Classe social e opção partidária

download Classe social e opção partidária

of 80

Transcript of Classe social e opção partidária

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    1/80

    CLASSE SOCIAL E OPO PARTIDRIA: AS ELEIES DE 1976EM JUIZ DE FORA

    Fbio Wanderley Reis

    1. Introduo: As eleies e o problema institucional

    A fluidez do processo poltico brasileiro com frequncia prepara

    armadilhas para o analista, mas por vezes tambm o auxilia. No muito

    tempo atrs, a preocupao de realizar estudos a respeito de eleies no

    Brasil tinha de enfrentar, em certos setores, uma atitude de ceticismo que

    podia pretender justificar-se por aspectos do cenrio poltico do pas que se

    diriam bvios. Trata-se, afinal, de um regime autoritrio, assentado no

    recurso a instrumentos de coero incontrastveis e presumivelmente capaz

    de mobilizar tais instrumentos de forma a neutralizar a manifestao de

    preferncias eleitorais que eventualmente se oriente em direes

    incompatveis com os desgnios do ncleo de poder que o sustenta. A

    realizao de eleies no representaria seno um ritual pseudodemocrtico

    para efeito de imagem externa e de manipulao interna. As crises quepudessem decorrer de resultados eleitorais adversos no fariam mais do que

    sinalizar para os titulares do poder autoritrio a necessidade de reativao

    dos dispositivos de segurana do regime, os quais, tendo se mostrado

    durante longos anos eficazes em garantir sua preservao, estariam agora,

    ao cabo de um perodo em que se desenvolveram e sofisticaram, em

    melhores condies para o cumprimento da tarefa. A isso se poderia

    acrescentar o que se costuma descrever como a falta de conscincia

    Captulo IV do volume Os Partidos e o Regime: A Lgica do Processo Eleitoral Brasileiro, organizadopor Fbio W. Reis e tendo como coautores Bolivar Lamounier, Olavo Brasil de Lima Jr., HlgioTrindade, Judson de Cew e Fbio W. Reis (So Paulo: Editora Smbolo, 1978), com base em surveyexecutado em colaborao em Presidente Prudente, Niteri, Caxias do Sul e Juiz de Fora por ocasio daseleies municipais de 1976. O projeto teve o apoio financeiro da Fundao Ford. A pesquisa em Juiz deFora, que serve de referncia principal a este texto, contou com a ajuda de Rubem Barboza Filho, quecolaborou em todas as fases do projeto, alm de trazer a colaborao inestimvel de sua vivncia da

    poltica de Juiz de Fora, e de Amilcar Vianna Martins Filho, que, alm de participar da elaborao doquestionrio e do treinamento dos entrevistadores, foi um dedicado e eficiente supervisor de campo. AUniversidade Federal de Juiz de Fora e especialmente a professora Helena Mendes Meireles prestaram

    igualmente decisivo apoio intelectual e logstico ao projeto. Com a colaborao de Rubem Barboza Filho.

    1

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    2/80

    poltica do eleitorado brasileiro, que, apesar da ocorrncia de fatores mais

    ou menos circunstanciais ou permanentes de insatisfao, asseguraria o

    xito dos esforos propagandsticos e de manipulao simblica e permitiria

    manter a taxa de coero direta dentro de limites viveis.

    Na perspectiva de 1978, entretanto, essa posio se defronta com

    uma primeira dificuldade na simples observao da ressonncia crescente

    das disputas eleitorais no processo poltico brasileiro dos ltimos anos.

    Basta comparar o interesse despertado pelo pleito municipal de novembro

    de 1976 com o no-evento representado pelas eleies do mesmo tipo

    realizadas em 1972, por exemplo, para que se perceba que a histria

    eleitoral do perodo ps-64 envolve aspectos que aquela avaliao deixa nasombra. Se nos detemos, porm, a examinar o diagnstico do quadro

    poltico brasileiro que ela encerra, vemos que a se destaca o que se passa

    em dois planos desse quadro e a articulao que entre eles se estabelece, e

    que temos nisso uma boa via de acesso apreenso talvez mais adequada

    das conexes entre o processo eleitoral e o problema institucional brasileiro.

    O primeiro plano tem a ver com os mecanismos em operao

    interiormente ao prprio ncleo de poder autoritrio e seu aparato de

    sustentao. A questo crucial aqui a de saber se tais mecanismos so de

    molde a assegurar a preservao do regime independentemente do grau de

    apoio popular com que possa contar o qual teria no processo eleitoral a

    forma mais importante de se manifestar ou, ao contrrio, se seria possvel

    desvendar, no interior do prprio sistema, a atuao de fatores que

    acarretariam a exigncia de maior sensibilidade opinio pblica e s

    aspiraes populares do que a que se tem expressado em esforos de

    propaganda. O segundo plano diz respeito precisamente s disposies

    existentes no seio do eleitorado e ao significado efetivo a lhes ser atribudo

    no que se refere s perspectivas de que um regime da natureza do que se

    encontra atualmente em vigor no pas venha a ser objeto de aquiescncia e

    legitimao, como condio para sua estabilizao institucional em termos

    compatveis com os desgnios fundamentais do projeto autoritrio.

    2

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    3/80

    A esta altura, dificilmente a primeira parte dessa dupla indagao

    comportaria mais de uma resposta. J so sobejamente claros os problemas

    relativos manuteno da coeso interna do sistema nas condies

    prprias do governo autoritrio, em que a corporao militar, como

    decorrncia de seu predomnio incontrastado e de seu papel como fonte

    principal de recrutamento das lideranas polticas decisivas, passa a

    constituir-se em um organismo exposto competio e dissenso internas.

    Problemas de ortodoxia revolucionria e de decidir quem ou que setores,

    em determinadas circunstncias, falam em nome dos verdadeiros interesses

    do regime tendero ento a acirrar-se, emergindo de maneira crtica nas

    questes ou nos momentos em que esteja envolvido o problema sucessrio.

    A tendncia bastante clara parece ser a de que tais dificuldades se agravem

    com o passar do tempo, por um lado como consequncia de interesses

    criados e frustraes acumuladas entre os componentes do ncleo mais

    ntimo de poder, por outro em decorrncia do prprio xito do sistema em

    implantar e desenvolver o aparato destinado a garantir sua segurana, o qual

    termina por erigir-se, em alguma medida, em ncleo autnomo com

    pretenses de ditar a ortodoxia do regime.

    Torna-se, assim, problemtico qualquer projeto que pretenda

    assegurar a institucionalizao ou regularizao do processo poltico e

    garantir, ao mesmo tempo, a continuidade sem retoques da situao de

    predomnio incontrastado e incontrastvel da corporao militar. A sada da

    abertura ou distenso, que aparece ciclicamente como proposta dos

    escales mais altos do regime e se encontra agora consagrada no projeto de

    reformas, parece corresponder antes que aos pruridos democrticospessoais de tal ou qual lder resposta a problemas inerentes ao prprio

    regime autoritrio: na medida em que assegure a expanso da esfera dentro

    da qual se desenvolve o processo poltico, favorecer ela a coeso interna

    da corporao militar, como componente decisivo do sistema, ao

    propiciar o elemento de contraste e ao reduzir os prmios oferecidos

    participao bem sucedida na competio que se trave interiormente s

    foras armadas. Essa estratgia, porm, envolve claramente os seus prpriosriscos, sobretudo o de levar, como presentemente se observa, as fissuras

    3

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    4/80

    potencialmente existentes no interior do sistema a se traduzirem em

    articulaes entre setores da corporao militar e da sociedade civil. Do

    ponto de vista do sistema agrava-se, assim, o problema que se trata de

    resolver, com o perigo de comprometer-se de vez a possibilidade de atuao

    efetiva por parte das foras armadas que decorre de sua autonomia ou

    insulamento e coeso. Talvez mais importante, contudo, o fato de que,

    ainda que esse perigo mais srio para o regime possa ser evitado,

    extremamente problemtico o objetivo de conter qualquer tentativa de

    abertura dentro de moldes e limites compatveis com a opo

    constitucional ou com a frmula poltica bsica em vigor, a qual tem

    como caracterstica central a exigncia de restries estritas e de controle

    sobre a maneira como se h de dar a participao poltica dos setores

    populares. Pois, nas condies que caracterizam atualmente a estrutura

    social do pas, qualquer arranjo institucional que em algum momento d

    voz ao eleitorado (e como pensar em sada que permita superar os dilemas

    da coeso interna e exclua a consulta ao eleitorado?) no poder deixar de ser sensvel

    aos setores populares majoritrios, tendendo fatalmente a

    reincorporar ao processo poltico alguns dos ingredientes do antigo e

    proscrito populismo.

    A concluso que parece desprender-se disso a de que dificilmente

    haver sada para os problemas do regime fora de alguma forma de

    legitimao do mesmo aos olhos do eleitorado, como condio para que se

    minimizem os riscos da abertura. Seria concebvel que esse esforo de

    legitimao se orientasse na direo de criar para o regime perspectivas de

    evoluo em que, atravs da combinao de concesses efetivas e maiorsensibilidade aos problemas e demandas populares com esforos

    intensificados de manipulao simblica, pudesse ele prprio vir

    eventualmente a beneficiar-se das caractersticas do eleitorado brasileiro

    que tornaram possvel o populismo no pas e que parecem fazer dele ainda

    um resultado provvel se se altera o quadro poltico-institucional. Sem

    entrar a discutir o significado que caberia atribuir a uma evoluo desse

    tipo, numa perspectiva de mais curto prazo trs possibilidades parecemexistir, apreciadas as coisas do ponto de vista meramente lgico: ou o

    4

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    5/80

    regime, diante das ameaas de dissenso e das presses em favor da

    abertura total, rearticula-se pelo recurso aos instrumentos de coero e

    reafirma sua face mais dura; ou se impem as demandas de democratizao

    plena, valendo-se da ativao das fissuras na base de sustentao militar do

    regime; ou um compromisso se obtm, possivelmente em torno de algum

    programa de reformas moderadas. No primeiro caso adiam-se, ao preo de

    seu agravamento, os problemas que a anlise tenta mostrar, e abrem-se

    talvez as portas para experincias que combinem mobilizao e

    manipulao. No segundo, naturalmente, os eleitores brasileiros tero

    presena decisiva. No terceiro assistiremos, por prazo indefinido, a more of the same

    isto , a busca tensa e cclica de legitimidade e controle. Em qualquer

    eventualidade, porm, conhecer a maneira como se estrutura o eleitorado e

    as disposies que manifesta tarefa que se impe.

    ***

    Se partimos dos debates ps-eleitorais sobre qual dos partidos

    realmente venceu as eleies municipais de 1976, as evidncias

    disponveis quanto s inclinaes do eleitorado brasileiro podem parecer,

    primeira vista, bastante complexas e sinuosas, sugerindo um quadro algo

    catico. Essa impresso comea a modificar-se, contudo, quando se

    ponderam alguns pontos. Em primeiro lugar, as mesmas dvidas poderiam

    justificar-se, vistas as coisas de certo ngulo, com respeito aos resultados de

    1974. Argumentos sobre quem ganhou foram efetivamente esgrimidos a

    propsito daquelas eleies, j que, em termos partidrios, os padres de

    votao para o Senado, a Cmara Federal e as Assembleias Legislativascom frequncia diferem. Em segundo lugar, a questo dos critrios para se

    falar em vitria de um ou outro partido no ltimo pleito j havia surgido

    bem antes da data das eleies precisamente porque j se podia prever com

    antecipao muito do quadro que efetivamente resultou da apurao dos

    votos: a vitria do MDB em certos Estados e nos grandes centros e o

    predomnio da ARENA nos pequenos municpios do interior. Finalmente,

    h uma bvia congruncia entre os dois pontos anteriores, no sentido de quemuitos dos mecanismos que atuaram para reduzir a consistncia partidria

    5

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    6/80

    dos votos para os diferentes nveis em 1974 so justamente aqueles que

    permitiram antecipar com bastante segurana os resultados das ltimas

    eleies municipais, e as disposies introduzidas pela Lei Falco com

    respeito campanha eleitoral no visavam seno garantir e intensificar sua

    eficcia.

    H, assim, apesar de que 1974 tenha sido visto com boas razes

    como um expressivo triunfo do MDB (pelos resultados obtidos sobretudo

    ao nvel da eleio para o Senado) e de que 1976 tenha revelado a conquista

    pela ARENA do maior nmero de votos e de prefeituras, um claro elemento

    de continuidade entre os dois eventos, e o aparente paradoxo a envolvido

    no mais do que aparente. O padro subjacente, que transparece comindiscutvel nitidez, o que j foi sobejamente ressaltado por jornalistas e

    cientistas polticos: o ncleo de inconformismo no panorama poltico

    brasileiro da atualidade est representado sobretudo pelos polos dinmicos e

    modernos da vida brasileira correspondentes s regies urbanizadas,

    industrializadas e em expanso, nas quais se concentram grandes

    contingentes populacionais, enquanto os padres que tradicionalmente

    caracterizaram a estrutura clientelstica de nossa vida poltica seguem emoperao nos municpios do interior e nas regies mais atrasadas, fazendo

    destas o reduto principal em que podem pretender eficcia os mecanismos

    propagandsticos e de controle disposio do regime.

    Reconhecido esse fato, porm, sobra muito por ser feito. Onde se

    encontra o limite entre os dois mundos descritos acima de maneira polar,

    qual a extenso e a natureza da zona de fronteira? Qual o alcance doinconformismo que se expressa nos centros urbanos? Como se articula

    nesse quadro a estrutura de classes sociais, qual o significado real da

    tendncia popular a votar pelo MDB nos grandes centros? Que relevncia

    ter, alm da linha que separa o mundo metropolitano dos centros urbanos e

    o mundo provinciano do interior, o limiar deparado pela juventude ao

    penetrar um universo poltico que no a estimula participao? Que

    consequncias extrair de tudo isso quanto aos prospectos relacionados

    eventual alterao do quadro poltico-partidrio?

    6

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    7/80

    O presente captulo dedica-se a explorar alguns aspectos dessas

    questes, valendo-se principalmente de dados coletados em Juiz de Fora,

    Minas Gerais, por ocasio das eleies de 1976, como parte do projeto de

    pesquisa descrito anteriormente neste volume. Tomando as eleies

    municipais daquele ano sobretudo como ocasio oportuna para o exame de

    problemas que se colocam em plano nacional, a anlise busca com

    frequncia explorar as correspondncias entre as observaes permitidas

    especificamente pelos dados da pesquisa e as relativas a outros momentos e

    lugares. Procura-se combinar, porm, as indagaes de ordem geral com a

    preocupao de dar conta do que se verifica no plano local mesmo porque

    as circunstncias que caracterizam o pleito de 1976 em Juiz de Fora

    emprestam-lhe grande interesse do ponto de vista de questes que se situam

    no plano nacional.

    2. Juiz de Fora: estrutura scio-econmica e retrospecto poltico-partidrio

    Foram dez anos de predomnio emedebista em Juiz de Fora, de 1966

    a 1976. Durante uma dcada, a cidade gozou da fama de uma inflexvel

    alma oposicionista, traduzida em um senador, vrios deputados federais e

    estaduais, prefeitos e vereadores abenoados pela sigla do MDB. Nas

    ltimas eleies municipais, entretanto, Juiz de Fora mostrou que ou no

    to oposicionista assim, ou ainda mais oposicionista do que se pensava:

    votou contra o prprio partido de oposio, dando a vitria ARENA.

    Uma das mais importantes cidades de Minas Gerais, Juiz de Fora aliasua condio de municpio industrial de centro comercial de grande

    evidncia. Criada em 1850, teve como atividade econmica bsica o plantio

    do caf, que aos poucos foi sendo substitudo pela pecuria. O esgotamento

    dos solos pela cultura cafeeira, a valorizao dos produtos da pecuria em

    consequncia da expanso urbana e da formao de importantes centros

    consumidores, bem como o desenvolvimento dos transportes, permitiram a

    especializao da rea na comercializao do leite e seus derivados.

    7

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    8/80

    Com uma populao economicamente ativa da ordem de 32 por

    cento, a agricultura conta com 7 por cento da fora de trabalho, baixa

    porcentagem que se explica pelo prprio tipo de atividade primria a

    desenvolvida, a pecuria, que envolve reduzida utilizao de mo-de-obra.

    Por outro lado, o setor tercirio bastante expressivo (58 por cento da

    PEA), principalmente no que se refere s atividades ligadas ao comrcio de

    mercadorias e prestao de servios. A atividade industrial, introduzida no

    sculo XIX, desenvolveu-se graas expanso dos mercados consumidores

    de produtos oriundos da industrializao do leite. Em 1970, segundo dados

    do censo, o setor secundrio representava 35 por cento da PEA, sendo as

    indstrias txteis e de alimentao as que concentravam o maior volume da

    produo (32 e 29 por cento, respectivamente) e empregavam a maior parte

    dos operrios.

    Juiz de Fora conta hoje com uma populao ao redor de 300.000

    habitantes (a estimativa do IBGE para 1975 era de 284.000) e sua taxa de

    urbanizao bastante alta (92 por cento). Sua condio de centro urbano

    importante pode ser ainda atestada por alguns indicadores de

    desenvolvimento social e de bem-estar social manipulados por Vilmar

    Faria.1 Constata-se que 80 por cento da populao de mais de 5 anos sabem

    ler e escrever, ndice alto em comparao com a mdia das cidades

    brasileiras de trinta mil e mais habitantes, que de 69 por cento. Tambm

    significativo o percentual de domiclios servidos pela rede eltrica, que

    de 88 por cento, contra 64 por cento para a mdia das cidades brasileiras da

    mesma categoria.

    Durante muito tempo, a explicao para o amplo predomnio eleitoral

    do MDB em Juiz de Fora apontava para uma generosa herana deixada pelo

    antigo PTB: uma mquina eleitoral bem lubrificada, juntamente com um

    eleitorado em que se inclua um grande contingente de operrios e que se

    achava comprometido com bandeiras populares. Vejamos, porm, um

    pouco da histria poltico-partidria da cidade.

    1

    Vilmar Faria, Uma Tipologia Emprica das Cidades Brasileiras: Uma AnlisePreliminar, So Paulo: CEBRAP, 1975 (mimeografado).

    8

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    9/80

    Juiz de Fora mostrava algumas caractersticas bastante interessantes

    desse ponto de vista. Em primeiro lugar, oferecia um amplo espectro

    partidrio, com cerca de 13 siglas, para um colgio eleitoral, em 1962, de

    aproximadamente 50.000 eleitores. Ao lado dos partidos, havia os

    sindicatos, consideravelmente atuantes e participando ativamente da vida

    poltica regional e federal. Em contrapartida, organizavam-se tambm

    vrias associaes patronais, sempre cortejadas pelos partidos mais

    conservadores. Existiam, ainda, os diversos grupos da Ao Catlica, com

    ampla penetrao na classe mdia e algumas tentativas de atuao na rea

    operria. Funcionavam, alm disso, as associaes de bairros, bastante

    reivindicativas, e as instituies de representao estudantil, sempre ativas.

    Enfim, primeira vista, Juiz de Fora poderia aparecer como uma cidade

    onde as opes ideolgicas conscientes condicionariam o exerccio da

    poltica e do voto. Paradoxalmente, entretanto, dois caciques reinavam

    tranquilos: Adhemar Rezende de Andrade, da UDN e posteriormente do

    PDC, e Olavo Costa, do PSD. Os dois chefes se substituam periodicamente

    no poder, ou desconhecendo ou absorvendo os agrupamentos polticos existentes.

    Se observarmos as eleies municipais em Juiz de Fora a partir de

    1954, vamos encontrar primeiro a UDN como vencedora, elegendo como prefeito

    Adhemar Rezende de Andrade. Em 1958 o PSD retoma as rdeas

    do poder municipal, com Olavo Costa. Em 1962, Adhemar R. de Andrade

    volta a ocupar a Prefeitura, agora elegendo-se pelo PDC, com

    aproximadamente 20.000 votos, dando-se ao luxo de mudar de sigla

    partidria e, assim mesmo, vencer. O vice-prefeito foi eleito pelo PR, depenetrao maior nos limites do Estado. O PSD consegue uns minguados

    1.500 votos, enquanto o PTB chega aos 7.600. O candidato da UDN o

    menos votado, com 644 votos, atrs, inclusive, do PRT. Para provar a fora

    do cacique eleito, basta observar um detalhe: todos os outros candidatos a

    prefeito tiveram votaes menores do que as de seus respectivos vices, o

    que indica que Andrade absorveu votos de todos os outros candidatos a

    prefeito. Em relao Cmara Municipal, a diviso foi a seguinte: 4vereadores para o PTB, 3 para o PSD, 2 para a coligao PRP-PL, 2 para o

    9

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    10/80

    PSP, 2 para o PDC, 1 para o PSB e 1 para o PR. A UDN no conseguiu

    eleger sequer um candidato a vereador.

    bvio que os dados brutos do TRE no permitem alcanar as

    alianas, os rompimentos e as pequenas traies dos grupos polticos. Mas

    permitem, de qualquer forma, constatar que o PTB (apesar de j se haver

    transformado isoladamente na maior fora eleitoral da cidade, como indica

    a distribuio dos votos para vereador) no possua uma mquina eleitoral

    to bem lubrificada assim, ou, se possua, no sabia como utiliz-la, o que

    d no mesmo. Finalmente, pode-se perceber que esta eleio marca o incio

    da decadncia udenista na cidade.

    Em 1966, as eleies municipais j encontram, naturalmente, os

    diversos partidos polticos redivididos nas siglas da ARENA e do MDB. A

    ARENA acolhe os polticos da UDN, grande parte do PSD, do PSP, do

    PDC e do PR. O MDB constitui-se pela unio do PTB com dissidentes

    pessedistas, alm de parte do PDC e do PR, do PSP e outros grupos

    menores, como o PSB, o PRT e o MTR. A principal esperana arenista era

    o vice-prefeito Fbio Nery, transformado em candidato a prefeito, face aosseus 17.000 votos em 1962. O MDB concentra suas expectativas em Itamar

    Franco, do antigo PTB, sigla pela qual tinha obtido 10.000 votos para viceprefeito

    em 1962. Alm destes, os dois partidos preencheram todas as

    sublegendas.

    Os resultados favorecem amplamente o MDB. Num colgio eleitoral

    de 63.301 eleitores, o MDB consegue 35.490 votos dos 40.591 votosvlidos. Itamar Franco o mais votado, com 25.908 votos. Alm do

    prefeito e do vice, o MDB passa a ocupar 9 vagas da Cmara, deixando as

    outras 6 para a ARENA. de se registrar o grande nmero de votos nulos e

    brancos 25% , traduzindo certa resistncia do eleitorado em vestir a

    camisa de fora do AI-2.

    Um dado importante: a estrela de Itamar Franco comea a brilhar,

    enquanto a dos antigos caciques comea a se apagar. Com uma equipecompetente, consegue modificar a face da cidade, solidificando ainda mais

    10

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    11/80

    a posio do MDB. Finalmente, um nmero razovel de vereadores eleitos,

    futuros deputados federais e estaduais, no possua razes muito fortes nos

    antigos partidos.

    Em 1970 o MDB no fez campanha, fez festa antecipada. Itamar

    Franco indica para seu sucessor outro engenheiro e empresrio, Agostinho

    Pestana. A outra sublegenda preenchida por Wandenkolk Moreira, um

    folclrico mas persistente poltico, candidato pela terceira vez. A ARENA,

    desanimada pela perspectiva de uma estrondosa derrota, tenta uma ltima

    cartada: recorre ao velho Adhemar Rezende de Andrade. A outra

    sublegenda preenchida por um mdico, Murilo Sarmento.

    Os resultados, com a percentagem de votos vlidos aumentada em

    relao eleio anterior, so os seguintes: o MDB consegue 51.889 votos,

    contra 20.615 da ARENA. O candidato indicado por Itamar Franco

    inundado com 37.000 votos, enquanto o antigo cacique recebe apenas

    aproximadamente 10.000 votos. A distribuio de vereadores permanece a

    mesma: 9 para o MDB e 6 para a ARENA.

    O nmero de eleitores quase duplica de 1962 a 1970, e a maioria dos

    novos eleitores passa a votar no MDB. A supremacia emedebista ento

    estabelecida na cidade parecia dever-se tanto herana petebista como a

    novos grupos de classe mdia, trabalhados pela Ao Catlica e pelo

    movimento estudantil, bem como a novos contingentes de operrios,

    beneficiados por uma correta administrao municipal. A ARENA,

    vinculada aos setores mais conservadores da cidade, no foi capaz de

    montar uma estratgia para absorver esses grupos, o que explica o fracasso

    do antigo cacique, senhor em outros tempos. Contudo, alguns dados a

    serem apresentados adiante permitiro precisar essas impresses.

    Em 1972, a ARENA tinha praticamente se desintegrado. Acreditando

    numa nova derrota, decide no lanar candidato, no se expondo, portanto,

    ao que parecia o ridculo de enfrentar o candidato natural do MDB, Itamar

    Franco. O partido oposicionista, seguro, d se ao luxo de brigas internas:

    11

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    12/80

    apesar de que ningum se atreva a desafiar Itamar Franco, candidato nico e

    sem necessidade de sublegendas de apoio, ele prprio se atreve a desafiar

    muita gente. Rompe com seu antigo aliado, Agostinho Pestana, prefeito.

    Briga com todos os seus antigos assessores, e atinge ainda alguns

    vereadores. Mas continua o favorito.

    Neste momento, o governador Rondon Pacheco intervm

    energicamente. Se a ARENA no tem nada a perder, nem mesmo o

    prestgio, que concorra. Todos os candidatveis, entretanto, recusam a

    honra. Os grandes se resguardam. O jeito pegar algum com menos a

    perder do que a prpria ARENA. E surge a figura de um obscuro vereador,

    Francisco Antonio de Mello Reis, alcunhado Chico Melado,

    transformado agora num quixote arenista.

    Uma grande campanha de publicidade orquestra em torno do expresidente

    do Diretrio Acadmico da Faculdade de Filosofia da UFJF um

    coro de incisivos refres e promessas aparentemente longe do alcance

    emedebista: renovao, vinculao ao governo federal, mais verbas

    estaduais, retomada da industrializao. Mello Reis subitamente a

    personificao de um poltico sedutor, corajoso e capaz. O MDB, assustado,

    vai para a retranca. E quase perde o jogo. Itamar Franco consegue se eleger

    com apenas 400 votos de frente, num total de votos vlidos de 83.830. Na

    Cmara, agora com 19 cadeiras, a vantagem emedebista diminui: 11 contra

    8 da ARENA.

    A ARENA ressurge em grande estilo e sua principal estrela MelloReis, ao lado do deputado federal Fernando Fagundes Netto. So polticos

    sem grandes vinculaes com os antigos e, na verdade, os criadores da

    ARENA de Juiz de Fora. E, apesar do desastre de 1974, quando Itamar

    Franco consegue se eleger para o Senado e o MDB consegue a maioria de

    votos em Juiz de Fora, a ARENA continua a se preparar. Mello Reis funda

    um jornal semanal e estabelece um cronograma de visitas que lhe permita

    chegar a todos os pontos e setores da cidade.

    12

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    13/80

    Do lado do MDB, as coisas tendem a piorar. Itamar Franco, alado s

    alturas da poltica nacional, abandona a Prefeitura administrao de seu

    vice, Saulo Pinto Moreira. O grupo de Itamar fica to desgastado que no

    consegue colocar sequer um representante no Diretrio Municipal. Alm

    disso, outros dois grupos emedebistas se engalfinham em interminveis

    brigas e discusses.

    A campanha de 1976 comea com a ARENA bem estruturada,

    lanando trs candidatos, embora Mello Reis seja o favorito. Cada um dos

    candidatos arenistas explora supostos pontos fracos do MDB: renovao de

    lideranas, integrao com o governo federal e estadual e atendimento aos

    bairros. O favoritismo de Mello Reis estimula maior coeso das hostes

    arenistas. Os outros dois candidatos, Waldir Bessa e Osmar Surerus,

    aparecem como candidaturas de apoio.

    No MDB, Srgio Olavo Costa, filho do antigo cacique Olavo Costa,

    lana-se candidato. Depois de algum tempo, e em composio com o grupo

    de Itamar Franco, que indica o candidato a vice, Tarcsio Delgado,

    combativo deputado federal, coloca a sua candidatura. A terceira

    sublegenda fica vazia, numa estratgia fatal para o partido oposicionista.

    Poucos dias antes da eleio, o presidente Ernesto Geisel visita a

    cidade e inaugura as obras da Siderrgica Mendes Junior, transformadas em

    doao da ARENA e do governo federal cidade. Nenhum emedebista

    incluindo o prefeito convidado para as solenidades, embora a deciso da

    implantao da siderrgica e os contratos necessrios tenham sido assinadosdurante a gesto de Itamar Franco. De qualquer maneira, a visita

    presidencial rende juros ARENA, que refora ainda mais o seu

    favoritismo. Nas urnas, do total de 112.664 votos para prefeito, o eleitorado

    de Juiz de Fora d 50,7 por cento ARENA (dos quais 50.505 a Mello

    Reis, o candidato vitorioso) e 45,0 por cento ao MDB. A ARENA elege

    ainda 10 vereadores, contra 9 do MDB.2

    2

    Para efeito de comparao, so as seguintes as percentagens obtidas em nossa amostraentre os que tinham condio de votar:

    Pretendiam votar pela ARENA 48%

    13

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    14/80

    3. A identificao partidria e sua significao

    Observemos a Tabela I. Verificamos a existir ntima associao

    entre a preferncia partidria declarada pelos entrevistados e sua inteno

    de voto: somente no caso daqueles que no tm preferncia entre os

    partidos existentes e no pequeno grupo dos que se furtam sequer a

    responder pergunta sobre identificao ou preferncia partidria que as

    respostas tendem a distribuir-se pelas diversas categorias quanto ao voto

    para prefeito; ao contrrio, concentram-se maciamente nas categorias

    correspondentes a ARENA e MDB entre os entrevistados que declaram

    preferir ou sentir-se identificados com o partido respectivo. Do ponto de

    vista de nossas principais indagaes, as observaes permitidas pela Tabela I, so

    bsicas, podendo servir como ponto de partida para os desdobramentos da anlise a ser

    empreendida.

    De certo ngulo, parece banal a informao mais saliente nela

    contida, que acabamos de ressaltar: os que declaram preferir um partido

    votam em sua quase totalidade por esse partido. Afinal, ou se trata de

    preferncias autnticas, cristalizadas talvez ao longo do tempo e

    possivelmente condicionadas por interesses estveis e opes de natureza

    ideolgica, ou, ao contrrio, a preferncia declarada por um ou outro

    partido poderia ser vista como forma diferente de se expressar precisamente

    a deciso de se votar por esse partido, mesmo e sobretudo nos casos em que

    essa deciso seja tomada de maneira algo fortuita ou irracional. De

    qualquer forma, no haveria razo para se esperar seno intensa correlaoentre voto e preferncia partidria, e a tabela no faria mais do que reiterar a

    associao entre as duas variveis repetidamente encontrada em estudos

    Pretendiam votar pelo MDB 36%Indecisos 8%Pretendiam anular o voto ou votar em branco 1%

    No pretendiam votar 2%No responderam 5%

    V-se que h certa discrepncia com os resultados oficiais quanto ao voto pelo MDB. Isso parece indicar

    que a maior parcela dos 8 por cento de indecisos correspondia a eleitores desse partido, o que congruente com o clima arenista que parece ter caracterizado as eleies de 1976 em Juiz de Fora,como veremos.

    14

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    15/80

    anteriores no pas e no exterior.

    Contudo, a alternativa formulada no rigorosamente correta, pois

    podemos dar-nos conta de que ela contempla casos polares entre os quais h

    lugar para diversos outros, que apresentaro matizes variados conforme se

    aproximem de um ou outro extremo. Depois, bastante claro que essa

    alternativa coloca ela prpria um problema de fundamental importncia,

    pois o fato de tratar-se em determinados casos de preferncias autnticas

    ou no ter certamente consequncias polticas relevantes. Assim, a

    estabilidade das preferncias partidrias, entre outros aspectos, se ver

    afetada conforme se trate de um ou de outro caso, ou conforme estejamos

    mais prximos de um polo ou de outro e com ela a permanncia das

    chances de vitria deste ou daquele partido.

    Tabela I Juiz de Fora, 1976: voto para prefeito e preferncia partidria (%)

    VOTO P/ PREFER. PARTIDRIAPREFEITO

    Arena MDB Nenhum NS/NRArena 74 3 26 10

    MDB 1 72 21 7Indecisos 0 3 21 13Nulo/branco 0 0 2 3No vota p/qualquer razo 23 21 28 40NR 2 1 2 27(N) (316) (241) (187) (30)

    Se os dados da Tabela I so examinados a essa luz, a relevncia das

    questes relacionadas natureza das preferncias partidrias e sua

    estabilidade se faz sentir, em primeiro lugar, pela evidncia do predomniode preferncia pela ARENA que se associa vitria desse partido no

    tradicional reduto emedebista representado por Juiz de Fora (comparem-se

    os nmeros absolutos de cada categoria, apresentados entre parnteses).

    Mas ela se revela tambm por certos indcios que permitem apreender como

    que em curso o processo de mudana das preferncias partidrias a

    ocorrido: referimo-nos s maiores perdas marginais que a minoria

    emedebista sofre em comparao com a maioria arenista, sendo mais

    numerosos os emedebistas que se mostram indecisos quanto ao voto ou

    15

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    16/80

    propensos a votarem pelo partido adversrio.

    Alm disso, os dados da Tabela I permitem verificar tambm que

    uma parcela substancial dos entrevistados de nossa amostra(aproximadamente uma quarta parte deles) declara no ter preferncia entre

    os partidos, apesar de que muitos dos que compem essa parcela se

    mostrem prontos a votar por um partido ou outro. Temos a, certamente,

    algo que justifica pelo menos presumir, ao contrrio da sugesto formulada

    acima, que a declarao de preferncia partidria envolve algo mais do que

    a simples deciso, mesmo reiterada, de votar pelo partido correspondente.

    De outro lado, a disperso da inteno de voto que se encontra nestacategoria e o contraste que ela representa com o que deparamos nos casos

    de preferncia declarada por MDB ou ARENA impem a suposio de que

    este algo mais tem importncia decisiva no condicionamento do

    comportamento eleitoral.

    Destarte, o exame da relao entre o voto e a preferncia partidria tal

    como se mostra na Tabela I torna possvel precisar diretamente por

    referncia aos dados da presente pesquisa algumas das questes

    fundamentais que nos orientam. Qual o significado da identificao com

    determinado partido num ambiente poltico como o que caracteriza o Brasil

    dos dias atuais? At que ponto ela poder ser posta em correspondncia

    com a percepo de interesses em luta ou com opes ideologicamente

    estruturadas, em que medida se relaciona com objetos efetivos ou potenciais

    de disputa na arena poltica? Que sentido atribuir estabilidade ou

    instabilidade das preferncias partidrias, s continuidades que as

    preferncias atuais possam representar com respeito remota preferncia

    por partidos extintos ou, ao contrrio, s rupturas que elas envolvam face s

    tendncias de um par de anos atrs ou pouco mais? Por que, finalmente,

    num contexto crescentemente oposicionista em mbito nacional e de

    expanso do partido de oposio, sobretudo nos grandes centros, ocorrem

    reviravoltas como a que se deu em Juiz de Fora, em que o segundo maior

    centro urbano de Minas, tradicionalmente emedebista, se volta para o

    16

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    17/80

    partido do governo?

    Dessas questes estaremos nos ocupando em seguida. Parece

    desnecessrio salientar o que elas tm de complexo e difcil, e no

    incorremos na ingenuidade de pretender dar-lhes aqui respostas taxativas. O

    leitor julgar por si mesmo at que ponto os dados que nos foi possvel

    produzir e a anlise em que estamos empenhados representam avanos no

    entendimento delas.

    4. As bases sociais da identificao partidria

    Comecemos a anlise sistemtica do significado da preferncia ou

    identificao partidria pelo exame de como se relaciona com certas

    variveis que representam dimenses bsicas da estrutura social. A Tabela

    II mostra, em primeira aproximao, sua relao com o sexo, a idade, a

    escolaridade e a renda familiar dos entrevistados.

    Sexo e idade apresentam ambos fraca associao com a preferncia

    partidria. Pode-se notar certa diminuio da preferncia pelo MDB com a

    idade, em favor da ausncia de preferncia, e maior inclinao pelo MDB

    entre as mulheres. Esta ltima verificao algo peculiar se confrontada

    com o que se pde observar em pesquisas anteriores em centros como So

    Paulo e Belo Horizonte, onde os homens se mostram mais propensos a

    aderir ao MDB. A observao do efeito conjunto de sexo e idade sobre a

    preferncia partidria, que a Tabela III permite, se no torna Juiz de Fora

    menos peculiar quanto a este aspecto, revela que a maior propenso

    emedebista das mulheres da cidade, embora manifestando-se de maneiramarcada entre as jovens de at 30 anos, torna-se especialmente curiosa

    entre as mulheres de mais de cinquenta anos, onde ela se eleva em claro

    contraste com a intensificao da propenso arenista entre os homens da

    categoria correspondente. A razo disso, que no podemos comprovar

    diretamente aqui, estar provavelmente em coisas como os xitos do MDB

    em assegurar para as professoras primrias de Juiz de Fora nveis de

    remunerao sem correspondncia com os dos demais municpios de MinasGerais.

    17

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    18/80

    Certamente mais relevante e de maiores consequncias o que se

    observa na Tabela II com respeito a escolaridade e renda familiar. Apesar

    de que a incidncia de preferncia pelo MDB apresente variaes de sentido

    no muito ntido nas diversas categorias de ambas as variveis, compondose

    com os casos de falta de preferncia ou de pessoas que se furtam a

    responder pergunta sobre identificao partidria, pode-se observar que as

    propores de preferncia pela ARENA tendem a aumentar medida que se

    sobe nos nveis de renda ou de escolaridade. No caso de escolaridade,

    porm, verifica-se que a passagem do nvel colegial para o universitrio

    representa um corte abrupto nessa tendncia, com a queda acentuada na

    preferncia pela ARENA e o incremento correspondente dos casos de

    ausncia de preferncia. Se, por outro lado, se atenta para o padro

    apresentado pelos sem preferncia nos diversos nveis de escolaridade, cuja

    proporo declina gradualmente nos nveis inferiores para aumentar

    marcadamente nos nveis mais altos, v-se que provavelmente se tratar

    aqui de dois casos distintos de ausncia de preferncia: enquanto o primeiro

    corresponderia a uma forma de alheamento com respeito ao sistema

    partidrio que seria afim falta de informao e marginalizao social e

    poltica geral prpria dos nveis educacionais inferiores, o segundo teria a

    ver antes com o repdio deliberado a ambos os partidos como consequncia

    da oposio ao regime de que ambos so percebidos igualmente como fruto.

    Como quer que seja, a forma geral apresentada pela relao entre

    escolaridade e preferncia partidria e seu paralelismo com a relao desta

    ltima com a renda familiar indicam claramente que, salvo quandoalcanado o nvel universitrio, escolaridade atua meramente, em seus

    efeitos sobre a identificao partidria, como uma expresso ou dimenso

    de status scio-econmico ou de posio social geral: na medida em que

    escolaridade crescente tende a estar associada com nveis tambm

    crescentes de renda e com o exerccio de ocupaes mais prestigiosas, no

    seria seno natural esperar que ela se associasse igualmente com

    disposies social e politicamente conservadoras. Em nosso caso, taisdisposies se traduziriam, entre outras coisas, no apoio ao partido do

    18

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    19/80

    governo e do status quo.

    A despeito do que parece haver de natural ou mesmo bvio

    nisso, porm, a constatao de uma clara relao positiva entre escolaridade

    e arenismo situa um problema de interesse. No que se trate de uma

    constatao indita. Ao contrrio, resultados idnticos ou anlogos se

    encontraram no apenas nas enquetes levadas a efeito em So Paulo e

    Belo Horizonte por ocasio das eleies legislativas de 1974, mas tambm

    em pesquisa executada durante o ano de 1973 nas principais cidades do

    sudeste e do sul do pas: quer se trate de manifestao de preferncia pela

    ARENA, quer se trate da expresso direta de satisfao com as polticas

    gerais do governo a partir de 1964, em todos esses casos se evidenciou aocorrncia de graus crescentes de conformismo poltico em

    Tabela II Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria por sexo, idade,escolaridade e renda familiar (%)

    SEXO ESCOLARIDADE IDADE RENDA FAMILIARM F Analf Prim. Gin. Col. Univ. 18/30 31/50 50 mais At 2 2-4 4-8 +8

    ou ou ou ou ou sm sm sm smPREF. PART. Mobr. parte parte parte parte

    Arena 42 38 31 39 44 47 31 40 40 40 33 36 47 50MDB 27 35 31 37 35 23 27 35 28 27 36 37 25 24

    Nenhum 27 23 25 22 17 26 41 22 26 29 26 24 25 23NS, NR 4 4 13 2 4 4 1 3 6 4 5 3 3 3(N) (329)(427) (68) (316) (139) (144) (85) (293) (290) (173) (257) (186)(171)(186)

    * sm = salrios mnimos

    correspondncia com graus crescentes de escolaridade.3 A questo de

    interesse, porm, decorre de que tais verificaes, todas elas relativas a anos

    recentes, contrapem-se de maneira bastante frontal aos resultados obtidos

    em pesquisa executada em Belo Horizonte durante o ano de 1965. Apesar

    3 Para os dados a respeito de So Paulo e Belo Horizonte, vejam-se Bolivar Lamounier, ComportamentoEleitoral em So Paulo: Passado e Presente, e Fbio W. Reis, As Eleies em Minas Gerais, ambos emBolivar Lamounier e Fernando Henrique Cardoso (organizadores), Os Partidos e as Eleies no Brasil(Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975). Os demais se referem pesquisa executada por Phillip Converse,Amaury de Souza e Peter McDonough sobre Representao e Desenvolvimento no Brasil e no foramainda objeto de publicao, embora tenham sido gentilmente cedidos para algumas anlises preliminares

    que podem ser encontradas em Fbio W. Reis,Poltical Development and Social Class: BrazilianAuthoritarianism in Perspective (tese de doutorado no publicada, Universidade Harvard, 1974), cap. 7.Aproveitamos a oportunidade para agradecer de pblico a gentileza.

    19

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    20/80

    de que os dados correspondentes tenham a ver com questes de natureza

    Tabela III Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria e idade, por sexo (%)

    SEXOMasculino Feminino

    IDADEPREF. PART. 18/30 31/50 Mais de 50 18/30 31/50 Mais de 50Arena 39 38 56 40 42 27MDB 31 30 16 39 30 35

    Nenhum 26 30 24 19 22 33NS,NR 4 2 4 2 6 5(N) (129)(125) (75) (164) (165) (98)

    distinta, referidas a uma srie de temas especficos que constituram objeto

    de debate poltico no perodo de 1945 a 1964 e sobretudo nos ltimos anos

    desse perodo, eles deixam claro que eram as opinies favorveis,

    transformao das condies vigentes no pas mais precisamente, as

    opinies de esquerda que tendiam ento a aumentar medida que se

    ascendia na escala educacional.4 A procura das razes de tal discrepncia

    ser talvez esclarecedora com respeito a certos aspectos da operao do

    regime autoritrio brasileiro ento recm-inaugurado.

    No seria este o lugar para se aprofundar o debate terico sobre o

    papel poltico da educao ou escolaridade a que esses achados

    aparentemente contraditrios remetem. Ilustremos, apenas, algumas das

    posies divergentes a respeito, recorrendo aos nomes de T. H. Marshall e

    Ivan Illich e ao contraste de suas anlises. O primeiro, ocupando-se do

    desenvolvimento da concepo de cidadania especialmente no contexto

    britnico, salienta as disposies inconformistas e reivindicantes quetenderiam a resultar das possveis discrepncias entre as aquisies

    educacionais, socialmente definidas e percebidas como um direito em si

    mesmas e como geradoras de novos direitos, e as oportunidades oferecidas

    pelo mercado. J o segundo, ocupando-se de problemas educacionais com

    referncia especial Amrica Latina, destaca a ambiguidade do significado

    poltico da escola e d nfase ao que ela representa como instrumento de

    4 Veja-se Fbio W. Reis, Educao; Economia e Contestao Poltica na AmricaLatina, Revista Brasileira de Estudos Polticos, 31 (maio de 1971).

    20

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    21/80

    manipulao e fator de conformismo:

    "(...) o monoplio escolar combate a rebelio com muito maior eficcia que o napalm. (...)As escolas frustram, realmente, maioria, mas fazem-no com todas as aparncias de

    legitimidade democrtica, seno tambm de clemncia. (...) o ideal de que cada pessoa tenhaseu carro e seu ttulo produziu uma sociedade de massas tipo classe mdia. medida que sevo tornando realidade, esses ideais se transformam em mecanismos que asseguram osistema que eles produziram".5

    A educao formal um processo que se cumpre sobretudo dentro de

    certas faixas de idade. Alm disso, o momento crucial da avaliao das

    oportunidades oferecidas pelo mercado tende tambm a corresponder, para

    os que contam com nveis mais altos de escolaridade, idade em que se

    completa o treinamento escolar e se d a insero no mercado de trabalho.

    Assim, torna-se naturalmente da maior relevncia ter em conta a idade dos

    entrevistados para que se possa apreciar adequadamente o significado da

    relao entre escolaridade e variveis de contedo poltico.

    Com esse propsito, a Tabela IV apresenta a desagregao por

    diferentes nveis de idade da relao entre escolaridade e identificao

    partidria anteriormente observada, enquanto a Tabela V procede mesma

    desagregao para a relao entre identificao partidria e renda familiar, o

    que possibilitar ressaltar certos aspectos reveladores. Para permitir

    comparao, apresentamos ainda, na Tabela VI, a relao encontrada em

    Belo Horizonte, em 1965, entre idade e escolaridade, de um lado, e, de

    outro, um ndice geral de esquerdismo em que se sintetizavam as opinies

    mantidas com respeito a tpicos tais como reforma agrria, papel do capital

    estrangeiro na economia do pas etc.6

    5 Vejam-se T. H. Marshall, Citizenship and Social Class, em Class, Citizenship and Social Development(Nova Iorque: Doubleday, 1965), especialmente p. 121; e Ivan Illich,En Amrica Latina Para que Sirvela Escuela? (Buenos Aires: Ediciones Bsqueda, 1973), pp. 24, 27 e 25.

    6 Quatro itens compunham esse ndice. Dois deles referiam-se a problemas especficos(reforma agrria e papel das empresas americanas no pas), os outros dois achavam-seformulados de maneira a apreender atitudes de alcance mais amplo, correspondendo o

    primeiro oposio entre atitudes pr-mudana ou conservadoras e o segundo oposio entre atitudes

    radicais (ou absolutistas) ou gradualistas. Informaes mais minuciosaspodem ser encontradas em Reis,Educao, Economia e Contestao Poltica, pp. 21 e seguintes.

    21

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    22/80

    Tabela IV Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria e escolaridade, por idade (%)

    IDADE18 a 30 anos 31 a 50 anos Mais de 50 anos

    ESCOLARIDADE1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5

    PREF. PART.Arena 13 35 42 52 22 38 40 46 34 44 35 31 46 45 50MDB 67 43 40 24 37 9 38 32 26 4 28 31 23 10 25

    Nenhum 13 21 14 21 39 29 21 18 32 52 34 26 27 40 25NS/NR 7 2 4 3 2 24 1 4 8 0 3 5 4 5 0(N) (18)(68)(73)(86)(54) (21)(162)(44)(38)(23) (32) (86)(22)(20) (8)

    1=Analfabeto ou Mobral; 2=Primrio ou parte; 3=Ginasial ou parte; 4=Colegial ou parte;5=Universitrio ou parte

    Tabela V Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria e renda familiar, por idade (%)

    IDADE18 a 30 anos 31 a 50 anos Mais de 50 anos

    RENDA FAMILIAR1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4

    PREF. PART.Arena 39 33 43 39 29 39 48 48 33 35 43 56MDB 30 43 33 43 40 35 19 20 33 32 23 11

    Nenhum 24 21 24 18 29 22 26 27 29 30 30 28NS/NR 7 3 0 0 2 4 7 5 5 3 4 5

    1=At 2 salrios mnimos; 2=2 a 4 salrios mnimos; 3=4 a 8 salrios mnimos; 4=Mais de 8 salriosmnimos

    Comecemos pela Tabela VI. notrio, em primeiro lugar, o efeito

    inconformista produzido pela escolaridade crescente, que se pode verificar

    comparando-se a incidncia das opinies esquerdistas e conservadoras nos

    dois nveis educacionais dentro de cada categoria de idade. H sempre

    predomnio de opinies de esquerda entre os que contam com maior

    educao do que entre os menos educados, ainda que entre os de idade mais

    avanada isso tenha uma contrapartida no fato de que a escolaridade mais

    alta faz aumentar tambm a frequncia de opinies conservadoras (por

    outras palavras, entre os mais velhos a educao tem o efeito de polarizar

    as opinies e reduzir a incidncia de opinies intermedirias ou moderadas,

    justificando presumir-se que ela preserva aqui em maior medida seu carter

    de expresso da posio social geral dos indivduos). Contudo, observa-se

    ainda que a intensidade do efeito esquerdizante de maior escolaridade

    22

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    23/80

    aumenta medida que passamos do grupo mais idoso para o mais jovem,

    no apenas fazendo que as maiores diferenas porcentuais nas propores

    de alto esquerdismo se deem entre os jovens, mas tambm minimizando a

    incidncia de conservadorismo entre os jovens educados, em claro contraste

    com sua incidncia no caso dos jovens de menor escolaridade.

    Tabela VI Belo Horizonte, 1965: Esquerdismo e escolaridade, por idade (%)

    IDADE18 a 30 31 a 50 Mais de 50

    ESCOLARIDADEBaixa Alta Baixa Alta Baixa Alta

    ESQUERDISMOBaixo 40 15 38 20 38 44

    Mdio 35 45 39 44 38 27Alto 25 40 23 36 24 29(N) (770 (141) (165) (138) (82) (41)

    Fonte: Fbio W. Reis, Educao, Economia e Contestao Poltica na AmricaLatina,Revista Brasileira de Estudos Polticos, 31 (maio de 1971), p. 35.

    Bem distintas so as observaes sobre a Juiz de Fora atual,

    permitidas pela Tabela IV. Por certo, um aspecto especial no de todo

    dissonante com o que acabamos de examinar tem a ver com os indcios que

    fazem do nvel universitrio uma categoria peculiar. A desagregao por

    idade na Tabela IV mostra que a queda encontrada anteriormente (Tabela

    II) na incidncia de arenismo nesse nvel algo que se restringe faixa

    mais jovem da populao, onde ocorre de maneira acentuada

    simultaneamente com o incremento da preferncia pelo MDB e sobretudo

    dos casos de ausncia de identificao com qualquer dos dois partidos.

    Entre os de educao universitria e colegial nas demais faixas de idade,

    porm, altas taxas de apoio ARENA se fazem acompanhar pela tendncia

    marcada reduo do apoio ao MDB (apesar de que isto seja especialmente

    ntido, para os universitrios, na faixa de idade intermediria,

    provavelmente devido perturbao resultante do pequeno nmero de casos

    de educao universitria entre os mais velhos). Configura-se, assim, o que

    parece corresponder a uma situao de polarizao entre posies

    governistas e posies mais radicais de repdio ao sistema partidrio como

    tal, polarizao esta que seria afim que vimos acima existir entre os

    23

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    24/80

    educados de mais idade na Belo Horizonte de 13 anos atrs. Contudo, se

    prescindimos da peculiaridade apresentada pela categoria correspondente ao

    nvel universitrio, o padro geral exibido pelos dados da Tabela IV

    contrasta com os dados belo-horizontinos no apenas pela forma positiva

    geral da relao entre escolaridade e arenismo, mas tambm pelo fato de

    que essa relao positiva parece claramente ser mais forte entre os jovens.

    A suposio de que pelo menos este ltimo aspecto poderia dever-se a

    condies peculiares de Juiz de Fora, ademais, no se ajusta evidncia

    disponvel, j que os dados de 1973 acima mencionados revelam o mesmo

    padro de forma ainda mais ntida entre os entrevistados das diversas

    cidades amostradas.7

    Mas h algo mais a ser destacado quanto a este aspecto, algo que

    coloca em evidncia o significado especial de que parece revestir-se a

    escolaridade entre os jovens. Com efeito, no apenas se observa que a

    relao positiva entre escolaridade e arenismo mais ntida entre os que

    contam com at 30 anos do que nas demais faixas de idade: ao nos

    voltarmos para a Tabela V, observamos tambm que, precisamente ao

    contrrio do que se passa com escolaridade, a relao entre renda familiar e

    identificao partidria (que se mostrava no muito forte quando

    considerada a totalidade da amostra, como vimos na Tabela II) praticamente

    desaparece entre os jovens, enquanto ganha grandemente em nitidez nas

    duas outras categorias de idade, tendendo a crescer linear e

    significativamente a identificao com a ARENA e a decrescer o apoio ao

    MDB medida que subimos nos nveis de renda. Por outras palavras, a

    comparao das Tabelas IV e V deixa evidente que a distribuio deidentificao partidria pelas diversas categorias de renda familiar

    dissimula, no caso dos jovens, a correlao decisiva a existente daquela

    varivel com escolaridade, ao passo que, nos demais grupos de idade, a

    distribuio de preferncia partidria pelos diversos nveis de escolaridade

    que dissimula a correlao decisiva que ela apresenta em tais grupos com a

    renda familiar. Apesar de que renda familiar e escolaridade sejam

    7 Cf. Reis,Political Development and Social Class, p. 410.

    24

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    25/80

    dimenses intercorrelacionadas do status scio-econmico dos indivduos,

    e no obstante ser por conseguinte semelhante a forma geral da associao

    de cada uma delas com a identificao partidria, patente que, entre os

    jovens, o acesso especificamente s oportunidades educacionais parece

    cumprir papel singularmente importante no condicionamento das simpatias

    governistas ou oposicionistas.

    Visto o problema de maneira geral, porm, tudo parece indicar que

    apreendemos aqui um processo efetivamente em curso, no qual os efeitos

    polticos associados educao formal transitam do quadro descrito por

    Marshall para condies mais afins s nfases de Illich. A componente

    decisiva da explicao para essa transio, sem dvida, reside no impulsodado ao processo de desenvolvimento econmico e nas altas taxas de

    crescimento da produo nacional que o regime inaugurado em 1964 se

    mostrou capaz de sustentar por vrios anos, acelerando assim a

    conformao de um sistema em que, para amplos setores da classe mdia, o

    ideal do diploma encontra possibilidades mais seguras de se traduzir

    diretamente no ideal do carro prprio, do apartamento de luxo e do lazer

    sofisticado. J no que diz respeito juventude e especial nitidez da

    inverso de padres que a se observa, entre 1965 e 1976, cumpre lembrar,

    em primeiro lugar, que a este setor da populao se dirige h vrios anos,

    precisamente atravs do aparelho escolar, o esforo especial de doutrinao

    consubstanciado no ensino de disciplinas como educao moral e cvica.

    Dada a obrigatoriedade de tais disciplinas em todas as sries do sistema

    escolar, para as geraes mais novas maior escolaridade significa maior

    grau de exposio doutrinao conservadora e governista a veiculada.

    Ainda que haja indcios claros de que as disciplinas correspondentes no

    nvel superior no cumprem os propsitos a que foram destinadas, dadas as

    caractersticas especiais do ambiente universitrio, de se presumir que

    essa doutrinao se revista pelo menos de alguma eficcia nos demais

    nveis.8 Em segundo lugar, no apenas certo que as promessas

    ocupacionais ou de carreira pessoal que hoje se associam educao formal

    8 Esse um tema pouco estudado, embora de interesse bvio. Uma exceo o trabalho de Mrio

    Brockmann Machado,Poltical Socialization in Authoritarian Systems: The Case of Brazil(tese dedoutorado no publicada, Universidade de Chicago, 1975).

    25

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    26/80

    se fazem sentir tambm entre os jovens, mas parece lcito supor que elas se

    faam sentir principalmente entre eles, e a importncia recm-observada de

    que parece revestir-se o acesso a oportunidades educacionais quanto a

    condicionar simpatias governistas dentre a populao jovem tende a

    corroborar essa suposio. E at o ponto em que os fatores de ordem

    econmica e ocupacional ligados ao processo de crescimento tenham, como

    parece provvel, o papel principal na explicao dos fatos observados,

    torna-se claro que o contraste entre os dados de 1965 os recentes no ,

    afinal, to grande. Em outros termos, as proposies aparentemente

    divergentes de Marshall e Illich tm muito em comum, e muito parece

    depender do grau em que as expectativas de direitos dirigidas ao mercado e

    produzidas pela instituio legitimadora que a escola se frustram ou

    encontram condies de se realizarem. Assim, a verificao da ocorrncia

    de maior inconformismo entre os educados jovens, que se v na Tabela VI

    para a Belo Horizonte de 1965, no certamente alheia ponderao

    anterior de que, entre os educados, so os jovens os que vivem de maneira

    aguda o problema de sua insero no mercado. Alm disso, aquela

    verificao acarreta a implicao de que a adeso a opinies mais radicais

    tende a corresponder amplamente a uma fase transitria da vida das pessoas

    de maior nvel educacional, a ser esquecida medida que tais pessoas se

    deixem absorver em suas carreiras.9 Assim sendo, o que haver de novo nos

    dados atuais, em contraste com os de 13 anos atrs, ser simplesmente o

    fato de que as condies econmico-ocupacionais do pas levam a que

    aquela absoro se d mais prontamente e de maneira mais satisfatria ou

    criem pelo menos, para cada um, a expectativa de que as coisas venham a

    ser assim.

    Seja como for, os dados a respeito dos aspectos at aqui considerados

    9 Na verdade, anlises mais pormenorizadas dos dados belo-horizontinos de 1965 mostramque as mais altas frequncias de opinies pr-mudana ocorrem dentre a minoria de pessoasde alta escolaridade e mais idosas que no desfrutam de ocupaes e nveis de rendacongruentes com seu nvel de educao formal. Alm disso, mesmo entre os jovens essaincongruncia mantm algum papel na determinao da incidncia de opiniesinconformistas, apesar de que taxas relativamente altas de esquerdismo continuem a

    ocorrer entre os jovens educados independentemente dela. Cf. Reis, Educao,Economia e Contestao Poltica, op. cit.

    26

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    27/80

    sugerem com bastante clareza que, pelo menos nos centros urbanos, o

    regime em vigor tem se mostrado capaz de atrair apoio em correspondncia

    com as oportunidades educacionais que assegure e com a promessa que

    estas representam de acesso aos benefcios do desenvolvimento econmico.Ademais, se excetuamos a juventude universitria, isso parece aplicar-se

    especialmente gerao que atingiu a maioridade mais ou menos

    simultaneamente com a implantao do atual regime ou posteriormente.

    Contudo, a clara contrapartida disso que, nos centros urbanos a que aqui

    nos referimos, as linhas de apoio e oposio ao governo passam agora,

    talvez mais do que nunca, pelas linhas que demarcam a estratificao social

    pelas linhas das classes sociais, por outras palavras, se os dados

    apresentados relativamente escolaridade e sobretudo renda familiarpodem ser tomados como aproximaes aceitveis estrutura de classes.

    Examinaremos agora, de acordo com as indagaes gerais anteriormente

    formuladas, o contedo de que se reveste a identificao partidria em

    termos de variados fatores de ordem subjetiva, considerados estes ltimos

    como propiciando, nas relaes que manifestam entre si e com a propenso

    mesma ao apoio a este ou aquele partido, uma via de acesso a formas

    distintas de se estruturar ideologicamente a vida poltica na conscincia daspessoas. Dada a natureza das questes bsicas que nos orientam e a

    evidncia da correlao entre identificao partidria e posio social, esse

    exame ser realizado com constante ateno para os contextos diversos

    representados pelos diferentes nveis de renda familiar e para o

    condicionamento por eles exercido sobre o conjunto de imagens e opiniesa ser observado.

    5. Universos polticos e opo partidriaUma forma de se dar incio anlise das conexes entre a

    identificao partidria e os aspectos de ordem subjetiva tal como se

    manifestam nos diferentes estratos scio-econmicos consiste em examinar

    a relao entre a identificao com MDB ou ARENA e a distribuio das

    preferncias entre os partidos existentes at 1965. A Tabela VII permite

    observar essa relao nos nveis de renda familiar.

    Congruentemente com algumas observaes feitas no rpido

    27

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    28/80

    retrospecto da histria poltico-partidria de Juiz de Fora anteriormente

    apresentado, v-se que a herana petebista tem um peso importante no

    condicionamento da opo atual pelo MDB. Pois no apenas se nota que as

    maiores propores de antigos petebistas se declaram atualmente

    identificados com o partido de oposio o que tende a ser tanto mais

    verdadeiro quanto mais descemos na escala de renda familiar e apresenta

    uma nica exceo no nvel mais alto de renda , como tambm se pode

    assinalar que o contingente petebista representa o mais numeroso

    contingente isolado entre todas as categorias correspondentes a preferncias

    por qualquer dos antigos partidos outra vez com a nica exceo do nvel

    superior de renda, onde a UDN conta com a maioria relativa. O MDB se

    beneficia ainda com aportaes apreciveis dos antigos pessedistas e dos

    adeptos de outros partidos menores, que em geral correspondem, porm, a

    propores bem menores das preferncias antigas. J a ARENA conta

    desproporcionalmente com as preferncias dos antigos udenistas em todos

    os nveis de renda. Apesar de que esses dados, exceto pela distribuio de

    preferncias entre os partidos antigos, corroborem bastante bem o que se

    pde observar em estudos relativos a outras cidades,10 importante

    assinalar o grande nmero dos que declaram no se sentir identificados com

    qualquer dos partidos extintos: tratando-se aqui certamente em boa medida

    de jovens incorporados recentemente ao processo eleitoral, os dados em

    exame se revelam peculiares em contraste com os de estudos anteriores pelo

    fato de que o MDB no conta com a maioria sequer relativa dos membros

    dessa categoria em qualquer dos nveis de renda. Temos a uma nova

    indicao da capacidade de aliciamento demonstrada recentemente pela

    ARENA em Juiz de Fora, e voltaremos a ocupar-nos deste aspecto quandotratarmos de avaliar a contribuio de nossos dados explicao da

    reviravolta eleitoral ali ocorrida.

    Outros aspectos, porm, nos permitem penetrar mais profundamente

    no exame dos contedos associados identificao partidria. Numerosos

    itens de opinio de tipos diversos integraram o questionrio utilizado e o

    10

    Vejam-se Lamounier, Comportamento Eleitoral em So Paulo, eReis, As Eleies em Minas Gerais.

    28

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    29/80

    estudo de suas conexes com a identificao partidria empreendido

    adiante de forma padronizada. Convm, assim, que procuremos explicitar

    de sada a lgica subjacente utilizao desses itens e forma a ser dada

    anlise.

    Vrios aspectos dos resultados obtidos nas pesquisas levadas a efeito

    por ocasio das eleies de 1974 indicam a existncia de um grau precrio

    de integrao nas posies adota das por parcelas substanciais do eleitorado,

    particularmente em seus estratos menos favorecidos scio-economicamente,

    com respeito a questes que pareceriam compor todos orgnicos aos olhos dos analistas

    do processo poltico brasileiro.11

    Assim, depararam-se altas taxas de desconhecimento e alheamento

    com respeito a temas candentes do debate poltico entre eleitores cuja opo

    emedebista pareceria dever interpretar-se em termos de protesto que se

    suporia motivado pela posio frente a tais temas. Mas mesmo problemas

    como o custo de vida, que se esperaria tocassem mais de perto a

    sensibilidade dos estratos em questo, vieram a mostrar relaes pouco

    claras com o apoio ao partido de oposio. Tudo parecia indicar que esteltimo cumprira, para os setores populares, o papel de um smbolo (o

    partido dos pobres ou do povo, na caracterizao que dele fizeram

    numerosos eleitores belo-horizontinos) no qual terminou por fixar-se uma

    insatisfao difusa incapaz de articular-se por referncia a problemas

    especficos de qualquer natureza. Pde-se mesmo observar que os estratos populares,

    onde se encontravam de longe os maiores contingentes de emedebistas, eram

    tambm os mais propensos a reagir de maneira positiva diante dos temasda propaganda ufanista e triunfalista do governo. Os dados quanto a

    este ltimo aspecto, que corroboravam certas constataes de pesquisas

    anteriores,12sugeriam a existncia, nas camadas mais pobres do

    eleitorado, de uma espcie de esquizofrenia ou algo que pelo menos se

    11 Ibid.; veja-se tambm Fbio W. Reis, O Institucional e Constitucional, CadernosDCP, 3 (maro de 1976).12

    Veja-se Bolivar Lamounier,Ideology and Authoritarian Regimes: Theoretical Perspectives and a Studyof the Brazilian Case (tese de doutorado no publicada, Universidade da Califrnia, Los Angeles, 1974),

    p. 264.

    29

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    30/80

    apresentaria como tal luz de formas mais convencionais de se contemplar

    o quadro poltico brasileiro. Assim, a vocalizao ou mesmo a adeso

    consciente a certos valores quando enunciados em termos abstratos e

    remotos se faria acompanhar pela negao de tais valores no plano das

    atividades concretas ou da vida cotidiana e o comportamento eleitoral,

    assim os dados indicavam, se guiaria antes pelos valores latentes contidos

    neste ltimo plano.13

    Com o objetivo de explorar mais minuciosamente tais sugestes,

    vrios conjuntos de perguntas includos em nosso questionrio foram

    concebidos como meio de apreender as opinies e percepes dos

    entrevistados relativamente a assuntos ou problemas supostamente situados

    em nveis diversos desde o nvel correspondente aos temas do debate

    poltico-institucional dos dias atuais at o dos problemas que afetam

    diretamente as condies de vida dos entrevistados nos bairros ou

    vizinhanas onde moram. A suposio que orientou o trabalho nesse

    aspecto foi a de que as posies ou opinies com respeito aos problemas

    prprios de cada nvel tenderiam no somente a apresentar padres diversos

    de variao de acordo com a posio scio-econmica dos indivduos de

    nossa amostra, mas tambm a exibir padres distintos de associao com a

    identificao partidria nos contextos representados pelas diferentes

    posies scio-econmicas. Por outras palavras, no somente variam, supunha-

    se, a salincia das questes dos diferentes tipos para as pessoas de

    condies scio-econmicas diversas, e consequentemente a apreciao que

    delas fazem, como tambm varia de acordo com o estrato social o

    condicionamento exercido sobre a identificao partidria pelos diferentes

    Tabela VII Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria atual e prefernciapartidria anterior a 1965, por renda familiar (%)

    RENDA FAMILIARAt 2 sal. mnimos De 2 a 4 sal. mnimos

    PREFERNCIA PARTIDRIA ANTERIOR A 1965PSD UDN PTB Outros Sem NS/NR | PSD UDN PTB Outros Sem NS/NR

    13Essa idia da ruptura entre nveis de conscincia explorada em conexo com o conceito

    de falsa conscincia por Michael Mann em The Social Cohesion of Liberal Democracy,American Sociological Review, 25, 3 (junho de 1970)

    30

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    31/80

    pref. | pref.PREF. |

    PART. |ATUAL |Arena 50 79 22 30 34 30 | 33 64 30 40 36 35MDB 25 0 56 40 29 33 | 50 9 50 20 34 45

    Nenhum 13 21 20 30 34 18 | 17 27 20 30 24 20NS/NR 12 0 2 0 3 19 | 0 0 0 10 6 0(N) ( 8) (14) (55) (10) (119) (33) | ( 6) (11) (46) (10) (83) (20)

    RENDA FAMILIARDe 4 a 8 sal. mnimos Mais de 8 sal. mnimos

    PREFERNCIA PARTIDRIA ANTERIOR A 1965PSD UDN PTB Outros Sem NS/NR | PSD UDN PTB Outros Sem NS/NR

    pref. | pref.PREF. |PART. |ATUAL |Arena 70 70 27 71 41 73 | 42 67 38 44 43 60

    MDB 30 0 50 0 24 18 | 33 10 33 44 25 40Nenhum 0 20 20 29 32 9 | 21 17 25 12 31 0NS/NR 0 10 30 0 3 0 | 4 7 4 0 1 0(N) (10) (10) (30) ( 7) (92) (11) | (24) (30) (24) (16) (81) (10)

    tipos de questes. A expectativa era a de que, captando os correlatos da

    identificao partidria em termos das representaes e opinies quanto aos

    diversos tipos de problemas, vissemos a ser capazes de desvendar, por

    detrs do vazio ou mesmo da incoerncia que aparentava caracterizar aopo partidria das camadas populares, formas particulares de alicerar-se

    esta ltima que permitissem ver nela algo distinto, por exemplo, da simples

    preferncia popular por Flamengo ou Corinthians.

    Concretamente, quatro baterias de questes foram usadas a

    respeito:

    1. Um extenso conjunto de perguntas indagava a opinio dos entrevistadossobre uma srie de tpicos que compem o problema polticoinstitucional

    brasileiro do momento e que aqui chamaremos questes

    polticas, incluindo coisas tais como o ato institucional n.o 5, a

    participao dos militares na vida poltica, eleies indiretas, a avaliao

    da capacidade poltica do povo etc.14

    14A lista completa de tais perguntas referia-se opo entre eleies diretas e indiretas, avaliao da capacidade que tem o povo de votar bem e escolher os melhores candidatos

    para governar o pas, ao voto do analfabeto, participao dos militares no governo, tenso entre desenvolvimento e distribuio de renda (que chamaremos de poltica salarialdo governo), utilidade das discusses e debates entre partidos polticos, ao Ato

    31

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    32/80

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    33/80

    requisitos de maneira satisfatria. No caso de Juiz de Fora, deu-se

    prioridade dimenso popular versus elitista, e chamaremos questes

    populares s questes correspondentes.16

    Iniciemos a anlise pelo exame dos dados relativos s questes

    polticas. Na Tabela VIII encontramos a relao entre as opinies com

    respeito a cada uma das questes apresentadas aos entrevistados e a renda

    familiar destes, classificada nas quatro categorias anteriormente

    estabelecidas. J a Tabela IX mostra a relao existente, dentro de cada

    categoria de renda familiar, entre a opinio sobre as diferentes questes e a

    preferncia partidria dos entrevistados. Dada a complexidade resultante do

    grande nmero de itens e da considerao simultnea de trs variveis,

    decidimos recorrer a medidas sintticas de correlao para a apresentao

    dos dados nesta ltima tabela.17

    Os dados da Tabela VIII podem ser apreciados de vrios ngulos. Em

    primeiro lugar, salta vista o fato de que, considerados os diversos itens

    como expresses de ideias e polticas consagradas pelo regime em vigor, h

    diferenas gritantes no grau de aquiescncia ou concordncia que elesparecem suscitar globalmente, isto , independentemente dos diversos

    nveis de renda familiar, o que indica com muita clareza que eles no

    16No caso de Juiz de Fora, foi a seguinte a formulao dada a essas quatro perguntas, aprimeira das quais corresponde a um problema debatido com insistncia durante acampanha: O Sr. concordaria ou discordaria com a ideia de o governo tomar as seguintesmedidas: A) Dar mais importncia a coisas como melhorar o centro das cidades (calado,fontes luminosas) do que, por exemplo, a problemas como calamento, gua e esgotos nos

    bairros? B) O governo fazer contratos do INPS com hospitais e mdicos particulares ao invsde aumentar o nmero de ambulatrios e postos de sade nos bairros? C) O governo tratar de

    aumentar a produo de carros particulares (a Fiat, por exemplo) ao invs de melhorar otransporte coletivo nas cidades? D) O governo aumentar as vagas nas universidades ao invsde ampliar e melhorar o ensino primrio?.

    17A medida utilizada o coeficiente de correlaofi, adequado para tabelas 2 X 2 em que serelacionam variveis das quais pelo menos uma de nvel nominal, isto , no envolveordem entre os valores que a compem (preferncia partidria, por exemplo, cujos valoresseriam, em nosso caso, Arena e MDB, se exclumos o caso dos que no tm preferncia). Osvalores do coeficiente variam de 0, quando no h nenhuma correlao entre as variveis, a 1ou -1, quando a correlao total, quer positiva quer negativa. No caso

    presente, um valor positivo do coeficiente significa que os entrevistados que adotam umaposio crtica diante da situao existente (tal como se expressa em cada item dosdiversosconjuntos de questes) tendem a votar no MDB e que os que adotam uma posio

    conformista ou conservadora tendem a votar na Arena; um valor negativo do coeficienteindica o contrrio.

    33

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    34/80

    surgem na conscincia da populao em geral como peas de um mesmo

    todo coeso. Assim, o clima de opinio relativamente ao item 5 revela um

    repdio macio poltica salarial do governo e forma concentradora de

    renda em que se tem processado o desenvolvimento econmico do pas,

    enquanto as respostas ao item 8 mostram grandes propores de apoio

    participao dos militares na vida poltica e a tendncia amplamente

    majoritria a considerar tal participao como algo que continua a ser

    necessrio; grandes maiorias em todos os nveis de renda do preferncia ao

    voto direto e se manifestam favoravelmente com respeito ao papel

    cumprido no pas, em princpio, pelos debates entre partidos polticos, mas

    maiorias quase to amplas ou apenas um pouco mais reduzidas consideram

    que a Lei Falco foi uma boa medida ou do prioridade capacidade de

    realizao dos governos frente aspirao de se ter governos eleitos.

    Apesar de que seria sem dvida imprprio pretender que qualquer

    molde nico pudesse ajustar-se coerentemente aos dados, em termos do

    clima geral de opinio que se expressa com relao aos diferentes itens

    pareceria possvel pretender agrup-los em algumas categorias, nas quais

    teramos: (a) A tendncia ao apoio a posies liberais quando enunciadas em tese e

    assim contrapostas a posies elitistas ou autoritrias (voto direto ou

    indireto, capacidade poltica do povo, voto do analfabeto, papel

    positivo ou negativo dos debates entre partidos). H a exceo, porm,

    da preferncia dada a governos com capacidade de realizao sobre

    governos eleitos, onde a sugesto de inpcia versus competncia e

    eficincia (que aparentemente emerge com fora apesar de os termos

    pas que vai pra frente ou como pas democrtico), seja refernciadireta a algum aspecto ou medida especfica do quadro poltico atual que

    poderia pretender justificar-se em termos conjunturais (participao dos

    militares, Lei Falco e AI-5, apesar de que este ltimo represente um

    caso especial por algo que mencionaremos adiante). (c) Finalmente, uma categoria

    mais ou menos residual de questes que podem ser postas em

    termos de poltica econmica, os itens 5, 7 e 10, com respeito aos quais ser

    talvez adequado pretender-se encontrar coerncias no clima nacionalista, estatizante eredistributivista que parecem evidenciar.

    34

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    35/80

    Em segundo lugar, a observao das propores correspondentes aos

    que declaram no saber ou deixam de responder a cada item permite destacar

    duas constataes de relevncia do ponto de vista dos problemas que aqui nos

    importam. Por um lado, as variaes em tais propores indicam variar

    bastante o grau em que os diferentes itens podem ser considerados como

    correspondendo a questes efetivamente presentes na conscincia dos

    indivduos, ou seja, a questes que efetivamente existam como tal para eles.

    De maneira que corrobora o que se verificou em outros centros, o AI-5 se

    situa num patamar especial quanto s altas porcentagens de entrevistados que

    declaram no saber responder questo correspondente, as quais atingem o

    nvel dos 50 por cento em certos casos.18 Um segundo nvel pareceria existir

    nos casos dos itens relativos ao controle das empresas estrangeiras,

    expanso das empresas governamentais e questo do grau de democracia do

    Brasil em confronto com outros pases, onde as respostas tipo no sei

    chegam a atingir em alguns casos a faixa dos 20 a 25 por cento, enquanto as

    propores de tais respostas nos demais itens oscilam em nveis inferiores.

    Por outro lado, o padro de variao da incidncia de respostas no sei

    segundo os nveis de renda, com poucas excees, tende a ser o mesmo nos

    diversos itens, com o aumento das porcentagens medida que vamos dos

    18Na verdade, em outra pergunta em que se indagava diretamente do entrevistado se ele

    sabia o que era o Ato Institucional n 5, a porcentagem de respostas certas no foi alm dos16 por cento.

    35

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    36/80

    Tabela VIII Juiz de Fora, 1976: posies quanto a questes polticas e rendafamiliar (%)*

    RENDA FAMILIARAt 2 2 a 4 4 a 8 Mais de

    QUESTES s. m. s. m. s. m. s. m.1. Voto direto ou Direto 60 64 55 56indireto Indireto 21 24 37 38

    NS, NR 18 11 8 62. Povo sabe Sabe 55 60 53 40votar? No sabe 33 33 43 52

    NS, NR 10 5 2 43. Voto do Deve votar 49 54 54 46analfabeto No deve 41 43 44 46

    NS, NR 10 2 3 64. Opinio sobre Contra 14 13 16 24o AI-5 A favor 33 34 45 41

    NS, NR 53 52 39 315. Poltica Contra 75 76 82 75salarial A favor 15 10 12 11

    NS, NR 10 6 2 56. Debate entre Positivo 69 73 79 75

    partidos Negativo 15 15 16 13NS, NR 15 8 4 5

    7. Controle de Necessrio 56 62 67 78empresas estrangeiras Desnecessrio 17 20 22 13

    NS, NR 25 17 9 68. Participao Contra 21 25 22 30

    poltica dos A favor 58 58 67 56militares NS, NR 17 14 6 8

    9. Preferncia Eleito 16 17 16 23governo eleito ou Realizador 71 74 81 70realizador NS, NR 12 7 3 410. Crescimento No devem crescer 13 13 22 38das empresas Devem crescer 64 68 70 51governamentais NS, NR 23 17 6 711. Este um No 13 14 11 29

    pas que vai pra Sim 75 75 81 85frente NS,NR 8 4 2 312. Brasil comparado Menos democrtico 19 22 26 32a outros pases To democrtico 58 57 61 54democrticos NS,NR 20 17 10 713. Lei Falco Contra 26 20 25 30

    A favor 58 69 69 69NS,NR 16 11 6 1

    (N) (257) (186) (171) (186)

    * As porcentagens no somam 100 por ter sido excluda, em cada item, a categoriadiscorda de ambas. Ver nota 14.

    nveis mais altos de renda familiar aos mais baixos: ainda que de maneira

    nada surpreendente, isso ratifica a suposio de que se trata, com as questes

    poltico-institucionais, de temas que tendem a apresentar-se como remotos

    e desprovidos de importncia sobretudo aos olhos dos setores populares.

    36

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    37/80

    Essa constatao aumenta a significao da ltima observao de

    interesse que a Tabela VIII nos parece permitir, a qual se refere precisamente

    aos padres diferenciais de associao entre as posies frente s vrias

    questes e a posio scio-econmica dos entrevistados, expressa na renda

    familiar. Com efeito, a partir do item n 4, correspondente opinio sobre o

    AI-5, verificamos que, com apenas umas tantas excees parciais, a

    incidncia de opinies crticas com respeito situao existente no pas

    cresce com o crescimento dos nveis de renda: quer se trate de opor-se aos

    traos politicamente autoritrios do regime, de mostrar-se ctico diante do

    ufanismo oficial, de reivindicar que cesse a expanso econmica do estado ou

    que este coloque restries atuao das empresas estrangeiras naeconomia do pas, o padro que a emerge leva a que as maiores propores

    de opinies anti-status quo se concentrem no nvel mais alto de renda.

    Conjugada com a observao acima destacada, tal padro nos leva a supor

    no apenas que medida que subirmos na escala scio-econmica iremos

    encontrar com maior frequncia cidados politicamente atentos, envolvidos e

    participantes, mas tambm que tais cidados se iro mostrar sobretudo

    diante de sua oposio s caractersticas autoritrias do regime maiscoerentemente democrticos e progressistas do que os integrantes das

    camadas scio-econmicas menos favorecidas.

    No isso, porm, o que verificamos quando nos voltamos para os trs

    itens relacionados em primeiro lugar na Tabela VIII, os quais dizem respeito

    opo entre eleies diretas e indiretas, avaliao de at que ponto o

    povo seria capaz de votar judiciosamente e posio diante do voto doanalfabeto. V-se que tais itens tm em comum precisamente o fato de

    envolverem todos uma avaliao da capacidade poltica dos setores

    populares, ou da capacidade dos membros de tais setores para se

    desempenharem como cidados. Torna-se grandemente significativo, assim,

    constatar que a maior propenso dos indivduos dos estratos scioeconmicos

    mais baixos a se mostrarem alheios s questes polticas, como

    acima destacamos, no impede tais estratos de se mostrarem

    comparativamente confiantes e afirmativos quando se trata da avaliao de

    37

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    38/80

    sua prpria capacidade como cidados. Essas trs questes se revelam

    especiais, portanto, de duas maneiras: em primeiro lugar, como assinalamos

    anteriormente, elas compem com o item relativo ao papel dos debates entre

    os partidos o conjunto dos itens estritamente polticos em que o clima geral

    de opinio predominantemente liberal, tendendo a favorecer o voto direto, a

    avaliar favoravelmente a capacidade popular e a entender que o analfabeto

    deve votar; alm disso, entretanto, inverte-se aqui o padro geral de

    associao das opinies polticas com a posio scio-econmica, mostrando

    que os maiores bolses de suspeita social se encontram nos nveis sociais

    superiores e que aquilo que surge como a maior incongruncia dos setores

    populares em diversos aspectos dos dados encontra alguma forma de

    compensao, neste aspecto particular, nas propenses elitistas e excludentes

    a predominarem precisamente nas camadas onde tambm se concentra a mais

    articulada, crtica e liberal oposio ao regime. Isso no quer necessariamente

    dizer, naturalmente, que os indivduos de altas rendas que se mostram liberais

    em outras questes sejam os mesmos a exibir sentimentos elitistas,

    parecendo mais razovel supor o que encontra respaldo nos dados que

    estaremos analisando adiante que os estratos de rendas altas manifestem

    maior tendncia a se dividir entre indivduos apegados a vises globais

    distintas, independentemente do peso relativo de cada uma delas em termos

    de frequncia.

    Mas o leitor se ter provavelmente apercebido de algo desconcertante.

    Com efeito, a forma predominante da relao entre a renda familiar e as

    opinies diante das diferentes questes, segundo a qual as posies anti-status

    quo aumentam em frequncia medida que subimos nos nveis de renda,corresponde precisamente ao oposto do que caberia esperar a julgar pela

    relao anteriormente encontrada entre renda familiar e identificao

    partidria, que mostrava o incremento das propores de arenistas com renda

    familiar crescente. Ainda que a relao deparada na Tabela VIII se mostre

    com frequncia de reduzida intensidade ou nitidez, isso permite supor que a

    identificao partidria estar, em geral, fracamente correlacionada com as

    opinies a respeito das questes polticas que aqui examinamos, o quenaturalmente coloca um problema de interesse do qual deveremos ocupar-nos.

    38

  • 8/6/2019 Classe social e opo partidria

    39/80

    Se nos voltamos para a Tabela IX, uma viso global dos nmeros que

    dela constam tende a corroborar a suposio que acabamos de formular: os

    valores do coeficiente de correlaes utilizado so em geral baixos, indicando

    que, em geral, as posies com respeito s questes polticas apresentam

    reduzida correlao com a identificao partidria dos entrevistados.

    Contudo, alm dessa verificao geral e do que ela possa ter de interessante e

    talvez surpreendente, a Tabela IX apresenta excees significativas norma

    a contida e dois ou trs padres reveladores. Em primeiro lugar, a coluna

    correspondente ao mais alto nvel de renda familiar constitui uma clara

    exceo ao padro de baixas correlaes, pois temos a, ao contrrio, valores

    que indicam, na maioria dos casos, correlaes bastante altas entre opiniespolticas e opo partidria. Portanto, os indivduos de status scioeconmico

    mais elevado so no apenas os mais propensos a se revelarem

    politicamente envolvidos e a aderirem a opinies que se opem ao status quo

    como acabamos de constatar, mas tambm de longe aqueles cujas opinies

    tendem a traduzir-se mais certamente em preferncia partidria, e naquela

    preferncia partidria que se preveria, ou seja, os que aderem opinies

    crticas identificam-se com o MDB e os que se mostram conformes com ascondies polticas existentes do seu apoio ARENA. Esse conjunto de

    observaes representa clara corroborao da idia de que os membros

    dos setores scio-economicamente mais altos dispem de melhores condies

    para alcanar um grau mais sofisticado e integrado de estruturao do

    universo poltico em que se movem, de forma no apenas a fazer que sua

    percepo de determinados aspectos desse universo tenha consequncias

    quanto sua posio frente a outros aspectos, mas tambm que taisconsequncias assumam a aparncia de maior consistncia ou coerncia.

    Observaes posteriores nos permitiro voltar sobre este ponto.

    Por ora, destaquemos ainda duas constataes permitidas pela Tabela

    IX. A primeira tem a ver com o fato de que alguns dos treze itens que nela

    figuram, apesar de estarem de acordo com o padro recm destacado no

    sentido de que manifestam maiores correlaes com preferncia partidria

    no nvel mais alt