Coleção Criança com Todos os Seus Direitos - Agora Sou Eu! - Volume 6

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1 Agora sou eu! Escuta de crianças no Sertão pernambucano: Uma experiência Volume 6 Coleção Cofinanciador Coordenação Realização Parceiro Colaboração

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O Programa Criança com Todos os seus Direitos surge em resposta às precárias condições de sobrevivência e desenvolvimento de crianças de 0 a 5 anos, na Região do Semiárido brasileiro. No tema cidadania, foram desenvolvidas iniciativas para fomentar a participação de crianças de 4 a 6 anos de idade, em parceria com a Associação de Articulação Civil para Cidadania (Acari), entidade civil de direito privado sem fins lucrativos e econômicos. Em 2014, foi elaborado material para compartilhar a experiência e o aprendizado gerado a partir da metodologia de escuta de crianças, desenvolvida junto às crianças de comunidades indígenas, quilombolas e urbanas nos municípios atendidos pelo projeto.

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Agora sou eu!

Escuta de crianças no Sertão pernambucano:

Uma experiência

Volume 6

Coleção

Cofinanciador Coordenação Realização

ParceiroColaboração

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Escuta de crianças no Sertão pernambucano:

Uma experiência

Agora sou eu!

Coleção

Volume 6

1ª Edição

Recife

Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

2014

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Texto

Ailma Cintia Barros Nascimento, Gleice de Oliveira Cordeiro, Ilze Braga de Carvalho Nobre e Jackeline Maria de Souza

Equipe ACARI (Associação Civil de Articulação

para a Cidadania)Ailma Cintia Barros Nascimento, Carlene Sobreira Alencar, Gleice de Oliveira Cordeiro, Ilze Braga de Carvalho Nobre, Jackeline Maria de Souza, Maria Auderian Ferreira de Menezes, Maria Helena Martins de Oliveira e Simone de Araújo Souza

Edição Daniela Resende Florio

Colaboração Denise Maria Cesario, Gislaine Cristina de Carvalho, Stéfany Terceiro dos Santos, Thais Moreira Arruda e Victor Alcântara da Graça

Revisão ortográfica e gramaticalMônica de Aguiar Rocha

Projeto gráfico e diagramação Priscila Hlodan

Ilustração Vanessa Alexandre

Impressão Pro Visual Gráfica e Editora Ltda ME

Tiragem 1.500 exemplares

expediente ficha tÉcnica

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

Presidente

Carlos Antonio Tilkian

Vice-Presidente

Synésio Batista da Costa

Secretário

Bento José Gonçalves Alcoforado

Conselheiros

Bento José Gonçalves Alcoforado, Carlos Antonio Tilkian, Claudio Roberto

I Sen Chen, Daniel Trevisan, David Baruch Diesendruck, Dilson Suplicy

Funaro, Eduardo José Bernini, Elias Jonas Landsberger Glik, Fernando Vieira

de Mello, Hector Nuñez, José Eduardo Planas Pañella, José Ricardo Roriz

Coelho, José Roberto dos Santos Nicolau, Karin Elisabeth Dahlin, Kathia Lavin

Gamboa Dejean, Lourival Kiçula, Luiz Fernando Brino Guerra, Mauro Antonio

Ré, Mauro Manoel Martins, Natânia do Carmo Oliveira Sequeira, Otávio

Lage de Siqueira Filho, Raul Antonio de Paula e Silva, Rubens Naves, Synésio

Batista da Costa e Vitor Gonçalo Seravalli

CONSELHO FISCAL

Audir Queixa Giovanni, Geraldo Zinato, João Carlos Ebert, Mauro Vicente

Palandri Arruda, Roberto Moimáz Cardeña e Sérgio Hamilton Angelucci

SECRETARIA EXECUTIVA

Administradora Executiva

Heloisa Helena Silva de Oliveira

Gerente de Desenvolvimento de Programas e Projetos

Denise Maria Cesario

Gerente de Desenvolvimento Institucional

Victor Alcântara da Graça

PROGRAMA CRIANÇA COM TODOS OS SEUS DIREITOS

Daniela Resende Florio, Douglas Souza, Elza Ferraz Luiz Mendonça,

Luyla Karina, Miguel Minguilo e Péricles Barbosa

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Sumário

Introdução

Apresentação

1. Por que escutar as crianças?

2. O que diz a legislação

3. O caminho percorrido

4. Resultados

5. Brincar

6. O que eu gosto?

7. O que elas dizem sobre proteção?

8. O que eu não gosto?

9. O que elas dizem sobre água?

10. O que elas dizem sobre saúde?

11. O que tem na minha casa?

12. O que dizem sobre a escola?

13. Sobre os direitos preferidos

14. Lições aprendidas

15. Considerações finais

16. Referências bibliográficas

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Desde 2010, a Fundação Abrinq é representante da Save the Children no Brasil e, com essa parceria, foi capaz de aumentar seu impacto na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes do país, aprendendo com as melhores práticas globais e com a possibilidade de acesso a recursos internacionais.

O Programa Criança com Todos os Seus Direitos é uma iniciativa da Fundação Abrinq – Save the Children, cofinanciado pela União Europeia, e realizado pela Associação Civil de Articulação para Cidadania (Acari), Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), Centro de Cultura Luiz Freire

(CCLF), Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP), Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação, Campanha Nacional pelo Direito à Educação e International Child Development Programme. Ele surge em resposta às precárias condições de sobrevivência e desenvolvimento das crianças de 0 a 5 anos, na Região do Semiárido brasileiro e nos Altiplanos do Peru.

Em 2013 lançamos os primeiros três volumes da Coleção Criança com Todos os seus Direitos em conjunto com os parceiros do Programa. Os primeiros cadernos temáticos tiveram a intenção de reforçar e incentivar a implementação de hábitos alimentares mais saudáveis, para melhorar a saúde e a qualidade de vida das crianças de 0 a 5 anos, bem como de suas famílias.

Visou ainda contribuir com a proteção integral das crianças, através de informações e dicas que ajudarão a prevenir situações de violência, e refletir sobre a educação das crianças de 0 a 5 anos, principalmente a educação oferecida pelos espaços institucionais da Educação Infantil: as Creches e Pré-Escolas.

Os novos volumes apresentados agora trazem a voz da criança pequena sertaneja com seus desejos e necessidades, a sistematização do projeto CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial) da Educação Infantil do Semiárido e um olhar sobre a situação da mortalidade materna e infantil nos municípios trabalhados pelo Programa.

Introdução

A Fundação Abrinq, criada em 1990, é uma organização sem fins lucrativos e tem a missão de promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania de crianças e adolescentes. Sua meta é o reconhecimento de todas as crianças e adolescentes como sujeitos de suas próprias histórias, e que têm o direito de viver com dignidade, respeito e liberdade, com saúde, alimentação adequada, educação de qualidade, acesso a esportes, lazer, cultura e à profissionalização.

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Apresentação

Uma sala, 10 crianças, brincadeiras, um gravador ligado e o convite para elas falarem. Resultado? Mãos levantadas!“Tia eu quero falar!”“Tia agora é minha vez.”“Deixa eu contar.”“Agora sou eu, viu tia?!”“Agora sou eu.”Crianças falam sempre que têm oportunidade.Elas têm opinião e explicação pra tudo. Falam de amor, política pública e medo. Falam sobre brincadeiras, comidas e escola. Falam sobre o futuro, pensam em ser professor, médica e até o incrível Hulk...

Criança com Todos os Seus Direitos?

A Associação Civil de Articulação para a Cidadania (Acari) uma das parceiras do Programa é uma entidade civil de direito privado sem fins lucrativos e econômicos, democrática e pluralista localizada no Sertão do Nordeste brasileiro.

Ao longo de oito anos, direciona suas ações para a população do Semiárido nordestino, trazendo em seu quadro equipe multidisciplinar familiarizada com a população dessa região, respeitando suas características sociais, culturais, epidemiológicas e políticas. Visando à potencialização de suas ações, a organização investe na articulação com sujeitos e organizações sociais comprometidas para alcançar sua missão, que é “Promover o exercício da cidadania e a defesa dos direitos humanos, em especial de crianças e mulheres, na perspectiva política, cultural, social e ambiental visando uma sociedade justa e solidária”.

Carrega na sua base o compromisso com crianças, mulheres e um futuro sustentável, essas são suas linhas estratégicas. Ao delimitar seu foco, busca atuar com excelência na melhoria da qualidade de vida e combate à violência e exclusão social, por meio de ações conjuntas entre sociedade civil e governo.

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Do que se trata?

A escuta de crianças “Agora Sou Eu” é uma iniciativa do Programa Criança com Todos os Seus Direitos e coordenada pela Acari durante o primeiro semestre do ano de 2014.

Fomos às comunidades onde atuamos e convidamos as crianças para conversar. Prontamente elas aceitaram o convite. Entraram na roda, ficaram à vontade, deitaram no chão. Discutiram, contestaram opiniões, nos contaram como funcionam suas comunidades e o que pensam sobre o mundo. Para nós, um aprendizado sobre outro jeito de olhar as coisas. Em alguns momentos elas refutavam a complexidade das coisas mostrando quão simples podem ser e nos olhavam com um jeito de que nós entendemos pouco do mundo. Tinham muita paciência para nos explicar! Fizemos uma ciranda com crianças de três cidades pernambucanas, elas dançaram e nos mostraram seus passos e jeitos de fazer, dizer e ser.

As crianças Truká cantaram ao deus Tupã; as crianças quilombolas de Conceição das Crioulas nos explicaram a importância de ter um umbuzeiro e uma cisterna por perto; as crianças quilombolas de Águas do Velho Chico nos contaram que é uma aventura morar perto do rio; as crianças da cidade de Orocó nos explicaram a importância de ter casa e brinquedos; e as crianças da cidade de Cabrobó nos falaram sobre a sua escola e o entorno. Fizeram solicitações, contaram causos, falaram de pessoas. Ouvimos e nos encantamos, e funcionamos como megafone para elas através desta publicação.

Esta obra pretende alavancar a participação social das crianças, demonstrando por meio técnico que é possível escutá-las e que elas têm muito a ensinar. Não há ninguém melhor do que as crianças para listar os próprios desejos, as necessidades sociais de saúde, lazer, cultura e educação.

“Será que estamos construindo uma política pública para as crianças que lhes interessa? O melhor jeito de descobrir isso é perguntando-as!”

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Por que escutar as crianças?

Na organização atual da sociedade, o mundo da criança é pensado pelos adultos, há poucos espaços de escuta dos desejos e insatisfações delas. Possibilitar um espaço de escuta é uma iniciativa necessária para reconhecê-las como sujeitos de direitos.

Assim, foram desenvolvidos espaços de opinião e participação de meninas e meninos menores de 6 anos em seus lugares e comunidades, considerando que a participação é um direito. Como tal, devemos incentivar e respeitar, reconhecendo-os como pessoas e sujeitos de direitos. As crianças têm muito a dizer sobre seu mundo, têm desejos a expressar e opiniões sobre tudo, e temos acordos internacionais e nacionais que asseguram o direito à expressão.

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O direito à participação de crianças é garantido e defendido em vários acordos e documentos nacionais e internacionais. Já no começo do século XX, na Convenção Sobre os Direitos da Criança, houve a preconização da visibilidade da criança enquanto sujeito de direitos e foi assegurada a visibilidade dela nos espaços coletivos – o que comumente chamamos de participação.

Outros documentos reafirmaram e se comprometeram a garantir a participação das crianças. Foi com a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada na Assembleia da Organização das Nações Unidas em 1989, ratificada pelo Brasil em 1990, que se ergueram princípios como o do interesse superior da criança e o direito à participação. A Convenção inova ao trazer para o plano político-jurídico os direitos humanos de crianças, como são os direitos humanos de adultos, inclusive no tocante aos direitos políticos. O artigo 12 traz de forma explícita o Direito à Participação:

“Os Estados-partes assegurarão à criança, que for capaz de formar seus próprios pontos de vista, o direito de exprimir suas opiniões livremente sobre todas as matérias atinentes à criança, levando-se devidamente em conta essas opiniões em função da idade e maturidade da criança.”

O artigo 12 da Convenção afirma que toda criança tem o direito de expressar sua opinião sobre todo assunto de seu interesse. Isso implica reconhecimento de que crianças e adolescentes devem escutar e ser escutados, opinar, intervir, inclusive na vida pública. Eis o desafio que propomos.

O que diz a legislação2

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Aconteceram três encontros, sendo um específico para produção de vídeo;

Reuniram-se grupos de crianças de cinco comunidades:

1) Comunidade Indígena Truká; 2) Comunidade Quilombola Conceição das Crioulas; 3)Comunidade Quilombola Águas do Velho Chico; 4) Comunidade Urbana de Orocó; 5) Comunidade Urbana de Cabrobó.

Em média havia dez crianças por grupo com faixa etária entre 4 e 6 anos;

Havia duas pessoas mediadoras;

Os encontros aconteceram em ambiente familiar para as crianças, favorecendo o vínculo, com duração média de 40 minutos;

Os materiais mais utilizados foram som, cartolinas, giz de cera grande, massa de modelar, folhas de papel ofício, músicas infantis, papel madeira e gravador.

O caminho percorrido3

“O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva.” Mia Couto

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1º encontro

As crianças foram convidadas para uma conversa em ambiente tranquilo e sem interrupções;

Acolhimento: as crianças cantaram músicas de seu cotidiano ou trouxeram brincadeiras conhecidas;

Visando o recolhimento de dados, foram aplicadas as técnicas, a saber:

Utilização da massa de modelar - Solicitaram-se às crianças que modelassem os seus desejos: objetos, brinquedos, comidas;

Construção de mapas - As crianças desenharam coisas que existem na comunidade em que vivem e falaram sobre isso;

Contação de história - Narrou-se uma história sem final para que as crianças o elaborassem a partir do que vivem em suas comunidades.

Era uma vez...

Era uma vez um menino chamado Joaquim, ele seguia o caminho da escola quando tropeçou em uma pedra, olhou para o chão e não era uma pedra, e sim uma lâmpada mágica... A lâmpada era mágica e dela saiu um gênio. O gênio disse para Joaquim: você pode fazer três pedidos...Essa história pode ser adaptada a cada realidade, colocando elementos próprios de sua cultura, usar onomatopeias, bem como mudar o seu final utilizando perguntas de interesses individuais ou coletivos.

2º encontro

Levantamento das lembranças do encontro anterior através de uma roda de conversa;

Exposição lúdica dos documentos acerca dos direitos das crianças (Convenção Internacional dos Direitos da Criança e ECA);

Elaboração de desenho pessoal com o tema: Qual é o meu direito preferido?

Conversa e discussão sobre o assunto.

3º encontro

Consistiu basicamente na produção e gravação de vídeo com a utilização das mesmas técnicas dos encontros anteriores.O último encontro teve o objetivo de registrar imagens/momentos das crianças falando sobre os seus direitos.Cada momento com as crianças apresentou especificidades de acordo com o município. Em geral se escutava e conversava com as crianças, seja em grupo, e/ou individualmente, em espaços já conhecidos por elas: perto do rio, açude, embaixo das árvores e na própria escola.

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Após a escuta com as crianças, todos os encontros foram transcritos e examinados segundo a análise de conteúdo de Bardin (2006). Técnica refinada que exige do pesquisador tempo, dedicação e paciência. Em geral é utilizada na pesquisa qualitativa permitindo aprofundamento no conteúdo da fala dos sujeitos.

A partir da análise de conteúdo, decorreram-se os seguintes passos para o exame dos resultados:

Transcrição: Todos os grupos de escuta com as crianças foram transcritos na íntegra;

Pré-análise: Etapa de leitura para viabilizar a organização dos dados;

Categorização: Criaram-se categorias a partir das temáticas advindas das falas das crianças.

Desse modo, os dados foram interpretados, gerando a apresentação dos resultados e discussão.

Ressalta-se que todos os aspectos éticos foram respeitados: as crianças participaram livremente dos grupos e seus responsáveis assinaram termos de autorização.

Resultados4

“As coisas que não têm nome são as mais pronunciadas por crianças.”Manoel de Barros

As crianças são pessoas com sentimentos, pensamentos e desejos, tal como os adultos. Reconheceremos facilmente isso se aprendermos a perguntar a nós mesmos:

“Se eu fosse uma criança como me sentiria nessa situação” ou “Se eu estivesse na situação dessa criança, o que eu desejaria?” Karsten Hundeide, 1997

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O brincar se destaca nas falas infantis, aparece como necessidade básica que precisa ser garantida. Para tanto, é necessário que os adultos se sensibilizem para a causa infantil e “levem a sério” o papel da brincadeira.

Orientar processos de formação de sujeitos plenos de direitos significa considerar como ponto de partida o que é relevante e necessário para o seu desenvolvimento integral. Nessa perspectiva, é fundamental destacar o brincar e a sua importância para o desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e de valores culturais, bem como para a socialização e o convívio familiar da criança (Plano Nacional Primeira Infância, PNPI, 2010).

Brincar5

“Se tivesse pula-pula e aquele negócio que balança assim...se tivesse carta, carta de baralho e também dominó e videogame, bicicleta, skate.”

“Faz uma máscara e bota uma roupa, pega uma máscara e pega uma roupa velha...aí brinca de careta.”

“Têm muitas petecas que vai bem longe, mais longe que o fio.”

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6 “Eu gosto de subir nos imbuzeiros, para tirar imbu.”

“Gosto de cachorro, ele está na natureza. Eu tenho dois cachorros e um gato.”

“Eu gosto de ficar brincando com minhas colegas, mas minha mãe não deixa. Mas às vezes eu saio, quando ela deixa.”

“Brincar, correr, correr... Jogar bola. Andar de bicicleta. Brincar de Careta.”

“Eu gosto da igreja, a gente reza.”

“Escrever, desenhar e colorir.”

“Eu gosto de comer comida, gosto de comer melancia, gosto de chupar manga.”

“Da hora do recreio.”

“De brincar de careta e de ser índio.”

“Eu gosto de sopa com verdura (na escola).”

O brincar e as brincadeiras são muito importantes para as crianças e aparece como destaque em todas as categorias. As coisas que elas gostam, seja na escola ou em casa, estão relacionadas ao brincar.

O que eu gosto?

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A violência surgiu no conteúdo das falas infantis transversalmente. Enquanto outras questões eram discutidas, as crianças traziam o conteúdo de violações sofridas sem que lhes fosse solicitado. Isso indica que as situações de violência são tão recorrentes e naturalizadas no cotidiano, que elas falam disso como mais um elemento em suas vidas, mais um fato.

É sem dúvida o reflexo de uma sociedade violenta que se justifica sob diversas situações de agressão contra os mais fracos e cria discursos de que algumas violações são permitidas. Reforça-se então a necessidade de políticas públicas que foquem na formação de pais, educadores e outros atores sociais para combater a violência em todos os níveis.

A melhor forma de abordar a violência e evitar violações de direitos contra as crianças é impedi-la antes mesmo que aconteça, através do investimento em política pública e programas de prevenção (PNPI, 2010).

O que elas dizem sobre proteção?7 “– Tem vez que alguém bate.”

“– Tem Luquinhas que ele me bate toda vez.”

“– E quando ele bate, acontece o quê?”

“– A tia bota de castigo.”

“– E como é esse castigo?”

“– É virado para a parede.”

“Eu quero nunca ficar de castigo... aí o desejo foi “relazado” e nem os amigos... e meu pai da de “forção” (com força) e até levo uns tapa de cinto eu até choro porque dói...”

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As crianças apontam muitos desgostos e a maioria das suas reclamações relaciona-se a duas questões básicas: a imposição de atividades domésticas (necessidade de colaborar em casa lavando pratos, roupas, varrendo e cuidando dos irmãos mais novos: em geral é uma reclamação das meninas) e a imposição da disciplinarização - o que o teórico Michel Foucault (1987) chama de fabricação de corpos dóceis; modelo comportamental que se espera que as crianças não brinquem, não se movimentem, não conversem, não expressem suas vontades em ambientes públicos e onde há adultos. As crianças, por sua vez, resistem a essa lógica e como consequência sofrem sanções.

O que eu não gosto?8

“E eu não gosto nem de lavar e nem de estender que eu me canso muito.”

“O que eu menos gosto é quando eu tomo uma pisa de cipó. Apois os escravos, era que tomava chicotada.”

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O que elas dizem sobre água?9

“Eu tomo banho no açude e quando ele estava seco era ruim. Aí a máquina veio. Aí vai colocar a cerca só para as vaca beber. Aí outro dia o açude encheu, criou água no outro lado. Aí a água voltou para o outro lado.”

“Eu já sei. Tem que chover para nascer fruta, tem que ter água, a pessoa tem que beber água. Sem a água, a pessoa não vai viver. Tem que comer, tem que ter água, se não vai parecer aquele esqueleto que tia mostrou ali. Tem que ter água também para a pessoa tomar banho para ir para a escola. E para ir aos lugar e tomar banho para ir para todo lugar, para a festa. E até para Salgueiro.”

“Depois tem que lavar os pés, esfregar, para tirar o grude. E também o Caldeirão cheio de água para pessoa beber e tomar banho. Mas não pode tomar banho dentro.”

Sobre a água:

O que é uma necessidade básica surge para as crianças do Sertão como um desejo, uma vontade...

Elas compreendem perfeitamente a importância da água e da água de qualidade. O que é tão precioso no Sertão precisa ser conservado.

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O que elas dizem sobre saúde?10

“Lá em casa, minha casa é feita de barro. Não tem passarinho, mas tem casa de abelha, aí tem um bichinho que se coisar no coração aí o coração fica mais grande e fica mais crescendo aí morre.”

“– Tem hospital perto da sua casa? – Nãoooooo. Tem lá na rua. É lá longe tia, eu fui lá longe.”

As crianças refletem sobre uma realidade com relação à saúde que ainda está aquém dos parâmetros da política nacional de saúde. Apontam a distância de serviços de média e alta complexidade e a convivência com a possibilidade de doenças que já deviam estar erradicadas no nosso país.

O acesso à saúde é um direito universal que envolve reconhecer o ser humano como um ser integral e a saúde como qualidade de vida (PNPI, 2010). As crianças falam sobre isso à medida que apontam a inexistência de saneamento básico em suas casas e a repercussão disso nas suas vidas. Falam sobre as dificuldades relacionadas a contar apenas com a presença de uma unidade básica de saúde em suas comunidades atuando ainda com alguma dificuldade, e as questões relacionadas à água que necessariamente se tornam um problema de saúde pública.

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O que tem na minha casa?11 “Tem irmão, pai e tem um carro vermelho...”

“Na minha casa tem uma cachorro que come pão e bebe água (eu dou pão a ele, dou água a ele... e ele bebe todinha).”

“A minha casa nova é um palácio, na minha casa nova que tem uma janela com duas portas.”

“Pé de acerola.”

“Em casa eu brinco de ‘neguim’(boneco), eu corto o neguim de pau, aí eu fico brincando, aí depois vem meu irmão e fica brincando também, aí depois vêm os outros irmãos.”

O direito a uma moradia de qualidade emerge no discurso das crianças sob diferentes perspectivas. A qualidade da casa às vezes diz respeito às condições materiais ou às boas relações interpessoais entre as pessoas que convivem com a criança.

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O QUE DIZEM SOBRE A ESCOLA?12 “O lanche tem vez que é ruim. O cuscuz tem cheiro de fumaça.”

“Queria o lanche na hora da aula, na hora do recreio e quando terminasse a aula.”

“Tinha que ter um pátio, pra se escorregar, pular e também rodar no roda roda... e um tapete para contar historinha...”

“Tem que ter escola pra crianças não ficar besta sem estudar...”

“A gente tem que estudar pra crescer, depois ir pra faculdade, e ter um emprego.”

A escola aparece como um espaço fundamental para as crianças à medida que, além da aprendizagem, oferece também importante exercício de socialização para elas. É uma extensão da família, e isto se constata na importância que dão à qualidade do lanche servido, à necessidade de ter uma afetividade estabelecida com os professores, aos colegas e outros atores do ambiente escolar.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 53), “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”.

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Sobre os direitos preferidos13 Lições

aprendidas14 Direito a ter natureza

Direito a ter pai e mãe que cuida, dá carinho

Direito a ter escola, de estudar, aprender a ler e escrever

Direito a ter gato

Direito a ter casa

Direito a ter televisão para assistir desenho

Direito a brincar de bicicleta e cavalo

Direito a brincar de peão

Direito a ter sol e nuvens e uma árvore

Direito a ter uma igreja

Direito a ter amigos

Direito a ter rio

Direito de brincar de careta

A prática da escuta das crianças traz para o mundo adulto uma série de lições que atingem, não só o lado profissional, mas o pessoal. Ao que parece, todo o conhecimento teórico torna-se menos importante no momento, mas não sendo desnecessário. É preciso agir com simplicidade e humildade para saber lidar com imprevistos, bem como aprender a se colocar na mesma altura das crianças, agindo empaticamente.

A seguir seguem indicações que orientam a prática da escuta infantil:

Crie um vínculo afetivo com o grupo a ser ouvido, isso permite que as crianças sintam-se à vontade para falar de sua vida pessoal;

“Se eu fosse uma criança como me sentiria nessa situação” ou “Se eu estivesse na situação dessa criança, o que eu desejaria?”Karsten Hundeide, 1997

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Apresente-se, explique por que está ali. Faça uma brincadeira de concentração e acomodação. Exemplo: uma música que peça para sentar etc.

Tenha pelo menos duas pessoas facilitando o processo de escuta;

Use músicas ou brincadeiras para iniciar o trabalho, isso “quebra o gelo”, também ao final de cada tarefa, nunca no meio, pois a música ou brincadeira pode interferir no conteúdo da fala;

Evite fazer duas perguntas ao mesmo tempo, pois as crianças sempre tentam responder a última;

Quando as crianças estiverem dispersas, bata palma ou cante uma música para ter novamente a atenção do grupo;

O grupo de crianças precisa ter a mesma faixa etária (no mesmo estágio de desenvolvimento), ou ao menos próxima. Há um risco em misturar idades, uma vez que crianças menores muitas

vezes repetem o conteúdo falado por crianças maiores;

Faça pausas programadas para a saída para o banheiro;

Estabeleça uma rotina para a atividade de escuta com início, meio e fim;

Não demore mais que uma hora, se preciso faça dois encontros. A duração adequada é de 30 a 40 minutos;

Utilize histórias infantis para chegar à temática desejada;

Selecione crianças de gêneros diferentes, meninos e meninas;

Grupos com mais de 12 crianças podem não funcionar;

Fique próximo das crianças menores, porque o tempo de concentração delas é menor;

Espere a criança responder;

Evite acrescentar a resposta da criança;

Repita o que a criança disse, e peça que complemente a informação;

Planeje mais de duas atividades curtas para a escuta, pois passar muito tempo em uma atividade faz com que a criança deixe de dar atenção;

Não tente mudar a opinião das crianças, o espaço é de escuta e não de orientação. O que elas acreditam é material de trabalho, é o resultado do estudo;

Faça uma atividade-teste, verifique se o que você está pesquisando será respondido com o seu método;

Não faça a escuta na hora do recreio da escola, próximo ao lanche, ou do horário da saída, isso irá distraí-las e tornar a atividade aversiva;

Não deixe que uma criança ou duas crianças manipulem a fala. Conduza a escuta. Por exemplo, use os nomes das crianças: “Eu queria que ‘Laura’ dissesse...”;

Não puna a participação da criança, mesmo que o que ela diga não tenha relação com a temática perguntada. Diga: “Muito bem”, e faça novamente a pergunta planejada;

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Não leve muitos equipamentos, vídeo, som, Datashow, pois dependendo do lugar isso pode distrair as crianças;

Não deixe os materiais expostos, se preciso deixe em uma caixa opaca, para que as crianças não antecipem as ações. Exemplo: “Tia você vai dar massinha? Eu quero massinha!”. Ou: “Eu quero pintar aquele desenho”;

O ambiente precisa ser acolhedor: claro, calmo, confortável, ventilado e sem muitos atrativos para a criança (cartazes, livros, brinquedos, janelas);

Existem crianças que são mais ágeis, terminam mais rápido a instrução. Diga baixinho perto dela qual deve ser a próxima orientação, assim ela não se dispersa e pode ajudar a incentivar as outras a passar para a nova instrução;

Não conserte os erros ortográficos das crianças, isso pode tornar aversivo para ela;

Procure decorar os nomes das crianças, se possível faça um crachá para elas, e se possível coloque a construção do crachá como atividade da escuta relacionada ao tema a ser investigado. Ao ser chamada pelo nome, ela se sentirá em ambiente mais acolhedor e poderá produzirá mais. Ajudará na transcrição também;

Observe se há alguma criança sem participar, isso pode distrair o grupo. A não participação pode indicar que a criança não entendeu a instrução ou não está com vontade de participar;

Ao falar do objetivo, pergunte se todas as crianças querem participar. Isso lhe dará respaldo para exigir concentração e ativismo da criança;

Tenha a lista das crianças que participaram da escuta, o contato dos pais e da escola de referência;

Preserve os termos locais, mesmo que você os conheça com outros nomes. Se a criança chama Mãe de “mainha”, use o termo “mainha”, se chama uma brincadeira que tenha outros nomes, use como a criança a conhece;

Só interrompa a criança se o conteúdo da fala estiver seguindo para uma temática totalmente diferente do pesquisado, ou esteja prolixo demais que interfira no tempo das outras crianças falarem;

Tente não seguir para outra criança, sem repetir a pergunta. Ela pode seguir a mesma linha de resposta da outra criança. Exemplo. O que você não gosta na sua casa? Criança: “Lavar casa, passar pano”. Pesquisador: “E você?” (direcionando para outra criança). Ela tende a dizer no mesmo sentido: “Eu lavo roupa etc”.

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Considerações finais15 A ação direta com as crianças exige técnica, isso é verdade, mas é necessário um despojamento das “teorias” e olhar para as crianças com simplicidade...

O controle do tempo, a importância das pausas, dos acordos, são lições aprendidas, mas a maior delas é antes ESCUTAR as crianças, considerando-as sempre como sujeitos de direitos.

Referências bibliográficas16 BARDIN, L. (2006). Análise de Conteúdo. Trad. L. de A. Rego e A. Pinheiro. Lisboa: Edições 70. (Obra original publicada em 1977)

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 dejulho de 1990.

_________. Declaração Universal dos Diretos da Criança. 1959.

BARROS, Manoel de. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Leya, 2011.

COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

FERNANDES, Millôr. Millôr Definitivo. A Bíblia do Caos. Porto Alegre: L&PM E-books, 2002.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M.Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987.

ICDP [International Child Development Programme] (2010). 8 Orientações para uma Boa Interação com as Crianças: também sou pessoa. Save the Children Reino Unido, Escritório Brasil.

Rede Nacional Primeira Infância. Plano Nacional pela Primeira Infância. Brasíla, 2010.

Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente. Coleção Criança com Todos os Seus Direitos. 1.ed. Recife, 2013.

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DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA

Aprovada pelas Nações Unidas em 30 de Novembro de 1959.

Todas as crianças têm direito

1 À igualdade, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade.

2 A especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social.

3 A um nome e a uma nacionalidade.

4 À alimentação, moradia e assistência médica adequada para a criança e a mãe.

5 À educação e a cuidados especiais para a criança física ou mentalmente deficiente.

6 Ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade.

7 À educação gratuita e ao lazer infantil.

8 A ser socorrida em primeiro lugar, em caso de catástrofes.

9 A ser protegida contra o abandono e a exploração no trabalho.

10 A crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e

justiça entre os povos.

Em 12 de Outubro de 1990, entrou em vigor o ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE,

marco histórico na garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil.

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Missão

Promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania de crianças

e adolescentes.

Visão

Uma sociedade justa e responsável pela proteção e pleno desenvolvimento de

suas crianças e adolescentes.

Valores

Ética, transparência, solidariedade, diversidade, autonomia e independência.

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