COMO ENSINAR OS ALUNOS A LER O JORNAL COM UM OLHAR CRÍTICO

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 COMO ENSINAR OS ALUNOS A LER O JORNAL COM UM OLHAR CRÍTICO A turma vai aprender a analisar as informações , identificar as marcas de intencionalidade e construir a própria opinião Beatriz Vichessi. Colaborou Fernanda Kalena |< < Página de > >|  ALÉM DA NOTÍCIA Cássia Gonçalves, aluna da EMEF J osé Olympio Pereira Filho, está aprendendo a buscar informações nas notícias de jornal sem deixar de prestar atenção nas marcas de intencionalidade deix adas por quem escreveu o texto Desde que o trabalho com gêneros na escola foi consagrado como a maneira ideal de ensinar a garotada a ler e escrever bem, um dos tipos de texto que  precisam fazer parte do cotidiano da sala de aula é a notícia. Mas, para explorá-la com êxito, é essencial ir além da enumeração de suas características (como título, legenda e foto). Analisar o conteúdo noticiado de maneira crítica é uma tarefa que você, como modelo de leitor experiente, precisa ensinar aos alunos. "Mais que ler as palavras e compreender o significado semântico delas, os estudantes precisam se acostumar a entender as escolhas feitas por quem escreveu o material, lendo o que está nas entrelinhas, implícito, e o que está atrás das linhas, ou seja, que requer a interpretação do leitor", explica Claudio Bazzoni, selecionador do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. O primeiro passo, depois de realizar a leitura (individual ou coletiva) de uma reportagem, é se questionar sobre ela. O documento Diseño Curricular para la  Escuela Primaria - Segundo Ciclo , da Secretaria de Educação de Buenos Aires, na Argentina, sugere algumas indagações: - Por que esse acontecimento ou pessoa enfocada no texto é notícia?

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COMO ENSINAR OS ALUNOS A LER O JORNAL COM

UM OLHAR CRÍTICO

A turma vai aprender a analisar as informações, identificar asmarcas de intencionalidade e construir a própria opinião

Beatriz Vichessi. Colaborou Fernanda Kalena

|< < Página de > >|

ALÉM DA NOTÍCIA Cássia Gonçalves, aluna da EMEF José Olympio Pereira Filho, está aprendendo a buscar 

informações nas notícias de jornal sem deixar de prestar atenção nas marcas de intencionalidade deixadas por 

quem escreveu o texto

Desde que o trabalho com gêneros na escola foi consagrado como a maneiraideal de ensinar a garotada a ler e escrever bem, um dos tipos de texto que

 precisam fazer parte do cotidiano da sala de aula é a notícia. Mas, para explorá-lacom êxito, é essencial ir além da enumeração de suas características (como título,legenda e foto).

Analisar o conteúdo noticiado de maneira crítica é uma tarefa que você, comomodelo de leitor experiente, precisa ensinar aos alunos. "Mais que ler as palavrase compreender o significado semântico delas, os estudantes precisam seacostumar a entender as escolhas feitas por quem escreveu o material, lendo oque está nas entrelinhas, implícito, e o que está atrás das linhas, ou seja, querequer a interpretação do leitor", explica Claudio Bazzoni, selecionador doPrêmio Victor Civita - Educador Nota 10.

O primeiro passo, depois de realizar a leitura (individual ou coletiva) de umareportagem, é se questionar sobre ela. O documento Diseño Curricular para la

 Escuela Primaria - Segundo Ciclo, da Secretaria de Educação de Buenos Aires,na Argentina, sugere algumas indagações:

- Por que esse acontecimento ou pessoa enfocada no texto é notícia?

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- Por que o jornal deu importância e destacou esse assunto?- Como o fato está apresentado?- Qual imagem do acontecimento o texto passa para o leitor?

Mesmo que os alunos nem sempre saibam responder a todas essas perguntas, éfundamental que eles as façam e notem como elas orientam a leitura e podemajudá-los a desenvolver uma postura de leitura crítica.

 Na EMEF José Olympio Pereira Filho, na capital paulista, Maria de FátimaCampos de Lima organiza momentos frequentes de leitura de diferentes jornais esempre propõe que os jovens do 8º ano comentem os textos lidos levando os

 pontos acima em consideração. Conversar sobre o que eles já conhecem arespeito do tema, com base em informações obtidas em programas de rádio e

televisão ou comentários de outras pessoas também é muito útil nessemomento (leia o quadro abaixo). "É uma etapa do trabalho em que a turmacomeça a perceber que por trás do que está escrito há muitas intenções além detransmitir uma informação", diz Maria de Fátima. "Por isso, o leitor pode ou nãoconcordar com a abordagem feita pelo autor."

A segunda fase da exploração requer prestar atenção em detalhes da notícia eexige uma nova leitura. É hora de aprender que neutralidade e imparcialidade sãocaracterísticas inatingíveis, dada a natureza do universo linguístico - apesar de

essas características serem amplamente difundidas pelo senso comum (e por alguns veículos de comunicação) como condições para fazer o bom jornalismo.

Para isso, oriente os estudantes a analisar o texto, buscando:

- O tipo de discurso usado pelo autor - direto ou indireto.- O emprego (ou não) de adjetivos, advérbios e/ou eufemismos.- O sujeito empregado no título - indeterminado ou explícito.- Quem são os entrevistados.

- Os termos de autorreferência e as expressões ou as frases que apontem aopinião do autor.

Essas são escolhas, marcas reais de intencionalidade, que conferem um tom ànotícia, deixam o material mais atrativo, sensacionalista ou dramático, dão pesosdiferentes aos vários elementos escritos no texto e até podem indicar o ponto devista do autor ou do jornal(leia o infográfico na próxima página). Identificando eanalisando esses elementos, a moçada aprende a questionar as escolhas do autor do texto. Para noticiar uma ação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

(MST), por exemplo, um jornalista escreve "MST ocupa fazenda em Petrolina".Pergunte para o grupo se há outra maneira de informar o mesmo fato, dessa vez,

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usando outro verbo. "MST invade fazenda em Petrolina" é uma opção, noentanto, a mudança confere um tom diferente à notícia, já que enfatiza o aspectonão pacífico da ação. Para enriquecer a aula, proponha que os alunos reflitam arespeito de exemplos como esse levando em conta a ideia: "Feitas para designar 

as coisas, as palavras podem perfeitamente escondê-las", presente em As Palavras e as Coisas, de Emir Sader, sociólogo e cientista político brasileiro. Naíntegra, esse texto também é um bom material para ser usado durante o trabalhode leitura crítica de jornal, como um disparador de questionamentos.

Cumprindo as duas etapas (questionamentos sobre a notícia e análise deelementos), ensinando a moçada a ler o jornal "em camadas" e buscar o que estánas entrelinhas e atrás das linhas, você conduz os jovens a construir um olhar crítico sobre a mídia. Isto é, ensina que o importante é buscar a exatidão das

informações, estudar as marcas de intencionalidade e, depois, decidir se édesejável ou não reproduzir o discurso apresentado pelos veículos de imprensa.

Como escolher bons textos para analisar?

Antes de selecionar uma reportagem para explorar com a turma, considere que as notícias

não têm, em geral, os estudantes como destinatários e que, muitas vezes, tratam de temas

complexos da atualidade social e política. Para compreendê-los, é preciso conhecer o

contexto de que fazem parte. Márcia Fortunato, coordenadora do curso de pós-graduação

de Formação de Escritores, do Instituto de Educação Superior Vera Cruz (Isevec), sugereanalisar se o tema é interessante para os jovens e se eles têm conhecimentos sobre ele.

"De nada adianta selecionar uma notícia só porque ela apresenta todos os elementos que

se quer trabalhar. Se o objetivo é a leitura crítica, o assunto e o vocabulário precisam ser 

familiares ao grupo", diz Mirella Cleto, professora da rede particular, em São Paulo. Textos

sobre o cotidiano das cidades, por exemplo, tendem a ser mais palatáveis do que os de

economia.

Análise dos elementos que compõem a notícia

Após a leitura, ensine os alunos a estudar as escolhas feitas pelo autor. Sãomarcas de intencionalidade que conferem um tom ao texto:

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1 Discurso indireto e sujeito indeterminado

 No título, é dada mais ênfase à ação (punição) e em quem ela incide (bar),desconsiderando o responsável

2 3 4 e 7 Adjetivo e frase opinativa

Os trechos marcados com os números acima indicam o ponto de vista do autor danotícia, o que mostra a intenção de guiar a leitura

5 e 6 Fontes consultadas

A escolha de entrevistar especialistas e um promotor da Vara da Infância eJuventude (e não os proprietários de bares e consumidores menores de idade)revela uma opção clara do jornal de destacar um dos lados da história (é comumapresentar o outro lado separadamente, em outra reportagem)