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nova Economia_Belo Horizonte_16 (1)_11-47_janeiro-abril de 2006 Cluster de serviços: contribuições conceituais com base em evidências do pólo médico do Recife Ana Cristina Fernandes Professora do Departamento de Geografia da UFPE e pesquisadora do CNPq João Policarpo R. Lima Professor do Departamento de Economia/PIMES da UFPE e pesquisador do CNPq Resumo Analisar o setor terciário sob o enfoque de cluster constitui objeto pouco discutido na li- teratura. Tal análise consiste num desafio em si próprio, uma vez que o terciário envolve grande variedade de atividades, com especi- ficidades em termos de trajetória e dinâmica de mercado que dificultam a generalização conceitual. O presente artigo pretende con- tribuir para essa análise, abordando a defi- nição de cluster valendo-se da experiência do agrupamento territorial de empresas do chamado Pólo Médico do Recife. Interes- sa-nos verificar se os elementos conceituais que dão suporte à idéia de cluster podem tam- bém ter aplicação no setor terciário. Para is- so, procuramos conciliar diferentes referen- ciais teóricos – a literatura sobre distritos industriais, transações econômicas e econo- mia de inovação, todas focadas no setor se- cundário – com as especificidades do setor de serviços de assistência de saúde, objeto de nossa análise. Abstract Analysis of the service sector from the standpoint of clusters is not common in the literature. Such an analysis is a challenge in and of itself, since the service sector covers a broad range of activities, with different market dynamics and trajectories, making generalization difficult. This article seeks to contribute to this analysis, examining the definition of cluster based on the experience of the so-called Recife Medical Hub, a group of companies located in close physical proximity. We wanted to determine whether the elements on which the concept of cluster is based could also be applied to the service sector. To this end, we sought to reconcile different theoretical references: the literature on industrial districts, on economic transactions and innovation economy, all focused on the industrial sector, with the specifics of health care, the subject of this study. Palavras-chave cluster, setor terciário, aglomerações produtivas, pólo médico, Recife. Classificação JEL R12, R19, D29. Key words cluster, service sector, production cluster, medical cluster, Recife. JEL Classification R12, R19, D29.

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nova Economia_Belo Horizonte_16 (1)_11-47_janeiro-abril de 2006

Cluster de serviços:contribuições conceituais com baseem evidências do pólo médico do Recife

Ana Cristina FernandesProfessora do Departamento de Geografia da UFPE

e pesquisadora do CNPq

João Policarpo R. LimaProfessor do Departamento de Economia/PIMES da UFPE

e pesquisador do CNPq

ResumoAnalisar o setor terciário sob o enfoque decluster constitui objeto pouco discutido na li-teratura. Tal análise consiste num desafio emsi próprio, uma vez que o terciário envolvegrande variedade de atividades, com especi-ficidades em termos de trajetória e dinâmicade mercado que dificultam a generalizaçãoconceitual. O presente artigo pretende con-tribuir para essa análise, abordando a defi-nição de cluster valendo-se da experiênciado agrupamento territorial de empresas dochamado Pólo Médico do Recife. Interes-sa-nos verificar se os elementos conceituaisque dão suporte à idéia de cluster podem tam-bém ter aplicação no setor terciário. Para is-so, procuramos conciliar diferentes referen-ciais teóricos – a literatura sobre distritosindustriais, transações econômicas e econo-mia de inovação, todas focadas no setor se-cundário – com as especificidades do setorde serviços de assistência de saúde, objetode nossa análise.

AbstractAnalysis of the service sector from the standpoint

of clusters is not common in the literature. Such

an analysis is a challenge in and of itself, since

the service sector covers a broad range of

activities, with different market dynamics and

trajectories, making generalization difficult.

This article seeks to contribute to this analysis,

examining the definition of cluster based on the

experience of the so-called Recife Medical Hub,

a group of companies located in close physical

proximity. We wanted to determine whether the

elements on which the concept of cluster is based

could also be applied to the service sector. To

this end, we sought to reconcile different

theoretical references: the literature on industrial

districts, on economic transactions and

innovation economy, all focused on the industrial

sector, with the specifics of health care, the

subject of this study.

Palavras-chavecluster, setor terciário,aglomerações produtivas,pólo médico, Recife.

Classificação JEL R12, R19,D29.

Key words

cluster, service sector, production

cluster, medical cluster, Recife.

JEL Classification R12, R19,

D29.

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1_ IntroduçãoO debate acerca do conceito de cluster noBrasil, assim como no plano internacio-nal, tem suscitado o interesse de estudio-sos e gestores de políticas públicas, desdeque a prosperidade de aglomerações se-toriais de pequenas e médias empresasem plena crise fordista, no início dosanos 1980, motivou revisitações às con-tribuições de Alfred Marshall sobre osdistritos industriais. Impulsionada pelosconhecidos trabalhos de Porter (1990,1998) sobre competitividade de firmas eregiões, e pelo reconhecimento por partedo mainstream do papel dos rendimentoscrescentes para a dinâmica econômicanas chamadas novas teorias de cresci-mento e comércio internacional (Krug-man, 1995), a importância da localizaçãoe a noção de cluster têm-se difundido tantono campo acadêmico quanto no de for-mulação de política industrial em paísesde variada formação econômica. Sob adenominação de arranjos produtivos lo-cais, os agrupamentos de pequenas e mé-dias empresas vêm alcançando granderessonância no Brasil, como atestam ex-tensa produção acadêmica (Cassiolato eLastres, 2001, entre outros) e fomento go-vernamental (via Sebrae, especialmente).

A idéia subjacente ao conceito é ade que existe uma correlação entre portee flexibilidade de adaptação às exigências

da evolução constante da acumulação ca-pitalista, e de que essa flexibilidade de-corre em parte da divisão de trabalho al-cançada em agrupamentos territoriais deempresas de uma mesma cadeia de valor.Daí a referência predominante a aglome-rações de pequenas e médias empresas.Trata-se, em suma, da noção de externa-lidades derivadas de locações industriaisespecializadas, proposta por Marshall ain-da no século XIX: especialização setoriale divisão de trabalho intensificam efi-ciência e competitividade da firma, indu-zindo à concentração espacial.

Em meio à crise de acumulação,nos anos 1980, são a flexibilidade e a con-centração geográfica de firmas de peque-no e médio portes operando em setoresespecializados que vão chamar a atençãode pesquisadores de distintas tradições pa-ra os distritos industriais da chamada Ter-ceira Itália, da região industrial do Sul daAlemanha e da França, e para os agrupa-mentos de alta tecnologia do Sun Beltnorte-americano (Piore e Sabel, 1984;Scott, 1988; Aydalot, 1986; Becattini, 1991;Humphrey e Schmitz, 2002; Cooke e Mor-gan, 1998; Asheim, 1996; Maillat, 1996).Por outros caminhos, também se aproxi-mam da dimensão espacial da competiti-vidade industrial estudiosos da economiada inovação de inspiração evolucionista,especialmente com base no conceito de

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sistema nacional de inovação (Lundvall,1992; Dosi, 1999; Freeman, 1995). A par-tir daí, a literatura em torno da noção decluster tem-se adensado consideravelmen-te, ocupando espaço relevante até nas no-vas teorias de desenvolvimento.

No entanto, essa literatura tem de-rivado de observações empíricas concen-tradas no agrupamento de firmas do se-tor secundário. Embora mencionado porPorter (1998) como possível de ocorrerem qualquer segmento de atividade eco-nômica, o cluster de serviços não tem re-cebido atenção tanto quanto seus con-gêneres industriais. Não surpreende talcomportamento, todavia, ao se conside-rar a grande diversidade de segmentos erespectivos mercados e estratégias com-petitivas e locacionais compreendidos nogenérico setor de serviços, o que intro-duz dificuldades adicionais em termos depossíveis generalizações ou indicações depolíticas públicas. Compreender a influên-cia de clusters sobre a concorrência emmercados do setor de serviços constituiassim tarefa espinhosa, que, no entanto,começa inevitavelmente com a recupera-ção da literatura focada nos agrupamen-tos industriais.

Reconhecendo as dificuldades ana-líticas associadas à grande diversidade desegmentos inerente ao terciário, o pre-sente artigo pretende contribuir para es-

se esforço baseando-se no confronto dadefinição de cluster a um dado agrupa-mento localizado de empresas do seg-mento de prestação de serviços de aten-ção à saúde, o chamado Pólo Médico doRecife (PMR). Com o sentido de verificara sustentação dos elementos conceituaisque dão suporte à noção de cluster para osetor secundário, procuraremos primei-ramente aprofundar a compreensão danoção de cluster de serviços, em geral.Em seguida, em vista da diversidade desituações internas ao setor de serviços,focaremos o segmento de serviços desaúde para destacar suas especificida-des. Finalmente, consideraremos as par-ticularidades de um cluster de serviços desaúde localizado em país de desenvolvi-mento retardatário.

Para tentar discutir essas questões,selecionamos referências de diferentescampos teóricos – a literatura sobre dis-tritos industriais, economias de aglome-ração e custos de transação e a chamadateoria evolucionista de inovação, todasigualmente focadas no setor secundário–, analisadas em contraposição às especi-ficidades do setor de serviços de atençãoà saúde, objeto empírico de nossa análise.A essas, contrapomos a literatura sobrerede urbana para compreender as especi-ficidades do terciário mencionadas aci-ma. Baseado em resultados de pesquisa

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que estudou um conjunto de segmentosdo setor de atenção privada à saúde noRecife (Lima et al., 2004), o presente arti-go está estruturado da seguinte forma: naseção 2, retomamos aspectos conceituaisgerais em torno da noção de cluster, a se-ção 3 é dedicada a uma reflexão sobre ascondições para a concentração espacialde firmas industriais, apontando suas li-mitações ou adequações ao setor de ser-viços; em seguida, na seção 4, são feitasobservações sobre clusters de saúde e suasespecificidades; na seção 5 apresentamosbreve histórico e caracterização do PóloMédico do Recife, com base nos quaisavaliamos a pertinência do arcabouço ana-lítico esboçado nas seções anteriores. Fi-nalmente, a última seção apresenta asconsiderações finais do trabalho, desta-cando as particularidades dos diversossegmentos de serviços e as determina-ções da formação socioeconômica sobreo fenômeno da clusterização.

2_ Aspectos conceituaissobre aglomeraçãode atividades econômicas

Em que pese sua disseminada aceitação,não existe uma definição de cluster de acei-tação geral. Ao contrário, o termo é usa-do indiscriminadamente para uma varie-dade considerável de arranjos de firmas

ou negócios, que incluem desde o maisantigo conceito de distrito industrial atéterminologias mais recentes, como arran-jo produtivo local, milieu innovateur, siste-ma industrial localizado, sistema local deprodução, tecido industrial local, ecossis-tema localizado, etc. Se de um lado tama-nha diversidade de termos denota a pró-pria fragilidade do conceito e a enormedificuldade de exprimir diversidade igual-mente expressiva de situações sob umaúnica concepção, por outro revela o cres-cente interesse de estudiosos pela análisede novas formas de industrialização loca-lizada, abrindo oportunidades para se re-descobrir e atualizar o trabalho de AlfredMarshall, como argumenta Maillat (1999).

Podemos dizer que, no seu sentidomais sumário, cluster denota simplesmen-te a concentração espacial de atividadeseconômicas setorialmente especializadasque realizam intenso comércio entre si,sentido este que, apesar de demasiada-mente difuso, expressa a importância dadimensão espacial para o desenvolvimen-to econômico: clusters adquirem relevânciaporque desencadeiam efeitos externos einteração entre diferentes agentes localiza-dos próximos uns aos outros. Além disso,esse padrão específico de produção asso-ciada ao território é reconhecido comoformado preponderantemente por pe-quenas e médias empresas. No entanto,

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são características mais expressivas quetêm atraído a atenção de estudiosos e go-vernantes para o fenômeno da aglome-ração produtiva: oportunidades para efi-ciência coletiva decorrentes de economiasexternas positivas, baixos custos de tran-sação e ação conjunta e coordenada, co-mo destaca Schmitz (1995).

Sob essa perspectiva, não poderiaser considerada como cluster uma simplesconcentração de agentes econômicos in-dependentes ou aglomerações de coinci-dência, formadas ao acaso, como aquelassimplesmente atraídas pela gravidade me-tropolitana. É preciso bem mais que isso,e esse mais refere-se à intensidade das re-

lações interfirmas que se realizam no in-terior da aglomeração, externas à firma,portanto. Essa idéia de interconectivida-de entre as partes componentes de umcluster é recorrente na literatura, assim co-mo a evidência que essas partes não in-cluem apenas as firmas, mas também va-riadas instituições que lhes dão suporte.

A importância atribuída à interco-nectividade e à pluralidade de organiza-ções e instituições para bem circunscre-ver a noção de cluster é aspecto central naliteratura,1 presente em diferentes defini-ções que vêm contribuindo para a evo-lução do conceito, embora partindo dediferentes motivações teóricas. Seja porfocarem a competitividade das firmas eregiões (como destacam as novas teoriasde crescimento e a chamada nova geo-grafia econômica), seja por orientarem-se pela importância da inovação para odesenvolvimento (como defendem as for-mulações de matriz evolucionista), sejapela dimensão institucional mais recente-mente introduzida na teoria econômica(sustentada pelo chamado novo instituci-onalismo), a ênfase no caráter sistêmico eno papel crucial da troca de informaçõesentre as partes que compõem o sistemasão fatores hoje obrigatórios para o en-tendimento do fenômeno.2

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1 Em On competition (1998),onde se encontra a conceituaçãotranscrita, Porter registracontribuições de extensa evariada literatura que havia sidodesenvolvida ao longo dos anos1990, contribuições estasresponsáveis pela evolução doconceito para incorporarespecialmente os aspectossistêmicos e a dimensão dainovação para a competitividadedas firmas e das aglomeraçõesespecializadas.2 Síntese proveitosa é sugeridapor Suzigan et al. (2003,p. 40-41), ao definirem clusters

como sistemas locais deprodução, isto é, “aglomerados de

agentes econômicos, políticos e

sociais, localizados em um mesmo

território, que apresentam vínculos

consistentes de articulação,

interação, cooperação e

aprendizagem. Incluem não apenas

empresas – produtoras de bens e

serviços finais, fornecedoras de

insumos e equipamentos,

prestadoras de serviços,

comercializadoras, clientes etc. e

suas variadas formas de

representação e associação –, mas

também outras instituições

públicas e privadas voltadas à

formação e treinamento de recursos

humanos, pesquisa,

desenvolvimento, engenharia,

promoção e financiamento”.

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A literatura é obviamente extensae variada,3 mas, inegavelmente, podemosafirmar que o conceito evoluiu de formasubstancial ao incluir fatores sistêmicos.No entanto, a compreensão da impor-tância destes últimos envolve conside-rações acerca das razões que levam as fir-mas a se aglomerarem, como demonstraa concepção de Steinle e Schiele (2002,p. 850-851). Para esses autores, clustering

ocorre por diversas razões:

_ porque um sistema de criação devalor se impõe desde o início dociclo de vida de uma indústria;

_ a taxa de mortalidade das firmaslocalizadas em um cluster são me-nores do que na firma isolada;

_ a proximidade tende a promovernegócios interrelacionados, que,por sua vez, favorecem especiali-zação e a formação de redes, que,finalmente, são importantes ins-trumentos de troca de informa-ções necessárias para a elevação daeficiência objetivada pelas firmas.

Conjunção entre especialização e eficiên-cia, baixos custos de transação e diversi-dade, estimulam necessariamente divisãode trabalho, que constitui o manancialpara a emergência do fenômeno. No en-tanto, como argumentam Steinle e Schie-le, algumas indústrias não se aglomeram,

o que leva a supor que existam condiçõesde natureza do mercado e do processoprodutivo de cada setor de atividade quefavorecem ou bloqueiam a aglomeração e aassociação de agentes econômicos em am-biente fortemente determinado pela con-corrência própria das economias de merca-do, conforme mostra a seção a seguir.

3_ Condições para a aglomeraçãoÉ reconhecida a tendência de as ativi-dades econômicas se agruparem territo-rialmente em alguns países, regiões oulocalidades, ao invés de se distribuíremeqüitativamente ao redor do Globo, mastambém é notório que nem todas elas seagrupam. Sendo assim, compreender ofenômeno do agrupamento ou aglomera-ção de atividades econômicas significaidentificar as vantagens de uma firma es-tar localizada próxima de outras, ou seja,as vantagens da proximidade como fatorcentral para sua competitividade. Des-de Marshall, tais vantagens estão relacio-nadas, como já observamos, à redução decustos de transação decorrentes da inten-sificação da divisão de trabalho e do pro-gresso técnico, mais facilmente promo-vida pela circulação de fatores e informa-ção a curtas distâncias (fácil substituiçãode fatores, mão-de-obra especializada,

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3 Ver síntese elaborada porMaillat (1999) e coletâneacoordenada por Suzigan (1999).

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aperfeiçoamento contínuo dos métodosde trabalho e equipamentos, “surgimen-to de indústrias subsidiárias”, entre ou-tros aspectos).

Detalhando a idéia, Steinle e Schi-ele (2002) defendem que a vantagem fun-damental para a firma se estabelecer nu-ma aglomeração reside na possibilidadede reunir, em um mesmo local, fragmen-tação estrutural na escala e competênciaadequadas. Dessa forma, a firma minimi-za seus custos de transação porque, deum lado, o retorno satisfatório proveni-ente da troca intensiva de informaçõesentre membros inibe o comportamentooportunístico e, de outro, ali encontra osparceiros necessários para transformaridéias em negócios e em inovações. As-sim, as vantagens da proximidade não serestringem a custos de transporte e desubstituição de fatores, mas incluem tam-bém troca intensiva de conhecimentonuma atmosfera que denominam do tipo“clube”: os membros têm ciência de suaparticipação num sistema, aderem a umconjunto de normas comuns, conven-ções que respeitam em troca de sua parti-cipação, sob pena de serem expulsos seassim não procederem, o que lhes sub-trairá as informações acessíveis apenasaos membros do “clube”. A idéia aquié de que não é qualquer setor de ativida-

de que se aglomera em uma região, mas,quando isso ocorre, estar fora da aglome-ração leva a um “custo de periferia” incor-rido pelas firmas que ficam de fora dela.

No entanto, mesmo em países ouregiões mais desenvolvidos, não se ob-servam agrupamentos de firmas e institu-ições especializadas indistintamente emtodos os setores de atividade. Condiçõesadicionais têm de estar presentes paraum cluster se constituir e desenvolver, asquais, como advertem os autores, podemser divididas em duas categorias: condi-ções necessárias e condições suficientes.

3.1_ Condições necessáriase condições suficientes

As condições necessárias são assim deno-minadas porque se referem ao elementooriginal para a existência do cluster, a divi-são de trabalho. São duas as condiçõesnecessárias, sendo a primeira delas a divi-

sibilidade de processo. Para Steinle e Schiele(2002), é a divisibilidade técnica que per-mite especializações e, portanto, fragmen-tação do processo produtivo. De outrolado, a divisibilidade para ser usufruídarequer a presença de massa crítica em ter-mos de volume de negócios e de firmas,de modo a viabilizar o processo de frag-mentação, ou seja, devem existir agentesoperando em cada elo da cadeia de valor

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para propiciar competição saudável e apren-dizagem mútua.

A segunda condição necessária, napercepção dos autores, é a transportabilida-

de de produto. Para eles, se um produto nãopode ser transportado, a localização deseus fornecedores é determinada pela lo-calização de seus consumidores, o queintroduz limitações à dinâmica concor-rencial. Se o cluster, para ser competitivo,deve submeter-se à concorrência, ele nãose pode fechar num sistema autárquico;ao contrário, o produto em que se especia-liza o cluster tem de ser transportável, demodo a impelir constante qualificação doproduto para enfrentar a concorrênciacom produtores de outras regiões e países.4

Os autores advertem ainda que asduas condições necessárias devem estarsempre presentes: um cluster pode ser es-perado mesmo no caso de indústrias me-nos inovadoras, desde que nelas seja pos-sível divisibilidade técnica de processo eque estejam abertas à concorrência ex-terna. Se seu produto ou serviço não po-de ser transportado, seu mercado tende aser autárquico ou estável, o que reduz aimportância das economias de aglomera-ção que as firmas buscam ao se agrupar.Trata-se, pois, de uma condição que re-duziria as chances de uma aglomeraçãose desenvolver na sua ausência, restandoà proximidade a função de apenas redu-

zir custos tradicionais de transação, meraproximidade geográfica estática. Voltare-mos a ela mais adiante.

As condições suficientes, em nú-mero de quatro, dizem respeito simulta-neamente a cada firma individualmente eao conjunto da aglomeração. São elas:

i. cadeia longa de valor;ii. diversidade e complementaridade

de competências;iii. adaptação flexível à volatilidade

do mercado;iv. inovação em rede.

As duas primeiras condições estão inti-mamente relacionadas à divisão de tra-balho. A existência de cadeia de valor longa

obviamente abre maiores oportunidadespara especialização e, por conseqüência,criação de outros negócios, base para aampliação da divisão de trabalho. Comosabemos, a extensão da cadeia de valor édeterminada tecnicamente, isto é, deter-minada pela natureza do processo produ-tivo específico a setor. No entanto, aler-tam os autores, existem diferentes quanti-dades ótimas de produto por atividade ediferentes lucratividades entre os segmen-tos, e este ótimo está associado ao fato deque em alguns casos é mais econômicoadquirir capacidade adicional externamen-te que vender os próprios excedentesno mercado. Sendo assim, ao menos em

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4 A abertura para o exterioré mencionada por váriosautores como fonte valiosade constante esforçoinovador, crucial paraimpulsionar o progressotécnico, a competitividadee a evolução dos clusters.Em alguns segmentos deserviço, essa é uma condiçãoausente ou limitada, que seráabordada na análise específicado setor mais à frente.

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parte, a internalização da cadeia de valorna aglomeração está condicionada à suaorganização, ou seja, às estruturas formaise não-formais de coordenação dos diver-sos agentes especializados e complemen-tares que compõem a aglomeração, nãoapenas depois, mas também antes de asfirmas suprirem ou obterem seus com-ponentes (tailor-made supplies). A coorde-nação desempenha papel relevante nodesempenho do cluster, à qual retornare-mos nas próximas seções.

A segunda condição suficiente, di-

versidade de competências, também relacio-nada à divisão de trabalho, é suscitada pe-lo entendimento de que quanto mais dis-tintas as competências em uma cadeia devalor longa, mais desafiante se torna parauma única firma dominá-las todas, nova-mente, abrindo oportunidades para novosnegócios e especialização. Sendo essascompetências complementares, emboradistintas, isso significa que as interaçõesentre elas tendem a se tornar freqüentes ea envolver informações e recursos impor-tantes, favorecendo o desenvolvimento deconfiança entre os agentes envolvidos.Afinal, com o aumento da distância, au-mentam na mesma proporção os custose as distorções de transação (aí incluídosos custos de transporte) para a manuten-ção de interações densas e freqüentes,

como sugere Granovetter (1973), acom-panhando a linha de raciocínio das conhe-cidas teorias locacionais de tradição we-beriana. Não é difícil verificar que a ca-deia longa favorece o agrupamento, masjunto com ela introduz-se o problema decoordenar as diversas partes da cadeia,cada uma especializada em competênciasdistintas e com interesses diversos.

A terceira condição, adaptação flexí-

vel à volatilidade do mercado, reflete uma dasmotivações que impulsionam pequenas emédias empresas a se aglomerarem, epossivelmente, a elevada ocorrência declusters formados por empresas desses por-tes. A importância da localização espa-cial aumenta à medida que diminui ocontrole dos produtores sobre mudançasno mercado de seus produtos e sobre otempo de atendimento da demanda, esti-mulando assim a constituição de uma re-de de transmissão de informação entreos agentes econômicos e institucionaisterritorialmente próximos entre si e, por-tanto, um sistema multiorganizacional.Este último pode adaptar-se a tais mu-danças mais rapidamente e a custos maisbaixos, já que volatilidade e dinamismotendem a acentuar-se com a aglomera-ção, em função da facilidade de circula-ção e acesso a informações estratégicasque a aglomeração propicia aos seus

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membros, sendo essas informações cru-ciais para a competitividade da firma epara sua sobrevivência no mercado.

No que se refere à derradeira con-dição, a inovação em rede como motor paraa aglomeração, Steinle e Schiele (2002)percorrem caminho já sugerido há bas-tante tempo por Jacobs (1970).5 Não obs-tante essa interpretação pioneira, a rela-ção entre inovação e localização não vaiser objeto de observação mais atentana literatura sobre cluster senão bem maisrecentemente, com as contribuições doenfoque dos milieux innovateurs e da eco-nomia evolucionista da inovação, quecontribuíram significativamente para acompreensão do que seja e como podeevoluir um cluster, como já foi destacado.Valendo-se dessas contribuições, os fun-damentos da competitividade e evoluçãoem direção a patamares mais dinâmicospassam a ser relacionados em grande me-dida à sua capacidade inovadora. Por essarazão, a relação proximidade-inovaçãoassume atualmente papel central nas ex-plicações sobre o desempenho de taisagrupamentos, de modo que considera-mos oportuno abordá-la de forma desta-cada, reconhecendo-a – ao lado de meca-nismos de cooperação e coordenação –como condição essencial para a evoluçãoda aglomeração.

3.2_ Condições para aevolução da aglomeração

3.2.1_ Inovação

Além da importância de economias pe-cuniárias de aglomeração para a constitu-ição e o desenvolvimento de um cluster, éinegável a importância do progresso téc-nico. No entanto, até recentemente, foi adefesa da eficiência e da diversidade queprevaleceu no entendimento do fenôme-no, ressaltando-se, por conseqüência, asexternalidades pecuniárias que estimula-ram tantos autores (dos clássicos a Krug-man (1995), passando pelos california-nos Scott e Storper (1986) a valorizar aseconomias de aglomeração como fatorexplicativo para o desempenho das fir-mas localizadas em aglomerações.

Em que pese sua relevância, o la-do da circulação da informação e da ca-pacidade de aprendizagem como condi-ção para agrupamento vem atraindo aatenção de analistas só mais recentemente,com base na análise da dimensão sistêmi-ca e territorial do processo de inovação edo entendimento deste como função en-dógena do desenvolvimento econômico,especialmente com as contribuições pio-neiras dos evolucionistas (Freeman, 1987;Dosi, 1988; Lundvall, 1992; Nelson, 1996)e dos teóricos do milieu innovateur (Ayda-lot, 1986; Maillat, 1999).6 Inspirados nas

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5 Jacobs argumenta que ainovação decorre daconcentração de agentes, emdado território. Proximidadeestimula interação, criatividadee inventividade, que sematerializam em novasatividades econômicas: trabalhonovo é adicionado a trabalhopreexistente, num movimentode contínua evolução. Já nofinal da década de 1960, aautora observa a entãoemergente Rota 128 paradestacar o papel da pequenaempresa (trabalho novo) nodesenvolvimento da inovação,mesmo aparentemente nãointeressada em qualquer idéiade distrito industrial, cluster ouespecialização setorial. Seu focode atenção é a cidade, que temna inovação associada às trocasno mercado sua fonte maisrelevante de crescimento.6 Para uma sistematizaçãocrítica ampla e bem organizadadas interpretaçõesevolucionistas e dos meiosinovadores, no contexto deuma revisão da literatura sobrea importância da localidadepara a inovação tecnológica,ver Miglino (2002).

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interpretações schumpeterianas de desen-volvimento econômico, essas análises con-cebem a inovação como fator intrínsecoà concorrência intercapitalista e, portan-to, responsável pelo constante desequilí-brio que impulsiona os agentes econômi-cos. Ao mesmo tempo, reconhecem quea inovação é um processo coletivo e cu-mulativo, porque decorre da interaçãoentre diferentes agentes com distintascompetências que combinam habilida-des para melhorar produtos ou proces-sos existentes ou criar outros visando àcompetitividade das firmas.

Sendo processo coletivo e cumu-lativo, a inovação guarda nexos estreitoscom a concentração espacial: tem comoelementos centrais o aprendizado e a in-teração entre diferentes e numerosos agen-tes, que se beneficiam inegavelmente daproximidade geográfica, já que requer nãoapenas troca constante e direta de conhe-cimento entre agentes distintos e com-plementares, como também é função decódigos, práticas, valores, sanções sociais,relações de confiança entre sujeitos quepremiam a geração e a difusão de novosconhecimentos práticos e conceituais. Maisque isso, como argumenta Storper (1997),apesar do progresso das tecnologias deinformação e comunicação, a proximida-de continua sendo crucial para as dimen-

sões comunicativas, interpretativas, refle-xivas e de coordenação das transações.Tais dimensões dão conteúdo às interde-pendências não comercializáveis promo-vidas por interações face a face entre osagentes, seus sistemas cognitivos e seuaprendizado conjunto. São elementos in-tangíveis, mas também apropriáveis, es-pecíficos e localizados que operam parafacilitar ou inibir o processo de inovação,complementam Freeman e Soete (1997).

Se é assim, independentemente sea inovação for radical ou incremental, ouse a atividade estiver em formação ou forde tecnologia madura, é imperativo cor-relacionar inovação e aglomeração: a pro-babilidade de ocorrência de um cluster se-ria maior no caso de indústrias inovadorasem que tais dimensões e interdependên-cias entre múltiplos atores com distintascompetências são fatores essenciais decompetitividade. Clusters mais abertos àconcorrência externa e mais flexíveis amudanças nos seus mercados tendem acontar com a inovação como fator cen-tral de competitividade e, conseqüente-mente, estar em constante evolução. Sa-bendo que tais aspectos imateriais ouculturais de que depende a inovação sãolugar-específicos, não custa deduzir quea produção e a difusão de conhecimentotêm caráter territorialmente localizado. A

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aglomeração oferece as bases materiaisde proximidade e diversidade, bem comoos aspectos relacionais intangíveis de quea inovação se nutre e por meio dos quaisinformação e conhecimento fluem, cul-turas empresariais e posturas em relaçãoao trabalho e à produção são difundidas.7

3.2.2_ Cooperação e coordenação

Ao colocar ênfase em fatores como apren-dizado, conhecimento e inovação, as in-terpretações mais recentes, especialmen-te aquelas filiadas à teoria evolucionista,aproximam-se simultaneamente da ex-pressão espacial e desigual do desenvol-vimento capitalista (Morgan, 2004). Adistribuição desigual do acesso ou apro-priação de tais fatores ajuda a compreen-der tanto a dinâmica que preside as aglo-merações especializadas de firmas comoas grandes variações que elas apresentamentre si. Sabemos que o desenvolvimen-to de novos produtos e processos exigea interação entre variados conhecimen-tos, sendo essa uma das característicasda atual fase do desenvolvimento capita-lista. Tal complexidade de conhecimen-tos impulsiona as atividades inovadoras ase processarem em rede, por envolver acombinação de diferentes competênciasnum ambiente multiorganizacional: ins-tituições governamentais e associativas,organizações e atividades complementa-

res, além das firmas. Efeito espacial daimportância das externalidades derivadasdesse sistema é a elevação do custo relati-vo de relocalização da firma e, portanto,das vantagens de permanência na aglo-meração, à medida que as interações en-tre as firmas vão se tornando mais com-plexas, reduzindo em contrapartida asvantagens de localização em outras aglo-merações em que essas estejam ausentes.

Como essa cooperação não estáassegurada pela simples proximidade ge-ográfica, sua ausência é um dos fatorespara as variações regionais observadas,sendo, por isso, de fundamental impor-tância a coordenação dos agentes do clus-

ter para a construção das externalidadesnecessárias. Cooperação entre agentes eco-nômicos, vale ressaltar, é fenômeno sujeitoaos imperativos da concorrência, apenasminimizada quando divisão de trabalho edivisibilidade técnica de processo e, por-tanto, complementaridade estão presen-tes. Ainda assim, a cooperação pode en-contrar dificuldades para ocorrer, comoé o caso de aglomerações onde prevale-cem grandes assimetrias de poder entreos agentes, e daquelas localizadas em eco-nomias retardatárias, ou especializadas emsetores tradicionais ou de tecnologia ma-dura ou intensiva em mão-de-obra. Essasaglomerações tendem a se concentrar em

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7 Bell e Pavitt (1993)argumentam que a construçãodessas relações e valores éfator decisivo dedesenvolvimento. Tais autoresapontam esforços do governosul-coreano para construirculturas organizacionais einovadoras nas empresas deseu país, enviando jovensprofissionais para atuartemporariamente comofuncionários de empresasnorte-americanas. A idéiasubjacente é a de que oconhecimento codificado queesses jovens adquirem emcursos formais no exterior nãoé suficiente para lhes abrir oacesso a informações econhecimento que sãoeminentemente tácitos,compõem referênciasculturais, códigos e valoresque são transmitidos pelaconvivência, compartilhadospor um grupo particular,especialmente por meio derelações face a face.

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mercados em que o preço, em vez da ino-vação, é o fator crucial de concorrência.Tendem a ali prevalecer opções por es-tratégias tecnológicas baseadas em im-portação de tecnologia, associadas a com-portamentos oportunísticos e baixos pa-drões educacionais e de renda.8 Estrutu-ras econômicas de regiões ou nações me-nos desenvolvidas concentradas em ati-vidades tradicionais desestimulam, dessemodo, a ocorrência de aglomerações ino-vadoras por produzirem entraves ao pro-cesso de inovação, mesmo em aglome-rações onde se encontram presentes asmencionadas condições de divisibilidadede processo, diversidade de competên-cias e cadeia longa de valor. Por essa ra-zão, não apenas muito mais freqüentesque as aglomerações inovadoras, as aglo-merações motivadas por custos estáticosde transação são mais freqüentes nessespaíses e regiões retardatários ou especiali-zados em setores menos dinâmicos.

Da mesma forma, a coordenaçãonão acontece de maneira “natural” nocurso de formação de uma aglomera-ção. Ao contrário, alguns clusters jamaisconseguem atingir o grau de dinamismopromovido por essa equação virtuosa for-mada por divisão de trabalho, especiali-zação, eficiência e inovação, pelo fato denão disporem de mecanismos de coorde-

nação minimamente eficazes. E, quantomaior a cadeia de valor, maior a importân-cia desses mecanismos, que, sem recursosinstitucionais e culturais favoráveis, não seconstituem. Como argumentam Schmitze Nadvi (1999), a transição de uma aglo-meração baseada em custos de transaçãotradicionais para outra baseada em ino-vação não apenas não é processo trivial,como está condicionado por determinan-tes de ordem estrutural de difícil supera-ção, relativos às características de mercadoe de formação socioeconômica. A efi-ciência coletiva necessária para o cluster

evoluir e crescer, defendem os autores, sóocorre na presença, de um lado, de redescomerciais com o mercado externo, queintroduzam grandes desafios e impulsio-nem a inovação (a abertura para o exteri-or, mencionada anteriormente), e de ou-tro, de confiança e sanções efetivas, quecoíbam o comportamento oportunísticoe favoreçam a troca e a cooperação.9

A forte correlação que Schmitz eNadvi identificam entre cooperação eelevação do desempenho das firmas emclusters localizados em nações menos de-senvolvidas os leva a defender que nessesclusters a atenção deve ser dirigida parapromover ações conjuntas, intensifica-ção de troca de informação e experiênci-as entre as firmas, de modo a construir

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8 As soluções tendem a serimportadas porque esseambiente não incentiva odesenvolvimento de modelose procedimentos própriosnecessários para a solução deproblemas tecnológicos e,conseqüentemente, aconstrução de habilidades ecompetências queimpulsionam o progressotécnico, como argumentaDosi (1988).9 Para os autores, “where

sanctions and trust are missing, a

production system requiring

deepening specialization and

interdependent firms is unlikely

to develop” (Schmitz e Nadvi,1999, p. 1506).

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redes de cooperação, sabendo que esta – acooperação – é seletiva, ou seja, não envol-ve a totalidade dos membros da aglome-ração. Isso significa que, além das condi-ções para agrupamento assinaladas ante-riormente, a evolução do cluster envolveespecialmente recursos organizacionais,exógenos à firma, isto é, mecanismos decooperação e coordenação. Sendo assim,se a evolução do cluster não prescinde demecanismos de coordenação, mesmo emcasos em que a cooperação e a inovaçãoocorrem espontaneamente, ainda mais ne-cessários são eles em casos em que essesrecursos são escassos. Diante disso, me-rece destaque o papel de catalisador emediador que o poder público pode de-sempenhar nessas situações, no sentidode reduzir as assimetrias e facilitar a coo-peração, auxiliar na identificação e na su-peração de fragilidades e promover açõesconjuntas no cluster, quando essas não semanifestam espontaneamente.

Em síntese, são de duas naturezas,embora complementares, as condiçõesque operam para impulsionar a emergên-cia e a evolução de agrupamentos geo-gráficos de firmas, a saber: divisibilidadede processo (com massa crítica em vo-lume suficiente para assegurar comple-mentaridade e diversidade), de um lado,e inovação e mecanismos de cooperação

e coordenação, de outro. Sendo as primei-ras condições determinantes para o agru-pamento das firmas, tenderão a se agru-par aquelas atividades cujas estratégiascompetitivas – que são específicas a cadasegmento de mercado – sejam mais sen-síveis às condições mencionadas. A evo-lução do agrupamento, no entanto, vaiestar condicionada às capacidades ino-vadoras, cooperativas e de coordenaçãonele presentes.

4_ Aglomeração de serviçosde atenção à saúde:algumas anotações específicas

A análise das condições para a emergên-cia e evolução de aglomeração de ativida-des econômicas deixa ver que a noção decluster é perfeitamente aplicável ao setorde serviços, em que pese a menção maisfreqüente às atividades terciárias comoauxiliares à dinâmica industrial, esta, sim,núcleo duro ou fonte de geração e cresci-mento da aglomeração na maior partedos estudos sobre o fenômeno.10 Assimcomo no caso da indústria, o que pauta oestudo de clusters de serviços é o recortesetorial, com base no qual as condiçõespara aglomeração são verificadas, e pelaanálise dos determinantes da formaçãosocioeconômica na qual o cluster está con-textualizado. Existem, portanto, caracte-

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10 Porter (1998) mencionaalguns clusters especializadosem segmentos do setor deserviços (finanças, informáticae turismo), embora essessejam franca minoria no totaldos clusters destacados naqueletrabalho, nem sejamdetalhadas suasespecificidades. No entanto,na página eletrônica doprojeto “Cluster MappingProject”, coordenado peloautor, estão dispostos clusters

de serviços registrados emdiversos segmentos. Análiseespecífica de tais clusters nãoestá disponível para livreacesso na página do projeto(<http://secure.hbs.edu/isc/; http://data.isc.hbs.edu/isc/index.jsp>). Apesar dessemapeamento, julgamosinsuficiente o nível de reflexãoconceitual até aqui acumuladosobre o assunto.

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rísticas específicas que prevalecem sobrea constituição e o funcionamento de umcluster de serviços decorrentes do padrãode concorrência e estratégias locacionaisdesse setor, que inserem atributos parti-culares às condições de aglomeração e,por conseguinte, exigem atenção. Embo-ra a abordagem recomendada seja a deli-mitação da análise por segmento do se-tor, que neste artigo é o de serviços deatenção à saúde, um esforço preliminarde generalização para o conjunto do ter-ciário se faz necessário.

A observação das especificidadesde um cluster de serviços pode ser facilita-da a partir do entendimento dos fatoresque concorrem para sua emergência. Entreesses, chamamos a atenção para o funcio-namento dos estímulos relativos às eco-nomias de escala e ao acesso à informa-ção e à idéia do “custo de periferia” paraa dinâmica concorrencial de mercadosdo setor de serviços, segundo uma lógicade causação circular que impulsiona aaglomeração espacial das firmas, muitoconhecida da economia regional (de Ri-chardson, 1969; a Fujita; Krugman; Ve-nables, 1999). Essa é uma tendência queafeta igualmente atividades industriais outerciárias. No entanto, estamos aqui re-ferindo-nos à tendência particularmentecentrípeta de atividades terciárias emcentros urbanos onde as economias ex-

ternas funcionam como fator locacionalpor excelência. A prestação de serviçosrequer uma escala mínima para se estabe-lecer (mesmo simples serviços adminis-trativos oferecidos por centros urbanosque servem apenas regiões rurais, comono modelo dos círculos concêntricos deVon Thünen (1826)). Tal escala, ou al-cance espacial mínimo (demand threshold),expressa o menor número de consumi-dores necessário para economicamenteviabilizar uma atividade.

Dessa forma, quanto mais sofisti-cadas as competências exigidas para aprestação do serviço e, portanto, maior aescala para viabilizá-lo comercialmente,maior a tendência a se localizar em níveismais elevados da hierarquia de cidades –as grandes aglomerações urbanas – ondeeconomias externas e de escala são maio-res e, conseqüentemente, maior é a forçada “lógica circular”. Essa percepção fun-damenta a chamada teoria dos lugarescentrais (Christaller, 1933; Lösch, 1940),baseia a identificação e a hierarquia desistemas urbanos11 e é especialmente válidapara países de passado colonial e baixas in-terdependências na economia doméstica,cujas redes urbanas são bastante polari-zadas por cidades primazes, como defen-dem Porter e Lloyd-Evans (1998).

Essa tendência à localização emgrandes centros urbanos é fator decisivo

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11 Entre os parâmetrosadotados pelas autoridadesestatísticas nacionais, entre asquais o IBGE, para acaracterização da hierarquiaurbana em dado país ouregião, estão justamente osserviços de assistência médica:nas cidades menores seriamencontrados os ambulatórios eos serviços mais simples, aopasso que nas metrópoles seencontrariam os segmentos demaior nível de especialização ecomplexidade, mais intensivosem recursos sofisticados. VerIBGE/REGIC (1993).

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para a competitividade das firmas dossegmentos mais complexos do setor deserviços.12 Isso quer dizer que a força degravidade da metrópole atua no sentidode lhes proporcionar mercado na dimen-são exigida para a realização de atividadesmais intensivas em conhecimento e infor-mação. Por outro lado, isso não quer dizernecessariamente que as atividades de ser-viços, que têm nas economias externase de aglomeração um fator locacional rele-vante o bastante para neutralizar os custosde localização nessas cidades, busquemigualmente obter escala e capacidade pa-ra acessar mercados externos. Sua estra-tégia pode objetivar apenas o mercadometropolitano, grande o suficiente para aescala mínima necessária para o estabele-cimento do negócio.13 Contudo, essa ori-entação para o mercado interno à suaárea de influência pode significar limita-ção em termos de capacidade evolutivapara o cluster. Nesses casos cujo mercadoé a metrópole e sua região,14 a concorrên-cia com outras aglomerações metropoli-tanas tende a ser pouco expressiva, sen-do a oferta de serviços quando muitocomplementar entre as várias metrópolesda rede urbana. Esse é o caso especial-mente dos segmentos de serviços especi-alizados cuja complexidade é elevada emrelação àqueles oferecidos em sua região

de influência, podendo não ser tão signifi-cativa em comparação àqueles oferecidospor metrópoles mais elevadas na hierar-quia urbana.

Por outro lado, os segmentos cujalocalização na metrópole é fator decisi-vo de competitividade (por ali encontra-rem conhecimento e informação, mão-de-obra qualificada e instituições educacio-nais e de pesquisa essenciais para suas es-tratégias concorrenciais), esses segmen-tos são os mais complexos e inovadoresdo terciário, à semelhança dos setores in-dustriais que Tinoco (2001) chamou deurbano-dependentes. Trata-se de segmen-tos que não se localizariam em qualquermetrópole senão naquelas onde encon-trem tais fatores, apesar das deseconomiasde aglomeração. Dessa forma, são seg-mentos pouco representativos ou inexis-tentes nas metrópoles periféricas, vistoque operam em mercados internacionaisou nacionais. Entre esses estão os seg-mentos mais sofisticados de serviços definanças e seguros, instâncias de direçãode grandes corporações, consultorias es-pecializadas, informática, pesquisa e de-senvolvimento, segmentos mais comple-xos de serviços educacionais, culturais ede atenção à saúde.15

Feitas essas considerações, obser-vamos que tanto a condição de divisibili-

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12 De fato, os clusters de serviçosde atenção à saúde identificadosnos EUA por Porter (2004)estão localizados nas principaisáreas metropolitanas daquelepaís (os maiores estão em NovaIorque, Chicago e Boston).13 por essa razão, Porterclassifica os clusters de serviçosmédicos de “locais”.14 O que se convencionouchamar de região de influênciade uma cidade – ou alcanceespacial máximo (maximum range

threshold) nos termos de Christaller– é justamente definido peladistância que o indivíduopercorre entre sua residência e omercado onde sabe queencontrará o bem ou serviçoque procura, apesar dos custosde transporte que envolvem essedeslocamento. Quando o serviçoé de altíssima especialização, aregião de influência alcançadistâncias consideráveis, como éo caso do tratamento de algumasenfermidades que levam pacientesa procurar atendimento emoutras regiões ou mesmo países.15 Com a globalização, vem-seacentuando a concentração detais atividades terciárias maiscomplexas nas cabeças da redeurbana mundial, motivandoFriedmann (1986) e Sassen(1991) a formularem a noçãode cidade global.

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dade de processo quanto a de volatilidade de

mercado são aplicáveis ao setor terciário,mas não a todos os seus segmentos, pelasrazões apontadas. Um dos casos em queocorrem as condições mencionadas é odo segmento de atenção à saúde. Esse écomposto por um conjunto de atividadesque operam em mercados interrelaciona-dos com determinações próprias de fun-cionamento e concorrência, mas com in-tensa interdependência: o mercado deseguros de saúde, de clínicas de diagnós-tico, o mercado de hospitais, de software

para gerenciamento de atividades de saú-de, serviços médicos de variadas especia-lidades, pesquisa médica, entre outros,restringindo-nos aos segmentos de servi-ço apenas de uma cadeia de valor bemmais extensa se incluídos os segmentosindustriais, os serviços de formação pro-fissional, informática e de pesquisa e de-senvolvimento dedicados ao segmento.

No que concerne à volatilidade de

mercado, podemos argumentar que, emtermos genéricos, o segmento de servi-ços de atenção à saúde é um mercadocom capacidade de ajuste a mudançasimprevisíveis na demanda, mas no interi-or desse existem grandes variações. To-mando o padrão tecnológico, podemosdividir o segmento em duas grandes cate-gorias e observar as variações: uma cate-

goria formada pelos segmentos usuáriosde equipamentos e instrumentos tangí-veis (hospitais e clínicas de diagnóstico,por exemplo), e outra formada por ativi-dades que fazem uso apenas de tecnolo-gias de comunicação e informação, basematerial para atividades de natureza in-tangível (operadoras de planos de saúde eseguradoras, clínicas de especialidades mé-dicas). Os segmentos da primeira catego-ria são particularmente mais dependen-tes de tecnologias produzidas por outrossetores, geralmente desenvolvidas em paí-ses ou regiões avançadas. Na maioria dosclusters localizados em países menos de-senvolvidos, a capacidade de ajuste àstransformações nesses segmentos é rea-tiva a trajetórias tecnológicas determina-das por grandes fornecedores globais deequipamentos médico-hospitalares e ins-trumentos de precisão, que chegam a con-dicionar até os procedimentos médicos.No caso dos segmentos da segunda cate-goria, as transformações são mais comu-mente associadas a variações conjunturaisdo nível de atividade econômica. Sua ca-pacidade de inovação restringe-se a me-lhorias e à racionalização de processo eadaptações circunstanciais de produto paraacompanhar as variações da demanda,especialmente em situações de desaque-cimento da economia, com exceção das

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clínicas de especialidades médicas. Essastêm oportunidade de realizar constanteprogresso técnico em paralelo à evoluçãodas ciências médicas. A pesquisa médicaaqui representa fator central de dinamis-mo e competitividade.

Em vista das variações observa-das, ainda assim é aceitável reconhecerque a condição de volatilidade no merca-do está presente nos segmentos de servi-ços de saúde e, portanto, beneficia-se dosefeitos de aglomeração que tal volatilida-de produz sobre os agentes desses mer-cados. Todavia, sabemos que a volatilida-de é tanto mais significativa nos clusters

localizados em níveis mais elevados dahierarquia urbana, como atua diferente-mente sobre cada segmento da cadeiade saúde. Desse modo, serão tanto maisvirtuosos os efeitos dessa volatilidade,quanto mais estímulos a capacidades ino-vadoras e cooperativas operarem no con-junto da aglomeração, no sentido de di-fundi-las dos segmentos mais aos menosdinâmicos da cadeia, de modo a reduzirpaulatinamente a adoção reativa de solu-ções tecnológicas produzidas exogena-mente, sejam essas soluções em termosde equipamentos e instrumentos médi-co-hospitalares, sejam essas em termosde procedimentos médicos.

A condição de transportabilidade de

produto não pode ser aplicada tão direta-

mente ao setor de serviços, em geral,nem aos segmentos de atenção à saúde,em particular. Como já mencionado, umadas características das cidades de posiçãomais elevada na hierarquia urbana é o fa-to de fornecer bens e serviços num nívelde complexidade e diversidade que jus-tifica grandes deslocamentos de consu-midores. Isso é especialmente verdadeiropara o segmento de atenção à saúde, queexige a mencionada presença simultâneade médico e paciente para a prestação doserviço, apesar dos progressos nas tecno-logias de transmissão de dados e ima-gens. Assim, a transportabilidade no casodo setor de serviços, em geral, e do seg-mento de serviços de atenção à saúde,em particular, é menos do produto, e maisdo paciente, de modo que a competitivi-dade da atividade é função da região deinfluência: quanto maior a distância per-corrida pelo paciente em busca do ser-viço, mais abertas a mercados externose mais competitivas são as atividadesdo cluster, que por definição são de maiorespecialização e complexidade, compen-sando o custo de transporte ou a distân-cia econômica.

Em síntese, o setor é nitidamenteconcentrado em grandes centros urba-nos e fortemente fragmentado, o quepermite expressiva divisibilidade técnicade processo e diversidade de competên-

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cias distintas e complementares. Volatili-dade de mercado e transportabilidade deproduto manifestam-se de forma parti-cular, podendo ser a primeira condiçãomais ou menos significativa, dependendodas capacidades inovativas e cooperati-vas ali presentes, e de estarem essas maisou menos relacionadas ao uso de equipa-mentos sofisticados e de custo elevadoou à prestação de serviços de pequena es-pecialização. É evidente que, quanto maisintegrada horizontalmente a cadeia, arti-culando-se especialmente para trás cominstituições de pesquisa e formação pro-fissional e com setores industriais presen-tes na metrópole, desfrutando as exter-nalidades ali presentes, maiores as proba-bilidades de evolução do cluster.

Cabe uma última nota específicaaos mecanismos de coordenação no seg-mento de atenção à saúde. Por princípio,no espaço limitado de uma aglomeraçãogeográfica, os custos de formação de me-canismos de coordenação são reduzidos,o que até funciona como fator de atraçãode novas firmas, apesar da fragmentaçãoda cadeia de valor, do elevado número defirmas, das competências e instituiçõesali presentes. No cluster de serviços de sa-úde, a dificuldade de coordenação so-ma-se à forte propensão a conflitos entreos elos do seu núcleo duro, em razão da

grande assimetria entre os elos da cadeia.É visível a posição determinante que des-frutam na cadeia as empresas de planose seguros de saúde e hospitais (além dosfornecedores globais de equipamentosmédico-hospitalares, considerando-se oescopo mais amplo). Ora, se como de-fendem Powell e Smith-Doerr (1994), aposição de um agente na rede, seu acessoa recursos e sua liberdade de ação estãodiretamente relacionados a seu poder so-bre o conjunto, sem coordenação, situa-ções de monopólio de poder ameaçam aevolução da aglomeração.

A assimetria funciona como en-trave à evolução do cluster, o que pareceser ainda mais verdadeiro no caso de clus-

ters em economias retardatárias, por duasrazões principais, ambas relacionadas coma fragilidade estrutural típica dessas eco-nomias: o padrão de financiamento deserviços de mais alto risco, valor e conte-údo tecnológico, e a precariedade dos sis-temas de inovação local. Não é demaislembrar que essa precariedade limita aprodução local do conhecimento neces-sário para o desenvolvimento de conhe-cimento (procedimentos médicos e desetores industriais, especialmente aquelesde equipamentos e instrumentos de tec-nologia mais complexa ou de ponta, nocaso do segmento em estudo). Decorre

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daí maior estímulo à importação de bens,o que restringe as oportunidades de ne-gócios, eleva os custos operacionais dasatividades, subordina estas às estratégiastecnológicas dos grandes fornecedoresmundiais de equipamentos e afeta a forma-ção dos profissionais. A superação dessesentraves é um dos maiores desafios à co-ordenação do cluster. À vista dessas consi-derações, passamos à análise das especi-ficidades do Pólo Médico do Recife.

5_ Evidências com baseno Pólo Médico do Recife

Antes de examinar a ocorrência no PóloMédico do Recife (PMR) das condiçõespara a formação de um cluster de serviços,vale recuperar rapidamente os contornosgerais de sua formação. O que se entendehoje pelo PMR é resultado de ações espon-tâneas de médicos com maior tino em-presarial, que perceberam as oportuni-dades de mercado abertas com a expan-são do modelo de saúde que prevalece noBrasil, onde o SUS cuida dos pacientesde baixa renda, enquanto o chamado sis-tema de saúde suplementar, privado, cuidados que podem pagar planos e seguros sa-úde e/ou ser atendidos como clientessem essa cobertura. Esse movimento temorigem na existência em Recife de certatradição na área médica com a presença,

há várias décadas, de grandes hospitaispúblicos e Faculdades de Medicina. Sen-do um centro urbano de grande região deinfluência no Nordeste, Recife atraiu pormuito tempo pacientes de localidades pró-ximas e distantes por dispor de melhorescondições relativas de atendimento.

Em fins dos anos 1980 e ao longoda década seguinte, em paralelo ao cres-cimento da medicina mercantil no País,as instituições privadas de saúde em vári-os segmentos foram sendo ampliadas noRecife, e muitos profissionais da área bus-caram aperfeiçoamento em centros maisdesenvolvidos do País ou do exterior,voltando depois para constituir equipesmédicas e formar grupos econômicoscom base em associações. Ao mesmotempo, outros mais ousados empresarial-mente obtiveram acesso a linhas de finan-ciamento favorecidas dos bancos oficiais e,aos poucos, foram instalando hospitais,clínicas de diagnóstico e laboratórios deanálises clínicas em moldes mais capita-listas e com maior preocupação em efi-ciência empresarial. Paulatinamente tam-bém foram chegando tanto operadorasde planos de saúde quanto fornecedoresde insumos e de equipamentos mais so-fisticados, o que vai ampliando o merca-do, por um lado, e os padrões tecnológi-cos, por outro, definindo os contornosde um conjunto de empresas onde tais

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fornecedores detêm poder relativamenteelevado na definição de técnicas e de pro-cedimentos. Ao adotar o modelo de pro-cedimentos vigentes nos centros maisdesenvolvidos, o PMR vai também si-multaneamente optando por uma redu-zida interação com as instituições locaisde pesquisa e ensino, que lhe poderiamfornecer uma dinâmica tecnológica maisautônoma.16

5.1_ Características relevantesdo Pólo Médico do Recife

Antes de prosseguir, cabe salientar que oPMR apresenta alguns aspectos que aten-dem às condições para a aglomeração emcluster, sugerindo a pertinência da aplica-ção desse conceito ao segmento de servi-ços de atenção à saúde, sem, no entanto,atender a todas elas, como se poderia espe-rar. Isso não significa, contudo, que taiscondições não possam vir a ser desenvol-vidas, seja no caso específico em análise,seja em outras aglomerações de serviçosde saúde. São fortes, contudo, as limita-ções à “evolução” do PMR em direção aum cluster inovador.

Uma primeira observação a fazeré que o PMR compreende um subcon-junto de atividades que compõem o seunúcleo, e outro formado pelos elos com-

plementares. O núcleo é constituído pe-las atividades de:

i. atendimento hospitalar;ii. atendimento de urgência e emer-

gência;iii. atenção ambulatorial;iv. serviços de complementação diag-

nóstica ou terapêutica;v. atividades de outros profissionais

de saúde;vi. outras atividades relacionadas com

a atenção à saúde17 (Figura 1).

Entre os demais elos ou atividades, desta-cam-se:

i. indústria farmacêutica;ii. o comércio atacadista vinculado a

medicamentos e equipamentos;iii. o comércio varejista voltado para

produtos farmacêuticos, artigosmédicos e ortopédicos;

iv. financiadores e compradores deserviços (planos de saúde, funda-mentalmente);

v. atividades de informática e produ-ção de software;

vi. manutenção de equipamentos;vii. atividades de formação de recur-

sos humanos e de pesquisa;viii. associações profissionais, empre-

sariais e de classe.

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16 Verifica-se, mesmo assim,alguma interação entre o Póloe algumas poucas empresaslocais de equipamentosmédicos relativamentesofisticados, que conseguiramse desenvolver na cidadeaproveitando nichos demercado e algumascompetências depesquisadores dasuniversidades e de outrasinstituições locais.17 Outras atividadesprofissionais incluemenfermeiras, nutricionistas,psicólogos, terapeutasocupacionais efonoaudiólogos,fisioterapeutas, optometristase outras similares, além deatividades de centros enúcleos de reabilitação eatenção psicológica,exercidas de modoindependente, enquantooutras atividades relacionadascom a atenção à saúdecompreendem atividadesrelacionadas a terapias nãoconvencionais, serviços deambulâncias, parteiras.

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Segundo os dados da RAIS, levan-tados pela pesquisa aqui referida, o núcleodo PMR empregava aproximadamente 20,2mil pessoas em 2001 e abrangia cerca de1,8 mil estabelecimentos. Incluindo-se osdemais elos da cadeia, alcança-se um totalde 34.715 pessoas formalmente ocupadas,vinculadas a 3.089 estabelecimentos. Nonúcleo do Pólo Médico, os serviços de aten-dimento hospitalar geram o maior contin-gente de empregos, seguidos dos segmen-tos de complementação diagnóstica e tera-pêutica e os de outras atividades de atençãoà saúde. O emprego gerado pelo núcleo doPólo, concentrado na cidade do Recife,

correspondia a 2,2% do total do empregoformal em Pernambuco, em 2001, e a15,6% do emprego industrial formal. Con-siderando o total dos empregos do núcleoe dos demais elos da sua cadeia produtiva,chega-se a 3,6% do conjunto do empregoformal em Pernambuco e a cerca de ¼ doemprego da indústria de transformação.São, portanto, números expressivos em ter-mos de empregos e de estabelecimentos,que sugerem a ocorrência de expressiva di-visão de trabalho, competências distintas ecomplementares e especialização, além deapresentarem razoável distribuição nos vári-os elos da cadeia, como mostra a Tabela 1.

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Cluster de serviços: contribuições conceituais com base em evidências do pólo médico do Recife32

Figura 1_ Serviços de saúde: estrutura e relações

Elos Complementarres

Núcleo

Elos Complementares

Serviços de Informática Atendimento hospitalarOrganizações educacionais

de formação e pesquisa

Produçãode medicamentos

Urgência e EmergênciaFinanciamento

e compra de serviços

Comercializaçãode medicamentos

Atenção Ambulatorial Organizações reguladoras

Equipamentos: produçãoe manutenção

Complementaçãodiagnóstico-terapêutica

Outros profissionaisde saúde

Outras atividades de saúde

Fonte: Guimarães Neto et al., 2004.

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Tabela 1_ Recife: emprego formal e estabelecimentos nas atividadesque integram o núcleo e os elos do Pólo Médico – 2001

(continua)

Atividades do núcleo e dos elos do Pólo Emprego Estabelecimentos Empr./Estab.

Indústria Farmacêutica 815 27 30

Farmoquímicos 141 4 35

Medicamentos para uso humano 633 15 42

Material para uso médico, hospitalar eodontológico

41 8 5

Comércio Atacadista 1.298 126 10

Produtos farmacêuticos, médicos, ortopédicos 1.016 92 11

Máquinas, aparelhos, equipamentos 282 34 8

Comércio Varejista 3.550 686 5

Produtos farmacêuticos, artigos médicose ortopédicos

3.550 686 5

Financiadores e Compradores de Serviços 365 13 28

Planos de saúde 365 13 28

Informática e Software 1.566 143 11

Consultoria em sistema de informática 394 43 9

Desenvolvimento de programas de informática 349 43 8

Processamento de dados 803 52 15

Atividade de bancos de dados 20 5 4

Manutenção de Equipamentos 263 52 5

Manutenção e reparação de máquinas deescritório e informática

263 52 5

Organizações Educacionais e de Pesquisa 5.071 155 33

Educação média e técnico-profissional 1.196 35 34

Educação superior 2.201 13 169

Educação continuada e aprendizado profissional 1.674 107 16

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Como se pode observar na Tabe-la 1, os serviços de atenção à saúde pres-tam-se bem ao fracionamento de ativida-des e à formação de especializações, oque é espelhado no PMR pela diversida-de de ocupações existentes no núcleo doPólo, que, por sua vez, demandam outrasocupações desencadeadas por esse, tantono próprio setor terciário como na in-dústria. Essa, porém, desempenha papelde fornecedora de insumos para o núcleodo Pólo, em que pese a determinação desuas decisões estratégicas sobre a trajetó-

ria tecnológica do agrupamento. Assim,como mostra o total do emprego formalno PMR, parcela significativa está ocupa-da nos serviços de complementação di-agnóstica e terapêutica (basicamente la-boratórios e clínicas de diagnóstico porimagem), nas atividades de “outros pro-fissionais de saúde” e nas “outras ativida-des de atenção à saúde”, entre outras.Também relevantes em termos de em-prego no terciário no caso estudado, em-bora aqui definidas como atividades doselos complementares, são os serviços de

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Cluster de serviços: contribuições conceituais com base em evidências do pólo médico do Recife34

Tabela 1_ Recife: Emprego formal e estabelecimentos nas atividadesque integram o núcleo e os elos do Pólo Médico – 2001

(conclusão)

Atividades do núcleo e dos elos do Pólo Emprego Estabelecimentos Empr./Estab.

Núcleo do Pólo Médico 20.162 1.809 11

Atendimento hospitalar 11.674 139 84

Urgência e emergência 315 17 19

Atenção ambulatorial 809 358 2

Serviços de complementação diagnóstica eterapêutica

3.255 316 10

Outros profissionais de saúde 1.271 678 2

Outras atividades de atenção à saúde 2.838 301 9

Associações Profissionais/Empresariais e de Classe 1.625 78 21

Organizações empresariais e patronais 1.246 27 46

Organizações profissionais 379 51 7

Total 34.715 3.089 11

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS-CAGED).

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entidades educacionais e de pesquisa, ocomércio varejista e atacadista de produ-tos e equipamentos médico-hospitalares,os serviços de informática, financiamen-to e venda de planos de saúde e a manu-tenção de equipamentos. Afora essas, ain-da no terciário, também merece destaquea presença de atividades complementaresde lavanderias especializadas, de forneci-mento de alimentos, de fardamentos erouparia, de recolhimento de lixo hospi-talar, entre outras, que vêm ampliandoseus contingentes em função da deman-da das atividades do núcleo do PMR18

Fora do terciário, também marcam pre-sença as atividades da indústria farma-cêutica, gerando 815 empregos diretosem 27 estabelecimentos.

Outro aspecto associado a essa di-visão de trabalho, ressalvadas as suas es-pecificidades e as qualificações feitas an-teriormente, é a predominância de umnúmero elevado de estabelecimentos depequeno porte, em geral associado aosconceitos de cluster já discutidos. Com ex-ceção dos hospitais e estabelecimentosde ensino superior, que, mesmo assim,apresentam média próxima a 100 empre-gados, portanto não muito elevada, os es-tabelecimentos do Pólo contam com mé-dias relativamente reduzidas de emprega-dos, como também mostra a Tabela 1.

5.2_ A dinâmica recentee o relacionamento entreos agentes e os segmentos

Essa intensificação da divisão de traba-lho no interior do PMR ocorreu prepon-derantemente ao longo da década de 1990,ao menos até 1998, quando o Pólo apresen-tou expansão considerável, traduzida emnovos hospitais, laboratórios, centros dediagnóstico por imagem e clínicas médi-cas, ao lado da ampliação de fornecedo-res de insumos e serviços e até do surgi-mento de algumas empresas produtorasde equipamentos específicos. A razoávelcompetência existente na área de C&Tno Recife e as janelas de oportunidadecriadas com a intensificação de especiali-zação expressa em desbravamento de ni-chos de mercado são fatores que ajudama explicar a expansão. De maneira geral,ampliaram-se os investimentos na expec-tativa de aproveitar oportunidades entãoabertas por um mercado que se dissemi-nava no País, e que, portanto, se apresen-tava com tendências de crescimento, ten-do principalmente os usuários de planosde saúde como clientes.

Nesse ambiente promissor, mui-tos investimentos foram feitos em novasorganizações e em aquisição de novosequipamentos, o que gerou expansão ra-zoável de capacidade instalada no con-junto das instituições do Pólo. Ao final

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18 Algumas dessas atividades,vale referir, estão ainda emfase de consolidação comoelos complementares, mastendem a se afirmar à medidaque as vantagens pecuniáriasda divisão de trabalho foremse impondo.

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desse período, limitações estruturais co-meçam a ameaçar essa expansão. Entreessas destacam-se a conjuntura de crisena economia, caracterizada pela estag-nação do crescimento, a elevação do de-semprego e a redução de salários reais,bem como as sucessivas desvalorizaçõesdo real. Em decorrência disso, estreitou-se o mercado com a diminuição de usuá-rios de planos de saúde (de 1,3 milhãopara 800 mil pessoas, grosso modo), nomesmo momento em que as empresas desaúde defrontavam-se com a elevação desua dívida por terem adquirido equipa-mentos com valores expressos em dólar.A combinação desses dois fatos tem tra-zido conseqüências preocupantes para oPólo e colocado em risco a sobrevivênciade parte significativa das organizações.De fato, já ocorreram desdobramentosnessa linha, com o fechamento de algunshospitais, prenunciando-se dificuldadessemelhantes em outros estabelecimentosdo núcleo do Pólo.

Em vista das dificuldades postaspelo excesso de capacidade e pelo endivi-damento acima do planejado, as unida-des do Pólo, em geral, têm recorrido a es-tratégias que envolvem tanto a ocupaçãode espaços mais amplos, diversificando,em alguns casos, os serviços prestados,quanto a prática de concorrência preda-tória via, por exemplo, negociação de tabe-

las de preços com as operadoras de pla-nos de saúde e estímulo, segundo alguns,a procedimentos mais diversificados dediagnóstico para gerar mais receitas, nu-ma tentativa de transferir as dificuldadese se safar individualmente. Em outros ca-sos, buscam também a articulação comprofissionais médicos para a indicaçãode suas instalações para procedimentoscirúrgicos e de diagnósticos e ainda pro-curam atrair para seu negócio equipesmédicas especializadas de competênciareconhecida.19 Vale destacar que tais prá-ticas terminam levando a conflitos e aofechamento de unidades mais frágeis.

Nesse ambiente de dificuldades,os agentes com maior poder de barga-nha, ou seja, as operadoras de planos desaúde, buscam a sobrevivência, transfe-rindo, sempre que possível, os encargosda sustentação do sistema como um to-do, por um lado, para os usuários de pla-nos via reajuste de mensalidades e, poroutro, para os agentes subordinados, istoé, laboratórios, centros de diagnóstico, clí-nicas, profissionais liberais, etc., por meiodo congelamento ou até da redução dastabelas de pagamento. Os hospitais maio-res, com algum poder de barganha diantedas operadoras, buscam negociações se-paradas e assim tentam viabilizar-se ou semanter à tona, financeiramente.

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19 Foi comentado nasentrevistas realizadas umfenômeno conhecido emescala nacional: em meio aessa concorrência um tantoacirrada, um grande hospitaldo Pólo leva vantagensadicionais, por serconsiderado beneficente edesfrutar de menores encargosprevidenciários e tributários,conseguindo ampliar suasatividades em detrimentodos demais.

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5.3_ Problemas, potencialidadese tendências

O exame dos principais problemas do Pó-lo na percepção dos entrevistados20 reve-la razoável convergência de opiniões, nosvários segmentos analisados. Os proble-mas mais relevantes destacados são: ex-cesso de capacidade instalada, com os re-batimentos de uma demanda insuficienteem cada um dos elos do núcleo e de con-corrência acirrada e até desleal; hegemo-nia das operadoras de planos de saúde edos grandes hospitais; carências de in-fra-estrutura; deficiência na formação derecursos humanos; carga tributária eleva-da; baixo nível de renda da população e,conseqüentemente, reduzido número deusuários de planos de saúde; baixa remu-neração dos serviços prestados, que nãopermite a melhoria dos níveis salariais;dificuldades de acesso ao crédito; e eleva-do nível de endividamento de boa partedas unidades de saúde. Além desses pro-blemas generalizados, são também men-cionadas a concentração geográfica dasunidades hospitalares; a concorrência cres-cente com os serviços de saúde de capi-tais próximas e cidades do interior, queantes enviavam mais pacientes ao Recife,com alguma perda de mercado; a carên-cia de órgãos de representação de classe ea reduzida cooperação e concorrência comos serviços de saúde pública.

Quando se examinam as respos-tas às entrevistas sobre potencialidades epontos fortes, observa-se também gran-de convergência e a concentração das po-tencialidades em aspectos intrínsecos dasorganizações, como a excelência dos ser-viços médicos oferecidos e a busca de ca-pacitação por parte dos profissionais en-volvidos; a estrutura física e tecnológicadisponível; o espírito empreendedor daclasse médica; a diversificação de servi-ços oferecidos; a localização privilegiadatanto do Recife na região Nordeste quan-to do PMR num determinado bairro dacidade (Ilha do Leite); a geração de em-pregos diretos e indiretos, etc. Além des-ses aspectos, são também percebidos co-mo pontos fortes a busca de certificaçãoe de maior eficiência por parte das unida-des privadas de saúde; a exclusividade deprestação de alguns tratamentos na re-gião Nordeste; a credibilidade e a refe-rência regional do Pólo, e ainda o suporterepresentado pelas competências de ser-viços de informática presentes na cidade.Essa última referência, embora só tenhasido feita em um dos segmentos do nú-cleo, é indício de que se percebe a neces-sidade de interação com os elos comple-mentares da cadeia de valor.

Como se pode notar, esses sãotambém fatores relacionados às condi-ções para aglomeração destacados ante-

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20 Foram realizadas cerca de55 entrevistas comrepresentantes do núcleo e deelos complementares do PMR.Mais detalhes em Lima (2004).

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riormente. Entretanto, em que pese arelevância dos pontos apontados comofortes e o razoável suporte que ofere-cem às atividades centrais do Pólo, é evi-dente que eles não asseguram por si sóscapacidade de superação dos problemasexistentes. Aliás, alguns dos pontos for-tes apontados como a capacidade em-presarial e a concentração de atividadesforam, simultaneamente, listados comopontos fracos.21

Visto o panorama de problemas epotencialidades, vale examinar se as ten-dências em curso estão contribuindo paraa solução de problemas e para o aprovei-tamento das potencialidades. Podemosantecipar que, pelo menos em parte, issoestá ocorrendo. Entre as tendências maismencionadas, encontram-se maior caute-la na realização de investimentos, em vis-ta do atual excesso de capacidade; des-centralização das unidade na direção deoutros bairros, inclusive para shopping cen-

ters, para atender melhor aos habitantesmais distantes da Ilha do Leite; concen-tração de serviços de diagnóstico, de aná-lise clínicas e de atendimento clínico (con-sultas, por exemplo) nos grandes hospi-tais, pressionando a concorrência comessas unidades e apontando para a con-centração de capital e verticalização noPólo, na contramão das vantagens de es-

pecialização para a aglomeração. No en-tanto, especialmente entre alguns elos es-pecíficos e unidades de pequeno porte,identificamos algum esforço incipientede pesquisa (queimados, cardiologia, of-talmologia e traumatologia), melhoria dosprocedimentos diagnósticos e terapêuti-cos, racionalização e especialização dosserviços, associação de pequenas unida-de para enfrentar a concorrência e maiorarticulação com o Porto Digital.22

5.4_ Reflexões acerca dascondições para aglomeraçãocaracterísticas do PMR

Pelo que se pode apreender do expostoacima, o PMR apresenta algumas das con-dições para aglomeração destacadas na li-teratura comentada anteriormente, comas especificidades de ser especializadoem serviços de atenção à saúde. Essa es-pecialização particular parece não invali-dar a possibilidade de que um cluster possase formar, tanto no segmento específicoestudado quanto em outros de prestaçãode serviços. Na verdade, alguns movi-mentos e características do caso aqui ex-posto permitem que se possa continuardefendendo a idéia de formação desse ti-po de cluster, mesmo que apresentandoespecificidades inerentes às atividades ter-ciárias, conforme segue.

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Cluster de serviços: contribuições conceituais com base em evidências do pólo médico do Recife38

21 Entre os pontos fracos,foram mencionadas aadministração familiar, quedificultaria a tomada dedecisões, e a concentração deatividades na Ilha do Leite,que dificulta o acesso depacientes de bairros maisdistantes aos hospitais maioresem situações de emergência.22 O Porto Digital é umainstituição fomentada pelogoverno de Pernambuco eoutras entidades públicas eprivadas para estimular umcluster de serviços deinformática no bairro doRecife Antigo.

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Por outro lado, reconhecemos quea ausência de condições de inovaçãoem rede, cooperação e interação sinérgi-ca entre seus participantes, se de um ladolhe retiram oportunidades de competiti-vidade e dinamização, afetando sua traje-tória tecnológica e seu próprio desenvol-vimento, de outro, parecem não impedircompletamente o processo de clusteriza-

ção. Trata-se, porém, de um cluster especí-fico de formação socioeconômica menosdesenvolvida, em que são freqüentes con-flitos entre os diversos segmentos, a po-larização social repercute negativamentesobre a formação da mão-de-obra espe-cializada, especialmente a de nível médio,e a natureza subordinada da dinâmicamonetária e tecnológica limita a articula-ção com instituições de ensino e pesquisae demais instituições públicas e privadas,o que poderia fortalecer e ampliar a cadeiade valor ali localizada. Senão vejamos.

A condição de transportabilidade,conforme tratado anteriormente, no ca-so de segmentos do terciário traduz-seno deslocamento dos consumidores decentros mais distantes para ser atendidosnas aglomerações metropolitanas. Nessecaso, o PMR sofre a concorrência de ou-tros centros urbanos nordestinos, ondeaos poucos vai se desenvolvendo a pres-tação de serviços de saúde, mas tem um

raio de influência razoável no Nordeste,notadamente em algumas especialidades,como cardiologia, oftalmologia e em ou-tros procedimentos que levam à obten-ção de diagnósticos com base nos equi-pamentos sofisticados e na competênciade seus especialistas.

Esse ponto, contudo, está a mere-cer atenção especial dos agentes do Pólo,uma vez que sua competitividade estácondicionada, entre outros aspectos, àcapacidade de seus agentes desenvolve-rem uma política de formação de especi-alistas de modo a torná-lo um centro dereferência no Nordeste em determinadasespecialidades. O deslocamento de gran-des distâncias só se justifica pela obten-ção de serviços de alta qualidade compa-rativamente àqueles prestados em outroscentros regionais mais próximos do paci-ente, especialmente em situação de cus-tos decrescentes de transporte. Isso por-que as grandes distâncias em direção aoscentros mais especializados do País sãominimizadas, reduzindo o fluxo intra-re-gional. A capacidade do PMR de atrairpacientes de número mais expressivo delocalidades da região, inclusive aquelesenviados por médicos que tenham de-senvolvido sua formação no Recife, con-forme sugere Sicsú (2004), decorre, as-sim, de constante qualificação de especia-

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listas, em particular, e da mão-de-obraempregada no setor, em geral. Por outrolado, a mencionada concorrência comoutros centros regionais tem levado asempresas do Recife a investir em novosequipamentos e a tentar se distinguir dosconcorrentes nos segmentos onde as es-calas mínimas se impõem, embora essaconcorrência não seja o único móvel detais investimentos.

Com respeito à condição de diver-sidade de competências e fracionamentode atividades, essa pode ser identificadacom maior facilidade no PMR. Isso por-que o Pólo exibe, como vimos, várias es-pecialidades médicas em diversas unida-des de saúde e em níveis diferenciados dequalificação, além de estar aos poucosampliando a divisão de trabalho com osurgimento de empresas especializadasem tarefas auxiliares do processo de pres-tação de serviços. Aqui se inserem tantoatividades que deixam de ser desenvol-vidas nos hospitais e passam a ser tercei-rizadas (lavanderias e fornecimento derefeições, por exemplo) quanto outras li-gadas aos procedimentos de saúde quevêm agregando novos profissionais e es-pecialistas, os chamados profissionais pa-ra-médicos e até mesmo outras comotransportes, alojamentos, limpeza e higi-enização e manutenção de equipamen-

tos, entre outras. A continuidade desseprocesso de divisão de trabalho tenderá acontribuir para redução de custos e me-lhoria da qualidade geral do atendimentoprestado aos pacientes. Essa diversifica-ção, contudo, não vem sendo acompa-nhada dos mecanismos de coordenaçãonecessários para minimizar os conflitosinerentes a uma cadeia de valor longa eespecialmente assimétrica como essa. Asestratégias de coordenação observadassão bastante incipientes ou exógenas, co-mo aquela exercida pela Agência Nacio-nal de Saúde, que tem contribuído paraatenuar os conflitos nas relações entreplanos de saúde e seus usuários e entreaqueles e os prestadores de serviços.

Pelos depoimentos coletados nasentrevistas, pode-se dizer que há no PMRmanifestações da condição de adaptaçãoà volatilidade do mercado. Afora as óbvi-as adaptações ante os reveses de mercadomanifestadas no fechamento de algumasunidades, observam-se também desloca-mentos de algumas unidades para bairrosde periferia ou para o de Boa Viagem,ponto de concentração de população derenda mais elevada, havendo também aabertura de clínicas populares, para atrairclientes de renda mais baixa fora do mer-cado de planos de saúde. Outros movi-mentos de adaptação detectados com-

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preendem a organização, por iniciativade hospitais de médio porte, de uma cen-tral de compras com o objetivo de redu-zir custos de aquisição de insumos, ou aimplantação de clínicas e ambulatóriospor parte de empresários que contratamos profissionais de saúde para prestar ser-viços, principalmente consultas e exames,ou ainda a política de algumas unidadeshospitalares maiores de atrair médicosmais conceituados para instalar consul-tórios no interior de suas dependências,objetivando com isso garantir reciproci-dade em termos de realização de examesou encaminhamentos para execução deprocedimentos que exigem hospitaliza-ção. Trata-se, entretanto, de adaptaçõesde caráter reativo, incapazes de determi-nar novas estratégias tecnológicas e em-presariais; isso mostra as limitações ino-vadoras do PMR, o que já era sugerido nadiscussão conceitual feita anteriormente.

Tal condição de inovação comopré-requisito para aglomeração, contudo,merece algumas considerações. Conformejá adiantado, as grandes variações entreos segmentos do setor terciário refletemas diferentes capacidades de inovação exis-tentes no setor de saúde, e, portanto, deresposta às vantagens de aglomeração de-terminadas pela inovação em rede. En-quanto o segmento de clínicas de diag-

nóstico constitui-se preponderantemen-te de usuários de inovação desenvolvidapor outros setores de atividade, o que fazdele um segmento de baixa capacidadede inovação, mesmo de processo, o seg-mento de hospitais pode estimular a ino-vação em termos de procedimentos mé-dicos e no processo de trabalho e gestãoda atividade como um todo, apesar de sertambém um usuário de inovação produzi-da por terceiros. Já no segmento de planose seguros de saúde, a inovação consiste ba-sicamente na identificação de produtosque permitam a ampliação do leque declientes considerando coberturas e faixasde renda, e na racionalização de gastosoperacionais. Trata-se, assim, de um se-tor em que não se pode dizer que o con-teúdo da inovação represente nem o mes-mo dinamismo, nem que desempenhepapel relevante para todos os segmentosda aglomeração. No caso específico deuma formação socioeconômica tardia co-mo essa em que está estabelecido o PMR,fica evidente a baixa importância da ino-vação como fator de aglomeração especi-almente em alguns segmentos. A estraté-gia tecnológica adotada foi a de aquisiçãode equipamentos e adoção de procedi-mentos em sua maioria desenvolvidosem outros centros do País ou do exterior,muitos dos quais inconsistentes com a

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estrutura de renda e com o contexto ma-croeconômico ali prevalecentes.

Mesmo assim, existem sinais dealgum esforço de superação ao menosde parte de tais limitações, possivelmenteassociados à base de ciência e tecnologiaconstituída no Recife. Há ali razoáveiscompetências tecnológicas acumuladas nasuniversidades e nos institutos de pesqui-sa locais nas áreas de biologia, física, en-genharias e informática capazes de de-senvolver produtos específicos para usonas unidades de saúde. De certo envoltaem severas dificuldades, essa competên-cia parece estar se traduzindo na criaçãode empresas produtoras de tecnologiadesenvolvida localmente, que têm o PMRcomo seu mercado, mas que vão além de-le e vendem para outros centros do País.Embora ainda incipiente, essa interaçãocom os institutos de pesquisa já é percep-tível e tende a se ampliar particularmenteno caso da área de computação, com ageneralização do uso de aplicativos demicroinformática. Por outro lado, obser-va-se também por parte das universida-des e de alguns de seus grupos de pesqui-sa maior interesse em interagir com oPólo Médico, seja na área de formação deprofissionais mais dirigidos às várias áre-as e especializações médicas, seja no de-senvolvimento de outros produtos, pro-

cedimentos ou competências para suportee manutenção de equipamentos adquiri-dos de fornecedores externos.23

6_ Considerações finaisAo longo deste trabalho fizemos um esfor-ço conceitual para melhor compreendero fenômeno da clusterização, destacandosuas condições necessárias (divisibilida-de do processo produtivo com massa crí-tica e transportabilidade do produto) esuficientes (cadeia longa de valor, diver-sidade e complementaridade de compe-tências, adaptação flexível à volatilidadedo mercado e inovação em rede). Realça-mos o papel da inovação em rede comoelemento aglomerativo, em que a abertu-ra à concorrência externa e a difusão doconhecimento, tácito e codificado, jo-gam um papel preponderante, enquantoa cooperação e a coordenação entre agen-tes da cadeia de valor são elementos estra-tégicos e imprescindíveis ao pleno aprovei-tamento das vantagens de aglomeração.

O estudo de caso do Pólo Médicodo Recife permitiu observar que, além deaspectos relativos às especificidades domercado do setor terciário, a divisão detrabalho e a natureza própria da distribui-ção espacial das atividades de prestaçãode serviços são fatores fundamentais pa-

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23 A UFPE, por exemplo,acaba de criar um curso degraduação em EngenhariaBiomédica, reunindoconhecimentos de medicina,biologia, eletrônica,informática e física, entreoutros. Entre os objetivos docurso, estão a formação depessoal qualificado e odesenvolvimento de pesquisasfocadas nos problemastecnológicos do Pólo Médico,além da prestação de serviçosdiversos na área tecnológica.Com isso pode vir a serreduzida outra lacunaobservada atualmente, ou seja,o relativo isolamentointramuros dos grupos depesquisa das universidades,que têm também suacontrapartida no segmentoempresarial que até aquipouco pela interaçãocom a Universidade.

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ra a compreensão de tais agrupamentosde firmas. De um lado, a evolução do clus-

ter de serviços está associada à capacida-de de articular-se de forma sistemáticacom elos de outros segmentos do setorde serviços e com outros setores de suacadeia de valor, especialmente o setor in-dustrial, extrapolando os limites do ter-ciário. De outro lado, o terciário apresen-ta distribuição espacial particular a cadasegmento, concentrada nos níveis maisaltos da rede urbana, o que impõe exi-gências de proximidade entre clientes efornecedores com repercussões relevan-tes para a eficiência das firmas e a com-petitividade geral do conjunto. Essa es-pacialidade pode bloquear a abertura docluster à concorrência externa e, portanto,limitar sua capacidade de reação a mudan-ças de paradigma, de constante aprendiza-gem e de identificação de fragilidades de-correntes de processos e culturas locaisque dificultam o progresso técnico e tra-jetórias de desenvolvimento mais consis-tentes. Conseqüentemente, as condiçõespara a concentração espacial de firmas doterciário apresentam características pró-prias ao setor, indicando a ocorrência dedeterminações específicas na formação ena evolução de clusters de serviços.

O exame dessas características per-mite inferir que a noção de cluster é aplicá-

vel ao setor de serviços, desde que seatente para atributos particulares de cadaum dos seus segmentos. Aqui, há que seter em conta a tendência centrípeta deatividades terciárias em centros urbanos,onde as economias externas se impõemcomo fator locacional pelos requerimen-tos de escalas mínimas, mas também demaior intensidade de conhecimento equalificação de mão-de-obra. A não-ob-servância desses fatores contribui pararestringir a clusterização em alguns seg-mentos de serviços. No caso dos servi-ços de saúde, a concentração locacionalcom maior densidade é dependente deescalas mínimas atingíveis em centrosmaiores, mas esse é um dos casos em queocorrem as condições gerais de aglome-ração, como divisibilidade e volatilidadedo mercado. Esta última condição, entre-tanto, nem sempre é atendida, ou é aten-dida em parte, em países menos desen-volvidos, já que os padrões tecnológicosdo setor e os protocolos médicos são de-terminados nos países ou regiões maisavançados. A condição de transportabili-dade, por outro lado, não é facilmenteverificável no terciário e particularmentena atenção à saúde. Devemos ainda lem-brar que são variadas também as possibi-lidades de integração da cadeia de saúdecom instituições de apoio e setores in-

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dustriais, o que, sendo aproveitado, podeelevar as probabilidades de evolução declusters na área.

Todavia, pode-se concluir tambémque a ausência ou menor influência dainovação em rede não inviabiliza a aplica-ção do conceito ao setor terciário, masrequer sua qualificação. As condições es-pecíficas de uma formação socioeconô-mica tardia tendem a restringir a “evolu-ção” do cluster de serviços e ainda assim épossível se observar nele elementos aglo-merativos que mobilizam os agentes eco-nômicos a se concentrarem territorial-mente. Esses estão associados à reduçãode custos de transação, aí incluídos me-canismos de circulação de informaçãoentre os membros da aglomeração.

A natureza dinâmica do processoinovador se traduz na constituição de com-petências tecnológicas pelas empresas pormeio de um processo que envolve apren-dizado e acumulação de conhecimentos,que encontram barreiras significativas nasestruturas da economia e da sociedade.Assim, a inovação mais observada noPMR resulta da introdução de modelos eequipamentos importados dissociada deavaliação de oportunidade. São evidentesos indícios de subordinação a determina-ções externas, investimentos equivoca-dos, redução de taxa de retorno, ociosi-

dade de investimento realizado e concor-rência predatória, apesar da existência dealguns casos de cooperação e articulaçãocom a base local de C&T. Isso porqueinterações e propósitos estritamente co-merciais e de curto prazo, relacionados apadrões rentistas historicamente atuantesna sociedade local, combinados com abusca por redução de custos e baixo prê-mio à inovação, são inegavelmente fatoresmotivadores da configuração do PMR.

Por isso, tomando como referênciao PMR, avaliamos que os desafios impos-tos para clusters em economias retardatá-rias – sejam do setor secundário, sejamdo setor terciário – são muito elevados.Nada trivial, por exemplo, é construirnessas economias competências para re-agir com inovação às mudanças inerentesaos mercados voláteis, propensos a crisescíclicas, em que a concorrência é baseadaem tempo de resposta a desafios (time sen-

sitive markets), bem como prestar atençãoa mudanças de trajetória tecnológica (deprocesso e produto) e se qualificar paraalcançá-las de forma sustentável.

Mais ainda, se é verdadeiro que amotivação para extrapolar a simples proxi-midade geográfica depende do reconhe-cimento da inovação como componentecentral da aglomeração de serviços, dafirma individualmente e do conjunto, é

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fundamental reconhecer que suas possi-bilidades de evolução estão associadas adois outros desafios. O primeiro é a su-peração de eventuais resistências cultu-rais locais que desprezem bloqueios aosprocessos inovador (ausência ou limita-ção dos mecanismos de cooperação e co-ordenação, grandes disparidades de ren-da e educação, concorrência predatória).Superar tais resistências pode desencade-ar a construção de visão de conjunto, quenão é apenas a soma das partes compo-nentes, mas a base para a redução da assi-metria entre essas e para a promoção dasexternalidades positivas e da interaçãoentre as competências distintas e com-plementares presentes na cadeia de va-lor. O segundo é a abertura à concorrên-cia externa e a interações com outros se-tores e segmentos da cadeia de valor pa-ra além dos segmentos do terciário queconstituem seu núcleo duro original, es-teja ele localizado em economias mais oumenos desenvolvidas.

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Os autores agradecem os

comentários de Mauro Rocha

Côrtes e Marcelo Pinho e o

apoio da FINEP.

E-mail de contato da autora:

[email protected]