Código Especial Câncer de tireoide - sbccp.org.br · por US. Outros métodos de imagem, ... quer...

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Artigo Especial Câncer de tireoide Laura Sterian Ward 1 Introdução O número de casos de câncer de tireoide vem au- mentando assustadoramente no mundo todo. Dados re- centes do Instituto Nacional do Câncer (Inca) projetam esse tumor como o quarto mais frequente entre mulhe- res no ano de 2012 (Figura 1). Esperam-se 10.590 casos novos de câncer de tireoide em 2012, com um risco esti- mado de 11 casos a cada 100 mil mulheres. 1) CRM SP: 37194-0 - Presidente do Departamento de Tireoide da SBEM *Informe comercial Estimativa de incidência dos principais tumores mais frequentes em ambos os sexos para o ano de 2012, excetuando-se os cânceres de pele não melanoma Instituto Nacional de Câncer – INCA [homepage na Internet]. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 1996-2012. [acesso em 2012 Jan 9]. Estimativa de Câncer 2012. Incidência de Câncer no Brasil. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2012/ Localização primária Próstata Traqueia, brônquio e pulmão Cólon e reto Estômago Cavidade oral Esôfago Bexiga Laringe Linfoma não Hodgkin Sistema nervoso central Casos novos 60.180 17.210 14.180 12.670 9.990 7.770 6.210 6.110 5.190 4.820 Percentual 30,8% 8,8% 7,3% 6,5% 5,1% 4,0% 3,2% 3,1% 2,7% 2,5% Localização primária Mama feminina Colo do útero Cólon e reto Glândula tireoide Traqueia, brônquio e pulmão Estômago Ovário Corpo do útero Sistema nervoso central Linfoma não Hodgkin Homens Mulheres Casos novos 52.680 17.540 15.960 10.590 10.110 7.420 6.190 4.520 4.450 4.450 Percentual 27,9% 9,3% 8,4% 5,6% 5,3% 3,9% 3,3% 2,4% 2,4% 2,4% Figura 1. Estimativa de incidência de indivíduos de ambos os sexos com mais de 80 anos de idade por décadas Oliveira JC, et al. Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 1980-2050 – Revisão 2004: metodologias e resultados. Estimativas anuais e mensais da população do Brasil a das unidades da federação: 1980-2020: metodologia. Estimativas das populações minicipais: metodologia [monografia na Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2004 [acesso em 2012 Mar 20]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/metodologia.pdf 9.000.000 7.000.000 5.000.000 3.000.000 1.000.000 1.000.000 3.000.000 5.000.000 7.000.000 2050 2040 2030 2020 2010 2005 2000 1990 1980 Homens Mulheres Figura 2. Esse aumento se deve, em parte, ao fato de que nossa população está envelhecendo. Embora a curva de crescimento da população brasileira como um todo esteja se aplainando, a estimativa de crescimento da po- pulação de idosos sugere que vamos ter cerca de 2,5 milhões de idosas com mais de 80 anos de idade em 2020 (Figura 2). À medida que envelhecemos, nos tornamos mais suscetíveis a todo tipo de doença maligna. O fato de que existem métodos muito sensíveis ca- pazes de diagnosticar precocemente tumores bem pe- quenos, também explica parte do aumento do número de casos de câncer de tireoide. De fato, o exame ultras- sonográfico (US) cervical é capaz de detectar tumores na tireoide com sensibilidade muito elevada, de modo que cerca de 80% dos idosos de sexo masculino com mais de 80 anos de idade e 90% das mulheres com mais de 70 anos de idade apresentam um nódulo detectável por US. Outros métodos de imagem, como tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e angio- grafias, também são cada vez mais acessíveis e podem estar contribuindo para o aumento do número de casos de cânceres de tireoide que vêm sendo observados. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 103-108, abril / maio / junho 2012 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 103

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Artigo Especial

Código Especial

Câncer de tireoide

Laura Sterian Ward1

Introdução

O número de casos de câncer de tireoide vem au-mentando assustadoramente no mundo todo. Dados re-centes do Instituto Nacional do Câncer (Inca) projetam esse tumor como o quarto mais frequente entre mulhe-res no ano de 2012 (Figura 1). Esperam-se 10.590 casos novos de câncer de tireoide em 2012, com um risco esti-mado de 11 casos a cada 100 mil mulheres.

1) CRM SP: 37194-0 - Presidente do Departamento de Tireoide da SBEM*Informe comercial

Estimativa de incidência dos principais tumores mais frequentes em ambos os sexos para o ano de 2012, excetuando-se os cânceres de pele não melanoma

Instituto Nacional de Câncer – INCA [homepage na Internet]. Rio de Janeiro:Ministério da Saúde; 1996-2012. [acesso em 2012 Jan 9]. Estimativa de Câncer2012. Incidência de Câncer no Brasil. Disponível em:http://www.inca.gov.br/estimativa/2012/

Localização primária

Próstata

Traqueia, brônquio e pulmão

Cólon e reto

Estômago

Cavidade oral

Esôfago

Bexiga

Laringe

Linfoma não Hodgkin

Sistema nervoso central

Casos novos

60.180

17.210

14.180

12.670

9.990

7.770

6.210

6.110

5.190

4.820

Percentual

30,8%

8,8%

7,3%

6,5%

5,1%

4,0%

3,2%

3,1%

2,7%

2,5%

Localização primária

Mama feminina

Colo do útero

Cólon e reto

Glândula tireoide

Traqueia, brônquio e pulmão

Estômago

Ovário

Corpo do útero

Sistema nervoso central

Linfoma não Hodgkin

Hom

ens

Mul

here

s

Casos novos

52.680

17.540

15.960

10.590

10.110

7.420

6.190

4.520

4.450

4.450

Percentual

27,9%

9,3%

8,4%

5,6%

5,3%

3,9%

3,3%

2,4%

2,4%

2,4%

Figura 1.

Estimativa de incidência de indivíduos de ambos os sexos com mais de 80 anos de idade por décadas

Oliveira JC, et al. Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 1980-2050 – Revisão 2004: metodologias e resultados. Estimativas anuais e mensais da população do Brasil a das unidades da federação: 1980-2020: metodologia. Estimativas das populações minicipais: metodologia [monografia na Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2004 [acesso em 2012 Mar 20]. Disponível em:http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/metodologia.pdf

9.000.000 7.000.000 5.000.000 3.000.000 1.000.000 1.000.000 3.000.000 5.000.000 7.000.000

2050

2040

2030

2020

2010

2005

2000

1990

1980

Homens Mulheres

Figura 2.

Esse aumento se deve, em parte, ao fato de que nossa população está envelhecendo. Embora a curva de crescimento da população brasileira como um todo esteja se aplainando, a estimativa de crescimento da po-pulação de idosos sugere que vamos ter cerca de 2,5 milhões de idosas com mais de 80 anos de idade em 2020 (Figura 2).

À medida que envelhecemos, nos tornamos mais suscetíveis a todo tipo de doença maligna.

O fato de que existem métodos muito sensíveis ca-pazes de diagnosticar precocemente tumores bem pe-quenos, também explica parte do aumento do número de casos de câncer de tireoide. De fato, o exame ultras-sonográfico (US) cervical é capaz de detectar tumores na tireoide com sensibilidade muito elevada, de modo que cerca de 80% dos idosos de sexo masculino com mais de 80 anos de idade e 90% das mulheres com mais de 70 anos de idade apresentam um nódulo detectável por US. Outros métodos de imagem, como tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e angio-grafias, também são cada vez mais acessíveis e podem estar contribuindo para o aumento do número de casos de cânceres de tireoide que vêm sendo observados.

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 2, p. 103-108, abril / maio / junho 2012 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––103

A importância da detecção cada vez mais fácil, mais acessível a um número maior de indivíduos e mais pre-coce explica o fato de, apesar do grande aumento do número de casos, a sobrevida por esses tumores se manter estável. Também explica o grande aumento do número de casos de microcarcinomas, tumores me-nores de 1 cm de diâmetro, que eventualmente nun-ca progrediriam para tumores clínicos. Esses tumores existem em cerca de 8% dos indivíduos submetidos à necropsia ou à cirurgia de tireoide por outros motivos que não um tumor. Se considerarmos que a incidência do câncer de tireoide clinicamente detectado não pas-sa de 20 casos para cada 100.000 habitantes, isto é, 0,0002% da população, é óbvio que a maioria dos tu-mores encontrados em autópsia ou tireoidectomias por doenças benignas simplesmente nunca progrediriam. Mais ainda, microcarcinomas acometem igualmente os dois sexos em material de autópsia, embora o câncer clínico apareça com frequência de três a cinco vezes maior entre as mulheres do que entre os homens. Se-guindo 340 portadores de microcarcinoma sem intervir cirurgicamente, apenas com acompanhamento por US, Ito e col. mostraram que menos de 16% das lesões au-mentavam mais de 3 mm em um período de 10 anos de seguimento.

Porém, o fator escrutínio não consegue explicar to-talmente o aumento de incidência de câncer de tireoide. Tumores grandes, incluindo casos de 4, 5 ou mesmo 6 cm de diâmetro também vêm sendo detectados com maior frequência, tanto entre os indivíduos mais jovens como nos de mais de 45 anos de idade, tanto nos Es-tados Unidos como também no Brasil, e no restante do mundo. Além disso, evidências a favor de uma influência importante do meio ambiente vêm se acumulando.

Caso ClínICo

Paciente do sexo feminino, de 35 anos de idade, procurou o consultório para pedir uma segunda opinião sobre seu caso e porque estava muito preocupada. Re-latou que há cerca de três meses havia realizado exame ultrassonográfico pélvico a pedido de sua ginecologis-ta. O ultrassonografista lhe disse que não havia qual-quer anormalidade ginecológica ou abdominal no exa-me, mas, aproveitando a ocasião, também realizou US cervical, tendo detectado nódulo de tireoide de 1,5 cm x 1,9 cm x 0,89 cm, hipoecoico, de contornos irregulares e com microcalcificações, como mostra a Figura 3.

O profissional comentou que esse nódulo parecia suspeito de malignidade e recomendou à paciente que procurasse um endocrinologista. A paciente procurou, então, um colega que realizou exame físico e pediu exa-mes laboratoriais nos quais constatou níveis séricos de TSH um pouco elevados: TSH=5,2 mUI/L, embora to-dos os demais exames estivessem normais. Por causa da suspeita ultrassonográfica com nódulo maior do que 1 cm de diâmetro e desse valor de TSH, recomendou punção-biópsia do nódulo.

A paciente trouxe à consulta o laudo da biópsia rea-lizado com agulha fina e que mostra células foliculares com pouca celularidade, alguns agrupamentos celulares em arranjos microfoliculares e raras células com nuclé-olos proeminentes. O laudo do citologista foi: atipia de significado indeterminado (AUS - classe III de Bethes-da). Foi feita, então, uma nova ultrassonografia cervical pré-cirúrgica que não mostrou evidência de nenhum lin-fonodo acometido, comprovando que o nódulo era cen-tral, longe da periferia da glândula. A paciente foi sub-metida, a seguir, a uma tireoidectomia total. O exame anatomopatológico mostrou que a lesão possuía 1,8 cm de diâmetro e era um carcinoma papilífero de caracte-rísticas clássicas. A paciente foi orientada a prosseguir tratamento com pesquisa de corpo inteiro, dosagem de tireoglobulina e, a seguir, doses supressivas de levotiro-xina. No entanto, estava muito preocupada porque tem dois filhos e gostaria de saber qual o risco que eles cor-rem de ter a mesma doença.

A questão levantada pela paciente é o que ela pode fazer, particularmente em relação à dieta, para evitar um novo caso de câncer de tireoide na família.

ComentárIo

A paciente em questão faz parte de um grupo crescen-te de mulheres que tem um pequeno carcinoma de tireoide detectado por exame de imagem realizado sem indicação clínica. Embora o US seja um excelente método de diag-nóstico, ele não deve ser utilizado para rastreamento de tumores cervicais porque sua grande sensibilidade faz com que ele detecte nódulo em praticamente a metade da po-pulação.

Por outro lado, o risco de um nódulo ser um câncer é igual em casos diagnosticados incidentalmente ou não, de modo que todo nódulo maior do que 1 cm de diâ-metro merece investigação. Essa paciente não parece fazer parte do grupo de incidentalomas que, como acima explicado, poderiam nunca evoluir clinicamente, embora seu tumor seja pequeno e ela tenha menos de 45 anos

Exame ultrassonográfico mostrando nódulo de tireoide de 1,5 cm x 1,9 cm x 0,89 cm, hipoecoico, de contornos irregulares e com microcalcificações

3 d3 1,53 cm1 d1 1,91 cm2 d2 0,89 cmVol. 0,79 mL

Figura 3.

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de idade. O colega conduziu bem o caso, avaliando ade-quadamente os níveis elevados de TSH como fatores independentes de risco de malignidade. O exame ana-tomopatológico provou que sua conduta foi muito ade-quada, pois a paciente realmente tinha um carcinoma papilífero da tireoide.

Sua preocupação com fatores de risco para câncer de tireoide é muito pertinente. Seu tumor foi causado por alterações genéticas somáticas e, embora ela possa ter um perfil genético de risco para tal malignidade, não se trata de tumor hereditário. Mas existem várias evidências de que fatores ambientais possam estar relacionados ao seu desenvolvimento. Por exemplo, o número de muta-ções genéticas, incluindo as mutações características do carcinoma papilífero, mutações no gene BRAF, mas tam-bém mutações somáticas, é mais frequente nos tumores que vêm sendo diagnosticados nos últimos anos do que era em tumores diagnosticados décadas atrás. Também são mais frequentes as mutações do gene BRAF em in-divíduos que têm maior ingestão de iodo.

Os fatores relacionados ao risco para câncer de ti-reoide podem ser classificados como endógenos e exó-genos.1. Fatores endógenos incluem os fatores relacionados

ao aumento de peso, resistência insulínica e metabo-lismo de lipídeos; e também fatores relacionados ao estrógeno e ao seu metabolismo.

2. Fatores exógenos incluem agentes físicos, como a radiação ionizante; agentes biológicos, como vírus e bactérias; e os agentes químicos, que são os mais conhecidos disruptores ou desreguladores.

1. Fatores endógenos: Sabemos que existe uma relação direta entre o ex-

cesso de peso e o risco para carcinoma diferenciado de tireoide. A obesidade se associa ao risco de câncer de vários órgãos, incluindo o câncer de tireoide, mas o me-canismo através do qual aumenta tal risco ainda não é totalmente compreendido (Figura 4 ).

Sabemos que pacientes com câncer de tireoide têm, mais frequentemente, resistência à insulina, e que mulheres diabéticas têm 46% maior chance de desen-volver esse tipo de tumor, mas também é possível que adipocinas, como a adiponectina, tenham papel etiopa-togênico.

Também deve haver fatores relacionados ao sexo na etiopatogenia do câncer diferenciado da tireoide, ou não conseguiríamos explicar a predominância de casos clíni-cos em mulheres. São as mulheres as responsáveis pelo grande aumento de número de casos, principalmente as mulheres de mais de 45 anos de idade, sugerindo que algo se acumula no organismo feminino e aumenta a predisposição ao câncer de tireoide. Além disso, pa-cientes do sexo feminino, geralmente, têm uma evolução clínica melhor do que a dos homens. No entanto, ainda não se sabe qual seria o fator relacionado ao sexo res-ponsável pela importância do gênero no risco de câncer de tireoide.

2. Fatores exógenos: 2a. Fatores físicos. A radiação ionizante está para o câncer diferenciado de tireoide assim como a radiação ultravioleta está para o câncer de pele. A explosão do reator nuclear na usina de Chernobyl, na Bielorrússia, em 1986, expôs quase dois terços da população euro-peia ao iodo radiativo expelido na atmosfera. Logo nos anos seguintes, documentou-se um nítido aumento do número de casos de câncer de tireoide, com uma rela-ção dose-dependente da exposição à radiação, compro-vando o que já se havia observado após o bombardeio atômico das cidades de Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial, em 1945. É importante ressal-tar a contribuição da exposição à radiação ionizante por indicação médica, não apenas no tratamento de lesões neoplásicas como o linfoma, mas também em exames de imagem. De fato, o número de exames que utilizam radiação ionizante vem aumentando (pois aí também se incluem exames solicitados por dentistas) e a comu-nidade médica e da área de saúde precisa saber que solicitar tais exames implica em um maior risco de indu-ção de câncer de tireoide, de modo que deve-se pesar cuidadosamente o custo-benefício de cada solicitação. 2b. Fatores biológicos. Vírus, parasitas e bactérias estão associados a várias neoplasias humanas, podendo-se mencionar a relação entre o Vírus T-linfotrópico huma-no tipo I (HTLV-I) e o linfoma de células T do adulto; o Schistosoma haematobium e o carcinoma de bexiga; ou o Helicobacter pylori (HP) e o carcinoma gástrico. O cân-cer diferenciado de tireoide vem sendo associado com a infecção por um herpes-vírus, o HHV-2, que se aloja na glândula e afeta o sistema de reparo de DNA celular. Ainda não existem, no entanto, evidências mais sólidas da participação desse vírus, ou de quaisquer outros fato-res biológicos, na etiopatogenia dos tumores de tireoide.

Relação entre obesidade e câncer

Obesidade

adiponectina TNF-α IL-6

PI 3K /Akt

NF-kB Bc12 p53 Fas p27 GSK3 mTOR

CrescimentoSobrevivência Ciclo celular

Câncer

insulina IGF leptina

Adaptado de: Osório-Costa F, et al. Arq Bras Endocrinol Metabol.2009 Mar;53(2):213-26.

Figura 4.

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2c. Fatores químicos. São os mais conhecidos disrupto-res endócrinos existentes e se associam com vários tipos de câncer. Talvez o disruptor mais conhecido seja o cigar-ro, cujo fumo contém mais de 4 mil componentes tóxicos, incluindo hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, nitrosa-minas aromáticas específicas do tabaco e outras aminas aromáticas, nicotina etc. De forma peculiar, o fumo não se associa ao aumento de risco de câncer diferenciado de tireoide. Ao contrário, indivíduos que fumam têm menor incidência desse tipo de câncer e isso se deve, ao menos em parte, ao fato de que o perfil genético herdado, isto é, germinativo, de suscetibilidade ao câncer de tireoide inclui a herança de polimorfismos dos genes CYP1A1, que são capazes de maior detoxificação dos compostos tóxicos do cigarro. Mas inúmeros outros carcinógenos vêm apare-cendo em associação com o aumento de risco de câncer de tireoide, como mostra a Tabela 1.

A maneira como esses agentes disruptores agem nem sempre é conhecida e muitos agentes podem se sobrepor em ações complexas, que podem ser aditivas, subtrativas ou multiplicativas. Não é raro estarmos simul-taneamente expostos a compostos como os percloratos, que existem em fogos de artifício e fósforos, mas tam-bém em alimentos (alface, trigo, leite, vinho, cerveja etc.) e até em multivitamínicos; ou a tiocianatos, como os que existem no cigarro, metabólitos da mandioca, brócolis, repolho, couve-de-bruxelas, couve-flor etc; ou a nitratos que podem ocorrer naturalmente no solo e nas reservas de água, ou em derivados de materiais orgânicos conta-minando vegetais como beterraba, salsão e espinafre.

Compostos disruptores são largamente ingeridos em alimentos, particularmente os industrializados, na forma de corantes, conservantes, estabilizantes e outros aditi-vos, mas também podemos entrar em contato com esses compostos por inalação ou por contato dérmico, como em produtos de limpeza ou mesmo cosméticos. Por outro lado, existem disruptores com diferentes atuações em diferentes pontos estratégicos do metabolismo dos hormônios tireoi-dianos, seja no próprio eixo hipotálamo-hipófise-tireoide como na periferia, no nível hepático, em circulação ou mes-mo no nível tissular como exemplifica a Figura 5.

Alguns compostos tóxicos são considerados inocen-tes, ou ainda chamados de naturais. Um bom exemplo são os fitoestrógenos, compostos frequentemente usa-dos no alívio dos sintomas da menopausa. Derivados da soja contêm isoflavonas, que são importantes inibidores da tireoperoxidase, podendo causar bócio ou diminuir a eficácia do tratamento com iodo radioativo no paciente portador de câncer de tireoide. Mulheres em hipotireoi-dismo subclínico tratadas com esses compostos aumen-tam em três vezes a chance de evoluir para hipotireoi-dismo clínico.

Outros compostos estão incorporados em nossa vida rotineira e sequer são suspeitos, por exemplo, os bisfe-nóis, substâncias utilizadas em plásticos como os reci-pientes que mais frequentemente usamos para guardar, aquecer e congelar alimentos; os copinhos descartáveis e as mamadeiras onde se aquece o leite de lactentes.

tabela 1.

Figura 5.

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Essas substâncias vêm sendo associadas não apenas ao aparecimento de puberdade precoce, esterilidade e câncer de mama, devido à sua semelhança com compos-tos estrogênicos, mas também a distúrbios tireoidianos. Embora estudos de causa-efeito em humanos sejam ex-tremamente difíceis de ser realizados, e grandes estudos epidemiológicos não haverem comprovado uma relação direta entre a exposição a bisfenol e distúrbios tireoidia-nos, o “princípio da precaução”, incluído em nossa Cons-tituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), protegeu a população mais vulnerável, os lactentes, proibindo a comercialização de mamadeiras contendo bisfenol a partir de 1o de janeiro de 2012 em todo o território nacional (Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa RDC 41/2011).

Um importante disruptor, no caso do câncer diferen-ciado de tireoide, é o iodo. Em todos os países onde se introduziu a iodação do sal de cozinha, medida que dimi-nuiu drasticamente o número de casos de bócio endêmi-co e de cretinismo neonatal, houve um paralelo aumento do número de casos de carcinomas papilíferos de tireoi-de, enquanto que se observou uma importante queda no número de casos de carcinomas foliculares. O iodo é, jun-tamente com outros compostos minerais como o selênio, o cádmio, o tiocianato de enxofre, o zinco e o vanádio, imputado como causador da grande incidência de casos de câncer de tireoide que caracteriza todo o chamado “cír-culo de fogo” ou regiões vulcânicas do planeta (Figura 6).

O iodo está associado à maior frequência de mutações de BRAF, e se acredita que ele possa, assim como a ra-diação ionizante, ativar vias de transformação e diferencia-ção que culminariam no processo oncogenético da célula folicular. Os mecanismos envolvidos ainda permanecem desconhecidos, mas é possível que durante o processo de hiperplasia e hipertrofia adaptativo da célula tireoidiana à falta de iodo sejam produzidos peróxidos, substâncias óxi-do reativas, radicais livres e compostos tóxicos que cau-sam lesões ao material genético da célula folicular.

Quando as células danificadas recebem outro estí-mulo externo, que poderia ser a exposição à radiação ionizante causando a quebra da dupla hélice do DNA ou a ação de outro disruptor, esses danos genéticos podem representar uma vantagem de crescimento para a célula afetada, que se prolifera descontroladamente (Figura 7).

ConClusão

É difícil responder à pergunta da paciente. O risco de seus filhos terem o mesmo câncer de tireoide que ela tem existe, sua preocupação procede. Embora não se trate de câncer familiar ou hereditário, o câncer diferenciado de tireoide possui um perfil genético de suscetibilidade herdado, o qual deve ajudar a explicar a ocorrência mais frequente de casos similares entre familiares do portador de câncer de tireoide assim como de outras doenças de tireoide nessas famílias.

Por outro lado, componentes tóxicos aos quais a pa-ciente se expõe podem também estar afetando seus fa-

miliares, de modo que nós também devemos empregar o “princípio da precaução” ao aconselhá-la. É importante recomendar um estilo de vida saudável, com alimentação o mais balanceada possível para evitar o ganho de peso.

Alimentos industrializados, em particular aqueles que sabemos conter mais aditivos e conservantes, de-vem ser preteridos em favor dos alimentos frescos. To-dos os alimentos que contêm excesso de sal, em parti-cular embutidos, devem ser evitados. Não há por que temer o iodo dos alimentos, mas não devemos ingerir mais sal do que o necessário.

Recomenda-se que nos limitemos a cerca de 1,5 g de sódio ao dia, tolerando-se até 2,3 g para um indi-víduo adulto normal, o que corresponde à ingestão de 3.750mg a 5.750mg de sal ao dia para um adulto saudá-vel, mas valores diferentes existem para cada faixa etá-ria. Também podemos recomendar a nossos pacientes

Figura 6.

Figura 7.

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que empreguem utensílios domésticos livres de bisfenol e que questionem sempre o seu médico ou o seu dentis-ta sobre a necessidade e o custo-benefício de exames de imagem envolvendo exposição à radiação ionizante.

RefeRênCias

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