Coletores de poemas, encantadores de corações. · E depois, sem passe de mágica, nem mais, nem...

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Coletores de poemas, encantadores de corações. Objetivos Valorizar e resgatar a cultura da comunidade. Aumentar a familiaridade dos alunos com poemas. Conversa com o professor Nesta oficina, você vai ler para seus alunos o texto “O cantador”, de Antonio Gil Neto e propor que se tornem coletores de poemas. Convide-os, assim como o saltimbanco do texto, a coletarem, colecionarem poemas, para depois realizarem a tarefa de encantador. Para tanto, incentive-os a pesquisar os poemas conhecidos pela comunidade onde vivem. Essa atividade depende da realidade de cada um: os alunos podem sair pela cidade, bairro, rua da escola (quando isso for possível), e entrevistar moradores. Podem fazer a pesquisa na própria escola, com professores, funcionários e colegas mais velhos. Podem também, como tarefa de casa, entrevistar pais, avós, vizinhos e parentes. Se na cidade morar algum poeta, ele pode ser entrevistado, ir à escola conversar com os alunos, ou o grupo pode escrever uma carta a ele pedindo que envie um poema para a turma. Você pode propor todas essas etapas ou algumas delas – o importante é que você, professor, ajude os alunos no planejamento e na organização da pesquisa. Atividades Conte a seus alunos que você vai ler uma história para eles. Para engajá-los na leitura e ajudá-los a compreender o texto, faça antes algumas perguntas de antecipação do conteúdo. Pergunte para seus alunos: - A história chama-se “O cantador”. Pensando nesse título, o que acham que a história conta? OBS: O texto da história “ O cantador” está disponível, abaixo, no final da Oficina. Leia para os alunos os dois primeiros parágrafos da história (que, como já dissemos, encontra-se abaixo) e retome as hipóteses levantadas. Pergunte, então o que acham que os moradores de Alvorada do Norte ouviram naquela manhã. Dica para o professor Antecipar os conteúdos de um texto é uma estratégia de leitura importante a ser desenvolvida, uma vez que o bom leitor continuamente formula hipóteses e verifica suas previsões do que ocorre no texto à medida que lê. Em seguida, leia todo o texto em voz alta para os alunos e, no final, converse com eles, perguntando o que sentiram ao ouvir a história. Pergunte também se podemos dizer que é uma história poética e porque. A preocupação central aqui não é com a interpretação formal, objetiva do texto, mas sim a de ajudar os alunos a resgatar as sensações e sentimentos que o texto evoca. Para saber mais Poético, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é o que tem poesia, que produz inspiração, que tem qualidade, atmosfera, encanto, ou características da poesia. Podemos, então, dizer que “O cantador (dos sentimentos escondidos)”, embora seja um conto, é poético, pois traz encanto, produz inspiração. Foi por isso mesmo que o escolhemos para “inspirar” nossa oficina.

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Coletores de poemas, encantadores de corações. Objetivos Valorizar e resgatar a cultura da comunidade. Aumentar a familiaridade dos alunos com poemas. Conversa com o professor Nesta oficina, você vai ler para seus alunos o texto “O cantador”, de Antonio Gil Neto e propor que se tornem coletores de poemas. Convide-os, assim como o saltimbanco do texto, a coletarem, colecionarem poemas, para depois realizarem a tarefa de encantador. Para tanto, incentive-os a pesquisar os poemas conhecidos pela comunidade onde vivem. Essa atividade depende da realidade de cada um: os alunos podem sair pela cidade, bairro, rua da escola (quando isso for possível), e entrevistar moradores. Podem fazer a pesquisa na própria escola, com professores, funcionários e colegas mais velhos. Podem também, como tarefa de casa, entrevistar pais, avós, vizinhos e parentes. Se na cidade morar algum poeta, ele pode ser entrevistado, ir à escola conversar com os alunos, ou o grupo pode escrever uma carta a ele pedindo que envie um poema para a turma. Você pode propor todas essas etapas ou algumas delas – o importante é que você, professor, ajude os alunos no planejamento e na organização da pesquisa. Atividades Conte a seus alunos que você vai ler uma história para eles. Para engajá-los na

leitura e ajudá-los a compreender o texto, faça antes algumas perguntas de antecipação do conteúdo. Pergunte para seus alunos: - A história chama-se “O cantador”. Pensando nesse título, o que acham que a história conta? OBS: O texto da história “ O cantador” está disponível, abaixo, no final da Oficina. Leia para os alunos os dois primeiros parágrafos da história (que, como já

dissemos, encontra-se abaixo) e retome as hipóteses levantadas. Pergunte, então o que acham que os moradores de Alvorada do Norte ouviram naquela manhã.

Dica para o professor Antecipar os conteúdos de um texto é uma estratégia de leitura importante a ser desenvolvida, uma vez que o bom leitor continuamente formula hipóteses e verifica suas previsões do que ocorre no texto à medida que lê.

Em seguida, leia todo o texto em voz alta para os alunos e, no final, converse

com eles, perguntando o que sentiram ao ouvir a história. Pergunte também se podemos dizer que é uma história poética e porque. A preocupação central aqui não é com a interpretação formal, objetiva do texto, mas sim a de ajudar os alunos a resgatar as sensações e sentimentos que o texto evoca.

Para saber mais Poético, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é o que tem poesia, que produz inspiração, que tem qualidade, atmosfera, encanto, ou características da poesia. Podemos, então, dizer que “O cantador (dos sentimentos escondidos)”, embora seja um conto, é poético, pois traz encanto, produz inspiração. Foi por isso mesmo que o escolhemos para “inspirar” nossa oficina.

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Assim como o saltimbanco coletava poemas e os espalhava encantando os corações dos moradores da cidade, proponha a seus alunos que se transformem em “coletores de poemas”. Organize e planeje com os alunos a forma irão adotar para “coletar poemas”, ou

seja, recolher os poemas que a comunidade conhece. A proposta é que entrevistar uma ou mais pessoas, perguntando o seguinte:

Você gosta de poemas? Sabe o nome de algum poeta? Você conhece algum poema? Se a pessoa souber de algum, peça a ela que o recite e escreva seus versos e estrofes. Se o entrevistado não souber nenhum poema de cor, peça a ele que copie um poema de um livro ou empreste-lhe um livro de poesia. No final, proponha que façam uma seleção dos poemas “coletados ” para afixar

no mural. Os poemas afixados poderão ser lidos por muitos e assim “encantar corações”. O cantador (de sentimentos escondidos) Esta pequena história foi contada por meus bisavós, que contaram aos meus avós que, por sua vez, recontaram aos meus pais, que me contaram de novo ... Agora a conto a você. Também não vou falar muito porque esta é uma história comprida de não acabar nunca, como vontade de comer chocolate, de soltar pipa na amplidão do azul, de sonhar e sonhar. Vou ficar mais no começo dela. Se quiser, depois pode contar a alguém. Era um tempo em que Alvorada do Norte era uma cidade pequena e próspera. Vivia seus dias de trabalho e mansidão alternados, como se alternam os dias e as noites, o sol e a lua, a chuva e o vento. O que aconteceu é que naquele belo dia a cidadezinha amanheceu de um jeito um tanto diferente. Uns minutinhos antes das dezenas de galos soltarem seus cocoricós costumeiros, as pessoas da minha cidade, ainda abraçadas a seus travesseiros ou mesmo de pé, no preparo da labuta do dia, ouviram algo diferente adentrando por portas e janelas ainda fechadas: “Acorda , Maria Bonita/Levanta vai fazer o café/ que o dia já vem raiando / e a polícia já está de pé...” Mais ou menos no ritmo de um leve susto e do escuro se encontrar com o claro daquela manhã, os alvoradenses foram se dando conta do que acontecia: ”Meu coração / não sei porquê / bate feliz/ quando te vê/ E os meus olhos ficam sorrindo /E pelas ruas / vão te seguindo/Mas mesmos assim / foges de mim...” Vou contar logo, porque não é fácil de explicar. Pelas ruas poucas da cidade passava naquele dia, como aparição, miragem, encomenda, um presente dos deuses. Era um jovem cantador. Digo isso porque me contaram que ele tinha movimentos harmoniosos de dançarino e gestos ágeis de ginasta. Nada trazia, a não ser uma pequena viola pendurada no cinto e mais alguns guizos e chocalhos. Ah, e um pandeiro! Que fazia um tum-tum de pulsantes corações: “A lua é uma gata branca , /mansa, / que descansa entre as nuvens./O sol é um leão sedento / mulambento / que ruge na minha rua...” O que mais sei do que me foi dito é que ele apenas falava bem falado, cantava pelo ar palavras bem bonitas que deixavam todo mundo encantado, curioso,

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incomodado. Umas pessoas riam, outras se embeveciam e ainda outras experimentavam emoções pouco sentidas: “ Ovo /novelo /novo no velho /o filho em folhos /na jaula dos joelhos / infante em fonte / feto feito /dentro do /centro...” Sei que houve gente que chorou, tocados por uma tristezinha boba ou uma saudade imensa. Disseram-me que ele tinha o rosto desenhado com estrelas e quem o visse de perto ou de longe não sabia defini-lo bem. Um anjo da guarda, um saltimbanco, um príncipe encantado, sei lá... No seu caminhar pela cidade afora não faltava o que dizer. Logo que alguém abria a janela, soltava: “Menina, minha menina / faz favor de entrar na roda / cante um verso bem bonito / diga adeus e vá-se embora...” E sempre tinha alguém mais abusado que respondia: “ Pinhão quentinho!/ Quentinho pião !/( E tu bem juntinho. /Do meu coração...)” Vez por outra ele surpreendia seu cantar misturando-o com um achado pelo caminho. Rodopiando e declamando, cheirava solenemente uma flor e a entregava ao seu ouvinte – especialmente se fosse uma bela garota - como um adereço: “Uma ocasião meu pai pintou a casa toda / de um alaranjado brilhante.../ Por muito tempo moramos numa casa ,/ como ele mesmo dizia / constantemente amanhecendo...” Eu só sei que ele andou e voltou várias vezes pelas ruelas principais entoando com cerimônias de gesto e voz algumas preciosas palavras que tocaram de perto o sentimento das crianças, dos jovens e dos adultos. Com os toques do pandeiro ia dizendo: “ Quer ver a foca / ficar feliz? / É por uma bola / no seu nariz. / Quer ver a foca / bater palminha? / É dar a ela uma sardinha...” E mais : “Vem que o vento volta / devolvendo o meu sonho / pesadelo tão medonho /que eu não quero nem lembrar /vem que vai ventar. / vem que vai voltar/ vento vai ventar...” Ainda: “Um homem vai devagar. / Um cachorro vai devagar./Um burro vai devagar. / Devagar...as janelas olham ./ Êta vida besta, meu Deus!” E depois, sem passe de mágica, nem mais, nem menos, sem dizer adeus a ninguém, ele foi embora: “Adeus amor eu vou partir/ ouço ao longe um clarim...” Desapareceu pelo zig-zag das estradas, com seu maracatu de corpo. Acho que ele foi encantar outros corações em outros lugares, penso eu... Depois, pelo que sei, aos poucos, todo mundo de Alvorada foi retomando sua vidinha, seus afazeres: botar o café no fogo, atrelar o cavalo na carroça, escovar os dentes, tirar o bicho do pé... Outros ainda voltaram mais cinco minutos para o aconchego da cama. Só sei que todo mundo ficou pensando e pensando naquilo o dia inteiro...E por muito tempo mais... E digo ainda. Nunca mais isso aconteceu. As pessoas daqui do meu lugar ficaram com saudade gigante daquela passagem desse guardador de palavras bonitas. Parece que todo mundo queria mais. Uns até acabaram descobrindo que muitas delas estão também guardadas dentro dos livros. Outras delas, nas histórias de algumas pessoas que sabem inventar e brincar com as palavras da vida. Mas isso é uma outra história. Vou confessar só a você que, às vezes, nem sei se estou alegre ou triste, fico com meus botões cantarolando baixinho, guardando umas idéias, pendurando uma nas outras... Até se parecem um pouco com essas coisas que o nosso cantador andou dizendo por aí, há tanto tempo. Mas tem gente no meu pedaço que fala cada coisa

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interessante, uma melodia de palavras pungentes, que eu nem acredito! É como se o tal do cantador tivesse deixado algum segredo? Até hoje, quando escuto um barulho diferente na minha rua, que já não é a mesma de outrora, seja de vento leve na folhagem, passarinho querendo fazer ninho ou até mesmo de alegria inventada, levanto bem de mansinho e espreito na minha janela para ver o cantador de palavras bonitas passar.

(Antonio Gil Neto, verão 2007) Referências bibliográficas dos fragmentos poéticos utilizados - Acorda....( MPB / autor : Antonio dos Santos ) - Meu coração...( MPB / música “Carinhoso”, autores : João de Barro/Pixinguinha ) - Alua.. ( Sérgio Caparelli / “Restos de arco-íris”, L&PM , Porto Alegre) - Ovo...( Augusto de Campos , “Poesia 1949/1979”, Duas Cidades , S. Paulo) - Menina..( cantiga de roda) - Pinhão...(Mário Quintana / “Lili inventa o mundo “, Mercado Aberto , P.Alegre) - Uma ocasião...(Adélia Prado , “Poesia Reunida”, Siciliano , S.Paulo ) - Quer ver... ( Vinícius de Moraes , “Ri melhor quem ri primeiro “, José Paulo Paes , Cia das Letrinhas , S . Paulo ) - Vem que..( Pedro Bandeira , “Cavalgando o Arco-Íris “, Moderna , S.Paulo) - Um homem....(Carlos Drummond de Andrade , Obra Completa , José Olympio , Rio de Janeiro ) - Adeus...(folclore popular...) Fonte: Poetas da Escola - Kit Itaú de Criação de Textos

Dedo de prosa Professor, pode não parecer, mas todos temos guardados em nossas “gavetas escondidas” poemas que ouvimos ou lemos vida afora. E todos, em algumas situações, colecionamos ou temos vontade de colecionar pequenos versos ou frases de que gostamos. Há uma certa memória poética, ainda que adormecida, em qualquer lugar do nosso país.