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“Como Inserir a Memória Dentro do Ensino de História?” Pálite Terezinha Buratto Remes. [email protected] Resumo Relata a experiência de “como inserir a memória dentro do ensino de história”, com resultados obtidos através do processo articulado na construção da investigação na perspectiva da Educação Histórica e no âmbito do ensino de História, atendendo ao Programa de Desenvolvimento Educacional promovido pela Secretaria do Estado de Educação do Paraná (SEED), tendo como referência as atividades desenvolvidas em dois momentos de investigação. O primeiro momento contou com a sistematização relativa às experiências com o uso da memória, coletadas em 2007, com os professores inscritos no Grupo de Trabalho em Rede (GTR) que contribuíram fornecendo subsídios no processo de criação do material didático, com os elementos constituintes da Unidade Temática Investigativa. O segundo momento pode ser contextualizado através da participação ativa dos alunos do Ensino Médio de um colégio público, no desenvolvimento prático da Unidade Temática Investigativa, processo ocorrido, em 2008, dentro da significância de investigação de pesquisa no âmbito de sala de aula. Palavras-chaves: Memória; História; Consciência Histórica; Pesquisa na perspectiva da Educação Histórica; Ensino de História. As reflexões apuradas na conclusão deste trabalho vieram somar experiências embasadas nas pesquisas desenvolvidas tanto na Europa como na América sobre a memória e sua relação com a História. Em vários países, as preocupações neste campo de pesquisa vêm sendo demonstradas nos numerosos trabalhos editados, os quais buscam definições para explicar e justificar a importância da memória histórica e a sua relação com a consciência histórica. Tais estudos contribuem na formação de um marco de referência bibliográfica para a memória, a consciência histórica e a História recente, pois, esse assunto tem sido e segue sendo uma fonte de importante debate (PAGÈS. 2008), assim como as finalidades do ensino de história tem sido objeto de preocupação de vários historiadores brasileiros e de outros países (SCHMIDT e CAINELLE. 2004, p. 17). 1

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“Como Inserir a Memória Dentro do Ensino de História?”Pálite Terezinha Buratto Remes.

[email protected]

Resumo

Relata a experiência de “como inserir a memória dentro do ensino de história”, com resultados obtidos através do processo articulado na construção da investigação na perspectiva da Educação Histórica e no âmbito do ensino de História, atendendo ao Programa de Desenvolvimento Educacional promovido pela Secretaria do Estado de Educação do Paraná (SEED), tendo como referência as atividades desenvolvidas em dois momentos de investigação. O primeiro momento contou com a sistematização relativa às experiências com o uso da memória, coletadas em 2007, com os professores inscritos no Grupo de Trabalho em Rede (GTR) que contribuíram fornecendo subsídios no processo de criação do material didático, com os elementos constituintes da Unidade Temática Investigativa. O segundo momento pode ser contextualizado através da participação ativa dos alunos do Ensino Médio de um colégio público, no desenvolvimento prático da Unidade Temática Investigativa, processo ocorrido, em 2008, dentro da significância de investigação de pesquisa no âmbito de sala de aula. Palavras-chaves: Memória; História; Consciência Histórica; Pesquisa na perspectiva da Educação Histórica; Ensino de História.

As reflexões apuradas na conclusão deste trabalho vieram somar

experiências embasadas nas pesquisas desenvolvidas tanto na

Europa como na América sobre a memória e sua relação com a

História.

Em vários países, as preocupações neste campo de pesquisa vêm

sendo demonstradas nos numerosos trabalhos editados, os quais

buscam definições para explicar e justificar a importância da memória

histórica e a sua relação com a consciência histórica. Tais estudos

contribuem na formação de um marco de referência bibliográfica para

a memória, a consciência histórica e a História recente, pois, esse

assunto tem sido e segue sendo uma fonte de importante debate

(PAGÈS. 2008), assim como as finalidades do ensino de história tem

sido objeto de preocupação de vários historiadores brasileiros e de

outros países (SCHMIDT e CAINELLE. 2004, p. 17).

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Algumas características do ensino da história, ensino da

memória histórica e seu papel no presente e no futuro, são vistas

com relevância, pois vivemos em tempos em que a memória histórica

está presente nos meios de comunicação, nos debates políticos, nos

assuntos religiosos, nos debates educativos em âmbito internacional

como a IV Jornadas de Investigación en Didáctica de las Ciências

Sociales dedicadas ao ensino da memória histórica, que contou com a

participação de significados didatas da História da Itália, Suíça,

França, Argentina e Chile. (PAGÈS. 2008, p. 44).

Alguns trabalhos, como os publicados em Albano et al. (1985),

representativo do Movimento de Cooperação Educativa (MEC)

italiano, destacaram a relação da memória com as fontes orais. Para

o

MEC se tratava de precisar o conceito de memória oral,

individual e coletiva, buscando a formação do conceito de

memória no tempo, sua redefinição no contexto daqueles

anos (...) e sua relação com a formação histórica de base

que deveria ser ensino obrigatório nas escolas. (PAGÈS.

2008, p. 51).

Muitos questionamentos são feitos a respeito da relação

memória e história. Para saber qual é a relação existente entre a

memória histórica e a consciência histórica, PAGÈS (2008) comenta e

expõe o pensamento de vários pesquisadores começando por Rüsen

(2007). Na fala de Rüsen, a memória preserva o passado e o converte

em parte essencial da orientação cultural da vida. A História, confirma

este autor, é uma forma elaborada de memória. Já a diferença ele

sintetiza da seguinte forma:

a memória apresenta o passado como uma força ao

pensamento humano guiado por princípios de uso prático,

enquanto que a consciência histórica representa o passado

inter-relacionando de maneira explícita com o presente,

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guiada por conceitos de troca temporal e por evidências

“veraceas”: acentua a temporalidade inequívoca do passado

como uma condição para sua relevância no presente

(RÜSEN. 2007);

ainda coloca que a memória tem uma relação imediata e sua ligação

está relacionada ao reino da imaginação voltada ao passado. Já a

consciência histórica na relação passado e presente é mediata, está

mais ligada à cognição e abre ralação para o futuro. No seguimento

desta fala LETOURNEAU (1986) complementa:

(...) Um conjunto vago e instável mas relativamente

organizado de esquemas teleológicos, de clichês, de

imagens, de configurações de ideias, de estereótipos, de

objetos simbólicos, de representações parciais, de pré-

construções culturais, de fragmentos de enunciados, de

personagens “reificados” e de situações contextuais

idealizadas, através dos quais o presente, o passado e o

futuro não são somente decifrados, mas igualmente

assimilados e antecipados.

Para contrastar, a definição de LETOURNEAU foi comparado às de

VILA (2008, p. 45-46). (...) a memória no sentido mais simples do

termo, é a presença consciente do passado. Já na troca, cita o

pensamento de Vila:

O passado é sempre recordado de forma seletiva e (...) não é

nunca o de um indivíduo, mas que é de um indivíduo situado

em num contexto familiar, social, histórico. (...) As

recordações situadas em um contexto familiar, social,

histórico determinados são os que conhecemos como a

“memória social” .

E para justificar a memória social, uma memória que por definição é

coletiva, fez a comparação com a definição de PUJOL:

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Surge porque qualquer sociedade para legitimar-se

necessitava de uma explicação histórica (elaborada por

estudiosos, mas compartilhada por uma maioria social) que

lhe recordasse o que havia feito, quem era e o que era

aquele que não podia voltar a repetir se queria elaborar um

projeto de futuro comum e viável (2006, p.6).

Para PRATS (2008), há controvérsia quanto à distinção que deve

haver entre memória e história. A “memória histórica” no que tem de

memória é um processo estritamente individual e biográfico, portanto

deixa de ser visto como conhecimento histórico, mas sim como

“metonímia”. Ele ainda afirma que a posição mais defendida entre

os historiadores é que não devia confundir-se a “história científica”

com a “memória histórica”. E explica que as razões esgrimidas

apontam que a história científica é uma trituradora de memórias para

poder digerir e produzir conhecimento. A trituração das memórias não

se produz pela distância no tempo, se não pela aplicação de método

e teoria sobre o dado e a recordação, a memória, o vestígio e a fonte.

Nunca as coisas foram realmente como as recordamos.

Há uma grande preocupação com a imparcialidade de alguns

pesquisadores com o relato dos fatos apurados nas pesquisas, como

foi evidenciado no relato de PRATS. O historiador deve manter-se no

anonimato e ser objetivo durante a explicação, sem formar conceito

de juízo sobre o passado, evitando envolver-se emocionalmente ou

tecer interpretações pessoais.

As confrontações com o passado estão criando controvérsias e

gerando discussões no campo da historiografia com posições

diferenciadas.

A visão de alguns historiadores sobre a importância e a

continuidade dos trabalhos com a memória foi colocada por

CARRETERO ao citar MAIER (1993) e ROBIN (2003), (...) que para

alguns autores, esta obsessão pela memória é sobre abundante e tem se

mostrado com níveis de saturação. (2008).

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Sem dúvida, as questões referentes à memória têm gerado

polêmicas quanto à conveniência e a oportunidade em fazê-las. Na

Espanha estão tentando regulamentar leis que façam da “memória

histórica” um tema com presença social e institucional. Estão

esperando que a democracia e os partidos de esquerda resolvam o

problema como imperativo democrático e como uma exigência de

recuperação da dignidade, sobretudo de suas famílias, dos partidos e

grupos sociais que foram derrotados na contenda. (PRATS, 2008.

p.5).

Por muito tempo a história foi voltada para o interesse de uma

classe política dominante tanto na Europa quanto na América. Esta

história passou a ser veiculada como a “história oficial”, relegando ao

esquecimento a história de grupos, famílias e pessoas que não

interessavam às sociedades dominantes a sua divulgação. Hoje, em

vários países, luta-se para mudar o rumo daquela história, busca-se a

sua legitimidade, a consciência histórica sobre os esquecidos da

“História Oficial”, nos meios de comunicação, nos eventos nacionais e

internacionais promovidos pelos pesquisadores e nos meios políticos

e religiosos de alguns países. A Espanha busca tornar públicas as

lembranças e as circunstâncias daqueles que perderam a contenda

civil (...) e dos que sofreram a repressão nos anos posteriores ao fim

da guerra. (CARRETERO. 2008, p. 21); No Brasil criaram-se leis

tornando obrigatório, nas escolas de Ensino Fundamental e Médio,

trabalhar conteúdos sobre as culturas e as histórias afro-brasileira e

indígena, como também a aprovação de leis para indenizar as

vítimas ou, familiares daqueles que foram mortos por determinação

dos governantes do regime militar, como foi o caso ocorrido no dia 15

de novembro de 2008, com a família do então presidente da

república João Goulart, deposto pelo golpe militar, que teve seus

direitos reconhecidos com a indenização por terem sofrido as

consequências da ditadura. No México houve a busca de voltar a

História para seus povos e não para uma história europeizada de

dominação espanhola. A Ucrânia tenta o reconhecimento

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internacional do HOLODOMOR - a grande fome artificial na Ucrânia

provocada no governo do regime soviético. No Vaticano, houve o

reconhecimento oficial do chefe da igreja católica ao pedir perdão

publicamente às vítimas do nazismo reconhecendo a omissão da

igreja na época, houve também a beatificação de vários clérigos que

foram vítimas da guerra civil da Espanha.

Nos últimos anos têm havido verdadeiras guerras culturais em

diversos países, em vários âmbitos, como o da sociedade civil,

política, educativa e acadêmica em relação à gestão da história e da

memória coletiva.

Na contra mão dessas memórias, já alguns países objetivam

mudar a “história oficial”, estão reescrevendo parte de sua história.

Segundo CARRETERO (2008), o presidente da Rússia, Vladimir Putin,

(...) criou uma polêmica ao tentar reescrever a história soviética em

uma série de novos livros de texto de caráter obrigatório, com o

objetivo de mudar a visão negativa da história recente da Rússia,

exaltando o patriotismo. Também podem ser citados os problemas

existentes no contexto histórico nacional, como as constantes e

permanentes tensões entre vasco e catalão com a identidade

espanhola (...) que se expande pelo campo institucional, político e

escolar; nos debates públicos sobre o ensino da história e livros de

texto em diversos países como México e Espanha em 1997,

atualmente a partir de reformas curriculares que afetaram os

conteúdos “tradicionais” da história escolar. (CARRETERO. 2008, p.

21-22) onde os países Bálticos buscam uma identidade nacional e

recusam monumentos da antiga URSS após terem sofrido décadas

de dominação.

Na Europa criou-se o comité de Ministros del Consejo de Europa

del 31 de octubre de 2001, em que criaram um documento contendo

uma parte dedicada a “Memória y ensiñanza” cujo objetivo é tomar

todas as medidas educativas para prevenir a repetição ou a negação

de acontecimentos que marcaram o século XX como o holocausto,

genocídios e outros crimes contra a humanidade, depurações

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étnicas, violações dos direitos humanos PAGÈ (2008,p.49). A

integração desses fatores do programa faz parte dos conteúdos

utilizados pelas escolas.

Em vários casos encontramos aspectos comuns e contraditórios

entre si que podem resumir-se em certas tendências na Europa:

- a busca do passado representado nos conteúdos

significativos para a identidade própria (seja nacional, local

ou cultural). A demanda de histórias mais objetivas e menos

míticas;

- a elaboração de conflitos passados com vistas a

empreender projetos futuros (como é o caso da reelaboração

dos conflitos nacionais europeus vinculados ao futuro da

União Europeia);

- a incipiente prática que compara versões históricas

alternativas de um mesmo passado;

- a centralidade do ensino de história como espaço de luta

para as memórias em disputa, entre outros. (CARRETERO,

2008.p.21).

Foi na França que a disciplina de História tornou-se oficial nos

estabelecimentos de ensino público, atendendo à reivindicação e

interesse da burguesia em tornar a educação pública, gratuita e

obrigatória no século XVIII.

No Brasil, desde sua criação como disciplina, no século XIX, a

disciplina de História passou por várias alterações. No período

imperial era voltada quase que totalmente para o ensino da História

da Europa ocidental, colocada como a verdadeira história da

Humanidade, cedendo somente uma pequena carga horária para a

introdução da História do Brasil voltada para a história de alguns

vultos históricos, de data e de batalhas, somente nos anos finais do

ginásio, com pouquíssima carga horária de aula. Já mais para o final

do século XIX, as escolas primárias e secundárias incluíram em seus

programas a história nacional, voltada para a exaltação de heróis,

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datas comemorativas e símbolos nacionais, aplicada de forma

reprodutivista.

No Século XX, na década de 1970, foi criado e oficializado o

ensino de Estudos Sociais para o primeiro grau, ficando a disciplina

exclusiva de história somente para o antigo segundo grau.

Com o passar do tempo essa prática da disciplina de Estudos

Sociais passou a ser criticada pelos pesquisadores.

Na década de 1980 as universidades, associações e entidades

profissionais, para combater as propostas de Estudos Sociais

colocadas no ensino fundamental, formaram um conjunto de forças,

unindo-se com o intuito de acabar com os interesses ideológicos dos

representantes da ditadura militar no ensino.

Muitos debates e inúmeros estudos sobre a história ensinada nas

universidades brasileiras e escolas serviram de subsídios para

publicações de livros, teses, dissertações e artigos especializados.

Ocorreram apresentações em simpósios, congressos, seminários e

encontros, com o foco centrado para o ensino de História.

(...) As reflexões apresentadas nesse período apontam a

existência de diversas abordagens e temáticas para o ensino

de história, além de questionamento acerca dos conteúdos

curriculares, das metodologias de ensino, do livro didático e

das finalidades do ensino. As questões epistemológicas do

conhecimento histórico e a problemática da reprodução do

conhecimento no ensino da História para a escola

fundamental e média também tornaram-se objeto de

discussão (SCHMIDT, CAINELLI, 2004. p.11).

Lutas acirradas nos debates e reivindicações feitas por alguns

historiadores permitiram que especialistas diagnosticassem as

condições do ensino de história em escolas brasileiras, como também

possibilitou traçar um perfil do professor de história, cuja formação

era dividida, nesse período, entre os cursos de graduação, de

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licenciatura em História curta ou plena, além do curso de Estudos

sociais.

Criou-se um dilema sobre a maneira reprodutivista de se

trabalhar a história, criticou-se a atuação do professor de mero

transmissor e o aluno como receptor passivo do conhecimento

histórico, bem como o conteúdo programado do livro didático, o qual

é material de estudos e críticas até hoje. Travou-se um embate contra

o ensino do conhecimento histórico, anacrônico, positivista e

temporalmente estanque. (SCHMIDT, e CAINELLI, 2004, p.12).

A década de 1980, ficou marcada pelo propósito de debater e

reivindicar a retomada da disciplina de história, voltada para

temáticas sobre o cotidiano do aluno, seu trabalho e sua

historicidade, objetivando fazer do aluno sujeito produtor da História.

A eminência de novas perspectivas para o ensino de história foi

surgindo com as mudanças e transformações ocorridas ao longo do

processo, podendo ser constatadas ao apresentar as três fases

características desse ensino: a fase que se pode denominar ensino

tradicional, a fase em que predominou o ensino de estudos sociais e a

fase atual, de ensino da história (tendências atuais).

O ensino de história brasileiro abriu precedência para um novo

enfoque almejado com a contribuição da memória, quando colocou

nas tendências atuais como função do ensino, a apreensão da

pluralidade de memórias e não somente da memória nacional; a visão

da ciência fez a análise do fato histórico ser substituída por outras

possibilidades, como análise do processo histórico e da experiência

dos sujeitos da história, incorporou novos temas e objetos como o da

história das mulheres, a das crianças e a dos movimentos sociais.

Nessa temática o professor deixa de ser o transmissor da história

verdadeira e acabada para ser o mediador entre aluno e

conhecimento histórico, passa a ser o responsável na orientação do

percurso, pela produção do conhecimento histórico e fica

comprometido com o aluno. Já o aluno de mero ouvinte expectador

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assume a função de sujeito da história, do próprio conhecimento e do

conhecimento histórico.

Nos estudos feitos na América e na Europa sobre a memória e o

ensino de história, concluiu-se que interessantes inovações didáticas

centradas no ensino da memória histórica ocorreram nas aulas de

história, porém não são muitos os professores que têm seus

interesses voltados para o trabalho com a memória e o ensino de

história.

Recorrer à memória individual, à recordação de fatos,

acontecimentos, problemas do passado tem sido uma das

características principais daqueles professores que têm

tentado inovar suas práticas docentes ao menos desde a

década dos anos setenta do século XX passado. Mas, no

entanto, não é uma prática comum nem generalizada na

Espanha nem em muitíssimos países de nossa volta.

(PAGÈS. 2008, p. 47).

Ficou evidente no final do trabalho “Como inserir a memória

dentro do ensino de história” desenvolvido em cumprimento ao

planejamento do Programa de Desenvolvimento Educacional do

Estado do Paraná (BR), com o Grupo de Trabalho em Rede – GTR

(2007), que a maioria das narrativas feitas pelos professores não

abordavam o trabalho com o uso da memória.

Alguns grupos se destacam com experiências no Brasil,

desenvolvidas desde 1995 pela UFPR, com proposta de trabalho na

formação continuada com professores de séries iniciais, de escola

pública, com o Projeto – Recriando a História – a partir do estudo de

documentos guardados em estado de arquivo familiar,

envolvendo a produção e uso de manuais produzidos

coletivamente por professores de ensino básico e superior,

alunos de escolas, alunos dos cursos de História, Pedagogia

e Design da UFPR, elaborados a partir de documentos em

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estado de arquivo familiar (...) (SCHMIDT e GARCIA,

2006.p.27).

Nesse âmbito de criação apontam-se como produtos: a produção

dos livros Recriando a História de Pinhais (1997); Recriando a História

de Campina Grande do Sul (2003); Recriando a História de Rio

Branco do Sul; a publicação de artigos sobre projetos, apresentados

em encontros nacionais e internacionais de Educação Histórica

dentro e fora do Brasil.

Um dos grupos de investigação sobre o ensino de história, que

começou no final da década de 1990 e permanece até hoje, é o grupo

de Araucária, o qual contribui com um cabedal de pesquisas sob a

orientação da Universidade Federal do Paraná, na linha da Educação

Histórica.

No Brasil, o acervo de pesquisas desenvolvido na perspectiva

da Educação Histórica tem tido destaque em âmbito internacional.

Dois grupos de pesquisadores têm realizado trabalhos também na

linha de pesquisa com a memória, os quais têm elencado

contribuições significativas. Um grupo é formado por pesquisadores

didaticistas e didaticistas de História da Universidade Federal do

Paraná (UFPR) e o outro, por professores licenciados, jovens e

crianças de escola de ensino fundamental e médio. (SCHMIDT e

CAINELLI. 2004).

Brasil e Portugal têm mantido intercâmbio de orientações e

experiências entre pesquisadores na linha da Educação Histórica,

através dos eventos internacionais e de visitações aos grupos de

pesquisas.

No Brasil, há algum tempo governantes têm assumido uma

postura diferenciada de muitos países. Livros didáticos são

comprados pelo Ministério da Educação contendo em seu conteúdo

experiências comunistas atuais como as de Cuba e da China

(CARRETERO. 2008). Fatos estes jamais acontecidos no período da

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Ditadura Militar onde a “História” era manipulada e voltada para

ideologias políticas.

A preocupação como inserir a memória no ensino de História

também se faz presente no meio político brasileiro, com o decreto do

Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva ao tornar obrigatória

a presença da história indígena bem como a da cultura afro-brasileira

nos conteúdos de história, reconhecido por pesquisadores

internacionais como o citou Carreteiro em um de seus trabalhos

divulgados.

Algumas pesquisas apontaram que o jovem estava alienado

como especifica HOBSBAWM ao afirmar que quase todos os jovens,

do final do segundo milênio, crescem numa espécie de presente

contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da

época em que vivem. (apud, SCHMIDT e CAINELLI. 2004, p.18). Em

pesquisa desenvolvida pelo grupo de professores de Araucária (BR),

em 2008, sobre a utilização de filmes em aulas de história, uma das

perguntas que continha respostas de múltipla escolha era: se o aluno

tinha contato com outros materiais de história além dos exigidos no

colégio. A preferência da maioria dos alunos que participou da

pesquisa (alunos do ensino Fundamental da rede municipal de

ensino), indicou em primeiro lugar o gosto de ouvir pessoas mais

velhas contarem histórias sobre o passado. Ao ser apresentado o

resultado da pesquisa em reunião de assessoramento orientada pela

professora Doutora Maria Auxiliadora Schmidt, foi constatado que a

preferência também se estendia aos alunos do ensino Médio da rede

Estadual de Ensino em Curitiba. E as histórias preferidas foram as

narrativas orais sobre as memórias familiares, as memórias dos

moradores do bairro ou da cidade em que a família viveu ou vive, as

memórias relacionadas ao trabalho, às participações políticas,

lembranças do período de conflitos ou de guerras e as memórias

religiosas (festas, comemorações natalinas, páscoa, casamento e

outras), acompanhadas por recordações obtidas através de

fotografias, vídeos, documentos escritos e objetos.

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Nesse sentido, o registro da pluralidade das memórias

sociais, culturais e populares possibilita a rejeição da

chancela de memória nacional como memória coletiva única.

(SCHMIDT, 2004.p.126).

Este processo gera uma longa cadeia de lembranças que serve

para a construção da memória social e da memória coletiva, as quais

possibilitam a criação de uma identidade social.

Um ponto importante no ensino da história concerne à

articulação da história individual do aluno com a história

coletiva de grupos, classes e sociedades (...) um dos

objetivos do ensino da História consiste em fazer o aluno

ver-se como partícipe do processo histórico. (SCHMIDT e

CAINELLI. 2004. p.125).

Neste quadro de envolvimento Memória e História, foi

desenvolvido um trabalho de pesquisa para atender aos requisitos

propostos pelo Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE –

solicitado pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná. Este

programa teve previsão de durabilidade para dois anos. Foi dividido

em três momentos:

- O primeiro momento foi o teste de seleção onde somente poderia

participar professores em final de carreira que já haviam chegado ao

último nível da carreira profissional, sendo aprovados e cumprindo

com todas as exigências previstas passariam para o nível três, recém

criado;

- o segundo momento foi fazer contato com os professores da

Universidade Federal do Paraná, ou da Universidade Tecnológica

Federal do Paraná, ou as Universidades Estaduais do interior do

estado (de acordo com sua habilitação profissional e núcleo regional

de atuação), para a escolha do orientador. Ainda no seguimento,

fazer a escolha do tema do projeto a ser desenvolvido, receber

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orientações e tomar conhecimento através de palestras, seminários,

leituras, discussões sobre referencial teórico que serviria de base

durante todo o processo, promovido tanto pela SEED quanto pela

UFPR.

- o terceiro momento foi o desenvolvimento do projeto o qual

determinava em suas especificações: a) a criação de um Material

Didático; b) o trabalho com professores do grupo de trabalho em rede

– GTR – via on-line, sistema Moodle; c) o desenvolvimento prático do

Material Didático com os alunos. Para fechamento e conclusão do

programa, a produção de um artigo.

Todo o processo desenvolveu-se por etapas. O tema escolhido

para o projeto, no início, foi: “Como Inserir a Memória dentro da

História?” ficou muito abrangente. Durante o percurso dos trabalhos

de pesquisas concluiu-se por bem, limitar a amplitude do conteúdo

fazendo um recorte, desta forma foi denominado seu título “Como

inserir a memória dentro do ensino de história?”

Para empreender este trabalho, buscando desenvolver a

utilização da memória no ensino de história, foram necessários alguns

questionamentos para saber como estava sendo pensado

metodologicamente, a relação história oral e o ensino de história e

como alguns autores estavam propondo esta relação.

Com as investigações buscou-se relacionar Memória e História,

Memória e Consciência Histórica e a Memória e o Ensino de História.

Na perspectiva da Educação Histórica o objeto de estudos

determinado foi a relação do sujeito com o conhecimento histórico

utilizando a ideia de segunda ordem “memória” no conceito

substantivo “imigração”.

As atividades iniciais do projeto geraram um farto material para

a produção do Material Didático com os elementos constituídos

Unidade Temática Investigativa (FERNANDES e SCHMIDT. 2007). A

contribuição se fez com a participação de 11 professores

participantes do GTR, moradores de vários municípios do Paraná, ao

contribuírem usando conhecimentos previamente adquiridos através

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de uma chuva de ideias e com algumas perguntas feitas sobre

migração. A linha de investigação teve seus objetivos pautados em

saber que elementos sobre imigração o professor guardava sob a

forma de memória e as respostas foram analisadas e categorizadas

com base teórica em LEE (2001) e BARCA (2005), como demonstra o

exemplo:

1- Algumas ideias que foram categorizadas como Conceito

Substantivo (Análise das respostas da atividade proposta pela chuva

de ideias preenchida pelos professores).

Respostas: Deslocamento; Costumes; Trabalho; Paz; Tradições; Crenças;

Cultura; Tranquilidade; Passaporte; Fronteiras; Países; Povos; Identidade;

Legislação; Entrada; Mudanças; Lavoura; Indústria; Comércio; Línguas;

Terra. (GTR. 2007)

2- Ideias que foram categorizadas como Conceito de Segunda Ordem

(narrativa, relato, explicação) obtidas nas respostas dadas pelos

professores do GTR.

Respostas: Mão-de-obra remunerada; Sonhos e esperanças de melhores

dias; Mudança, riqueza, terras, liberdade; Choque cultural, novos costumes,

línguas; Visão política, novos conceitos políticos; Contribuição na formação

da nossa sociedade; Novo mundo, paz, prosperidade; Entrada em um país

estrangeiro.

Este processo gerou uma mobilidade favorável ao trabalho do

professor, possibilitando a criação de categorias variadas de acordo

com as respostas dadas. Essa possibilidade de variação permitiu o

enriquecimento do trabalho, o qual aconteceu a partir do

levantamento dos conhecimentos prévios (BARCA, 2004). Foi nesse

momento que se deu início à fase da organização de todo o processo

de exploração entre conhecimento prévio e a relação do sujeito com

o conhecimento histórico, como ficou exemplificado na segunda

análise e categorização sobre as respostas dadas pelos professores

do GTR, (Análise das respostas da atividade proposta pela chuva de

ideias preenchida pelos professores, agora categorizada por um

modelo recém-criado, de autoria da professora, ressaltando que os

termos, usados pelos professores, estão se referindo à IMIGRAÇÃO):

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1- Termos utilizados para indicar o movimento de ir e vir de um

indivíduo: Deslocamento; Passaporte; Fronteiras; Entrada; Países; Povos;

Entrada em um país estrangeiro.

2- Termos utilizados para indicar questões econômicas: Trabalho; Mão

de obra remunerada; Riqueza; Terra; Lavoura; Indústria; Comércio;

Economia; Território; Projetos.

3- Termos utilizados que se referem às questões sociais: Choque

cultural; Novos conceitos políticos; Contribuição na formação da nossa

sociedade.

4- Termos usados para expressar desejo ou necessidade: Necessidade;

Sobrevivência; Adaptação; Paz; Solidariedade; Cooperação; Tranquilidade;

Aventura; Mudanças; Sonhos e esperanças de melhores dias; Novo mundo,

paz, prosperidade; Mudança, liberdade; Oportunidade; Sonhos; Mudanças.

No ensino de história efetuado no âmbito de sala de aula, pode-

se observar através da prática do professor como ele fez a

transposição didática do conceito de imigração para seu aluno e

como explorou os elementos guardados sob forma de memória que o

aluno expôs ao desenvolver as atividades propostas por ele, como

especifica o exemplo colhido das narrativa dos professores GTR

(2007):

1- Resposta que apresentou a exploração do arquivo memorial do

aluno pelo professor no desenvolvimento da aula.

(...) partindo do desenho e solicitando aos alunos o seu

preenchimento, poderia iniciar com um debate que explorasse

as várias motivações que impelem grupos humanos/indivíduos

à imigração, analisando uma a uma aquelas que foram

apontadas no esquema proposto.

2- Narrativa em que professor e aluno se valem da memória para

efetuar a Cognição Histórica.

Primeiramente questioná-los-ia sobre o significado do termo,

apontando alguma situação retratada na mídia, como a

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entrada de imigrantes ilegais nos Estados Unidos, que foi

tema recente de novela. Em seguida pediria que os alunos

fossem expondo o que entendem sobre o termo e colocaria

no quadro as contribuições que seriam dadas. Discutiria com

a turma a validade de cada uma delas e sugeriria a consulta

a dicionários e leria em conjunto os significados trazidos no

dicionário comparando-os às contribuições dos alunos.

Nas narrativas dos professores todo o processo se embasou na

oralidade do aluno, mas o grau de desafio e interesse seria maior se o

aluno tivesse a oportunidade e escrevesse uma narrativa sobre os

seus conhecimentos prévios guardados em forma de memórias, para

depois compará-los às novas informações colhidas durante o

desenvolvimento das aulas, associando esses elementos com a

intervenção do professor. E para finalizar o assunto, efetuar o

instrumento de metacognição, em que o aluno disponibiliza na sua

nova narrativa o que sabia antes e o que assimilou durante o

percurso. Faz um comparativo do passado com o presente, das

mudanças e permanências. Esta prática não é comum como se pode

verificar nas narrativas dadas pelos professores, a maioria delas não

abordou o uso da memória no ensino de história, não houve a

exploração e aproveitamento do arquivo memorial do aluno nem a

relação entre sujeito e conhecimento histórico, pois o papel

desempenhado pelo aluno na narrativa é de ouvinte da história.

Dessa forma as evidências apontam para um alto grau de

distanciamento da prática do professor com a investigação na

perspectiva da Educação Histórica.

De posse das orientações obtidas por meio dos conhecimentos

prévios, todas as atividades colocadas no Material Didático estavam

voltadas para a linha da Educação Histórica, possibilitando aos

professores tomar conhecimento dos pressupostos teóricos e da

prática sobre esta oportunidade diferenciada de trabalho.

Transformar o Material Didático de teoria para prática foi

desafiador, porém prazeroso, mesmo para quem já desenvolveu

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trabalho nessa área. Sempre surgem novidades que enriquecem e

estimulam o aprendizado tanto do professor quanto do aluno.

A Unidade Temática Investigativa foi desenvolvida na prática de

sala de aula com 11 alunos do 2º Ano do Ensino Médio, período

noturno, de colégio da rede pública estadual em Curitiba, no primeiro

semestre de 2008. A contribuição dos alunos se fez na elaboração de

todo o processo de produção da Unidade Temática Investigativa,

seguindo a mesma linha de trabalho feito no início das pesquisas com

os professores, sofrendo pequenos ajustes nas perguntas devido ao

desnível no grau de formação intelectual existente entre aluno e

professor.

A chuva de ideias relacionadas ao conceito substantivo

imigração, colocados no desenho (formato de uma estrela) pelos

alunos teve uma rica contribuição, pois poucos elementos coincidiram

com os termos colocados pelos professores em 2007 (quando

desenvolveram atividade igual).

Exemplo:

1- Termos utilizados que indicaram o movimento de ir e vir de um

indivíduo:

Viajar; Japão/Brasil; Pessoas imigrantes.

Termos que coincidiram com os escritos pelos professores: Povos e

Países.

2- Termos utilizados que indicaram questões econômicas:

Colonizadores; Escravos Africanos; Exploradores; Esportes; Prostituição;

Terra; Seca; Escravos (exploração de serviço)

2.1-Termos que coincidiram com os escritos pelos professores:

Trabalho; Comércio;

3- Termos utilizados que se referiram às questões sociais:

Sofrimento; Pobreza; Fome; Mistura de Costumes; Doenças.

4- Termo usado para expressar desejo ou necessidade:

Comida.

As investigações podem ser aprofundadas através de

categorizações das ideias dos alunos, sistematizando e angariando

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novos elementos que venham contribuir como o ensino de história na

formação da aprendizagem cognitiva.

As ideias apropriadas pelos alunos demonstraram evidências da

relação passado e presente. Citaram fatores que são recentes sobre

imigração como: prostituição, imigração irregular, seca e esporte.

Também referenciaram fatores do passado como: guerra, escravos

africanos.

Essas proto narrativas, que são construções do pensamento

prévio dos alunos como especificou Rüsen (2001), foram

transformadas em conhecimento de base e, a partir dos elementos

elencados, a professora se orientou e deu continuidade,

correlacionando os elementos da memória do aluno com os

conteúdos básicos ministrados através de livros ou manuais didáticos

em aulas de história.

As relações memória e história apontaram para a necessidade

de intervenção do professor, no sentido de levar o aluno a construir

outros referenciais temporais, tendo em vista a importância de

superar a forma de cognição histórica predominante, representada

pela ideia de progresso e moderno como melhores. Coube à

professora contextualizar a problemática, ou seja, relacioná-la com o

contexto vivido pelo aluno e com o conhecimento já produzido,

estabelecendo possibilidades de interpretação do passado. Assim, na

sequencia, houve a necessidade de intervenções com documentos

expondo novas informações através de recursos audiovisuais

(música e DVD), fotografias e imagens, ampliando assim, o rol de

conhecimento da cognição histórica. Essa articulação deu uma nova

perspectiva a respeito da produção do conhecimento histórico. Com

essa metodologia foi possível correlacionar os conhecimentos prévios,

os conteúdos básicos com as intervenções feitas pela professora, o

que possibilitou a finalização das atividades da Unidade Temática

Investigativa com o processamento da metacognição BARCA (2004) ,

em que o aluno pode recriar a história a partir de suas próprias

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experiências (SCHMIDT e GARCIA. 2006, p. 25), como ficou

demonstrado nas narrativas sobre a imigração no Brasil a seguir:

A imigração no Brasil começou com a vinda dos portugueses

que iniciaram a povoação e colonização do Brasil. Hoje em

dia o Brasil é uma mistura de etnias diferentes, mantendo

cada uma a sua tradição como folclore, falas e costumes.

(ALUNO, 2008);

Na narrativa o aluno fez a relação do passado com o presente,

colocando as mudanças e as permanências.

A imigração no Brasil fez com que ele se tornasse mais

cultural, porque cada imigrante que vinha para o nosso país

trazia um pouquinho de sua cultura. Assim, todas elas se

misturaram aqui e se conheceram melhor. (ALUNO. 2008);

Nessa narrativa o aluno se coloca como parte integrante da história

quando diz que: (...) porque cada imigrante que vinha para o nosso

país (...) Assim todas eles se misturaram aqui (...). Fica claro que com

essa metodologia o aluno vive a história, se vê como parte dela;

Os imigrantes começaram a trazer o que sabiam dos

trabalhos e montaram as primeiras indústrias e as máquinas

a vapor. De 1911 a 1920, 821.522 imigrantes entraram no

Brasil. Hoje se somam mais de três milhões de

trabalhadores estrangeiros que já vivem no país (ALUNO.

2008);

Essa narrativa mostra a visão do aluno quanto às transformações

ocorridas e a importância da permanência dos imigrantes, no país.

Esses pensamentos se caracterizam, principalmente, por serem

construções pessoais e possuírem uma lógica e uma coerência do

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ponto de vista do aluno. Essa participação na construção do

conhecimento dá a ele a oportunidade de desenvolver suas ideias e

seu raciocínio, deixando de ser mero ouvinte passivo da história para

ser um agente produtivo do conhecimento, se torna capaz de, através

da organização dos elementos armazenados na memória, identificar,

ordenar, criar cientificamente os elementos da realidade social, que

pode auxiliá-lo na organização, no reconhecimento e na interpretação

do mundo em que vive, como também possibilita a troca de ideias

com outros alunos da sala de aula, enriquecendo a dinâmica do

ensino-aprendizagem, tornando-o mais prazeroso e atrativo.

Para conclusão e finalização, esse método encaminha ao preparo

da criação de uma história crítica, do rompimento com a linearidade,

possibilita a compreensão de que o sentido do passado não se

encontra na perspectiva somente da permanência e continuidade,

mas fundamentalmente da mudança. (SCHMIDT e GARCIA, 2006).

Transforma o pensamento para a formação de uma consciência

histórica.

A experiência com o trabalho na perspectiva da Educação

Histórica mostra que a partir do seu presente e de suas memórias,

alunos e professores apropriam-se de determinadas ideias históricas

e as utilizam como ferramentas (SCHMIDT e GARCIA. 2006 p. 25),

para desenvolver novas relações com o saber histórico, na construção

da cognição histórica, na formação da consciência Histórica e na

preparação para a formação da cidadania. Para que isso ocorra se faz

necessário a desconstrução do conceito formado de que o passado é

a história única e verdadeira, o rompimento com práticas viciosas e a

destruição da linearidade histórica, fazendo com que ela perca o seu

poder como fonte de orientação para o presente (SCHMIDT e GARCIA,

2006), pois estes fatores criam o distanciamento do aluno da história.

BIBLIOGRAFIA

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