirmando sempre, confirmando ainda, quase volvidos

40 anos!, o que j Natlia Correia Guedes referia ser um constrangimento em 1975,

um percurso que o jornal Pblico, nos idos anos 80/90 (salvo erro) considerava um

ddalo e que ainda ontem, mesmo com o google maps e o gps uma visitante polaca

nos confirmou que no era fcil ... mas tambm afirmou que voltaria ainda este ano!



Trinta e oito anos depois, o constrangimento o mesmo:

the trouble we had finding you!

Estar para alm das nossas capacidades? foi uma interrogao recorrente para ns,

durante algum tempo.

Ouvir e olhar para este territrio levou-nos a criar um projecto que queremos assente

no trabalho em rede e em parceria e que oferece ao potencial visitante o conforto da

preparao da sua visita com tempo e tranquilidade.

Linha Amarela foi o nome com que nasceu mas tambm responde por Lisboa n1 Linha:

Neste projecto procura-se oferecer ao turista do shortbreaks alternativas s

microcentralidades em termos tursticos ao longo do eixo ribeirinho e propor-lhe

descobrir outra cidade e outro patrimnio utilizando um meio de deslocao rpido e

eficiente a Linha Girassol ou Linha Amarela do Metropolitano de Lisboa.



Patrimnio museolgico, arquitectnico e natural, oferta de servios (das casas ou em

parcerias) tudo conjugado com o patrimnio artstico das estaes do Metro e

cruzando a histria da prpria cidade e do pas.

Ao abrir a participao oferta de servios no s das casas, mas tambm noutras

vertentes (visitas guiadas cidade, picnis no parque) estamos a criar valor para os

interessados, no s atravs do desenvolvimento de novos modelos de negcio

empresarias ou pela explorao de nichos de mercado, mas estamos tambm a criar

valor para os decisores polticos.

Estamos a trazer novas dinmicas para o Museu e novos relacionamentos.



Mas, sobretudo, ao concentrar a informao relativa num nico local ou aplicao,

estamos necessariamente a criar valor instrumental para o turista e a predisp-lo para

que o impacto do valor intrnseco seja positivo assim se mantenha a qualidade do

servio prestado e consigamos visitantes to bem predispostos como este menino que

veio com os avs e, ainda antes de entrar, nos deixou este registo:

Resumindo, o projecto agora apresentado visa o reforo da acessibilidade dos turistas

residentes e no residentes atravs da implementao de um projecto TIC que

disponibilizar informao e servios ligados a um percurso de turismo cultural e da

natureza directamente utilizando uma infraestrutura pr-existente, ela prpria

amplamente qualificada enquanto patrimnio contemporneo.

Este modelo de negcio no visa a criao de receita directa para os museus esta

ser obtida atravs dos ingressos e do consumo nas lojas dos equipamentos culturais

envolvidos ou na contratualizao dos servios associados. Para os museus, a proposta

de valor assenta sobretudo na dinamizao de um projecto que aumenta a sua

visibilidade e acessibilidade.

Para os empreendedores que se associarem a este projecto com o fornecimento de

servios, a proposta de valor permite-lhes incrementar os seus negcios nas

respectivas reas e tambm poderem trabalhar com parceiros estveis os 3 museus

ncora e o operador de transportes.



Para os visitantes, a proposta de valor reside na possibilidade de explorarem a cidade e

o seu patrimnio de uma forma fcil usando uma linha de metropolitano e na

possibilidade de contratarem produtos ou servios ainda antes de iniciarem a viagem,

acrescentando um valor de conforto e intimidade viagem.

Sobretudo para os visitantes estrangeiros, reside na possibilidade de usufrurem de um

acesso fcil a uma srie de comodidades numa cidade desconhecida. A visita torna-se

numa experincia nica, porque lhe permite desenh-la sua medida, integrando as

visitas e os servios que mais lhe convier.

E que o valor percepcionado pela qualidade da ferramenta, pela excelncia do(s)

servio(s) usufrudos o leve a voltar, qualquer que seja a razo:

E, se a facilitao das condies da visita for conseguida, o turista visitante ter

percecionado o valor instrumental desta ferramenta e predispor o mesmo turista

visitante a encontrar tambm valor intrnseco no patrimnio cultural e nos museus e

a valid-los por isso mesmo.

Cabe-nos a ns, profissionais de museus, perceber esse valor, medi-lo, document-lo e

exp-lo para que esse mandato possa ter eco.

Este um projecto desafiante porque desenhado no quadro de uma Administrao

Pblica com uma cultura organizacional extremanente centralizadora, de no

confiana e de no capacidade de exigir responsabilidade (porque no delega) na

esfera da hierarquia tcnica.



Todavia nesta mesma Administrao Pblica que encontramos, nas equipas em

sentido lato e nas equipas locais, uma enorme disponibilidade e motivao.

Por isso ... porque no tentar?

Clara Vaz Pinto

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