Codigo de Direito Canonico Versao Portuguesa

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  • CDIGODE

    DIREITO CANNICO

  • CDIGODE

    DIREITO CANNICOPROMULGADO POR S.S.

    O PAPA JOO PAULO II

    VERSO PORTUGUESA

    4 edio revista

    CONFERNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA LISBOA

    EDITORIAL APOSTOLADO DA ORAO BRAGA

  • Verso portuguesa de Antnio Leite, S.J., revista por D. Sera-fim Ferreira e Silva, Samuel S. Rodrigues, V. Melcias Lopes, O.F.M., e Manuel Lus Marques, O.F.M.

    A ningum permitido reimprimir este Cdigo ou traduzi-lo em outra lngua sem licena da Santa S. Proibida tambm a reproduo, mesmo parcial, da verso portuguesa, sem autori-zao da Conferncia Episcopal Portuguesa.

    Verso portuguesa: Copyright by Conferncia Episcopal Portuguesa, Lisboa, 1983

    _______________________________

    SECRETARIADO NACIONAL DO APOSTOLADO DA ORAO

    Largo das Teresinhas, 5 4719 BRAGA CODEX (Portugal)

    Tel.: 253 201 220; Fax: 253 201 221

    __________________________

    ISBN 978-972-39-0098-9; Dep. Legal n 74.071/95

  • CONSTITUIO APOSTLICA

    SACRAE DISCIPLINAE LEGES

    DE PROMULGAO

    DO CDIGO DE DIREITO CANNICO

    (25.1. 1983)

    AOS VENERVEIS IRMOS

    CARDEAIS, ARCEBISPOS, BISPOS,

    PRESBTEROS, DICONOS

    E AOS OUTROS MEMBROS

    DO POVO DE DEUS

    JOO PAULO BISPOSERVO DOS SERVOS DE DEUS

    PARA PERPTUA MEMRIA

    AS LEIS DA DISCIPLINA SAGRADA teve a Igreja Catlica, no decurso dos sculos, o costume de as reformar e renovar para que, conservando sempre a fideli-dade ao seu divino Fundador, correspondessem adequadamente misso salvfica que lhe foi confiada. Movidos por este mesmo propsito e satisfazendo finalmente a expectativa de todo o orbe catlico, determinamos neste dia, 25 de Janeiro de 1983, a publicao do Cdigo de Direito Cannico j revisto. Ao faz-lo, o Nosso pensamento volta-se para o mesmo dia do ano 1959, quando o Nosso Predecessor Joo XXIII, de feliz memria, anunciou pela primeira vez ter decidido a reforma do Corpus vigente das leis cannicas, que tinha sido promulgado na solenidade de Pentecostes do ano 1917.

  • VIII Cdigo de Direito Cannico IXConstituio Apostlica Sacrae Disciplinae Leges

    Esta deciso da renovao do Cdigo foi tomada com outras duas, das quais aquele Pontfice falou nesse mesmo dia, que se referiam inteno de realizar o Snodo da diocese de Roma e de convocar o Conclio Ecumnico. Destes dois factos, embora o primeiro no tenha estreita relao com a reforma do Cdigo, o segundo porm, isto o Conclio, tem suma importncia para a nossa matria e est estreitamente ligado com a sua substncia.

    E, se perguntarmos a razo por que Joo XXIII sentiu a necessidade de reformar o Cdigo em vigor, a resposta talvez se encontre no mesmo Cdigo, promulgado em 1917. Contudo, existe tambm outra resposta e a principal: a saber, a reforma do Cdigo de Direito Cannico parecia ser vivamente pedida e desejada pelo prprio Conclio, que voltara principalmente toda a sua ateno para a Igreja.

    Como evidente, quando pela primeira vez foi anunciada a reviso do Cdigo, o Conclio era um empreendimento que pertencia totalmente ao futuro. Acresce que os actos do seu Magistrio e, principalmente, a sua doutrina sobre a Igreja se completariam nos anos 1962-1965. Todavia, no h ningum que no veja que a intuio de Joo XXIII foi muito verdadeira, e com razo deve dizer-se que a sua deciso divisou longe o bem da Igreja.

    Por isso, o novo Cdigo, que hoje publicado, exigiu necessariamente o trabalho prvio do Conclio; e embora tenha sido anunciado juntamente com o Conclio, vem contudo no tempo depois dele, pois os trabalhos empreendidos para o preparar, j que deviam basear-se no Conclio, no podiam ter incio a no ser depois da sua concluso.

    Voltando hoje o pensamento para o incio do longo caminho, isto , para aquele dia 25 de Janeiro de 1959, e para o prprio Joo XXIII, promotor da reviso do Cdigo, devemos reconhecer que este Cdigo surgiu de uma nica e mesma inten-o, que era a de restaurar a vida crist. De tal inteno, de facto, toda a obra do Conclio tirou as suas normas e a sua orientao.

    Se agora passarmos a considerar a natureza dos trabalhos, que precederam a promulgao do Cdigo, como tambm a maneira como foram conduzidos, espe-cialmente durante os Pontificados de Paulo VI e de Joo Paulo I, e depois at ao dia de hoje, importa muito ressaltar que tais trabalhos foram levados a bom termo num esprito marcadamente colegial; e isto no s quanto redaco material da obra, mas tambm quanto substncia das leis elaboradas.

    De facto, esta nota de colegialidade, pela qual se distingue eminentemente o processo de origem do presente Cdigo, est perfeitamente de acordo com o

  • VIII Cdigo de Direito Cannico IXConstituio Apostlica Sacrae Disciplinae Leges

    magistrio e a ndole do Conclio Vaticano II. Por isso, o Cdigo, no s pelo seu contedo, mas tambm j no seu nascimento manifesta o esprito deste Conclio, em cujos documentos a Igreja, sacramento universal da salvao (cfr. Const. Lumen Gentium, n.s 9 e 48) apresentada como Povo de Deus, e a sua constituio hierrquica aparece fundada no Colgio dos Bispos unido com a sua Cabea.

    Por este motivo pois os Bispos e os Episcopados foram convidados a prestar a sua colaborao na preparao do novo Cdigo, a fim de que, atravs de to longo caminho, com um mtodo o mais possvel colegial, pouco a pouco amadureces-sem as frmulas jurdicas, que, depois, deveriam servir para o uso de toda a Igreja. Em todas as fases dessa tarefa participaram nos trabalhos tambm peritos, isto , homens especializados na doutrina teolgica, na histria e sobretudo no direito cannico, que foram recrutados de todas as partes do mundo.

    A todos e a cada um deles desejamos hoje manifestar os sentimentos da Nossa viva gratido.

    Antes de mais, avultam aos Nossos olhos as figuras dos Cardeais falecidos, que presidiram Comisso preparatria: o Cardeal Pietro Ciriaci, que iniciou a obra, e o Cardeal Pricles Felici, que durante muitos anos orientou o prosseguimento dos trabalhos at quase ao fim. Pensamos, em seguida, nos Secretrios da mesma Co-misso: o Reverendssimo Monsenhor Tiago Violardo, depois Cardeal, e o Padre Raimundo Bidagor, da Companhia de Jesus, os quais prodigalizaram os dons da prpria doutrina e sabedoria no desempenho deste cargo. Juntamente com eles, re-cordamos os Cardeais, Arcebispos, Bispos e todos os que foram membros daquela Comisso, bem como os Consultores de cada um dos Grupos de estudo realizados nestes anos para trabalho to difcil, os quais entretanto foram chamados por Deus para receber a recompensa eterna. Por todos eles eleva-se a Deus a Nossa orao de sufrgio.

    Apraz-Nos, porm, recordar ainda as pessoas vivas, a comear pelo actual Pr-Presidente da Comisso, o Venervel Irmo D. Roslio Castillo Lara, que por longo tempo prestou excelentes servios num empreendimento de tanta responsabilidade; e, depois dele, o dilecto filho, Mons. Guilherme Onclin, cuja assiduidade e diligncia muito contriburam para a feliz concluso do trabalho, e todos os outros que nesta Comisso, quer como Membros Cardeais, quer como Oficiais, Consultores e Colaboradores nos vrios Grupos de estudo ou em outros departamentos, deram o seu melhor contributo para a elaborao e concluso de um trabalho de tanta grandeza e complexidade.

  • X Cdigo de Direito Cannico XIConstituio Apostlica Sacrae Disciplinae Leges

    Portanto, ao promulgar hoje o Cdigo, estamos plenamente cnscios de que este acto expresso da autoridade Pontifcia, e por isso se reveste de um carcter primacial. Mas estamos de igual modo cnscios de que este Cdigo, no que diz respeito matria, manifesta em si a solicitude colegial pela Igreja por parte de todos os Nossos Irmos no Episcopado; alm disso, por certa analogia com o Con-clio, o mesmo Cdigo deve ser considerado como o fruto de uma colaborao colegial, que surgiu de energias da parte de homens e instituies especializadas que, em toda a Igreja, se uniram num todo.

    Surge agora uma outra questo sobre a natureza do prprio Cdigo de Direito Cannico. Para responder devidamente a este pergunta, preciso recordar o anti-go patrimnio de direito contido nos livros do Antigo e do Novo Testamento, de onde provm, como da sua primeira fonte, toda a tradio jurdica e legislativa da Igreja.

    De facto, Cristo Senhor, no destruiu de modo algum a riqussima herana da Lei e dos Profetas, que pouco a pouco se formara pela histria e pela experincia do Povo de Deus no Antigo Testamento, mas deu-lhe cumprimento (cf. Mt 5, 17), de tal sorte que ela de modo novo e mais elevado comeou a fazer parte da herana do Novo Testamento. Embora So Paulo, ao expor o mistrio pascal, ensine que a justificao no se obtm pelas obras da Lei mas pela f (cfr. Rom 3, 28; cfr. Gl 2, 16), todavia, com isto no exclui a obrigatoriedade do Declogo (cfr. Rom 13, 8-10; Gl 5, 13-25; 6, 2), nem nega a importncia da disciplina na Igreja de Deus (cfr. 1 Cor cap. 5 e 6). Assim, os escritos do Novo Testamento permitem-nos compreender ainda mais esta mesma importncia da disciplina, e poder entender melhor os vnculos, que, de modo mais estreito, a ligam ndole salvfica do pr-prio anncio do Evangelho.

    Deste modo, bastante claro que o Cdigo de modo algum tem o objectivo de substituir a f, a graa, os carismas e principalmente a caridade na vida da Igreja ou dos fiis. Pelo contrrio, o seu fim antes o de criar tal ordem na sociedade eclesial que, atribuindo a primazia ao amor, graa e aos carismas, torne ao mes-mo tempo mais fcil o seu desenvolvimento ordenado na vida quer da sociedade eclesial, quer tambm de cada um dos homens que dela fazem parte.

    O Cdigo, como principal documento legislativo da Igreja, baseado na herana jurdica e legislativa da Revelao e da Tradio, deve considerar-se o instrumento indispensvel para assegurar a ordem tanto na vida individual e social, como na prpria actividade da Igreja. Por isso, alm de conter os elementos fundamentais da estrutura hierrquica e orgnica da Igreja, estabelecidos pelo seu Divino Fun-

  • X Cdigo de Direito Cannico XIConstituio Apostlica Sacrae Disciplinae Leges

    dador ou baseados na tradio apostlica ou na mais antiga tradio, e ainda as principais normas referentes ao exerccio do trplice mnus confiado prpria Igreja, deve o Cdigo definir tambm as regras e as normas de comportamento.

    Um instrumento, como o Cdigo, corresponde totalmente natureza da Igreja, sobretudo como proposta pelo magistrio do Conclio Vaticano II, consi-derado em geral, e de modo peculiar pela sua doutrina eclesiolgica. Mais ainda, de algum modo, este novo Cdigo pode ser entendido como um grande esforo de traduzir em linguagem cannica esta mesma doutrina, isto , a eclesiologia con-ciliar. Se no se pode fazer com que a imagem da Igreja descrita pela doutrina do Conclio seja perfeitamente traduzida em linguagem cannica, todavia o Cdigo deve ser sempre referido a esta mesma imagem como ao modelo primrio, cujos traos, dentro do possvel, deve por sua prpria natureza exprimir em si.

    Daqui derivam algumas normas fundamentais, pelas quais todo o novo Cdigo regulado, no mbito da sua matria prpria bem como da prpria linguagem, que est relacionada com esta matria.

    Mais ainda, pode afirmar-se que daqui tambm deriva aquela nota, pela qual o Cdigo considerado como complemento do magistrio proposto pelo Conclio Vaticano II, de modo peculiar no que diz respeito a duas Constituies, a saber, a dogmtica e a pastoral.

    Da se segue que aquela razo fundamental de novidade, que no se afastan-do nunca da tradio legislativa da Igreja, se encontra no Conclio Vaticano II, sobretudo no que se refere doutrina eclesiolgica, constitua tambm a razo de novidade no novo Cdigo.

    Contudo, de entre os elementos que exprimem a verdadeira e prpria imagem da Igreja, devem enumerar-se principalmente estes: a doutrina segundo a qual a Igreja proposta como Povo de Deus (cfr. Const. Lumen gentium, 2), e a autori-dade hierrquica como servio (ibid., 3); alm disso, a doutrina que apresenta a Igreja como comunho e que, por conseguinte, determina as relaes mtuas que devem existir entre a Igreja particular e a universal, e entre a colegialidade e o pri-mado; igualmente, a doutrina segundo a qual todos os membros do Povo de Deus, segundo o modo que participam no trplice mnus de Cristo, sacerdotal, proftico e real. A esta doutrina est ligada tambm a referente aos deveres e direitos dos fiis, e particularmente aos leigos; e, enfim, o empenho que a Igreja deve dedicar ao ecumenismo.

    Portanto, se o Conclio Vaticano II tirou do tesouro da Tradio elementos an-tigos e novos e a sua novidade consiste precisamente nestes e noutros elementos,

  • XII Cdigo de Direito Cannico XIIIConstituio Apostlica Sacrae Disciplinae Leges

    evidente que o Cdigo recebe em si a mesma nota de fidelidade na novidade e de novidade na fidelidade, e com ela se conforma no que diz respeito sua prpria matria e ao modo peculiar de se exprimir.

    O novo Cdigo de Direito Cannico publicado no momento em que os Bispos de toda a Igreja no s pedem a sua promulgao, mas a solicitam com insistncia e veemncia.

    De facto, o Cdigo de Direito Cannico absolutamente necessrio Igreja. J que ela tambm est constituda como um todo orgnico social e visvel, tem necessidade de normas, para que a sua estrutura hierrquica e orgnica se torne vi-svel, para que o exerccio das funes a ela divinamente confiadas, especialmente a do poder sagrado e a da administrao dos Sacramentos, possa ser devidamente organizado, para que as relaes mtuas dos fiis possam ser reguladas segundo a justia baseada na caridade, garantidos e bem definidos os direitos de cada um, e, enfim, para que as iniciativas comuns, assumidas para uma vida crist cada vez mais perfeita, sejam apoiadas, fortalecidas e promovidas mediante as normas ca-nnicas.

    Finalmente, as leis cannicas pela sua prpria natureza devem ser observadas; por isso foi usada a mxima diligncia, para que na longa preparao do Cdigo a expresso das normas fosse precisa e elas se apoiassem num slido fundamento jurdico, cannico e teolgico.

    Depois de todas estas consideraes, deve sem dvida augurar-se que a nova legislao cannica se torne um instrumento eficaz com que a Igreja possa aper-feioar-se de acordo com o esprito do Conclio Vaticano II, e mostrar-se cada vez mais capaz de cumprir neste mundo a sua misso salvfica.

    Apraz-nos com nimo confiante transmitir a todos estas Nossas consideraes, no momento em que promulgamos este Corpus principal de leis eclesisticas para toda a Igreja latina.

    Praza a Deus que a alegria e a paz a par da justia e obedincia recomendem este Cdigo, e o que for determinado pela cabea seja observado no corpo.

    Confiantes, portanto, no auxlio da graa divina, e apoiados na autoridade dos Santos Apstolos Pedro e Paulo, com cincia certa e anuindo aos desejos dos Bispos de todo o mundo, que com afecto colegial trabalharam conNosco, com a suprema autoridade de que dispomos, mediante esta Nossa Constituio para valer no futuro, promulgamos o presente Cdigo, tal como foi elaborado e revisto. De-terminamos, que no futuro tenha fora de lei para toda a Igreja latina, e confiamo-

  • XII Cdigo de Direito Cannico XIIIConstituio Apostlica Sacrae Disciplinae Leges

    -lo ao vigilante cuidado de todos aos quais diz respeito, para ser observado.

    Mas para que todos possam mais confiadamente informar-se e conhecer a fundo estas disposies, antes que elas tenham fora jurdica, decretamos e man-damos que tenham fora de lei a partir do primeiro dia do Advento deste ano de 1983. No obstante disposies, constituies, privilgios, mesmo dignos de espe-cial e singular meno, e costumes em contrrio.

    Exortamos, portanto, os Nossos filhos dilectos a observarem com nimo sin-cero e boa vontade as normas propostas, na esperana de que refloresa na Igreja uma renovada disciplina, e de que assim se promova cada vez mais, sob a protec-o da Beatssima Virgem Maria, Me da Igreja, a salvao das almas.

    Dada em Roma, no Palcio Vaticano, aos 25 de Janeiro de 1983, quinto ano do Nosso Pontificado.

    (Trad. de J. A. da Silva Marques)

  • PREFCIO

    Desde os tempos da Igreja primitiva foi costume coligir os sagrados cnones para tornar mais fcil o seu conhecimento, a sua prtica e a sua observncia, sobretudo aos ministros sagrados, uma vez que no lcito a nenhum sacerdote ignorar os cnones, como j advertia o Papa Celestino na carta aos Bispos da Aplia e da Calbria (dia 21 de Julho de 429. Cfr. Jaff2 n. 371, Mansi IV, col. 469). Est em consonncia com estas palavras o IV Conclio de Toledo (a. 633) que, depois de restaurada no reino dos Visigodos a disciplina da Igreja libertada do arianismo, prescreveu: os sacerdotes saibam as sagradas escrituras e os cnones porque se deve evitar, principalmente nos sacerdotes de Deus, a igno-rncia, me de todos os erros (cn. 25; Mansi, X, col. 627).

    Na verdade, no decurso dos dez primeiros sculos, por muitas razes floresce-ram inmeras colectneas de leis eclesisticas, compostas sobretudo por iniciati-va privada, nas quais se continham normas dadas principalmente pelos Conclios e pelos Romanos Pontfices e outras tiradas de fontes menores. Em meados do sculo XII, o acervo destas coleces e normas, no raro opostas entre si, foi compilado de novo pela iniciativa privada do monge Graciano, numa concordn-cia de leis e de coleces. Esta concordncia, mais tarde denominada Decreto de Graciano, constitui a primeira parte daquela grande coleco das leis da Igreja que, a exemplo do Corpo de Direito Civil do imperador Justiniano, foi chamada Corpo de Direito Cannico, e continha as leis, que foram feitas durante quase dois sculos pela autoridade suprema dos Romanos Pontfices, com a ajuda dos peritos em direito cannico, que se chamavam glossadores. Este Corpo, alm do Decreto de Graciano, no qual se continham as normas mais antigas, consta do Livro Extra de Gregrio IX, do Livro VI de Bonifcio VIII, das Clementinas, isto , da coleco de Clemente V promulgada por Joo XXII, s quais se acrescentaram as Decretais Extravagantes deste Pontfice e as Decretais Extravagantes Co-muns de vrios Romanos Pontfices nunca reunidas numa coleco autntica. O direito eclesistico, de que se compe este Corpo, constitui o direito clssico da Igreja catlica e comummente designado com este nome.

    A este Corpo de direito da Igreja Latina corresponde de algum modo a Colec-

  • XVI Cdigo de Direito Cannico XVIIPrefcio

    o de Cnones (Syntagma Canonum) ou Corpo Oriental de cnones da Igreja Grega.

    As leis seguintes, principalmente as promulgadas no tempo da Reforma cat-lica pelo Conclio de Trento e as emanadas posteriormente dos diversos Dicast-rios da Cria Romana, nunca foram compiladas numa coleco. Esta foi a razo por que a legislao existente fora do Corpo de Direito Cannico, com o decorrer do tempo, veio a constituir um cmulo imenso de leis amontoadas umas sobre as outras, no qual no s a desordem, mas tambm a incerteza junta com a inutili-dade e as lacunas de muitas leis fizeram que a prpria disciplina da Igreja fosse posta, cada vez mais, em perigo e ao sabor da arbitrariedade.

    Por isso, j durante a preparao do Conclio Vaticano I foi pedido por mui-tos Bispos que se preparasse uma nova e nica coleco de leis, para efectuar de modo mais certo e seguro a cura pastoral do Povo de Deus. Tal obra no pde ser levada a cabo pela aco conciliar, pelo que a S Apostlica procedeu depois a uma nova ordenao das leis sobre os assuntos mais urgentes, que pareciam per-tencer mais propriamente disciplina. Finalmente o Papa Pio X, logo no incio do seu Pontificado, chamou a si o assunto, quando se props coligir e reformar todas as leis eclesisticas, e mandou que o trabalho fosse levado a cabo sob a direco do Cardeal Pedro Gasparri.

    Ao empreender uma obra to grande e to rdua, em primeiro lugar surgiu a necessidade de resolver a questo acerca da forma interna e externa da nova coleco. Posto de lado o modo de compilao, segundo o qual cada uma das leis deveria ser apresentada no seu prolixo texto originrio, pareceu bem escolher o modo hodierno da codificao, e assim os textos que continham e propunham o preceito foram redigidos numa forma nova e mais breve. Quanto matria, esta foi ordenada em cinco livros, que imitam substancialmente o sistema das institui-es de direito romano acerca das pessoas, das coisas e das aces. A obra foi levada a cabo num espao de doze anos, com a colaborao de homens peritos, de consultores e de Bispos de toda a Igreja. A ndole do novo Cdigo claramente enunciada no promio do cn. 6: O Cdigo mantm quase sempre a disciplina vigente at aqui, embora traga mudanas oportunas. Portanto, no se tratava de criar um novo direito, mas principalmente de ordenar de modo novo o direito vigente at quele tempo. Falecido Pio X, esta coleco universal, exclusiva e autntica foi promulgada no dia 27 de Maio de 1917 pelo seu sucessor Bento XV, e entrou em vigor no dia 19 de Maio de 1918.

    O direito universal deste Cdigo Pio-Beneditino foi comprovado pelo con-

  • XVI Cdigo de Direito Cannico XVIIPrefcio

    senso de todos, e contribuiu muito no nosso tempo para promover eficazmente o mnus pastoral em toda a Igreja, que entretanto recebia novos desenvolvimentos. Todavia, quer as condies externas da Igreja neste mundo que, em poucos dec-nios, experimentou to rpidas vicissitudes e to graves mudanas dos costumes, quer as progressivas disposies internas da comunidade eclesistica, fizeram necessariamente que cada vez mais urgisse e fosse pedida uma nova reforma das leis cannicas. Com efeito, o Sumo Pontfice Joo XXIII apercebeu-se claramente destes sinais dos tempos. Por isso, ao anunciar, no dia 25 de Janeiro de 1959, a celebrao do Snodo Romano e do Conclio Vaticano II, simultaneamente anun-ciou tambm que estes acontecimentos seriam necessariamente a preparao para instituir a desejada renovao do Cdigo.

    Mas, na realidade, embora a Comisso para a reviso do Cdigo de Direito Cannico tivesse sido constituda a 28 de Maro de 1963, depois de j ter come-ado o Conclio Ecumnico, tendo como Presidente o Cardeal Pedro Ciriaci e como Secretrio o Reverendssimo Mons. Tiago Violardo, os Cardeais membros, na reunio do dia 12 de Novembro do mesmo ano, juntamente com o Presidente concordaram em que os verdadeiros e prprios trabalhos de renovao deviam ser adiados e que no podiam comear seno depois de terminado o Conclio. Com efeito, a reforma devia realizar-se de acordo com as indicaes e princ-pios a estabelecer pelo prprio Conclio. Entretanto, Comisso constituda por Joo XXIII o seu Sucessor Paulo VI, no dia 17 de Abril de 1964, juntou setenta consultores, e depois nomeou como membros outros Cardeais e chamou consultores de todo o mundo, para que dessem o seu contributo ao trabalho a levar a cabo. No dia 24 de Fevereiro de 1965, o Sumo Pontfice nomeou o Reverendssimo Padre Raimundo Bidagor, S.J., novo Secretrio da Comisso, em virtude de o Reverendssimo Mons. Violardo ter sido promovido ao cargo de Secretrio da Congregao para a Disciplina dos Sacramentos, e, no dia 17 de Novembro do mesmo ano, constituiu Secretrio Adjunto da Comisso o Reverendssimo Mons. Guilherme Onclin. Falecido o Cardeal Ciriaci, no dia 21 de Fevereiro de 1967, foi nomeado Pr-Presidente o Arcebispo D. Pricles Fe-lici, que tinha sido Secretrio do Concilio Vaticano II e, no dia 26 de Junho do mesmo ano, foi incorporado no Sacro Colgio dos Cardeais e a seguir recebeu o mnus de Presidente da Comisso. Como, porm, o Reverendssimo Padre Bidagor, ao completar oitenta anos, no dia I de Novembro de 1973, tivesse deixado de exercer o mnus de Secretrio, no dia 12 de Fevereiro de 1975, o Excelentssimo D. Roslio Castillo Lara, S.D.B., Bispo titular de Praecausa e Coadjutor de Trujillo na Venezuela, foi nomeado novo Secretrio da Comisso.

  • XVIII Cdigo de Direito Cannico XIXPrefcio

    Este mesmo, a 17 de Maio de 1982, aps a morte prematura do Cardeal Pricles Felici, foi constitudo Pr-Presidente da Comisso.

    Quando o Conclio Vaticano II j caminhava para o fim, no dia 20 de Novem-bro de 1965, realizou-se, na presena do Sumo Pontfice Paulo VI, uma Sesso solene, a que assistiram os Cardeais membros, os Secretrios, os consultores e ofi-ciais da Secretaria, entretanto constituda, para celebrar a inaugurao pblica dos trabalhos da reviso do Cdigo de Direito Cannico. Na alocuo do Sumo Pontfice foram de algum modo lanadas as bases de todo o trabalho a realizar. Na verdade, recorda-se que o Direito Cannico dimana da natureza da Igreja, que a sua raiz est no poder de jurisdio conferido por Cristo Igreja, e que o seu fim deve ser colocado na cura das almas para conseguirem a salvao eterna; alm disso, esclarece-se a ndole do Direito da Igreja, e reivindica-se a sua neces-sidade contra as objeces mais comuns, indica-se a histria do desenvolvimento do direito e das coleces, mas principalmente pe-se em relevo a necessidade urgente da nova reviso, para que a disciplina da Igreja se adapte adequadamente s novas circunstncias.

    Alm disso, o Sumo Pontfice indicou Comisso dois elementos, que deviam presidir a todo o trabalho. Em primeiro lugar, no se tratava somente de uma nova ordenao das leis, como se tinha feito na elaborao do Cdigo Pio-Beneditino, mas tambm e sobretudo duma reforma das normas que se devia adaptar aos no-vos hbitos mentais e s novas necessidades, embora o direito antigo devesse for-necer o fundamento. Depois, deviam ter-se com diligncia diante dos olhos neste trabalho de reviso todos os Decretos e Actas do Conclio Vaticano II, uma vez que se encontram neles as linhas mestras prprias da renovao legislativa, quer porque foram dadas normas, que dizem directamente respeito aos novos institutos e disciplina eclesistica, quer tambm porque era necessrio que as riquezas doutrinais deste Conclio, que muito contriburam para a vida pastoral, tivessem na legislao cannica as suas consequncias e o seu complemento necessrio.

    Em repetidas alocues, preceitos e conselhos tambm nos anos seguintes os dois citados elementos foram recordados aos membros da Comisso pelo Sumo Pontfice, que nunca deixou de dirigir superiormente e de acompanhar assidua-mente todo o trabalho.

    Para que as subcomisses ou grupos de estudo pudessem acometer de modo orgnico o trabalho, era necessrio enuclear e aprovar alguns princpios, que estabelecessem o caminho a seguir na reviso de todo o Cdigo. Um grupo cen-tral de consultores preparou o texto do documento, que por mandato do Sumo

  • XVIII Cdigo de Direito Cannico XIXPrefcio

    Pontfice foi confiado, no ms de Outubro de 1967, ao estudo da Reunio Geral do Snodo dos Bispos. Foram aprovados quase por unanimidade estes princpios:

    1.) Na renovao do direito deve ser absolutamente conservada a ndole jurdica do novo Cdigo, que exigida pela prpria natureza social da Igreja. Por isso compete ao Cdigo dar normas para que os fiis na vida crist se tornem participantes dos bens oferecidos pela Igreja, que os conduzam salvao eter-na. Por conseguinte, para este fim o Cdigo deve definir e tutelar os direitos e as obrigaes de cada um para com os outros e para com a sociedade eclesistica, na medida em que tendam para o culto de Deus e para a salvao das almas.

    2.) Entre o foro externo e o foro interno, que prprio da Igreja e esteve em vigor ao longo dos sculos, deve existir coordenao, de tal forma que se evitem os conflitos entre ambos.

    3.) Para favorecer ao mximo a cura pastoral das almas, no novo direito, alm da virtude da justia, deve ter-se em conta tambm a caridade, a temperan-a, a humanidade, a moderao, pelas quais se procure aplicar a equidade no s na aplicao das leis por parte dos pastores de almas, mas tambm na prpria legislao, e por isso devem ser postas de parte as normas demasiado rgidas, re-correndo-se pelo contrrio de preferncia s exortaes e aos conselhos, quando no haja necessidade de observar o direito estrito por causa do bem pblico e da disciplina eclesistica geral.

    4.) Para que o Sumo Legislador e os Bispos cooperem na cura das almas e aparea de modo mais positivo o mnus dos pastores, tornem-se ordinrias as faculdades acerca da dispensa das leis gerais, que at aqui eram extraordinrias, reservando-se ao poder Supremo da Igreja universal ou a outras autoridades su-periores apenas aquelas que exijam excepo por causa do bem comum.

    5.) Deve atender-se bem ao princpio, que se deduz do anterior e se chama princpio de subsidiaridade, que deve aplicar-se tanto mais quanto certo que o ofcio dos Bispos com os poderes anexos de direito divino. Com este princpio, enquanto se observam a unidade legislativa e o direito universal e geral, defen-dem-se tambm a convenincia e a necessidade de prover utilidade, sobretudo de cada um dos institutos, a eles reconhecida pelos direitos particulares e pela s autonomia do poder executivo particular. Por isso, apoiado no mesmo princpio, o novo Cdigo confie quer aos direitos particulares quer ao poder executivo, o que no seja necessrio unidade da disciplina da Igreja universal, de tal forma que se proveja oportunamente a uma assim chamada descentralizao, afastado o perigo de desagregao ou de constituio de Igrejas nacionais.

  • XX Cdigo de Direito Cannico XXIPrefcio

    6.) Por causa da igualdade fundamental de todos os fiis e da diversidade de ofcios e de funes, baseada na prpria ordem hierrquica da Igreja, importa que se definam adequadamente e se tutelem os direitos das pessoas. Daqui resulta que o exerccio do poder aparea mais claramente como servio, se robustea mais o seu uso, e se afastem os abusos.

    7.) Para que tudo isto se ponha adequadamente em prtica, necessrio que se empregue cuidado especial no ordenamento processual, no que diz respeito tutela dos direitos subjectivos. Por isso, na renovao do direito deve atender-se quelas coisas que eram muito desejadas, a saber os recursos administrativos e a administrao da justia. Para o conseguir, necessrio que as vrias funes do poder eclesistico se distingam claramente, a saber a funo legislativa, adminis-trativa e judicial, e se defina adequadamente por quais rgos deve ser exercida cada uma delas.

    8.) Cumpre que de algum modo seja revisto o princpio segundo o qual se deve conservar a ndole territorial no exerccio do governo eclesistico; na verdade, as condies do apostolado hodierno parecem recomendar unidades jurisdicionais pessoais. Por tal motivo, estabelea-se no novo direito o princpio pelo qual, como regra geral, a poro do Povo de Deus a reger se determine pelo territrio; mas nada impede que, onde a utilidade o aconselhe, possam ser admitidas outras razes, pelo menos juntamente com o aspecto territorial, como critrios para determinar a comunidade dos fiis.

    9.) Acerca do direito coactivo, ao qual a Igreja como sociedade externa, vis-vel e independente no pode renunciar, as penas devem ser geralmente ferendae sententiae, e devem ser aplicadas e remitidas somente no foro externo. As penas latae sententiae devem ser reduzidas a poucos casos, e somente devem ser impos-tas contra delitos gravssimos.

    10.) Finalmente, como todos admitem unanimemente, a nova disposio sis-temtica do Cdigo, que exige a nova adaptao, pode, sem dvida, desde o prin-cpio ser esboada, mas no exactamente definida e decidida. Por isso, s deve ser assente depois duma suficiente reviso de cada uma das partes, e at depois de toda a obra estar quase terminada.

    Destes princpios, pelos quais se requeria fosse orientado o mtodo de reviso do novo Cdigo, conclua-se a necessidade de aplicar a cada passo a doutrina acerca da Igreja enucleada pelo Conclio Vaticano II, uma vez que ela estabelece que deve atender-se no s s circunstncias externas e sociais do Corpo Mstico de Cristo, mas tambm e principalmente sua vida ntima.

  • XX Cdigo de Direito Cannico XXIPrefcio

    E na realidade os consultores foram como que levados pela mo destes princ-pios ao elaborarem o texto do novo Cdigo.

    Entretanto, por carta de 15 de Janeiro de 1965, enviada pelo Eminentssimo Cardeal Presidente da Comisso aos Presidentes das Conferncias Episcopais, os Bispos de todo o orbe catlico foram solicitados a propor votos e sugestes acerca do prprio direito a estabelecer e do modo como deviam processar-se convenientemente as relaes entre as Conferncias Episcopais e a Comisso, para se obter o mximo de cooperao nesta matria em ordem ao bem comum. Alm disso, pediu-se que fossem enviados Secretaria da Comisso os nomes dos peritos em direito cannico, que segundo o parecer dos Bispos mais sobres-sassem na doutrina em cada uma das regies, indicando-se tambm a sua espe-cial competncia, para que destes se pudessem escolher e nomear consultores e colaboradores. Na verdade, desde o incio e no decurso dos trabalhos, alm dos Eminentssimos membros foram admitidos, entre os consultores da Comisso, Bispos, sacerdotes, religiosos, leigos, peritos em direito cannico e teologia, na cura pastoral das almas e em direito civil, de todo o orbe cristo, para colabo-rarem na preparao do novo Cdigo de Direito Cannico. Ao longo de todo o tempo dos trabalhos colaboraram com a Comisso, provenientes dos cinco continentes e de 31 naes, como membros, consultores e outros colaboradores 105 Cardeais, 77 Arcebispos e Bispos, 73 presbteros seculares, 47 presbteros religiosos, 3 religiosas e I2 leigos.

    J antes da ltima sesso do Conclio Vaticano II, no dia 6 de Maio de 1965, os consultores da Comisso foram convocados para uma sesso privada, na qual, com o consentimento do Santo Padre, o Presidente da Comisso lhes props, para estudo, trs questes fundamentais. Perguntava-se-lhes, na verdade, se se deviam preparar um ou dois Cdigos, isto o Latino e o Oriental; que ordem de trabalhos se devia seguir na sua redaco, ou como deviam proceder a Comisso e os seus rgos; finalmente, como se devia fazer a adequada distribuio do trabalho a confiar s vrias subcomisses, que actuariam simultaneamente. Acerca destas questes foram feitas relaes pelos trs grupos para isto constitudos, tendo as mesmas sido transmitidas a todos os membros.

    No dia 25 de Novembro de 1965, os Eminentssimos membros da Comisso ce-lebraram a sua segunda sesso acerca destas questes, na qual foram solicitados para responderem a algumas dvidas sobre o assunto.

    No que diz respeito ordenao sistemtica do novo Cdigo, por voto do gru-po central dos consultores, que estiveram reunidos de 3 a 7 de Abril de 1967, foi

  • XXII Cdigo de Direito Cannico XXIIIPrefcio

    redigido um princpio destinado a ser proposto ao Snodo dos Bispos. Depois da sesso do Snodo, pareceu oportuno constituir, no ms de Novembro de 1967, um grupo especial de consultores, que se dedicassem ao estudo da ordem sistemtica. Na sesso deste grupo, realizada no incio do ms de Abril de 1968, todos concor-daram em no receber no novo Cdigo nem as leis propriamente litrgicas, nem as normas acerca dos processos de beatificao e de canonizao, e nem sequer as normas acerca das relaes da Igreja ad extra. Pareceu tambm conveniente a todos que na parte onde se trata do Povo de Deus, se colocasse o estatuto pessoal de todos os fiis e se tratasse separadamente dos poderes e faculdades, que dizem respeito ao exerccio dos diversos ofcios e funes. Finalmente, todos concorda-ram que no se podia manter inteiramente no novo Cdigo a estrutura dos livros do Cdigo Pio-Beneditino.

    Na terceira sesso dos Eminentssimos membros da Comisso, realizada no dia 28 de Maio de 1968, os Cardeais aprovaram, quanto substncia, a ordenao temporria, segundo a qual os grupos de estudo, que j antes tinham sido consti-tudos, foram dispostos em nova ordem: Da ordenao sistemtica do Cdigo, Das normas gerais, Da Hierarquia Sagrada, Dos Institutos de perfeio, Dos leigos, Das pessoas fsicas e morais em geral, Do Matrimnio, Dos Sacramentos, excepto o Matrimnio, Do Magistrio eclesistico, Do direito patrimonial da Igreja, Dos processos, Do direito penal.

    A matria tratada pelo grupo Das pessoas fsicas e jurdicas (assim foi depois chamado) transitou para o livro Das normas gerais. Tambm pareceu oportuno constituir o grupo Dos lugares e tempos sagrados e do culto divino. Em razo de mais ampla competncia foram modificados os ttulos de outros gru-pos: o grupo Dos leigos tomou o nome Dos direitos e das associaes dos fiis e dos leigos; o grupo Dos religiosos foi denominado Dos institutos de perfeio e, finalmente, Dos institutos de vida consagrada pela profisso dos conselhos evanglicos.

    Acerca do mtodo, que foi seguido no trabalho de reviso durante mais de 16 anos, devem ser recordadas brevemente as partes principais: os consultores de cada um dos grupos prestaram com a mxima dedicao uma colaborao egr-gia, tendo em vista apenas o bem da Igreja, quer na preparao feita por escrito dos votos acerca das partes do prprio esquema, quer na discusso durante as sesses, que tinham lugar em Roma em determinadas datas, quer no exame das advertncias, dos votos e das opinies acerca do prprio esquema que chegavam Comisso. O modo de proceder era o seguinte: a cada um dos consultores, que

  • XXII Cdigo de Direito Cannico XXIIIPrefcio

    em nmero de oito a catorze constituam cada um dos grupos de estudo, indicava--se o assunto que, fundado no direito do Cdigo vigente, devia ser submetido ao estudo de reviso. Cada um, depois do exame das questes, enviava o seu voto exarado por escrito Secretaria da Comisso e a sua cpia ao relator e, se havia tempo, distribua-se a todos os membros do grupo. Nas sesses de estudo, a rea-lizar em Roma segundo o calendrio dos trabalhos, os consultores do grupo reu-niam-se e, por proposta do relator, eram examinadas todas as questes e opinies, at que o texto dos cnones se esclarecia por sufrgio mesmo nas suas partes e se redigia em projecto. Na sesso ajudava o relator um oficial, que exercia o mnus de acturio.

    O nmero de sesses para cada grupo, segundo os assuntos concretos, era maior ou menor, e os trabalhos prolongaram-se por anos.

    Havia, sobretudo nos ltimos tempos, grupos mistos constitudos com o fim de que fossem discutidos por certos consultores, reunidos de diversos grupos, os as-suntos que diziam directamente respeito a vrios grupos e era necessrio decidir segundo um parecer comum.

    Depois de completar a elaborao de alguns esquemas feita pelos grupos de estudo, foram pedidas indicaes concretas ao Supremo Legislador acerca do caminho a seguir; tal caminho, segundo as normas ento dadas, era o seguinte:

    Os esquemas, acompanhados duma relao explicativa, eram enviados ao Sumo Pontfice, que decidia se devia proceder consulta. Depois de obter esta autorizao, os esquemas impressos foram submetidos ao exame de todo o Epis-copado e dos restantes rgos de consulta (a saber, os Dicastrios da Cria Ro-mana, as Universidades e as Faculdades Eclesisticas e a Unio dos Superiores Gerais), para que esses rgos, dentro dum perodo estabelecido prudentemente no menos de seis meses procurassem exprimir a sua opinio. Ao mesmo tempo, os esquemas tambm eram enviados aos Eminentssimos membros da Comisso, para que a partir desta fase do trabalho fizessem as suas observaes quer gerais quer particulares.

    Eis a ordem pela qual os esquemas foram enviados para consulta: em 1972: o esquema Do processo administrativo; em 1973: Das sanes na Igreja; em 1975: Dos Sacramentos; em 1976: Do modo de proceder para a tutela dos direitos ou dos processos; em 1977: Dos institutos de vida consagrada pela profisso dos conselhos evanglicos; Das normas gerais Do Povo de Deus; Do mnus de ensinar da Igreja; Dos lugares e tempos sagrados e do culto divino; Do direito patrimonial da Igreja.

  • XXIV Cdigo de Direito Cannico XXVPrefcio

    Sem dvida, o Cdigo de Direito Cannico revisto no poderia ser adequa-damente preparado sem a cooperao inestimvel e contnua, que deram Co-misso as numerosas e valiosssimas observaes sobretudo de ndole pastoral, apresentadas pelos Bispos e pelas Conferncias Episcopais.

    Na verdade, os Bispos apresentaram muitas observaes por escrito: quer gerais quanto aos esquemas considerados no seu todo, quer particulares quanto a cada um dos cnones.

    Alm disso, foram de grande utilidade tambm as observaes, apoiadas na sua prpria experincia acerca do governo central da Igreja, que enviaram as Sagradas Congregaes, os Tribunais e os outros Organismos da Cria Romana, assim como as proposies e sugestes cientficas e tcnicas apresentadas pelas Universidades e Faculdades Eclesisticas pertencentes a diversas escolas e a di-versas correntes de pensamento.

    O estudo, o exame e a discusso colegial de todas as observaes gerais e particulares, que foram enviadas Comisso, exigiram um pesado e imenso tra-balho, que se prolongou por sete anos. O Secretariado da Comisso procurou com cuidado que se dispusessem ordenadamente e fossem redigidas em sntese todas as observaes, proposies e sugestes, que, depois de terem sido enviadas aos consultores para serem por eles atentamente examinadas, fossem depois submeti-das discusso em sesses de trabalho colegial que deviam ser realizadas pelos dez grupos de trabalho.

    No houve nenhuma observao que no tivesse sido considerada com o m-ximo cuidado e diligncia. Isto fez-se, mesmo quando se tratava de observaes contrrias entre si (o que no raro aconteceu), tendo diante dos olhos no s o seu peso sociolgico (a saber, o nmero dos rgos de consulta e das pessoas que as propunham), mas sobretudo o seu valor doutrinal e pastoral e a sua coerncia com a doutrina e as normas da aplicao do Conclio Vaticano II e com o Magis-trio pontifcio, e igualmente, no que diz respeito razo especificamente tcnica e cientfica, a sua prpria congruncia necessria com o sistema jurdico canni-co. Mais ainda, sempre que se tratava de algo duvidoso ou se agitavam questes de importncia peculiar, pedia-se de novo a opinio dos Eminentssimos membros da Comisso reunidos em sesso plenria. Noutros casos, porm, tendo em conta a matria especfica que se discutia, consultavam-se tambm a Congregao para a Doutrina da F e outros Dicastrios da Cria Romana. Finalmente, foram intro-duzidas muitas correces e modificaes nos cnones dos primeiros Esquemas, a pedido ou por sugesto dos Bispos e dos restantes rgos de consulta, de tal forma

  • XXIV Cdigo de Direito Cannico XXVPrefcio

    que alguns esquemas foram profundamente renovados ou emendados.

    Uma vez reformados todos os esquemas, a Secretaria da Comisso e os con-sultores lanaram-se a um ulterior e pesado trabalho. Tratava-se, com efeito, de procurar a coordenao interna de todos os esquemas, de manter a uniformidade terminolgica sobretudo sob o aspecto tcnico-jurdico, de redigir os cnones em frmulas breves e harmoniosas e, finalmente, de estabelecer definitivamente a ordenao sistemtica, de tal forma que todos e cada um dos esquemas, prepara-dos pelos distintos grupos, conflussem num Cdigo nico e coerente sob todos os aspectos.

    A nova ordenao sistemtica, que nasceu como que espontaneamente do trabalho que foi amadurecendo pouco a pouco, apoia-se em dois princpios, dos quais um diz respeito fidelidade aos princpios mais gerais j desde h muito estabelecidos pelo grupo central, e o outro refere-se utilidade prtica, de tal modo que o novo Cdigo possa facilmente ser entendido e aplicado no s pelos peritos, mas tambm pelos Pastores e at por todos os fiis.

    O novo Cdigo consta de sete Livros que so intitulados: Das Normas Gerais, Do Povo de Deus, Do mnus de ensinar da Igreja, Do mnus santificador da Igre-ja, Dos bens temporais da Igreja, Das sanes na Igreja, Dos processos. Ainda que da diferena das rubricas que encabeam cada um dos Livros do antigo e do novo Cdigo j aparea suficientemente tambm a diferena entre ambos os sistemas, contudo torna-se muito mais manifesta a renovao da ordem sistemtica a partir das partes, seces, ttulos e suas rubricas. Mas deve ter-se como certo que a nova ordenao corresponde mais que a antiga no s matria e ndole prpria do direito cannico, mas, o que tem maior importncia, tambm est mais de acordo com a eclesiologia do Conclio Vaticano II e com aqueles princpios dela deriva-dos que tinham sido propostos j no incio da reviso.

    O projecto de todo o Cdigo uma vez editado, no dia 29 de Junho de 1980, solenidade dos Bem-aventurados Apstolos Pedro e Paulo, foi apresentado ao Sumo Pontfice, que mandou que fosse enviado a cada um dos Cardeais membros da Comisso para fazerem o exame e o parecer definitivos. Contudo, para que se pusesse mais em evidncia a participao de toda a Igreja tambm no ltimo estdio da fase de trabalhos, o Sumo Pontfice decretou que fossem agregados Comisso outros membros: Cardeais e tambm Bispos, escolhidos de toda a Igre-ja propostos pelas Conferncias Episcopais e assim, desta vez, a mesma Co-misso foi aumentada para o nmero de 74 membros. Estes, porm, no incio de 1981, mandaram muitas observaes, que depois a Secretaria da Comisso, com

  • XXVI Cdigo de Direito Cannico XXVIIPrefcio

    a cooperao de consultores dotados de competncia peculiar em cada uma das matrias, submeteu a exame cuidadoso, a estudo diligente e a discusso colegial. No ms de Agosto de 1981, foi entregue aos membros da Comisso uma sntese de todas as observaes juntamente com as respostas dadas pela Secretaria e pelos consultores.

    A Sesso Plenria, convocada por mandato do Sumo Pontfice, para que deliberasse e votasse definitivamente todo o texto do novo Cdigo, celebrou-se de 20 a 28 de Outubro de 1981 na Sala do Snodo dos Bispos; nela realizou-se sobretudo a discusso acerca de seis pontos de maior peso e importncia, mas tambm se discutiu sobre outros apresentados a pedido pelo menos de dez Padres. A dvida proposta no fim da Sesso Plenria, se os Padres estavam de acordo em que, depois de examinados na Sesso Plenria os Projectos do Cdigo de Direito Cannico e as emendas j introduzidas, o mesmo Projecto, uma vez introduzidas as modificaes que obtiveram aprovao maioritria na Sesso Plenria, e tendo tambm em conta outras observaes, que tivessem sido feitas, e apurado o estilo e a latinidade (coisas estas que se confiam ao Presidente e Secretaria), parecia digno de ser apresentado quanto antes ao Sumo Pontfice, para que ele promulgue o Cdigo, quando e como lhe parecer melhor, os Padres responderam unanime-mente que estavam de acordo.

    Todo o texto do Cdigo deste modo corrigido e aprovado, acrescido com os cnones do projecto da Lei Fundamental da Igreja, que em razo da matria im-portava inserir no Cdigo, e tambm apurado quanto a latinidade, foi finalmente impresso e, para que j se pudesse proceder promulgao, foi entregue ao Sumo Pontfice no dia 2I de Abril de 1982.

    Ento, o Sumo Pontfice, por si mesmo, com a ajuda de alguns peritos e ouvi-do o Pr-Presidente da Pontifcia Comisso para a reviso do Cdigo de Direito Cannico, examinou este ltimo projecto e ponderadas maduramente todas as coisas, decretou que o novo Cdigo devia ser promulgado no dia 25 de Janeiro de 1983, aniversrio do primeiro anncio que Joo XXIII fez da reviso que se devia empreender do Cdigo.

    Uma vez, porm, que a Pontifcia Comisso para tal constituda h cerca de vinte anos, cumpriu felizmente o rduo mnus que lhe foi confiado, encontra-se agora disposio dos Pastores e dos fiis o novssimo direito da Igreja, que no carece de simplicidade, clareza, de beleza e cincia do verdadeiro direito. Mais ainda, como no estranho caridade, equidade, humanidade, e est impreg-nado plenamente de verdadeiro esprito cristo, procura responder ndole exter-

  • XXVI Cdigo de Direito Cannico XXVIIPrefcio

    na e interna divinamente dada Igreja e, ao mesmo tempo, espera ir ao encontro das suas condies e necessidades no mundo actual. E se, por causa das muito rpidas mudanas da sociedade humana hodierna, algumas coisas, j no tempo da reviso do direito se tornaram menos perfeitas e no futuro precisarem de nova reviso, a Igreja tem tal abundncia de foras que, como em sculos passados, pode de novo tomar o caminho da renovao das leis da sua vida. Agora, porm, a lei j no pode mais ser ignorada; os Pastores tm normas seguras para dirigirem bem o exerccio do ministrio sagrado; desde agora cada um tem a possibilidade de conhecer os seus prprios direitos e deveres, e est vedado o caminho arbi-trariedade na aco; os abusos que porventura se tenham introduzido na disci-plina eclesistica por carncia de leis, podero mais facilmente ser extirpados e reprimidos; finalmente, todas as obras de apostolado, todos as instituies e obras tm sem dvida aquilo de que precisam para expeditamente progredirem e serem promovidas, j que uma s ordenao jurdica absolutamente neces-sria para que a comunidade eclesistica seja vigorosa, cresa e floresa. O que Deus benignssimo se digne conceder pela intercesso da Bem-aventurada Virgem Maria, Me da Igreja, do seu esposo S. Jos, Patrono da Igreja, e dos Santos Pedro e Paulo.

    (Trad. de J. A. da Silva Marques)

  • CDIGODE

    DIREITO CANNICO

  • LIVRO IDAS NORMAS GERAIS

    Cn. 1 Os cnones deste Cdigo dizem respeito unicamente Igreja latina.

    Cn. 2 O Cdigo geralmente no determina os ritos a observar na celebrao das aces litrgicas; pelo que as leis litrgicas actualmente em vigor mantm a sua validade, a no ser que alguma delas seja contrria aos cnones deste Cdigo.

    Cn. 3 Os cnones do Cdigo no ab-rogam nem derrogam as convenes celebradas pela S Apostlica com os Estados ou outras sociedades polticas, pelo que elas permanecem em vigor, no obstante as prescries contrrias deste Cdi-go.

    Cn. 4 Os direitos adquiridos, e bem assim os privilgios at ao presente concedidos pela S Apostlica a pessoas, quer fsicas quer jurdicas, que esto em uso e no foram revogados, continuam inalterados, a menos que sejam expressa-mente revogados pelos cnones deste Cdigo.

    Cn. 5 1. Os costumes, quer universais quer particulares, actualmente em vigor contra os preceitos destes cnones que so reprovados pelos prprios cnones deste Cdigo ficam inteiramente suprimidos, e no se permita a sua revi-vescncia; os restantes tenham-se tambm por suprimidos, a no ser que expres-samente se determine outra coisa no Cdigo ou sejam centenrios ou imemoriais, os quais podem tolerar-se se, a juzo do Ordinrio, segundo as circunstncias dos lugares e das pessoas, no puderem ser suprimidos. 2. Conservam-se os costumes para alm da lei, actualmente em vigor, quer sejam universais quer particulares.

    Cn. 6 1. Com a entrada em vigor deste Cdigo, so ab-rogados: 1. o Cdigo de Direito Cannico promulgado no ano de 1917; 2. as outras leis, quer universais quer particulares, contrrias s prescri-es deste Cdigo, a no ser que acerca das particulares se determine outra coisa; 3. quaisquer leis penais, quer universais quer particulares, dimanadas da S Apostlica, a no ser que sejam recebidas neste Cdigo; 4. as outras leis disciplinares universais respeitantes a matria integral-mente ordenada neste Cdigo. 2. Os cnones deste Cdigo, na medida em que reproduzem o direito antigo, devem entender-se tendo em considerao tambm a tradio cannica.

  • 4 LIV. I Das normas gerais 5LIV. I Das normas gerais

    TTULO I

    DAS LEIS ECLESISTICAS

    Cn. 7 A lei instituda quando se promulga.

    Cn. 8 1. As leis eclesisticas universais promulgam-se pela publicao no boletim oficial Acta Apostolicae Sedis, a no ser que, em casos particulares, tenha sido prescrita outra forma de promulgao; e s entram em vigor trs meses aps o dia indicado no nmero dos Acta, a no ser que pela natureza da matria obriguem imediatamente, ou na prpria lei se determine especial e expressamente uma vacncia mais breve ou mais longa. 2. As leis particulares promulgam-se pelo modo determinado pelo legislador e comeam a obrigar um ms aps a data da promulgao, a no ser que na prpria lei se estabelea outro prazo.

    Cn. 9 As leis referem-se ao futuro e no ao passado, a no ser que nelas se disponha expressamente acerca de coisas passadas.

    Cn. 10 Apenas se devem considerar irritantes ou inabilitantes as leis em que se estabelece expressamente que o acto nulo ou a pessoa inbil.

    Cn. 11 Esto obrigados s leis meramente eclesisticas os baptizados na Igreja catlica ou nela recebidos, que gozem de suficiente uso da razo, e, a no ser que outra coisa expressamente se estabelea no direito, tenham completado sete anos de idade.

    Cn. 12 1. s leis universais esto obrigados em qualquer parte do mundo todos aqueles para quem elas foram feitas. 2. Das leis universais que no vigoram em determinado territrio esto isen-tos todos os que na ocasio se encontram nesse territrio. 3. s leis feitas para determinado territrio esto sujeitos aqueles a quem elas se destinam e ali tm domiclio ou quase-domiclio e simultaneamente ali se encontram, sem prejuzo do prescrito no cn. 13.

    Cn. 13 1. As leis particulares no se presumem pessoais, mas territoriais, a no ser que conste outra coisa. 2. Os peregrinos no esto sujeitos: 1. s leis particulares do seu territrio enquanto dele esto ausentes, a no ser que a sua transgresso cause prejuzo no prprio territrio, ou sejam leis pes-soais; 2. nem s leis do territrio em que se encontram, exceptuadas as que tute-lam a ordem pblica, ou determinam a solenidade dos actos, ou se referem a coisas imveis situadas nesse territrio.

    TIT. I Das leis eclesisticas

  • 4 LIV. I Das normas gerais 5LIV. I Das normas gerais

    3. Os vagos esto sujeitos s leis tanto universais como particulares vigentes no lugar em que se encontram.

    Cn. 14 As leis, mesmo as irritantes e inabilitantes, no obrigam em caso de dvida de direito; em caso de dvida de facto, os Ordinrios podem dispensar delas, contanto que, se se tratar de dispensa reservada, esta costume ser concedida pela autoridade qual est reservada.

    Cn. 15 1. A ignorncia ou o erro acerca das leis irritantes ou inabilitantes no impede o efeito das mesmas, a no ser que expressamente se determine outra coisa. 2. No se presume a ignorncia ou o erro acerca da lei ou da pena, nem acerca de um facto prprio ou de facto alheio notrio; mas presume-se acerca de facto alheio no notrio, at que se prove o contrrio.

    Cn. 16 1. Interpreta autenticamente as leis o legislador e aquele a quem este confiou o poder de as interpretar autenticamente. 2. A interpretao autntica dada em forma de lei tem o mesmo valor que a prpria lei e deve ser promulgada; se apenas esclarecer as palavras da lei de si certas, tem valor retroactivo; se restringir, ampliar ou explicar a lei duvidosa, no se retrotrai. 3. A interpretao em forma de sentena judicial ou de acto administrativo num caso peculiar no tem fora de lei, e s obriga as pessoas e afecta as coisas para as quais foi dada.

    Cn. 17 As leis eclesisticas devem entender-se segundo o significado prprio das palavras considerado no texto e no contexto; se aquele permanecer duvidoso e obscuro, recorrer-se- aos lugares paralelos, se os houver, ao fim e s circunstncias da lei e mente do legislador.

    Cn. 18 So de interpretao estrita as leis que estabelecem alguma pena, coarctam o livre exerccio dos direitos, ou contm excepo lei.

    Cn. 19 Se, acerca de algum ponto, faltar preceito expresso da lei, quer universal quer particular, ou costume, a causa, a no ser que seja penal, dirimir- -se- atendendo s leis formuladas para os casos semelhantes, aos princpios gerais do direito aplicados com a equidade cannica, jurisprudncia e praxe da Cria Romana, e opinio comum e constante dos doutores.

    Cn. 20 A lei posterior ab-roga a anterior ou derroga-a, se assim o deter-minar expressamente, ou lhe for directamente contrria, ou ordenar integralmente a matria da lei anterior; mas a lei universal no derroga o direito particular ou especial, a no ser que outra coisa expressamente se determine no direito.

    Cn. 21 Em caso de dvida no se presume a revogao de uma lei pre-existente, mas as leis posteriores devem cotejar-se com as anteriores e, quanto possvel, conciliar-se com elas.

    TIT. I Das leis eclesisticas

  • 6 LIV. I Das normas gerais 7LIV. I Das normas gerais

    Cn. 22 As leis civis para que remete o direito da Igreja, observem-se no direito cannico com os mesmos efeitos, desde que no sejam contrrias ao direito divino e a no ser que outra coisa se determine no direito cannico.

    TTULO II

    DO COSTUME

    Cn. 23 S tem fora de lei o costume introduzido pela comunidade de fiis que tiver sido aprovado pelo legislador, segundo as normas dos cnones seguintes.

    Cn. 24 1. No pode obter fora de lei nenhum costume que seja contr-rio ao direito divino. 2. Tambm no pode obter fora de lei o costume contra ou para alm do di-reito cannico, se no for razovel; o costume expressamente reprovado no direito no razovel.

    Cn. 25 Nenhum costume obtm fora de lei a no ser que tenha sido ob-servado por uma comunidade capaz, ao menos, de receber leis com a inteno de introduzir direito.

    Cn. 26 A no ser que tenha sido especialmente aprovado pelo legislador competente, o costume contrrio ao direito cannico em vigor ou para alm da lei cannica s obtm fora de lei, se tiver sido legitimamente observado durante trinta anos contnuos e completos; mas contra a lei cannica que contenha uma clusula a proibir costumes futuros, s pode prevalecer o costume centenrio ou imemorial.

    Cn. 27 O costume o melhor intrprete da lei.

    Cn. 28 Salvo o disposto no cn. 5, o costume quer contra a lei quer para alm dela, revoga-se por costume contrrio ou por lei; porm, a no ser que deles faa meno expressa, a lei no revoga os costumes centenrios ou imemoriais, nem a lei universal os costumes particulares.

    TIT. II Do costume

  • 6 LIV. I Das normas gerais 7LIV. I Das normas gerais

    TTULO III

    DOS DECRETOS GERAIS E DAS INSTRUES

    Cn. 29 Os decretos gerais, com que o legislador competente estabelece prescries comuns para uma comunidade capaz de receber leis, so leis propria-mente ditas e regem-se pelas prescries dos cnones relativos s leis.

    Cn. 30 Quem tem somente poder executivo no pode fazer decretos gerais, a que se refere o cn. 29, a no ser que, em casos particulares, segundo o direito tal faculdade lhe tenha sido expressamente concedida pelo legislador competente e observadas as condies estabelecidas no acto da concesso.

    Cn. 31 1. Dentro dos limites da sua competncia, quem tem poder exe-cutivo pode fazer decretos gerais executrios, com os quais se determina mais concretamente o modo a observar na aplicao da lei, ou se urge a observncia das leis. 2. No concernente promulgao e vacncia dos decretos referidos no 1, observem-se as prescries do cn. 8.

    Cn. 32 Os decretos gerais executrios obrigam aqueles que esto sujeitos s leis cujo modo de aplicao esses decretos determinam ou cuja observncia urgem.

    Cn. 33 1. Os decretos gerais executrios, ainda que publicados em direc-trios ou documentos de outro modo designados, no derrogam as leis, e carecem de todo o valor os seus preceitos que sejam contrrios s leis. 2. Os mesmos decretos deixam de ter valor por revogao explcita ou implcita feita pela autoridade competente, e ainda por cessao da lei para cuja execuo foram emitidos; mas no cessam por ter terminado o direito de quem os emitiu, a no ser que se estabelea expressamente o contrrio.

    Cn. 34 1. As instrues, que explicitam os preceitos legais e desen-volvem e determinam o modo como eles se devem observar, so feitas para uso daqueles a quem pertence dar execuo s leis e obrigam-nos nessa execuo; emite-as legitimamente, dentro dos limites da sua competncia, quem tem poder executivo. 2. As ordenaes das instrues no derrogam as leis, e se algumas delas no se puderem harmonizar com as prescries das leis, carecem de todo o valor. 3. As instrues deixam de ter valor no s pela revogao explcita ou im-plcita da autoridade competente, que as emitiu, ou do seu superior, mas ainda pela cessao da lei para cuja declarao ou execuo foram emitidas.

    TIT. III Dos decretos gerais e das instrues

  • 8 LIV. I Das normas gerais 9LIV. I Das normas gerais

    TTULO IV

    DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS SINGULARES

    CAPTULO I

    NORMAS COMUNS

    Cn. 35 O acto administrativo singular, quer seja decreto ou preceito, quer rescrito, pode ser emitido, dentro dos limites da sua competncia, por quem tem poder executivo, sem prejuzo do prescrito no cn. 76, 1.

    Cn. 36 1. O acto administrativo deve entender-se segundo o significado prprio das palavras e o uso comum de falar; em caso de dvida, os concernentes aos litgios judiciais ou a cominar ou impor penas, ou os que coarctam os direitos da pessoa, ou lesam os direitos adquiridos por outros, ou so contrrios a uma lei em favor dos particulares, so de interpretao estrita; todos os outros so de interpretao lata. 2. O acto administrativo no deve aplicar-se a outros casos para alm dos que foram expressos.

    Cn. 37 O acto administrativo relativo ao foro externo deve consignar-se por escrito; o mesmo se diga, se se procede em forma comissria, relativamente ao acto desta execuo.

    Cn. 38 O acto administrativo, mesmo quando se tratar de um rescrito dado Motu proprio, carece de efeito na medida em que lesar o direito adquirido de outrem, ou for contrrio lei ou ao costume aprovado, a no ser que a autoridade competente lhe tenha aposto expressamente uma clusula derrogatria.

    Cn. 39 As condies includas no acto administrativo s se consideram apostas para a validade quando forem expressas pelas partculas se (si), a no ser que (nisi), contanto que (dummodo).

    Cn. 40 O executor de um acto administrativo desempenha invalidamente o seu mnus, antes de ter recebido o documento e examinado a sua autenticidade e integridade, a no ser que o conhecimento prvio do mesmo lhe tenha sido trans-mitido por autoridade de quem emitiu o referido acto.

    Cn. 41 O executor do acto administrativo a quem foi cometido o simples mnus de execuo no pode negar a execuo desse acto, a no ser que aparea claramente que esse acto nulo, ou que por causa grave no pode manter-se ou que no esto verificadas as condies apostas ao acto administrativo; se, porm, a execuo do acto administrativo parecer inoportuna em razo das circunstncias da pessoa ou do lugar, o executor interrompa a execuo; nestes casos comunique

    TIT. IV Dos actos administrativos singulares

  • 8 LIV. I Das normas gerais 9LIV. I Das normas gerais

    imediatamente o facto autoridade que emitiu o acto.

    Cn. 42 O executor do acto administrativo deve proceder segundo as nor-mas do mandato; se no cumprir as condies essenciais apostas no documento e no observar a forma substancial de proceder, a execuo invlida.

    Cn. 43 O executor do acto administrativo, segundo o seu prudente juzo, pode fazer-se substituir por outrem, a no ser que tenha sido proibida a substitui-o, ou ele tenha sido escolhido pela sua especial aptido, ou determinada a pessoa do substituto; nestes casos, porm, permitido ao executor confiar a outrem os actos preparatrios.

    Cn. 44 O acto administrativo pode tambm ser executado pelo sucessor do executor no ofcio, a no ser que ele tenha sido escolhido pela sua especial aptido.

    Cn. 45 O executor, se de qualquer modo tiver errado na execuo do acto administrativo, pode execut-lo de novo.

    Cn. 46 O acto administrativo no cessa com o termo do direito daquele que o emitiu, a no ser que expressamente se determine outra coisa.

    Cn. 47 A revogao de um acto administrativo por outro acto admi-nistrativo da autoridade executiva competente somente surte efeito a partir do momento em que for legitimamente notificado pessoa para a qual foi dado.

    CAPTULO II

    DOS DECRETOS E PRECEITOS SINGULARES

    Cn. 48 Entende-se por decreto singular o acto administrativo emanado da competente autoridade executiva pelo qual, segundo as normas do direito, se d uma deciso ou se faz um provimento, que, pela sua natureza, no pressupe uma petio feita por algum.

    Cn. 49 Preceito singular o decreto pelo qual directa e legitimamente se impe a uma ou mais pessoas determinadas que faam ou omitam alguma coisa, sobretudo para urgir a observncia da lei.

    Cn. 50 Antes de lavrar um decreto singular, a autoridade recolha as infor-maes e provas necessrias, e, na medida do possvel, oia aqueles cujos direitos possam ser lesados.

    Cn. 51 O decreto lavre-se por escrito, indicando, ao menos sumariamente, os motivos, se se tratar de uma deciso.

    Cn. 52 O decreto singular s tem valor para as coisas que determina e para as pessoas para quem foi dado; obriga-as, porm, em toda a parte, se no constar outra coisa.

    TIT. IV Dos actos administrativos singulares

  • 10 LIV. I Das normas gerais 11LIV. I Das normas gerais

    Cn. 53 Se os decretos forem contrrios entre si, o peculiar, nas coisas que se exprimem de forma peculiar, prevalece sobre o geral; se forem igualmente pe-culiares ou gerais, o posterior no tempo ob-roga o anterior, na medida em que lhe for contrrio.

    Cn. 54 1. O decreto singular, cuja aplicao se confia ao executor, surte efeito desde o momento da execuo; de contrrio, desde o momento em que intimado ao interessado por autoridade da pessoa que o lavrou. 2. O decreto singular, para poder ser urgido, deve ser intimado por documen-to legtimo segundo as normas do direito.

    Cn. 55 Salvo o prescrito nos cns. 37 e 51, quando uma causa gravssima obstar a que se entregue o texto escrito do decreto, este considera-se intimado se for lido quele a quem se destina perante o notrio ou duas testemunhas, redigin-do-se a acta que deve ser assinada por todos os presentes.

    Cn. 56 O decreto considera-se intimado, se aquele a quem se destina, devidamente convocado para receber ou ouvir o decreto, sem justa causa no comparecer ou se recusar a assin-lo.

    Cn. 57 1. Quando a lei prescrever que se lavre um decreto ou quando o interessado apresentar legitimamente uma petio ou recurso para obter um decre-to, a autoridade competente providencie dentro de trs meses depois de recebida a petio ou o recurso, a no ser que a lei prescreva outro prazo. 2. Decorrido este prazo sem que o decreto tenha sido lavrado, presume-se que a resposta negativa, em ordem a ser proposto recurso ulterior. 3. A resposta negativa presumida no exime a autoridade competente da obri-gao de lavrar o decreto, nem de reparar o dano que porventura tenha causado nos termos do cn. 128.

    Cn. 58 1. O decreto singular deixa de ter valor por revogao legtima feita pela autoridade competente e ainda por cessao da lei para cuja execuo foi lavrado. 2. O preceito singular, que no tenha sido imposto por documento legtimo, caduca por cessao do direito do mandante.

    CAPTULO III

    DOS RESCRITOS

    Cn. 59 1. Rescrito o acto administrativo exarado por escrito pela com-petente autoridade executiva, pelo qual, de sua natureza, a pedido de algum, se concede um privilgio, uma dispensa ou outra graa. 2. O que se determina acerca dos rescritos vale tambm para a concesso de

    TIT. IV Dos actos administrativos singulares

  • 10 LIV. I Das normas gerais 11LIV. I Das normas gerais

    uma licena, assim como para as concesses de graas feitas de viva voz, se outra coisa no constar.

    Cn. 60 Qualquer rescrito pode ser impetrado por todos os que no estejam expressamente proibidos de o fazer.

    Cn. 61 Se no constar outra coisa, pode impetrar-se um rescrito para ou-trem, mesmo sem o seu assentimento, e vlido antes da sua aceitao, salvo se tiver clusulas contrrias.

    Cn. 62 O rescrito em que no haja executor surte efeito a partir do momen-to em que o documento foi lavrado; os restantes desde o momento da execuo.

    Cn. 63 1. A sub-repo, ou seja a ocultao da verdade, obsta validade do rescrito se na splica no tiver sido expresso aquilo que segundo lei, o estilo e a praxe cannica se deve exprimir para a validade, a no ser que se trate de um rescrito de graa que tenha sido dado Motu proprio. 2. Do mesmo modo obsta validade do rescrito a ob-repo, ou seja a expo-sio de falsidade, se nem sequer uma das causas motivas apresentadas for verda-deira. 3. Nos rescritos em que no h executor necessrio que a causa motiva seja verdadeira no momento em que o rescrito for lavrado; nos outros, no momento da execuo.

    Cn. 64 Salvo o direito da Penitenciaria para o foro interno, a graa negada por qualquer dicastrio da Cria Romana no pode ser validamente concedida por outro dicastrio da mesma Cria ou por qualquer outra autoridade inferior ao Romano Pontfice, sem o assentimento do dicastrio com que se comeou a tratar do caso.

    Cn. 65 l. Salvo o prescrito nos 2 e 3, ningum pea a outro Ordinrio uma graa que lhe foi negada pelo Ordinrio prprio, a no ser fazendo meno da negao; feita esta meno, o Ordinrio no conceda a graa, a no ser depois de ter recebido do primeiro Ordinrio os motivos da negao. 2. A graa negada pelo Vigrio geral ou pelo Vigrio episcopal no pode ser concedida validamente por outro Vigrio do mesmo Bispo, mesmo depois de conhecidas as razes do Vigrio que a negou. 3. invlida a graa recusada pelo Vigrio geral ou pelo Vigrio episcopal e posteriormente impetrada do Bispo diocesano sem se fazer meno daquela re-cusa; a graa negada pelo Bispo diocesano no se pode impetrar validamente do seu Vigrio geral ou episcopal, mesmo fazendo meno da recusa, sem o consen-timento do Bispo.

    Cn. 66 O rescrito no invlido por erro do nome da pessoa a quem dado, ou de quem o concedeu, ou do lugar em que ela reside, ou da coisa de que se

    TIT. IV Dos actos administrativos singulares

  • 12 LIV. I Das normas gerais 13LIV. I Das normas gerais

    trata, contanto que, a juzo do Ordinrio, no haja dvida alguma acerca da prpria pessoa ou da coisa.

    Cn. 67 1. Se suceder que se alcancem dois rescritos contrrios entre si acerca da mesma coisa, o peculiar, no que se exprime peculiarmente, prevalece sobre o geral. 2. Se forem igualmente peculiares ou gerais, o primeiro no tempo prevalece sobre o posterior, a no ser que no segundo se faa meno expressa do primeiro, ou o primeiro impetrante por dolo ou negligncia notvel no tenha usado o seu rescrito. 3. Na dvida se o rescrito valido ou no, recorra-se a quem o concedeu.

    Cn. 68 O rescrito da S Apostlica em que no h executor s deve ser apresentado ao Ordinrio do impetrante, quando isso se prescrever no prprio documento ou se tratar de coisas pblicas, ou for necessrio comprovar as condi-es.

    Cn. 69 O rescrito, em que no se prescreve tempo determinado para a sua apresentao, pode apresentar-se ao executor em qualquer altura, contanto que no haja fraude ou dolo.

    Cn. 70 Se no rescrito a prpria concesso se confiar ao executor, compete a este, segundo o seu prudente juzo e conscincia, conceder ou denegar a graa.

    Cn. 71 Ningum obrigado a fazer uso de um rescrito concedido s a seu favor, a no ser que por outra razo a tal esteja vinculado por obrigao cannica.

    Cn. 72 Os rescritos concedidos pela S Apostlica, que j tenham expira-do, podem por justos motivos ser prorrogados uma s vez pelo Bispo diocesano, mas no para alm de trs meses.

    Cn. 73 Por lei contrria no se revoga nenhum rescrito, a no ser que outra coisa se determine na prpria lei.

    Cn. 74 Ainda que algum possa usar no foro interno a graa que lhe foi concedida de viva voz, tem no entanto de a provar no foro externo, quando tal lhe for legitimamente pedido.

    Cn. 75 Se o rescrito contiver privilgio ou dispensa, observem-se tambm as prescries dos cnones seguintes.

    TIT. IV Dos actos administrativos singulares

  • 12 LIV. I Das normas gerais 13LIV. I Das normas gerais

    CAPTULO IV

    DOS PRIVILGIOS

    Cn. 76 1. O privilgio, ou seja a graa outorgada por acto peculiar em favor de certas pessoas fsicas ou jurdicas, pode ser concedido pelo legislador ou ainda pela autoridade executiva a quem o legislador tiver concedido tal poder. 2. A posse centenria ou imemorial induz a presuno de ter sido concedido o privilgio.

    Cn. 77 O privilgio deve interpretar-se segundo as normas do cn. 36 1; mas deve empregar-se sempre interpretao com a qual os favorecidos com o pri-vilgio de facto consigam alguma graa.

    Cn. 78 1. O privilgio presume-se perptuo, a no ser que se prove o contrrio. 2. O privilgio pessoal, isto aquele que segue a pessoa, extingue-se com ela. 3. O privilgio real cessa pela destruio total da coisa ou do lugar; o privi-lgio local, porm, revive se o lugar se restaurar dentro de cinquenta anos.

    Cn. 79 O privilgio cessa por revogao feita pela autoridade competente nos termos do cn. 47, sem prejuzo do prescrito no cn. 81.

    Cn. 80 1. Nenhum privilgio cessa por renncia, se esta no for aceite pela autoridade competente. 2. Qualquer pessoa fsica pode renunciar ao privilgio concedido exclusiva-mente em seu favor. 3. As pessoas singulares no podem renunciar ao privilgio concedido a al-guma pessoa jurdica, ou em razo da dignidade do lugar ou da coisa; nem lcito pessoa jurdica renunciar ao privilgio que lhe foi concedido, se tal renncia redundar em prejuzo da Igreja ou de outrem.

    Cn. 81 No se extingue o privilgio ao cessar o poder de quem o conce-deu, a no ser que tenha sido concedido com a clusula segundo o nosso benepl-cito ou outra equivalente.

    Cn. 82 O privilgio no oneroso para terceiros no cessa pelo no uso ou pelo uso contrrio; mas o que for gravoso para outros perde-se, se sobrevier pres-crio legtima.

    Cn. 83 1. Cessa o privilgio por ter decorrido o tempo ou por se ter atin-gido o nmero de casos para que foi concedido, sem prejuzo do prescrito no cn. 142, 2. 2. Cessa tambm, se no decurso do tempo se modificarem de tal modo as

    TIT. IV Dos actos administrativos singulares

  • 14 LIV. I Das normas gerais 15LIV. I Das normas gerais

    circunstncias que, a juzo da autoridade competente, o privilgio se tenha tornado nocivo, ou ilcito o seu uso.

    Cn. 84 Quem abusar do poder que lhe foi concedido por privilgio, me-rece ser privado do prprio privilgio; por isso, o Ordinrio depois de ter avisado em vo o privilegiado, prive do privilgio que ele mesmo concedeu quem dele abusa gravemente; se porm o privilgio tiver sido concedido pela S Apostlica, o Ordinrio tem obrigao de a avisar.

    CAPTULO V

    DAS DISPENSAS

    Cn. 85 A dispensa, ou seja a relaxao da lei meramente eclesistica num caso particular, pode ser concedida por quem tenha autoridade executiva dentro dos limites da sua competncia, e ainda por aqueles a quem, pelo direito ou por delega-o legtima, explcita ou implicitamente competir o poder de dispensar.

    Cn. 86 No so susceptveis de dispensa as leis na medida em que definem os elementos constitutivos essenciais dos institutos ou dos actos jurdicos.

    Cn. 87 l. O Bispo diocesano, sempre que julgar que isso contribui para o bem espiritual dos fiis, pode dispens-los das leis disciplinares tanto univer-sais como particulares promulgadas pela autoridade suprema da Igreja para o seu territrio ou para os seus sbditos, mas no das leis processuais ou penais nem daquelas cuja dispensa esteja especialmente reservada S Apostlica ou a outra autoridade. 2. Se for difcil o recurso Santa S e simultaneamente houver perigo de grave dano na demora, qualquer Ordinrio pode dispensar das mesmas leis, ainda que a dispensa esteja reservada Santa S, contanto que se trate de dispensa que ela nas mesmas circunstncias costume conceder, sem prejuzo da prescrio do cn. 291.

    Cn. 88 O Ordinrio do lugar pode dispensar das leis diocesanas e, quando o julgar conveniente para o bem dos fiis, das leis dimanadas do Conclio plenrio ou provincial ou da Conferncia episcopal.

    Cn. 89 O proco e os outros presbteros ou os diconos no podem dispen-sar da lei universal ou particular, a no ser que tal poder lhes tenha sido concedido expressamente.

    Cn. 90 1. No se dispense da lei eclesistica sem causa justa e razovel, tendo em considerao as circunstncias do caso e a gravidade da lei de que se dispensa; de contrrio a dispensa ilcita e, a no ser que tenha sido concedida pelo legislador ou seu superior, tambm invlida.

    TIT. IV Dos actos administrativos singulares

  • 14 LIV. I Das normas gerais 15LIV. I Das normas gerais

    2. Em caso de dvida acerca da suficincia da causa, a dispensa concede-se vlida e licitamente.

    Cn. 91 Quem tem poder para dispensar, mesmo estando fora do seu terri-trio, pode exerc-lo para com os seus sbditos, ainda que estes se encontrem fora desse territrio, e tambm, a no ser que se estabelea expressamente o contrrio, em favor dos peregrinos que se encontrem actualmente no territrio, assim como em favor de si prprio.

    Cn. 92 Est sujeita a interpretao estrita no s a dispensa segundo as normas do cn. 36 1, mas tambm a prpria faculdade de dispensar concedida para um caso determinado.

    Cn. 93 A dispensa, que tem tracto sucessivo, cessa da mesma forma que o privilgio, e ainda por cessao certa e total da causa motiva.

    TTULO V

    DOS ESTATUTOS E REGULAMENTOS

    Cn. 94 1. Os estatutos, em sentido prprio, so ordenaes que, segundo as normas do direito, se estabelecem para universalidades de pessoas ou de coisas, e pelos quais se determinam o fim, a constituio, o governo e o modo de actuar das mesmas. 2. Os estatutos das universalidades de pessoas obrigam apenas as pessoas que legitimamente delas so membros; os estatutos das universalidades de coisas obrigam aqueles que exercem a direco das mesmas. 3. As prescries dos estatutos elaboradas e promulgadas em virtude do po-der legislativo regem-se pelas determinaes dos cnones relativos s leis.

    Cn. 95 1. Os regulamentos so regras ou normas a observar em reunies de pessoas, quer essas reunies sejam determinadas pela autoridade eclesistica quer convocadas livremente pelos fiis, ou em outras assembleias, nas quais se estabelece o que diz respeito constituio, direco e modo de proceder. 2. Nestas reunies e assembleias esto obrigados s regras do regulamento quantos nelas tomam parte.

    TIT. V Dos estatutos e regulamentos

  • 16 LIV. I Das normas gerais 17LIV. I Das normas gerais

    TTULO VI

    DAS PESSOAS FSICAS E JURDICAS

    CAPTULO I

    DA CONDIO CANNICA DAS PESSOAS FSICAS

    Cn. 96 Pelo baptismo o homem incorporado na Igreja de Cristo e nela constitudo pessoa, com os deveres e direitos que, atendendo sua condio, so prprios dos cristos, na medida em que estes permanecem na comunho eclesis-tica e a no ser que obste uma sano legitimamente infligida.

    Cn. 97 1. maior a pessoa que completou dezoito anos de idade; antes desta idade menor. 2. 0 menor, antes de completar sete anos, chama-se infante e considera-se que no tem o uso da razo; completados os sete anos, presume-se que o tem.

    Cn. 98 1. A pessoa maior tem o pleno exerccio dos seus direitos. 2. A pessoa menor, no exerccio dos seus direitos, est sujeita ao poder dos pais ou tutores, excepto naquilo em que os menores, por lei divina ou pelo direito cannico, esto isentos do poder daqueles; no concernente constituio dos tuto-res e aos seus poderes, observem-se as prescries do direito civil, a no ser que o direito cannico prescreva outra coisa, ou o Bispo diocesano, em certos casos, por justos motivos, julgue conveniente providenciar por meio da nomeao de outro tutor.

    Cn. 99 Quem habitualmente carecer do uso da razo, considera-se que o no possui e equipara-se aos infantes.

    Cn. 100 A pessoa diz-se: morador, no lugar onde tem domiclio; ad-ventcio, no lugar onde tem quase-domiclio; peregrino, se se encontrar fora do domiclio ou quase-domiclio que ainda mantm; vago, se no tem domiclio ou quase-domiclio em parte alguma.

    Cn. 101 1. O lugar da origem do filho, mesmo nefito, aquele em que, quando o filho nasceu, os pais tinham domiclio, ou na falta dele, quase-domiclio; ou, se os pais no tinham o mesmo domiclio ou quase-domiclio, a me. 2. Se se tratar de filho de vagos, o lugar de origem o prprio lugar do nas-cimento; se de exposto, o lugar em que foi encontrado.

    Cn. 102 1. O domiclio adquire-se pela residncia no territrio de al-guma parquia ou, ao menos, de alguma diocese, acompanhada da inteno de a permanecer perpetuamente se nada o fizer transferir-se, ou por a residncia de facto se ter prolongado por cinco anos completos.

    TIT. VI Das pessoas fsicas e jurdicas

  • 16 LIV. I Das normas gerais 17LIV. I Das normas gerais

    2. O quase-domiclio adquire-se pela residncia no territrio de alguma par-quia ou, ao menos, de alguma diocese, acompanhada da inteno de a permanecer ao menos por trs meses se nada o fizer transferir-se, ou por a residncia de facto se ter prolongado por trs meses. 3. O domiclio ou o quase-domiclio no territrio da parquia diz-se paro-quial; no territrio da diocese, ainda que no numa parquia, diz-se diocesano.

    Cn. 103 Os membros dos institutos religiosos e das sociedades de vida apostlica adquirem domiclio no lugar onde est situada a casa a que esto ads-critos; quase-domiclio na casa onde residem, nos termos do cn. 102, 2.

    Cn. 104 Tenham os cnjuges domiclio ou quase-domiclio comum; por motivo de separao legtima ou por outra justa causa, cada um deles pode ter domiclio ou quase-domiclio prprio.

    Cn. 105 1. O menor tem necessariamente o domiclio ou o quase-domi-clio daquele a cujo poder est submetido. Depois da infncia pode adquirir tam-bm quase-domiclio prprio; e o legitimamente emancipado, segundo as normas do direito civil, pode mesmo adquirir domiclio prprio. 2. Aquele que, por motivo diverso da menoridade foi legitimamente entregue tutela ou curatela de outrem, tem o domiclio ou o quase-domiclio do tutor ou curador.

    Cn. 106 Perde-se o domiclio ou o quase-domiclio pelo abandono do lugar com inteno de no regressar, salvo o prescrito no cn. 105.

    Cn. 107 1. Cada qual adquire o seu proco e Ordinrio pelo domiclio ou pelo quase-domiclio. 2. O proco ou o Ordinrio prprio do vago o proco ou o Ordinrio do lugar onde o vago na ocasio se encontra. 3. O proco prprio daquele que s tem domiclio ou quase-domiclio dioce-sano o proco do lugar em que ele na ocasio se encontra.

    Cn. 108 1. A consanguinidade conta-se por linhas e graus. 2. Na linha recta, h tantos graus quantas as geraes, ou quantas as pessoas, excludo o tronco. 3. Na linha oblqua h tantos graus quantas as pessoas em ambas as linhas, simultaneamente, excludo o tronco.

    Cn. 109 1. A afinidade origina-se no matrimnio vlido, mesmo no consumado, e existe entre o marido e os consanguneos da mulher, e entre a mu-lher e os consanguneos do marido. 2. A afinidade conta-se de forma que os que so consanguneos do marido sejam afins da mulher na mesma linha e grau, e vice-versa.

    Cn. 110 Os filhos que tiverem sido adoptados nos termos da lei civil, con-sideram-se filhos daquele ou daqueles que os tiverem adoptado.

    TIT. VI Das pessoas fsicas e jurdicas

  • 18 LIV. I Das normas gerais 19LIV. I Das normas gerais

    Cn. 111 l . Pela recepo do baptismo fica adscrito Igreja latina o filho de pais que a ela pertenam ou, se um deles a esta no pertencer, ambos, de comum acordo, tiverem optado por que a prole fosse baptizada na Igreja latina; na falta de acordo, fica adscrito Igreja ritual a que o pai pertence. 2. O baptizando que tiver completado catorze anos de idade pode livremente escolher baptizar-se na Igreja latina ou em outra Igreja ritual autnoma (sui iuris); neste caso ele fica a pertencer Igreja que escolheu.

    Cn. 112 1. Depois de recebido o baptismo, so adscritos a outra Igreja ritual autnoma: 1. quem tiver obtido licena da S Apostlica; 2. o cnjuge que, ao contrair matrimnio ou durante ele, declarar que pas-sa para a Igreja ritual autnoma do outro; dissolvido, porm, o matrimnio, pode regressar livremente Igreja latina; 3. os filhos das pessoas referidas nos ns. l e 2, antes dos catorze anos com-pletos, e ainda, nos matrimnios mistos, os filhos da parte catlica que tenham passado legitimamente para outra Igreja ritual; atingida aquela idade, podem re-gressar Igreja latina. 2. A prtica, mesmo prolongada, de algum receber os sacramentos segundo o rito de uma Igreja ritual autnoma no acarreta a adscrio a essa Igreja.

    CAPTULO II

    DAS PESSOAS JURDICAS

    Cn. 113 1. A Igreja catlica e a S Apostlica tm a natureza de pessoa moral por prpria ordenao divina. 2. Na Igreja, alm das pessoas fsicas, h tambm pessoas jurdicas, ou sejam sujeitos em direito cannico de obrigaes e de direitos consentneos com a sua ndole.

    Cn. 114 l. As universalidades de pessoas ou de coisas ordenadas a um fim consentneo com a misso da Igreja, que transcenda o fim de cada indivduo, so constitudas pessoas jurdicas por prescrio de direito ou por especial conces-so da autoridade competente feita por decreto. 2. Os fins mencionados no 1 so aqueles que se referem a obras de piedade, de apostolado ou de caridade, quer espiritual quer temporal. 3. A autoridade competente da Igreja no confira personalidade jurdica a no ser quelas universalidades de pessoas ou de coisas que prossigam um fim real-mente til, e, tudo ponderado, disponham de meios que se preveja possam bastar para atingir o fim proposto.

    TIT. VI Das pessoas fsicas e jurdicas

  • 18 LIV. I Das normas gerais 19LIV. I Das normas gerais

    Cn. 115 l. As pessoas jurdicas na Igreja so ou universalidades de pes-soas ou universalidades de coisas. 2. A universalidade de pessoas, que no pode constar de menos de trs pes-soas, colegial se os seus membros determinam a sua actuao, concorrendo para tomar as decises, com direitos iguais ou no, segundo as normas do direito e dos estatutos; de contrrio, no-colegial. 3. A universalidade de coisas ou fundao autnoma consta de bens ou coi-sas, quer espirituais quer materiais, e regida, segundo as normas do direito e dos estatutos, por uma ou mais pessoas fsicas ou por um colgio.

    Cn. 116 l. As pessoas jurdicas pblicas so universalidades de pessoas ou de coisas, constitudas pela autoridade eclesistica competente para, dentro dos fins que a si mesmas se propuseram, segundo as prescries do direito, desempe-nharem em nome da Igreja o mnus prprio que lhes foi confiado em ordem ao bem pblico; as outras pessoas jurdicas so privadas. 2. As pessoas jurdicas pblicas adquirem esta personalidade quer pelo prprio direito quer por decreto da autoridade competente que expressamente a conceda; as pessoas jurdicas privadas adquirem esta personalidade apenas por decreto especial da autoridade competente que expressamente a conceda.

    Cn. 117 Nenhuma universalidade de pessoas ou de coisas, que pretenda adquirir personalidade jurdica, a pode obter sem que os seus estatutos sejam apro-vados pela autoridade competente.

    Cn. 118 Representam a pessoa jurdica pblica, agindo em seu nome, aqueles a quem tal competncia reconhecida por direito universal ou particular ou pelos estatutos prprios; representam a pessoa jurdica privada aqueles a quem tal competncia atribuda pelos estatutos.

    Cn. 119 No concernente aos actos colegiais, a no ser que outra coisa se determine no direito ou nos estatutos: 1. se se tratar de eleies, ter valor de direito o que, estando presente a maior parte dos que devem ser convocados, for aprovado por maioria absoluta dos presentes; depois de dois escrutnios ineficazes, a votao faa-se entre os dois candidatos que obtiveram a maior parte dos votos, ou, se forem mais, entre os dois mais velhos em idade; depois do terceiro escrutnio, se se mantiver a igualdade, considere-se eleito o que for mais velho em idade; 2. se se tratar de outros assuntos, ter valor de direito o que, estando presente a maior parte dos que devem ser convocados, for aprovado pela maioria absoluta dos presentes; se depois de dois escrutnios houver igualdade de votos, o presidente pode dirimir a paridade com o seu voto; 3. o que respeita a todos individualmente, por todos deve ser aprovado.

    Cn. 120 l. A pessoa jurdica , por sua natureza, perptua; extingue-se

    TIT. VI Das pessoas fsicas e jurdicas

  • 20 LIV. I Das normas gerais 21LIV. I Das normas gerais

    contudo se for suprimida legitimamente pela autoridade competente ou se deixar de actuar pelo espao de cem anos; a pessoa jurdica privada extingue-se ainda se a associao se dissolver segundo as normas dos estatutos, ou se, a juzo da au-toridade competente, a prpria fundao deixar de existir segundo as normas dos estatutos. 2. Se existir s um dos membros da pessoa jurdica colegial e a universali-dade de pessoas no tiver deixado de existir segundo os estatutos, o exerccio de todos os direitos da universalidade compete quele membro nico.

    Cn. 121 Quando se unirem universalidades, quer de pessoas quer de coi-sas, que sejam pessoas jurdicas pblicas, de tal modo que delas se forme uma nica universalidade com personalidade jurdica, esta nova pessoa jurdica adquire os bens e os direitos patrimoniais prprios das anteriores e assume os encargos que oneravam as mesmas; no concernente em especial ao destino dos bens e ao cumprimento dos encargos, devem ressalvar-se a vontade dos fundadores e