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2012 Coletânea de Estudos de Direito Militar Doutrina e Jurisprudência

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    Coletnea de Estudos de Direito Militar Doutrina e Jurisprudncia

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    Dr. Romo Gomes Dr. Luiz da Cmara Lopes dos Anjos

    Dr. Mrio Severo de Albuquerque Maranho

    Cel. Jos Anchieta Torres

    Cel. Coriolando de Almeida Junior

    Cel. Sebastio do Amaral

    Cel. Odilon Aquino de Oliveira

    Dr. Valdomiro Lobo da Costa

    Dr. Antnio de Oliveira Costa

    Dr. Jos Alves Cunha Lima

    Cel. Jos Lopes da Silva

    Dr. Paulo Marzago Dr. Guilherme Cndido Percival de Oliveira

    Cel. Milton Marques de Oliveira

    Dr. Gualter Godinho

    Cel. Arlindo de Oliveira

    Galeria de fotos dos Presidentes do Tribunal de Justia Militar do Estado de So Paulo

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  • Dr. Mozart Andreucci Cel. Cludio de Souza Cel. Hlio Franco Chaves

    Cel. Antnio Augusto Neves

    Dr. Octvio Leito da Silveira

    Cel. Nelson Monteiro Dr. Frederico Otvio Guimares Brotero

    Cel. Ubirajara Almeida Gaspar

    Dr. Evanir Ferreira Castilho

    Cel. Lourival Costa Ramos

    Cel. Avivaldi Nogueira Jnior

    Dr. Paulo Antonio Prazak

    Cel. Fernando Pereira Cel. Clvis Santinon

    Galeria de fotos dos Presidentes do Tribunal de Justia Militar do Estado de So Paulo

    Dr. Nasser Bussamra

    Book.indb 314 19/9/2012 17:17:39

  • Coordenao GeralOrlando Eduardo Geraldi

    Coordenao EditorialRonaldo Joo Roth

    Projeto Grfico e CapaAssessoria de Comunicao e Desenvolvimento Institucional do TJMSP

    RevisoRonaldo Joo RothSylvia Helena Ono

    Editorao, CTP, Impresso e AcabamentoImprensa Oficial do Estado de So Paulo

    Tribunal de Justia Militar do Estado de So Paulo Rua Dr. Vila Nova, 285 Vila Buarque

    01222-020 So Paulo SP BrasilTel.: 55 11 3218-3100Fax: 55 11 3218-3219

    www.tjmsp.jus.br

    So Paulo. Tribunal de Justia Militar. Coletnea de estudos de direito militar: doutrina e jurisprudncia / Coordenao Geral Orlando Eduardo Geraldi; coordenao editorial Ronaldo Joo Roth; reviso Ronaldo Joo Roth [e] Sylvia Helena Ono So Paulo : Tribunal da Justia Militar, 2012. 520 p.: il.

    Vrios autores. Edio comemorativa de 75 anos do Tribunal de Justia Militar do Estado de So Paulo.

    ISBN 978-85-66215-00-7

    1. Justia Militar Brasil 2. Justia Militar So Paulo Jurisprudncia. 3. So Paulo Tribunal da Justia Militar I. Geraldi, Orlando Eduardo II. Roth, Ronaldo Joo III. Ono, Sylvia Helena IV. Ttulo.

    CDD 343.81

  • Coletnea de Estudos de Direito Militar Doutrina e Jurisprudncia

    So Paulo/SP 2012

  • Prefcio

    CoMPoSIo dA JuSTIA MIlITAr do ESTAdo dE So PAulo

    SEGundA InSTnCIA

    Juiz Presidente Orlando Eduardo Geraldi

    Juiz Vice-Presidente Evanir Ferreira Castilho

    Juiz Corregedor Geral Paulo Adib Casseb

    Juzes do Tribunal Avivaldi Nogueira Junior

    Paulo PrazakFernando PereiraClvis Santinon

    PrIMEIrA InSTnCIA

    1 Auditoria Militar EstadualJuiz de Direito: Dr. Ronaldo Joo Roth

    2 Auditoria Militar Estadual Juiz de Direito: Dr. Lauro Ribeiro Escobar Jnior

    3 Auditoria Militar Estadual Juiz de Direito: Dr. nio Luiz Rossetto

    4 Auditoria Militar EstadualJuiz de Direito: Dr. Jos lvaro Machado Marques

    Auditoria de distribuio de 1 Instncia, Correio Permanente e Vara das Execues Criminais

    Juiz de Direito: Dr. Luiz Alberto Moro Cavalcante

    Juzes de direito Substitutos Dr. Marcos Fernando Theodoro Pinheiro

    Dr. Dalton Abranches Safi

  • Prefcio

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    Prefaciar esta coletnea de estudos jurdicos e de decises judiciais, lanada dentre os eventos comemorativos do aniversrio de 75 anos do Tribunal de Justia Militar do Estado de So Paulo, festejado neste ano de 2012, motivo de grande satisfao e honra para mim.

    No obstante a Justia Militar da Unio tenha sido a primeira justia a ser instalada no Brasil, fundada que foi em 1 de abril de 1808, e a Justia Militar Estadual, que possui assento constitucional como rgo do Poder Judicirio desde 1946, ter visto sua competncia ampliada recentemente com o advento da Emenda Constitucional n 45/2004 (Reforma do Judicirio), que alterou a redao do art. 125 da Constituio Cidad, este ramo especializado do Judicirio ptrio ainda segue como um ilustre desconhecido da sociedade e de parte significativa dos estudantes, doutrinadores e operadores do Direito.

    No raro o estudante formar-se sem ter a menor noo da histria, da competncia e da importncia da Justia Militar. A prpria legislao dificilmente estudada nas faculdades de Direito. A escassez de obras sobre o Direito Militar, a ausncia injustificvel da matria na grade curricular dos cursos de Direito (espao que outrora j ocupou, inclusive, como disciplina obrigatria) e a sua no exigncia pela quase totalidade dos concursos para as diversas carreiras jurdicas, incluindo o prprio Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, so circunstncias que, infelizmente, ainda favorecem esse desconhecimento e relegam a segundo plano o engrandecimento deste ramo. Como consequncia, muitos, inadvertidamente, ainda confundem os rgos de represso dos tristes tempos do arbtrio com a Justia Militar.

    A seleo de autores todos de reconhecida experincia profissional, seja na Caserna, seja nas carreiras jurdicas, seja na Academia , a escolha dos temas que, a par da destacada abrangncia e relevncia, representam apenas uma pequena amostragem de uma ampla temtica jurdica ainda por ser mais bem explorada , a seleo da jurisprudncia atual e paradigmtica , e a qualidade expositiva imprimida permitem entrever que o objetivo de contribuir para a divulgao e difuso do Direito e da Justia Militar ser atingido com excelncia por meio desta obra, que, estou certo, agradar mesmo queles ps-graduados em Direito Militar ou em Cincias Militares.

    Ao gentilmente aceitarem o convite, debruarem-se sobre este ramo especializado do Direito e compartilharem com a comunidade jurdica seus conhecimentos, seja por meio de seus julgados, seja por meio da sua produo cientfica, os autores, com os diferentes pontos de vista externados, no s fomentaro o debate sobre as questes jurdicas atinentes Caserna, como tambm propiciaro o amadurecimento da matria como um todo.

    Os crditos de tal coletnea, portanto, no se restringem ao seu idealizador, o Juiz de Direito da Justia Militar do Estado de So Paulo, Ronaldo Joo Roth, a quem externo um agradecimento especial pela dedicao, empenho e cuidado para concretizar esta obra e enobrecer as comemoraes dos 75 anos do TJMSP, devendo tambm ser compartilhados com todos os que a abrilhantaram com suas reflexes, prestando verdadeiro tributo ao Direito Militar e distinta homenagem E. Corte Militar Bandeirante, que, ao longo desses anos, cresceu tanto em tamanho, isto , em

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    estrutura fsica e humana, como na quantidade e qualidade dos servios jurisdicionais prestados, como tambm em importncia no cenrio jurdico paulista e brasileiro.

    Discutir, analisar e divulgar o Direito Militar e, por consequncia, a Justia Militar sempre oportuno, no apenas para os estudantes que precisam conhecer este ramo do Poder Judicirio, mas para toda sociedade brasileira que, no regime democrtico em que vivemos, deve estud-la com maturidade e iseno.

    Seja por meio de artigos, revistas, coletneas, livros, seja por meio da realizao de ciclos de palestras, seminrios, congressos em faculdades de Direito e unidades da polcia militar na capital e no interior, seja por meio da incluso do Direito Militar na grade curricular dos cursos jurdicos, seja aumentando sua representatividade nas respectivas esferas estaduais sobretudo naqueles estados onde se pode criar o Tribunal de Justia Militar Estadual prprio , seja estreitando laos com outros rgos do Poder Judicirio, seja integrando as instituies militares com o mundo jurdico que lhes diz respeito, seja ocupando melhor os espaos de comunicao em diferentes mdias, precisamos tornar o Direito Militar e a Justia Militar mais presentes no dia a dia da comunidade jurdica, dos seus jurisdicionados e da sociedade como um todo.

    Oxal que o nimo comemorativo do Jubileu de Brilhante do TJMSP no arrefea, torne-se perene e possa, tomara, inspirar muitos outros trabalhos e publicaes de igual ou de maior envergadura, para o enriquecimento da literatura jurdica neste especfico campo doutrinrio.

    Orlando Eduardo GeraldiJuiz Presidente do Tribunal de Justia Militar do Estado de So Paulo

    Apresentao

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    Apresentao

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    Lisonjeado com a designao de realizar a coordenao editorial da presente Coletnea de Estudos de direito Militar em homenagem ao aniversrio de 75 anos do Tribunal de Justia Militar do Estado de So Paulo (TJMSP), tenho agora a honra de apresentar ao mundo jurdico o primeiro trabalho no gnero da Corte Castrense Paulista.

    Essa tarefa me foi confiada pelo Presidente do Egrgio Tribunal Militar Paulista, Juiz Orlando Eduardo Geraldi, aps Sua Excelncia acolher minha sugesto para a elaborao de uma obra dessa envergadura, a primeira em sua histria de existncia. Dessa forma, senti-me privilegiado de poder, de um lado, idealizar e concretizar num nico compndio o trabalho doutrinrio dos Juzes, dos integrantes do Ministrio Pblico e dos Advogados que militam neste foro, e, de outro lado, em conjunto com todos os autores desta obra, presentear o TJMSP pelo seu Jubileu de Brilhante.

    Assim, apresentar esta Coletnea de Estudos de direito Militar neste momento festivo e histrico, tornou-se um misto de emoo, determinao e muita alegria, estado este, tenho certeza, que tambm acabou contagiando cada um dos autores desta obra, levando-os a preparar seus artigos para compor e edificar este compndio.

    Enfim, o trabalho desta coordenadoria editorial foi facilitado pelo gabarito e alto nvel de conhecimentos jurdicos destes nobres autores, todos atuantes na Justia Militar Paulista, que, com suas experincias, formao, viso e domnio da matria, emprestaram sua colaborao nesse ideal, por todos acolhidos com abnegao e determinao.

    Trata a presente Coletnea de duas grandes fontes do Direito Militar, doutrina e jurisprudncia, abrangendo as reas do Direito Constitucional, Penal, Processual Penal, Cvel e Administrativo-Disciplinar.

    De acordo com o tema abordado, os assuntos desenvolvidos pelos autores foram aglutinados em cada segmento correspondente para melhor compreenso da matria, tendo como diretriz o dia a dia forense militar para maior utilidade dos operadores e estudiosos do Direito.

    A presente obra vem permeada com a riqueza da viso triangular do processo tendo como autores o Juiz, o Ministrio Pblico e o Advogado, e dando a dinmica e o esplendor aos temas cunhados sob a estrela do Direito Militar, vivenciados no TJMSP, que tantos servios de excelncia prestou e tem prestado sociedade.

    Isso foi o que inspirou a grandeza desta obra, envolvida nesta pluralidade autoral, com artigos de instigantes temas, atuais e polmicos, que nos ltimos anos circundaram a Justia Militar estadual, notadamente em face das modificaes trazidas pela Emenda Constitucional n 45/2004.

    Nesse contexto, para nosso gudio e de todos os estudiosos do Direito Militar, com rara felicidade reunimos, num s compndio, nomes como Adalberto Denser de S Junior, Antonio Cndido Dinamarco, Cleiton Leal Guedes, Clever Rodolfo Carvalho Vasconcelos, Danton Abranches Safi, Clvis Santinon, Denise Elizabeth Herrera, Edfre Rudyard da Silva, Edson Correa Batista, Eliezer Pereira Martins, Enio Luiz Rossetto, Evandro Fabiani Capano, Evanir Ferreira Castilho, Fabola

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    Moran Faloppa, Felipe Boni de Castro, Fernando Pereira, Fernando Srgio Barone Nucci, Flvio Willishan Mendona Dias, Joo Carlos Campanini, Jos lvaro Machado Marques, Jos Barbosa Galvo Csar, Jos Miguel da Silva Junior, Lauro Ribeiro Escobar Junior, Luiz Alberto Moro Cavalcante, Marcos Fernando Theodoro Pinheiro, Michel Straub, Orlando Eduardo Geraldi, Paulo Adib Casseb, Paulo Lopes de Ornellas, Pedro Falabella Tavares Lima, Robson Lemos Venncio, Ronaldo Joo Roth e Sylvia Helena Ono.

    No poderia neste momento deixar de registrar e agradecer prestimosa e singular participao de cada um deles, que prontamente atendeu ao nosso convite, imbudos do propsito maior de alcanar o que parecia impossvel, tornar-se escritor, deixando sua contribuio intelectual a essa obra e marcando indelevelmente a utilidade de seus ensinamentos. Como disse Cora Coralina, Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

    Essa pliade de operadores do Direito torna essa Coletnea de Estudos de direito Militar do TJMSP uma obra mpar e atraente, a par de homenagear e render seu apreo Corte Militar do Estado de So Paulo, uma, dentre as trs existentes no Brasil em mbito estadual, ao lado do TJMRS e TJMMG.

    Enriquecendo a obra, ainda, foi reunida a jurisprudncia do TJMSP tanto de casos da esfera criminal como da esfera cvel, tratando, dentre outras, de matria de competncia originria do Tribunal, tal qual a perda do posto e da patente dos Oficiais da Polcia Militar e da perda da graduao das praas da Milcia Bandeirante.

    Estou certo de que a obra ter muito boa acolhida no meio forense.Parabns ao Tribunal de Justia Militar do Estado de So Paulo!

    So Paulo, julho de 2012.

    Ronaldo Joo RothJuiz de Direito da 1a Auditoria da Justia Militar

    do Estado de So Paulo

    Sumrio

  • Sumrio

  • douTrInA

    direito Constitucional Militar

    A priso dos militares (criminal e disciplinar) diante da Constituio Federal Clever Rodolfo Carvalho Vasconcelos ....................................................................................... 23

    Postura emancipatria de direitos sociais no universo militar estudo sobre o instituto da greve Evandro Fabiani Capano ........................................................................................................... 35

    Cassao de proventos da inatividade de oficial policial militar reformado reflexes sobre os efeitos da declarao de indignidade e incompatibilidade em conselho de justificao, de competncia originria do Tribunal de Justia Militar Evanir Ferreira Castilho ........................................................................................................... 49

    A Justia Militar e a competncia para julgamento da ao de improbidade administrativa e para julgamento da perda da graduao, do posto e patente Michel Straub ............................................................................................................................. 55

    Consideraes prticas sobre os processos exclusrios administrativos, judiciais e judicialiformes aplicveis aos militares do Estado de So Paulo Orlando Eduardo Geraldi ........................................................................................................... 79

    direito Penal Militar

    o crime militar de entorpecente (artigo 290 do CPM) crime organizado e endurecimento da sano Adalberto Denser de S Junior ................................................................................................ 119

    o extravio de armas na polcia militar e seu enquadramento na legislao penal militarDenise Elizabeth Herrera ........................................................................................................ 125

    o crime militar de abandono de posto sob a tica constitucionalEdfre Rudyard da Silva ............................................................................................................ 133

    diferenas entre os crimes militares de extorso e concusso Edson Correa Batista ............................................................................................................... 143

    As circunstncias judiciais na aplicao da pena e do regime prisional nio Luiz Rossetto .................................................................................................................... 151

    o combate corrupo na Justia Militar de So PauloPedro Falabella Tavares de Lima ............................................................................................ 177

    A inexistncia da motivao para a caracterizao do crime militar um estudo da jurisprudnciaRonaldo Joo Roth ................................................................................................................... 181

    direito Processual Penal Militar

    A competncia do juzo colegiado na Justia Militar: crimes contra a administrao militar em conexo com os crimes de competncia do juzo singular Cleiton Leal Guedes ................................................................................................................. 215

  • A judicatura na Justia Militar Clvis Santinon ........................................................................................................................ 225

    da emendatio e mutatio libelli na sistemtica processual penal militarFabola Moran Faloppa .......................................................................................................... 239

    os crimes de competncia do juiz singular na Justia Militar, o rito procedimental e a jurisprudncia do TJMSPJos Barbosa Galvo Csar ..................................................................................................... 247

    liberdade provisria e menagem no Cdigo de Processo Penal MilitarJos Miguel da Silva Junior ..................................................................................................... 259

    Justia Militar direito de recorrer em liberdadeRobson Lemos Venncio .......................................................................................................... 271

    da natureza militar dos crimes dolosos contra a vida de civil praticados por militar e da competncia do arquivamento do respectivo IPM Sylvia Helena Ono ................................................................................................................... 277

    A criao do Tribunal do Jri na Justia Militar em face da competncia para processar e julgar o crime militar de homicdio doloso contra civil Joo Carlos Campanini .......................................................................................................... 299

    direito das Execues Penais Militares

    A execuo penal na Justia Militar do Estado de So Paulo Questes controversas apontamentos e jurisprudncia Fernando Pereira ..................................................................................................................... 315

    A execuo da pena na Justia Militar do Estado de So Paulo Luiz Alberto Moro Cavalcante ................................................................................................. 329

    direito Cvel Militar

    direito administrativo disciplinar, ilicitude e ticaDalton Abranches Safi ............................................................................................................. 339

    A aplicao dos princpios da razoabilidade e proporcionalidade nas punies disciplinares militares e anlise do mrito administrativo pelo Judicirio Militar Eliezer Pereira Martins ............................................................................................................. 347

    Competncia cvel da Justia Militar: aes judiciais contra atos disciplinares e o exame do mrito pelo JudicirioFernando Srgio Barone Nucci ................................................................................................ 369

    A absolvio criminal e a repercusso no cvel Flvio Willishan Mendona Dias ............................................................................................. 381

    repercusso da sentena condenatria criminal na prescrio da pretenso punitiva administrativa Lauro Ribeiro Escobar Jr. ....................................................................................................... 397

    o ato punitivo disciplinar luz da teoria do ato administrativo Marcos Fernando Theodoro Pinheiro ..................................................................................... 403

  • Alcoolismo e processo disciplinar na sociedade da informaoPaulo Adib Casseb ................................................................................................................... 417

    Coisa julgada: repercusso da sentena penal absolutria no mbito administrativo disciplinar Paulo Lopes de Ornellas e Felipe Boni de Castro ................................................................... 423

    retrospectiva

    O momento que vivenciamos neste 75 aniversrio Jos lvaro Machado Marques ................................................................................................ 435

    JurISPrudnCIA

    Competncia originria do TJM .............................................................................................. 449

    O advogado na Justia Militar Paulista Feitos marcantes Antonio Cndido Dinamarco ................................................................................................... 513

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  • DOUTRINA

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  • Direito Constitucional Militar

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    A priso dos militares (criminal e disciplinar) diante

    da Constituio Federal

    Clever Rodolfo Carvalho Vasconcelos*

    A Constituio Federal de 1988 consagra em seu artigo 5, inciso LXI que ningum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciria competente, salvo nos casos de transgresso militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.1

    Face expressa salvaguarda realizada pelo constituinte originrio verifica-se possvel a decretao de priso disciplinar nos casos de crime propriamente militar e transgresso militar, fora das hipteses excepcionais previstas no dispositivo constitucional, por autoridade administrativa.

    Referida exceo encontra guarida tambm em outros dispositivos da Constituio Federal, em virtude da hierarquia e disciplina, isto , em razo da especificidade da relao de militar, conforme nos demonstra o artigo 142 que descreve a especial estrutura das Foras Armadas:

    Art. 142. As Foras Armadas, constitudas pela Marinha, pelo Exrcito e pela Aeronutica, so instituies nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da Repblica, e destinam-se defesa da Ptria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. 2

    A estrutura militar tem por base fundamental a hierarquia e a disciplina, nas quais se constata a exigncia do estabelecimento de regras especficas, manifestamente rigorosas, sob pena de as organizaes militares virem a se aniquilar.3

    Segundo DE PLCIDO E SILVA a hierarquia militar a ordem disciplinar que se estabelece nas foras armadas decorrente da subordinao e obedincia em que se encontram aqueles que ocupam postos ou posies inferiores em relao aos de categoria mais elevada. Na ordem militar, a obedincia hierrquica constitui princpio fundamental vida da instituio. 4

    * Promotor de Justia Militar do Estado de So Paulo, Doutor em Direito do Estado PUC/SP, Professor de Direito Constitucional no Complexo Educacional Damsio de Jesus Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC).1 CONSTITUIO FEDERAL, artigo 5, inciso LXI;2 CONSTITUIO FEDERAL, artigo 142;3 SOARES, Ailton; MORETTI, Roberto de Jesus e outros, regulamento disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo Comentado: Lei Complementar n 893, de 9/3/2001, 3 ed., So Paulo: Atlas, 2006, p. 19.4 SILVA, De Plcido e. Dicionrio Jurdico, Ob. cit. p. 396.

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    No mesmo sentido, a disciplina militar a soma de preceitos que devem ser obedecidos por todos os componentes de uma corporao militar, em virtude dos quais todos devem respeito aos modos de conduta que deles decorrem. As transgresses s regras disciplinares dizem-se crimes e delitos disciplinares. 5

    Diante dessas conceituaes verifica-se a existncia, no que tange hierarquia, de uma ordem de graduao e de poderes ou de autoridades, constituindo um todo disciplinar, formado por categorias ou classes sucessivas, onde cada indivduo ocupa uma posio de menor ou maior poder, de maior ou menor autoridade. A disciplina indica a existncia de uma srie de deveres morais ou de bons costumes, aliados a preceitos ou princpios que impem a maneira pela qual cada indivduo deve agir, dentro e fora da organizao.6

    Portanto, a presena tanto da hierarquia como da disciplina constante na vida das pessoas e, sobretudo, das organizaes militares.

    A hierarquia e a disciplina so elevadas categoria de bens jurdicos basilares, tamanha a importncia e o carter de imprescindibilidade conferido s instituies militares, conforme preceitua o artigo 42 da Carta Constitucional:

    Art. 42. Os membros das Polcias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituies organizadas com base na hierarquia e disciplina, so militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios. 7

    A Constituio Federal neste dispositivo dispe a respeito dos militares dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Territrios. Consideram-se como tais os membros das Polcias Militares e dos Corpos de Bombeiros, submetidos a regime especial definido por lei estadual especfica que prescrever normas sobre o ingresso na corporao, os limites de idade, a estabilidade e outras condies de transferncia do militar para a inatividade (reserva e reforma), os direitos, os deveres, a remunerao, as prerrogativas e outras situaes especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades.8

    A essa medida, os maiores valores das Foras Armadas e Auxiliares, institudos nos artigos 142 e 42, a disciplina e a hierarquia, so constitucionalmente protegidos.

    Essa circunstncia elementar das Foras Armadas constituio com base na hierarquia e disciplina, pressupe um dever de obedincia, calcado, principalmente, na obrigao que tem o subordinado de obedecer ao seu superior, salvo quando a ordem deste for manifestamente ilegal.9

    5 SILVA, De Plcido e. Dicionrio Jurdico, Ob. cit. p. 92.6 SOARES, Ailton; MORETTI, Roberto de Jesus e outros, regulamento disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo Comentado: Lei Complementar n 893, de 9/3/2001, 3 ed., So Paulo: Atlas, 2006, p. 20.7 CONSTITUIO FEDERAL, artigo 42;8 CUNHA JR, Dirley da; NOVELINO, MARCELO. Constituio Federal para Concursos : Teoria, Smulas, Jurisprudncia e Questes de Concursos. 2 ed., Bahia: JusPODIVM, 2011, p. 405.9 ASSIS, Jorge Csar de. Curso de direito disciplinar militar: da simples transgresso ao processo administrativo. Curitiba: Juru, 2007, p. 91.

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    Aduz JOS LUIZ DIAS CAMPOS JNIOR que alis, no por outro motivo, portanto, que a obedincia hierrquica , no consenso geral, o princpio maior da vida orgnica e funcional das foras armadas. O ataque a esse princpio leva dissoluo da ordem e do servio militar. 10

    No Estado de So Paulo, o Regulamento Disciplinar da Polcia Militar, Lei Complementar n 893, de 9 maro de 2001, inaugura expressamente a grande importncia dos princpios da hierarquia e da disciplina em seu artigo 1:

    A hierarquia e a disciplina so as bases da organizao da Polcia Militar. 11

    Desde a utilizao das ordenaes do Reino de Portugal, que vigeram at a instituio dos artigos de Guerra do Conde de Lippe, em 1763, e de outras normas punitivas sucessivas at o presente momento, experimentou-se uma gama extensa de punies rigorosas que incluam desde a morte e castigos fsicos privao da liberdade. As penas restritivas de liberdade sempre compuseram o cabedal de punies militares no Brasil.12

    Atualmente, as penas fsicas, cruis, de banimento, de trabalhos forados e de carter perptuo foram extirpadas de todo o ordenamento jurdico, assim como a pena de morte somente passou a ser aplicada em caso de guerra declarada.13

    Todavia, ainda persistem as penas de restrio da liberdade na esfera penal. Conforme descrito inicialmente, disciplina expressamente o artigo 5, inciso LXI, da Constituio Federal a possibilidade de priso nos casos de transgresso militar ou crime propriamente militar.

    Mantm-se, assim, como particularidade do direito constitucional, a manuteno da restrio da liberdade por meio de punies administrativas disciplinares militares.

    Em sede especfica do poder punitivo do Estado, o corolrio a previso nos diplomas legais de um sistema disciplinar mais recrudescido, inclusive no que toca s punies. A restrio da liberdade deixa de ser, portanto, sob uma tica mais ampla, uma simples violao de garantia individual para se tornar um mecanismo necessrio de eficincia da fora militar.14

    O fundamento jurdico que permite aos comandantes, em variados nveis, ter como apoio seus poderes de mando a disciplina. Assim, na esfera penal h protees das instituies militares que tutelam os bens jurdicos necessrios sua

    10 CAMPOS JNIOR, Jos Luiz Dias, direito Penal e Justia Militar: inabalveis princpios e afins. Curitiba: Juru, 2001, p. 132-133.11 Lei Complementar n 893/01.12 VASCONCELOS, Jocleber Rocha, Elementos para a interpretao constitucional da priso disciplinar militar. Jus Militaris Acesso em: 15.abr.2012.13 Idem.14 VASCONCELOS, Jocleber Rocha, Elementos para a interpretao constitucional da priso disciplinar militar. Jus Militaris Acesso em: 15.abr.2012.

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    manuteno. A infrao s normas garantidoras que o dever militar seja cumprido d azo caracterizao de crime militar, passvel de ser punido judicialmente.

    Faz-se necessria, para tanto, a existncia de normas de carter administrativo que autorizem s autoridades, face s condutas violadoras do dever militar, a fim de reprimir diretamente referidas condutas nas noes mais ordinrias e simples, no que se relacionar a assuntos restritos s lides funcionais.

    Embora sejam esferas distintas de responsabilizao jurdica no cenrio atual, a represses penal e administrativo-disciplinar militar so vertentes do poder punitivo do Estado e adotam pontos de contato em comum, pois possuem as mesmas razes histricas e o mesmo fundamento de proteo.15

    Por essas razes tanto no sistema punitivo judicial como no sistema punitivo administrativo resta a utilizao necessria e imprescindvel de medidas que visem impedir a indisciplina como, v.g., a restrio da liberdade, de suma importncia para desestimular condutas futuras a fim de manter status quo das Foras Armadas.

    Em virtude da expressa disposio constitucional, permitindo a aplicao de priso desvinculada da necessidade de mandado judicial, dispe o Cdigo de Processo Penal Militar acerca da possibilidade de priso penal nos casos de crime propriamente militar e o Estatuto dos Militares, Lei n 6.880/80, nas hipteses de priso disciplinar em razo do cometimento de transgresses militares.

    Os crimes propriamente militares so, especificamente, os que s podem ser praticados por militares, ou, no mesmo sentido, os que exigem do atuante a qualidade de militar. Assim, somente a pessoa do militar pode cometer tal delito, vez que tal conduta versa em infrao de deveres militares. Como exemplo, temos os crimes de desero (art. 187, do CPM), abandono de posto (art. 195, do CPM), desacato a superior (art. 298, CPM), dormir em servio (art. 203, do CPM). Noutro sentido, os crimes denominados de impropriamente militares so aqueles que,comuns em sua natureza, podem vir a serem cometidos por qualquer sujeito, seja civil ou militar. Porm, h de se destacar que ao serem cometidos por militar, em determinadas condies, so caracterizados legalmente de crimes militares, isso porque esto previstos no Cdigo Penal Militar. Para exemplo desse tipo de delito temos o furto (art. 240, do CPM), homicdio (art. 205, do CPM), constrangimento ilegal (art. 222, CPM) etc.16

    Por outro lado, a transgresso disciplinar toda violao do dever militar, na sua manifestao elementar e simples. A Lei n 6.880/80 dispe expressamente a seu respeito no artigo 47:

    Os regulamentos disciplinares das Foras Armadas especificaro e classificaro as contravenes ou transgresses disciplinares e estabelecero as normas relativas amplitude e aplicao das penas

    15 Idem.16 PAIOLA,Renan Francisco. Distino entre crime militar e transgresso disciplinar militar no mbito federal. Jus Militaris. Acesso em 15.abr.2012.

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    disciplinares, classificao do comportamento militar e interposio de recursos contra as penas disciplinares. 17

    Resta, portanto, evidenciada a ofensa disciplina, medida que o cometimento de transgresso disciplinar constitui infrao administrativa.

    No Estado de So Paulo a transgresso disciplinar tambm tratada de maneira expressa no Regulamento Disciplinar da Polcia Militar:

    Artigo 12. Transgresso disciplinar a infrao administrativa caracterizada pela violao dos deveres policiais-militares, cominando ao infrator as sanes previstas neste Regulamento.

    Nessa definio, toda violao dos deveres policiais-militares, considerando como tais 35 deveres ticos, est intimamente ligada a atitudes valoradas, tais como a cultura, a honradez, a fidelidade, a probidade, a moral, a bondade, a benevolncia, entre outras, constituiro transgresso disciplinar.18

    A transgresso disciplinar infrao administrativa, nem sempre tpica, mas sempre antitica e quase sempre passvel de acarretar a aplicao de uma pena administrativa disciplinar, ou seja, uma sano disciplinar ao policial transgressor.

    O Regulamento n 893/01 aborda em seu contedo o montante de 132 condutas transgressionais elencadas no artigo 13, pargrafo nico.

    Segundo, AILTON SOARES e outros, normas internas da Polcia Militar, de imemorvel data, sempre impuseram que a sano que implique que o policial venha a ser mantido no mbito da OPM para seu cumprimento seja, em obedincia aos princpios de hierarquia e disciplina, realizada mediante fiscalizao permanente de superior hierrquico. 19

    As modalidades de privao da liberdade de locomoo, do direito de ir, vir e ficar em determinado local, por motivo de cometimento de algum crime ou por ordem legal, est presente tanto quando so cometidos crimes propriamente militares, como quando se verifica o cometimento de transgresses disciplinares.

    As prises provisrias, em flagrante delito e preventiva, esto dispostas expressamente ao longo de todo o Cdigo de Processo Penal Militar:

    Art. 12. Logo que tiver conhecimento da prtica de infrao penal militar, verificvel na ocasio, a autoridade a que se refere o 2 do art. 10 dever, se possvel: c) efetuar a priso do infrator, observado o disposto no art. 244. 20

    17 Lei n 6.880/90, artigo 47.18 SOARES, Ailton; MORETTI, Roberto de Jesus e outros, regulamento disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo Comentado: Lei Complementar n 893, de 9/3/2001, 3 ed., So Paulo: Atlas, 2006, p. 77.19 SOARES, Ailton; MORETTI, Roberto de Jesus e outros, regulamento disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo Comentado: Lei Complementar n 893, de 9/3/2001, 3 ed., So Paulo: Atlas, 2006, p. 152-153.20 CDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, artigo 12.

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    Art. 220. Priso provisria a que ocorre durante o inqurito, ou no curso do processo, antes da condenao definitiva. 21Art. 243. Qualquer pessoa poder e os militares devero prender quem for insubmisso ou desertor, ou seja encontrado em flagrante delito. 22Art. 254. A priso preventiva pode ser decretada pelo auditor ou pelo Conselho de Justia, de ofcio, a requerimento do Ministrio Pblico ou mediante representao da autoridade encarregada do inqurito policial-militar, em qualquer fase deste ou do processo, concorrendo os requisitos seguintes: a) prova do fato delituoso; b) indcios suficientes de autoria. 23

    No que tange s transgresses disciplinares, observa-se que a restrio da liberdade em nvel disciplinar conveniente ao princpio da interveno mnima do direito penal militar, uma vez que se destina a aplicar uma resposta eficaz com menor lesividade social.24

    Na prtica, a utilizao das penas disciplinares, sobretudo as restritivas de liberdade, produzem bons resultados sem que tenha havido o incio da ao penal do Estado. Com isso, a incriminao de condutas e aplicao de penas pela coero deve acontecer quando todos os mecanismos repressivos tenham se esgotado. Confirma-se, assim, que o direito penal deve atuar apenas quando as mazelas sociais carecem de um remdio mais eficaz.

    Isoladamente considerada na esfera disciplinar, a pena privativa de liberdade seria uma afronta ao Estado Democrtico de Direito. Contudo, contrapesada diante de princpios de aplicao do direito penal, torna-se um verdadeiro fiador da coerncia e da harmonia do sistema punitivo militar, restando proclamada a harmonizao social.

    A utilidade de sua existncia verifica-se demonstrada quando se invoca o princpio da fragmentariedade. Segundo o nobre e dileto amigo deste que escreve, FERNANDO CAPEZ a interveno mnima e o carter subsidirio do Direito Penal decorrem da dignidade humana, pressuposto do Estado Democrtico de Direito, e so uma exigncia para a distribuio mais equilibrada da justia. 25

    Da mesma forma com que a Constituio garantiu que a liberdade do cidado, s violada nos casos de flagrante delito ou por ordem judicial, tambm reservou s transgresses disciplinares um regime jurdico especfico, onde no exigiu a flagrncia, no a proibiu, nem estabeleceu como necessria a ordem judicial para validar a priso disciplinar militar.26

    21 CDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, artigo 220.22 CDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, artigo 243.23 CDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, artigo 254.24 VASCONCELOS, Jocleber Rocha, Elementos para a interpretao constitucional da priso disciplinar militar. Jus Militaris Acesso em: 15.abr.2012.25 CAPEZ, Fernando. Curso de direito Penal: Parte geral. Vol. 1, 8 ed., So Paulo: Saraiva, 2005, p. 22.26 PENICHE, Walter Santos. Priso Preventiva disciplinar Militar. Jus Militaris Acesso em 14.abr.2012.

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    Esse regime diferenciado, fixado na Constituio, tem o condo de resguardar a ordem disciplinar na carreira militar, pois de nada valeria organiz-la com fundamento na hierarquia e na disciplina, conforme dispe artigo 142 da Constituio Federal, se no houvesse meio de garantir a efetividade desses institutos.

    A priso disciplinar, assim, o recolhimento do militar transgressor antes do desenvolvimento de um Procedimento Disciplinar. Acaba por constituir forma de cerceamento do militar do Estado.

    O Regulamento Disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo, Lei Complementar n 893/01, dispe expressamente acerca do recolhimento disciplinar em seu artigo 26:

    Artigo 26 - O recolhimento de qualquer transgressor priso, sem nota de punio publicada em boletim, poder ocorrer quando:I - houver indcio de autoria de infrao penal e for necessrio ao bom andamento das investigaes para sua apurao;II - for necessrio para a preservao da ordem e da disciplina policial-militar, especialmente se o militar do Estado mostrar-se agressivo, embriagado ou sob ao de substncia entorpecente.

    Observa-se, dessa maneira, que a ressalva estabelecida pelos constituintes somente alcana os militares, visto que apenas estes esto sujeitos ao cometimento de transgresses militares e crimes propriamente militares, assim estabelecidos, respectivamente no Regulamento Disciplinar da Polcia Militar e no Cdigo Penal Militar.27

    Esse tratamento excepcional, que tem por base a hierarquia e a disciplina, acaba por afastar, sobretudo, o cabimento de habeas corpus em relao a punies disciplinares conforme preceitua o pargrafo 2 do artigo 142 da Constituio Federal:

    Art. 142. As Foras Armadas, constitudas pela Marinha, pelo Exrcito e pela Aeronutica, so instituies nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da Repblica, e destinam-se defesa da Ptria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.. . . 2 - No caber habeas-corpus em relao a punies disciplinares militares. 28

    Assim, em harmonia com a disposio constitucional no caber habeas corpus. Entretanto, no que concerne ao seu cabimento nas punies disciplinares,

    27 SOARES, Ailton; MORETTI, Roberto de Jesus e outros, regulamento disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo Comentado: Lei Complementar n 893, de 9/3/2001, 3 ed., So Paulo: Atlas, 2006, p. 163.28 CONSTITUIO FEDERAL, artigo 142;

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    consta-se tortuosa polmica, medida que poderia existir ameaas restrio da liberdade diante da apurao de eventual falta disciplinar.

    JORGE CESAR DE ASSIS aponta o estabelecimento distinto de trs correntes de entendimentos quanto ao cabimento do habeas corpus, conforme se discorrer a seguir.29

    A primeira corrente de entendimento, extremamente rgida, em virtude da proteo conferida aos conceitos de hierarquia e disciplina, inadmite, por completo, o cabimento do remdio constitucional.

    Nesse sentido, GERSON DA ROSA PEREIRA cita como partidrio deste entendimento Cretella Jnior que assevera:

    o habeas corpus writ concedido a todo aquele que sofrer ou se achar ameaado de sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso de poder, regra jurdica constitucional que sofre exceo em relao a punies disciplinares militares [...]. excetuam-se, pois, da proteo pelos habeas corpus, todos os casos em que o constrangimento ou ameaa de constrangimento liberdade de locomoo resultar de punio disciplinar. 30

    Coaduna com o mesmo entendimento WALTER CENEVIVA, que defende o no cabimento do habeas corpus para as punies disciplinares face s suas razes ligadas aos conceitos de hierarquia e disciplina. 31

    Uma segunda corrente, intermediria e mitigada, concorda com o no cabimento do writ nas punies disciplinas, contudo, sustenta que a vedao deve ser dirigir apenas ao mrito do ato disciplinar, que possui natureza administrativa. Neste caso, no h impedimento do exame quanto legalidade da punio a ser aplicada.

    Nesse sentido, a deciso proferida no HC n 97058 pelo Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 09/11/2010:

    HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINRIO. NO CABIMENTO. SUPRESSO DE INSTNCIA. REAPRECIAO DE PROVA. DOSIMETRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Habeas Corpus, instrumento de tutela primacial de liberdade de locomoo contra ato ilegal ou abusivo, tem como escopo precpuo a liberdade de ir e vir. 2. Deveras, a cognominada doutrina brasileira do Habeas Corpus ampliou-lhe o espectro de cabimento,

    29 ASSIS, Jorge Csar de. Curso de direito disciplinar militar: da simples transgresso ao processo administrativo. Curitiba: Juru, 2007, p. 187-189.30 PEREIRA, Gerson da Rosa. O descabimento de habeas corpus contra punies disciplinares e militares: uma exceo na contramo na dos direitos e garantias fundamentais? Monografia apresentada no Curso de Direito do Centro Universitrio Franciscano de Santa Maria Unifra, em 22.dez.2004.31 CENEVIVA, Walter. direito Constitucional Brasileiro. So Paulo: Saraiva. 1989, p. 68.

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    merc de t-lo mantido como instrumental liberdade de locomoo. 3. A inadmissibilidade do writ justifica-se toda vez que a sua utilizao revela banalizao da garantia constitucional ou substituio do recuso cabvel, com inegvel supresso de instncia. 4. Consectariamente, a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal assente no sentido de que no cabe Habeas Corpus: a) Nas hipteses sujeitas pena de multa (Smula 693 do STF); b) Nas punies em que extinta a punibilidade (Smula 695 do STF); c) nas hipteses disciplinares militares (art. 142 2 da CRFB), salvo para apreciao dos pressupostos da legalidade de sua inflio; d) Nas hipteses em que o ato Atacado no afeta o direito de locomoo; vedada a aplicao do princpio da fungibilidade; e) Nos afastamentos dos cargos pblicos por questes penais ou administrativos; f) Na preservao de direitos fundamentais que no a liberdade da locomoo de ir e vir, salvo manifesta teratologia e influncia na liberdade de locomoo; g) Contra deciso de relator de Tribunal de Superior ou juiz em writ originrio, que no concede o provimento liminar, porquanto erige prejudicialidade no julgamento do prprio meritum causae; h) Contra deciso de no conhecimento de writ nos Tribunal de Superior uma vez que a cognio meritria do habeas corpus pelo STF supresso de instncia; salvo manifesta teratologia ou deciso contrria jurisprudncia dominante ou pela Corte Suprema. 5. A supresso de instncia, por constituir error in procedendo, impede que sejam conhecidos, em sede de habeas corpus, argumentos no veiculados nos Tribunais inferiores. Precedentes (HC 93.904/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 094; HC 97.761/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie; HC 79.551/SP, Rel. Min. Nelson Jobim; HC 73.390/RS, Rel. Min. Carlos Velloso; HC 81.115/SP, Rel. Min. Ilmar Galvo). 6. A anlise dos elementos de convico acerca das circunstncias avaliadas negativamente na sentena condenatria no compatvel com a via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame ftico e probatrio inerente a meio processual diverso. Precedentes (HC 97058, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011; HC 94073, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010).32 (g.n.)

    A defesa do entendimento proposto por essa corrente ganha apoio de Diomar Ackel Filho, Pinto Ferreira e PONTES DE MIRANDA. Este ltimo afirma que:

    [...] a transgresso disciplinar refere-se necessariamente, a: a) hierarquia, atravs da qual flui o dever de obedincia e de conformidade

    32 Supremo Tribunal Federal. Acesso em 16.abr.2012.

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    com a instituies, regulamentos internos e recebimento de ordens; b) poder disciplinar, que supe a atribuio de direito de punir, disciplinarmente, cujo carter subjetivo o localiza em todos, ou em alguns, ou somente em alguns dos superiores hierrquico; c) ato ligado s funes; d) pena, susceptvel de ser aplicada disciplinarmente, portanto sem ser pela justia como justia. possvel, porm, que falte algum dos pressupostos. Se, nas relaes entre o punido e o que puniu, no h hierarquia, ainda que se trate de hierarquia acidental prevista por alguma regra jurdica, porque essa hierarquia tambm e pode constituir o pressuposto necessrio de transgresso disciplinar no h se falar. Basta que se prove no existir tal hierarquia, nem mesmo acidental, para que seja caso de invocar o texto constitucional, e o habeas corpus autorizado. Mas a hierarquia pode existir [...] sem existir poder disciplinar [...]. Por onde se v que a hierarquia e o poder disciplinar pode ser ligado funo, [...] a pena disciplinar pode ser aplicada, e nada tem isso com a justia. Se o ato absolutamente estranho funo, [...], falta o pressuposto do ato ligado funo, pois, de transgresso disciplinar no h de cogitar.

    Por fim, ltima corrente de entendimento, considerada liberal, concorda com a possibilidade de habeas corpus em relao s transgresses disciplinares. Neste caso, permite-se analisar no apenas os aspectos legais do ato disciplinar atacado, sobretudo, o prprio mrito daquele ato administrativo essencialmente militar.

    A Reforma do Judicirio, advinda com a Emenda Constitucional n 45/04, trouxe a ampliao da competncia da Justia Militar dos Estados, as quais tanto em Primeira como em Segunda Instncia passaram processar e julgar os crimes militares praticados pelos militares estaduais.

    Alm disso, a esses rgos passaram ainda a competir o processo e julgamento das aes judiciais contra atos disciplinares militares.

    Observe-se que ao rgo de Segunda Instncia, alm da competncia recursal naquelas matrias, possui a competncia originria de decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduao dos praas.33

    Aps a reforma trazida pela Emenda Constitucional n 45/04 a Justia Militar estadual ganhou a competncia civil para as aes judiciais contra atos disciplinares.

    Ante o exposto, no restam dvidas de que o ato punitivo disciplinar do militar quando submetido ao controle da Justia Militar sujeitar aquele ato administrativo ao controle da legalidade, incluindo o exame da proporcionalidade e da razoabilidade. Assim, e sobremaneira, preserva-se o princpio da legalidade na apreciao da matria, que no se esgota neste instante, mas se revela de extrema

    33 ROTH, Ronaldo Joo. Primeiros comentrios sobre a reforma Constitucional da Justia Militar estadual e seus efeitos, e a reforma que depende agora dos operadores do direito. Jus Militaris. Acesso em 17.abr.2012.

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    importncia para a convivncia constitucional dentro de um regime especial, necessrio manuteno da ordem estatal, ou seja, as prises disciplinares e o Estado democrtico de Direito.

    Referncias bibliogrficas

    ASSIS, Jorge Csar de. Curso de direito disciplinar militar: da simples transgresso ao processo administrativo. Curitiba: Juru, 2007.

    CAMPOS JNIOR, Jos Luiz Dias, direito Penal e Justia Militar: inabalveis princpios e afins. Curitiba: Juru, 2001.

    CAPEZ, Fernando. Curso de direito Penal: Parte geral. Vol. 1, 8 ed., So Paulo: Saraiva, 2005.

    CENEVIVA, Walter. direito Constitucional Brasileiro. So Paulo: Saraiva. 1989.

    CUNHA JR, Dirley da; NOVELINO, MARCELO. Constituio Federal para Concursos: Teoria, Smulas, Jurisprudncia e Questes de Concursos. 2 ed., Bahia: JusPODIVM, 2011.

    GADELHA, Patrcia Silva. Voc sabe o que um crime militar. Jus Navegandi: Acesso em: 16.abr. 2012.

    PAIOLA,Renan Francisco. distino entre crime militar e transgresso disciplinar militar no mbito federal. Jus Militaris. Acesso em 15.abr.2012.

    PENICHE, Walter Santos. Priso Preventiva disciplinar Militar. Jus Militaris. Acesso em 14.abr.2012.

    PEREIRA, Gerson da Rosa. O descabimento de habeas corpus contra punies disciplinares e militares: uma exceo na contramo na dos direitos e garantias fundamentais? Monografia apresentada no Curso de Direito do Centro Universitrio Franciscano de Santa Maria Unifra, em 22.dez.2004.

    ROTH, Ronaldo Joo. Primeiros comentrios sobre a reforma Constitucional da Justia Militar estadual e seus efeitos, e a reforma que depende agora dos operadores do direito. Jus Militaris. Acesso em 17.abr.2012.

    SILVA, De Plcido e. Vocabulrio Jurdico. 15 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999.

    SOARES, Ailton; MORETTI, Roberto de Jesus e outros, regulamento disciplinar da Polcia Militar do Estado de So Paulo Comentado: Lei Complementar n 893, de 9/3/2001, 3 ed., So Paulo: Atlas, 2006.

    VASCONCELOS, Jocleber Rocha. Elementos para a interpretao constitucional da priso disciplinar militar. Jus Militaris. Acesso em: 15.abr.2012.

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    Postura emancipatria de direitos sociais no universo militar estudo sobre o instituto da greve

    Evandro Fabiani Capano*

    1. Introduo

    Imperiosa a necessidade de um corpo de milicianos que garantam a ordem pblica em uma sociedade que se encontra fundada na Cidadania e da Dignidade Humana, como assentado no artigo inaugural de nossa Constituio, devendo estes especiais servidores do Estado estar sujeitos a um regime de disciplina que possa propiciar o imediato reestabelecimento da normalidade democrtica, quando presentes momentos de anomalia institucional.

    Como corolrio dessa necessidade, o texto constitucional prescreve, em seu artigo 142, 3, IV, de forma clara, que ao militar so proibidas a sindicalizao e a greve.

    Porm, ainda que aos militares seja negado direito de manifestao social e o direito greve, tais situaes, em maior ou menor grau, ocorrem no plano ftico, basta lembrar, sem voltar aos tempos da aurora da Repblica, da noite de 24 de maro de 1964, quando marinheiros rebelados carregaram o almirante Cndido Arago, conhecido como Almirante do Povo ou Almirante Vermelho em franco movimento poltico/social1.

    Tambm no se poderia deixar de mencionar o movimento grevista que eclodiu em junho de 1997, em manifestao contra a poltica salarial do Governo de Minas Gerais, resultando em confronto entre policiais militares grevistas e policiais militares que guardavam o Quartel do Comando Geral da PM Mineira, culminando com a morte do cabo Valrio dos Santos Oliveira.2

    Assim, o presente ensaio tem por objetivo, sem qualquer pretenso de esgotar a matria, verificar a consolidao de direitos sociais e sua postura emancipatria no universo militar, tendo por mtodo sua deteco na histria ocidental, para ento focar o instituto da Greve nesse cenrio.

    * Mestre em Direito Poltico e Econmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Doutorando em Direito do Estado pela Universidade de So Paulo, Coordenador do programa de especializao Lato Sensu em Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, atualmente Presidente da Comisso de Direito Militar e Assessor da Presidncia do V Tribunal de tica e Disciplina, ambos na Seco Paulista da OAB, ocupou os cargos de Presidente da Comisso de Segurana Pblica da Seco Paulista da OAB, Chefe de Gabinete da Secretaria de Estado da Educao de So Paulo, Coordenador de Polcia do Gabinete do Secretrio de Segurana Pblica do Estado de So Paulo e Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Assistncia e Desenvolvimento Social do Municpio de So Paulo, Advogado, Scio da Banca Capano, Passafaro Advogados Associados. ([email protected])1 GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. So Paulo: Cia das Letras, comentrio quinta foto do arquivo fotogrfico da obra. 2 Informao colhida no inqurito n 1482-6 do STF, Relator Min. Ilmar Galvo, p. DOJ em 20.09.2002.

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    2. Direitos sociais. Uma postura emancipatria

    2.1 O mundo antigo

    A persepo da existncia do Homem como categoria filosfica foi sem dvida a pedra fundamental para que se pudesse, sculos depois, falar em um ente social, o Estado, e posteriormente evoluir para a consolidao de Direitos Sociais.

    E em Plato que a natureza do Homem exposta, de forma primeira, como racional, e, por conseqncia, na razo realiza o Homem a sua humanidade.

    Da obra de Plato, partindo desse pressuposto, retira-se a noo de que a alma humana se encontra unida ao corpo e aos sentidos, e deve principiar a sua vida moral sujeitando o corpo ao esprito, para que se realize a a nica virtude verdadeiramente humana e racional.3

    Aristteles, discpulo de Plato, evolui a percepo do mestre para o homem um animal social: As primeiras unies entre pessoas, oriundas de uma necessidade natural, so aquelas entre seres incapazes de existir um sem o outro, ou seja, a unio da mulher e do homem para perpetuao da espcie (isto no resultado de uma escolha, mas nas criaturas humanas, tal como no outros animais e nas plantas, h um impulso natural no sentido de querer deixar um outro ser da mesma espcie). 4

    Da obra desses dois grandes filsofos da antiguidade podemos perceber, ento, a deteco do ser humano Plato e o grmen do Estado Aristteles - quando aponta a necessidade de vida socivel: a cidade uma criao natural, e que o homem por natureza uma animal social, e que por natureza e no por mero acidente, no fizesse parte de cidade alguma, seria desprezvel ou estaria acima da humanidade 5

    Nessa linha, o binmio Estado/Direitos Sociais explorado por Cristiane Guimares, em estudo realizado sobre os sistemas jurdicos: 6 credita-se o termo direito ao antigo imprio romano, apesar dos indcios no antigo mundo grego. No Estado grego apareceram as primeiras manifestaes das necessidades de garantias individuais.

    E, em relao aos Romanos, o reconhecimento do gnero Humano foi condio sine qua non para a estabilizao do Imprio, e no poderia ser diferente, pois para administrar um territrio que chegou a cobrir da Muralha de Adriano7 at

    3 PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Lus. Histria da Filosofia. So Paulo: Melhoramentos. 10 Ed. 1974, p. 26. 4 Poltica, I, 1252a e 1252b, 13-4.5 Poltica, I, 1253b, 15.6 GUIMARES, Cristiane. Os Preceitos do Mundo. Itu: Revista Campo e Cidade. Faculdade de Direito de Itu. Dez/Jan 2010. p. 04/08. 7 A Muralha de Adriano, do latim, Vallum Aelium ra uma fortificao construda em pedra e madeira, situada no norte da Inglaterra, na altura aproximada da atual fronteira com a Esccia. assim denominada em homenagem ao imperador romano Pblio lio Trajano Adriano. O Imprio Romano encontrava-se em expanso militar no sculo II. Porm, o imperador compreendeu que a manuteno dessa expanso em todas as direes do Imprio era invivel. Conhecendo a ameaa naquela fronteira, optou por manter o que j havia sido conquistado. Determinou assim iniciar uma muralha, estrutura defensiva com a funo de prevenir as surtidas militares das tribos que habitavam a Esccia - os Pictos e os Escotos (denominados de Calednios pelos romanos) -, e que assinalava o limite ocidental dos domnios do Imprio, sob o reinado daquele imperador. Concluda em 126, constitui-se na mais extensa estrutura deste tipo construda na histria do Imprio Romano. Originalmente estendia-se por cerca de 80 milhas romanas, equivalentes a 73,5 milhas (cerca de 118 quilmetros), desde o rio Tyne at ao Oeste da Cmbria. Para a construo foi empregada a mo-de-obra dos prprios soldados das legies romanas. Cada centria era obrigada a levantar a sua parte da muralha.

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    a Galilia8, tendo conquistado bretes, francos, lombardos, visigodos, ostrogodos e germanos, entre outros, no somente o estabelecimento de estradas foi necessrio, mas um tratamento o quanto mais igualitrio e com preocupao social aos sditos era imperativo, gnese portanto de uma srie de direitos que foram entregues ao Homem que fosse cidado romano, independente de sua origem.

    Assim, contou dessa forma o imprio com a fora do Direito, que se prestou, pela primeira vez, a uma obra unificadora. Ser cidado romano comportava uma srie de privilgios e Roma permitiu sua cidania para quem habitasse nos limites de seu territrio, permitindo o acesso ao corpus civilis.

    Foi uma primeira estratificao de direitos, dentro dessa lgica, na histria ocidental, que reconheceu igualdade de tratamento para todos, sem levar em considerao status de nascimento, mas sim reconhecendo direitos pelo fato de pertencer ao Estado romano, sendo assim um primitivo esboo de Direitos Sociais do Homem.

    2.2 O mundo medieval

    Desde a queda do Imprio Romano do Ocidente, durante as invases brbaras do sculo V, a Igreja Catlica viu seu poder crescer no vcuo deixado pela autoridade romana. No entanto a Igreja, fora espiritual, moral, necessitava de proteo, do brao secular. Este lhe foi oferecido pelos reis e chefes brbaros que se converteram ao cristianismo. Um deles, Carlos Magno (768-814), chegou a tentar restabelecer o poder Imperial no ano de 800, quando foi coroado, em Roma, imperador do ocidente.

    Interessa observar que nesta poca dos princpios da Idade Mdia, desaparece completamente a concepo de cidadania e preocupao com o Homem, como era concebida pelos gregos. A poltica nos tempos medievais est na alada dos nobres, do rei e dos sacerdotes, que se subordinaram filosofia patrstica.

    A evoluo das relaes entre a religio e a filosofia, decidida finalmente pela posio de Santo Agostinho em favor de uma sntese positiva, pregando Deus no centro das relaes do universo, acabou por sufocar a individualidade do Homem e de direitos sociais.

    A construo, nesse cenrio, de direitos sociais ficou prejudicada pela luta entre o poder temporal e o poder espiritual.

    J sob o domnio da escolstica Tomista So Toms de Aquino - a individualidade humana voltou a ser cogitada, quando Marcilio de Pdua9, reitor da Universidade de Paris, um dos principais tericos do poder secular, lanou-se numa

    8 A Galilia a regio do norte de Israel situada entre o mar Mediterrneo, o lago de Tiberades e o Vale de Jizreel. uma regio de colinas, entre elas o clebre monte Tabor, local em que, segundo os Evangelhos, ocorreu a transfigurao de Jesus Cristo. Durante a Primeira Cruzada esta regio foi conquistada pelas foras crists, em 1099. Foi ento fundado o poderoso Principado da Galileia, vassalo do Reino Latino de Jerusalm. Em 1187 o territrio voltou para mos muulmanas quando Saladino o reconquistou.9 ALBUQUERQUE, Newton de Menezes, Teoria Poltica da Soberania. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, pg. 61, nos d conta de que a obra de Marslio de Pdua a que mais sobressai entre as formulaes de inmeros outros pensadores que se preocupavam com a fundamentao autnoma do poder secular na Idade Mdia [...] Tal justificativa, para Marclio de Pdua, no encontra respaldo nos ensinamentos bblicos, pois mesmo Jesus, filho de Deus, mencionava a subordinao a Csar, em todos os assuntos que no prejudiquem a piedade, isto , os assuntos divinos.

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    crtica ambio da Igreja Crist em querer ser tambm um poder temporal. Na sua obra Defensor da paz10, de 1324, apresentou uma elaborada doutrina do poder estatal, que foi fonte inspiradora para as concepes do estado secular que surgiram, bem mais tarde, nos tempos modernos.

    Para Marcilio de Pdua, a fonte das instituies era o que ele denominou de O Legislador Humano, isto , os corpos de cidados livres que compem um reino. Este legislador humano representado pelas figuras mais expressivas da sociedade, que, delegam a direo do governo a um prncipe, magistrado nico, autoridade secular, que concentra em suas mos a capacidade coercitiva e o exerccio da autoridade.

    Essa abertura para o reincio de uma incipiente formao do Estado mostra a modificao completa da cena poltica. A importncia da Igreja diminui, novos poderes surgem na periferia e deslocam o centro da poltica, possibilitando a formao dos Estados modernos, que viriam a ter na sua agenda a preocupao com o Homem, sobretudo para a aceitao da condio social de sdito.

    CLAUDIO SALVADOR LEMBO, de forma muito percuciente, faz lembrar em sua obra Participao Poltica e Assistncia Simples,11 que a Idade Mdia no foi apenas marcada pelas trevas culturais, tendo havido uma preocupao com o Homem em momentos pontuais, que conduziu produo de importantes documentos, como a Magna Carta e a Constituio de Melfi, mpares para a evoluo do pensamento poltico que conduziu a formao de Estados comprometidos com Direitos do Homem:

    Contudo, apesar da ctica afirmativa do pensador de Turim,12 acima registrada, dentro das condicionantes religiosas imperantes na Europa, naquela poca, a Idade Mdia contribui com documentos expressivos para a evoluo do pensamento poltico. Os pactos, forais ou cartas de franquia no s firmaram a ideia de texto escrito destinado ao resguardo de direitos individuais, no registro lanado por Manoel Gonalves Ferreira Filho, como tambm serviram de fonte, na cristalizao e princpios, hoje inafastveis da dogmtica.

    A Constituio de Melfi, de 1231, a que se refere Lembo, o ato conclusivo da reorganizao poltica da Siclia. Proclamada pelo imperador Felipe II, codificam o Direito Constitucional, Administrativo, Penal e Processual para a Siclia, com ntida preocupao de tutela de Direitos dos Cidados.

    Com relao Magna Carta inglesa, JORGE MIRANDA,13 compartilha da ideia de que foi um texto de grande importncia no s para a poca, mas para a histria dos Direitos do Homem e a afirmao do Estado temporal, sendo crucial para a abertura e desenvolvimento da participao nos rumos do Poder:

    10 PDUA, Marslio, O Defensor da Paz. Petrpolis: Vozes, 1997. 11 LEMBO, Cludio. Participao e Assistncia Simples. Rio de janeiro:Forense Universitria, 1991, p. 137. 12 Referncia a Norberto Bobbio. 13 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituio. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 71.

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    I Na formao e na evoluo do Direito constitucional ingls ou britnico distinguem-se trs grandes fases: a) A fase dos primrdios, iniciada em 1215 com a concesso da Magna Carta (pela primeira vez, porque diversas outras vezes viria posteriormente a ser dada e retirada consoante os fluxos e refluxos de supremacia do poder real); b) [...].

    Assim, na fala de RUSSEL14, no final da Idade Mdia a preocupao com o Estado e os Direitos do Homem paulatinamente refloresceu, o mundo abandonou o medo escolstico e a era moderna propiciou uma maior envergadura ingerncia do homem em seu destino.

    2.3 A Renascena e a Idade Moderna

    O Renascimento foi um movimento de renovao que marcou a transio da Idade Mdia para a Idade Moderna. Foi um perodo especial em todos os aspectos. Marca a Europa de 1330 a 1530, tendo como centro irradiador a Itlia.

    Do Teocentrismo Medieval15 o homem avana para o Humanismo16, filosofia de vida surgida com o Renascimento e que predominou na Idade Moderna. O homem renascentista acredita que tudo se explica pela razo e pela cincia, e cr no potencial individual do Homem. Essa renovao foi causada por uma srie de fatores, resultantes da constatao de que as ideias que o Teocentrismo pregava no eram totalmente corretas.

    O movimento renascentista se expande a partir de 1460, com a fundao de academias, bibliotecas e teatros em Roma, Florena, Npoles, Paris e Londres. Sculos nos separam da poca em que viveu Maquiavel. Muitos leram e comentaram sua obra, mas um nmero consideravelmente maior de pessoas evoca seu nome ou pelo menos os termos que a tem sua origem.

    Assim, ao escrever sua principal obra, O Prncipe, Maquiavel nos d conta que a tirania imperava em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradio dinstica.

    A obra toda fundamentada em sua prpria experincia, seja ela com os livros dos grandes escritores que o antecederam, ou seja, os anos como chanceler, ou at

    14 RUSSELL, Bertrand. Obras Filosficas. livro segundo, So Paulo: Editora Codil, p. 206, expe, em figuras de linguagem que Esta esfera sublunar j no aparecia como um vale de lgrimas, um lugar de dolorosa peregrinao ao outro mundo, mas como algo que proporcionava oportunidades para delcias pags, para toda a glria, a beleza e a aventura. Os longos sculos de asceticismo foram esquecidos num tumulto de arte, poesia e prazer. Mesmo na Itlia, certo, a Idade Mdia no morreu sem luta; Savonarola e Leonardo nasceram ambos no mesmo ano. Mas, de modo geral, os velhos terrores deixaram de aterrorizar, e a nova liberdade do esprito revelou-se embriagadora. A Embriaguez no podia durar, mas, entrementes, dissipou o medo. Nesse momento de jubilosa libertao nasceu o mundo moderno.15 A concepo religiosa da poca baseava-se no teocentrismo, isto , Deus no centro de todas as coisas. 16 Esse novo pensamento se caracteriza pelo pensamento antropocentrista, ou seja, o homem no centro, reformulando o pensamento teocentrista.

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    mesmo a sua capacidade de olhar de fora e analisar o complicado governo do qual terminou fazendo parte17.

    O que se percebe, que o pensamento de Maquiavel acaba por permitir uma preocupao com a formao dos Estados e o tratamento do Homem, j que com todos estes conselhos, a arte de se manter no poder coincide, no limite, com o ideal de bem governar. [...] Maquiavel vai mais longe: assegurar a vida coletiva, evitando desordens, sobretudo permanecer ao lado do povo. Neste sentido, afirma: A um prncipe pouco devem importar as conspiraes se amado pelo povo; mas quando este seu inimigo e o odeia, deve temer a tudo e todos.18

    Com a abertura da poltica, o pensamento liberal na Idade Moderna se expandiu. So figuras de realce no pensamento liberal-individualista John Locke (1632-1704) Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Emmanuel Joseph Siyes (1748-1836).

    Assim, v-se que com o triunfo da soluo liberal, os movimentos para reconhecimento de Direitos do Homem receberam um grande impulso, no s na Inglaterra, mas tambm na Frana.

    As lutas pelos direitos do Homem na Idade Moderna no ficaram circunscritas apenas ao velho mundo. Na Amrica, um panfleto de Tom Paine, Bom Senso, exortava luta por liberdade. Em 1776, a Virgnia tomou a iniciativa e declarou-se independente, com uma explcita Declarao dos Direitos do Homem.

    O Segundo Congresso de Filadlfia, reunido desde 1775, j manifestava carter separatista. George Washington, da Virgnia, foi nomeado comandante das tropas americanas e encarregou uma comisso, liderada por Thomas Jefferson, de redigir a Declarao da Independncia. Em 4 de julho de 1776, reunidos na Filadlfia, delegados de todos os territrios promulgaram o documento, com mudanas introduzidas por Benjamin Franklin e Samuel Adams.

    Aps o Tratado de Versalhes de 1783, a Inglaterra reconheceu a independncia da colnia americana e, em 1787, a primeira Constituio dos Estados Unidos da Amrica, pilar da identidade nacional, foi escrita por apenas cinquenta e cinco delegados, de doze Estados, presentes conveno da Filadlfia. Nesta empreitada, os partidrios da federao, chamados federalistas, contaram com a publicao, ao longo de oito meses, de oitenta e cinco artigos escritos por James Madison, Alexander Hamilton e John Jay , e assinados sob o pseudnimo comum de plubius, em defesa da adeso unio19.

    17 Russell, ob. Cit, livro terceiro, pg. 20, sobre Maquiavel expe que sua filosofia poltica cientfica e emprica, baseada na sua prpria experincia dos assuntos, preocupada em declarar os meios de se chegar a determinados fins, sem se preocupar de saber se tais meios so considerados bons ou maus.18 In Histria da Filosofia, Nova Cultural, 1999, p. 160. 19 Uma passagem do federalista nmero LV nos d uma dimenso de participao, no simplesmente do povo, mas do Estado. Esta ideia fica clara na discusso travada a respeito do nmero de representantes no rgo legislativo federal. Deixando de lado a diferena entre os Estados menores e os maiores, como o Delaware, cuja cmara mais numerosa rene 21 representantes, e Massachussets, onde eles somam entre trezentos e quatrocentos, constata-se uma diferena bastante considervel entre os Estados de populao quase igual. A Pensilvnia no tem mais que um quinto dos representantes do ltimo Estado mencionado. Nova York, cuja populao est para a Carolina do Sul numa proporo de seis por cinco, tem pouco mais que um tero do nmero de representantes... (in MADISON, James, HAMILTON, Alexander et JAY, John, Os Artigos Federalistas edio integral So Paulo: Nova Fronteira, 1987, p. 367/368.)

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    Nesta linha de apresentao, podemos ver que, nas sociedades modernas, atravs de uma intensa participao do povo nos movimentos revolucionrios20, houve o nascimento do que se convencionou chamar de Estado Liberal de Direito. Nesta poca, sobressaiu-se o princpio basilar do constitucionalismo, j que esse, at os dias de hoje, garantia da liberdade dos homens, impondo severas limitaes aos governantes.

    Mas passada a euforia do aparecimento do Estado Liberal, reaes comearam a ecoar por toda a Europa contra o liberalismo. A ausncia do Estado gerou na economia grandes monoplios que esmagavam a pequena iniciativa.

    A despeito das preocupaes liberais com a liberdade e a igualdade dos homens, a nova classe que surge nesta poca, o proletariado, traz consigo tambm profundas desigualdades, alm da misria e dos grandes surtos epidmicos. A renncia do Estado, antes de ajudar, s prejudicava.

    Este cenrio propicia a retomada da consolidao da postura emancipatria de Direitos Sociais, agregando os chamados direitos de segunda gerao, agora em favor pleno do discurso Social. Importante para a deteco da natureza deste novo discurso, a lio de Spindel21, na tentativa de expor o sentido de Socialismo, termo que hoje em dia, no constitui tarefa das mais simples.

    Na lio de Spindel, essa dificuldade pode ser creditada utilizao ampla e diversificada deste termo, que acabou por gerar um terreno bastante propcio a confuses, apontando que:

    Constantemente encontramos afirmaes de que os comunistas lutam pelo socialismo, assim como tambm o fazem os anarquistas, os anarco-sindicalistas, os sociais-democratas e at mesmo os prprios socialistas. A leitura de jornais vai nos informar que os governos Cubano, Chins, Vietnamita, Alemo, Austraco, Ingls, Francs, Sueco entre outros, proclamam-se socialistas. Caberia ento perguntar o que que vem a ser este conceito, to vasto, que consegue englobar coisas to dispares. A Histria das Ideias Socialistas possui alguns cortes de importncia. O primeiro deles entre os socialistas Utpicos e os socialistas Cientficos, marcado pela introduo das ideias de Marx e Engels no universo das propostas de construo da nova sociedade. O avano das ideias marxistas consegue dar maior homogeneidade ao movimento socialista internacional. Pela primeira vez, trabalhadores de pases diferentes, quando pensavam em socialismo, estavam pensando numa mesma sociedade - aquela preconizada por Marx - e numa mesma maneira de chegar ao poder.

    20 ORDONEZ, Marlene e QUEVEDO, Jlio, Coleo Horizontes. Histria. Ed. IBEP. p. 146. A Revoluo Francesa exerceu influncia sobre todas as demais revolues democrtico-liberais feitas pela burguesia, que extinguiram o feudalismo na Europa. Essa Revoluo tambm teve implicaes na Amrica Latina, visto que esteve na raiz da formao dos Estados latino-americanos. 21 SPINDEL, Arnaldo, O que Socialismo.So Paulo: Editora Brasiliense. 4 edio, 1993, pg. 32.

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    Neste ambiente, importante para o estabelecimento dos Direitos Sociais o surgimento do proletariado, o que acarretou em novas ideologias voltadas para a redeno da classe, como o anarquismo e socialismo22. Os socialistas desenvolveram vrias teorias sobre como chegar ao poder atravs da participao em movimentos populares, realando o embate de duas novas classes: a burguesia, dona dos meios de produo e capital e o proletariado, responsvel pelo funcionamento das mquinas, donos de sua fora de trabalho, o que, ao contrrio das outras classes marginalizadas ao longo da histria, garantiu a este proletariado o poder de parar a produo, ao cruzar os braos, em greve.

    Foram dois tericos alemes, Karl Marx e Friedrich Engels, que formularam uma proposta mais acabada de socialismo, no fim do sculo XIX.

    Para Marx, o proletariado aparecia como a nica classe social capaz de destruir de uma vez por todas a explorao do homem pelo homem, ao destruir o capitalismo, chegando ao poder pelo caminho da revoluo. No poder, os trabalhadores se encarregariam de eliminar as diferenas sociais, o que assinalaria a passagem do socialismo ao comunismo23.

    Na outra ponta do fenmeno da postura emancipatria de Direitos Sociais, alinharam-se pases que aderiram a um regime mais liberal, arrimado no regime democrtico. Aps a segunda guerra mundial, desenvolvem, propriamente dito, a teoria que culminou no chamado Estado Social de Direito. Nesta forma de pensamento, cabe ao Estado a eterna busca da igualdade entre os homens. Assim, sua mais importante misso o estabelecimento de meios para que tal objetivo fosse finalmente atingido, sendo digno de referncia o trabalho de Lon Duguit:24

    So assim qualificadas todas as doutrinas que partem da sociedade para chegar ao indivduo, do direito objetivo para o direito subjetivo, da norma para o direito individual. E, ainda, todas as doutrinas que consideram a validade da norma que se impe ao homem enquanto ser social, derivando os seus direitos subjetivos das suas obrigaes

    22 Anarquismo: movimento que luta por uma sociedade onde ningum tenha poder sobre ningum. Tambm podem ser chamados de acratas, defensores da Acracia, do grego: an (sem) e kratos (governo). Os acratas, ou anarquistas, querem uma sociedade em que ningum governe ningum. Pela nfase que do liberdade e negao de qualquer autoridade, so tambm conhecidos como libertrios; Sistema poltico que defende a anarquia. Socialismo: sistema econmico e poltico daqueles que pretendem reformar a sociedade pela incorporao dos meios de produo na comunidade, pelo retorno dos bens e propriedades particulares coletividade, e pela repartio, entre todos, do trabalho comum e dos objetos de consumo. In Dicionrio Brasileiro Globo, ed. Globo, 1978, pg. 93 e 1193. 23 Em Bruxelas, Marx continuou a ocupar-se de poltica. As condies eram propcias, pois a Europa estava sendo sacudida por comoes sociais: em particular as revolues de 1848, a queda de Lus Felipe, as jornadas de julho, na Frana, com repercusses que ensanguentaram a Alemanha no ltimo semestre desse mesmo ano. Marx comeou, em Bruxelas, participando da rcem-fundada liga dos Comunistas, que para ele representava o primeiro ensaio de superar a contradio entre uma organizao internacional e os agrupamentos nacionais em que se aglutinavam os operrios. Foi para o segundo congresso da Liga que Marx e Engels prepararam o clebre Manifesto Comunista. O texto abre-se com uma anlise da luta de classes e termina convocando os operrios do mundo inteiro unio. In MARX, Para a Crtica da Economia Poltica. Do Capital, o Rendimento e suas Fontes, Vida e Obra, So Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 12. 24 DUGUIT, Lon, Fundamentos do Direito, So Paulo: cone, 1996, p. 19.

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    sociais. Enfim, todas as doutrinas que concebem o homem como um ser social exatamente por estar submetido a uma regra social que lhe impe obrigaes com relao aos outros homens e cujos direitos derivam das mesmas obrigaes, isto , dos poderes que possui para realizar livre e plenamente seus deveres sociais.

    Importante se faz ressaltar que, deste modo, no h mais espao privado totalmente protegido das ingerncias estatais. Incumbe-se o Estado de regulamentar absolutamente todas as relaes sociais, no havendo mais espao para o individualismo, que reinava absoluto no Estado Liberal de Direito.

    Em consequncia do negativismo produzido pelo Estado que vivia sob um intenso positivismo formalista, o povo buscou uma nova forma de se conquistar a to almejada justia social. Entre elas, os cientistas do direito passaram a mencionar expressamente o que se convencionou chamar de Direitos Prestacionais do Estado.

    A partir da, se verifica que o povo reunido deve participar de modo firme e efetivo no processo poltico, nas decises de Estado e no controle dos atos da Administrao Pblica. As reivindicaes em torno da volta do iderio da justia cresceram, j que a opinio pblica no poderia mais aceitar que os contedos normativos estivessem longe da promoo da justia, preocupao esta que sacudiu a comunidade jurdica, dando-se vulto participao e misso do jurista, como salientado por Cludio Lembo25:

    claro que a democracia, na constante mutabilidade social que possibilita, permite a prevalncia de seus valores bsicos. preciso apenas que a sociedade, por si e por seus agentes, atue constantemente, sem esmorecimento, na salvaguarda da essncia da prpria democracia. Essa tarefa exige extenuante anlise da sociedade e de suas instituies. Tudo que estiver equivocado necessita ser realinhado.

    Foi assim, nas Constituies, que a postura emancipatria consagrou a busca pelo bem estar social. As sociedades reconheceram os ordenamentos devem prezar como seu mais elevado bem jurdico a defesa das liberdades e da dignidade humana. preciso falar ainda que, a partir do Estado Democrtico de Direito, o prprio homem passa a ser encarado como parte de uma comunidade, que interage com esta de inmeras formas.

    2.4 Os direitos sociais no mundo contemporneo. A perspectiva emancipatria final

    Podemos perceber, pela anlise das obras atuais de juristas, que o debate contemporneo se encontra centrado na efetividade dos Direitos do Homem.

    E no poderia ser diferente, pois as democracias modernas trabalham no sentido de aprimorar, cada vez mais, a liberdade e a igualdade formal e material entre seus cidados, pois na isonomia de fruio dos Direitos que se possibilita

    25 LEMBO, Cludio. O Futuro da Liberdade. So Paulo: Edies Loyola, 1999, pg. 13.

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    a verdadeira liberdade para se exercitar uma sociedade apta a garantir dignidade e efetividade de Direitos Humanos, conduzindo to almejada paz social aos seus integrantes.

    Nesse sentido importante consignar o pensamento de Hannah Arendt, exposto por Celso Lafer26: Desta reflexo sobre a fundamental importncia do princpio da isonomia como critrio de organizao do Estado-nao, e de sua anlise da condio de aptridas, Hannah Arendt extrai a sua concluso bsica sobre os direitos humanos. No verdade que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos`, como afirma o art. 1 da Declarao Universal dos Direitos do Homem da ONU, de 1948, na esteira da Declarao de Virgnia de 1776 (artigo 1), ou da Declarao Francesa de 1789 (art. 1). Ns no nascemos iguais: ns nos tornamos iguais como membros de uma coletividade em virtude da deciso conjunta que garante a todos direitos iguais.

    Desse modo, afastando propositadamente o antigo confronto liberdade versus igualdade - para se fixar na sua interdependncia - recorremos aos ensinamentos de Ralf Dahrendorf, que apresenta uma anlise interessante sobre a posio enciclopdica da Dignidade da Pessoa Humana: So, alm disso, os homens iguais por natureza, com relao sua categoria existencial e, em particular, tambm com relao ao seu acesso s possibilidades de liberdade, enquanto faltam limitaes arbitrrias de auto-realizao. A esta igualdade se referem s frmulas do seguinte teor: todos os homens so iguais enquanto homens, na sua dignidade humana [...]27

    Assim, verificado o legado histrico da construo dos Direitos do Homem, necessrio que o Estado contemporneo tenha como seu escopo prestaes negativas e positivas para a integral satisfao da dignidade do ser humano, momento em que a clusula Direitos Humanos ter efetivamente consolidada, no apenas do ponto de vista da eficcia jurdica, mas tambm uma eficcia material (efetividade), consolidando uma perspectiva emancipatria dos Direitos Sociais.

    Tal necessidade passa, ento, a ser objeto principal da agenda internacional aps a segunda grande guerra, como bem demonstra Janusz Symonides: a anlise dos instrumentos internacionais de direitos humanos confirma a convico da comunidade internacional, assentada nas trgicas experincias da Segunda Guerra Mundial, de que o respeito pelos direitos humanos a base para a paz. Assim, a frase, o reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienveis de todos os membros da famlia humana o fundamento da liberdade, justia e paz no mundo, formulada no prembulo da Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948, viu-se repetida tanto no prembulo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, quanto no Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de 1966. Vrios outros instrumentos enfatizaram que violaes

    26 LAFER, Celso. A Reconstruo dos Direitos Humanos. Um Dilogo com o Pensamento de Hannah Arendt. So Paulo: Companhia das Letras, 1988. P. 150. 27 DAHRENDORF, Ralf. Sociedade e Liberdade. Braslia: Editora Universidade de Braslia. 1981, p. 250.

    Book.indb 44 19/9/2012 17:17:17

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    especficas dos direitos humanos, como a discriminao racial e o apartheid,podem comprometer a paz e ameaar a segurana internacional.28

    Assim, a responsabilidade internacional por violao de Direitos Humanos, entre eles os Direitos Sociais passou a ser imperiosa e dentro dessa perspectiva, os sistemas de proteo de Direitos Humanos ganham relevo, quando determinam reparao das violaes perpetradas.

    Mister colacionar que a reparao considerado gnero, sendo possvel vrias espcies, como a restituio na ntegra, satisfao, cessao do ilcito, garantias de no repetio e outras.

    ANDR DE CARVALHO RAMOS29 expe sobre o protocolo 11 e o novo sistema europeu de proteo aos Direitos Humanos, esclarecendo-nos que o procedimento para julgamento internacional do Estado da Conveno Europeia de Direitos Humanos complexo, tendo sofrido importante modificao em novembro de 1998, com a entrada em vigor do Protocolo n 11, que extinguiu a Comisso Europeia de Direitos Humanos e a antiga Corte Europeia de Direitos Humanos (no-permanente) e criou a nova Corte Europeia Permanente de Direitos Humanos. Anteriormente, as vtimas ou mesmo os Estados-partes apresentavam suas peties Comisso ... Agora, com a entrada em vigor do protocolo n 11, o indivduo-vtima de violao de direitos humanos deve apresentar sua ao diretamente Corte Europeia Permanente de Direito