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    Como compreender e descompreender a religio

    Ailton Benedito de Sousa

    A minha me, que anteviu minhaatividade de escritor

    Ao Secretrio-Geral da ONU, Ban-Ki-moon,nesse momento em que ela, aONU, procura saber quem , a queveio, por ter sustado, pelo menos neste

    fim de 2012, os planos de intervenomultinacional no Azauade, norte do

    Mli. Os milenares povos nmadesmerecem respeito, e a frica tambm..

    1.Introduo

    Como desculpas pela repetio de algumas colocaes, digo que gostaria

    de um dia sentar-me e de uma s vez deixar escritos, em um ou doisvolumes definitivos apenas, o essencial de minhas ideias, das minhasinquietaes. Nesse caso, no me repetiria. No decorrer da vida profissionalatribulada ou seja, mal paga, enfrentando duas ou mais jornadas detrabalho, no consegui dedicar-me escrita e, aposentado, com vagares

    para dedicar-me a este mister, continuam as alternncias. Em mim, asideias ou preocupaes esto sempre presentes, geralmente como chuvafina de nuvens esgaradas, mas s vezes com possibilidade de se tornarem

    torrenciais medida que d continuidade ao de escrever, que meconcentre nesse trabalho, concentrao que exige fases, horas, disposiesespecficas, independentes da vontade consciente.

    H muito que me persegue esse tema, um chuvisco especfico a questoreligiosa na ao poltica, questo que aps quinhentos anos de vidaintertnica em comum ningum aqui no Brasil jamais enfrentou. S nisso

    j se tem tema de estudo: Brasil, fbrica de religies no estudadas. Quantoa mim, parece que o momento chegou, instando-me a abrir e socializar

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    entre amigos esse conjunto de preocupaes, reflexes e anlises areligio, especificamente em torno dessas questes:

    a) Como sua dinmica no mbito da ao poltica na Dispora nos devia

    dizer respeito?b) Resistir ou abandonar a cabea ao pensamento e cultura dominantescomo perfeitos conversos?

    c) H realmente evoluo, no sentido de refinamento cultural transmissvelsocial e geneticamente, pelo qual um povo amante de lutas entre animais eseres escravizados, ao se dizer ter evoludo repudie esta prtica e passe afruir concertos de msica hoje dita clssica? Parece mais crvel que o

    circo, a arena, os lees e gladiadores, por necessidade, preenchiam aseternas horas de cio improdutivo de uma populao de prias semqualquer funo social, necessariamente brutalizada para que pudesselegitimar a brutalidade de sua formao social o imprio romano.Terminada, nesse imprio romano, a escravido institucionalizada,aparecero no s o trabalho como atividade associativa, corporativa ou

    solidria, como tambm outras formas de passar o tempo, mas sem que sefale em evoluo que de um lado remova para sempre, supere, uma pauta

    de comportamentos antiticos, de outro, fixando a pauta moral. Ahiptese considerada aqui a de que o homem eterno, o mesmo. Tantoassim que o povo que se julga descendente direto dos romanos h menosde cem anos, mecanizados pela terceira revoluo industrial, aprestou-seem exrcito para atacar o povo abissnio, pois sabendo que este aindacombatia a cavalo, lanas, arcos e flechas... A atual crise econmica esttrazendo as milcias fascistas e nos reservas muitos exemplos de retorno barbrie, xenofobia.

    c) Como homens da Dispora africana, crendo estarmo-nos civilizando(segundo os cnones da sociedade opressora envolvente), devemosabjurar as mais fundas razes da nossa ancestralidade, o assentamento denosso Ax ou fora espiritual, assimilando valores e argumentos que

    justificam essas prticas religiosas como primitivas, brbaras, animistasna significao vulgar deste termo?

    d) Ou devemos firmar posio de aderncia absoluta nossa herana

    especfica, arrostando todos os estigmas que perseguem as religies afro-brasileiras at faz-las serem vistas com respeito e reverncia?

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    e) O que tem em si de especfico uma religio? Que base compete aopensamento de classe etnocntrico para classific-las como superiores,inferiores, animistas a partir de aspectos como seu carter politesta, oumonotesta?

    f) So elas substituveis, qualquer uma serve a qualquer de ns desde quefale em Deus? Sua institucionalizao comunitria (no estatal), entre oscrentes, necessria? Que posio tomarmos diante do atual processo dereajustamento ou realinhamento religioso evanglico por parte do homemda Dispora, um ser em desespero, sob o peso de trezentos anos delavagem cerebral, de pobreza e anomia social irrevogveis, desintegrado,atomizado, enguetizado culturalmente? Que instrumentos dar-lhe para

    fazer face s propostas ditas neoevangelistas? Seitas que, desde que aceitea lavagem cerebral, fingem absolv-lo, at mesmo pelo nome que elas lhedo ovelha, e a seu condutor pastores? No corpo do artigo estaremosapresentando respostas a estas questes.

    O texto que segue o pontap inicial. Vejamos em que vai dar. Comosempre, a preocupao principal a constituio de uma agenda temtica

    para o militante da Dispora Africana aqui no Brasil e em qualquer outrolugar do mundo, desde que se faam as devidas correes. Agenda temtica

    que lhe d base de conceitos para a anlise e interpretao de sua realidade,fundamento para a ao poltica, para a ao transformadora no nvel desua sociedade, para a ao inovadora como produtor de tecnologias sociaisque concorram para a criao de um mundo multitnico, culturalmentemultivariado, enfim, um mundo em que a humanidade imite as grandesflorestas que, pujantes, aterradoras, sobreviveram at aqui porque semantiveram altamente diversificadas, em clmax.

    2.O mtodoCom relao questo do mtodo, do caminho, nesta fase em que por

    princpio dispenso os ndices de certificao imediata do meu texto atmesmo afastando-me da obrigao de a cada passo citar fontes

    bibliogrficas, reafirmo que:

    a) Procuro observar o fenmeno em estudo num trnsito entre o discursosocial e seu rebatimento em termos de aes, atitudes, comportamentos

    prticos e tericos em vrias instncias da vida de uma sociedade como anossa: os seres humanos, nos jogos da prxis, negociam, pactuam,

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    confirmam, competem e hierarquizam seus imaginrios. Os que curtem atauromaquia compartem imaginrio especfico. O mesmo para um adeptodo hindusmo, para quem a vaca animal sagrado. O que no pode ocorrer que as regras desse jogo sejam impostas por uma cultura, uma etnia que

    se superponha s demais como superior.

    b) Estarei sempre muito atento s presenas ostensivas e equivalentesausncias, ostensivas tambm, dos temas, dos termos, no discurso,relacionados questo em estudo, no caso a questo religio.Consequentemente, tem importncia todo o universo vocabular que serelacione com o tema. Para os falantes de uma lngua, a seleo vocabularou sinttica deciso poltica de domnio ou submisso.

    c) Nos esforos por des/compreender as grandes questes da sociedadebrasileira, insisto em no reconhecer como marcos de mudana, cortesepistemolgicos como se diria, os pontos de periodizao que, no caso

    brasileiro sinalizam o fim da Colnia com a Independncia, o fim dacultura do trabalho escravo com a Abolio, o fim dos cem anos deRepblicas autoritrias e de Ditaduras com o Texto Constitucional de 1988.Estes pontos so balizas no polgono demarcador do discurso, que nos vcomo em espiral de progresso. So marcas confirmadoras de suas prprias

    narrativas. Saia-se dele, e elas, as narrativas, perdem qualquer sentido.Aceitando-as sem crtica, reconfirma-se ou legitima-se o discurso, comointerpretado pela corrente conservadora. Cumpre transcend-lo, pois dedentro do Labirinto no se pode ver qualquer sada, objetivo de quemdeseja estud-lo. A grande questo que a aceitao desses cortesdetermina esta: se de 1808 para c h escalonamento progressivo, avano,

    progresso, em nossa realidade social, por que esse progresso no nosbrindou, a ns, os descendentes da Dispora?, por que regredimos? Ento

    o defeito nosso, no?

    d) No Brasil, dada a tibiez da ao cidad de toda a populao (por bvioem virtude da excluso do negro, do ndio e do branco pobre), vive-se, emtermos das grandes questes sociais, a eterna recorrncia, emconcomitncia, de fases histricas tidas como superadas: a um s tempo eem qualquer momento a questo da propriedade territorial lato sensuremanesce insolvel, tendo em vista o que deveriam ser as exigncias de

    um estado nacional territorial (aqui nesta questo, o perodo colonialpermanece, com a Unio e seus squitos colocando-se no lugar da Coroa

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    portuguesa e seus squitos) no temos um momento de incorporao,encarnao (como na possesso religiosa) de um Esprito Nacional moda J.J. Rousseau, firmando o pacto nacional com o Juramento do MayFlower, o incio da partida, tornando iguais e desiguais todos ao mesmo

    tempo, algo como Estamos aqui, solenemente, para criar isso...,portanto, terras no Oeste vendidas a quaisquer cidados brasileiros porR$ 5,00 o hectare desde que casado e disposto a dar sequncia a umaatividade agrcola.A sociedade, o Soberano, como diria Rousseau, d-lhe a oportunidade de no ser pobre, em troca cabe a voc dar isso eaquilo de volta, depende s de voc. Entre ns a pobreza foi e estrutural: voc veio pra c como coisa pela violncia, foi feito pobre

    pela violncia (o trfico de escravos e semi-Abolio) e (e ser) mantido

    pobre pela violncia, nisso no h tergiversao.

    e) S em 2008 tivemos um primeiro ministro de Alta Corte de Justianegro, embora negra seja e tenha sempre sido a maioria da populao.Generais, brigadeiros, almirantes, embaixadores, principalmente depois dosanos 50 do sculo passado, ausentes ausentados, avis rara espordicas oureticentes, caso do deputado que dizia no me chamem de negro, ou dovice-Presidente Nilo Pessanha, jamais referido como mestio puro, certa

    ressalva sendo feita para o clima social do Segundo Reinado onde umaminscula elite negra, malgrado a escravido e a vergonhosa poltica doembranquecimento (mantenho o termo, pois assim que o povo fala),conseguiu vir a lume. As velhas Repblicas trucidaram-na, a esta elite,nomes restando descolorados como Andr Rebouas ou o Baro deGuaraciaba, nos livrinhos de estria do Brasil, da escola pblica,excepcionalmente referidos como negros.

    3. A subsuno da religio e sua excluso do currculo social comomatria de estudo

    O substantivo vem do verbo subsumir, pr em ordem, submeter algo a umaclasse, hierarquia, da subsuno, o ato de classificar, dar valor. No campoda religio e num contexto colonial, de imposio de uma cultura sobre asdemais, esta subsuno de uma religio como superior (a do europeu) ou

    primitiva, inferior, ingnua (as dos dominados) dispensa explicaes, faz-

    se imediatamente evidente, o mesmo para seus elementos constituintes,

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    clero, crentes, mitos inaugurais, teorias e prticas rituais: hierticos,teolgicos, sacros, sacrossantos (nesse caso ostensivamente iluminados) ou

    promscuos (ideia pejorativa da mistura), tabus abjetos, indicadores deingenuidade, barbarismo, infncia ou demncia (nesse caso em retraimento

    ou ausncia, ambas as atitudes relativas a coisa que no deve ser a todahora verbalizada). No campo vocabular, para que, como falantes,exeramos a seleo poltica, temos: sacerdote x pai de santo; hstia, x

    boz, feitio, despacho, bruxaria; f, crena, ortodoxia, crendice,animismo;in extremis, Deus x Diabo, Co, Capeta. Insiste-se aqui que o quadro devalores relativo coisa religiosa determinado pela subsuno exposta nodiscurso social deve ser analisado por parte de um observador que queira seafastar desse discurso o suficiente para ter os fenmenos numa certa

    perspectiva.

    Fato importante com relao s nossas sociedades que a matriz doprocesso de subsumir, ou seja, o princpio legitimador do processo dasubsuno dos seus entes culturais, procede de padro classificatriointernacional no sentido Europa Amricas a partir dos ditosdescobrimentos. Nesse sentido, ora a subsuno internacional legitima ovalor que damos s nossas coisas, ora a subsuno nacional confirma e

    legitima a internacional. Como institucionalizar a capoeira como lutamarcial em nvel internacional, se eles sabem que era coisa de escravos,cuja aderncia pode nos contaminar como mestios ter dito o agenteestatal brasileiro nesses quatrocentos anos de luta pela visibilizaointernacional dessa prtica. Em outras palavras, a sociedade tem vocaoestrutural legtima para ser racista pois filha do Racismo, isto , das

    polticas estatais para a atrao de grandes levas de imigrantes europeusque aqui se instalam quer como colonizadores escravagistas a partir do

    sculo XVI, quer como claque embranquecedora do pas, sem outropropsito seno enricar com a posse de terras alheias e de escravos.Desmintam-me, dou-lhes todo o sculo 21. Nisso tambm no se podetergiversar. Aqui, a convivncia s possvel nos interstcios entre a teia deinstituies oficiais, estatais (abertamente racistas) e a correspondentemalha de instituies interindividuais, familiares, amicais, solidrias. Porexemplo, o campeo olmpico Joo do Pulo morreu por gangrena deferimentos, porque recolhido a um hospital aps acidente, por falta de

    algum que o conhecesse (a malha interindividual) foi deixado durante diasnos corredores como indigente, isto , aos cuidados da malha oficial,

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    estatal. Ali no estava um homem, um cidado, ali estava um negro. Pel equalquer desses negros passados que se cuidem, evitem os contextosonde possam voltar a ser um especial ningum, ou seja, um negro.

    4. A sobrevivncia do estigmatizadoA questo a ser levantada : por que as prticas discriminadas, foradas extino diante da cultura europeia hegemnica, insistem, aqui no Brasil,em voltar, ou melhor, em permanecer no proscnio e na ribalta das coisascridas, feitas e praticadas pelo povo, durante os ltimos quinhentos anos?Por que, no nvel do Planeta remanescem h mais de 10 mil anos, seseguirmos a escala de tempo dada por essa historiografia desacreditada, asreligies que se baseiam na possesso, no sangue sacrifcial, na

    despolarizao do Bem e do Mal, antes na f como lava de vulco, quena f literria, hiertica e certificada?, que se baseiam, insista-se, antes naexperincia corporal do crente, que na letra do Livro e palavra do pastor?Por que abaixo dos Trpicos convive o povo com druidas, duendes, fadas eanes, Sereias, Sacis, Marias Padilhas, Ninfas e Ibejis? Por que, afinal,no morre nem fica velho, folclrico, o tal Diabo cristo? Reverncia sed, se presta, a Santo, a Deus, ou ao Diabo tambm? ou no Demnio,este ente reverenciado s avessas pelos que se dizem cristos monotestas?

    Alis, boa questo: por que nossos cientistas sociais brasileiros, vidos porassumirem o apadrinhamento dos frutos de prticas religiosas como oJongo, o culto dos Bab Egun etc. no se voltam em massa, com projetosfinanciados pela Petrobrs e Vale, a estudar, a fim de folclorizar, o velhoDiabo? Boa e til linha de pesquisa para a extenso universitria, no?Sem sombra de dvida, o Diabo, com todas as narrativas que o tem como

    personagem (segundo o lastro semtico-cristo, pelo menos), tornou-seatualmente um tremendo e temido deus-tabu, cuja presena, maldio e ira

    devem fazer perder o sono aos pastores-caa-nqueis, seus recriadores fato que devia ser entendido como uma piada, um chiste, pois esta

    personagem j devia ter-se tornado velharia no museu do folclore, tendoem vista os j passados dois mil anos desde a Redeno da Humanidade.Que diabo de funo teria o Co nesse mundo cristo de vinte sculos deexistncia, seno a de se sinalizar aos cristos monotestas que tem algoerrado nas prdicas a eles passadas boca a boca? O mesmo para o medo daMorte, tendo em vista a vida eterna do crente. Outro fato importante a se

    estudar no sculo XVI a influncia que a viso do painel de religies

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    brbaras, existentes neste mundo recm-descoberto deveria ter sculosvindouros afora, a partir da prxis dos seus soldados os Jesutas, comdestaque para seu papel na Contra-Reforma, a Inquisio ibrica.

    De fato, visto como fenmeno que devia ser ntegro, h imenso fosso entreas prticas, agendas de questes e explicaes, inerentes ao campo dasreligies trazidas pelos europeus, e o que o povo excludo vive, pensa,

    pratica, faz e entende sobre o mesmo fenmeno, religio. Por outro lado,por parte das elites h acomodao a um pensamento religioso fossilizadoh sculos aqui no Brasil. como se a paz poltica (agora governana)dependesse do silncio sobre essa questo vulcnica, a religio. Acronicidade da crise econmica e a ligeireza dos neoevanglicos perece

    estarem mobilizando os catlicos a se recolocarem no mundo.Antes que duvidar das proposies dessa ou daquela religio, quer-se alertar seu crente para o brilho ostensivo de alguns destaques em seusensinamentos, com a obnubilao de outros, logo lembrando-lhe que suareligio, importante clula no seu respectivo discurso social , tambm,objeto de estudo, cumprindo dela sair para poder observ-la. Isto no fazmal f, depura-a, a viso dos nossos prprios paradoxos nos tornandomais receptivos aos dos outros.

    5. Retorno percepo das ausncias

    Em coerncia com o mtodo adotado, registra-se a ausncia, em vriassries de compartimentos discursivos, de temas em que a seguir vamos nosconcentrar , como a religio, sua natureza e substncia. Assim, essesaspectos do tema esto ausentes dos questionrios de suficincia tcnico-cultural. Explicando: considerando que a sociedade precisa que seusquadros dominem e demonstrem dominar certas habilidades e

    conhecimentos, as perguntas que ela faz queles que pleiteiam, de modocertificado, o exerccio dessas habilidades, essas perguntas devem

    pertencer (admitamos) a um grande lastro ou questionrio social referenteao tema. Por exemplo, num exame probatrio de conhecimentos, totalestranheza levantaria aquele com maioria de questes inditas, e decontedo pouco conhecido pelos indivduos em geral e pelos candidatos,em particular. Em outras palavras, as questes devem se restringir a umuniverso comum, base para que os candidatos criem a expectativa de

    respond-las e assim serem aprovados. Imagine-se um exame do Enem

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    com perguntas envolvendo fsica quntica e seus respectivos clculosmatemticos? Pergunta-se aquilo que tem grande e mdia probabilidade deser respondido.

    Assim, com 99,9% de probabilidade de acerto, pode-se dizer que jamaisqualquer desses exames certificadores de conhecimento geral ou especficotenha formulado pergunta relativa religio quanto sua substncia, suanatureza, nos termos em que aqui o tema ser tratado, objeto de estudoantropolgico. Nada obstante, para encarecer a importncia do temareligio sob essa tica, afirmo que nenhum agente social, principalmentenenhum militante poltico, pode prescindir da base de conhecimentosrelativos quer s religies especficas s pessoas em cujo meio v trabalhar,

    quer de religio como objeto de estudo de um corpo de saberes que,respeitando as condies restritivas do discurso social a que pertence,proteste alar suas observaes aos mais altos nveis de generalidade eobjetividade no campo das coisas humanas. O objetivo do artigo provartal afirmao.

    6. Por que importante o conhecimento do tema religio na Dispora

    Bem, a Dispora africana no Brasil apresenta aspecto diferenciador radical

    em relao aos EUA e ao Caribe de influncia inglesa: no Brasil a lavagemcerebral, pelo menos do sculo XVIII para c, no foi de molde a destruirtodo e qualquer resduo explcito de cultura africana. Nos EUA e Caribeanglfono, s restou mesmo a msica, isto , o ritmo ligado a esse ouaquele instrumento de percusso. Ouvindo o som de um tambor profano aKu-Klux-Klan j se notabilizou no linchamento, imagine-se se tivesseouvido o batuque sagrado. O protestantismo de filiao calvinista, no quetange extirpao da cultura negra, procedeu ao aborto a partir de

    raspagem do tero. Tanto assim que nos EUA a pauta de reivindicaes dasrevoltas dos anos 60 e 70 se restringiu nica e exclusivamente a direitoscivis, como definidos na legislao norte-americana. Eles no tinham nemtm mais nada a pedir... No Brasil, no. Aqui, a Dispora africana plantou,implantou, cultivou e at hoje cultiva e cultua bens ou matrizes culturais(religio, esporte, culinria, artesanato, afazeres industriais, cultura oral[rezas, lendas, teatralizaes e seus personagens], experincias desociabilidade (ordens religiosas especficas o culto das Geleds nas

    irmandades de mulheres), experincias societrias (o grande nmero dequilombos, com tudo de especfico e novo que nele possa existir). No

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    Brasil, a frica d nome a comida, a lugar, a gente, a bicho, a santo, aDeus. Foi, nos anos 70, e ainda hoje erro inqualificvel o atrelamento doMovimento Negro brasileiro ao norte-americano, pois isso cegou aslideranas daqui quanto ao que deviam defender e exigir na luta. Como

    constituinte, Florestan Fernandes ficou como insupervel na defesa dequestes que deviam dizer respeito primeiramente a essa ou queleconstituinte negro.

    Nessa linha de observaes, no campo religioso onde encontramos osmais densos contributos negro-africanos sociedade brasileira, que por tal,dever-se-ia chamar sociedade afro-brasileira. Obviamente, esta realidadesocial no ser encontrada em Estados da Federao de colonizao

    recente e predominantemente europeia, mas em prejuzos dessasformaes, advirta-se. Neste sentido, o tema religio deve estar entre osmais importantes na agenda de preocupaes de um militante poltico pelaDispora.

    Ligada importncia desse tema, est a opo: Resistir ou abandonar acabea ao pensamento e cultura dominantes como perfeitos conversos?Esta questo diz mais respeito ao militante que se assuma evanglico. Nadaimpede a existncia de um militante, mesmo evanglico, que repudie, no

    admita, a hierarquizao religiosa ou cultural muito menos racial. Agora, seo militante optou por essa ou aquela denominao justamente em funo doseu apavorante complexo de inferioridade cultural, racial ou religiosa, cabea ele tirar, deletar, esse atributo de militante que se vem dando a si mesmo.Cruzado white supremacista negro, seria mais adequado, mesmo se

    protestante.

    7. Religio: descompreendendo sua natureza e essncia

    Tendo como referncia bsica o livro de Paul Radin Primitive religion its nature and origen, edio de Dover, 1957, mas com copyright de 1937,aos eixos principais do pensamento deste antroplogo norte-americano,aqui e ali oporemos comentrios e argumentos nossos, ampliando

    proposies de P. Radin, ou criando contraste a partir de contra-argumentos, guisa de expedientes didticos que visem adequao aocontexto laico brasileiro, ou seja, visando o militante poltico do campo daDispora africana. Escolho este autor tanto pela justeza de suas colocaes

    quanto pela ausncia em seu pensamento de posies supremacistas.

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    Dando sequncia ao procedimento, comecemos questionando o subttuloacima: natureza e essncia em que sentido? Essncia aquilo que seconstitui em sua prpria classe, o mais genrico atributo de algo, aquelesignificado de percepo apenas subjetiva (no intersubjetiva), que

    morre no sujeito, para o qual no h sinais lingusticos, porm exprimvel apartir de atos de reverncia, contrio, jbilo, incoerncia, loucura?Substncia aquilo de que so feitas, de que se constituem as religies crenas, sensaes, sentimentos, comportamentos, estados deapreenso/fruio do mundo? A reflexo sobre os termos do subttulo j

    pode nos encaminhar para a compreenso das proposies desseantroplogo. Questo de alta importncia o esforo a ser feito paracalibrar o significado genrico e especfico das palavras, no seu uso

    comum, mesmo para os conceitos, frente a um tema com razes profundasno campo da subjetividade humana. Solicita-se do leitor esforo maisacentuado, na compreenso de termos comosentimento, sensao, esprito,

    possesso no campo religioso, tendo em vista nossos hbitos lingusticos.

    Religio, para Paul Radin, constitui-se de duas partes: a) crenas e atosassociados a essas crenas; e b) sentimentos especficos. A mais

    proeminente caracterstica dessas crenas a que postula a existncia de

    espritos (ndice do discurso para referir algo cujo stio no deste mundoou do que se tem como apreenso normal deste mundo) na mediaoentre os homens e o mundo. Espritos no como entes alheios aos

    primeiros, mas em condio de aceitarem e respeitarem pactos, imporemobedincia ou comando, controlando ambos, homens e mundo, premiandoou punindo os primeiros. Note-se daqui que considerada a presena, nocampo da magia, desses atributos crena em espritos e sentimentosespecficos, em pouca coisa esta se diferenciar daquela, a religio. Na

    magia homem e espritos compactuam, ambos instrumentalizando entes danatureza animada ou inanimada, implcita certa promiscuidade entre osdois mundos. No campo da religio, tende-se a organizar, subsumir ocampo do esprito, proscrevendo-se a aberta promiscuidade, ficando

    previamente admitido que no confronto homem x mundo (e alm), oprimeiro submisso no h religio em que os homens pactuem comDeus e/ou as divindades ajud-lo/las na gesto ou providncia do mundo(P. Radin, passim).

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    Esprito, espritos

    Como se ver a seguir com o desenvolvimento dessa hiptese, superada apura magia onde abertamente aceita a intermediao/intromisso do

    esprito (segundo seus caprichos) e a valncia do mundo, no mbito dareligio a prioridade coercitiva do mundo. E de insubmissos ecaprichosos, os espritos, aps hierarquizao, assumiriam funes,inclusive como legisladores, paradigmas ticos (proposies do autor doartigo, discutveis frente a vrias religies orientais). O objetivo dessaexplanao entre magia e religio tornar bem relativa a disjuntiva, j quemagia, sempre, pode ser tida como em linha de tangncia ou componentedo que se entenda por religio.

    A crena nessa entidade esprito/espritos, em nossa opinio, remeteria asignificados cuja vacuidade introduz ideia de outro mundo, paradoxalmenteconstruindo nossa pertinncia a este, que dizemos nosso. Alis estadisjuntiva Yl ay, Yl orum, o lado de c e o lado de l, segundo o

    pensamento iorub, est presente em todas as religies. Quando perguntoque aurora, o termo questionado fez-se presente na enunciao, nodiscurso, e no mundo tido como real, do lado de c; do termo apenas queromais atributos. Aurora deste mundo. Quando se pergunta que esprito,

    seu signo pode ser identificado no discurso, mas seu significado remeteabertamente para o Yl orum, pois dizer que no remete a nada, tornariaesse nada o outro mundo. imediata e geral a compreenso de que aquiloque constitua a fronteira entre este mundo e o alm, jaz no campo dacrena, termo que se hierarquiza em f, conveno sobre dados ligados especulao, funo inerente capacidade simblica da Espcie. Ocontedo desse espao de fronteira, dessa especulao, impossvel de servisitado por outrem, sendo ento curto-circuitada a questo como o outro

    mundo, j que para o imediatamente existente o fiel da balana a prtica).

    Por outro lado, Nada, que transformamos, ora em o Nada, pontoepistemolgico (plataforma espacial do pensamento, cho e base do pensarum com o outro, isso tendo em vista o ser adulto e consciente); ora oOutro Mundo, ser ponto epistemolgico tambm, pois dentro do Nada sede do terceiro ausente no circuito de pensamento entre locutor einterlocutor. Ponto epistemolgico porque nos estamos fiando em Santo

    Agostinho (e nas suas fontes da Antiguidade): todo conhecimento vem da

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    f (crena), seja est qualquer, at a ateia, completamos ns. Esseconhecimento, saber, /seria o discurso.

    Esprito, espritos resposta no corpo humano

    Sensao/sentimento especfico, no sentido de precipitado nico domedo, o segundo constituinte do objeto religio sentimento (feellinge thrill) mas no s numa compreenso imediata do observador ditocivilizado ou cientista neutro, mas numa compreenso que abarque todosseres vivos e que abrigue at a fruio de estados paranormais deconscincia, inclusive a possesso (dizemos ns), como se conclui destes

    perodos:

    em momentos de crise que a maioria dos seres humanos registram omais puro choque (thrill) religioso porque somente em tais momentosque esto prontos a permitir que predominem sentimentos de camadas

    profundas (inward feelings). Mais ainda: de modo absoluto, somente emmomentos de crises que a maioria das pessoas captam (obtain) umverdadeiro sentimento religioso. (Idem, p.10,11). Parece que osentimento/sensao de medo est presente em toda matria vivarelativamente complexa. O que se quer dizer que religio mexe com o

    instintivo, a raiz, fato que aqui e ali, a fim de enfatizar a superioridadedessa ou daquela religio, omite-se.

    Estes dois elementos crenas (e comportamentos que da decorrem), esensao/sentimentos/frenesi/reverncia (jbilo, exaltao, fruio deestados paranormais) soem aparecer separados ou associados. Crenas,atos, hbitos, costumes, comportamentos mentais ou corporais, associam

    pessoas, podendo ser aferveis nos produtos dessa associao: pirmides,catedrais, procisses, paradas, leis e protocolos, que o crido organiza e

    transfere entre as geraes, no explicitando, porm, ossentimentos/frenesis/sensaes dos participantes ou dos construtores (das

    pirmides, no caso), j que estes so da esfera exclusiva da subjetividadeou da intersubjetividade, aqui e ali, porm, aferveis a partir do evanescente

    a arte como objeto interpretado (que passou pela mente) por exemplo,arte como a transfigurao do impulso/mvel, frma/forma, crena,esperana, do trabalho real, da sua necessidade frente o instinto dasobrevivncia, transfigurao que faz a pirmide e a catedral, mas tambm

    o canto fnebre, o hino e a orao.

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    Em sntese, segundo a viso deste antroplogo, religio constitui-se desentimentos e crenas relacionados presena de espritos no vnculohomem e mundo, qualquer que seja a dimenso desse mundo: fsica, social,econmica, inclusive intelectual artes, cincias, filosofias.

    Religio como manifestao de coisa de raiz seria assim o correlatoemocional da luta humana pela sobrevivncia. Ela resultaria, agarremo-nosa Freud, das fases de um longo processo de aprendizagem, por parte de umincipiente e frgil Ego no interior de uma forma vivente, visando a ajustar-se, este Ego, a uma realidade mutvel, transiente e hostil.

    Nesse processo de ajustamento do Ego (plataforma de observao noespao virtual intracrebro) ao mundo, P. Radin, seguindo Freud,

    identifica trs fases: na primeira, Ego e mundo exercem coero recproca o mundo coage o Ego e este coage o mundo; na segunda, o Ego quecoage o mundo; na terceira, o mundo que coage o Ego que, diante de umente insondvel, assume-se em sujeio,pois j desenvolveu o patamar R,da reflexo, dizemos ns, tambm a partir de Freud.

    Tendo em vista, em termos de hiptese, o desenvolvimento da funoreflexiva no Ego, ou seja, aparecimento de R determinando o trnsito entre

    reverncia diante da morte (observada nos animais mais complexos), amagia e a religio (prpria dos homens), ou seja, a marcha do Ego (evite-seevoluo) estabelecem-se quatro etapas:

    1)A completamente coerciva e no-mediatizada. Aqui a relaoentre o Ego e o mundo objetivo quase da natureza de um tropismo(ou seja, movimento em resposta a um estmulo: E R, dizemosns).

    2) A incompletamente coerciva e no-mediatizada. Aqui certa dosede volio imputada ao Objeto.

    3) A reciprocamente coerciva. Aqui, volio imputada a ambos,ao Ego e ao Objeto.

    4) A no-coerciva. Aqui o Ego considerado como em sujeioconsciente ao Objeto. (Idem, p 7 e 8)

    Essa nova relao com o mundo, a quarta, resultaria, por um lado, dolastro de experincias em R, capacidade Reflexiva; e, por outro, da

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    aceitao e validao por parte dessa mesma R, do processo de criao defantasias compensatrias decorrente da experincia diria de um ser frgil,desprovido corporalmente de acessrios de defesa diante de um mundohostil, mas com a capacidade de simbolizar e se comunicar por smbolos.

    pergunta sobre o qu teria levado o homem postulao dosubrenatural (o outro mundo), P. Radin responde:

    O correlato da insegurana econmica, j vimos, insegurana fsica edesorientao, com todos os seus esperados medos, com todos os seuscarregados sentimentos de desesperana, impotncia e insignificncia.

    portanto natural que a psiqu, sob tais circunstncias, tome refgio emfantasias compensatrias. E desde que o nico tema de importncia em

    existncia nessa primeva aurora de civilizao era a luta consciente dohomem contra seu ambiente fsico e econmico, ao mesmo tempo que suainconsciente luta contra seu equipamento mental-animal conformeestimulado por sua conscincia fsica, o principal alvo e objetivo de toda a

    sua mobilizao (strivings) foi a canalizao de seus medos e sentimentos,e a validao de seus sonhos compensatrios. Assim, esses foramimediatamente transfigurados e ento emergiram os conceitosestritamente religiosos, to sugestivamente discutidos pelo conhecido

    telogo alemo Rudolf Otto em seu trabalho Das Heilige. (Idem, p. 8 e 9).

    E P. Radin d a palavra a R. Otto: Procede do medo, segundo Rudolf Otto:a reverncia, (a apreenso d) o terrvel, o sentimento de ser atropelado eesmagado, cristalizando-se (tudo) no (que Otto chama de) tremendum e demajestas; da sensao (sense) de desesperana, impotncia, deinsignificncia nasceu o sentimento de (crer-se) criatura (creature-feeling)to bem descrito no Velho Testamento; e a partir das fantasias de

    compensao, nasceu finalmente o conceito daquele (que ) completamenteoutro, que est enraizado no familiar e que ainda assim completamentenovo. Da compulso inerente coero desenvolveu-se por fim essevoluntrio senso de sujeio que est implcito nafascinao (fascination).Esto aqui presentes todos os ingredientes de que nasceu o sobrenatural.Misturados e interpenetrados com o que sempre primrio, as implicaesda luta econmica e pela sobrevivncia num ambiente fsico hostil, essesingredientes nos do o que seja a religio primitiva. (Idem, p.9).

    8. Condies existenciais que precipitam o medo

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    De modo geral, segundo Radin, so condies que precipitam o medo, asque se referem a: 1) fatos fisiolgicos nascimento, puberdade, doenas emorte, o ser com sua corporeidade; 2) contato do ser humano com omundo, com o ambiente natural, com as foras da natureza em particular;

    3) coliso do homem com os homens. (Idem, p. 4,5). Nesses trscontextos limites, fontes de sentimentos e crenas especficos, a seremchamados religiosos num quadro imediato de um Medo ao mesmo tempoapavorante e de presena ubqua, estabelecem-se elementos e espao parauma intersubjetividade especfica a de natureza, chamemos reverencialou religiosa, envolvendo todas as etapas da existncia do indivduo e dogrupo infncia, adolescncia, adultez e velhice. Nessa experinciaintersubjetiva nica est o reconhecimento da sobrevivncia como o mais

    alto valor a ser preservado pelo indivduo e pelo grupo. A seguranaeconmica e social em qualquer grupo e em qualquer poca ponto focaldonde procede o desejo de vida longa, riqueza, felicidade. O esprito quenos conceda essas graas tem nosso culto. Considerado o ser de baseanimal, a partir da posse de R e da consequente capacidade de simbolizar ese comunicar por smbolo (entre si e com o mundo), nasce a magia e areligio.

    Assim que ter levado o homem a postular o sobrenatural? pergunta eresponde Radin: o medo: Desintegration or desorientation of the Ego,all this leads to subjectivism, magic, narcissism. A postulao dosobrenatural seria ento um aspecto do processo de aprendizagem ajustaro Eu perceptivo e comunicativo ao mundo exterior hostil e em eternamutao, eis a gnese da religio. Este ajustamento do Ego percepo domundo exterior apresenta trs momentos notveis em suas quatro etapas,tendo em vista a capacidade de simbolizar e comunicar (trs momentos

    que, segundo este autor, continuam vlidos, eternos:1) Ego e mundo objetivo interagem coercivamente um sobre o outro

    2) Ego coage o mundo objetivo

    3) Mundo objetivo coage o Ego

    Formemos um quadro em nossa mente para acomodar a compreenso dostrs momentos ao modelo freudiano: Imagine o ser-animal no processo de

    formao/estruturao do Ego e ajustamento deste percepo do mundo,a partir do esquema Estmulo Resposta.

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    1. O primeiro momento dessa interao o que caracterizaria o mundoanimal, segundo um olhar naturalista, dizemos ns, na ilustraoabaixo. A estrutura mental no tem nicho espao-tempo interior

    para o patamar Reflexo: ao Estmulo, segue-se a Resposta

    essencialmente instintiva e motora, ato contra ato. Mundo e ser vivorespondem um ao outro sem reflexo do segundo. Estaramos nas

    primeiras etapas da formao do Eu. 1. EResposta

    2. EReflexo

    3. Resposta

    No segundo momento, o Ego, de posse do patamar Reflexo comcapacitao lgico-simblica, j figuraria o mundo objetivo a partir deseu decalque, duplicao, agindo ou reagindo no s reflexiva, mas mesmocomunicativamente sobre ele.

    Pois bem, se quisermos estabelecer sequncia para efeito didtico, noprimeiro e no segundo momentos j se percebe reverncia ou algo especialdiante de algo especial como a morte. Impressiona ver certos animaisdiante do cadver de um dos seus.

    A religio criao do terceiro momento, quando o que era apenas objetomudo impe-se na relao (com fala vicria = Deus fala, os espritosfalam) como o centro da coero unilateral. De posse de R, pela sujeio

    ao que exterior que o Eu pode observar este exterior (e eventualmentevenc-lo). A dar-lhe, ao Esprito, fala, o homem que o cria e no ocontrrio. Dobrando-se o ser coao do mundo, com a posse de R,conjecturar-se-, nascer a religio e a cincia, ambas construo do Eu emseu processo de adequao ao mundo objetivo. Atravs das mesmas(religio e cincia) e da mediao de R, o Ego por um lado dobra-se

    Natureza/mundo, por outro pretende domin-la, entre as vriasmodalidades de relao que ento podem ser estabelecidas.

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    Os desenhos esquemticos abaixo visam complementar a compreensofreudiana da estrutura da mente, trazendo tela a questo da religio como

    percepo do inefvel, do mistrio. Conforme a hiptese de P. Radin etendo em vista toda a espcie humana, e com validade em qualquer tempo

    ou era, teramos, em adendo, que no processo de ajustamento do Ego percepo do mundo os seres humanos, aleatoriamente apresentariam umdesses trs tipos de estrutura psquica no que se refere inefvel apreensodosobrenaturalno mundo:

    1) Completamente abertos percepo e fruio de umaapreenso totalizante pr-R(resduo de fase em que Rincipiente sujeita-se a aomundo)

    2) Pouco abertos (ou abertoscom intermitncia) a essa

    percepo do inefvel

    3) Rara ou excepcionalmenteabertos

    Esse esquema ser evolucionista cientificista moda do sculo XIX, se

    compreendermos os momentos como fases evolutivas, temporais, pelasquais o ser humano tem passado em sua marcha rumo perfeio, a

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    sendo inseridas por bvio as postulaes racistas os brancos, maisevoludos estariam na ltima fase...(a dos menos abertos a essa percepo,atributo que bem analisado deveria, paradoxalmente, ser visto como umamaldio, logo retrocesso). Entenda-se o esquema, porm, como fica

    implcito em P. Radin que, segundo a hiptese, a qualquer momento de suatrajetria individual ou coletiva os seres humanos nascem assim: (figura 1 e2) poucos indivduos muito ou relativamente abertos percepo e fruiodo mundo numa dimenso, falta de melhor palavra, energtica e inefvel.

    Nesses indivduos, a estrutura psquica (em condies normais ouanormais) mais facilmente retornaria a camadas residuais, em que omundo age sobre o ser animal, o qual, sem intermediao, reage ao mundo,obliterando-se R, num cdigo de comunicao que restaria misterioso. A

    grande maioria dos seres humanos, porm, nasce com pequena ounenhuma abertura para esse tipo de percepo, desde que num quadro denormalidade, ausncia de Medo, confiana na reproduo fac-similar dominuto seguinte.

    Nada obstante, todos os seres humanos de um modo geral, quando emsituaes especiais, que precipitem o medo real ou potencial (alm denascimento, puberdade, doena e morte) guerras, aguda crise social

    (como a que vive os pobres no Brasil h dcadas), dispora, fuga eperseguio, epidemias, pragas etc. tm a estrutura psquica alterada nosentido de maior abertura percepo do inefvel os estados

    paranormais de conscincia.

    Nesse sentido, estariam em estado paranormal de conscincia aspopulaes de regies hoje em aberto conflito armado, citem-se algunspovos durante as ltimas dcadas somalis, iraquianos, ugandenses,congoleses, nativos de Ruanda e Burundi, colombianos, o recentemente

    derrotado povo tmil, entre outros. Experincia intrassubjetiva (o que elesvivenciam intrapsiquicamente), quem vai questionar? Imagine-se que aquesto estar vivo, estar morto determine outras respostas psquicas,emocionais e orgnicas quando se vive, permanente ou intermitentemente,em estado paranormal de conscincia. Num campo de refugiados h maiscoisa no Universo do que pode imaginar nossa v conscincia. A paz nomundo tambm essencial por isso. Imagine-se, a ttulo de puraespeculao, a estrutura psquica de uma criana iraquiana ou somali que

    ainda no tero da me ouviu as tremendas exploses das potentes bombas

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    norte-americanas feitas para explodir o bunker de Saddam Hussein ou dochefe da Al-Shabaab? Hoje dever ter 10, 12 ou 18 anos e o quadro demedo terrificante h trs dcadas presente em sua ambincia no mostrasinais de retroceder.

    9. Concluses provisrias

    Se aceitarmos a proposio do campo da biologia de que o feto vive todas

    as fases da evoluo (cuidado com a palavra) de sua espcie, podemosapoiar a hiptese de que na vida ps-uterina, social, sejamos todosimaturos, aberta a possibilidade de que em termos individuais e coletivostenhamos maturao diferenciada, mesmo considerado o peso da cargagentica e do ambiente. Se chamarmos essa maturao de vida, processovital, est aberta a via da coexistncia pacfica, do multiculturalismo, daliberdade inerente ao ser humano. Cada qual tem seu tempo, e s. No hhomem primitivo, no h homem civilizado, evoludo. No h o direito de

    matar o outro por este ser o que : h homem uma plataforma de energiase potencialidades que em 50/70 anos de vida mdia matura-se (emvariedade de graus) e morre. A vida, como qualquer forma de energia, porexemplo a eltrica, flui, produz trabalho ao se transformar, dissipa-se nouniverso, nem acaba nem se cria, dissipa-se numa outra dimenso. Paramedir, comparar, sopesar vida, no h nem pode haver balana oupadro. Superior, inferior, civilizado, brbaro em relao a qu, a que

    padro? (Onde, os civilizados? E a recente invaso do Iraque, de Gaza, e a

    Segunda Guerra Mundial com seus fornos, campos de concentrao eescravos? E Hiroshima, Nagasaki?). Que no se fale em seres superioresnuma espcie bifurcada do ramo dos grandes smios machistas, territoriaise carnvoros. Ou no? Nesse ser, o desenvolvimento de potencialidades emdireo sua sofisticao intelectual devia era nos encher de reservas,seno de pavor. Que vai sair do homem se seu intelecto se diferencia a

    partir dos possuidores de pele clara, por exemplo?

    Criemos um critrio para discutir esta questo: Admita-se que em todagerao, em todo grupo e grandes grupos nasam seres com potencialidade

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    para empreenderem processo de maturao de baixa, mdia e alta taxa deeficincia relao entre o socialmente gasto e o socialmente produzido

    por este ser, dentro de seu prprio ambiente, e pelo conjunto de seres nointerior de uma cultura especfica. Exemplifiquemos: Se um jovem

    burquina-b hoje, sado de vida alde, conclui o terceiro grau e parte parauma vida de interao ativa em seu meio, ou em Paris, ter feito isso comtaxa de eficincia prxima aos 100% em relao a qualquer doutoradozinhodos segmentos bilionrios dos EUA , Emirados ou UE. Sua sociedade ecultura desfalcam o Planeta o mnimo dos mnimos em termos de matria eenergia. O oposto para os homens sados dos grandes centros de culturaurbana ps-industrial de ponta.

    Expliquemos: em razo do trabalho scio-mundial acumulado (em riquezasob todos os aspectos), em razo da magnitude da infraestrutura industrialinstalada (e sempre em processo de obsolescncia), em razo do seu custeioenergtico total, determinadas formaes sociais (as mais desenvolvidas)seriam em si menos eficientes (taxa entre energia consumida/trabalho

    produzido para a humanidade, para o Planeta por parte de qualquer dosseus membros) na realizao de qualquer tipo de trabalho, relativamentea outras (as menos desenvolvidas, as chamadas tradicionais em relao ao

    mundo industrializado). Isso est na cara de todo mundo e ningum v.,.acegueira provocada pelo discurso. As primeiras, num ano podem formar100 mil cientistas, grandes produtores de cultura (frente a uma populaode 1 milho de habitantes) se tal habilitao considerarmos como o maisalto objetivo da maturao do homem. Ocorre que a produo desses 100mil cientistas ter custado/cobrado um preo exorbitantemente elevadoao Planeta como stio dos fatores ambientais, base de toda a riquezaimaginvel. (Estou mentindo?). J os das formaes sociais menos

    desenvolvidas, por necessidade lgica, tero infraestrutura de produo ereproduo de instalao e custeio menos onerosos em termos da depleode fatores ambientais. Mais ainda: do ponto de vista estrutural essassociedades forneceram o grosso do trabalho que hoje se encontraacumulado como riqueza no patrimnio das primeiras (fornecimento demo de obra e matria prima do sculo XVI aos nossos dias). Se estassociedades no desenvolvidas ao fim do ano produzem apenas 100cientistas, numa relao 1/1 milho de habitantes, tem-se de sada: esses

    100 milhes de habitantes desfalcam o patrimnio planetrio em menormagnitude energtica que consomem os 1 milho de habitantes do grupo

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    desenvolvido, fica impossvel justificar esse progresso cientfico do mundoocidental, dessa civilizao, desde que os critrios deixem de ser osdeles, sejam a eficincia planetria. Em termos de petrleo, 80% de seuconsumo cabem aos centros hegemnicos.

    H outro aspecto a considerar, argumentando-se que as sociedades jdesenvolvidas dariam condies a que maior nmero de indivduos de

    potencialidade gentica baixa e mdia, deixem aflorar toda a suapotencialidade, j que a base econmica da sociedade garante o acesso aessa formao a maior nmero de indivduos, enquanto as tradicionais(hoje) s o permitam a nmero desprezvel. Isso fato, s ocorre queesses sortudos e festejados indivduos formados como cientistas e

    produtores de cultura hegemnicos, em princpio, exercero suasatividades tendo em vista o interesse de sua sociedade, no da humanidade.Aqui teramos o caso nico em que a lei de seleo natural do mais aptoestaria atuando contra a prpria Natureza, tornando-se ento lei de seleonatural s avessas, do mais voraz. o maior contrassenso do espetculo

    bizarro chamado civilizao greco-romana-judaico-crist. E o discurso oesconde.

    O que isso tudo quer dizer que no h como classificar as culturas e seus

    produtos em superiores e inferiores, a partir de critrios do exploradorhegemnico, impondo-nos a ocorrncia de processos de seleo natural

    para justificar destruio das mais frgeis culturas diante do potencialmarcial das mais potentes. Quer-se que se conclua tambm que se hseleo natural, esta para eliminar o maior consumidor de energia, omenos apto vida, o monstro, ou no? Teramos a o sentido profundo dalenda do monstro, do drago, do crocodilo voraz, inerente a todas asculturas?

    O que se quer, tambm, repelir os evolucionismos grupais, segmentaisjustificadores da supremacia dessa ou daquela raa, credo, gnero ou cor.Melhor dito, sem segmentos superiores, sem evolucionismos cientificistas,a Humanidade se faria eterna porque nela o homem, em sua multiplicidadee variedade tipolgica e de potencialidades, nos limites de sua escala detempo de um ser observador, far-se-ia eterno. A grandeza, o esplendorcultural do ser humano no pode ser postulado tendo em vista os europeus

    e apenas num curto perodo de sua marcha: do dito Renascimento parac.Outra mentira do discurso, no existe Europa como continente...So as

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    franjas mal-recortadas do Velho Continente Asitico...Os europeus soasiticos metidos a bestas. A igualdade essencial do homem dever ser tidacomo eterna, de Lucy para c. Do contrrio, ter-se- que admitir as

    bifurcaes genticas e o resto... ou seja, a seleo natural do mais apto

    depleo dos recursos do Planeta, como explicamos acima.

    Retornemos a nossos propsitos conclusivos dessa primeira parte, aps alonga perorao. Como um sumrio provisrio, nesta primeira parte dotrabalho, para o que possamos aceitar como compreenso edescompreenso da religio, anotemos:

    1. No processo de ajustamento do Ego ao mundo processo em curso,pois na escala biolgica, os seres humanos, independentemente de

    raa, cor, sexo etc., nascem: a) bem abertos ao toque doinexplicvel; b) relativamente abertos; e c) pouco ou minimamenteabertos desde que diante de condies exteriores que se possamclassificar de regulares, ausncia de medo efetivo ou potencial. Emsituao anormal, porm guerras, desastres naturais, epidemiasetc., a abertura para o dado inefvel aumenta em todos,caracterizando, talvez, a condio permanente da estrutura da mentena fase animal anterior ao nascimento e desenvolvimento no Ego da

    capacidade lgico-simblica.

    2. Nessa etapa, a da magia e religio, o Ego se reconhece sob o jugo domundo (este, se tem vontade, tambm, o Esprito). Segundo P.Radin, no h religio em que os homens se digam estarem unidos

    para ajudarem Deus/deuses ou o que valha na tarefa de manter, criar,recriar, dirigir o mundo. (Mas se deixarem o demiurgo solto, semcrtica, em breve isso que vamos ter).

    3. Desde que no se considere fingimento, encenao, os fenmenosde possesso presenciados em espaos religiosos (terreiros deUmbanda ou Candombl, mesas de Espiritismo ou seitasevanglicas), alm dos registros (Santa Joana DArc, por exemplo)essa hiptese da abertura do Ego fruio do inefvel tem base decredibilidade. Fenmeno intrapsquico de raiz, devia ou deve exigirestudos caracterizados pela neutralidade do observador, ou seja, decada um de ns, principalmente se militantes. A comprovao diante

    de situaes de extremo perigo guerras, catstrofes etc. depende de

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    distanciamento por parte do observador, s vezes nem semprepossvel, pois num desses contextos ele mesmo estaria em aberturatotal dimenso primeva.

    4. Nascimento, puberdade, doena e morte so momentos na vida doindivduo que diretamente o tornam vulnervel (ou mais aberto)diante do inexplicvel, espao para a troca intrassubjetiva doscontedos que constituem a religio, a magia. A dinmica socialoferece variedade de outros momentos, a ttulo genricoapresentados aqui como festas, inauguraes, espetculos e

    performances artsticas, a dana, a msica, a poesia ou grandescatstrofes, epidemias, ou logo a missa, o culto, a festa aos orixs

    etc. A queda e desagregao irreversvel do Imprio Romano duranteseus quatrocentos anos de crise ter oferecido s massas contextopara a abertura ao inexplicvel e vinda do Messias. Nas reas emnossos dias massacradas pelas foras imperialistas vo surgirreligies de contedos inimaginveis, podemos antecipar. Esto

    brincando com fogo, ou seja, o que existe no interior do cerebelo deum ser que como observador est aqui para dar testemunho.

    5. Essas etapas coexistiriam eternamente ( a hiptese adiantada pelo

    autor do artigo,para manter-se em coerncia com a hiptese dapermanncia do homem), com que ficam abolidas as postulaesevolucionistas, quer para esse fato cultural a religio, quer para aEspcie em si e demais produtos culturais. Reconhecer mudanas que necessariamente respondem a aleatrias disposies genticas evariaes ambientais, no significa valor-las e torn-las exclusivasdessa ou daquela raa ou etnia por dom de seu prprio deus. Nocampo social, cultural, e considerando essa ou aquela etnia, raa ou

    grupo, num vnculo de competio, presa-predador, a valoraosempre, negativa, das diferenas evolues, involues,superioridade, inferioridade, s tem sentido para justificar a ao do

    predador. Dependendo do que diz ser riqueza e ousa convencer ooutro de que o que tem riqueza, o grupo hegemnico seleciona ecultiva maior nmero de indivduos bem dotados que o jogo genticoaleatoriamente oferece. Caro leitor, responda: consideradas associedades sua e gabonesa, quem pode selecionar, educar e formar

    maior nmero de indivduos que nasam com estruturas mentais

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    aptas a tornaram esses indivduos mdicos, engenheiros ou grandesmsicos, segundo o padro ocidental? A sociedade sua, claro.Mas isso no quer dizer que a etnia negra do Gabo esteja margemdos padres mnimos de inteligncia como todo o discurso ocidental

    prega e faz crer. Se nela ocorrer o nascimento de maior nmero debens dotados, muitos restaro imaturos, pois no h como form-losa todos. E o que tem acontecido h milnios.

    6. Como narrativas impostas e certificadas pelo poder, as religies sosistematizadas e teorizadas no campo moral e da tica pela ao deum Formulador, um agente especial mobilizado pelo tema a partir doseu nvel de abertura ao inexplicvel. Este Formulador, j que tem a

    funo de subsumir, higienizar o mundo espiritual, geralmente se vem acesa luta contra o substrato de prticas e crenas relacionadas magia/feitiaria (uso vocbulos disponveis) ligadas a fases em queEgo e mundo se batem e rebatem com intermitncia, ao contraao. No obstante o trabalho do Formulador, em qualquer religio amagia est presente. Dizer que uma palavra tem fora, se no formagia o qu?

    7. A religio transita para o campo de elucubraes laicas, no

    marcadas pelas sensaes/sentimentos a ela especficos, em temascomo a autoconscincia da morte, a reflexo sobre o devir, adescendncia, reproduo sexual, o universo, a filosofia.

    8. N da questo epistemolgica que conhecer?, o qu se conhece?,e quem conhece?, no h religio sem signo, dolos, sem sinalque faa a mediao deste homem aqui e agora e deste ambiente emundo aqui e agora, com o lado de l. Os sentimentos/sensaes

    especficos que constituem a religio, enquanto significados,IMPEM um meio SIGNIFICANTE. Toda religio IDLATRA,pois uma IMPOSSIBILIDADE EPISTEMOLGICA a existnciade um SIGNIFICADO sem SIGNIFICANTE. Se o contra-argumento que esse SIGNIFICADO DEUS, confirma-se suainexistncia ou afirma-se o politesmo, j que tudo, qualquer coisa nomundo pode e SIGNIFICANTE para DEUS. No h sada afirmao de que como seres humanos adoradores, todos somos

    idlatras. Livro signo, a palavra signo, o vcuo signo. Aadorao, a reverncia que o ato de religio impe para se constituir,

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    exige o Signo, o Intermedirio, o Mdium, a Cruz, o padre, ayalorix, o santinho, a orao, o hino, o cordeiro sacrificial, at ovcuo de pensamento na cabea, que ento passa a ser o signo, omeio de ligao.

    9. Ressalta do ordenamento dos pargrafos a compreenso de quereligio, por reunir os homens em torno dos valores fundamentais dasobrevivncia individual e coletiva, nasce no stio de encontro entresua base instintiva (o medo e toda carga intrassubjetiva que, comoindivduos sados da animalidade, trazemos) e as teias de signos,significantes e significados que esses homens criam (sinal de quesaram do mbito da animalidade) ou seja, a estrutura scio-cultural,

    vertida em signos em sua totalidade.10.No move o autor o desejo de fazer ou divulgar teorias, mas o de

    chamar a ateno de um leitor especial o militante socialinformado pelos dramas da Dispora Africana, sobre a necessidadede ter como objeto de permanente estudo este a religio, para tantomantendo-se permanentemente num processo de construo edesconstruo, compreenso e descompreenso desse instigantetema. No h, no pode haver religio inferior ou superior. H

    religio. Aprender desaprender. Disjuno politesmo emonotesmo carece de sentido.

    11.Questes cruciais para o militante poltico da Dispora africana soaquelas cujas respostas envolvem a sada, a repulso, do quadro devalores de aceitao geral e acrtica, em que todos, como seressociais, estamos inseridos: 1) Como nos convencer a ns mesmosde que as religies africanas no so inferiores, primitivas como diz

    o discurso hegemnico? 2) Como nos convencermos a ns mesmosde que a civilizao que nos impem pela violncia, trilha rota dedecadncia, de anomia de barbrie? Por fim, como nosconvencermos, tendo em vista a carga de argumentao irrefutveldivulgada pelo hegemnico a todos os seres humanos, de que aao do imposto Demiurgo falaz, um embuste, obra detrapaceiro, e leva ao Armageddon (usando exemplo de sua auto-assumida lenda) toda a Humanidade?

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    12.A contribuio deste autor j foi antecipada. Em primeiro lugar, sairdo interior do discurso que explica a experincia do Demiurgorenascentista, pois enquanto nele no h nem respostas nemtermos, conceitos, palavras, com que se possa tentar articular uma

    resposta. Cumpre a criao de todo um conjunto de conceitos,critrios, processos, com que se possa medir algo como uma taxa deeficincia planetria-cultural, isto , o nvel de eficincia de umacultura especfica frente Natureza, biosfera e s demaissociedades humanas , ou seja, o que ela cobra para reproduzir-se ereproduzir a seus prprios indivduos, aos de outras culturas, e aoPlaneta como fonte e reserva finita de matria e energia (este, emtermos planetrios).

    13.Saindo-se do interior do discurso justificador do capitalismo, clarividente que as sociedades em funo do tipo de cultura quenelas predomina (tradicional, urbana-industrial em qualquer de seusestgios, inclusive prestadora de servios financeiros ou tcnico-cientficos, marciais as da Otan etc.) impem biosfera, sociosfera e ao Planeta, especfica contrapartida em termos dematria e energia. Contrapartida que se magnfica, tambm, pela

    especificidade de seu ndice demogrfico fora de trabalho querealmente trabalha e seu contingente de ociosos, que no mundosuperdesenvolvido imenso. Se quem no trabalha, come, estamos atrabalhar para dar o que comer a eles. Medir a fora de trabalhodesses pases pela idade, contrafao degradante Espcie... Dafora de trabalho inglesa, norte-americana ou alem, retirem-se 30 ou40% de ociosos agiotas e cotistas da cincia, da tecnologia, defundos de aes et caterva.

    14.Nesse quadro, vlido e justo, perguntamos, toda a Natureza, todo oPlaneta, juntamente com toda a biosfera e seres humanos, pagarem xquilowatt/$ (unidade que expresse energia x riqueza) para a

    produo e reproduo de 100 engenheiros alemes, norte-americanos, ingleses ou israelenses, que vo produzir cincia etecnologia NO PARA TODA A HUMANIDADE, mas para asrespectivas sociedades? (Drones, bombas de efeito microondas etc.).Cincia e Tecnologia para escravizar, brutalizar, estupidificar as

    demais etnias? Cientistas filhos de sociedades cujo Ethos (vale o

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    termo) cultua a supremacia de tal ou qual etnia, raa ou casta?Sociedades cujas aes estratgicas de natureza geopoltica j tmexrcito prprio a Otan? Cincia e tecnologia que vo jungir a um

    jugo eterno (se houver eternidade) o homem somali, o homem

    tuaregue ou o favelado, o campons rural ou urbano no Brasil, emCuba, na China ou na ndia? vlido aplaudir a China, melhordizendo, os Brics, hoje representando quase 4 bilhes de sereshumanos na tentativa louca de emularem os hegemnicos jreferidos nessa corrida da seleo natural do mais apto depleodos recursos do Planeta?

    Itaparica, dezembro de 2012