CLÁUDIO TSUYOSHI SUENAGA - operacaoprato.comoperacaoprato.com/trabalhos academicos/A DIALÉTICA DO...

396
CLÁUDIO TSUYOSHI SUENAGA A DIALÉTICA DO REAL E DO IMAGINÁRIO: Uma Proposta de Interpretação do Fenômeno OVNI Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista. Orientador: Prof. Dr. Benedito Miguel Angelo Perrini Gil UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ASSIS – 1999

Transcript of CLÁUDIO TSUYOSHI SUENAGA - operacaoprato.comoperacaoprato.com/trabalhos academicos/A DIALÉTICA DO...

  • CLUDIO TSUYOSHI SUENAGA

    A DIALTICA DO REAL E DO

    IMAGINRIO: Uma Proposta de Interpre tao do

    Fenmeno OVNI

    Dissertao de mestrado apresentada ao Departamento de Histria da

    Faculdade de Cincias e Letras da Universidade Estadual Paulista.

    Orientador: Prof. Dr. Benedito Miguel Angelo Perrini Gil

    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CINCIAS E LETRAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA

    ASSIS 1999

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Dr. Benedito Miguel Angelo Perrini Gil, orientador, pela oportunidade e direo firme e segura que permitiram a realizao deste trabalho; Ao CNPq, pelo apoio financeiro; Aos documentaristas do Arquivo do Estado de So Paulo, Alfredo Moreno Leito e Csar Augusto Atti, pela ajuda em localizar importantes documentos; Ao Prof. Dr. Oscar Holme, meu primeiro mestre em histria, pelos ensinamentos; A Prof. Dr. Jos Rivair Macedo, meu segundo mestre em histria, pelas lies de sabedoria e humildade; A Pablo Villarrubia Mauso, jornalista e escritor, pela amizade, pelas sugestes, pelo companheirismo, apoio e estmulo ao meu trabalho; A Antnio Manuel Pinto, historiador, crtico implacvel da sociedade alienada, pela amizade, pelo apoio, companheirismo e pelas contribuies; A Christiano Jos Jabur, uflogo e articulista, pela amizade e ajude imprescindveis nos momentos mais difceis; A Jos Carlos Del Carlo, uflogo, pelo desprendimento, pela amizade, fora e compreenso; A Ademar Jos Gevaerd, uflogo, criador e editor da revista UFO, pelo apoio, pela amizade e confiana; Ao Dr. Max Berezovsky, mdico e uflogo pioneiro, pela troca de experincias; A Fernando Grossmann, uflogo veterano, pesquisador de casos clssicos, pela troca de idias, confiana e pelo precioso e raro material concedido; A Homero Fonseca, jornalista, pelo livro pioneiro sobre os boatos; A Fbio Puentes, hipnlogo, por mostrar que o controle da mente por meio de processos sugestivos vem sendo aplicado de modo sub-reptcio para manipular grande parte da sociedade; Ao Dr. Carlos Alberto Sugaya e a Dra. Hideko Sugaya, odontologistas, pela fora e pacincia; A todos os que no acreditaram em mim, por insuflarem o esprito da superao; A todos os que tentaram impedir, pelo uso dos mtodos mais ardilosos, o trmino da obra; A todos os que pereceram no caminho em funo desta difcil luta/labuta, em especial ao Dr. Walter Karl Bhler (in memorian); Enfim, a todos os que, como eu, buscam obcecadamente a verdade e a justia.

  • Universidade Estadual Paulista (Unesp) Campus de Assis Faculdade de Cincias e Letras Departamento de Histria Curso de Ps-Graduao rea de Concentrao: Histria e Sociedade Cludio Tsuyoshi Suenaga A Dialtica do Real e do Imaginrio: Uma Proposta de Interpretao do Fenmeno OVNI Orientador: Prof. Dr. Benedito Miguel Angelo Perrini Gil Palavras-chave: disco voador, smbolo, mito, messianismo Resumo: Neste trabalho procuramos expandir o entendimento e revelar as profundezas simblicas de um fenmeno que se converteu em fonte de esperanas e temores do homem contemporneo. Ao lidarmos com este autntico mito em gestao, vinculado aos conceitos de viagens espaciais e invaso de aliengenas, procedemos a reviso de um vasto pano de fundo intemporal, repleto de experincias visionrias, milagres religiosos e encontros folclricos com seres sobrenaturais. Os discos voadores foram imediatamente rotulados como sendo de origem extraterrestre. Parecia certo que esses misteriosos objetos, aparentemente sob controle inteligente, no eram feitos pelo homem e vinham do espao exterior. O envolvimento dos governos com o assunto ajudou a incitar um interesse sem precedentes, resultando na edio de grande quantidade de livros, artigos e filmes a respeito. Um novo campo de interesses e de estudos nasceu a ufologia , e junto com ele um novo especialista o uflogo. Durante a Guerra Fria, as duas superpotncias usaram os OVNIs como fachada para uma operao psicolgica de encobrimento s novas armas secretas que se desenvolviam. Devido proliferao dos arsenais atmicos, era preciso criar o medo de um inimigo objetivo exterior Terra: os extraterrestres. Este inimigo foi til para que prosseguissem com sua poltica de partilha do mundo e conseqente criao de um imprio em condomnio, o que de fato aconteceu. Na ltima parte do trabalho, analisamos o movimento messinico-milenarista do contatado Aladino Flix, responsvel, paradoxalmente, por quase metade de todos os atentados terroristas ocorridos em So Paulo em 1968 erroneamente atribudos esquerda os quais contriburam decisivamente para a decretao do AI-5. A partir de documentos do DOPS por ns descoberto no Arquivo do Estado de So Paulo, logo aps a sua disponibilizao ao pblico, reconstitumos a trajetria do grupo, ligado aos altos escales do Regime Militar.

  • State University of So Paulo (Unesp) Campus in Assis Sciences and Letters School History Department Post-Graduation Course Area: Historia and Society Cludio Tsuyoshi Suenaga The Dialetics of Real and Imaginary: A Proposal of Interpretation of the UFO Phenomenon Director: Prof. Dr. Benedito Miguel Angelo Perrini Gil Keywords: flying saucer, symbol, myth, messianism Abstract: In this work we attempt to unfold the understanding and reveal the symbolic deepness of a phenomenon that changed into a source of hope and fears of contemporary man. While dealing with this autentic myth in development, bound to the concept of space travels and alien invasions, we made a review of the vast untemporary background, full of visionary experiencies, religious miracles and folklore meetings with supernatural beings. The flying saucers were immediately marked as being extra-terrestrials. It seemed right that this mysterious objects, apparently under intelligent control, werent man-made and came from outer space. The involvement of the governments with the subject helped to stimulate an unheard-of interest, resulting in the edition of a great amount of books, articles and films about it. A new range of interests and studies was born ufology , and, along with it, a new specialist the ufologist. During the Cold War, the two super potencies used UFOs as a countenance to a psychologial operation of cover-up to the new secret weapons they developed. Due to the proliferation of atomic arsenals, they needed to create the fear of an objective enemy from outside the planet: the extra-terrestrials. This enemy was useful for them to proceed with their politics of share of the world and resultant creation of an empire in joint ownership, what actually happened. In the last part of the work, we analyse the millenarist-messianic movement by contactee Aladino Flix, responsible, paradoxically for almost the half of all terrorist outragues in So Paulo in 1968 imputed to the left, by mistake which helped conclusively to the decreeing of AI-5. From the DOPS documents found by us at the Archive of State of So Paulo, soon after it was made available to public, we reconstituted the groups trajectory, tied to the echelons of the Military Regime.

  • Um modo particular de designao pode ser desimportante, mas sempre importante que seja um modo possvel de designao. Esta a situao na filosofia em geral: o singular se manifesta repetidamente como desimportante, mas a possibilidade de cada singular nos d um esclarecimento sobre a essncia do mundo Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus E a cincia mesma, a nossa cincia __ sim, o que significa em geral, encarada como sintoma da vida, toda a cincia? Para que, pior ainda, de onde __ toda a cincia? Como? a cientificidade talvez apenas um temor e uma escapatria ante o pessimismo? Uma sutil legtima defesa contra __ a verdade? E, moralmente falando, algo como covardia e falsidade? E, amoralmente falando, uma astcia? Oh Scrates, Scrates, foi este porventura o teu segredo? Ironista misterioso, foi esta, porventura, a tua ironia? Friedrich Nietzsche, O nascimento da tragdia ou helenismo e pessimismo A vida moderna um passeio de automvel. Os passageiros ou apodrecem nos seus ftidos lugares, ou transitam de carro em carro sujeitos a transformaes contnuas. Inevitvel progresso rumo s origens (qualquer terminal serve), rompendo as cidades, cujas entranhas dilaceradas exibem um filme de janelas, sinais, ruas, edifcios. Outras vezes certas outras naves, mundos fechados, vagos, deslizam por ns e passam adiante ou vo definitivamente a pique. James Douglas Morrison, Os mestres: apontamentos sobre a viso

  • SUMRIO

    INTRODUO.....................................................01 I. O NASCIMENTO DE UM MITO CONTEMPORNEO 1. Segunda Guerra Mundial.................................05 2. Guerra Fria............................................12 3. OVNIs Como Cobertura de Armas Secretas.................48 II. HISTRIA DOS DISCOS VOADORES NO BRASIL 1. O Incio: A Reportagem Dos Dirios Associados..........60 2. A Repercusso: O Imediato Reconhecimento Oficial.......70 2.1. Contatos Sexuais................................78 2.2. Contatos Hostis................................102 2.3. Emblemas e Sinais..............................118 3. O Fechamento: Regime Militar..........................122 3.1. SIOANI.........................................123 3.2. DOPS...........................................134 3.3. Operao Prato.................................151 4. A Promessa: Nova Repblica............................164 4.1. A Manuteno Da Poltica De Sigilo.............171 5. A Manipulao: OVNIs no Oeste Paulista................174 III. O MESSIANISMO ESPACIAL E O TERRORISMO DE ALADINO FLIX 1. Consideraes Iniciais................................203 2. O Comandante do Disco Voador..........................206 3. O Escolhido de Deus...................................220 4. A Terceira Fora......................................270 5. O Grupo Secreto.......................................313 6. O Advento do Reino Divino.............................344 7. Pseudnimos e Identidades.............................360 CONCLUSO.....................................................367 FONTES Arquivos e Bilbiotecas/Documentos Oficiais....................370 Jornais/Revistas..............................................371 Boletins/Peridicos Cientficos...............................372 BIBLIOGRAFIA Geral....................................................373 Especializada............................................386

  • 1

    INTRODUO

    Um fenmeno multitudinrio irrompeu entre ns, atraindo com a ambivalncia de suas imagens, resistindo sistematicamente a qualquer explicao definitiva, gerando debates interminveis, configurando um enigma atraente e de propores globais, capaz de questionar pretensas verdades __ quer cientficas, religiosas ou filosficas __, de assumir inmeras formas e semear dvidas quanto a sua origem, natureza e significao. O contnuo registro e aparecimento de artefatos areos desconhecidos levou consagrao do acrnimo UFO (Unidentified Flying Object), cunhado pela Fora Area Norte-Americana como tentativa de enquadramento a uma ordenao. Tais objetos foram logo tomados pelos meios de comunicao de massa como algo externo nossa realidade, produto tecnolgico de uma supercivilizao extraterrena, cuja existncia, na ausncia de qualquer prova material definitiva, s podia ser apreendida por um juzo de f: acreditava-se ou no. Logo se definiu a prevalncia de determinados sistemas de crenas, articulados s categorias histricas, culturais e sociais atinentes. A tendncia manifestada pela maioria das pessoas foi a de identificar os OVNIs (Objetos Voadores No Identificados), como so designados em lngua portuguesa, com naves espaciais de capacidades insuperveis. Se era impossvel lgica e razo convencionais explicar o seu funcionamento, era desde logo tentador assimil-los a um engenho espacial fatalmente mgico, pertencente ao universo sobrenatural. O consenso em torno desses conceitos, aliado a tendncia de implicar a fatos extraordinrios noes pr-concebidas, gerou o componente mtico do fenmeno. Porm, ao invs dos mitos clssicos, distantes e encobertos pela nvoa do tempo, temos a oportunidade de lidar com um dos poucos mitos vivos, atual, contemporneo, em pleno curso de sua elaborao narrativa. O arcabouo da chamada Civilizao Ocidental, urbana e industrializada, fortemente motivada pelas perspectivas de explorao e conquista do espao, contribuiu sobremaneira para projetar os cenrios inconscientes da invaso aliengena. O fascnio que o cu sempre exerceu sobre a mente humana foi um dos fatores principais da ampliao do conhecimento e desenvolvimento cientficos. O impulso em decifrar as razes de nossa prpria existncia galgou-nos ao sistema solar, s estrelas e s regies distantes do cosmos. Em conseqncia, a figura do extraterrestre tornou-se uma das imagens mais poderosas da sociedade contempornea, de modo a alimentar expectativas de que ele estivesse presente, assumindo a forma de um tipo ariano, loiro, alto, ou de um humanide atarracado com olhos grandes e escuros. O fato que o extraterrestre nunca deixou de apresentar algum aspecto que o ligasse a ns mesmos. Cruzando as descries, chegaremos a uma tipologia que pouco difere dos apangios que comumente atribumos ao Outro, a quem se transfere as incumbncias que poucos gostariam de suportar. O embate entre as questes de essncia e existncia, conduziu a uma dialtica do real e do imaginrio. Segundo apregoa os modelos mais aceitos, inteligncias vindas de algum lugar l fora j visitaram e continuam visitando nosso orbe __ como atestariam as provas recolhidas pelos uflogos, os especialistas em OVNIs __ e, com a conivncia dos governos, esto ajudando ou ameaando a espcie humana __ encarada nesse caso como um simples espcime de laboratrio __ com objetivos inconfessveis. Por sua vez, os cticos pensam que continuamos na Terra, separados e no afetados, e que a nica sada procurar de modo passivo sinais distantes, enviados atravs da vastido intransponvel do espao. O aspecto principal a considerar a extrema credulidade de grande parte da sociedade. Durante os 5 anos em que estivemos imbudos na pesquisa, sendo que h mais de uma dcada j vnhamos acompanhando de perto o assunto, pudemos entrevistar dezenas de testemunhas, checar locais de aparies e seqestros in loco, visitar grupos ufolgicos das mais diversas

  • 2

    tendncias, assistir a operaes medinicas e at tomar parte de cultos mstico-religiosos, sempre na condio de observador-participante. Constatamos que em todos esses lugares e situaes, praticamente no h espao para a dvida. Ningum est livre para manifestar-se dizendo: Isso no pode ser, porque correr o risco de ser convidado a retirar-se ou at mesmo agredido pelos sequazes. A ns, coube a rdua tarefa de compreender e analisar essa nova crendice popular. rdua porque sabemos que a grande maioria acredita no sobrenatural. Acredita porque precisa acreditar. Se antes da era industrial o imaginrio era povoado com anjos e fadas, bruxas e demnios, os cidados da modernidade __ que carregam as mesmas razes constitutivas e filogenticas __ tambm precisam crer na sobrevivncia da alma, ressurreio dos mortos, nos profetas, taumaturgos, milagreiros e em extraterrestres. Trata-se de vestir, com roupagens hodiernas, os fantasmas dos tempos passados: sereias que encantavam os navegantes, monstros marinhos que naufragavam embarcaes, fantasmas de castelos medievais, grgonas, erneas, lobisomens e vampiros. Para atender aos anseios de uma era tcnico-cientfica, da astronutica e da bomba atmica, da velocidade supersnica e da televiso, s mesmo discos voadores. Para a grande maioria, o mundo ainda regido por agentes sobrenaturais, ou seja, por seres pessoais que atuam motivados por razes idnticas ao dela prpria, e que, como tal, so passveis de serem acionados com apelos de piedade e bem-aventurana. Testifica-se, portanto, uma condenao declarada cincia, no propriamente da cincia saber, mas da cincia certeza, instauradora, objetiva, parcial e incompleta; de qualquer forma, da cincia conjunto, sistematicamente organizada em torno de proposies tidas como evidentes ou exatas; paradoxalmente da mesma cincia que cria os fantasmas que alimentam as iluses dos que se voltam contra ela. Este o mais notvel dos paradoxos: os OVNIs alimentam uma verdadeira indstria da investigao acerca da comprovao de sua prpria existncia. Apesar do interesse massivo por vises de OVNIs, poucas tentativas foram feitas para definir o fenmeno em si. Ocorre que, na opinio dos crentes, elas so desnecessrias, uma vez que aferraram-se certeza de que o OVNI um disco voador extraterrestre. O ponto chave est encadeado sua complexidade, maneira como se corresponde com outras reas, se associa, se imbrica de narrativa para narrativa, interligando cada parte ao conjunto e o conjunto ao menor dos fragmentos. necessrio retificar que a matria-prima para o estudo do fenmeno no so os prprios OVNIs, mas os relatrios sobre os mesmos, os quais incluem as circunstncias que envolvem cada caso. As narrativas no devem ser lidas como reflexos literais do que se passou, e sim como verses subjetivas que remetem a uma estrutura referencial. O fenmeno atua como uma espcie de transformador da realidade, infundindo situaes simblicas que vo se tornando indistingveis dessa realidade. O incio se d geralmente por uma srie hipntica de luzes coloridas piscando ou de tremenda intensidade, induzindo as testemunhas a um estado de profunda confuso mental, deixando-os vulnerveis insero de novos pensamentos e concepes. Os eventos paranormais recobrem um cenrio uniforme e instalam a diferena, algo que no est acessvel a priori. At que ponto ns outorgado conhecer o real? O que a realidade e como a percebemos? A maior parte do que julgamos ser real no passa, na verdade, de interpretaes errneas, de enganos da mente e dos sentidos. A assuno condicionada por prticas culturais e disposies mentais prvias, em que interfere diretamente o ngulo de vista do espectador. O real existe somente para um olhar humano e com relao a ele. As diferentes formas de pensar __ no apenas o que as pessoas pensam mas como pensam __ confere-lhe valores e significados. No raro, essa assertiva foi colocada no centro dos esforos empreendidos da compreenso do Universo e principalmente da compreenso de ns mesmos dentro desse Universo. Reunimos e

  • 3

    comparamos entre si as situaes histrias e sociais em que foram formuladas, bem como analisamos as respostas obtidas em diversas pocas, especialmente a nossa. Sejam quais forem as diretivas, elas continuam a encerrar, a todo momento, um carter inquietante. Resgatamos as concepes sobre os outros mundos, habitados por estranhas populaes, dentro do que foi designado como fenmeno OVNI. Entre as vises do passado e os do presente, h uma correspondncia inegvel. Descries idnticas separadas por longos perodos histricos evidenciam a sobrevivncia de uma mentalidade arcaica, sobreposta aos valores modernos. As armadas celestes e as bruxas dos sculos XV ao XVIII foram substitudos por discos voadores aerodinmicos logo aps o rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Antes disso, j nos finais do sculo XIX, a vaga norte-americana dos airships precedia as solues do vo areo terrestre. A capacidade volumtrica de sustentao dos grandes corpos, enfim, a antecipao dos progressos humanos no domnio da velocidade, da manobralidade e da aerodinmica, desenhava, seguindo as centenas de testemunhos da poca, as propriedades incrveis desses dirigveis fantasmas, que hoje impressionam como autnticos prottipos vindos do futuro. As melhores vias de acesso para decifrar os aspectos incompreensveis de uma cultura, na acepo dos antroplogos, podem ser aquelas que parecem mais obscuras. Diante da dificuldade de entender algo particularmente importante para os nativos de uma sociedade, resta a possibilidade de captar, a partir de fatos inusitados, seu sistema de vida. Os OVNIs representam justamente uma das caractersticas mais significativas do sculo XX: a coexistncia entre o pensamento cientfico/racional e o pensamento mgico. Razo e imaginao no so necessariamente antitticos. A prpria cincia foi levada a reconsiderar a dimenso sobrenatural, a buscar um novo sentido para a transcendncia. Dessa abertura surgiram as foras que propiciaram o retorno do pensamento mgico. O imaginrio, o fabuloso, o onrico e o inusitado deixaram de ser vistos como pura fantasia ou mentira para serem tratados como portas que se abrem para outras dimenses. Procuramos no enquadrar o assunto gide de uma s disciplina, alis um dos motivos que o levaram a ficar durante tanto tempo preso no atoleiro. A qumica, a fsica, a psicologia, a lingstica e a astronomia, ao se restringirem s suas prprias teorias, no tm como fornecer, por si ss, parmetros e ferramentas adequados. J as raras opinies emitidas pelos historiadores, infelizmente tm sido lamentveis. Eles vm preferindo a incerteza a enfrentar riscos. Destilando preconceitos, tendem a encerrar os fenmenos estranhos do passado e do presente numa estrutura fechada, enterrada na vala comum da fantasia. Devido a sua natureza eminentemente interdisciplinar, os OVNIs no podem ser estudados em compartimentos estanques, j que toca em todos os pontos do saber __ do folclore astrofsica, da etnologia astronutica, da histria parapsicologia. Trata-se da relao entre lngua, pensamento, conhecimento e realidade. O historiador deve seguir linhas preestabelecidas, definidas por hipteses ou teorias. Praticamente todos os grandes passos foram dados por antecipao a natureza, ou seja, embora no mensurveis, partiam de idias razoavelmente fundamentadas. Ficaramos simplesmente a assistir os fatos referentes aos OVNIs at o final dos tempos se no fizssemos assunes na tentativa de solucionar o problema, mesmo que, depois de todos os esforos, ainda subsista uma srie de questes no respondidas. Pressupe-se tambm que o historiador, na qualidade de sujeito que conhece e investiga, aja com imparcialidade, obliterando emoes e predilees, e rejeitando condicionamentos sociais prvios. Destarte, a leitura subjetiva dos fatos, inerente a qualquer investida do gnero, sofre a influncia da conscincia de uma poca. Ao decodificar tramas e intrigas, o historiador est revestido do juzo de valores pertencente a seu tempo e espao, o que torna a tarefa bastante complicada. No por acaso, a histria se afigura como o presente projetado sobre o passado, ou seja, as inquietaes, os interesses e as necessidades mais imediatas delimitam o campo de viso.

  • 4

    Relatrios de campo, fitas de udio e vdeo, fotografias, pastas oficiais (at ento reservadas, confidenciais ou secretas), recortes e cpias reprografadas de notcias de jornais e revistas sobre o tema em pauta, compem a base documental desta dissertao. Quando o material atingiu um certo volume, emergiu um novo quadro do fenmeno dos OVNIs. Quadro bizarro, apesar de consistente; bem delineado, apesar de perturbador, tanto que resolvemos guardar em nossos arquivos certas informaes que s sero trazidas a lume aps uma anlise detida de suas implicaes. O que est sendo aqui analisado representa assim apenas uma parcela dos casos que estudamos pessoalmente, e uma porcentagem diminuta dos que o foram por outros pesquisadores. Saber que esse material nunca foi antes apreciado devidamente, algo assustador. A recusa em considerar os fatos atinentes, em termos estritos da sociologia, ressona como uma denncia vigorosa dos limites estreitos dentro dos quais muitos acadmicos trabalham. Com esta pesquisa espero estar contribuindo para mostrar que j passou da hora de adotarmos uma postura bem mais aberta em relao ao fenmeno e promover uma reavaliao do material acumulado. Dentre a sua imensa variedade, destaco a documentao de fontes governamentais como a mais promissora. Isso porque o fenmeno muito mais perigoso e complexo do se supe, razo pela qual vem sendo mantido acobertado pelas estruturas oficiais de poder. Nossa inteno foi o de revelar como os cientistas sociais, atento s correntes mais recentes dos desenvolvimentos cognitivos e das novas propostas epistemolgicas, pode investir no tratamento rigoroso e pertinente dessas zonas obscuras da experincia humana. A perseguio sistemtica e as presses exercidas pelo conservadorismo de certos crculos e setores, colocaram em risco o que ora se registra. Nossa esperana que este trabalho, o primeiro em mbito acadmico no Brasil a mergulhar a fundo no fenmeno OVNI, contribua, ainda que minimamente, para lanar alguma luz questo.

  • 5

    I. O NASCIMENTO DE UM MITO CONTEMPORNEO

    1. Segunda Guerra Mundial Terminada a primeira grande conflagrao, as naes vitoriosas resolveram estabelecer a paz mediante a criao de uma Liga de Naes que agisse como mediadora nas disputas internacionais e aplicasse sanes quando preciso. A Liga, no entanto, viu-se desde o incio debilitada pela ausncia dos EUA e pela excluso temporria da Alemanha e da URSS. As severas condies de paz geraram um profundo ressentimento no povo alemo, que se inclinava a lanar sobre o Tratado de Versalhes a culpa das dificuldades resultantes da enorme destruio e desorganizao provocadas pela guerra, agravadas pela inflao, pela multiplicao das barreiras alfandegrias e pela crise econmica de 1929. Esses fatores combinados favoreceram a ascenso do nazismo, movimento poltico de carter totalitrio que, sob a liderana de Hitler, chegava ao poder em 1933. Os sucessivos recuos da Liga e das democracias ocidentais estimulavam as potncias totalitrias a reincidir nos seus atos de provocao e agresso: invaso japonesa da Manchria em 1931 e o subseqente ataque China; rearmamento alemo em 1935 e a remilitarizao da Rennia no ano seguinte; conquista da Abissnia pela Itlia em 1935-36; apoio do Eixo Roma-Berlim s foras franquistas na Guerra Civil Espanhola de 1936-39; Anschluss (Anexao) da ustria pelos alemes em 1938, seguida pela campanha dos Sudetos, regio tcheca habitada por uma minoria alem que, incitada pelos nazistas, exigia a sua incorporao ao Terceiro Reich. A Tchecoslovquia, contando com a ajuda da URSS e pronta a resistir, viu-se abandonada pelas democracias ocidentais, que firmaram em 30 de setembro de 1938 o famigerado Pacto de Munich, em que cediam os Sudetos Alemanha em troca da promessa hitlerista de no fazer novas exigncias territoriais na Europa. Um clima blico-invasionista mobiliza as grandes potncias, pegando desprevenida a populao norte-americana, imersa na incerteza e instabilidade resultantes de uma crise econmica prolongada. O rdio atingia todos os lugares, mas a massa ainda no estava acostumada a receber informaes simultaneamente aos fatos. Os EUA, que em 1921 contava com quatro emissoras, tm trezentos e oitenta e duas no final de 1922, e sete milhes de receptores em 1927. Na dcada de 30, os pases colonizadores montam extensa programao voltada manuteno de suas possesses africanas, e a URSS, a Alemanha, a Itlia e o Japo, uma ofensiva de transmisses de propaganda ideolgica. Vinculada a ameaa de invaso hitlerista, havia o medo do desembarque de seres de outros planetas. Na noite de 30 de outubro 1938, vspera do Halloween (Dia da Bruxas), o perigo real se materializou numa situao imaginria. A rdio CBS de Nova York, efetuou com estrondoso xito a cobertura de um desembarque de marcianos no vizinho Estado de Nova Jersey.1 As descries, perfeitas, desencadearam o pnico. A narrao teve tanto impacto que o governo chegou a abrir um inqurito para apurar responsabilidades. O inqurito foi esquecido, mas o trabalho de Welles passaria posteridade como um dos maiores furos na histria da radiodifuso. Nas comemoraes do seu cinqentenrio, vrias pessoas que ouviram a locuo diziam ainda guardar uma lembrana viva dos fatos. Henry Sears, 13 anos na poca, levou

    1 Em seu filme Radio Days (A Era do Rdio), de 1987, Woody Allen mostra diversos episdios interligados __ entre eles a invaso marciana preconizada por Welles __ pela presena constante do rdio, que age poderosamente sobre os membros de uma famlia judia no bairro do Queens nos anos 30 e 40. Trata-se de uma nostlgica homenagem de Allen aos personagens e programas da idade de ouro do rdio americano, sob a tica de sua prpria infncia.

  • 6

    consigo um rdio e se refugiou num bar junto de conhecidos.2 As propores do tumulto foram bem mais graves do que se mensurava, levando em conta os repetidos avisos da rdio de que a transmisso era fictcia.3 Comandando uma cadeia de noventa emissoras, costa a costa, o locutor comeou: O elenco do Mercury Theatre, sob a direo de Orson Welles, apresenta A guerra dos mundos, adaptao da novela de H. G. Wells. Ato contnuo, outro locutor, um dos atores do elenco, informava: Passamos a transmitir do Park Plaza Hotel uma audio musical com Ramon Raquello e sua orquestra. Entra a msica e, instantes depois, o locutor corta a apresentao com um aviso: Interrompemos nosso programa de msica danante para transmitir o boletim que acabamos de receber da Agncia Internacional de Notcias. A notcia era a de que um laboratrio astronmico havia detectado exploses no planeta Marte. Volta a msica. O programa sofre nova interrupo para uma entrevista com um astrnomo. Entra novamente a msica e dessa vez o reprter Carl Phillips anuncia a queda de um objeto flamejante, descomunal, numa fazenda de Grovers Hill, em Nova Jersey. A msica no retornaria mais. De modo a conferir maior realismo narrativa, a produo decidiu transmitir o restante do programa na forma de um boletim noticioso extraordinrio. Sem demora, um reprter chega ao local da queda do objeto, um cilindro de ao, de dentro do qual saem criaturas repulsivas, portando armas condizentes com o nvel tecnolgico da poca: uma espcie de lana-chamas mecnico e um expelidor de gases. No espao de uma hora, o reprter pulverizado, multides so mortas, foras do Exrcito e da Aeronutica dizimadas. De Washington, o secretrio de Defesa admite a derrota. Em engenhocas semelhantes a um tanque de guerra sobre pernas articuladas, os marcianos marcham em direo a Nova York arrasando tudo pelo caminho, atravessam o rio Hudson e conquistam Manhattan. O nico sobrevivente do ataque, arrastando-se entre os escombros, chega ao Central Park, onde encontra os corpos dos aliengenas em decomposio, mortos por infeces de vrus e bactrias contra as quais no tinham resistncia imunolgica.4 A notcia se difundiu de forma devastadora. Milhares de ouvintes histricos contagiaram parente e amigos, pessoalmente ou por telefone, desatando o pavor coletivo. Cenas de pnico foram registradas numa ampla faixa da costa leste, principalmente nos estados de Nova York e Nova Jersey. Os habitantes dos arranha-cus de Manhattan refugiaram-se no subsolo ou fugiram para outras cidades. O servio telefnico entrou em colapso devido ao excesso de chamadas para a polcia e os jornais, o que aumentou a sensao de que o pas estava sendo realmente invadido. Nos hospitais e nas prises, doentes, presos e empregados exigiam que fossem postos fora de perigo. Pessoas que passavam o alarma nas ruas foram presas, e a Polcia Montada empregou gs lacrimogneo para dispersar a multido desvairada. Em Nova Jersey, muitos alegaram terem visto exploses de bombas, colunas de fumaa e at os marcianos em pessoa. Em Tentro, os religiosos acorreram aos templos, crentes de que o fim do mundo havia chegado. Em Newark, as mulheres rezavam de joelhos no meio da rua. Alguns corriam pelas ruas com panos e toalhas cobrindo o rosto, prevenindo-se contra gases venenosos.5 Os moradores de Grovers Hill acreditavam que um disco voador pousara em uma fazenda. Muitos procuraram o delegado perguntando o que deveriam fazer. Mesmo os que no tinham ouvido rdio naquele dia tambm fugiram. Um cidado, apesar de rastrear as demais emissoras e constatar que seguiam sua programao normal, especulou que os locutores estavam deliberadamente tentando tranqilizar o povo. A calma s voltou a reinar quando todas as

    2 Guerra dos Mundos assustou os EUA, in Folha de S. Paulo, So Paulo, 14-10-1989, exterior, p. A-10. 3 O jornalista Homero Fonseca teve o acesso ao roteiro original da narrativa e incluiu um estudo a respeito no seu livro Viagem ao planeta dos boatos (Rio de Janeiro, Record, 1996). 4 Fonseca, Homero, op. cit., p. 36-37. 5 Ibid., p. 37-38.

  • 7

    estaes de rdio passaram a divulgar insistentes informes sobre o que tinha havido, secundadas pelos jornais que lanaram edies extras nas ruas.6 A reao exps algo profundo: o estado psicolgico vulnervel da populao. A pesquisa do American Institute of Public Opinion (AIPO), apontou que de 10 a 12% dos ouvintes (entre seiscentas mil a setecentas mil pessoas), apesar de terem escutado de que se tratava de uma novela, ficaram extremamente ansiosos. Segundo a CBS, esse percentual foi ainda maior: cerca de 20%, ou um milho e duzentas mil pessoas. Alm do aviso inicial, em dois intervalos a mensagem de que se tratava de uma fico foi repetida. A massa, porm, predisposta a crer no pior, ignorou-as, liberando emoes reprimidas.7 Os aliengenas transfigurados de Welles no eram outra coisa seno estrangeiros de outros mundos, do Velho Mundo, da Europa.8 Em poucos meses a guerra seria precipitada. Em 15 de maro de 1939, Hitler ocupou a Bomia e a Morvia, transformando-as em protetorados. Em abril, Mussolini tomou a Albnia, enquanto Hitler desencadeava a guerra de nervos contra a Polnia. Finalmente convencidas da inutilidade de quaisquer esforos para conter o nazi-fascismo, as potncias ocidentais ofereceram auxlio a esse pas e procuraram a colaborao sovitica. No entanto, em 23 de agosto era assinado em Moscou o pacto de no-agresso germano-sovitico, o que permitia Alemanha levar a cabo os seus intentos sem o temor de um ataque a leste. Em 1o de setembro de 1939, os nazistas invadiram a Polnia, irrompendo a pior guerra de todos tempos, considerada uma extenso da primeira, porquanto resultante de causas semelhantes __ nacionalismo, imperialismo, armamentismo, disputas econmicas, propaganda __, agravadas pela conjuntura que colocava na Europa, frente a frente, os mesmos adversrios principais: Alemanha, contra Frana e Reino Unido. A primeira, junto da Itlia, do Japo e de seus satlites (Hungria, Eslovquia, etc.) opunha-se s chamadas democracias ocidentais e seus aliados (a Polnia e as naes posteriormente atacadas pelo Eixo: Noruega, Holanda, Blgica, Iugoslvia, Grcia, URSS, EUA, etc.). A partir de 1914, acelerou-se a evoluo que vinha se esboando e fazia do capitalismo competitivo do sculo XIX um capitalismo monopolista. O mecanismo e funcionamento da economia foram perturbados pela concentrao da riqueza em poucas mos e pela fuso do capital bancrio com o industrial. Substituiu-se a empresa do tipo familial pela sociedade annima, a concorrncia pelos acordos e entendimentos, e a livre troca por um rgido protecionismo, imposto aos governos pelos grupos econmicos ameaados. Um capitalismo em expanso cedeu espao a um outro em vias de contrao, caracterizado pelo malthusianismo, nico sistema que, nos perodos de abundncia, permitia a conservao dos preos de venda elevados, s custas do permanente desemprego e subemprego de grande parte da populao ativa. Diante da crise, os governos capitalistas viram-se obrigados a intervir. A partir de 1931, vigorou uma economia que tendia a utilizar as foras produtivas de maneira mais racional, dirimindo os atritos atravs de grandes obras pblicas, do controle das indstrias e dos cmbios e da poltica de armamentos. A maioria dos governos adotou essa poltica intervencionista, inclusive os fascistas, que aplicaram os princpios de maneira radical e sistemtica. No plano scio-poltico, a crise trouxe tona as contradies internas da democracia burguesa __ expresso mxima do capitalismo liberal __, entre a estrutura da sociedade e as foras de produo e entre a soberania poltica das massas e a soberania econmica de uma minoria privilegiada. O desemprego, a crescente desigualdade na distribuio da renda e a concentrao do poder,

    6 Ibid., p. 38-39. 7 Ibid., p. 134-135. 8 Banchs, Roberto. Los OVNIs: una vision historica, Buenos Aires, maro 1995, no 1, edio especial de Los identificados, p. 4.

  • 8

    agravavam os antagonismos sociais. O povo, efetivamente organizado, reivindicava melhorias nas condies de vida. O controle do poder assumiu, pois, uma importncia decisiva na luta entre a classe dominante e a dominada. Interrompeu-se o fluxo natural do desenvolvimento planejado. Na Inglaterra e na Europa Ocidental, as instituies democrticas continuaram subsistindo no quadro capitalista, embora contestadas e enfraquecidas. Na Europa Central e Oriental, principalmente na Itlia e na Alemanha __ mais do que qualquer outra atingida pela derrota e pela crise __, a sobrevivncia da classe dirigente depende do completo sacrifcio das instituies democrticas. O fascismo destri as organizaes operrias e impulsiona o armamentismo e o imperialismo, agravando rapidamente as dissenes. Os avanos japoneses na sia enfraquecem as potncias coloniais, arruinando a base social da classe dirigente da China. Os movimentos pr-independncia nacional assumem crescente fora, tanto na ndia como nos imprios coloniais da Frana e dos Pases Baixos. O sistema capitalista apresenta-se, pois, bastante debilitado. Da o agravamento dos conflitos sociais que constituram um fator importante da poltica externa e do equilbrio de foras no plano internacional.9 Com a invaso da Escandinvia em 9 de abril de 1940 __ que assegurou a Hitler as bases no Mar do Norte e o abastecimento do minrio de ferro sueco __ , a guerra agravou-se sobremaneira. A invaso dos Pases Baixos em 10 de maio, inaugurou a fase da blitzkrieg, em toda a frente Ocidental. Os OVNIs absorveram tal caracterstica, pois suas aparies se faziam com a mesma rapidez da guerra-relmpago. A Holanda foi tomada em 4 dias, a Blgica em 3 semanas e a Frana em menos de 1 ms e meio. Com a ocupao de Paris em 14 de junho, o general Ptain assinou o armistcio e instalou em Vichy a sede de um governo colaboracionista. A queda da Frana __ com seus exrcitos mal equipados __ e a iminente derrocada inglesa, consternaram os norte-americanos que temiam uma invaso alem no territrio Ocidental. A destruio da Tchecoslovquia convenceu uma pequena, mas influente minoria, de que os EUA corriam srio perigo.10 A Fora Expedicionria Britnica foi empurrada para o mar de Dunquerque e forada a executar uma difcil retirada. Exilado em Londres, o general De Gaulle apelou resistncia, criando o movimento Frana Livre. Os nazistas avanaram para o leste, invadiram a Iugoslvia e a Grcia em abril de 1941 e desencadearam uma ofensiva contra a URSS em junho, mas foram derrotadas na batalha pela capital em novembro. Washington, por sua vez, restringia-se a medidas estritamente diplomticas, inteis para conter o avano nazista na Europa e o imperialismo japons no Extremo Oriente. A maioria dos norte-americanos inquiridos entre 1939 e 1941, manifestou-se contrria ao envolvimento do pas na guerra.11 S o ataque japons base naval de Pearl Harbor, no Pacfico, em 7 de dezembro de 1941, os fez mudar de posio. O Japo dominou o sudoeste da sia e a Birmnia entre dezembro de 1941 e maro de 1942. Nesse nterim, um objeto em forma de disco apareceu em plena luz do dia nos cus da cidade de Tientsin, na China, desfilando ante centenas de pessoas e deixando-se fotografar. Um estudante do distrito de Gunma foi quem encontrou a foto perdida entre as cartas de seu pai. Este mesmo objeto teria sido observado por uma tropa do Exrcito de Libertao Comunista. No segundo semestre, depois da segunda batalha de Alamein, a vitria passou para o lado aliado. As foras anglo-americanas desencadearam a contra-ofensiva no Egito e invadiram a frica do Norte francesa, base do ataque italiano, entre outubro de 1942 e maio de 1943; paralelamente, o Exrcito russo lanava a ofensiva do Volga, ao norte e ao sul de Stalingrado, reconquistados em fevereiro de 1943; em julho, os norte-americanos desembarcaram na Siclia,

    9 Crouzet, Maurice. Histria geral das civilizaes, A poca contempornea: o declnio da Europa e o mundo sovitico, So Paulo, Difel, 1958, p. 219-221. 10 Link, Arthur. Histria moderna dos EUA, Rio de Janeiro, Zahar, 1965, v. III, p. 807. 11 Ibid., p. 809.

  • 9

    provocando a queda de Mussolini no dia 24 e a conseqente capitulao da Itlia em 3 de setembro. Nessa altura, o poderio germnico j estava bastante enfraquecido. Misteriosos avies, capazes de ficar imveis e acelerar bruscamente, foram caados pelo fogo da 37a Brigada Antiarea na madrugada de 25 de fevereiro de 1942. No dia seguinte, o chefe do Estado-Maior do Exrcito, general George C. Marshall, endereava ao presidente Franklin Delano Roosevelt um memorando secreto reportando que: 1) Aeroplanos no identificados, que no eram do Exrcito ou da Marinha norte-americana, se encontravam provavelmente sobre Los Angeles. Descargas de fogo foram atiradas contra aqueles avies por elementos da 37a Brigada CA (AA) entre 3h12min e 4h15min. Aquelas unidades lanaram mil quatrocentos e trinta obuses; 2) Eram uns quinze aeroplanos que voavam a velocidades variadas, conforme descries oficiais, desde muito lentamente at 360 km/h, e a altitudes de 9 mil a 18 mil ps; 3) Nenhuma bomba foi lanada; 4) Nossas tropas no registraram nenhuma baixa; 5) Nenhum avio do Exrcito ou da Marinha norte-americana entrou em ao. A pesquisa continua. Parece razovel concluir que, se aeroplanos no identificados estavam implicados, poderiam ter sido utilizados por agentes inimigos com a finalidade de espalhar a inquietao, de descobrir a localizao das posies da defesa antiarea e de diminuir a produo atravs do blackout. A concluso reforada pelas diferentes velocidades dos aparelhos e pelo fato de que nenhuma bomba foi lanada.12 Os encontros de Roosevelt, Churchill e Stlin em Teer, entre novembro e dezembro de 1943, anteciparam a maior operao militar da guerra: o desembarque na Normandia, comandando pelo general e futuro presidente Dwight David Eisenhower, em 6 de junho de 1944. Paris libertada em 25 de agosto, e Hitler, num ltimo esforo, bombardeia a Inglaterra durante o vero de 1944 com os revolucionrios foguetes V-1 e V-2. Os aliados fechavam o cerco, avanando em direo Alemanha. Os soviticos penetraram na Prssia Oriental, na Polnia e na Silsia, e libertaram Budapeste e Viena entre maro e abril de 1945, encontrando-se com as tropas aliadas s margens do Elba em 28 de abril. Hitler suicidou-se 2 dias depois. O almirante Karl Dnitz formou um novo governo e pediu o fim das hostilidades. Em 2 de maio, Berlim ocupada pelos soviticos. Em 7 de maio, a Alemanha assina, em Rheims, a rendio incondicional. A guerra do Pacfico prosseguiu at que o presidente Harry S. Truman ordenou o lanamento de duas bombas atmicas sobre as cidades de Hiroshima, em 6 de agosto, e Nagasaki, em 9 de agosto; no dia 14, o Japo capitulava. O nmero de mortos na guerra gira em torno dos quarenta milhes. Dezessete milhes de soviticos (nove milhes e meio de civis), cinco e meio milhes de alemes (trs milhes de civis), quatro milhes de poloneses (trs milhes de civis), dois milhes e duzentos mil chineses, um milho e seiscentos mil iugoslavos, um milho e quinhentos mil japoneses, quinhentos e trinta e cinco mil franceses (trezentos e trinta mil civis), quatrocentos e cinqenta mil italianos (cento e cinqenta mil civis), trezentos e noventa e seis mil ingleses, duzentos e noventa e dois mil norte-americanos, alm de seis milhes de judeus (um tero da populao judaica do mundo), vtimas do anti-semitismo nazista. Os territrios e o poderio industrial da Alemanha foram drasticamente reduzidos. Dividida em quatro zonas de ocupao, teve de pagar pesadas reparaes de guerra, cedendo, para tanto, equipamentos, maquinarias, produtos manufaturados e navios mercantes. Mais do que qualquer outro conflito do passado, a Segunda Guerra estimulou o avano tecnolgico. Ela foi ganha tanto no laboratrio de experincias quanto no campo de batalha. No incio, os norte-americanos encontravam-se muito atrasados em relao aos alemes __ na vanguarda do conhecimento atmico, da propulso a jato e dos foguetes13 __ e aos ingleses __ 12 Bourret, Jean-Claude. OVNI: as Fora Armadas falam. So Paulo, Difel, 1980, p. 5-6. 13 Em resposta invaso aliada, Hitler desencadeou contra a Inglaterra, em 12 de junho de 1944, a ao de uma de suas propaladas armas secretas, a bomba voadora V-1. Lanadas em grande nmero, especialmente sobre

  • 10

    peritos em dispositivos eletrnicos e de radar.14 Antevendo a inevitvel entrada dos EUA na guerra, em junho de 1940 o presidente do Instituto Carnegie, de Washington, Vannevar Bush, persuadiu o presidente a criar a Comisso de Investigaes da Defesa Nacional (NDRC), que contaria com representantes dos meios militares, universitrios e industriais. Roosevelt reorganizou os programas de investigao do governo e em junho de 1941 criou o Departamento de Investigao e Desenvolvimento Cientfico (OSRD), nomeando Bush como diretor e conferindo-lhe plenos poderes para elaborar, aprovar ou rejeitar projetos. Sempre que se avistava algo estranho no cu, atribuam-no ao arsenal inimigo. Assim procederam os comandantes norte-americanos ante os relatos pitorescos dos pilotos da Fora Area que se disseram perseguidos por bolas luminosas vermelhas, laranjas e brancas que pareciam brincar com seus avies no outono de 1944. Alguns deles foram acompanhados por at dez dessas luzes, apelidadas de foo fighters __ um jogo de palavras misturando o termo francs feu (fogo) e o ingls fighter (avio) __ pelos pilotos da 415a Esquadra de Caas Noturnos dos EUA, baseada em Dijon. A esquadra efetuava misses de combate e reconhecimento sobre a zona do Rim, ao norte de Estrasburgo, no setor da frente compreendida entre Hagenau e Neustadt, ao oeste do rio dos Germanos. Os primeiros informes vieram da tripulao de um bombardeiro B-29 na noite de 23 de setembro de 1944. A bordo, o tenente Ed Schluetter, o radialista Donald J. Meire e o tenente Fred Ringwald, oficial da inteligncia militar que viajava como observador, justamente o primeiro a notar o que pareciam ser estrelas. Aos poucos, as estrelas converteram-se em cerca de oito bolas luminosas alaranjadas que se moviam velozmente. Desapareceram para logo reaparecerem mais adiante e, minutos depois, desvaneceram em definitivo. A Inteligncia Militar classificou-as como armas secretas alemes, embora nunca tenha sido registrado nenhum caso de ataque. Um bombardeiro B-24 foi seguido por uma formao de quinze foo fighters. A tripulao de um B-29, em misso de bombardeio sobre o Japo, tambm os avistou. Nessa poca, os alemes travavam suas derradeiras batalhas, e os estranhos objetos pareciam um recurso desesperado. Com o trmino da guerra, o mistrio agravou-se. Os Aliados examinaram os documentos inimigos e constataram que os alemes e os japoneses tinham ficado igualmente intrigados com o que para eles eram armas secretas ocidentais. As explicaes estenderam a plausibilidade at o limite, j que altamente improvvel que um nmero to grande de pilotos, de ambos os lados, pudessem ter sido afetados por alucinaes. Os foo fighters continuaram a aparecer durante todo o ano de 1946. Tripulaes de bombardeiros que sobrevoaram o Pacfico e militares que lutaram nas guerras da Coria e do Vietn, reportariam fenmenos semelhantes. Os ingleses, preocupados, chegaram a formar uma comisso, sob o comando do tenente-general Massey, para determinar sua origem. Os nazistas, que chamavam os foo fighters de krauts fireballs, constituram outra em 1944. Os inquietantes informes procedentes dos pilotos da Luftwaffe, instaram a criao do Sonder Bro no 13, cujas atividades se ocultaram sob o nome em cdigo de Operao Uranus. Integravam a Base Especial no 13, oficiais da aviao,

    Londres, essas bombas causaram enormes estragos e numerosas vtimas, embora menos de 25% dos projteis tivessem atingido o alvo. A V-1 era to lenta em vo que os aviadores e os tcnicos de tiro antiareo podiam atingi-la com certa facilidade. Mais terrvel foi a bomba-foguete V-2, desenvolvida por Werner von Braun, contra a qual nunca foi possvel encontrar uma defesa adequada. Ela voava a 3.400 milhas por hora e transportava uma carga explosiva de 1 tonelada. 14 Os estudos em torno do radar comearam no incio da dcada de 30 nos EUA, na Inglaterra e Alemanha, mas foram os ingleses que o aperfeioaram e o utilizaram pela primeira vez em grande escala durante um ataque areo alemo em 1940. Radares instalados em avies de patrulha norte-americanos e britnicos, permitiram que navios de guerra controlassem os movimentos dos submarinos inimigos e que as Foras Areas lanassem poderosos interceptadores noturnos.

  • 11

    engenheiros aeronuticos e conselheiros cientficos ligados ao Estado-Maior Superior do Exrcito do Ar. Os paralelos entre o advento do fenmeno disco voador, no vero norte-americano de 1947, e o da tecnologia aeroespacial, suscitam questes pertinentes. A Luftwaffe desenvolveu o primeiro caa a jato do mundo e trabalhava em uma srie de avies supersecretos nos ltimos meses da guerra. Segundo o relatrio de Marshall Yarrow, correspondente da Reuters, publicado em 13 de dezembro de 1944, os alemes produziram uma arma secreta, que poder vir a ser usada no fim do ano. O novo dispositivo que, aparentemente, uma arma de defesa area, parece as bolas de vidro que enfeitam as rvores de Natal. Elas j foram vistas pairando no ar sobre a Alemanha, algumas vezes sozinhas, outras em grupo. No dia seguinte, o New York Times estampava uma nota: Quartel-General supremo. Foras expedicionrias aliadas, 13 de dezembro de 1944. Foi revelado hoje que uma nova arma alem fez sua apario sobre o front areo do oeste. Os aviadores pertencentes s Foras Areas norte-americanas declararam ter encontrado discos de cor prateada nos ares, sobre o territrio alemo. Os aviadores os encontraram isolados e em grupo. Algumas vezes, eles eram transparentes.15 Os alemes produziram uma mquina voadora em forma de disco, de perfil baixo, alcunhado de Feuerball (Bola de Fogo), usada como dispositivo anti-radar e arma psicolgica contra os Aliados. Uma verso melhorada, o Kugelblitz, projetado por Rudolph Scriever e montado numa fbrica da BMW perto de Praga, em 1944, tornou-se o primeiro avio capaz de pousar e decolar verticalmente. Seu primeiro vo ocorreu em fevereiro de 1945 sobre o complexo subterrneo de pesquisas de Kahla, na Turngia, Alemanha, uma rea montanhosa onde, de acordo com informaes confidenciais, Hitler pretendia construir seu ltimo bastio, guardado pelas ltimas armas secretas que Herman Wilhelm Gring, comandante da Luftwaffe, vinha lhe prometendo. Uma notcia filtrada no Ocidente em 17 de abril de 1944, dizia que os tcnicos nazistas tinham construdo o V-7, um objeto em forma de disco, nos laboratrios do 10o Exrcito em Essen, Dortmund, Stettino e Peenemunde, locais em que se efetuaram as primeiras experincias com as V-1 e V-2. De acordo com o coronel de engenharia Heinrich Richard Miethe, ele e seus tcnicos projetaram um helicptero a jato em forma de um disco, o Vergelungswaffe-7, Arma de Retorso no 7, ou simplesmente V-7. Os testes finais se realizaram em Breslavia, cidade que cairia nas mos das tropas soviticas. O disco voador nazista estava equipado com motores derivados do modelo BMW-028, que por sua vez nasceu do turbo reator axial M-018. Os motores eram dotados de um compressor de seis estdios, uma cmara anular de combusto e uma turbina especial para vos estratosfricos, j que o disco ultrapassava os 20.000 m de quota. Os turbopropulsores internos eram munidos de dispositivos de pr-combusto. O V-7, de 42 m de dimetro, se assemelhava a um disco olmpico. As doze turbinas estavam dispostas em igual distncia no interior de um anel metlico que girava como a coroa de um giroscpio em volta de um corpo central esfrico e imvel comportando uma cabina pressurizada para os pilotos. Bombas de pequenas dimenses eram colocadas em volta dos reservatrios. Impulsionado por oxignio lquido e lcool etlico, o V-7 decolava em menos de 16 segundos por uma rampa de lanamento vertical. Sem rampa, o aparelho comportava-se como um helicptero. O projeto de um avio triangular capaz de voar a 2.500 km/h, semelhante aos modelos invisveis B-2, por pouco no saiu do papel. O tempo foi implacvel para o arsenal secreto nazista. Sabemos que os EUA e a URSS assimilaram essa tecnologia, a qual originou os primeiros relatos de OVNIs. O chefe do Projeto Blue Book (Livro Azul) da USAF, capito Edward J. Ruppelt, admitiu: Ao fim da Segunda Guerra Mundial, os alemes trabalhavam em diversos tipos radicais de aeronaves e msseis teleguiados. A maioria dos projetos encontravam-se nos estgios preliminares, mas eram os 15 Bourret, Jean-Claude, op. cit., p. 7.

  • 12

    nicos conhecidos que se aproximavam das caractersticas de vo dos OVNIs. Assim como os Aliados depois da Segunda Guerra Mundial, os soviticos obtiveram dados completos dos mais recentes inventos alemes. Os rumores de que os russos desenvolviam febrilmente as idias alems, provocaram no pouco alarme. medida que novas observaes se processavam nas proximidades do campo de provas do Exrcito em White Sands, onde se fabricavam bombas atmicas, a Air Technical Intelligence Center (ATIC) redobrava seus esforos nas pesquisas.16 A OSRD desenvolveu a espoleta de aproximao __ um rdio em miniatura instalado na cabea de uma bomba ou de um mssil que detonava ao chegar perto do alvo __, usada pela Marinha contra os avies japoneses em 1943, e em 1945 contra as bombas V-1 alems. Receando que os alemes encontrassem uma cpsula que no tivesse explodido e, assim, iniciassem a produo de espoletas, os chefes do Estado-Maior s permitiram o seu uso na Europa depois de dezembro de 1944. Na contra-ofensiva em Ardenas, a espoleta de aproximao aumentou a eficcia da artilharia e provou ser devastadora contra as tropas alems.17 A mobilizao dos cientistas trouxe inmeras outras vantagens, entre elas os explosivos, as bombas incendirias, o DDT, o plasma sangneo, a penicilina, e os novos e terrveis gases, alguns dos quais no chegaram a ser usados em larga escala. A bomba atmica inaugurou uma nova fase na histria. Em 26 de janeiro de 1939, o fsico dinamarqus Niels Bohr surpreendeu um grupo de cientistas em Washington ao anunciar que dois alemes do Instituto Kaiser Wilhelm, em Berlim, haviam desintegrado o tomo de urnio. O temor de que os nazistas construssem bombas atmicas levaram os fsicos Enrico Fermi, da Universidade da Columbia, e Albert Einstein, do Instituto de Altos Estudos, junto com outros, a persuadirem o presidente a iniciar um programa urgente que fosse na mesma direo. Todavia, os trabalhos s foram efetivamente iniciados em 1940. As pesquisas em diversas universidades no tardaram a confirmar, no vero de 1941, a viabilidade dos explosivos nucleares. A fabricao da bomba foi iniciada na primavera de 1943 num laboratrio construdo numa regio solitria de Los Alamos, perto de Santa F, Estado do Novo Mxico. Cientistas norte-americanos, britnicos e europeus, dirigidos por J. Robert Oppenheimer, trabalharam ininterruptamente at a montagem final da primeira bomba, em 12 de julho de 1945. A tenso aumentava medida que se aproximava o dia do teste. Levada para a base area de Alamogordo, foi detonada com xito s 5h30min de 16 de julho, produzindo um grande claro de luz, muito mais brilhante do que o sol do meio-dia, um rugido ensurdecedor e uma imensa nuvem em forma de cogumelo. O alvio, misturado com um sentimento de pecado, encheu os espritos dos homens que observavam o incio de uma nova era da histria humana.18 2. Guerra Fria A Segunda Guerra chegara ao fim, mas a Guerra Fria apenas comeava. Em 1946, na cidade de Fulton, Missouri, Churchill discursa sobre o Perigo Vermelho. Uma srie de avistamentos misteriosos no mar Bltico e na Escandinvia contribuiu para o acirramento das suspeitas. A bizarra atividade se iniciou em 26 de fevereiro de 1946 na regio setentrional da Finlndia, perto do Crculo rtico. Centenas de objetos voadores, comparados a bolas de rugbi, charutos, projteis e torpedos de prata, surgiam em plena luz do dia. No final de maio, foguetes estranhos cruzavam o cu do norte da Sucia. Os relatos vinham de reas remotas, por isso foram praticamente ignorados at o dia 9 de junho, quando os moradores de Helsinque, 16 Ruppelt, Edward J. Os discos voadores: relatrio sobre os Objetos Areos No Identificados, So Paulo, Difel, 1959, p. 42-43. 17 Link, Arthur, op. cit., p. 869. 18 Ibid., p. 869-872.

  • 13

    na Finlndia, viram um objeto resplandecente atravessar o plido cu noturno deixando atrs de si um rastro de fumaa. Os jornais no paravam de publicar casos sobre os foguetes fantasmas e as bombas assombradas provenientes do norte da Europa. S na Sucia, foram anotados mais de mil ao longo de 7 meses. Notcias similares chegavam de Portugal, da frica do Norte, Itlia, Grcia e ndia. Os foguetes fantasmas eram condizentes com o formato dos foguetes nazistas V-1 e V-2, que despejaram morte e destruio em Londres. As atenes se voltaram para os soviticos, que 1 ano antes haviam capturado uma base V-2 em Peenemndu, no mar Bltico. J as bases de msseis teleguiados em territrio europeu tinham sido na grande maioria bombardeadas, sem contar que o seu alcance mximo era um quarto do necessrio para atingir o norte da Finlndia, da Noruega ou da Sucia. Mesmo se os soviticos detivessem V-2 em condies de uso, como os suecos temiam, por que eles os desperdiariam sobre pases escandinavos, sem nenhum objetivo aparente? O Kremlin negou qualquer responsabilidade, mas a simples desconfiana gerou um blackout de informes na Sucia, Noruega e Dinamarca, assustando os governantes. Os militares suecos entraram em estado de alerta e os EUA enviaram o general aposentado da Fora Area Jimmy Doolittle para assessor-los. O Ministrio da Defesa sueco concluiu por fim que 80% dos casos no passavam de aeronaves convencionais ou fenmenos naturais. No obstante, pelo menos duzentos permaneceram inexplicveis. O Servio de Inteligncia do Exrcito norte-americano aventou de que se tratavam de armas secretas fabricadas pelos russos em colaborao com cientistas alemes. Os suecos proibiram a publicao dos relatrios oficiais em 17 de julho de 1946, de modo a no favorecer a potncia que conduzia as supostas experincias. Dois dias depois, a proibio vigorava na Noruega. A Dinamarca imps vetos em 16 de agosto. O auge da onda sueca abrangeu um nico perodo de 24 horas, durante o qual duzentos e cinqenta indivduos de norte a sul do pas declararam ter visto um objeto prateado, com o formato de lgrima. No dia seguinte, o Departamento de Defesa nomeou uma comisso de especialistas civis e militares. Em 20 de agosto, David Sarnoff, general reformado e vice-presidente da Radio Corporation of America (RCA), James Doolittle, heri de guerra, e Douglas Rader, coronel reformado da Fora Area Real, pousaram no Aeroporto Bromma, de Estocolmo, e se reuniram com militares da Fora Area Sueca. Doolittle, que integrou diversas operaes do Servio Secreto dos EUA aps a guerra, recusou-se a falar em pblico sobre a reunio. Sarnoff apresentou um relatrio ao presidente Truman, em que classificava os foguetes fantasmas como reais e no imaginrios. Antecipando-se imediatamente aos OVNIs ou discos voadores, os foguetes fantasmas constituram em seu tempo parte de um fenmeno que assume diferentes configuraes em reao s ansiedades e preocupaes de um determinado momento histrico. As superpotncias emergentes, sem que os demais pases afetados pela guerra tomassem conhecimento, aumentaram o alcance e o desempenho das armas nazistas, contribuindo para assombrar o mundo com novos fantasmas tecnolgicos. A Europa estava beira do colapso no inverno de 1946-47. Em Londres, sobrara carvo para aquecer e iluminar as casas algumas horas por dia apenas. Em Berlim, os vencidos enregelavam e morriam de fome. As cidades eram um mar de escombros (500 milhes de metros cbicos s na Alemanha): pontes arrebentadas, canais bloqueados, ferrovias retorcidas. A Inglaterra, sem condies de sustentar os pases que corriam o risco de vir a se tornarem socialistas, como a Grcia e a Turquia, levou o presidente Truman a preconizar a doutrina que recebeu o seu nome. O programa de reconstruo era uma poltica declarada de conteno expanso socialista, s expensas da ajuda econmica. A doutrina Truman desdobrou-se no Plano Marshall, nascido de um discurso proferido pelo general George Marshall em 5 de junho de 1947, na Universidade de Harvard. Os estadistas Bevin e Bidault convidaram a URSS a tomar parte na elaborao do plano, mas a conferncia de 27 de junho fracassou ante a intransigncia

  • 14

    de Viacheslav Molotov. Os governos britnico e francs convocaram ento os demais governos europeus para uma conferncia em Paris em 12 de julho. Como represlia ao Plano Marshall, a URSS deflagrou uma campanha de descrdito nos pases a serem beneficiados, principalmente na Frana e Itlia, mediante levantes, greves e boatos de que a ajuda hipotecaria as liberdades nacionais. revelia da campanha, o plano foi amplamente acolhido, e Truman assinava em abril de 1948 a lei autorizando a liberao de verbas para a Europa e a China. Os US$ 13,3 bilhes em emprstimos transformaram economicamente os dezessete pases beneficirios. Mais que aumentarem aritmeticamente o PIB, foraram as naes beligerantes recm-sadas da guerra a cooperar entre si como nunca haviam feito antes. Os administradores do Plano Marshall as conclamaram a desmontar os mecanismos de cotas comerciais que vinham tolhendo o comrcio do continente desde a Grande Depresso.19 Entre 1938 e 1947, o padro de vida na Europa decaiu 8% ao ano. Com o Plano Marshall, entre 1948 e 1951, a renda per capita aumentou um tero. O plano estar sempre relacionado ao endurecimento da Guerra Fria. Sem a ameaa da expanso comunista, o Congresso certamente no o teria aprovado. Patrocinando a diviso da Europa em duas correntes antagnicas, promoveu uma distribuio desigual de foras. A URSS controlava ou exercia influncia permanente na zona ocupada pelo Exrcito Vermelho. Os EUA comandavam o restante do mundo capitalista, alm do hemisfrio norte e dos oceanos, assumindo o que restava da velha hegemonia imperial das ex-potncias coloniais.20 A ufologia tem uma data inaugural: 24 de junho de 1947, tera-feira, um dia que deveria ser como outro qualquer para o norte-americano Kenneth Arnold, 43 anos, casado com Doris, pai de dois filhos, piloto civil de pequenos avies (patente 333.487), habilitado em vos sobre montanhas e proprietrio de uma pista de aterrissagem nas proximidades do campo areo Bredley, em Boise, Idaho. Arnold decolara de Chehalis, Washington, com seu monomotor Piper (matrcula NC-33.355) e voava entre as cidades de Chebalis e Yakima, na esperana de localizar os restos de um avio C-46 de transporte do Corpo de Fuzileiros Navais que se extraviara no Monte Rainier (4.300 m de altitude), perto da fronteira com o Canad. Por volta das 15 horas, sua ateno foi atrada para o que lhe parecia um bando de patos selvagens voando em formao de V sobre a costa leste da montanha. Divisando melhor, notou que eram achatados e de grandes dimenses, pois calculou a distncia que os separava em quase 30 km: A atmosfera estava clara como cristal, e quando retomei meu rumo, um relmpago brilhante refletiu-se no interior de minha cabine. Intrigado, olhei para trs e vi nove coisas que avanavam em diagonal. Por um momento, pensei que eram um novo tipo de avio a jato, mas em seguida descobri que no tinham cauda. Voavam como gansos, mas como gansos mais velozes, porque atingiam uma velocidade de 2.700 km/h. Ao pousar, Arnold procurou os reprteres para contar que vira flying saucers (pires, ou pratos voadores). Um reprter local, Bill Bequette, recebe o crdito de ter captado o detalhe de que os nove objetos ondulavam como um pires deslizando sobre a gua. A notcia espalhou-se como um rastilho de plvora, e em poucas horas estava nas primeiras pginas de todos os jornais dos EUA.21 Dois dias depois, o mundo inteiro a comentava, ganhando tanto destaque que o termo disco voador passou a designar, indistintamente, os objetos misteriosos avistados no cu, tivessem ou no a forma discide.22 19 Sullivan, Scott. H 50 anos, Plano Marshall reerguia Europa, in O Estado de S. Paulo, So Paulo, 25-5-1997, internacional, p. A-24. 20 Hobsbawn, Eric. A era dos extremos: o breve sculo XX (1914-1991), So Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 223-224. 21 Mysterious flying saucers seen over Oregon by Ranger, in Examiner, So Francisco, 26-6-1947; Londe flier only one to sight big objects in Western sky, in Milwaukee Journal, Milwaukee, 26-6-1947. 22 O termo disco voador se aplica a todos os objetos variados em forma de disco, pretensamente vistos em vo a grande velocidade e altitude, muitas vezes com extremas modificaes de velocidade e de direo, e geralmente

  • 15

    O povo norte-americano, em sua maioria, acreditou na descrio do piloto, afinal, havia muito tempo que coisas misteriosas vinham aparecendo. Comeava a Era Moderna dos discos voadores.23 A casa de Arnold foi invadida por reprteres. No posso sequer calcular o nmero de visitantes, cartas, telegramas e telefonemas que tentei responder. Depois de 3 dias agitados, cheguei concluso de que eu era a nica mente s em toda aquela confuso.24 Transcorridas poucas semanas, a Fora Area estabeleceu uma comisso para investigar e analisar relatrios semelhantes. A expresso popular induzia a falsas interpretaes, por isso os militares preferiram uma expresso menos parcial. O capito Edward J. Ruppelt cunhou o termo genrico UFO, acrossemia, em ingls, de Unidentified Flying Object (Objeto Voador No Identificado). Com a Guerra Fria em curso, muitos acreditaram que aquelas coisas eram uma arma secreta norte-americana ou o prenncio de uma futura invaso russa. O racionalismo cientfico interrompeu as comunicaes entre o cu e a Terra, e os deuses se apartaram do homem. Os OVNIs insurgiram como um esforo desesperado de reatar o contato com o ser.25 Qualquer ato significativo, qualquer repetio de um gesto arquetpico, suspende o tempo profano.26 A experincia ontolgica de Arnold fundou o tempo existencial, e o mundo testemunhou ali a metamorfose de um cidado comum em heri mtico.27 Muito antes de sua morte, em 1984, Arnold tornou-se o ancestral da ufologia, seu primeiro progenitor. O vocabulrio tcnico que to bem dominava, emprestou-lhe as duas palavras-chave: disco voador. Nesse momento, o mundo do fenmeno OVNI nasceu, atendendo a necessidade de um cerimonial que conferisse queles eventos uma aura especial, fossem o que fossem, viessem de onde viessem. A sigla OVNI adquiriu conotaes que excederam o significado original das iniciais: aliengenas, deuses, anjos, santos, duendes, demnios.28 narrativa de Arnold, seguiram-se novos casos. Quatro dias depois, em 28 de junho, s 15h15min, um piloto da Fora Area, a bordo de um F-51, voava nas proximidades do Lago Meade, Nevada, quando viu sua direita uma formao de seis objetos. Na mesma noite, s 21h20min, quatro oficiais da Fora Area __ dois pilotos e dois oficiais da Inteligncia __, lotados na Base Maxwell, em Montgomery, Alabama, reportaram que uma luz efetuou ziguezagues sobre eles e uma manobra em ngulo de 90o, desaparecendo ao sul.29 Com uma semana de intervalo, nasceria o maior mito da histria dos OVNIs. Por volta das 21h50min de 2 de julho, a 46 km a noroeste da cidade de Roswell, Novo Mxico, os moradores presenciaram a passagem de um objeto resplandecente. Um pouco mais tarde, nessa mesma noite, o fazendeiro William W. Brazel ouviu uma exploso sobre a sua propriedade, mas s na manh seguinte foi verificar o que tinha ocorrido. Espalhados sobre uma faixa de terra de 400 m, encontrou fragmentos parecidos com folhas de estanho. Eram chapas finas e flexveis que no se queimavam no fogo, no rasgavam e restituam a forma original mesmo depois de considerados como provenientes do espao, conforme o The Random House dictionary of the english language (New York, 1966, p. 549). O Aurlio define o termo como Objeto discide observado por alguns a mover-se velocissimamente pela atmosfera terrestre, e cuja origem no foi identificada, conjeturando-se que seja fenmeno meteorolgico, ou iluso de ptica, ou engenho de guerra, ou aeronave extraterrestre, etc.. (Ferreira, Aurlio Buarque de Holanda. Dicionrio Aurlio bsico da lngua portuguesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995, p. 224). 23 Avistamentos nos anos 40: o primeiro alerta nos cus da Terra, in Planeta Ufologia, So Paulo, junho 1982, no 117-A, p. 7-8; Ojea, Emilio Alvarez. Como tudo comeou, in Planeta Ufologia: os OVNIs chegaram-I, So Paulo, setembro 1982, no 120-A, p. 8. 24 Thompson, Keith. Anjos e extraterrestres: OVNIs e a imaginao mtica, Rio de Janeiro, Rocco, 1993, p. 16. 25 Eliade, Mircea. Mito do eterno retorno, So Paulo, Mercuryo, 1992, p. 81. 26 Ibid., p. 39. 27 Ibid., p. 43. 28 Ibid., p. 26-28. 29 Ruppelt, Edward J., op. cit., p. 38.

  • 16

    amassados. Havia ainda pequenas tbuas com uma espcie de escrita hieroglfica. Seis dias depois, Brazel resolveu levar os materiais ao xerife George Wilcox, que no hesitou em telefonar para a Base Area de Roswell, onde funcionava o 509o Grupo de Bombardeio da Fora Area, que alis detinha bombas atmicas. Coube ao major Jesse Marcel, oficial de informaes do Estado Maior da Fora Area, vistoriar o local. Os restos que recolheu bastaram para que se convencesse de que eram parte de um disco voador acidentado. O primeiro-tenente e relaes pblicas Walter C. Haut, com o aval do coronel William H. Blanchard, divulgou um press release publicado na primeira pgina do jornal Roswell Daily Record, de 8 de julho. A manchete: RAAF Captures Flying Saucer On Ranch in Roswell Region. O texto da matria dizia que Todos os boatos concernentes aos discos voadores tornaram-se realidade ontem, quando o oficial investigador do 509o Grupo de Bombardeiros da 8a Fora Area, teve a sorte de obter a posse de um disco graas cooperao de um dos granjeiros locais e do gabinete do xerife de Chaves County. Decorridas menos de 24 horas, a Fora Area negou tudo. Os fragmentos foram levados para o quartel-general em Fort Worth, Texas, onde o general-de-brigada Roger Maxwell Ramey obrigou Marcel a posar para fotos junto dos destroos de um balo meteorolgico e declarou imprensa que o major os confundira com um disco voador. Marcel, por fora da hierarquia, curvou-se. Nesse intervalo, o engenheiro civil Barrey Barnett, que trabalhava na conservao do solo para o governo federal, informou ter localizado um disco voador acidentado com vrios extraterrestres mortos a bordo na plancie de San Augustin Plains,30 regio de Socorro, Novo Mxico. Uma operao militar gigantesca foi implementada, que, de acordo com as testemunhas, mobilizou cerca de cinco mil homens no isolamento das reas da queda e da exploso. Especulou-se que o disco explodira sobre a fazenda de Brazel mas despencara somente em Socorro, a 180 km de distncia. Os destroos teriam sido levados para a Base Area de Wright Patterson, em Dayton, Estado de Ohio, e resguardados no interior de um galpo denominado Hangar 18. A saga prosseguiu clere nas cinco dcadas subseqentes. Conta-se que pelo menos quinze pessoas foram mortas ou silenciadas por insistirem em falar demais. Na dcada de 70, valendo-se da Freedom Of Information Act (FOIA), os uflogos impetraram aes judiciais contra o governo norte-americano tencionando desencavar documentos que atestariam o resgate do disco voador e dos corpos dos seres extraterrestres. Em 1977, Marcel, agora tenente-coronel, retomou pessoalmente as investigaes do episdio que o ridicularizara perante a nao. Atravs de seus colegas militares, apurou ter havido um acobertamento sem precedentes. Decidiu comparecer a programas de entrevistas na televiso nas quais exps sua verso, motivando outras pessoas a sarem do silncio. Desde ento, mais de trezentas e cinqenta testemunhas diretas prestaram declaraes pblicas. As repercusses continuaram mais vivas do que nunca ao longo da dcada de 90. Imagens em preto e branco de uma suposta autpsia em corpos aliengenas, uma farsa melanclica, comercializada pelo produtor ingls Ray Santilli, foram veiculadas em meados de 1995 pela Internet e pelas emissoras de televiso guisa de subproduto dessa celeuma. Aproveitando tamanha publicidade, os moradores de Roswell capitalizam os dividendos. Na cidade, no h nada que no contenha alguma referncia a discos voadores e at um museu dedicado ao tema foi construdo. As reiteradas negativas governamentais geraram efeitos contrrios. O consenso favorvel tendeu a crescer medida em que os setores responsveis pelo seu esclarecimento se esquivavam. Ao ensejo das comemoraes do cinqentenrio, a USAF reconheceu afinal que um

    30 Nesse local foi instalado um campo de escuta do Observatrio Nacional de Radioastronomia em funo de no ser afetado pelas interferncias eltricas provocadas pelo homem.

  • 17

    artefato explodiu a noroeste de Roswell.31 No relatrio The Roswell Report: caso encerrado, a USAF confirmou a autenticidade dos relatos das testemunhas que viram os destroos que, longe de serem de outro planeta, eram bales de polietileno, material que brilha intensamente e muda de cor ao passar pelo horizonte e ser atingido pela luz solar pouco antes do amanhecer.32 Os bales carregavam um prottipo da sonda Viking no formato discide, fabricada pela Martin Marieta Corporation, de Denver, Colorado, e recuperada no lugar exato do disco voador acidentado, em San Augustin. Os destroos em Roswell, na fazenda de Brazel, eram fragmentos de bales do Projeto Mogul, equipados com instrumentos para espionar, via radar, exploses nucleares e lanamentos de msseis e foguetes da URSS.33 O que pareceu s testemunhas corpos de extraterrestres mortos espalhados no solo de San Augustin, eram bonecos usados em saltos de pra-quedas a altitudes superiores a 30.000 m, os quais simulavam o resgate de astronautas em vos espaciais. Os danos sofridos na queda deixaram os bonecos com o aspecto estranho que as testemunhas descreveram (olhos enormes, quatro dedos, s um brao). O extraterrestre que muitos disseram ter visto entrar, caminhando, no hospital da Base Area de Roswell, era o capito da aeronutica Dan Fulgham, que em 1959 sofrera um terrvel acidente que o deformara. A USAF jurou serem essas as verdades finais __ divulgadas porque no mais representavam perigo para a segurana nacional __ , gastando para tanto duzentas e trinta e uma pginas que de nada serviram para demover a arraigada crena dos uflogos.34 Ao longo de julho de 1997, dez mil pessoas peregrinaram pelas ruas sagradas de Roswell, convertida em Meca ps-moderna. Na esteira do incidente em Roswell, William A. Rhodes bateu no entardecer de 7 de julho, em Phoenix, Arizona, as primeiras fotografias de um hipottico OVNI __ no formato de um salto de sapato masculino, descrio prxima de Arnold __ cruzando velozmente o cu em direo a sudoeste. As fotos foram publicadas 2 dias depois no jornal Republic, do Arizona. Na semana seguinte, Rhodes foi visitado por um agente do Federal Bureau of Investigation (FBI) e por um oficial do setor de investigaes da aeronutica que lhe interrogaram meticulosamente e pediram que lhes emprestasse os negativos do filme. Quando exigiu a sua devoluo, 1 ms aps, foi informado por carta de que isso seria impossvel. No incio de 1948, dois oficiais do Projeto Sign (Sinal) apareceram para entrevist-lo. Em seguida, nunca mais se ouvir falar no caso e nos arquivos o avistamento de Phoenix est classificado como trote, ainda que alguns investigadores tivessem considerado as fotos autnticas. A semana de 4 de julho foi frtil em observaes que se centralizaram na regio de Portland, Oregon. s 11 horas, nas proximidades de Redmond, pessoas em um automvel viram quatro objetos discoidais cruzando o cu, para alm do Monte Jefferson. s 13h05min, um 31 Anteriormente, em julho de 1994, a USAF havia liberado um relatrio repleto de lacunas intitulado The Roswell report: fact vs. fiction in the New Mexico desert. 32 Falco, Lorem. O UFO que iludiu Roswell, in Manchete, Rio de Janeiro, 12-7-1997, no 2.362, p. 26-31. 33 A URSS saiu frente na corrida espacial com o lanamento do Sputnik em 1957. Os EUA trataram de recuperar o tempo perdido e aceleraram o programa Corona, que fracassou em dez tentativas de lanamento do satlite Discover entre 1949 e 1960. Surgiu ento a idia de lanar satlites a partir de um balo de alta altitude. A primeira tentativa falhou, mas em 11 de abril de 1960, o Discover XII ejetou uma cpsula que completou uma rbita em torno da Terra. A partir da, os EUA ultrapassaram a URSS. Entre as naves estavam as sondas Voyager-Mars, cujos formatos eram iguais s dos discos voadores. Muitas sondas eram recuperadas no White Sands Missile Range, Novo Mxico, o que explicaria os tantos OVNIs avistados na rea. O livro The truth about the UFO crash at Roswell estampou o desenho de um dos discos voadores avistados, em forma de delta. exatamente igual ao balo Vee, lanado em maro de 1965 da base de Holloman, Novo Mxico. 34 Faltou explicar porque o agente funerrio Glenn Dennis foi consultado por um pediatra do hospital de Roswell __ possivelmente Frank B. Nordstrom, embora Dennis no tenha perguntado se nome __ sobre o preparo de caixes para crianas e o embalsamento de corpos que teriam ficado muitos dias expostos ao ambiente. Dennis contou ter encontrado uma apavorada enfermeira, Naomi Maria Selff, que confidenciou-lhe a participao nas autpsias de pequenos e estranhos corpos. A enfermeira, obrigada a guardar silncio, foi transferida para a Inglaterra e dada como morta num suspeito acidente areo.

  • 18

    policial que se encontrava num estacionamento atrs do quartel de Portland, notou os pombos agitados. Olhando para o cu, viu cinco discos, dois em direo sul e trs a leste, oscilando sobre seus eixos laterais. Minutos aps, dois outros policiais relataram o aparecimento de trs OVNIs voando em fila. Em Milwaukee, Oregon, foram observados na direo noroeste. Em Vancouver, Washington, funcionrios do Departamento de Polcia avistaram cerca de vinte desses misteriosos engenhos.35 No final do ms, a poltica de sigilo em torno dos OVNIs tornou-se mais severa. Os jornalistas que inquiriam sobre as atividades da Fora Area a respeito recebiam o mesmo tratamento que receberia hoje quem perguntasse qual o nmero de armas termonucleares atualmente em estoque no arsenal atmico dos EUA. Ningum, exceto alguns oficiais de alta patente do Pentgono, estava a par do que faziam ou pensavam as pessoas que viviam nos alojamentos cercados por arame farpado do ATIC, assinalou Ruppelt.36 A narrativa de Jos C. Higgins, apenas 1 ms e meio depois do incio da Era Moderna dos discos voadores nos EUA, antecipou-se as do mesmo gnero que seriam registradas com profuso nos meses e anos seguintes no Brasil e no mundo. O assunto ainda no despertava ateno, que s viria com as fotos de Keffel e Martins na Barra da Tijuca em 1952. Eis o que contou Higgins aos jornais da poca: Estava eu no dia 23 de julho, a oeste da Colnia Goio-Bang, que fica a nordeste da cidade de Pitanga e a sudoeste de Campo Mouro, Estado do Paran, realizando alguns trabalhos topogrficos, quando, ao atravessar um dos raros descampados da regio, um silvo profundo, porm baixo, me fez levantar os olhos para o cu. Vi, ento, algo que me eriou os cabelos: uma estranha nave area circular, com rebordos absolutamente iguais aos de uma cpsula de remdio, descia do espao. Meus homens, todos caboclos simples, fugiram espavoridos ante o que lhes era dado ver. E eu no sei hoje porque resolvi ficar. O estranho aparelho percorreu um crculo fechado sobre o terreno e aterrou, mansamente, a uns 50 m de onde me encontrava. Era algo surpreendente. Tinha aproximadamente 30 m de dimetro, fora os rebordos de 1 m mais ou menos e uns 5 m de altura total. Era atravessado por tubos em diversas direes, seis dos quais deixavam ouvir o citado ronco, sem, entretanto, fazer fumaa. A parte que pousou no solo tinha hastes curvas, que pareciam ser feitas de um metal branco-cinza, diferente porm da prata. Enquanto eu examinava o seu conjunto, sem contudo me atrever a mexer no aparelho, verifiquei, ainda, uma parede com uma janela de vidro ou coisa semelhante. Vi, ento, duas pessoas que me examinavam com ar de curiosidade. Essas pessoas, como constatei no primeiro olhar, eram de aspecto estranho. Decorridos alguns segundos, uma delas voltou-se para o interior do aparelho e, ao que me parece, falou com algum. E, imediatamente, ouvi um barulho do seu interior e uma porta, por baixo do rebordo, se abriu dando passagem a trs pessoas, metidas dentro de uma espcie de macaco transparente que as envolvia completamente, inchado como uma cmara de ar de automvel. Presa s costas havia uma mochila de metal, que me pareceu ser parte integrante da vestimenta. Atravs desse macaco, eu via perfeitamente as pessoas vestidas de camiseta, cales e sandlia, no de fazenda, creio, mas de papel brilhante. Notei ainda que sua aparncia estranha era devida aos olhos redondos e grandes, com clios mas sem sobrancelhas, e a calva bem pronunciada. No tinham barba e suas cabeas eram grandes e redondas e as pernas compridas. Quanto altura, tinham uns 30 cm a mais do que eu, que meo 1,80 m. O mais interessante que pareciam irmos gmeos, tanto os de macaco quanto os que no usavam e que se encontravam atrs dos vidros das janelas. Um deles trazia na mo, apontado para mim, um pequeno tubo do mesmo metal do aparelho. Notei que falavam entre si. Ouvia perfeitamente as palavras mas nada entendia. Falavam uma lngua bonita e sonora, que eu jamais ouvira. Apesar do seu avantajado porte, moviam-se com incrvel agilidade e leveza, formando um 35 Ruppelt, Edward J., op. cit., p. 39. 36 Ibid., p. 41-42.

  • 19

    tringulo minha volta. O que empunhava o tubo fez gestos para que entrasse no aparelho, ao que me aproximei da porta e vi um pequeno cubculo, limitado por outra porta interior e a ponta de um cano que vinha de dentro. Divisei ainda diversas vigas redondas na base da salincia ou do rebordo. Fazendo gestos, perguntei para onde queriam me levar. O que pareceu o chefe desenhou no cho um ponto redondo cercado de sete crculos. Apontando para o sol, indicou-me o stimo crculo. Fiquei mudo de espanto. Sair do mundo com vida? No! No era comigo! Diante disso, refleti. Lutar era impossvel, pois eram mais fortes no fsico e estavam em maior nmero. Tive ento uma idia. Havia notado que eles evitavam ficar ao sol. Assim, encaminhei-me para a sombra e, tirando do bolso a carteira, mostrei-lhe o retrato de minha esposa, dizendo que iria busc-la. No me detiveram e sa dando graas a Deus. Internei-me no mato, de onde fiquei a espreit-los. Brincavam como crianas, dando saltos e atirando longe pedras de tamanho descomunal. Meia hora depois, olharam detidamente os arredores e se recolheram no aparelho que decolou com o mesmo ronco. Subiu at desaparecer nas nuvens, na direo norte. Jamais saberei se eram homens ou mulheres. Porm, posso afirmar que eram belos e aparentavam gozar de esplndida sade. Do que disseram, recordo-me de duas palavras: lamo e Orque, aquela designando o sol e esta o stimo crculo do desenho. Sabe Deus por onde andariam agora! Teria sido um sonho? Teria sido realidade? s vezes duvido que isso tenha realmente acontecido, pois tudo poderia no ter passado de um estranho e belo sonho.37 Uma pesquisa do Instituto Gallup, divulgada em 19 de agosto de 1947, revelou que nove entre dez norte-americanos tomara conhecimento dos discos voadores, ao passo que um nmero bem menor ouvira falar no Plano Marshall de reconstruo da Europa. O tenente-general Nathan F. Twining, chefe do Comando do Material Areo, ordenou uma investigao completa, e em carta secreta ao general comandante da Fora Area do Exrcito (nome alterado em seguida para Fora Area dos EUA, USAF), datada de 23 de setembro, manifestou a opinio de que o fenmeno era algo real e no coisa ilusria ou fictcia, recomendando no item 3, inciso III, que o Estado-Maior das Foras Areas definisse prioridades e nome em cdigo.38 Atendendo as diretivas, seria criado o Projeto Saucer (Pires), logo modificado para Projeto Sign. O Sign arregimentava-se para iniciar os trabalhos aps uma passagem de ano marcada pelo reaparecimento dos foguetes fantasmas sobre os pases escandinavos __ os adidos da Sucia, Dinamarca e Noruega metralhavam a ATIC com telegramas, e este respondia solicitando mais informes __,39 at que na manh de 7 de janeiro de 1948 ocorreu um fato que, pelas suas trgicas conseqncias, obrigou o governo a redirecionar sua poltica. Comandados pelo capito Thomas F. Mantell, quatro avies de combate tipo F-51D Mustang regressavam de um vo de exerccio Base Area de Godman, em Fort Knox. Um dos caas, com menos combustvel, recebeu autorizao para pousar, enquanto os demais rodeavam a pista uma ltima vez. Nesse momento, o controlador de rdio da torre notificou-os que um objeto no identificado tinha sido avistado no cu, entre as nuvens. Acelerando, os caas saram em perseguio a um enorme copo de sorvete com cobertura vermelha. Como seus dois colegas no possuam oxignio nem combustvel suficiente, Mantell ordenou que regressassem, enquanto continuaria subindo atrs do OVNI. O pessoal da torre ouviu-o dizer, excitado: Estou chegando perto dele. Depois, silncio. Imediatamente uma busca foi organizada, e na manh seguinte os restos do caa F-51 e do seu desafortunado piloto encontrados espalhados sobre uma grande rea, como se o avio 37 Correio do Noroeste, Bauru (SP), 8-8-1947; Martins, Joo. Na esteira dos discos voadores VII: Seres do espao descem Terra, in O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 13-11-1954, p. 80-81. 38 Em 1967, a Lei de Liberdade de Informaes do Congresso obrigou o quartel-general da USAF a liberar os comunicados retidos, que foram parar nas mos da NICAP (Keyhoe, Donald E. A verdade sobre os discos voadores, So Paulo, Global Editora, 1977, p.13-14). 39 Ruppelt, Edward J., op. cit., p. 53.

  • 20

    tivesse explodido em vo. A notcia de sua morte consternou a USAF, que se apressou a inventar uma explicao que no convenceu ningum: Mantell perdeu os sentidos ao subir a uma altitude muito grande, perseguindo um balo de pesquisas Skyhook. Teria ele se confundido com um balo? Mesmo que isso tivesse acontecido, sua mquina, lanada a 640 km/h, teria simplesmente atravessado o frgil balo de nilon. E onde encontrar um balo de sondagem capaz de fugir de um caa quela velocidade? O capito foi dado como morto em servio e lanou-se uma p de cal oficial sobre o caso. Nos meios ufolgicos, Mantell tornou-se o primeiro heri sacrificado.40 O incidente obrigou complementao do decreto ou resoluo atravs do qual o secretrio de Estado da Unio, James Forrestal, criara o Projeto Sign, denominao que camuflava, por conselho das foras armadas, o Projeto Saucer, substituindo-se a palavra saucer por sign. O projeto de referncia, cujo decreto foi assinado em 30 de dezembro de 1947, tinha vigncia de 2 anos, devendo expirar em 27 de dezembro de 1949. O Sign entrou em funcionamento na Base Area de Wright-Patterson 15 dias depois da morte de Mantell.41 Acessorados por cientistas de renome __ entre eles o astrofsico Josef Allen Hynek, chefe do Departamento de Astronomia da Universidade de Ohio __ e auxiliados por oficiais do Servio de Inteligncia da USAF, os membros do Sign interrogaram testemunhas e analisaram indcios. A maioria dos OVNIs relatados eram de formato discide, geralmente com uma salincia na parte superior, seguidos pelos elpticos e charutos (alguns deles duplos, com duas fileiras de janelas).42 Da Holanda chegou uma curiosa descrio em 21 de julho de 1948. No dia anterior, os moradores de Haia viram um foguete com duas fileiras de vigias laterais surgir por detrs de nuvens altas e esparsas. Quatro noites depois, um OVNI semelhante por pouco no colidiu com um DC-3 da Eastern Airlines.43 Na madrugada de 23 de julho, os comandantes Clarence C. Chiles e John B. Whitted, pilotos comerciais de carreira, conduziam o bimotor Douglas DC-3 da companhia Eastern Airlines, de Houston, Texas, a Atlanta e Boston. s 2h45min, a 33 km da cidade de Montgomery, um avio sem asas cruzou o DC-3 em sentido contrrio. Chiles arremeteu para a esquerda no intuito de ver o OVNI que se afastava, e notou que a coisa reduzia a velocidade deixando-se alcanar. Chiles e Whitted captaram ento vrios detalhes: Tratava-se de uma aeronave sem asas, em forma de charuto, com o dobro do tamanho de uma superfortaleza vo