Classico e Suas Transicoes Historicas

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out. ⁄ no.⁄ dez. l l no , nº l -46 nteo 375 O clássico e suas transições históricas pul de ncenzo fdels belfot mttos* Resumo l A história da arquitetura é marcada pela repetição de fórmulas que foram sistematizadas na Antiguidade e que passam a servir de modelo para uma estrutura bem resolvida tanto plástica quanto funcionalmente. Identifica-se como boa arquitetura aquela que tem ritmo, proporção e modulação. Esse foco é desenvolvido neste artigo, que analisa o conceito clássico da arquitetura como uma constante que se renova. Palavras-chave l História da Arquitetura. Conceito clássico da Arquitetura. Title l e Classical Style and Its Historical Transitions Abstract l e history of architecture is marked by the repetition of formulas that have been systemized in Antiquity and become a pattern for a well-resolved structure both plastically and functionally. Good architecture is identified as the one that has rhythm, proportion, and modulation. is is focus developed in this article, which also analyzes the classical concept of architecture as a constant in renewal. Keywords l History of Architecture. Classical concept of Architecture Data de recebimento: 01/04/2008. Data de aceitação: 25/04/2008. * Doutora em História da Arquitetura pela FAU/USP; mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP; Especialista em Didática do Ensino Superior pela USJT, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Instituição Moura Lacerda de Ribeirão Preto. Professora Adjunta de História da Arte em regime de tempo integral na USJT E-mail: [email protected] 1 o clssco e s tnses hstcs Arte clássica é aquela cujos elementos decorati- vos, partidos estruturais e concepção de composi- ção derivam das ordens do mundo greco-romano e buscam alcançar uma harmonia entre suas partes, utilizando-se de modulação, proporção e idealização, vindo a tornar-se paradigma de boa arquitetura. É possível encontrar construções clássicas em diversos momentos da história, até mesmo no mundo moderno. Estas, ao longo do tempo, va- riam em medidas, combinações e materiais cons- trutivos, mas mantêm o desenho que identifica o período em que foi concebida, o período da Anti- guidade grega. A partir da Antiguidade, a arquitetura clássica foi retomada e reinterpretada em períodos poste- riores da história; ora mantendo as características essencialmente gregas, ora combinando aspectos variados. Usualmente, quando se fala em clássico, reporta-se à Antiguidade greco-romana, ou seja, as duas culturas, grega e romana, costumam ser rela- cionadas, como se constituíssem um bloco único. Pode-se dizer que a combinação dos elementos da arquitetura greco-romana – colunas, arquitrave, frontão e arcos, que determinam uma ordem – foi retomada no período do Renascimento, do neo- classicismo, do pós-modernismo, sendo ampla- mente utilizada nos dias atuais, apesar de ter seus aspectos formais distorcidos. A estética clássica propunha medidas ideais, proporções fixas e pa- drões pré-determinados, o que gerava uma arte de grande qualidade técnica e com a idealização for- mal própria do pensamento grego. No mundo grego, em que essa estrutura teve origem, prevaleceram sistematizadas três ordens Figura1. Partenon – Atenas - 448 a 438 - arquiteto Ictino e decorado por Fídias.

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classico e suas transicoes historicas

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  • out. no. dez. l l no , n l -46 nteo 375

    O clssico e suas transies histricaspul de ncenzo fdels belfot mttos*

    Resumo l A histria da arquitetura marcada pela repetio de frmulas que foram sistematizadas na Antiguidade e que passam a servir de modelo para uma estrutura bem resolvida tanto plstica quanto funcionalmente. Identifica-se como boa arquitetura aquela que tem ritmo, proporo e modulao. Esse foco desenvolvido neste artigo, que analisa o conceito clssico da arquitetura como uma constante que se renova.Palavras-chave l Histria da Arquitetura. Conceito clssico da Arquitetura.

    Title l The Classical Style and Its Historical TransitionsAbstract l The history of architecture is marked by the repetition of formulas that have been systemized in Antiquity and become a pattern for a well-resolved structure both plastically and functionally. Good architecture is identified as the one that has rhythm, proportion, and modulation. This is focus developed in this article, which also analyzes the classical concept of architecture as a constant in renewal.Keywords l History of Architecture. Classical concept of Architecture

    Data de recebimento: 01/04/2008.Data de aceitao: 25/04/2008.* Doutora em Histria da Arquitetura pela FAU/USP; mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP; Especialista em Didtica do Ensino Superior pela USJT, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Instituio Moura Lacerda de Ribeiro Preto. Professora Adjunta de Histria da Arte em regime de tempo integral na USJTE-mail: [email protected]

    1 o clssco e s tnses hstcs

    Arte clssica aquela cujos elementos decorati-vos, partidos estruturais e concepo de composi-o derivam das ordens do mundo greco-romano e buscam alcanar uma harmonia entre suas partes, utilizando-se de modulao, proporo e idealizao, vindo a tornar-se paradigma de boa arquitetura.

    possvel encontrar construes clssicas em diversos momentos da histria, at mesmo no mundo moderno. Estas, ao longo do tempo, va-riam em medidas, combinaes e materiais cons-trutivos, mas mantm o desenho que identifica o perodo em que foi concebida, o perodo da Anti-guidade grega.

    A partir da Antiguidade, a arquitetura clssica foi retomada e reinterpretada em perodos poste-riores da histria; ora mantendo as caractersticas

    essencialmente gregas, ora combinando aspectos variados. Usualmente, quando se fala em clssico, reporta-se Antiguidade greco-romana, ou seja, as duas culturas, grega e romana, costumam ser rela-cionadas, como se constitussem um bloco nico. Pode-se dizer que a combinao dos elementos da arquitetura greco-romana colunas, arquitrave, fronto e arcos, que determinam uma ordem foi retomada no perodo do Renascimento, do neo-classicismo, do ps-modernismo, sendo ampla-mente utilizada nos dias atuais, apesar de ter seus aspectos formais distorcidos. A esttica clssica propunha medidas ideais, propores fixas e pa-dres pr-determinados, o que gerava uma arte de grande qualidade tcnica e com a idealizao for-mal prpria do pensamento grego.

    No mundo grego, em que essa estrutura teve origem, prevaleceram sistematizadas trs ordens

    Figura1. Partenon Atenas - 448 a 438 - arquiteto Ictino e decorado por Fdias.

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    diferentes de conjuntos arquitetnicos: a drica, a jnica e a corntia, e cada uma delas possui suas especificidades e aplicaes, que variam de acor-do com a funo do espao onde so aplicadas. A identificao dessas ordens d-se pela estrutura da coluna, pelo desenho do capitel destas, pelo conjunto do entablamento que estas recebem e pelo seu fronto, que arremata todo o conjunto.

    A esse conjunto, denomina-se ordem clssica. As ordens clssicas passaram a ser referncia de

    esmiuada no perodo renascentista. O primeiro terico moderno a discutir o texto proposto por Vitrvio foi Alberti, em seu tratado De re difica-toria. primeira sistematizao, Alberti acres-centou discusses e uma quinta ordem de colunatas, que denominou compsita. Esta or-dem foi caracterizada pela combinao das or-dens corntia e jnica.

    Nas transformaes ocorridas a partir da arqui-tetura clssica, a discusso sobre os modelos ideais foi constantemente reavaliada. Algumas vezes co-piados nos mnimos detalhes e outras vezes reelabo-rados com grande inventividade. Depois do tratado de Alberti, vrios outros tericos da arquitetura tra-aram sua leitura, analisando os textos de Vitrvio, de Alberti e elaborando novos postulados baseados nas informaes sobre a Antiguidade clssica. Du-rante o perodo do Renascimento os nomes que mais se destacaram nesta atividade foram os arqui-tetos: Serlio, Vignola, Palladio e Scamozzi.

    A partir de Alberti, vrios autores vo explici-tar suas leituras a respeito das ordens arquitetni-cas e propor para estas, maneiras diferentes de utilizao. preciso ressaltar que as ordens no constituram necessariamente um cerceamento da criatividade do artista, mas sim abriram possi-bilidades de novas composies, na medida em

    Figura 2. Coluna com capitel Drico.

    modelo em diversos momentos da histria, em-bora tenham sofrido ao longo do tempo uma s-rie de alteraes, de acordo com a situao de sua utilizao: [...] as ordens arquitectnicas no so regras materiais, isto , modelos completamente estabelecidos, mas sim regras ideais que podem traduzir-se concretamente dos modos mais diver-sos (Benevolo, 1987, p. 18).

    O primeiro registro das ordens ocorreu du-rante o apogeu do Imprio Romano, e foi apre-sentada, em De architectura, por Vitrvio, que fez observaes sobre uma quarta ordem, bastante parecida com a drica, que foi denominada tos-cana. Esta sistematizao, embora tenha passado por diversas leituras e interpretaes durante o perodo medieval, s foi novamente estudada e

    Figura 3. Coluna com capitel Jnico.

    Figura 3. Coluna com capitel Corntio.

    Figura 5. Estruturas das ordens gregas Drica, Jnica e Corntia colunas, capitis e entablamento.

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    que se entendia o conceito de modulaes, pro-pores e simetria. Havia oscilaes na maneira de tratar-se os relevos, compor a base das colunas e organizar a estrutura. Cada arquiteto do Renas-cimento encontrou uma maneira de expressar a sua idia de traado, embora partam todos do mesmo tronco comum.

    A combinao dos diversos elementos das or-denaes greco-romanas atingiu seu pice na ar-quitetura de Palladio, arquiteto renascentista que melhor explorou os elementos da Antiguidade, aplicando-os exaustivamente. Palladio tornou-se o grande modelo para a arquitetura neoclssica devido a suas construes harmoniosas, que no se prendiam aos aspectos mais puristas da cons-truo. Seus mtodos compositivos foram inova-dores. Realizou justaposies produzindo efeito de continuidade espacial de carter cenogrfico. Foi o primeiro arquiteto que utilizou sistematica-mente o fronto do templo clssico nas casas pri-vadas (Constant, 1988).

    Summerson, em A linguagem clssica da ar-quitetura, defende a ideia de que a arquitetura,

    para ser identificada como clssica, no basta ter apenas propores clssicas. Mais do que propor-es so necessrios atributos que caracterizem essa estrutura. Os atributos de uma arquitetura clssica so alcanar uma harmonia inteligvel entre as partes. Ou seja, o essencial usar alguns elementos da Antiguidade, e estruturar as formas com base nos conceitos estipulados por esta ordem. Este conceito foi utilizado de maneira sistemtica tanto na arquitetura renascentista quanto na neo-clssica, embora tenha sido constantemente desafia-do por arquitetos como Palladio e Michelangelo.

    A escolha das ordens, no perodo grego, estava de acordo com a funo qual se destinava o edi-fcio em que seriam aplicadas. No Renascimento esta funo simblica descartada como pensa-mento essencial de composio, e as ordens assu-mem uma funo primordialmente ornamental.

    A arquitetura romana que foi caracterizada como clssica teve como base a estrutura esttica da arquitetura grega. Alm dos elementos sistema-tizados por esta, colunas, arquitraves e frontes, foram acrescentados, no esquema das ordens, ar-cos e abbadas de origem etrusca. Com base nos avanos tcnicos, como o arco e o uso do cimento, foi possvel construir estruturas urbanas, como aquedutos e estradas pavimentadas, alm de diver-sos edifcios pblicos administrativos, que favore-ceram a organizao das cidades. Nas artes plsticas os romanos criaram obras com aspectos de realis-mo, substituindo as imagens idealizadas gregas.

    Por meio das estruturas dos arcos e do uso da argamassa utilizada para unir os tijolos, os ro-manos conseguiram um desenvolvimento arqui-tetnico mais elaborado. O arco possibilita na

    Figura 6. Ordens da arquitetura clssica: Toscana, Drica, Jnica, Corntia e Compsita.

    Figura 7. Il redentore Andrea Palladio Veneza - 1577.Figura 8. Interior do Panteo 25 a.C. Marco Vipasiano Agripa.

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    construo uma distribuio melhor do peso aplicado a um vo entre colunas e por isto viabili-za a construo com segurana, e assim foi poss-vel elevar mais de um pavimento na edificao com vos maiores e medidas variadas.

    A estrutura grega era composta por uma viga plana que se caracterizava por ser uma estrutura mais frgil, pois, se for aplicada uma fora ao vo de uma viga compreendido entre dois pilares, esta se concentrar totalmente no ponto central desse vo, e isso o torna frgil e suscetvel de ruptura. Uma for-a aplicada em uma estrutura em arco distribui-se por toda a sua extenso, e no apenas em um ponto central. Assim, a estrutura torna-se capaz de susten-tar cargas maiores, o que contribuiu muito para que a arquitetura romana realizasse construes com vrios pavimentos superpostos. A estrutura propos-ta pelos romanos, usando arcos possibilitou cons-trues mais elaboradas e grandiosas.

    As formas do perodo clssico greco-romano foram retomadas no perodo da Renascena, no qual a preocupao primordial era resgatar os elementos da Antiguidade. No Renascimento, as pesquisas formais e estticas partiram das que fo-ram identificadas no mundo romano, ou seja, a leitura que seus arquitetos tero do mundo grego j uma leitura transformada pela apropriao de outra cultura, pois no Renascimento os constru-tores no tinham acesso s construes gregas. Nesse momento inovaram-se as possibilidades de uso dos elementos plsticos construtivos. Os ar-tistas e arquitetos do Renascimento no apenas copiavam os ornamentos e as estruturas constru-tivas e os aplicavam s suas composies, como recriavam com base nas formas conhecidas, for-mulando propores inovadoras em busca de

    alcanar-se equilbrio e harmonia: elementos im-prescindveis ao pensar-se em uma esttica clssi-ca. No Renascimento, partiu-se dos elementos bsicos da arquitetura romana e foram acrescen-tadas modificaes como o estilo monumental e a rusticao.

    No estilo monumental, tambm chamado de ordem colossal, as propores das alturas das colunas foram alteradas, cobrindo o equivalente a dois ou mais pavimentos, o que tornou a fachada mais imponente. Isso altera substancialmente o conjunto da fachada, que, abrangida na altura, em

    Figura 9. S. Andra Mantua construda por Alberti 1472.

    Figura 10. So Pedro - Roma Michelangelo sc. XV estilo monumental.

    grande parte, pela coluna, transfere para o conjunto a idia de monumentalidade. O espao interno da construo em que esse recurso aplicado exibe ps-direitos altssimos, e o edifcio torna-se visual-mente mais imponente. Neste procedimento muitas vezes se trabalhou na fachada, destacando cada pa-vimento com detalhes diferenciados. A coluna visvel no primeiro pavimento no repetia necessa-riamente a mesma ordenao no segundo pavimen-to, e assim por diante. Poderia existir uma coluna monumental no primeiro pavimento, e em seguida dois ou trs pavimentos com colunas em suas pro-pores originais. Ou seja, a rigidez do conceito clssico passou a ser adaptada aos novos anseios de uma sociedade marcada pelo mercantilismo.

    A rusticao significou, inicialmente, uma forma rude, tosca e sem grande acabamento de revestir paredes com pedras cortadas irregular-mente. Marcava assim a estrutura bruta desta, que deveria permanecer com um aspecto bruto, como se tivesse sido tirada de uma pedreira e mantida em sua estrutura original. Esta aparncia

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    s se revelava na face externa do edifcio, nas jun-es, a pedra era perfeitamente recortada, o que caracteriza sua condio de ornamentao. Essa rusticidade intencional foi considerada como ele-mento diferenciador e esttico, e, com o passar do tempo, tornou-se um item de extremo requinte. Pde ser vista, tambm, como um modo de dar um tratamento alvenaria para dar ao edifcio, ou a parte dele, um detalhe ou nfase especial. Era uma forma de trabalhar-se a alvenaria ou o vo entre as pedras que recobriam a fachada. Sulcos profundos salientavam os blocos que a compu-nham, e poderiam ser verdadeiros, quando a fa-chada era revestida de pedra, ou fictcios, quando a argamassa de revestimento era trabalhada de modo que aparentasse blocos divididos. Seu aca-bamento variava entre liso e polido, ou spero e rugoso, mas sempre salientava um aspecto mais rstico na fachada, como se a parede fosse cons-truda unicamente de pedras.

    Esse recurso ornamental transmitia ao edifcio a idia de rusticidade e antiguidade, imprimindo fachada um aspecto de desgaste pelo tempo. Ou-tras vezes este elemento transmitia a aparncia de uma muralha de fortaleza, lembrando as constru-es medievais. A rusticao geralmente acres-centa fachada destaque e imponncia, e esta ideia de remeter-se ao passado um dos aspectos que se podem verificar na arquitetura contempornea, como se ver mais adiante neste trabalho.

    No perodo do Renascimento houve variaes na apresentao das colunas, o que as tornou, muitas vezes, elementos decorativos nas fachadas. Estas no mais assumiam simplesmente a funo de sustentao de um entablamento, funo esta

    que em grande nmero dos casos tornou-se ape-nas fictcia. O apoio representado pela coluna em muitos casos totalmente desnecessrio estrutu-ralmente, mas, por enfatizar o aspecto do classi-cismo, no descartada, e sim apresentada com variaes. As colunas aparecem junto s paredes, ou ainda fazendo parte destas, sendo evidentes muitas vezes apenas como um pequeno relevo.

    possvel identificar alguns modelos de colu-nas que se tornaram convencionais a partir do Renascimento. Colunas isoladas so deslocadas das paredes. As destacadas acompanham uma pa-rede na qual no encostam, em geral no possuem funo estrutural. H tambm aquelas que se en-contram parcialmente embutidas nas paredes, dando a impresso de que emergem de dentro

    Figura 11. Palcio del T - Mantova Giulio Romano 1525-1535 paredes com rusticao.

    Figura 12. Palcio Rucelai Florena Alberti - 1451 pilastras com tipologias diferentes de capitis marcam a fachada.

    desta, e por fim as pilastras que so representaes planas de colunas, formando um relevo na parede.

    Na Renascena no encontramos a pureza de linhas e formas do perodo grego. Quando se afir-ma que houve um retorno Antiguidade clssica, no Renascimento, o que se tem a combinao de diversos elementos que passaram por remodela-es e releituras. Mesmo na arquitetura da Anti-guidade, no h uma total homogeneidade formal, como as ordenaes sistematizadas induzem a crer. Ao comparar os tratados dos mestres renas-centistas, possvel perceber variaes formais ao falar-se de um mesmo modelo adotado. Cada um deles interpreta a forma com detalhes diferencia-dos. Percebem-se variaes entre os templos que se utilizam das ordens dricas ou comparando-se dois elementos de qualquer das ordens emprega-das. Existe, sim, uma proporo seguida, mas no

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    uma cpia exata de modelos. Como citado ante-riormente, houve no Renascimento dois arquite-tos que levaram a ideia de combinar as formas clssicas ao limite das possibilidades. O primeiro deles Michelangelo, que, por suas formas ousa-das, pde ser identificado como um precursor das formas barrocas de construir-se, e o outro Palla-dio, que apresentou uma arquitetura que se tor-nou modelo para o ressurgimento da arquitetura clssica no sculo XIX, a neoclssica. Argan (1995) diz que Michelangelo e Palladio foram ao mesmo tempo clssicos e anticlssicos, por suas posturas marcadas pela tenso no processo de criao, em que partem de formas clssicas e chegam a pro-postas inusitadas.

    As maiores inovaes do perodo renascentista podem ser evidenciadas nas propostas de Michelan-gelo Buonarroti, artista que ousou romper com qua-se todos os modelos pr-estipulados, realizando as mais variadas possibilidades de combinaes. Du-plicou colunas e inverteu capitis. Comps frontes com volutas. Agrupou volutas e meias volutas. Rea-lizou novos modelos de capitis e alterou os frisos das colunas. Michelangelo, em suas buscas criativas, nunca se deixou limitar por regras pr-definidas. Fazia questo de combinar os diversos elementos, buscando possibilidades inventivas.

    Sua arquitetura assumia aspectos escultri-cos, alis, tudo para ele poderia ser resumido em escultura, que era a arte de seu total domnio. Tan-to so escultricas suas arquiteturas, que trabalham a superfcie salientando os volumes, quanto suas pinturas que so representadas dando a iluso de grande volumetria. Nas pinturas, usou figuras re-

    presentadas em um volume corporal to saliente quanto o de uma escultura. As propostas de Mi-chelangelo para a arquitetura tornaram bastantes evidentes durante o perodo barroco, quando a combinao de elementos arquitetnicos diferen-tes foi apresentada com grande destaque.

    Andrea Palladio empregou a frmula clssica revelando amplo conhecimento da Antiguidade e revelando criatividade nas formulaes plsticas marcadas por combinaes estruturais, formais e ornamentais. Apresentou sua linguagem arquite-tnica, marcada pela inveno artstica, nos Quat-tro Libri dellArchitettura, que escreveu em 1570. Este tratado foi organizado como um guia metodo-lgico e tornou-se referncia no mundo ocidental,

    Figura 13. Biblioteca Laurenciana Florena Michelangelo 1525-34 combinao de elementos arquitetnicos diferentes.

    abrindo espao para uma corrente arquitetnica que foi denominada palladianismo. Palladianos foram os arquitetos que a partir do sculo XVIII passaram a copiar os modelos de composio apresentados por Palladio no sculo XVI.

    Como profissional organizado que era, Pal-ladio projetava mais compondo que inventando. Formou para si um repertrio de formas indi-viduais e de grupos formais, uma morfologia e uma sintaxe, a novidade da soluo de conjunto depende do valor espacial e luminoso que quer dar ao ambiente com a introduo do edifcio. Definiu tipologias e, naturalmente, serve-se delas. Sobretudo por isso sua arquitetura foi tomada como modelo pelos arquitetos neocls-sicos (Argan, 1995, p. 160).

    figura 14. Villa Foscari Malcotenta di Mira Veneza Palladio 1558-60.

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    As formas clssicas que haviam sido recupera-das no Renascimento, mesmo que com abruptas alteraes, sofreram modificaes mais significati-vas no momento que se seguiu. Durante o perodo barroco pde-se identificar nas construes arqui-tetnicas: duplicaes de colunas; colunas quadra-das, combinadas com colunas circulares; pilastras, combinadas com meias-colunas. Capitis jnico e corntio combinados em uma mesma fachada. Repetio de estrutura de frontes nos diversos pavimentos da construo. Frontes que recebem apliques de volutas e que assumem formas curvil-neas, aparecendo duplicadas, enquanto volutas esparramam-se pela fachada. Arquitraves apre-sentam-se fragmentadas e escalonadas. Pode-se perceber nessa arquitetura a utilizao de vrios elementos que foram sistematizados no mundo clssico, mas dispostos agora de modo que desto-am dessa proposta de construo, do que se con-clui que a utilizao desses elementos sem que se obedea a alguns pressupostos de modulao e proporo descaracteriza o conceito clssico de construir. No perodo barroco, os elementos ditos clssicos so apresentados totalmente dissociados

    de suas funes originais e estruturais, assumindo um aspecto principalmente de ornamentao. O barroco pode ser visto como um momento ecltico da histria da arquitetura, se clssico for entendido como a organizao de elementos agrupados de perodos diversos, e ecltico como a juno de ele-mentos diferenciados sobre uma mesma estrutura.

    Essa estrutura arquitetnica no pde ser clas-sificada como clssica, pois no apresenta aluses s ordens da Antiguidade, nem tem a sua regula-ridade. A composio to complexa, que a identi-ficao clssica de ordenao e composio torna-se impossvel. Embora o barroco faa aluses, a ele-mentos do clssico, este estilo no tem a estrutura harmnica e as propores espaciais que o clssico exige. No Renascimento, embora haja combina-es de formas diferentes, as relaes das ordens so sempre perfeitamente sistematizadas.

    O exagero de formas combinadas nas fachadas e interiores das construes barrocas foi a soluo encontrada pela Igreja da Contra-Reforma para salientar a grandeza e a riqueza da Igreja Catlica, que se utilizou de diversas possibilidades de com-binaes estilsticas para tornar estas construes mais atraentes, no intuito de convencer os fiis de sua importncia e riqueza. A decorao das igre-jas, do perodo barroco, servia como instrumento de propaganda da Contra-Reforma, objetivando seduzir os fiis para que continuassem a seguir a f catlica.

    Figura 15. Igreja de Ges Roma Vignola e Giacomo della Porta sc. XVI fachada tipicamente Barroca.

    As propostas formais que identificam a obra de Palladio no tinham precedentes. Embora te-nha observado e estudado as recomendaes dos outros tratadistas do Renascimento, como Sam-michelli e Serlio, no assumiu nunca uma carac-terstica acadmica. O contraste entre o slido e o difuso exerceu grande fascnio sobre ele, o que re-sultou em uma arquitetura de aspectos teatrais, como disse Argan em Histria da arte como hist-ria da cidade.

    Figura 16. Igreja de Madeleine Paris sculo XIX Neoclssico com resgate grego.

    No sculo XIX o neoclassicismo utilizou-se das regras clssicas, buscando fidelidade e pureza arqueolgica. A fonte de inspirao desse perodo

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    foi primordialmente o mundo grego. Nesse mo-mento, o aspecto resultante da arquitetura no foi o de interpretao e recriao das imagens gregas ou romanas, houve uma apropriao dos elemen-tos gregos, e no uma retomada dos ornamentos greco-romanos como acontecera no Renascimen-to. O neoclssico repete as formas da Antiguidade grega, mas em edifcios com funes diferentes daquelas que os templos demarcavam. Resgatou-se a primeira sistematizao que teve origem na Grcia, em que as ordens de colunas eram dividi-das em dricas, jnicas e corntias, mas o modelo de fachada no indicava mais qual a funo reali-zada no edifcio. O neoclssico fixou-se em mo-delos, que repetiu em diversas construes, de funes e lugares diferentes. Ficou identificado como um estilo de fachada. Usaram-se os ele-mentos formais gregas como adornos descart-veis, j que estes no tinham uma significao simblica compatvel com o espao para o qual estavam sendo criados. O exterior com aspectos gregos no correspondia estrutura do edifcio, apenas obedecia busca de uma certa visualida-de. Essas utilizaes no possibilitaram grandes criaes e inovaes para a arquitetura desse pe-rodo, tornando-a muitas vezes mera repetio.

    O clssico utilizado na Renascena o greco-romano, enquanto o do neoclssico o grego. medida que o estilo neoclssico popularizou-se, foi possvel identificar neste combinaes que resgatavam no s a Antiguidade clssica, greco-romana, como tambm aspectos do Renascimen-to. Os elementos da Antiguidade foram copiados e aplicados nas fachadas sem que necessariamente

    houvesse relaes de proporo e similitude entre a fachada e o ornamento utilizado.

    Foi na Inglaterra que ressurgiu o conhecimento sobre a arquitetura grega, e a partir da esse reper-trio formal estendeu-se pela Europa e difundiu-se na Amrica do Norte. O neoclssico foi marcado pelos adeptos do ressurgimento do estilo grego, que foi possvel devido pesquisa desenvolvida por James Stuart e Nicholas Revett, pesquisadores ingleses que foram para Atenas el permaneceram por trs anos realizando pesquisas e registros a res-peito da arquitetura dos templos gregos.

    Figura 17. Gliptoteca de Von Klenze sc. XIX as mesmas caractersticas podem ser encontradas em uma igreja ou em um museu.

    Figura 18. Panteon de Paris 1791 segue modelo do Panteo Romano.

    Em 1762 eles publicaram o primeiro volume de seus livros, contendo desenhos com medidas precisas de edifcios gregos, e tornaram-se autori-dades reconhecidas nesse assunto. A pesquisa no territrio grego at ento no havia sido realiza-da, dada a comodidade que havia em se aceitar as referncias romanas como precisas. Alm disso, como a Grcia no era regio de fcil acesso, por fazer parte do Imprio Otomano, as primeiras re-ferncias eram tidas como as ideais. Com o cres-cimento da busca cientfica no sculo XIX, todas as teorias passaram a depender de comprovao factual, e foi isto que os ingleses fizeram.

    No sculo XIX, no perodo neoclssico, no houve a reinterpretao das formas estudadas, como havia acontecido no Renascimento, mas sim a cpia destas, o que gerou certa homogeneidade visual entre as construes europias. Houve uma busca por todas as fases do desenvolvimento cls-sico, e o passado tornou-se a fonte de inspirao. Recorreu-se arte greco-romana apenas no que

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    tange a aspectos decorativos que se aplicam su-perfcie plstica e volumtrica, e no no que diz respeito ao partido arquitetnico. O foco de aten-o eram somente as fachadas, sem existir preocu-pao com as concepes de espao. O neoclssico trouxe tona as propores mtricas da Grcia antiga. Os frontes novamente se encheram de relevo escultrico. Houve um predomnio de uso de colunas dricas e jnicas, e as construes no assumiam grandes alturas. Houve nesse momento diversas cpias de monumentos antigos, como o caso do Portal de Brandeburgo, que copia a estru-tura formal dos Propileus, da Acrpole de Atenas.

    A crtica que se fez esttica neoclssica prende-se ao fato de ela simplesmente deter-se em copiar as imagens, no acrescentando nada de novo, quanto a modelos, propores e distanciamentos, o que no lhe conferia caractersticas de criao e inovao. Usou uma mtrica e uma estrutura que em nada condizia com as funes que o edifcio assumiria. Encontra-se a o mesmo modelo aplicado em arqui-tetura de igreja, museu, prdio administrativo e es-cola. Ao se olhar a fachada, impossvel identificar a que funo se destina tal estrutura de fachada.

    O pensamento iluminista ps em questo a validade de todas as instituies tradicionais e, participando no debate arquitetnico, conseguiu clarificar, o verdadeiro alcance e o valor normati-vo das regras formais do classicismo, fazendo uma anlise objetiva dos ingredientes da lingua-gem clssica e explorando as fontes histricas, das arquiteturas antigas. Nasce neste momento a no-o de arqueologia. Descobriu-se Herculano em 1711, a Villa Adriana de Tivoli em 1734 e Pom-pia em 1748. Surgem os primeiros estudos fide-dignos das antiguidades gregas, realizados por Stuart e Revett entre 1751 e 1754 e publicados em 1762, e, posteriormente, o encanto pelos monu-mentos orientais, chineses e japoneses, que eram vistos como exticos. Em 1755, Winckelmann sistematizou estes resultados e apoiou a Histria da Arte em bases cientficas. Situadas as regras em sua correta perspectiva histrica, perde-se ne-cessariamente sua suposta universalidade, e des-cobre-se o carter precrio da convico que dominava, desde o sculo XV, a experincia ar-quitetnica europia (Benevolo, 1987).

    Alm da influncia grega, tivemos nesse per-odo, vrias outras apropriaes da Antiguidade, e tambm dos perodos medievais e modernos. En-tre elas, podemos mencionar o legado da cultura egpcia, que se tornou vivel pela descoberta da pedra da Roseta em 1799, por soldados do Exr-cito de Napoleo e pela sua identificao realiza-da pelo arquelogo francs Jean Franois Champollion, o qual conseguiu decifrar os hier-glifos graas s comparaes com a escrita grega.

    As escavaes arqueolgicas, que comearam a ser sistematizadas no sculo XVIII, trouxeram novos olhares e interpretaes sobre a histria. As enciclopdias surgem com o objetivo de sistemati-zar e organizar o conhecimento. Os pesquisadores procuram entender e resgatar o passado. Surge tambm nesse momento o interesse pelas restau-rao e preservao dos elementos que identifica-vam a histria da humanidade. Nesta preocupao vale citar o nome do arquiteto e escritor francs Viollet-le-Duc, que dedicou pesquisas a respeito da arquitetura gtica, a qual ele identificou como um meio racional de construir. O sculo XIX visto por vrios autores como um grande divisor

    Figura 19. Capitlio de Washignton 1793 estilo neoclssico - EUA.

    Figura 20. Portal de Brandeburgo - Berlim - 1791.

  • 384 nteo slzno l Anlise de um livro didtico

    de guas para a histria da humanidade. Ren Huygue, em Sentido e destino da arte, inicia o ca-ptulo em que discute esse sculo afirmando que, na histria do Ocidente, o sculo XIX aparece como um momento essencial: todo o passado parece aqui vir dar, todo o futuro se mostra aqui em grmen. O passado manifesta-se principal-mente pelas descobertas histricas e arqueolgicas, e o futuro apontado pelas mudanas tecnolgi-cas e sociais resultantes da Revoluo Industrial e da Revoluo Francesa, o que resultar em des-dobramentos que efetivaro a esttica moderna no incio do sculo XX.

    outros problemas de ordem urbana e social foram criados. As cidades tornaram-se poludas, no s pelas chamins das fbricas, mas tambm pela falta de saneamento bsico em um espao urbano que viu em poucos anos sua populao duplicada ou mesmo triplicada. Mas, por outro lado, as cidades passaram a ter transportes pblicos e havia uma maior facilidade para o deslocamento. A cidade tornou-se aos poucos um local extremamente atra-tivo em que a oferta de mercadorias crescia a cada dia. Esse quadro configurado pela virada do sculo XX apresentado no captulo do ecletismo.

    No campo das artes, com o advento do neo-classicismo, houve a estruturao da academia, o que contribuiu em muito para a divulgao e po-pularizao de todas as manifestaes artsticas. A academia imps suas regras de composio e representao em todas as reas da criao. Ao mesmo tempo em que ditava regras, a academia propiciou o contato mais efetivo com a arte, que agora no era mais exclusividade da Igreja ou da corte. A popularizao das artes, nesse momento, gerou um perodo de grandes transformaes estilsticas, que partiram do neoclassicismo e chegaram at o impressionismo, passando pelo romantismo e o realismo. O primeiro mostrou as regras aprendidas com o mundo grego e acreditava que a arte poderia servir como um instrumento de orientao para a sociedade. O romantismo buscou escapar da realidade, criando uma socie-dade perfeita, mas ilusria. Defendia o contato com a natureza e o retorno ao mundo medieval, que foi visto, neste perodo, de uma maneira bastante distorcida e idealizada. O realismo representou as

    Figura 21. Vila de Adriano Tivoli 118-130 d.C.

    Figura 22. Casa de Vnus Pompia.

    Ao mesmo tempo em que se estudava e exalta-va o passado, os pensadores do sculo XIX depa-ravam com a nova tecnologia da indstria que se expandia e se estruturava. Ficaram em evidncia, nesse momento, todas as possibilidades inventivas dos novos materiais e tambm todas as dvidas enfrentadas pelo homem do perodo industrial. No primeiro momento da industrializao, muitas eram as dvidas sobre os benefcios ou malefcios desse processo. Ao mesmo tempo em que como-didades e necessidades foram satisfeitas, muitos

    Figura 23. Castelo de Carcassone restaurado por Viollet le Duc.

  • out. no. dez. l l no , n l -46 nteo 385

    certezas e as verdades sociais e visuais, identifican-do imagens em que o indivduo passa a valer pelo que faz, e no mais pelo que . Isso fica evidente nas obras do pintor Millet, que representa traba-lhadores, com seus ofcios perfeitamente identifi-cados, e seus rostos aparecem escondidos, em uma mancha sem definio. O impressionismo, que se inicia no final do sculo XIX, buscou mostrar a

    de formas mais racionais que possam refletir as ne-cessidades do homem industrial.

    O ecletismo do final do sculo XIX sobreps-se ao neoclssico, agrupou elementos de composio de diversos perodos, combinando-os de maneiras variadas, e s foi superado pelas propostas racio-nalistas que fundamentaram a arquitetura moder-na. No foi de modo nenhum determinado pela tcnica construtiva, uma vez que o perodo de in-cio de industrializao era mais propcio a raciona-lismos do que a agrupamentos de elementos suprfluos. Com o ecletismo, buscaram-se nas

    Figura 24. Ilustrao que mostra Londres poluda pelas chamins.

    Figura 25. Postal Paris da Belle Epoque La Rue de Belleville.

    natureza com base em um olhar verdadeiro e mo-mentneo. Podemos dizer que o impressionismo juntou o conceito romntico de olhar a natureza como algo ideal com o pensamento do realismo, que busca a verdade do que est sendo visto. Disso deriva uma imagem que mostra o momento passa-geiro. O resultado uma imagem percebida, insi-nuada, determinada apenas por poucas pinceladas, sem grandes detalhes de acabamento, mas, ao mes-mo tempo, dotada de grande veracidade de infor-mao. Na arquitetura, as propostas estilsticas que foram sistematizadas no neoclassicismo passaram por diversas alteraes tcnicas e formais, resultan-do no ecletismo e terminando o sculo procura

    Figura 26. Juramento dos Horcios David arcos romanos ao fundo.

    formas do passado os temas que serviam funcional e simbolicamente para as construes. Em contra-partida, o movimento moderno, que caracterizou o sculo XX, devido sua limpeza formal, afastou o pblico comum, pois props uma arquitetura sem possibilidades de identificao com refern-cias histricas. Essa arquitetura moderna foi vista como a resposta aos novos tempos, e seu partido racionalista deveria atender s necessidades do novo homem da sociedade industrial.

    Figura 27. Catedral de Salisbury vista do jardim do bispo Constable. A catedral gtica em meio a paisagem marca o romantismo.

  • 386 nteo slzno l Anlise de um livro didtico

    A arquitetura moderna considerada por al-guns autores como uma proposta clssica, pois estabelece modulaes, propores e ritmo, o que resulta em uma composio harmnica. O que a distancia da proposta clssica tradicional a ne-gao de ornamentaes, enquanto detalhes de diferenciao. Ela buscava uma estrutura que pu-desse ser repetida ao infinito e exigiu, em seu pro-cesso de concepo, modulaes que facilitassem

    Conforme as modulaes passaram a ser utiliza-das, as construes foram assumindo um ritmo na apresentao de seus efeitos, o que conferia a essa arquitetura moderna o efeito clssico, estabe-lecido desde a Antiguidade, de acordo com o qual a distribuio das colunas com base em uma divi-so exata criava um ritmo uniforme.

    Observam-se essas modulaes nas propostas racionalistas e funcionalistas dos arquitetos mo-dernos Le Corbusier, Walter Gropius ou Mies van der Rohe. Le Corbusier, ao formular os cinco pontos da arquitetura moderna, trabalha com a idia primordial de modulao. Walter Gropius,

    Figura 28. Catedral de Rouhen Monet esta igreja foi pintada 14 vezes no mesmo dia.

    Figura 29. Kedleston Hall Robert Adam 1765 - ecletismo.

    o processo industrial. A modulao favorecia a reproduo em srie, e, por isso, era vista como uma das solues para a arquitetura, que deveria adequar-se s necessidades do mundo industrial. A indstria necessitava de padres que pudessem, uma vez sistematizados, ser reproduzidos em srie. Uma forma plstica, que no fosse passvel de pro-duo seriada, no cumpria as necessidades da in-dstria e, portanto, era descartada pelos defensores da arquitetura moderna e pela industrializao.

    As propores partem do princpio da modula-o, que, uma vez instauradas e seguidas, possibili-tam ao conjunto arquitetnico aplicao racional, podendo ser multiplicadas ou subdivididas.

    Figura 30. As respigadeiras - Millet o indivduo ressaltado pelas suas atividades

    ao buscar uma arquitetura que resolvesse o con-ceito de forma e funo, como a essncia da ar-quitetura moderna, acaba descartando todos os ornamentos das fachadas e estruturas arquitet-nicas, e Mies van der Rohe, ao defender a ideia de que menos mais, cria espaos em que as subdi-vises desnecessrias so suprimidas, criando um novo conceito de habitar, interligando espaos.

    Gropius, ao criar a Bauhaus, buscou na Grcia um dos pontos para o desenvolvimento de suas

    Figura 31. Villa Savoye Le Corbusier 1928-1930 - Frana.

  • out. no. dez. l l no , n l -46 nteo 387

    concepes. Tomou como lema o conceito grego de que s belo, se tiver funo, ajustando-o ideia de que toda beleza derivada de uma fun-o bem resolvida. Alm do conceito grego, usou tambm o conceito renascentista de que o homem o centro do universo, adaptado como o homem o centro de todas as medidas. Percebe-se, por essas atitudes, que o perodo moderno, alm de ter aspectos visuais do mundo clssico, v nas propores estruturais clssicas o modelo ideal para sua composio.

    De acordo com um dos principais postulados do modernismo, afirmava-se que o ornamento, enquanto acrscimo decorativo, era degradante e, portanto, deveria ser abolido. A beleza de uma composio deveria ser resultado apenas de sua

    problema da arquitetura e do urbanismo moder-nos, diz Venturi, serem excessivamente reducio-nistas [...] A incluso, alega Venturi, cria uma tenso artstica positiva e conduz a uma condio plena de possibilidades interpretativas (Nesbitt, 2006, p. 91). As referncias so importantes como elementos de identificao do indivduo com seu espao de habitao ou de convvio.

    Figura 32. Arquitetura industrial na Alemanha Peter Beherens.

    Figura 33. Casa de Gropius Lincoln - Massachussets Walter Gropius sc. XX.

    forma plstica estrutural. A limpeza formal que a arquitetura moderna props apresentou uma as-sepsia tal, que causou o distanciamento das pes-soas comuns, que no mais encontravam naquelas propostas arquitetnicas referncias que tivessem significado dentro de uma histria de vida. O

    Figura 34. Farnsworth House - Mies van der Rohe - 1951.

    A fim de que se atendessem as propostas do mundo industrial, foi construda uma arquitetura sem ornamentos. O racionalismo do incio do scu-lo XX no responde simplesmente a um gosto est-tico, ele refletiu o momento vivido, em que se procurava adequar solues formais aos recursos tecnolgicos e s novas necessidades da sociedade.

    Ser moderno era ser livre de elementos da tra-dio, como propunha o futurismo, que falava em queimar museus, para que o passado no prejudi-casse as conquistas do futuro. O racionalismo do movimento moderno refletia o novo homem, que descartava os suprfluos e que acreditava no pos-tulado de que menos mais. Para a concretiza-o da arte moderna, em especial da arquitetura moderna e seus desdobramentos na rea do design,

    Figura 35. Adolf Loos a negao dos ornamentos.

  • 388 nteo slzno l Anlise de um livro didtico

    a ornamentao enquanto aplique, superposto ou sobreposto, era um aspecto a ser totalmente descar-tado. O moderno era totalmente contra o ecletismo, que tinha agrupado todos os estilos e ornamentos. Esta leitura deve-se ao fato de que o ornamento era visto como um acrscimo que no contribuiria para a realizao da funo do elemento.

    Tudo o que pudesse ser descartado ou visto como acrscimo era desprezado pelas propostas racionalistas e funcionalistas. A forma do objeto deveria ser resultante apenas de suas funes re-solvidas em sua totalidade.

    Na viso moderna, o ornamento servia para atrair a ateno do consumidor que muitas vezes se descuidava da verdadeira funo do objeto. Ao observar-se um objeto art nouveau, com bastante probabilidade, diz-se que belo, mesmo que no

    moderno, que acreditava em estruturas gerais, formas universais, resultantes apenas do atendi-mento das funes do objeto. No se considerou que o diferenciar-se tambm um objetivo das pessoas. Nesse sentido, a arquitetura moderna no poderia responder aos anseios do indivduo, pois acreditava em frmulas gerais, representadas por estruturas retilneas desprovidas de ornamen-tos e referncias.

    A tendncia dos arquitetos modernos ortodoxos tem sido reconhecer a complexidade de maneira insuficiente ou inconsistente. Na tentativa de romper com a tradio e comear tudo de novo, eles idealizaram o primitivo e o elementar s custas do multiforme e do refinado. Como participantes de um movimento revolucionrio, aclamaram a novidade de funes modernas, ignorando suas complicaes. Em seu papel de reformadores, defenderam com veemncia puritana a separao e excluso de elementos, em vez da incluso de vrios requisitos e suas justaposies (Venturi, 2004, p. 3).

    A arquitetura moderna tornou-se elitista, pois s encontrava leitores naqueles que entendessem as propostas deterministas de um racionalismo que buscava essencialmente atender s necessida-des bsicas do morar. A preocupao essencial de unir forma e funo no apresentou elementos que possibilitassem o apego a estas estruturas. A limpeza excessiva, ao invs de atrair, afastou.

    O adereo liga o indivduo s suas emoes, s suas histrias, sua identidade. confortvel

    Figura 36. Casa modernista de Warchavchik 1930 So Paulo.

    funcione bem. O ornamento, ento, passou a ser visto, pelas

    concepes modernas, como um desvio da aten-o da verdadeira funo e, por isto, deveria ser descartado, dando lugar a objetos completamente desprovidos de ornamento, com total limpeza de detalhes suprfluos em sua estrutura.

    O estilo moderno teve como sua principal proposta, a limpeza formal, mas o que resultou que esta limpeza gerou um distanciamento tanto para o usurio quanto para o espectador, por se afastar de uma identidade particular.

    A limpeza da estrutura tornou o objeto frio e distanciado do usurio. Percebemos a que o ser humano, enquanto consumidor, necessita da in-dividualidade, da diferenciao; conceitos que es-tavam distantes das propostas do movimento

    Figura 37. Vila Gamboa - Warchavchik e Lucio Costa Rio de Janeiro.

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    olhar uma imagem e ser remetido a uma lem-brana. O vazio, de acordo com o senso comum, gera repulsas, por no oferecer um ponto de apoio. Ele generalista e resulta na falta de iden-tidade. O ornamento possibilita a diferenciao e traz elementos carregados de histria, tornando-se mais atraente, por remeter a locais e histrias distantes. Ele se destina a um consumidor que acredita em belas artes, tradio, academia, etc., tal como o frequentador dos Sales de Paris do sculo XIX. O indivduo v no ornamento o meio pelo qual ele pode distinguir-se dos demais, mes-mo quando este simplesmente utilizado como possibilidades repetidas de rearranjo; ainda as-sim, ele permite a diferenciao.

    A arquitetura contempornea rompe com o racionalismo ditado pelo movimento moderno ao propor uma formulao repleta de adornos. Encontra-se nela a utilizao de ornamentos que remetem, na maioria das vezes, a propostas sedi-mentadas no mundo clssico greco-romano, e as formas aplicadas so combinadas, com outros elementos, em proposies diversas de sua estrutu-ra de composio original. As formas clssicas so resgatadas de modo distorcido e transformadas em composies que traduzem apenas lembran-as de uma forma do passado, o que evidencia-do na arquitetura de Charles Moore.

    O meio mais simples e natural para exprimir a ordem dos sonhos para Moore o de utilizar as coisas memorveis de outros tempos e de outros lugares, portanto o recurso memria, mas tambm a modificao e a miniaturizao do modelo evocado. A sua arquitetura decidida

    e definitivamente figurativa, procura uma refer-ncia exterior nas predilees de um cliente, nas suas viagens, nos seus desejos (Portoghesi, 1982, p. 98).

    As referncias a estilos do passado passam a ser realizadas em estruturas de gesso, argamassa, resi-nas e metlicas. Servem como ornamento que pre-tende refletir o status e o perodo a que se referem, e no como parte integrante e necessria ao edifcio.

    Uma srie de eventos e propostas de reformu-laes abriu espao, a partir dos anos 60, para a introduo da denominao ps-moderno para as transformaes apresentadas pela arquitetura desse momento em diante. O primeiro nome que se destacou nessa proposta foi Philip Johnson, consagrado arquiteto da modernidade, que havia trabalhado na construo do Seagram Buiding com Mies van der Rohe, em 1959. No incio dos anos 60 declara publicamente seu afastamento da arquitetura moderna e inicia experincias que utilizam referncias histricas e fantsticas, com total liberdade. considerado o patriarca do Post Modernism. Em 1966, Robert Venturi, ao lanar Complexidade e contradio em arquitetura no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, chama a ateno para as possibilidades do fazer arquitetnico, tornando-se um dos primeiros te-ricos ps-modernos.

    Em 1969, Kenneth Frampton apresenta, num encontro tambm organizado pelo MoMA, o grupo que ser depois chamado de os cinco ar-quitetos de Nova York: Peter Eisenman, Michael Graves, Charles Gwathmey, John Hejduk e Ri-chard Meier, que se destacaram por realizaes

    Figura 38. Casa das Rosas Avenida Paulista So Paulo - ecletismo.

    Figura 39. Piazzi d Itlia - Charles Moore New Orleans 1976-9.

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    dentro da nova esttica. O crtico ingls Charles Jencks, em 1973, escreve um polmico texto, Mo-dern Movements in Architecture e em 1977, ao pu-blicar The Language of Post-Modern Architecture, analisa as ltimas transformaes da arquitetura com os instrumentos da lingustica, afirmando que a decadncia j se deu. Com lcida ironia, fixa at a data exata da morte da arquitetura mo-derna: s 15h32 do dia 15 de julho de 1972, mo-mento da destruio, por dinamite, do complexo de edifcios Pruitt-Igoe, em St. Louis, Missouri, construdo em 1951, segundo os ideais progres-sistas dos Ciam, e premiado, na ocasio, pelo Ins-tituto do Arquitetos Americanos. Esse conjunto, que havia sido smbolo da moradia moderna, degradara-se a tal ponto, que as autoridades lo-cais resolveram destru-lo, por terem concludo que os problemas sociais encontrados nesse con-junto eram resultado de sua estrutura arquitet-nica, que no atingira as necessidades locais. A atitude de atribuir-se a uma estrutura arquitet-nica o fracasso de um sistema foi uma postura extremamente radical.

    Para aqueles/as tericos/as que acreditam que as identidades modernas esto entrando em colapso, o argumento se desenvolve da seguinte forma. Um tipo diferente de mudana estrutural est transformando as sociedades modernas do final do sculo XX. Isso est fragmentando as paisagens culturais de classe, gnero, sexuali-dade, etnia, raa e nacionalidade, que, no pas-sado, nos tinham fornecido slidas localizaes como indivduos sociais. Estas transformaes

    esto tambm mudando nossas identidades pes-soais, abalando a idia que temos de ns prprios como sujeitos integrados. Esta perda de um sentido em si estvel chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentrao do sujeito. Esse duplo deslocamento descentrao dos indivduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos constitui uma crise de identidade para o indivduo (Hall, 2002, p. 9).

    O indivduo da segunda metade do sculo XX vai aos poucos se distanciando do racionalismo do perodo moderno e assume uma postura no-vamente saudosista, mostrando, acima de tudo, grande necessidade de apego a adereos, acrsci-mos e ornamentos. Neste momento, a tecnologia no ser mais empecilho para os apliques; pelo contrrio, esta ficar completamente escondida pelos ornamentos que comporo as fachadas e que chegam prontos em modelos pr-moldados.

    Tem-se ento um novo perodo ecltico, mar-cado principalmente por modelos clssicos, no dispensando detalhes barrocos, rococs, art nou-veau, egpcios, ou seja, de todos os perodos que trabalharam com acrscimos ornamentais. A ar-quitetura contempornea permite todos os revi-vals, deixando clara a necessidade humana de agarrar-se aos detalhes, como uma forma de iden-tificao. O ecletismo constitui uma escolha me-todolgica, um habitus mental tpico de perodos incertos, um colecionismo historicista que busca obter um hbrido perfeito. Nesse sentido, o ps-modernismo ecltico. A atitude dos ps-moder-nistas com relao aos estilos do passado no de aceitao, sob o domnio da regra classicista, mas de ironia, de exagero, de jogo (Raja, 1993).

    O ps-moderno pode ento, pela sua permis-sividade, ser considerado um momento ecltico, pois trouxe as mais diversas possibilidades de lei-turas interpretativas, pelas combinaes de ele-mentos de diversos perodos, mas, ao mesmo tempo, no construiu algo novo, apenas acrescen-tou, nas fachadas, referncias arquitetnicas de momentos variados, que constituam a histria da arquitetura. Estas referncias, que passaram ento a caracterizar a nova arquitetura do final do

    Figura 40. AT&T Corporate Headquarters 1979-84 Nova Iorque Philip Johnson e John Burgee.

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    sculo XX, so, em sua maioria, apresentadas como ornamentos decorativos de fachada, pois o espao interno segue as orientaes do perodo moderno, mantendo-se a proposta de interliga-o de espaos.

    Os valores pr-determinados esto sendo ques-tionados diante da nova realidade de fins do sculo XX e incio do sculo XXI, quando mudanas tc-nicas e de valores morais predominam. O indiv-duo contemporneo tem dvidas, e no certezas. Trabalha com possibilidades, e no com realidades imutveis, e, portanto, revela aspectos que muitas vezes se chocam entre si. As sociedades atuais so mais suscetveis a essas transformaes, por vive-rem em um espao que propicia o novo a cada momento, por meio dos avanos tecnolgicos e cientficos. Valores pr-estabelecidos caem por terra. Os modelos reconhecidos ampliam-se e mesclam-se, gerando novas maneiras de composi-o. O inslito ganha terreno. A dvida tem espa-o, ao mesmo tempo em que a estrutura torna-se cada vez mais competitiva, e muitas vezes valores so completamente invertidos em nome de um modelo que tenta manter-se ou que busca radicali-zar as mudanas, j que seu estabelecimento no mais vivel. Na cultura ps-moderna, a prpria cultura se tornou um produto, o mercado tornou-se o seu prprio substituto, um produto exatamen-te igual a qualquer um dos itens que o constituem (Jameson, 1997).

    O sujeito ps-moderno est aberto a todas as possibilidades de interpretao formal e tem uma leitura fragmentada do momento atual. Vive um processo de identificao provisria, em que no existe uma identidade fixa, essencial

    ou permanente. A informao modifica-se a cada momento. O indivduo j no mais identificado pelo verbo ser, mas sim pelo estar. O fixo passou a transitrio, o essencial, a circunstancial e o per-manente, a provisrio. O estar traz a idia de transitrio, de mutabilidade, o que acaba deter-minando uma falta de comprometimento com o que se realiza. Quando se adota a postura do ser, h uma preocupao com a autoimagem perma-nente, com o concreto e durvel.Figura 41. Teatro de Abraxas Marne-la-Vallee Paris

    Ricardo Bofill.

    Figura 42. Portland Public Services Building Portland 1980-2. Michael Graves.

    O Post-Modern mais evolucionista do que rev-olucionrio; no nega a tradio moderna, mas interpreta-a liberalmente, integra-a, percorre criticamente as suas glrias e erros. Contra os dogmas da univalncia, da coerncia estilstica pessoal, do equilbrio esttico e dinmico, con-tra a pureza e a ausncia de qualquer elemento vulgar, a arquitetura ps-moderna valoriza a ambiguidade e a ironia, a pluralidade dos estilos, o duplo cdigo que lhe permite virar-se por um lado para o gosto popular atravs da citao histrica ou verncula, e por outro lado para os apreciadores de trabalhos, atravs da explicitao do mtodo compositivo e daquilo que definido por gosto das figuras aplicado composio e decomposio do objeto arquitetnico (Por-toghesi, 1982, p. 47).

    O ps-moderno trabalha com as mudanas, com os acontecimentos passageiros, e no com no-vas perspectivas, visa apresentao que modifica e transforma as vises. A noo de cultura que pas-sa a importar a de massa, com a perspectiva de

  • 392 nteo slzno l Anlise de um livro didtico

    transformar tudo em bens de consumo. Tudo passa a ser quantificado. Cultura passa a significar mercado que se importa apenas com a produo de mercadorias consumveis. O ps-modernismo realimenta-se de suas prprias produes, que po-dem sempre estar assumindo novas linguagens e significaes. Teixeira Coelho, em Moderno, ps-moderno, explica que a ps-modernidade apre-senta complexidade, contradio, ambiguidade, tenso, inclusividade, hibridismo e vitalidade emaranhada. Diferentes cdigos em evidncia, uns ao lado dos outros. Sem se preocupar com a estruturao lgica deste padro, e atravs dessa perspectiva podemos entender o fenmeno da atualidade de apropriaes das imagens da hist-ria da arte e da arquitetura.

    Os apelos que se fazem hoje a aspectos do pas-sado, principalmente aos classicizantes, so liga-dos a uma questo mercadolgica que instituiu como moda o modelo clssico. No momento atu-al o clssico usado sem importar-se com ordens ou partidos. Combinam-se elementos gregos, ro-manos, renascentistas e neoclssicos, como se fossem todos a mesma coisa. Como um emble-ma da antiguidade, a volta moderna ao passado histrico ope-se, na verdade, a uma memria demasiadamente precisa dos estilos do passado; somente dessa maneira que ela pode tornar-se um item de consumo cultural (Colquhoun, 2004).

    Ao se olhar para a arquitetura das ltimas dca-das do sculo XX, no que se refere ao clssico, per-cebe-se uma busca cada vez mais intensa do uso de ornamentos e da utilizao de elementos de pero-dos anteriores. Agora estes ornamentos nem sem-pre fazem parte de um programa arquitetnico, no h mais ordens precisas sendo seguidas, no h elementos estticos novos sendo explorados. H, sim, a combinao de apliques que apenas ma-quiam a fachada como elemento predominante. Painis que caracterizam uma rusticao so pr-fabricados e aplicados a uma estrutura previamen-te preparada. As fachadas revestidas passam ento a apresentar colunas, meias-colunas, pilastras, ar-cos, frontes e aspectos decorativos que lembram a decorao renascentista e so aplicados sem cum-prir nenhuma funo estrutural. Tem-se uma fa-chada que mostra algo que no ; que apenas

    simula uma viso desejada. Talvez se possa dizer que essa uma arquitetura de simulacro, em que esta cpia da cpia da cpia tem a funo de reme-ter-nos a outros tempos, de criar uma iluso sobre algo no vivido. De criar e alimentar iluses sobre como tudo foi ou poderia ter sido. Hoje a preocupa-o do espao interno muitas vezes desvinculada da estrutura da fachada. Nem sempre existe correla-o entre as duas. Essas fachadas ditas clssicas es-condem interiores que marcam a concepo do espao moderno, que enfatizam as vantagens do morar do sculo XX, quando os espaos passaram a ser interligados. Com isso, a necessidade atual ape-ga-se principalmente a uma necessidade visual de referncias de uma histria.

    Todo edifcio pode ser visto como uma merca-doria, e por isto ele necessita ter um processo de autopromoo e veiculao que transmita valores sociais, em seu estilo, que lhe confira status. O edifcio passa a ser certificado de um prestgio al-mejado, e no do que realmente se possui.

    O estilo adotado na fachada de um edifcio hoje determinante para seu processo de comerciali-zao. Visto que no existe uma relao obrigatria entre tipologia de fachada e partido arquitetnico do espao interno, escolhe-se para fachada a estti-ca em moda no momento da oferta desse produto.

    Verificam-se semelhanas entre os edifcios que guardam as mesmas funes de uso. H semelhan-as entre os edifcios residenciais que caracterizam um perfil de morador, assim como h semelhana entre os edifcios bancrios, e os de shopping cen-ters. As tipologias passam ento a identificar a fun-o das construes, como j ocorrera no passado. Quando os pressupostos so os mesmos, as facha-

    Figura 43. Detalhe de folder com detalhe clssico.

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    das assemelham-se. Por outro lado, o ecletismo do final do sculo XX, tambm chamado de ps-mo-derno, fruto de um momento em que predomi-nou um sentimento de desorientao e superao da modernidade. As propostas do modernismo j no atraam mais, e no havia nada de significati-vo que impulsionasse novas pesquisas formais; alm do mais, havia as angstias de um final de sculo e, neste caso, tambm de um final de mil-nio que se aproximava, o que levou o indivduo a buscar elementos que pudessem oferecer segu-rana e referncias confiveis, e para isto o passa-do foi resgatado em detalhes que passaram a compor as fachadas do final do sculo XX. A sen-sao de que no h nada mais a ser inventado, em termos de estruturas e diviso de espao, prpria de momentos de virada de sculo. im-portante lembrar que a virada do sculo XIX para o XX tambm foi caracterizada pelo ecletismo.

    O que se evidencia hoje a busca por refe-rncias ao passado, to forte, que supera as pos-sibilidades de inovao moderna de materiais e

    estruturaes. Muitos edifcios construdos com tecnologia de ponta tm em seu acabamento reves-timentos que trabalham com elementos de outras pocas. Essas fachadas transmitem a impresso de que, passado, presente e futuro podem ser vistos do mesmo modo e que talvez transmitam os mesmos valores. A preocupao com o espao interno mui-tas vezes est totalmente desvinculada da estrutura da fachada, no existindo necessariamente nenhu-ma correlao entre as duas estruturas. No h aparentemente uma preocupao de identidade entre o espao urbano, o momento vivido e a for-ma plstica aparente nas fachadas arquitetnicas dos edifcios. Ou seja, as fachada mostram algo que no , que apenas simula uma viso desejada.

    Diz-se que o momento de idealizao findou-se e que a hora passou a ser a da adaptao ao momen-to vigente, e por isto as certezas do modernismo no preenchem mais as necessidades da arquitetura deste perodo. O momento atual de renovao e ressignificao das propostas e certezas existentes, pelo menos no aspecto exterior.

    Figura 44. Fachada de edifcio em So Paulo com detalhe de rusticao.

    Figura 45. Fachada de edifcio em So Paulo com detalhes clssicos e pirmide.

    Figura 46. Detalhe de folder de apartamentos com detalhes eclticos.

    Mas nem todos os usos que os arquitetos historicistas ps-modernos menores fizeram dessa tradio recuperada foram bem-sucedidos. Assim, o surgimento da teoria de Venturi, que estimula uma aproximao ecltica da histria, centrada nas imagens, pode ser comparado abertura de uma caixa de Pandora de estilos (Nesbitt, 2006, p. 91).

    Na arquitetura contempornea no h apenas um resgate da arquitetura greco-romana, h at mesmo algumas buscas da arquitetura egpcia e

  • 394 nteo slzno l Anlise de um livro didtico

    at mesmo barroca. Estas so tendncias que, apesar de contar com vrios exemplares, no dei-xam claro a que vm. Provavelmente trata-se mais de uma questo de moda, e, por apresentar-se to desvinculada da estrutura, nada impede que seja descartada quando a moda passar.

    No entanto a modernidade segue existindo em edifcios comerciais e residenciais, e contri-buindo para a formao de uma fachada urbana aberta a todas as possibilidades de criao.

    concluso

    A arquitetura contempornea perde a capacidade de situar sua construo em seu perodo de produ-o quando assume diversas visualidades super-postas, mascarando os aspectos de sua identificao construtiva. As referncias clssicas so uma cons-tante ao longo da histria, sendo este o estilo que mais tem sido repetido ao longo do tempo. Essas so recorrentes por serem identificadas pelo senso comum como sinnimo de qualidade e de bom gosto, de status e refinamento. O uso de referncias ao passado na arquitetura atual pode ser caracteri-zado como um novo ecletismo, embora de quali-dades plsticas questionveis. um ecletismo condizente com o mundo contemporneo, tam-bm dito ps-moderno, que produz informaes que so descartadas diariamente, e no qual o simu-lacro a nova ordem visual. H superposio de informaes, evidenciadas nas diversas superfcies de fachadas que coexistem, caracterizando-se por ser uma soluo hbrida nos edifcios que no evi-tam a ornamentao.

    A arquitetura da contemporaneidade assume o aspecto de uma grande construo alegrica em que os adereos vo se superpondo sem nenhum constrangimento em aparecer, caracterizando uma sociedade de aparncias enganosas, falsas e frgeis. Essa arquitetura, em sua caracterstica de embalagem, distancia-se da proposta arquitetni-ca moderna de aliar forma e funo.

    A arquitetura ps-moderna iniciada nos anos 70 pode ser identificada como uma interpretao do ecletismo pelo agrupamento que faz de aspectos es-tilsticos, que tm como base os elementos formais originrios no mundo grego. uma arquitetura que

    lana mo de aspectos de ironia, o que a remete ao esprito Dada, que em seu manifesto questionava a necessidade da existncia da arte, o que reflete uma sociedade insatisfeita com sua condio e existncia. Nesse sentido, no possvel identificar a arquitetu-ra atual, que faz referncias ao passado, como ps-moderna, pois o que se v um conformismo em relao a formas generalizadas, de uma informao esvaziada. Tambm no possvel consider-la ecl-tica, pois lhe falta harmonia na apresentao dos aspectos estticos. Ela , portanto, reflexo de uma sociedade consumidora, que tem como principal foco a aparncia das informaes.

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