CLUSTER é Estratégia Para a Competitividade

8
CLUSTER é estratégia para a competitividade Cresce no Brasil a divulgação da metodologia de gestão que articula empresas e organizações de uma mesma região para o desenvolvimento do segmento turístico Fernando Porto Concentração geográfica de empresas de um mesmo setor de atividade e organizações correlatas – como fornecedores de insumos e serviços, instituições culturais e de ensino, associações de classe – que competem, mas também cooperam entre si. A definição de cluster, do especialista norte-americano Michael Porter, resume a essência dessa metodologia de gestão adotada com sucesso por diferentes setores da economia e em diversos países. Porém, é necessário conhecer alguns de seus melhores exemplos para se ter a noção exata dos surpreendentes resultados. Para começar, a evolução do cluster não envolve apenas as empresas do setor em questão, mas sim um agrupamento de atores empresariais e institucionais de segmentos distintos. Outro fato importante, destacado na definição de Porter, é a união de empresas concorrentes para um bem comum, que continuam disputando o mesmo mercado, mas que cooperam em metas que trazem ganhos mútuos – como por exemplo, a participação em feiras, o compartilhamento de fretes etc. –, aumentando a produtividade das empresas sediadas na região e estimulando a formação de novos negócios para fortalecimento do cluster. Segundo Porter, apesar de os clusters existirem como conceito há centenas de anos, eles se tornaram essenciais e muito mais abrangentes no século 21, abrigando não somente grupos de indústria, mas também as empresas de serviços e até universidades. Essa fórmula consistente de crescimento “localizado” chamou a atenção da Organização Mundial de Turismo (OMT), que encomendou estudos a Michael Porter para que o setor quebrasse os paradigmas e permitisse uma visão compartilhada de futuro entre concorrentes, tendo a parceria certa com o poder público. Os estudos da empresa de Porter, a Monitor Group,

description

aula de Estratégia de negócio

Transcript of CLUSTER é Estratégia Para a Competitividade

Page 1: CLUSTER é Estratégia Para a Competitividade

CLUSTER é estratégia para a competitividade

Cresce no Brasil a divulgação da metodologia de gestão que articula empresas e organizações de uma mesma região para o desenvolvimento do segmento turístico

Fernando Porto

Concentração geográfica de empresas de um mesmo setor de atividade e organizações correlatas – como fornecedores de insumos e serviços, instituições culturais e de ensino, associações de classe – que competem, mas também cooperam entre si. A definição de cluster, do especialista norte-americano Michael Porter, resume a essência dessa metodologia de gestão adotada com sucesso por diferentes setores da economia e em diversos países. Porém, é necessário conhecer alguns de seus melhores exemplos para se ter a noção exata dos surpreendentes resultados.

Para começar, a evolução do cluster não envolve apenas as empresas do setor em questão, mas sim um agrupamento de atores empresariais e institucionais de segmentos distintos. Outro fato importante, destacado na definição de Porter, é a união de empresas concorrentes para um bem comum, que continuam disputando o mesmo mercado, mas que cooperam em metas que trazem ganhos mútuos – como por exemplo, a participação em feiras, o compartilhamento de fretes etc. –, aumentando a produtividade das empresas sediadas na região e estimulando a formação de novos negócios para fortalecimento do cluster.

Segundo Porter, apesar de os clusters existirem como conceito há centenas de anos, eles se tornaram essenciais e muito mais abrangentes no século 21, abrigando não somente grupos de indústria, mas também as empresas de serviços e até universidades. Essa fórmula consistente de crescimento “localizado” chamou a atenção da Organização Mundial de Turismo (OMT), que encomendou estudos a Michael Porter para que o setor quebrasse os paradigmas e permitisse uma visão compartilhada de futuro entre concorrentes, tendo a parceria certa com o poder público. Os estudos da empresa de Porter, a Monitor Group, despertaram o interesse do governo da Bahia, pioneira na criação do primeiro cluster turístico em 2002, com supervisão direta dessa famosa empresa de consultoria internacional.

E se a terra de Jorge Amado já era assunto na mídia quando se falava de turismo, passou a ser modelo exemplar desse revolucionário planejamento estratégico, que defende um desenvolvimento auto-sustentável das regiões e com o sonho de uma governabilidade desatrelada de partidos e acordos políticos.

Utopia? A experiência na Bahia comprova que não, a partir de seus primeiros anos de atividade. Esse primeiro modelo, o Cluster de Entretenimento, Cultura e Turismo da Bahia, está sediado em Salvador e iniciou sua operação a partir da criação de uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). Ela reúne empresas e entidades ligadas aos setores de turismo (Accor, Odebrecht, CVC, Superclubs, TAM, faculdades, entre outras), cultura e entretenimento (Rede Globo, Banda Eva, etc.), além dos setores governamentais afins do estado e da capital.

“As associações do trade turístico baiano só defendiam os interesses próprios da categoria. Resolvemos, então, trabalhar juntos para um planejamento das estratégias do setor para os próximos anos”, explica o vice-presidente do cluster baiano, Xavier

Page 2: CLUSTER é Estratégia Para a Competitividade

Veciana, que também é diretor-geral do resort SuperClubs.

Veciana, um entusiasta do cluster, já acompanhou modelos semelhantes de associativismo em países como Tailândia, Canadá, Áustria e Grécia, “que não adotaram o nome de cluster, mas são em geral uma cooperação público-privada”. O empresário conta que o projeto inicial, idealizado a partir do estudo da Monitor Group para o governo baiano, teve de ser modificado, diante do tamanho do estado e da diversidade de atrações, e o cluster passou a priorizar as ações para a região da capital, Salvador. “A vantagem do cluster é que ele pode ser criado até por microrregiões. Por essa razão, reunimos primeiramente as lideranças de Salvador, mas estamos criando clusters na Costa dos Coqueiros (litoral norte da Bahia) e na Costa do Cacau (região de Itacaré)”, conta o empresário.

“É bem diferente do conceito de convention bureaux, que foca em um único segmento para desenvolver e promover grandes convenções na cidade e podendo até promover a cidade como um todo. Já o cluster não é uma entidade que tem uma atividade concreta de promoção; é um aglutinador multiplicador. É um fórum de interação”, compara o empresário, lembrando a participação de empresas de teatro e música, como contraponto.

Na necessidade de um vôo charter, exemplifica Veciana, para divulgar um show musical em Salvador para estrangeiros, o desenvolvimento do produto é mais rápido do que em qualquer outro modelo de gestão empresarial, já que a tomada de decisão é imediata na reunião de empresas e entidades de interesse direto. A estrutura de comando do cluster é também mais enxuta, reduzida. “Ele é multifuncional, multiempresarial e multiprofissional e todos têm uma cota anual de participação. O importante é ter como presidente uma pessoa emblemática. Temos também executivos – não um conselho superior, mas pessoas com forte mobilização política. E há necessidade ainda de um diretor executivo fazedor, realizador”, detalha Veciana.

A estratégia do cluster envolve o desenvolvimento simultâneo dos quatro pilares fundamentais, conhecidos pela sigla AMPG (atratividade, marketing, produtividade e gestão). Veciana salienta que, a partir do momento em que a concorrência internacional cresce no turismo, é indispensável que cada microrregião possa competir no mundo globalizado.

“Com a criação dos clusters locais, a aprendizagem das novas metodologias e tecnologias é acelerada para as micro e pequenas empresas, que são mais de 90% do setor”, acrescenta Veciana. Essas microempresas diretamente envolvidas, de acordo com Veciana, estão dentro do cronograma do cluster até se formarem como DMC (Destination Management Companies) – papel que corresponderia às empresas da cadeia de receptivo (transporte local, tour com guias, operadoras de mergulho etc.). Para ele, as DMCs são fundamentais para a cadeia produtiva, “mas precisam ser capacitadas para oferecer um serviço de alta qualidade e experiências inesquecíveis para o cliente”.

O vice-presidente do Cluster da Bahia frisa que a microempresa de serviços turísticos só vai atingir uma autêntica classificação como DMC a partir dos programas de competitividade, oferecendo capacitação e educação.

Page 3: CLUSTER é Estratégia Para a Competitividade

Instituições como o Instituto de Hospitalidade são exemplos desses formadores de um programa de competitividade para que as estruturas dessas microempresas obtenham tecnologias competitivas. “O meio mais rápido e eficiente é buscar know-how para essas empresas nos lugares mais avançados do planeta em turismo. Uma das DMCs mais competitivas do mundo em ecoturismo, por exemplo, está na Nova Zelândia, onde devemos buscar as tecnologias para utilizá-las nas microempresas brasileiras”, acrescenta o empresário.

Outra vantagem do cluster é participar de programas da rede mundial. Com esse objetivo, o cluster baiano vem promovendo visitas técnicas de missões empresariais às cidades-modelo, como por exemplo Barcelona – onde foram firmados convênios entre empresas privadas da Bahia e empresas espanholas. É também nessa bela cidade espanhola que está a empresa com o modelo mais sonhado para o Brasil: a Turisme de Barcelona. Trata-se de uma instituição classificada como DMO (Destination Management Organization), que tem sociedade anônima com capital misto público-privado e gera recursos próprios.

Na definição técnica, as DMOs são organismos oficiais de divulgação e venda de um destino turístico, associados a fornecedores locais e distribuidores diversos, que visam a desenvolver uma marca para o destino, maximizando os benefícios para a comunidade para atrair e cuidar dos visitantes. “Espero que um dia tenhamos as DMOs. O Brasil tem uma estrutura muito estatal, com muitas secretarias de turismo. O desafio será quando o poder público se convencer de que uma entidade, como a Bahiatursa, deve se converter em uma instituição verdadeiramente público-privada e apolítica, somente executiva”, observa Veciana.

Se o modelo de DMO está longe da realidade brasileira, por causa dos óbvios interesses políticos, a criação do cluster foi aprovada com louvor pelo governo baiano. “A ligação entre turismo e cultura aumentou a produtividade do ‘produto Bahia’. Esperamos o mesmo sucesso no cluster da Costa dos Coqueiros e na do Cacau”, afirma Érico Pina Mendonça, superintendente de Investimentos em Pólos Turísticos da Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia. “A força dessa idéia é que o governo não deve ser provedor, mas sim apoiador do turismo. E é o setor privado quem deve assumir o papel de condutor de desenvolvimento”, complementa.

O Instituto de Hospitalidade, reconhecido nacionalmente pelos programas de capacitação, participa ativamente da estratégia. “Assim como o cluster de Salvador, o IH participa dos projetos da Costa dos Coqueiros, de Porto de Galinhas e de organizações com outros nomes, como os arranjos produtivos locais e os COMTURs (conselhos municipais de turismo). Na verdade, o que importa não é o nome, mas sim a governança. E a qualidade desta última é que beneficiará o conjunto de atores com a

criação de condições educacionais, técnicas, econômicas e comerciais favoráveis”, explica o diretor do IH, Luiz Felipe da Cruz.

O sucesso dos clusters baianos já começa a ser adotado pelo estado vizinho, Pernambuco, com o primeiro modelo criado há um ano em Porto de Galinhas, sob consultoria da empresa espanhola THR, especializada no setor de turismo e lazer e

Page 4: CLUSTER é Estratégia Para a Competitividade

responsável pela reestruturação da Costa do Sauípe. “A diferença é que estamos no caminho inverso da Bahia. Partimos de uma pequena região e já estamos sendo procurados para uma política estadual. Isso é possível porque o litoral pernambucano é menor que o baiano”, afirma o publicitário Bruno Rêgo, diretor executivo da OSCIP criada para o famoso destino, a 50 quilômetros da capital pernambucana.

Apesar da rivalidade turística entre os estados, Rêgo conta que a troca de informações com os dirigentes dos clusters baianos é constante. “Se acabássemos com o provincianismo, poderíamos compartilhar mais informações e, quem sabe, formar no Nordeste a Riviera Tropical Atlântica, idealizada por Xavier Veciana”, acrescenta. O cluster de Porto de Galinhas, composto por cerca de 30 empresas (a maior parte hotéis), sofre pela falta de recursos de um dos principais parceiros – o estado – , mas vem colocando o programa em ação por intermédio de soluções criativas, como o inédito Programa de Reciprocidade e Patrocínio, que garante apoio das empresas aos programas de saúde e preservação ambiental.

César Souza, ex-diretor da Monitor e responsável pela execução do primeiro cluster baiano, acredita que o cluster turístico na Bahia teve como diferencial a intensa participação das pessoas envolvidas. “Os representantes das empresas privadas e os representantes dos órgãos governamentais se dedicaram de corpo e alma e transformaram o assunto numa causa e não apenas num projeto. Isso explica o sucesso na implantação do cluster na Bahia.”

Em relação a outros modelos de gestão, César Souza elogia um modelo semelhante, o chamado Arranjo Produtivo Local (APL), que vem sendo desenvolvido com sucesso em Bonito (MS). “É um belo exemplo de um APL e é um cluster embrionário, mas que precisaria ainda se institucionalizar. Não quer dizer que Bonito necessite ter uma OSCIP – que é apenas uma das formas de institucionalizar –, porém falta tomar corpo, ter o setor público e privado mais juntos e uma certa independência financeira para viabilizar promoções”, analisa Souza, dono da consultoria Empreenda.

BONITO: organização espontânea de empresários criou destino modeloToda a cadeia produtiva do turismo de Bonito gira em torno dos atrativos – em torno de 200 empreendimentos. O que torna o município um fenômeno a ser estudado é que a mobilização dos segmentos produtivos – principalmente o empresarial – ocorreu inicialmente de forma espontânea, criando associações para garantir o controle ambiental da região e evitar o turismo predatório. O COMTUR (Conselho Municipal de Turismo) surgiu então para manter o fórum permanente de discussão entre essa comunidade e o poder público.

Uma das grandes iniciativas do empresariado local foi a criação do voucher unificado obrigatório, que permite obter uma estatística precisa de visitação a todas as atrações e garante o controle ambiental da região. Assim, o turista só pode visitar a atração por meio das agências credenciadas e com guias capacitados. Caravanas estaduais chegam ao município, trazendo empresários e autoridades públicas, para conhecer o modelo de gestão turística.

Page 5: CLUSTER é Estratégia Para a Competitividade

No entanto, mesmo apresentando um dos conselhos municipais mais independentes e ativos do país, empresários fazem ressalvas ao COMTUR local. “O Conselho funcionava bem, mas está desgastado. Muitos integrantes firmam acordos e não os cumprem”, afirma Eduardo Coelho, uma das principais lideranças empresariais turísticas do município.

Pecuarista e fundador da ONG ambiental Instituto das Águas da Serra da Bodoquena, Coelho acredita que a solução para transformar Bonito – um arranjo produtivo local – em um cluster seria ter uma instituição nos moldes da OSCIP. “Apesar de termos uma infra-estrutura organizada, precisamos de uma instituição que una mais a cadeia produtiva, como no cluster. A Fundação Cândido Rondon, ligada às universidades, poderia nos ajudar nesse sentido, pois já montou cadeias produtivas de outros segmentos”, sugere o empresário.