Comissão Parlamentar de Inquérito: Uma Apresentação

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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO Gian Gabriel Guglielmelli Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é uma investigação feita pelo Poder Legislativo, ou seja, a Câmara dos Vereadores, a Câmara dos Deputados, a Assembleia Legislativa ou o Senado Federal. Quando a investigação é feita em conjunto entre deputados e senadores, ela é chamada de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Uma das funções do Legislativo é fiscalizar o trabalho do executivo, por isso existem as CPIs. Elas têm o poder fiscalizatório, e por isso podem ouvir depoimentos e tomar informações sobre determinados assuntos que tenham a ver com a máquina pública. A CPI existe na Constituição Brasileira desde 1934 e, desde então, passou por várias reformas. Na atual Constituição, de 1988, ela é descrita da seguinte maneira: Art. 58 § 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério

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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO

Gian Gabriel Guglielmelli

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é uma investigação feita pelo

Poder Legislativo, ou seja, a Câmara dos Vereadores, a Câmara dos Deputados, a

Assembleia Legislativa ou o Senado Federal. Quando a investigação é feita em conjunto

entre deputados e senadores, ela é chamada de Comissão Parlamentar Mista de

Inquérito (CPMI). Uma das funções do Legislativo é fiscalizar o trabalho do executivo,

por isso existem as CPIs. Elas têm o poder fiscalizatório, e por isso podem ouvir

depoimentos e tomar informações sobre determinados assuntos que tenham a ver com a

máquina pública.

A CPI existe na Constituição Brasileira desde 1934 e, desde então, passou por

várias reformas. Na atual Constituição, de 1988, ela é descrita da seguinte maneira:

Art. 58 § 3º As comissões parlamentares de inquérito, que

terão poderes de investigação próprios das autoridades

judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos

das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos

Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou

separadamente, mediante requerimento de um terço de seus

membros, para a apuração de fato determinado e por prazo

certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao

Ministério Público, para que promova a responsabilidade

civil ou criminal dos infratores. (BRASIL)

Ou seja, para existir, a CPI primeiro ela precisa ser proposta por algum

parlamentar, daí precisa preencher os seguintes requisitos: requerimento de um terço

dos membros componentes da respectiva Casa Legislativa que vai investigar o fato

(requisito formal); que haja fato determinado (requisito substancial); que tenha prazo

certo para o seu funcionamento (requisito temporal); e que suas conclusões sejam

encaminhadas ao Ministério Público, se for o caso.

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REQUISITO FORMAL

A doutrina jurídica diverge quanto a este primeiro requisito para a criação de

Comissão Paramentar de inquérito. Para Juliano Luis Cavalcanti, é necessário a

apreciação do Plenário para valer-se a vontade da maioria.

O texto constitucional e os Regimentos Internos do Senado e

da Câmara dos Deputados não são claros quanto ao alcance

da expressão – requerimento de um terço de seus membros -,

uma vez que o requerimento citado deva ser aprovado pelo

Plenário da Casa Legislativa em obediência à vontade da

maioria. (CAVALCANTI, Juliano Luis).

Alexandre Kimura faz a seguinte observação sobre o assunto:

Alguns debates surgem quando os regimentos internos

impõem que, ainda que assinado por, pelo menos, um terço

dos membros da Câmara legislativa, o requerimento seja

submetido a aprovação plenária para se criar comissão de

inquérito. (KIMURA, Alexandre Issa).

A doutrina jurídica majoritária, no entanto, entende que basta o requerimento ser

subscrito por um terço dos membros da casa legislativa que será criada

automaticamente, como explica Plínio Salgado:

A criação das comissões parlamentares de inquérito se dá

mediante requerimento subscrito pelo menos por um terço

dos membros de qualquer das Câmaras do congresso, como

está prescrito no artigo 58, §3º, da Carta Magna em vigor.

Basta o cumprimento deste requisito, além é obvio, da

indicação de fato determinado, e a comissão será

automaticamente criada, para funcionar por prazo certo. Ao

comentar o preceito similar, da Constituição de 1967, Pontes

de Miranda enfatiza com propriedade que ‘há o dever de

criar a comissão de inquérito, porque o art. 37 foi explicito

em estatuir que se há de criar (verbo ‘criação’), desde que

o requeira um terço ou mais dos membros da câmara ou das

câmaras’.  Na espécie, o direito da minoria parlamentar, por

este mesmo aspecto, exige norma expressa na Constituição, e

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daí, o acerto dos Constituintes, ao introduzi-la no texto maior.

(SALGADO, Plínio. Grifo nosso).

REQUISITO SUBSTANCIAL

Dentre os requisitos, nenhum deles é tão controverso quanto o conceito de fato

determinado. Isso porque a própria Constituição não procura esclarecê-lo melhor. A

explicitação do conceito deveria ser sugerido por legislação infraconstitucional, no caso

a Lei 1.579/52 e os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Segundo Paulo Ricardo Schier, a Lei n. 1.579/52 limita-se a afirmar que as

comissões parlamentares de inquérito terão ampla ação nas pesquisas destinadas a

apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação, não se preocupando em

delimitar conceitualmente o que sejam estes fatos determinados e, no art. 5º, § 1º,

admite que o objeto da investigação possa recair sobre fatos múltiplos, diversos,

hipótese em que dirá a comissão, em separado, sobre cada um deles.

Preocupado em especificar melhor conceito, o Regimento Interno da Câmara,

em seu art. 35, § 1º, traz a seguinte definição o fato determinado:

Art. 35 § 1º Considera-se fato determinado o acontecimento

de relevante interesse para a vida pública e a ordem

constitucional, legal, econômica e social do País, que estiver

devidamente caracterizado no requerimento de constituição

da Comissão. (BRASIL).

Essa primeira delimitação conceitual, embora não seja suficiente, por si só, para

explicar o que seja o fato determinado, possui a virtude de exigir que o fato seja

relevante ou, em outras palavras, que esteja vinculado a algum interesse público.

Inicialmente, fato determinado, para fins de criação de comissão de inquérito,

deve ser entendido como algo que, entre um momento inicial e um momento final,

aconteceu e seu conhecimento em minúcias pelo Legislativo é, atualmente, relevante.

Através da CPI, pode-se apurar a autoria, o período em que ocorreu o fato, o meio

utilizado e o local do fato.

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Nessa linha, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, no Parecer

n. 131, de 1996, apresentou o seguinte entendimento a respeito do conceito de fato

determinado:

É certo que a Constituição Federal não impõe a qualificação

do fato determinado, com o detalhamento de todas as suas

circunstâncias. Mas exige que seja concreta a sua existência,

porque o que se vai apurar não é se houve o fato, mas as

circunstâncias (quem, como, quando, quanto, onde etc)

concorrentes a um fato determinado que deve ser

inequivocamente referido na peça inicial. (BRASIL).

Com o propósito de tornar claro esse conceito, Cretella Júnior procura defini-lo

como o evento ou acontecimento do mundo que tem consequências sobre a vida

constitucional do país. Por isso, todo acontecimento que interesse ao direito comercial,

econômico, civil, penal, administrativo, constitucional, fato do mundo, e que interesse

ao mundo jurídico e que necessite de providências do Poder Legislativo Federal, , será

objeto de investigação destes por meio de Comissão de Inquérito.

REQUISITO TEMPORAL

Muito embora a incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termine

com a sessão legislativa, no ano em que tiver sido criada (Lei nº 1.579, de 1952, art. 5º,

§ 2º), nada impede que, por deliberação da respectiva Casa Legislativa, este prazo seja

prorrogado dentro da mesma legislatura em curso, pelo tempo que for necessário à

realização completa de seus trabalhos.

O professor Alexandre Kimura, disserta a respeito do tema, conceituando prazo

certo, da seguinte maneira:

Prazo certo significa que o funcionamento da Comissão

Parlamentar de Inquérito não pode se prolongar

irrestritamente no tempo. Em geral, o regimento interno é o

diploma legal que fornece o prazo de funcionamento das

Comissões Parlamentares de Inquérito, bem como a

possibilidade de prorrogação. (KIMURA).

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O professor Alexandre de Morais considera que, apesar de a norma constitucional não

estipular prazo certo para o término da CPI, esta deverá encerrar os trabalhos até o final

da legislatura:

Ressalte-se que a locução prazo certo, revista no §3º do art.

58 da Constituição, conforme jurisprudência do STF, não

impede prorrogações sucessivas dentro da legislatura, nos

termo da Lei n. 1.579/52. Observe-se, porém, que o termo

final de uma CPI sempre será o término da legislatura.

(MORAES, Alexandre de.).

INSTAURAÇÃO DA CPI

A instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito é realizada pelo

presidente da Casa Legislativa, cabendo a esse representante do Poder Legislativo a

obrigação de fiscalizar a observância do requisito formal, antes de determinar a

lavratura do ato constitutivo da CPI.

Se algum requisito procedimental não atender os parâmetros constitucionais e

legais postos como balizamento para a constituição de Comissão Parlamentar de

Inquérito, o presidente do Poder Legislativo em questão, deverá indeferir e devolver ao

primeiro subscritor do requerimento, por ser provavelmente o principal interessado em

apurar o fato determinado, para que ele observe as exigências constitucionais para a

criação da comissão. Caso o titular do Poder Legislativo, verifique que foram

obedecidos os requisitos mínimos necessários para a constituição de Comissão

Parlamentar de Inquérito, o mesmo determinará a publicação do requerimento.

No texto da proposta já estará definido o número de parlamentares que devem

fazer parte da comissão. Os membros da comissão serão indicados pelos lideres de seus

partidos, devendo observar quando possível, a proporcionalidade das representações de

partidos ou de blocos parlamentares, sendo que os nomes indicados deverão ser

designados pelo Presidente da Casa Legislativa respectiva. Este comando, em nosso

direito constitucional, tem como norma subsidiadora o art. 58, § 1º da CF e o art. 78, do

Regimento Interno do Senado Federal, que serve de parâmetro para as demais normas

regimentais das Casas Legislativas do País.

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Se o titular da presidência recusar instaurar a comissão que atender os requisitos

legais, adotará essas providências os vice-presidentes respectivos, na ordem de

sucessão, ou os membros da Mesa Diretora que os substituírem, na forma regimental, à

semelhança dos procedimentos a serem tomados na publicação de projetos de leis que

vão à sanção do Chefe do Poder Executivo, por ser um direito assegurado à minoria.

Caso nenhuma dessas autoridades queira providenciar a constituição da

Comissão, deverá qualquer um dos interessados requerer que o Poder Judiciário

assegure seu direito liquido, através de Mandado de Segurança, solicitando a

providência jurisdicional necessária ao cumprimento do que estabelece a Constituição e

legislação correlata.  A autoridade deverá responder por crime de responsabilidade, por

não ter atendido determinação constituição, podendo inclusive ser afastada de seu cargo,

tendo em vista que não cumpriu seu dever de bem representar o interesse da sociedade.

RITOS FINAIS

Com os membros indicados e a mesa formada, começam as investigações, com

levantamento de documentos, a convocação de testemunhas para prestar depoimentos e

as acareações. O cronograma de trabalho de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é

determinado por seus membros. Além disso, segundo o regimento da Câmara dos

Deputados, não podem existir mais de cinco CPIs ao mesmo tempo, salvo mediante

projeto de resolução com o quórum de apresentação de 1/3 dos deputados.

Quando chega ao fim, o relator da CPI precisa apresentar um relatório, que pode

conter denúncias e fatos que posteriormente serão apurados pelo Ministério Público. O

relatório final é de responsabilidade exclusiva do relator, que deve ser escolhido por

votação.

A CPI não tem o poder de punir ou mesmo de entrar como uma ação civil ou

criminal. Ela na verdade é um trabalho de investigação, que culmina com um relatório

que vai mostrar quais foram as falhas e apontar as responsabilidades. Ela tem poder

investigatório, mas não de judicial. Quem vai tomar providências é o Ministério

Público. 

Dependendo do resultado, a CPI pode sugerir que haja a cassação de um

parlamentar, a abertura de uma ação ou até um impeachment.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Osmar de Oliveira. Comissão Parlamentar de Inquérito: o fato determinado e os limites materiais como garantidores dos direitos fundamentais. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2008.

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CAVALCANTI, Juliano Luis. A Comissão Parlamentar de Inquérito no âmbito do legislativo municipal. 1ª edição. Leme: Mizuno. 2006.

CRETELLA Jr, José. Comissão Parlamentar de Inquérito, apud CARAJELESCOV, Yuri. São Paulo. p. 106.

KIMURA, Alexandre Issa. CPI: teoria e prática. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. P. 24-25, 37-38. 2001.

MORAES, Alexandre de. Limitações Constitucionais às Comissões Parlamentares de Inquérito. In: Revista de Informação Legislativa n. 146. Brasília, 2000

SATO, Paula. Como funciona uma CPI? Quais foram as mais importantes? in Revista Nova Escola. São Paulo, Maio 2009. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/geografia/fundamentos/como-funciona-cpi-quais-foram-mais-importantes-473392.shtml>. Acesso em: 30 maio 2015.

SILVA, Edimar Gomes da. Procedimentos e Requisitos para Instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito in Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 91, ago 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10058>. Acesso em 30 maio 2015.