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Setembro, 2017 Dissertação de Mestrado em História Contemporânea Como o Avante! tratou os seus entre 1941 e 1974 A construção de uma identidade comunista Ana Paula Marques Correia

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Setembro,2017

DissertaçãodeMestradoemHistóriaContemporânea

ComooAvante!tratouosseus

entre1941e1974

Aconstruçãodeumaidentidadecomunista

AnaPaulaMarquesCorreia

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Dissertaçãoapresentadaparacumprimentodosrequisitosnecessáriosàobtenção

dograudeMestreemHistóriaContemporânea,realizadasobaorientação

científicadoProfessorDoutorJoséManuelViegasNeves

Aosqueresistiram

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AGRADECIMENTOS

OacompanhamentodoprofessorJoséNevesfoideterminanteparaquetenha

sido possível transformar um projeto vago numa dissertação, num processo de

avanços e recuos e muitas hesitações só possíveis de ultrapassar graças às suas

observaçõeseindicaçõesdeleituras.

Para o enriquecimento do trabalho contribuíram decisivamente os três

militantescomunistasqueaceitaramfalardassuasexperiênciasemanifestarassuas

opiniões. Aqui fica, pois, o agradecimento a Margarida Tengarrinha, Domingos

AbranteseJoséPedroSoares.

Noplanopessoal,estetrabalhoteriasidoapenasumaideiasemoincentivoda

LeonoresemoapoioeaconfiançaincondicionaisdaIsabel.

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ComooAvante!tratouosseus

entre1941e1974

Aconstruçãodeumaidentidadecomunista

Resumo

Palavras-chave:Avante!,clandestinidade,militância,leitores,identidade

“ComooAvante!tratouosseus?”,apartirdeumaanálisedeconteúdodaVIsériedo jornalprocura-seumarespostaaestapergunta,contribuindoparaoestudoda militância comunista e da forma como ela foi construída e exposta na maisrelevantepublicaçãoperiódicadoPartidoComunistaPortuguês.

Entrea“reorganização”dopartido, iniciadaem1941,eo fimdaditadura,em25deAbrilde1974,forampublicadas,comregularidade,464ediçõesquedeterminaramaidentidadecomunista,falandodeeparaosmilitantes.Deediçãoemedição,aolongodoperíodoclandestino,arededeinfluênciadoAvante!vai,noentanto,extravasandoopartido,alargando-seaumacomunidadeimaginadadeleitoresidentificadacomouniversodosopositoresaoregime.

Abstract

Keywords:Avante!,clandestinity,militancy,readers,identity

“HowdidAvante!treattheirones?”fromacontentanalysisofthenewspaper'sVI series, an answer is sought to this question, in a contribution to the study ofcommunistmilitancyandthewayitwasconstructedandexposedinthemostrelevantperiodicalpublicationofthePortugueseCommunistParty.

Between 1941 and 1974, since the "reorganization" of the party, begun in1941,andtheendofthedictatorshiponApril25,1974,464editionswerepublishedregularlythatdeterminedthecreationofcommunistidentity,speakingofandforthemilitants. Gradually, from editing in edition, throughout the clandestine period,Avante's network of influence! however, goes beyond the party to an imaginedcommunityofreadersidentifiedwiththeuniverseofopponentsoftheregime.

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Índice

Introdução.....................................................................................................1

ParteI—OAvante!criaasuacomunidade....................................................6

1.Aautoidentificação.....................................................................................................................61.1A“polissemia”Avante!........................................................................................................61.2Internacionalistaenacional.............................................................................................71.3“...detodososhomensquenãosejamcobardes”......................................................9

2.Cumplicidadeeresponsabilidade.......................................................................................132.1“Deverdetodoocomunista”........................................................................................132.2“NuncainutilizesoAvante!”...........................................................................................152.3“Indestrutível”......................................................................................................................17

3.Obrigaçõesediretivas.............................................................................................................193.1Esforçoesacrifício............................................................................................................193.2Dedicaçãoexemplar..........................................................................................................213.3Exemplarvendidoduasvezes......................................................................................21

4.Leitor/correspondente...........................................................................................................244.1”Manda-nosnoticias”.........................................................................................................244.2”EsteAvante!éprecioso”.................................................................................................25

5.Críticasecorreções...................................................................................................................275.1”Desleixo”................................................................................................................................275.2Autocrítica............................................................................................................................28

PARTEII—Ajustesdecontas.......................................................................31

1.AreorganizaçãoeosdoisAvante!......................................................................................311.1Críticaaos“confucionistas”............................................................................................311.2“Irradiação”dos“provocadores”................................................................................361.3Contra“ogrupelhoprovocatório”...............................................................................381.4Oesquerdismo,oscorvoseasmoscas.....................................................................44

2.Emtempodeguerra.................................................................................................................492.1Os“quinta-colunistas”´.....................................................................................................49

3.”Seforespreso,camarada”.....................................................................................................513.1“NaPolícianãosefala”....................................................................................................513.2“Máconduta”........................................................................................................................543.3“Indignidade,cobardiaetraição”................................................................................55

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3.4“Cuidadocomeles”............................................................................................................603.5“Provocadoresetraidores”.............................................................................................623.6“Miseráveis”..........................................................................................................................67

4.Heróis..............................................................................................................................................734.1”Liberdadeparaospresos!”.............................................................................................734.2“Inclinamosasnossasbandeiras”.................................................................................814.3”Umhomementreasestrelas”.......................................................................................84

PARTEIII—Asuperioridade(banal)doscomunistas....................................88

1.Alinguagembanal.....................................................................................................................881.1Oexemplomoral................................................................................................................881.2Ódiopeloinimigo...............................................................................................................921.3Avingançaserve-sefria..................................................................................................93

2.Obanaldeliberado....................................................................................................................952.1Sentimentoeemoção.......................................................................................................952.2.Aheroicidade......................................................................................................................972.3.Sercomunistaé...............................................................................................................1002.4A“superioridadecomunista”......................................................................................103

Conclusão...................................................................................................113

Bibliografia.................................................................................................118

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Introdução

“AresistênciafoiadignidadedePortugal”.AfraseédeJorgeSampaio1epode

sintetizar o significado político-histórico que teve a atividade de quem resistiu

ativamenteàditaduradeSalazareCaetano.Semumfortesentidodemilitânciaede

empenhamento numa causa superior ao acomodamento pessoal não teria sido

possívelresistiràrepressãodapolíciapolíticaeàslimitaçõesàliberdadedeexpressão

edeassociaçãoimpostaspeloregime.

Este trabalho versa um aspeto particular dessa resistência, a dos militantes

comunistas, vista através dos textos publicados nas edições clandestinas do jornal

Avante! e procurando a resposta à seguinte pergunta: “Como o Avante! tratou os

seus?”. Entre 1941 e 1974, o órgão central do PCP publicou, regularmente, 464

edições,produzidasemcondiçõesmuitodifíceiscomrecursoatipografiasclandestinas

edistribuídoatravésdeumacomplexarede,paraqueojornalchegassenãosóacada

umdosmilitantes,mastambématodososqueseopunhamàditadura.Operiódico

assumiu grande protagonismo como veículo de criação da identidade comunista,

sendo ummeio de comunicação entre osmilitantes, falando deles e para eles,mas

integrando-os sempre numa comunidademais alargada de opositores ao regime. O

objectodeestudodestetrabalhoéoconteúdodoAvante!clandestinonaformacomo

o jornal “falou” de e comessa comunidade de leitores, desde a “reorganização” do

partido, iniciadaem1941,eofimdaditadura,em25deAbrilde1974.Emborao1º

númerodoórgão central doPCP tenha sidoeditadoa 15e Fevereirode1931, só a

partirdeAgostode1941,comapublicaçãodonº1daVISérie,queviriaamanter-se

atéAbrilde1974,équeaediçãodojornalsetornouregular,publicando-sequinzenal

oumensalmente. Por esta razão, tornou-se óbvio que teria de ser toda a VI série a

fonteprincipaldestetrabalho.

1Proferidaa19deJaneirode2017,noMuseudoAljube,naapresentaçãodolivro“CadeiadoFortedePeniche,comofoivivida”,deCarlosBrito.

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O Avante! clandestino, tanto quanto foi possível perceber, tem sido estudado não

comoobjetoprimário,mas,tãosó,integradocomofontecomplementaremtrabalhos

emtornodahistóriadoPartidoComunistaPortuguêsedosseusprotagonistas.Nestas

investigações,entreasquaissedestacamasobrasdoshistoriadoresJoãoMadeira2e

JoséPachecoPereira3ouaindadeDawnLindaRaby4edaantropólogaPaulaGodinho5,

oAvante!surgeemdoisplanos:comoumdoselementosimportantesnavidadoPCP

duranteaclandestinidade;oucomofonteauxiliarnadefiniçãodatrajetóriapolíticae

estratégica do partido e dos seus dirigentes. A verificação de que o conteúdo do

Avante! não estará estudado como objecto principal constitui, assim, uma das

motivaçõesparaaescolhadotema.

A opção metodológica seguida foi a de eleger as edições do Avante!

clandestinocomofontesprimáriasparadesenvolverumacríticadeconteúdopolítico,

enquadradoemcadamomentodocontextohistórico.Ostextosnãosãoanalisadosdo

ponto de vista linguístico, e, embora não se ignore, como alerta a linguistaMarina

Yaguello,que“apalavranãoéapenasuminstrumento,étambémumexutório,uma

formadeagir,ummeiodeafirmaçãocomosersocial,umlugardeprazeroudedor”6,

o estudo enquadra-se conceptualmente nas propostas de autores como Quentin

Skinner, no que este historiador reflete sobre o significado de um texto, tendo em

contaocontextopolíticoparadescortinara intençãooumotivaçãodoautoraousar

determinada linguagem. Em Skinner, que parte de O Príncipe, de Maquiavel, e da

citação“énecessárioqueopríncipeaprendaanãoserbom”,essencialéaleiturapara

alémdotexto.“(...)nãoépossívelchegaràconclusãodequeoPríncipe foiemparte

concebido como um ataque à natureza moralista dos manuais humanistas para

príncipesapenasatravésdoestudodotextodeMaquiavel,jáqueessefactonãoestá

2JoãoManuelMartinsMadeira,‘OPartidoComunistaPortuguêsEaGuerraFria:“sectarismo”,“desvio

de Direita”, “Rumo À Vitória” (1949-1965)’, 2011; JoãoMadeira,História Do PCP (Tinta da China,2013).

3JoséPachecoPereira,ÁlvaroCunhal,UmaBiografiaPolítica(TemaseDebates),4vols.4Dawn Linda Raby, Portugal, A Resistência Antifascista Em Comunistas, Democratas E Militares EmOposiçãooaSalazar,1941-1974(EdiçõesSalamandra,1988).

5PaulaCristinaAntunesGodinho,‘MemóriasDaResistênciaRuralNoSul’,1998.6MarinaYaguello,AliceNoPaísDaLinguagem(EditorialEstampa,1991),p.21.

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contempladono texto. (…)assim,parece-me indispensável paraa sua compreensão

umaoutra forma de análise que vá para alémde ler os textos «uma e outra vez».

Parece-se-metambémqueessaanálisedeveráconterumestudodasconvençõesedas

pressuposiçõesestabelecidasparaogénero,apartirdoqualas intençõesequalquer

autor em concreto possam — por uma combinação de dedução e conhecimento

académico”—serdescodificados.”7

TambémnaanálisedasediçõesdoAvante!clandestinoassume-seointeresse

poruma interpretaçãoparticulardo texto, focadanoqueele remeteparaa relação

comoleitor/militante,contextualizadacomoconhecimentoadquiridosobreoPCPeo

movimento comunista, em geral, tentando descodificar a intenção dos autores, que

nãoestãoidentificados.Essadescodificaçãoéumpassopararesponderàtalpergunta

inicial:comooAvante!tratouosseus?

Dividindo o trabalho em três partes, a metodologia seguida passou por

identificarosdiversospapéis assumidospeloAvante! duranteoperíodoemestudo.

Na I Parte — O Avante! cria a sua comunidade — identificam-se os sinais da

construção da comunidade de leitores a par da criação da sua própria identidade,

como sujeitonuma relaçãobiunívoca comosmilitantes, tendocomosustentáculoo

conceito de “comunidades imaginadas”, de Benedict Anderson, transpondo o que o

autoraplicaàidentidadenacionalparaopartido.Aocriarcumplicidades,afinidadesou

contrapontos,oAvante!,comosinónimodoPartido,criaumsentimentodepertençaa

umuniverso,ondecabemosmilitantes,ostrabalhadoreshomensouosdemocratas,

alémdospatriotas,extravasando,noentanto,asfronteirasfísicasdopaís.Podefazer-

seumaanalogiacomoexemplodadoporAnderson:“Umamericanonuncaconhecerá

ou saberá sequeronomedemaisdeumamão-cheiadentreos seus240milhõesde

concidadãosamericanoscomoele.Nãofazideiadoqueosocupanumdadomomento.

Mas confia plenamente na sua actividade continuada, anónima, simultânea” 8 .

TambémoleitordoAvante!nãoconhecetodososoutrosleitores,masé-lheincutida,

7Skinner,p.199.8BenedictAnderson,ComunidadesImaginadas(edições70,2017),pp.47-48.

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atravésdeumalinguagemsempreconstante,acertezadequesãomuitos,nopaíse

nomundo,quepensam,sentemeagemcomoele,naquelemomento.

ComaParteII—Ajustesdecontas—identificam-senasediçõesdoAvante!em

estudo os textos que fulanizam a relação com o leitor, partindo de uma ideia

conceptual não longe da reflexão deMichel Foucault9sobre a investigação histórica

paraatingirumcampoque,julgamos,aindapoucoestudado:odopesodalinguagem

na definição do desenrolar acontecimentos históricos relacionados com um

determinadoobjectodeestudo.Aqui,nadistânciaentre“ascoisaseaspalavras”de

Foucault, está o cerne da procura do real no simbolismo das palavras escritas no

Avante! clandestino. É o jornal que se transformanuma entidade agregadora da tal

comunidadeimaginadae,paraisso,usaapalavrasimbólicacomoarma,aoexaltarou

adenegrirosseusmembros.

Seasduasprimeiraspartesdo trabalhodãoênfaseaumaanálisedos textos

publicados noAvante!, à luz da representação do real da vida interna do PCP e da

relaçãodestecomoexterior,quersejainterno,nacional,ouexterno,internacional,a

Parte III— A superioridade dos comunistas—desemboca na interpretação do uso

exaustivo do discurso corrente ou banal. É a partir de Michael Billig, e do seu

Nacionalismo Banal, que abrimos portas à proposta especulativa de que nos textos

analisadosperpassaoconceitodesuperioridadedoscomunistas,sedimentadoatravés

deumalinguagemcorrentequemaisnãoédoquea“banalização”–porantecipação

–dateorizaçãoexplanada,posteriormente,porÁlvaroCunhal.

Nesta abordagem da criação da identidade comunista através da linguagem

corrente no discurso político publicado no Avante! torna-se relevante convocar o

pensamentodeBilligeAnderson.Osdoisestudiososdonacionalismoquerementem

9 “A História vem situar-se nessa distância que agora se entreabre entre as coisas e as palavras –

distância silenciosa, isenta de toda a sedimentação verbal e, no entanto, articulada segundo os

elementos da representação, precisamente aqueles que poderão de pleno direito ser nomeados.”,

MichelFoucault,AOrdemDoDiscurso(Relógiod’Agua,1997),p.179

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paraaconsolidaçãoverbal deumapertença identitária,permitindoumexercíciode

analogiaentreacriaçãodaidentidadenacionaledaidentidadecomunista.

Noconjuntodas trêspartes,a fontecentraldadissertaçãosãoasediçõesdo

Avante!clandestino,consultadasnapáginaelectrónicadoPCP,complementadascom

arealizaçãodeentrevistasatrêsmilitantesdoPCP,MargaridaTengarrinha,Domingos

AbranteseJoséPedroSoares,cujasexperiênciasdevida,emdiferentesépocaseem

contextos pessoais diversos, permitem uma leitura do jornal na primeira pessoa.

Transmitem visões do lado de dentro do aparelho partidário, de quem redigiu e

paginou muitos dos textos publicados no Avante!, como é o caso de Margarida

Tengarrinha,dequemfoiredator,responsávelportipografiasclandestinasetemade

notíciacomopresopolíticoaolongodemuitosanos,comoDomingosAbrantes,oude

quemfoileitoreapenasnotíciaportersidoumdospresosdaúltimafasedaditadura,

omarcelismo.Astrêsentrevistas,aquesejuntamoutrostestemunhosjápublicados

noutras fontes, permitem chegarmais próximo do papel que oAvante! clandestino

teve na construção damilitância e identidade comunistas e na percepção da forma

comoopartidotratouosseusatravésdoórgãocentral.

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ParteI—OAvante!criaasuacomunidade

1.Aautoidentificação

1.1A“polissemia”Avante!

Avante!=títulodoórgãocentraldoPCP

Avante=Adiante,paraafrente(advérbio);exprimeincitamentoparaquesevá

adianteparaqueseprossiga(interjeição)10.

Entre o cabeçalho do órgão central do PCP, onde Avante! com ponto de

exclamaçãotemaforçadainterjeição,eoadvérbio,ficaesbatidaaténuepolissemia

da palavra quando, nas páginas do jornal, em títulos de notícias de lutas laborais e

políticas,oincitamentoaoprosseguimentodalutaéfeitocomessemesmovocábulo,

avante.UmexemplodessaduplautilizaçãosurgenaediçãodeFevereirode195211em

dois títulos, o primeiro de incitação e o segundo de apelo à contribuição financeira

paraopartido:“Avantecorticeiros!”e“Avanteparaos500contos!”.

Semque tivesse sidopossível encontrar qualquer outra fontepara explicar a

escolha do título para o jornal, é o próprioAvante! que nos dá a sua explicação na

ediçãonº200,deJunhode1955:

10In Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia de Portugal,

200111AsediçõesdojornalAvante!citadasnestetrabalhoforamconsultadasemhttp://www.pcp.pt/avante-

clandestino

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“O aparecimento do jornal Avante! como órgão central do Partido

ComunistaPortuguêsestáligadaàreorganizaçãooperadanopartidosob

adirecçãodosaudosodirigentedoproletariadorevolucionárioportuguês,

Bento Gonçalves. Após a suspensão da publicação legal do jornal do

partido,OProletário, em1931, adirecçãodopartido resolveu lançarum

outro jornal e esse jornal, emhomenagemao jornal fundadopor Lenine,

chamou-seAvante!”.

Intencional ou não a escolha do título, o certo é que o cabeçalho do órgão

centraldoPCPtemaforçadeumapalavradeordem.Eseráusadacomotalaolongo

detodaavidaclandestinadoAvante!.

1.2Internacionalistaenacional

Com conselhos, ameaças, exemplos, denúncias ou apelos e pedidos, a

linguagem usada nas páginas do Avante! clandestino procura consubstanciar uma

relação de proximidade com o leitor, indiciando o desígnio da construção de uma

comunidade,que,sendoessencialmentenacional,extravasaoslimitesgeográficosdo

paíseestáondeestiveralutadostrabalhadores.Comoselênaediçãoespecialnº200,

deJunhode1955:

“Nestes 14 anos de publicação regular, o Avante! tem procurado

esclarecer o nosso povo sobre a vida e a política de Paz na grande União

Soviética,baluartedoSocialismo,vanguardada lutadosPovospelaPaz,pela

independênciaeporumavidamelhor. (...)Os interessesdos trabalhadoresdo

mundointeirosãocomuns,comunssãoosseusinimigos,comumdeveserasua

lutaeneladevemajudar-seunsaosoutros.”

Mas é também nessa edição e namesma página que se escreve, num texto

ilustrado com uma fotografia de Álvaro Cunhal, preso na Penitenciária de Lisboa,

intitulado“OPartidoeaNação”:

O Avante! é o órgão do Partido da classe operária, classe cujos

interesses se identificam cada vezmais com os interesses nacionais (...) Só o

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povo,fielaoseuamoràliberdadeeàindependêncianacional,selevantaeluta

emdefesadosinteressesnacionais”.

Icónicadessasimbioseentreonacionalismoeointernacionalismocomunistaé

a ilustração impressa no alto da primeira página, ao lado esquerdo do cabeçalho,

representando um homem, com um martelo, e uma mulher, com uma foice,

empunhado o Avante! nº200 e tendo como fundo as bandeiras comunista e

portuguesa.Éumaediçãograficamentecuidada,revelandoacircunstânciadosartistas

plásticos José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha estarem a exercer cargos de

responsabilidade na produção do jornal, o que aconteceu até 1962. Mas, como

acentuaohistoriadorJoãoMadeira,“amelhoriagráficaqueissorepresentavaparece

titubeanteatémeadosde1960,alturaemqueojornalcomeçaaincluirgravurascom

maiorfrequência, ilustrandoartigos,oqueaconteceatéJaneirode1962,coincidindo

com o assassinato de José Dias Coelho, ocorrido no mês anterior. São gravuras

representando manifestações, acções de protesto, ilustrando efemérides e

acontecimentosrelevantesdoPCPoudomovimentocomunistainternacional”12.

Numaapreciaçãodaforma,decorrentedaleituradoconteúdodetodaasérie

VIqueestevenabasedestetrabalho,nasduasprimeirasdécadasdeediçõesregulares

doAvante!, nem sempreaqualidadegráficaeraumelemento relevantenum jornal

queégenericamentebemescritoecompoucasgralhas,tendoemcontaascondições

precáriasemqueeraproduzido.

É Margarida Tengarrinha13, que trabalhou no Avante! clandestino em duas

fases,emLisboa,desdeofinaldosanos50eatéàmortedocompanheiro,JoséDias

Coelho, em Dezembro de 1961, e em 1968, no Porto, quem conta como estava

organizada a redação do periódico: “Na comissão de redação do Avante! havia um

responsável, que era membro do secretariado do partido, e mais três camaradas.

Fazíamos reuniões numa das casas clandestinas. Na primeira fase em que estive na

redação,éramosoFranciscoMartinsRodrigues,oJaimeSerra,oBlanquiTeixeiraeeu.

Nósescrevíamososartigos,àsvezescom informaçõesquevinhamde foraenotícias

12JoãoManuelMartinsMadeira,‘OPartidoComunistaPortuguêsEaGuerraFria:“sectarismo”,“desvio

deDireita”,“RumoÀVitória”(1949-1965)’,2011p.679.13EntrevistaaMargaridaTengarrinhaa9deMarçode2017,emCarnaxide.Salvooutraanotação,todas

ascitaçõesatribuídasaMargaridaTengarrinharesultamdestaentrevista

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quevinhamdabase.Nessareuniãodiscutíamosoqueentravanaediçãoqueseestava

a preparar.O editorial e a primeira página era da responsabilidade do elemento de

ligaçãoaosecretariado”.

De volta à análise de conteúdo do jornal, sublinhe-se que a utilização da

simbologianacionalnãoconstituiumacaracterísticadoPCP,massimumatendência

generalizada. Podemos citar Eric Hobsbawm ao afirmar que “os movimentos e os

estadosmarxistas têmmostradoa tendênciapara se tornaremnacionais, não sóna

forma,mastambémnoconteúdo”14.Podeestaformulaçãoremeter-nosparaoqueo

historiador José Neves classifica como “nacionalização do comunismo”15, que em

Portugal começou por ter expressão teórica com Bento Gonçalves, em 1936,

reforçando-senoanoseguintecomPavel,paraquem“oscomunistasdomundointeiro

sãoosmelhoresrepresentantesdasváriasculturasnacionais”.Essecaminho,centrado

numconceitodeanti-imperialismo,temsidopercorridoatéàatualidade.Commaisou

menosintensidadeeadaptandoodiscursoàscircunstânciashistóricas,oscomunistas

portugueses combatem a semi-colonização do país pelo que consideram ser as

potênciasimperialistas.

1.3“...detodososhomensquenãosejamcobardes”

Uma publicação periódica, ao usar uma linguagem determinada, seguir uma

linhaeditorialespecíficaouguiar-seporregrasdeumlivrodeestilopré-definido,vai

criandoumsentimentodepertençaedecumplicidadeentreosleitores,susceptívelde

poder enquadrar-se no conceito de comunidade imaginada definido por Benedict

Anderson. Se este autor forjou tal fórmula conceptual para pensar o fenómeno

nacional, usamo-la aqui para compreender uma comunidade política partidária ou

simpatizante do partido. Por maioria de razão, ao jornal partidário aplica-se a

finalidadede criaçãode um corpo, uma comunidade emqueos limites, alémde se

localizarem num determinado espaço geográfico, são, acima de tudo ideológicos e

simbólicos. Essa comunidade é imaginada porque se sedimenta através duma

14EricHobsbawm, “Some reflections on “The Break-up of Britain”,New Left Review, nº105, Set/Out.

1977,p.13.15JoséNeves,ComunismoeNacionalismoEmPortugal(TintadaChina,2010),p.185.

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representaçãocultural alimentadapela comunicação,quepermiteuma identificação

decadaumcomogruponoqualseimaginainserido.Essegruponãoéquantificável,

mascadaumdosseusmembros imagina-onasuadimensãoe importânciasocialde

acordocomasuapercepçãodarealidadetransmitida,porexemplo,pelaimprensa.

NocasodasediçõesclandestinasdojornalAvante!,essapercepçãoéreforçada

pelascondiçõesemqueoperiódicoéescrito, impresso,distribuído, lidoedivulgado.

Todaessacadeia,quecomeçanosdirigentesdopartidoeacabanossimpatizantesou

nos“trabalhadoreshonestos”,cimentaumacomunidadepolítica,àqualcadaumdos

militantes, individualmente, se orgulha de pertencer. A adjetivação de “honestos” é

recorrentementeusadanas páginas doAvante! para designar os nãomilitantes que

não eram hostis ao partido. Como analisa o historiador José Pacheco Pereira, “o

adjectivo ‘honesto’ tinhauma funçãoclassificadoracentral,que correspondiaà ideia

rousseaunianadequeos‘homenshonestos’nãopoderiamserinimigosdopartido.Por

isso o “legionário honesto’ e o democrata ‘honesto’ eram tidos como ‘honestos’

porque,nãosendocomunistas,nãoeramanti-comunistas”16.

É com a VI série, iniciada em Agosto de 1941 pelos obreiros da chamada

“reorganização”dopartido,queoórgãocentraldoPCPpassaaserverdadeiramente

periódico, com edições regulares, embora a edição clandestina não tenha sido uma

experiêncianovaparaos“reorganizadores”,umavezqueoAvante!,enquantoórgão

centraldoPCP,jáexistiadesde1931comapublicação,emduassériesde93números.

Como acentua JoãoMadeira17, segue-se um período da vida do jornal que reflete,

comonãopoderiadeixardeser,aconvulsãointernadopartido:“Entre1941e1945,a

existênciadedoisPartidosComunistasemPortugal, faz comqueumdeles,oque se

representavaacontinuidadeorganizativa,masqueviriaaserdesignadode“grupelho

provocatório”pelogrupodosreorganizadores,editasseduasnovassériescomumtotal

de20números.Nesteperíodoeditaram-sedoisjornaiscomomesmotítulo–Avante!–

aindaquecomnovanumeraçãodesérie,cabeçalhos,tipodepapelesuportesgráficos

relativamentediferentes,poispelomenos,em1944-45,jánumafasededefinhamento

e desagregação do “grupelho provocatório”, o seu Avante! era copiografado,

16JoséPachecoPereira,ASombra.EstudoSobreaClandestinidadeComunista(Gradiva,1993),p.91.17JoãoManuelMartinsMadeira.p.665.

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enquantoqueodosreorganizadoresseriainvariavelmenteimpressoemprelo”.

A formação dessa comunidade como objectivo está patente nas páginas do

própriojornal.Logonoprimeironº1daVIsérie,deAgostode1941,lê-se,numlongo

textoquepreencheaquasetotalidadedasquatropáginasdojornal,intitulado“OQUE

QUEREMOS!”:“OAvante faza suaapariçãocomoavozdopovoportuguês, comoa

vozdePortugal”.

No mesmo nº1, na página 4, num outro texto intitulado “PREVENÇÃO”,

caracteriza-se o aparecimento do Avante! como: “O toque a unir de todos os anti-

fascistasedetodososhomensquenãosejamcobardes”.

O reconhecimento da relevância do jornal para a consolidação de um

sentimentodepertençacúmpliceaumgruporevela-senaformacomooAvante! se

identifica e se assume, referindo-se a si próprio como um corpo vivo, quase

humanizado e integrante dessa comunidade imaginada, cujo universo não se

circunscreveaoscomunistasmilitantesdopartido,masalarga-seatodos“oshomens

quenãosejamcobardes”.Ojornalfaladesi,comomembrodogrupo,eparacadaum

dosoutroselementosdessamesmacomunidade.

AopiniãodeDomingosAbrantes18,que,naqualidadededirigentedopartido,

exerceu funções na redação do Avante!, é condicente com a ideia da comunidade

alargadadojornaleconfirmacomoesseobjetivoeraassumidopelaprópriadireçãodo

PCP:“OAvante!eraoelodeligaçãoentreosmembrosdopartido.Eraumorganizador,

mascriouumacomunidademuitomaiordoqueadopartido”.Enessacomunidade,os

militantes comunistas têm orgulho, o orgulho pelo facto de o jornal do seu partido

chegar mais longe do que a estrutura partidária, mas, sobretudo, por ter resistido,

como enfatiza Domingos Abrantes: “Foi um grande feito termosmantido editado o

Avante! durante tanto tempo, entre 1941 e 1974, ininterruptamente naquelas

condições.Nãohámuitoscasosdestesnomundo,apesardequasetodosospartidos

comunistas terem a sua imprensa clandestina, e há um diferença, o nosso sempre,

sempre impresso no país. Não há um único exemplar que tivesse sido feito no

estrangeiro.Éobra,porqueeradeumagrandecomplexidade.Umdostipógrafosmais

18EntrevistaaDomingosAbrantesrealizadaa21deMarçode2017,nasedenacionaldoPCP,emLisboa.

Salvooutraanotação,todasascitaçõesatribuídasaDomingosAbrantesresultamdestaentrevista.

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extraordinários que conheci, o mais rápido, era um miúdo de seis anos. Foi numa

tipografiaemLinda-a-Pastora.EletinhavindocomospaisdeFafe,nãosabialer,mas

conheciaas letrase compunhacomumadestrezae rapidezextraordinária.Depoiso

paifoipreso,eufuipresoenãoseioquefoifeitodele”.

Amesmaconsciênciada importânciadoAvante!, inspiradanosensinamentos

leninistas sobre a organização do partido e da sua ligação aos exterior aplicados ao

contexto político português, em que não existia Imprensa livre, é expressa por

MargaridaTengarrinha:“OAvante!teveumaimportânciaenormepeloconhecimento

queproporcionavasobreoqueseestavaapassarnopaísenomundo.Enquadrava-se,

eenquadra-se,nosmoldesexatosdoqueLenineestabeleceudoquedeveriaoórgão

central informativodoPartido.Tinhaqueser, simultaneamente,umorganizador,um

informadoreummobilizador.Nessesentido,comoorganizador,oAvante!éumelode

ligaçãoentreosmilitantes.Eratambémoúnicoórgãodeinformaçãoquediziatodaa

verdade,proibidapelacensuranosoutrosjornais”.

Estes testemunhos são reveladores do que significa para os comunistas a

continuidade regular do Avante! durante a ditadura, tendo em conta todas as

dificuldades que envolviam a sua produção, desde a redação dos textos que, em

muitos casos chegavam de vários pontos do país, até à impressão em tipografias

clandestinas, que a todo o momento podiam cair nas mãos da polícia política,

passandopeladistribuição,camufladae,emgeral,debicicleta,omeiodetransporte

por excelência dos militantes clandestinos. Aliás, a bicicleta tornou-se também um

símbolodaresistência,àsemelhançadoqueaconteceuduranteaocupaçãonazi,em

França, durante a II GuerraMundial. Como lembra a antropóloga PaulaGodinho na

sua tese sobre a resistência rural, a bicicleta foi transformada em ícone na obra de

ficçãodeÁlvaroCunhal,assinadacomopseudónimodeManuelTiago,numelogioao

esforçoeàcapacidadedeentregadosmilitantes.“ApersonagemVaz,doromanceAté

amanhã,camaradas,deManuelTiago-obraestruturantedaculturaderesistência-

um militante generoso até ao limite do humano, faz-se sempre transportar numa

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bicicleta, que se torna uma materialização da pobreza e do esforço contínuo do

trabalhoclandestino.”19

2.Cumplicidadeeresponsabilidade

2.1“Deverdetodoocomunista”

Acriaçãodecumplicidadeedecorresponsabilidadedosleitoresemrelaçãoao

jornalestásemprepresenteemapelosconstantesparaumacolaboraçãomaisestreita

eemorientaçõesarespeitarnãoapenaspelosmilitantes.Se“LeredifundiroAvante!

é o dever de todo o comunista”, umadiretiva, publicada emDezembrode 1941, na

qual fica patente a importância do periódico no quadro da militância comunista,

também “Auxiliar a publicação do Avante! é a obrigação de todos os militantes

revolucionários”,comoselênaediçãoseguinte,deOutubrodomesmoano.Jáantes,

emSetembro,nonº2,oapeloeraoseguinte:“Camaradas!NãobastaleroAvante!é

precisoquenelecolaboremtambém”.

Háexemplosdetextosquesedirigemdiretamenteaumgrupomaisalargado

doqueodosmilitantes.ÉocasodoapelopublicadoemSetembrode1955:

”Trabalhadores! Democratas! Lendo e dando a ler o Avante! a todas as

pessoas honradas vossas conhecidas levarás (...) a voz da verdade a um

númerocadavezmaiordeportugueses”.

Estesapelos,oudiretivas,vãorepetir-seaolongodasediçõesdetodaaVIsérie

doAvante,oqueacentuaacontribuiçãodo jornalparaacriaçãodeumaespíritode

grupo.Nofundo,oAvante!éumpatrimóniovivodalutaantifascista,quecabeatodos

os comunistas e “homens honestos” salvaguardar. Daí que na 1ª quinzena de

Dezembrode1942,seleia:

“Difunde o nosso jornal, camarada. Depois de leres o Avante! não o

inutilizes.Dá-oaumamigode confiança,envia-opelo correioaumanti-

fascistaousimpatizante,mete-opordebaixodaportadumacasaoperária,

19PaulaCristinaAntunesGodinho,‘MemóriasDaResistênciaRuralNoSul’,1998,pp.210-1211.

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deixa-onumlugarondepossaserapanhadoporumtrabalhador.Depoisde

leresoAvante!,contribuiparaadifusãodoAvante!”.

Oapeloàdifusão,noentanto,eradealcance limitadoporquepassaro jornal

para mãos inimigas constituía um perigo e poderia significar a prisão. Francisco

MartinsRodrigueslembraotempo,noiníciodosanos50,emqueeradifícilconquistar

a confiança dos camaradas. “Nesse tempo, para ler um Avante! era o cabo dos

trabalhos.Euaindanãoderaprovassuficientes (duaspequenasprisões, semestátua

nemnada,erapouco)etodossefaziamdesentendidos: ‘Nãotenho,hámuitotempo

quenãorecebo’.OprimeiroquemelembrodemeemprestarumfoioViegas,barbeiro,

deCastroVerde,quejápassarapelacadeia”20.

Talcontradiçãoentreosapelosàdifusão,quesequeriaomaisamplapossível,

eanecessáriacautelaparagarantirasegurançadamáquinapartidáriaeraassumidae

tinhade ser resolvida recorrendoaumapercepção instintiva. Essemétodonãoera

isento de perigo, como testemunha Domingos Abrantes: “Havia um risco, que era

assumido,maserapossívelalguma intuição.Adistribuiçãoeracomplexa, funcionava

em rede. Ia um pacote para determinado local, onde era repartido para ser levado

paraoutroslocais.Eraumelomuitolongoeintrincado,deformaaqueapolíciapodia

chegaraumdistribuidormasnãoconseguiaquebraracadeia”.

Merecer ter direito a que lhe seja passado o Avante! era uma conquista

inesquecível para militantes comunistas. Carlos Brito 21 conta como se sentiu

“orgulhosocomaprovadeconfiança”quandoteveacessoaojornalprimeiravez,no

início dos anos 50. “’Toma lá,mas não fumes aqui’, foi assimo aviso brincalhão de

umacompanheirodeestudos,maisvelho,aopassar-seumlivrodemortalhasZig-Zag,

umatarde,emplenoCafédoChiado.Tinha-meprevenidoque ládentro,dissimulado

entreas finíssimas folhasdepapelde fumar,estavaumAvante!,o jornaldoPartido

Comunista,tambémempapelmuitofino.EraomeuprimeiroAvante!,aindanãotinha

dezoitoanos.”

20FranciscoMartinsRodrigues,OsAnosDoSilêncio(Dinossauro/AbrenteEditora,2008)pp28-29.21CarlosBrito,TempodeSubversãoPáginasVividasDaResistência(NelsondeMatos,2011),p.131.

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ReceberpelaprimeiravezumexemplardoAvante!significavatambémumdos

meios da iniciação, de entrada para as fileiras do partido, ou melhor, para uma

comunidade conspirativa e clandestina. Para José Pacheco Pereira, que estudou os

mecanismosderecrutamentodoPCP,“recrutarnãoerasomenteperigosoparaquem

erarecrutado,era-oigualmenteparaorecrutador.(...)Porisso,adecisãoderecrutar

circulavaverticalmentenahierarquiadopartido,porrazõesdeconfiançapolíticaede

segurança, e era sempre controlada de cima”22.A repressão da polícia política, que

usavaoincentivoàdelaçãocomoarmaparainstalaremanterumasociedadeomais

possível acobardada pelo medo, tornava heroica a resistência. “Entrar no PCP,

principalmente nas décadas de 40 e 50, era entrar para um mundo de referências

afectivas,culturaisepolíticasqueconstituíamumacontrassociedade,incrustadanum

paísque,deummodogeral,desconheciaouignorava.”23

Passar a porta para esse mundo de contra-sociedade implicava o acesso à

imprensaclandestina,cujaleituraconstituíaumsinaldistintivodequemtinhapassado

de simpatizante a militante. “A partir da fase de simpatizante, com a recepção do

Avante! (ainda que eventualmente não saiba ler) e a contribuição com fundos

destinadosàmanutençãodoaparelhoclandestinoeaoauxílioaospresospolíticose

suas famílias,oenquadramentocomomilitantepoderiaocorrer.(...)ArecepçãodeO

Militante,conjuntamentecomoAvante!eoCamponêsdavacontadessamudançade

estatuto:orecrutadoacedia,peloritodeentrada,ainformaçãoacrescida,epenetrava

numdomínioaque,naanteriorcondição,nãoconseguiriaaceder.Nosinterrogatórios

após a prisão, a polícia política estava particularmente atenta a estas leituras,

indiciadorasdemaioroumenorenvolvimento.”24

2.2“NuncainutilizesoAvante!”

22Pereira,p.88.23Pereira,p.8924Godinho,p.193.

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A preservação doAvante! como património da casa comum da resistência à

ditadura é permanente e insistentemente realçada nas páginas do jornal. Na 2ª

quinzenadeJulhode1942,apreocupaçãoésublinhadanosseguintestermos:

“Leitor. Nunca inutilizes o Avante! porque a sua publicação custa uma

imensidadedesacrifícios”.(...)Éoporta-vozdosanti-fascistaseoprimidos

dePortugal,porissodeveserlidoportodoseles”.

A “imensidade de sacrifícios” é bem caracterizada pelo historiador João

Madeira, ao relatar as condições em que era redigido e impresso o Avante!

clandestino. “O sistema utilizado na impressão do órgão central do PCP fora

implementadoem1933porJosédeSousaeporBentoGonçalves.Opreloeascaixas

com as letras em chumbo para a composição constituíam a oficina de impressão e

cabiam perfeitamente dentro duma casa comum. As pequenas dimensões do prelo

adaptavam-sejustamenteaespaçosrelativamentelimitados.Eracolocadasobreuma

mesa sólida, cujos pés dispunham de calços de borracha, necessitando apenas de

espaçosuficienteparaque,deumlado,secolocasseopapele,dooutro,atinta.Com

recurso às letras de chumbo num tabuleiro ou ramamontado, nivelado e apertado

entrecalhas,formandoumquadrosobreabasedoprelo,compunha-semanualmente,

letraa letrae linhaa linha,apáginaa imprimir.Atintaeraaplicadasobreoquadro

porintermédiodeumpequenorolo.Opapeleraentãocolocado,folhaafolhaporcima

fazendo finalmente correr entre duas guias um rolo de ferro, relativamente pesado,

com duas pegas e revestido a borracha, cuja pressão sobre o papel permitia a

impressão.”25

Ascondiçõesdeproduçãodojornalinerentesàclandestinidade,comrepressão

policial por meio de assaltos a tipografias, são ingredientes para “personificar” o

próprioAvante!,exaltadocomoumheróidopartido,nasprópriaspáginas.Aediçãonº

300,emaiode1961,éexemplardessacriaçãoheroicadoórgãocentraldopartidoe

dequemoproduz.Sobotítulo“OAvante!aoserviçodalutapopular”,lê-se:

“OAvante!temconseguidovencersemprearepressãoferozqueogoverno

deSalazarlhemove;mesmodepoisdosassaltosàstipografiasdoAvante!,

25JoãoManuelMartinsMadeira.,p.265

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em 1945 e em 1949, o fascismo não conseguiu calar a sua voz, pois,

passado um mês, o Avante! reaparece nas fábricas, campos, escolas e

ruas”.

Numoutro título (“DoisobreirosdoAvante!”)deauto-comemoraçãodos300

númerosdaVIsérie,oAvante!glorificaosmártiresquecaíramemsuadefesa,“dois

camaradasqueridos(...)cujoexemplodehonestidade,delealdadeedecoragemserá

sempreactual.SãoelesJoséMoreira,que,“presoemJaneirode1950,preferiudara

vida nasmãos dos carrascos da PIDE do que denunciar a tipografia do Avante!”, e

MariaMachado,que,“presanuma tipografiadeAvante!enfrentou corajosamentea

PIDEeaGNRqueacercavamefalouaopovoquepresenciavaasuaprisão,sobreo

Avante!ealutadoPartido”.

Num relato na primeira pessoa, Domingos Abrantes fala da proliferação de

tipografias, o que permitiumanter a edição do jornal, apesar da repressão policial:

”Nosanos30,sóhaviaumatipografia,masdepoisinstalámosumarede,quepermitiu

que a publicação não voltasse a ser interrompida. Numa determinada fase, só na

margem sul, tínhamos três, para o Avante! e para todo o resto de material. Essa

descentralizaçãopermitia também facilitaradistribuiçãoeo fornecimentodepapel,

aliás,repara-sequeemdeterminadasediçõesopapelnãoeratodoigual.Alémdisso,

sóosmembrosdosecretariadoéquesabiamalocalizaçãodetodasastipografias,por

isso, sealguém fosseapanhadopelapolícianumadas tipografias,nãopodia revelar

ondeestavamasoutrasporquenãosabia”.

JáMargaridaTengarrinha recordaque,quandovoltoua trabalharna redação

doAvante!,noPorto,jánofinaldosanos60,eraprecisoduplicarotrabalhoparaque

ojornalfosseimpressoemduastipografiasemsimultâneo.“Poressaaltura,eporque

erapontodehonradadireçãodopartidoqueoAvante!nãopodiaparar, passoua

haver duas tipografias uma Lisboa e outra no Porto para o caso de uma ser

desmanteladapelaPIDE.Eraeuquemlevavaostextoseasmaquetes(duasmaquetes

exatamente iguais que eu fazia) às tipografias. Faziam-se três cópias de cada texto,

umaficavanaredação,paracontroloeparaserarquivado,easoutrasduasseguiam

paracadaumadastipografias”.

2.3“Indestrutível”

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OengrandecimentodosexemplosdeJoséMoreiraeMariaMachadotemainda

maior expressão na primeira quinzena de Agosto de 1961, que assinala o 30º

aniversáriodoAvante!,classificadocomo“indestrutível”eo“únicojornallivreeoguia

do povo português”, num texto ilustrado com gravuras das fotos dos dois

militantes/heróis.Numaediçãoemqueépublicadanaprimeirapáginaumagravura

querepresentaumatipografiaclandestina,estáescrito:

“O nosso jornal é o resultado da vontade heroica de milhares de

comunistas e trabalhadores que nele colaboram, que o imprimem, que o

distribuemdefábricaemfábrica,dealdeiaemaldeia,portodoopaís,que

recolhemdinheiro para o sustentar.OAvante! é a voz ardente da classe

operáriaportuguesaeporissoeleéindestrutível”.

Já nos anos 60, o Avante!, ao celebrar 34 anos, volta a classificar-se como

“invencíveljornaldostrabalhadores”eainda,sempre,oaviso:

“Estejornalrepresentamuitosesforçoseperigos.Nãoodestruas!Passa-o

a umapessoada tua confiançaou larga-oondepossa ser apanhadopor

algumtrabalhador”.Porque,comoestáimpressononº358,deAgostode

1965,“oqueaImprensaamordaçadapelacensuranãodizencontraopovo

noAvante!”.

Ao ser um símbolo invencível da pertença a uma comunidade, o Avante!

clandestinovalecomoumobjectoderesistênciaenãoapenaspeloconteúdodosseus

textos, doutrinários ou informativos. Numa sociedade com uma elevada taxa de

analfabetismo (na década de 50, de 50% nasmulheres e de 30% nos homens26), a

leituradoAvante!eraprivilégiodealguns,emparticularnosmeiosrurais,ondemuitos

ouviamepoucosliamoqueestavaescritonaspáginasdojornal.

“Osecretismodapassagemdostextos,queabrangiamesmoosiletrados,bem

comoaassociaçãodaadesãoaum ideário coma solidariedade em relaçãoàqueles

queestavama sofrerna cadeia, calava fundono recrutamento: “Umhomenzitoque

andavaaí,andávamosemVerdugosatirarcortiça;ohomemaparecia-me lácomos

26SegundodadosdoINE(InstitutoNacionaldeEstatística)consultadosemwww.ine.pt

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Avante!’spequeninos.Eunãosabia ler.Ele tambémnão tinhaandadoàescola,mas

depoiscomeçou-meadizer:«Ehpá,tunãotensdisto?Elescáaparecem,tunãotens

precisãodesaberqueméqueos traz.Todosos15diasvemeagentedá5escudos

paraajudadospresosqueestãonascadeias,paraotabaco,paraaalimentação».Eu

disse logo:«Quero,pois,quero». (JoãoPedroMarrafa)”27.NatesedePaulaGodinho

sobrearesistênciacomunista,noCouço,jáaquicitada,JoãoPedroMarrafaéumdos

militantescomunistasentrevistados,quedáoseutestemunhodastarefasquotidianas

damilitânciaclandestina.

3.Obrigaçõesediretivas

3.1Esforçoesacrifício

As dificuldades e o sacrifício de produzir quinzenalmente o Avante! são

tambémdeordemmonetáriaeissomesmoérealçadocominsistêncianaspáginasdo

jornal.Oleitorévistonãoapenascomoleitormascomopartedacomunidade,paraa

qualéchamadoacontribuiremtodosossentidos,nosplanosideológico,disciplinare

material.

Logo a partir do nº2, de Setembro de 1942, a VI série doAvante! começa a

publicação regular de apelos ao apoio material à Imprensa do Partido, que se

estenderia ao próprio partido. Frases como “o Partido só poderá viver mediante o

auxílio constante de todos os trabalhadores” passam a ser publicadas regularmente

em paralelo com diretivas concretas sobre a forma como devem ser angariados e

canalizados,comapelosàcriaçãode“gruposdeauxílioaopartido”.Maisumavez,é

estimulado o conceito de pertença, mais do que a um grupo territorialmente

delimitado,aumuniversosemfronteirasfísicas,mascomumaidentidadeforjadana

resistênciaàditadura.Quemcontribuivêoseuesforçoagradecidopublicamente.Sob

o título “Quantias recebidas dos amigos do partido”, o Avante! passa a publicar

regularmente listascomosnomescodificados (individuaisoudegruposconstituídos

paraoefeito)dequemcontribuiecomquanto.

27Godinho,p.187.

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Umdostestemunhosquedãocontadaimportânciadapublicaçãodaslistase

contribuições é dado por Zita Seabra, para quem o Avante! era o “símbolo da

resistência,omaiorelodeligaçãoentreoscomunistaslegaisouclandestinos”.“Todos

os números tinham ainda uma outra secção que era muito importante para os

militantes e que se chamava ‘Quantias recebidas dos Amigos do Partido’. Era uma

experiência gratificante, amostrar comoo Partido funcionava, enviar um contributo

extra com uma das senhas, género ‘Estrela da Manhã-25$00’, e no mês seguinte

encontraranossacontribuiçãoimpressaediscriminadanoAvante!.”28

Domingos Abrantes corrobora tal convicção e vai mais além na análise,

considerando que o Avante! não só era lido por uma comunidade de leitores que

extravasavaonúcleodemilitantes,comoerafinanciadotambémporelementosnão

comunistasquelutavamcontraaditadura. “Apublicaçãodaslistasdecontribuintes

eramuitoimportante.HaviaquempegassenoAvante!sóparaverareferênciaàsua

contribuição.Eessascontribuiçõesnãoerasódemilitantesdopartido.Nósfazíamos

recolhadefundosjuntodealgunsdemocratas,tentávamosfazerpassaramensageme

algunserambastantegenerososnasuacontribuição”.

Essa abertura a quem não era membro do partido é visível nos apelos à

contribuiçãomonetáriaparaopartidoeparaa Imprensaclandestina, carregadosde

umalinguagemsimbólicamobilizadoradavontadedepertenceraogrupo,noqualse

incluem não apenas os militantes, mas também os “simpatizantes” e “amigos” do

partido. Na edição da 1ªquinzena de Dezembro de 1942, um texto apela aos

simpatizantes e aos amigos, usando expressões distintas e convocando o frentismo

unitárioantifascista:

“Simpatizantes: Fazei um esforço e um sacrifício para ajudar o Partido

Comunista,únicopartidoanti-fascistaemPortugal,pioneirodomovimento

deUnidadeNacionalquehádederrubarofascismo.(..)AmigosdoPartido:

Pensem os amigos, que vivem desafogadamente, que podem ajudar a

resolver muitas das nossas dificuldades, desde que decidam fazer esse

sacrifício”.

28ZitaSeabra,FoiAssim(AletheiaEditores,2007),pp.23-24.

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3.2Dedicaçãoexemplar

O“exemplo”,querecheiaoimagináriocomunista,estábempatentenoregisto

linguísticousadonasediçõesclandestinasdoAvante!tambémparaservircomoapelo

àcontribuiçãoparaasfinançasdopartido.Oseguintetexto,publicadona2ªquinzena

deMarço de 1943, com o título “DEDICAÇAO”, é ainda revelador também de uma

certamiscigenaçãodogénerosjornalísticoeficcionalmelodramático:

(...) Encontrando-se moribundo e sabendo que não se podia salvar, esse

amigo, manda chamar algumas horas antes de morrer, um camarada

nosso a quem entregou a quantia de 2$50 (porque de mais não podia

dispor),dizendo-lhequenãoqueriamorrersemseremqualquercoisaútil

ao partido. Eis uma atitude digna de um verdadeiro revolucionário, dum

trabalhador consciente que teve a anima-lo até àmorte a chamade um

idealeaconfiançaecarinhopelopartidodosexploradosedosoprimidos”.

Num tempo de racionamento de produtos alimentares, na lista de

contribuições recebidas, surge, na edição da 1ª quinzena de Julho de 1943, a

referênciaàrecepçãode“1litrodeazeite,1quilodeaçúcare1quilodetoucinho”.Na

ediçãoseguinte,comonº36,surgeumanota,incluídanalistadequantiasrecebidas,

que refere “várias encomendas que não especificamos por motivos conspirativos”.

Aliás,sãomotivosconspirativosaestaremnaorigemdaformaçãodemuitos“grupos

de amigos” que subscrevem contribuições para o partido.Num apelo publicado em

Setembrode1949éexplicado:

“Uma formadeauxiliaroPartidoé formargruposdeAmigosdoPartido.

Cada grupo deve comprometer-se a auxiliarmensalmente o Partido com

determinadaquantia”.

3.3Exemplarvendidoduasvezes

Mas porque a contribuições regulares não são suficientes são lançadas

periodicamentecampanhasderecolhaextraordináriadefundos.Naprimeiraquinzena

deNovembrode1943éanunciadoo lançamentoda“1ªsubscriçãoextraordináriade

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50contos”comajustificaçãodeque“oPartidonecessitadecentenasdecontospara

realizarasgigantescastarefasqueselheapresentam”.

Estas sucessivas campanhas não são apenas dirigidas aosmilitantes, como é

escrito sem rodeios na edição da primeira quinzena de Outubro de 1961: “(...) o

Partido necessita do auxílio financeiro não só dos comunistas mas de todos os

democrataseanti-salazaristas”.

Seguir-se-ão numerosas subscrições extraordinárias que se prolongam por

váriosmesesesão lançadassobdiversospretextos,quevãodesdeosprejuízoscom

quedas de tipografias às mãos da polícia até à libertação de camaradas presos,

passandoatépelosdanoscausadospelaaçãodetraidores.Em1951,surgeumanova

campanha por “500 contos de subscrição extraordinária”, que é justificada com as

consequências de falhas graves do dever dos militantes em condições de

clandestinidade:

(...)”aignóbiltraiçãodeMárioMesquitaagravouasituaçãoconspirativae

financeira do Partido. A PIDE procura aproveitar-se desta traição para

atingir os quadros mais qualificados do Partido e particularmente o seu

ComitéCentral(...)Asituaçãoexigequecadamilitanteecadasimpatizante

tenhaumainiciativaparaacampanhade500contos(...)

Simultaneamente,decorriaaangariaçãodefundos“ParaalibertaçãodeÁlvaro

Cunhal”,queemSetembrode1951,comodavacontaoAvante!,somava42.900$00.

Quase uma década mais tarde, em 1960, seria lançada nova campanha, na edição

nº286, de Fevereiro, “da conquista da liberdade emhomenagemaos 10 camaradas

fugidos da prisão”, numa referência à fuga do forte de Peniche de Álvaro Cunhal e

maisnoveoutrospresos,a3deJaneirodesseano.

Estesdoisexemplosdefundamentosparaapelaraoreforçodascontribuições

revelam as duas faces da mesma moeda com que são tratados publicamente os

militantes,ostraidoreseosheróis,questãoasequevoltaráadiante.

A preocupação com o financiamento, tanto do partido como da Imprensa

clandestina,levouàutilizaçãodemeiosengenhososparaangariarmaisreceitascoma

vendadoAvante!,quenaépocatinhaumpreçodecapafixadoem1$00.EmJulhode

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1953, na habitual rubrica/apelo “O Avante! não deve ser destruído”, é explicado o

processoquedeveserutilizadopelosleitoresdojornal:

“Umavezlidoeestudadodeveserpassadoaumtrabalhadorhonesto,de

formadirectaouindirecta.Sefordeformadirecta,apesardejápagopelo

primeiroleitor,deveserpedidodenovooseupagamento.Odinheiroassim

arranjadodeveserenviadoparaserpublicadonumarubricade‘Amigosdo

Avante!’(...)AvozdoPartidodevechegaratodoolado(...)”.

Nova campanha extraordinária de angariação de fundos surge no início de

1958,destavezoobjectivoéjáfixadoem1000contos,mas,emSetembro,oAvante!

admitiaquea“subscriçãoteveumarealizaçãomuitoreduzida”, razãopelaqualteria

que prosseguir. Neste período, no final dos anos 50, os apelos à contribuição

monetáriaparaopartidoéintensa,comoAvante!apublicarapelossucessivos,apar

dadivulgação,emseparatas,daslistasdetodasascontribuições:“AjudandooPartido,

ajudaisaconstruirofuturoluminosodaPátria”.

Jáem1963,emplenanovacampanhapelaangariaçãodemilcontos,osapelos

àparticipaçãopassaramaterumtomimperativocomafrase:“Campanhados1000

contos,umatarefaacumprir”.

As campanhas foram intensificadas no final da década de 60, com apelos

diretos a umamaior iniciativa dosmilitantes, comoé expresso em Janeiro de 1968,

comadiretiva: ”Reforcemosa iniciativadosmilitantes” enaedição seguinte, ao ser

publicada uma nota da comissão executiva do PCP que “exorta os militantes a

desenvolveroseuespíritodeiniciativa”paraarecolhadefundos.

A venda da Imprensa clandestina era uma das fontes de receita do partido,

mas, como refere João Madeira29, “Na estrutura das receitas do PCP, a venda da

imprensaconstituíaumcapítulocomumpesoquantitativorelativamentesecundário,

emborarevestidodedimensãosimbólicaimportante,poisapenasumapequenaparte

dos exemplares distribuídos era efectivamente paga. Em 1956, por exemplo, apenas

teria sido paga 39%da imprensa distribuída”. Decorre deste facto o lançamento de

29Madeira,pp.705-707.

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campanhassucessivasderecolhasdefundos,comoreforçaoautor:“Éjuntodasorlas

desimpatizanteseamigos,emreceitasextraordináriasprovenientesdelegadosoude

donativos,comodasmúltiplas iniciativastomadasnabasedopartidoqueradicavao

essencialdasreceitas,fontesaquesepoderiarecorrer,mesmoemsituaçõesdemaior

dificuldade orgânica. No período entre 1949 e 1965, o PCP recorreu ainda, por três

vezes,acampanhascentraisderecolhadefundos.”

Jánofinaldosanos60eprincípiodadécadaseguinte,opartidofoiobrigadoa

reconfigurar-senumquadrodecisõesinternas,emparticularaquefoiprotagonizada

por FranciscoMartins Rodrigues como reflexo do cisma sino-soviético, a afinar uma

estratégiaemrelaçãoàguerracolonial,ouacontrolarosdanosdeumacontestação

social e estudantil ao regime, cuja organização lhe escapou. Alémdisso, neste novo

quadro, as ações armadas não estavam excluídas e a A.R.A (Acção Revolucionária

Armada)foiconstituída,embora“autónomadopontodevistaorgânicoetantoquanto

possível estanque da organização do partido, para evitar que as prisões neste

atingissemaquela”30.Eparanovosdesafios,maismeiosfinanceiroseramnecessários

paramanteroleadaamáquinaclandestina.Maisumavez,esempre,oAvante!abria

as suas páginas a apelos a novas subscrições demilitantes e simpatizantes. Logona

ediçãodeOutubro/Novembrode1968lê-se:

(...)”para poder realizar as grandes tarefas politicas, orgânicas e de

propagandaeagitaçãoquelhe incumbem,oPartidoprecisadeaumentar

assuasreceitasdemaneirasubstancialeregular”.

Dois anos mais tarde, em Dezembro de 1970, é lançada uma campanha de

fundosparao50ºaniversáriodopartidoeemAgostodoanoseguinteopretextopara

novacampanhaéacelebraçãodos40anosdoAvante!

4.Leitor/correspondente

4.1”Manda-nosnoticias”

30RaimundoNarciso,A.R.A.AcçãoRevolucionáriaArmada-aHistóriaSecretaDoBraçoArmadoDoPCP

(DomQuixote,2000)p.19.

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A ligação direta entre leitor/jornal, que corresponde a anti-fascista-

militante/partido, expressa-se também em apelos recorrentes à participação dos

leitores no conteúdodoAvante!. Ainda antes de ter sido criada, no anode 1954, a

“Tribuna do Leitor”, já se publicavam textos como o que vimos na 2ª quinzena de

Junhode1942,intitulado“Leitor!colaboranoAvante!”:

“Manda-nos notícias da situação dos trabalhadores, de casos de

exploração e violência fascistas, de manejos quinta-colunistas, de

exportações para o Eixo.Manda-nos notícias de todos os casos de lutas

popularesqueconheças,demovimentosreivindicativoseprogressistas”.

AoanunciaraTribunadoLeitor,emJunhode1954,explicava:

(...)“paraseligarcadavezmaisaopovo,oAvante!precisadacolaboração

dosseus leitores.OAvante!éum jornaldetodososportugueseseaeles

estáabertaestasecção”.

A Tribuna do Leitor torna-se regular, surgindo com ela mais sinais do

alargamento do espectro de leitores. Os casos, genericamente de denúncia demás

condições de trabalho ou de perseguição policial, são subscritos por “umoperário”,

“umestudante”, “umaoperária”, “umprofessor”, “umalentejano”, “um ferroviário”,

“uma mãe”, revelando diferentes condições e origens sociais por parte de quem

colaboracomojornaleaquemsedirigeamensagem.

4.2”EsteAvante!éprecioso”

AexaltaçãodaimportânciadoAvante!comoumelementocentraldaaçãodo

PCPestápatenteaolongodetodaavidaclandestinadojornaledopartido.Comose

realçana1ªquinzenadeAgostode1942,noqualseassinalaosegundoaniversárioda

publicaçãoregulardojornal.

(...)”Se outra prova não houvesse da vitalidade do Partido após a sua

reorganização, a publicação regular do Avante! durante dois anos, dos

quais doze meses quinzenal, o seu papel orientador e guia de massas,

bastavaparaprová-lo.(...)OAvante!éoúnicoórgãolivredaImprensade

Portugal.Éoúnicojornal ilegaldonossopaís(...)OAvante!éconhecidoe

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amadopelasmassas trabalhadorasepelopovoemgeral, porqueeleéo

seuguia,porqueeleéasuaprópriavoz.(...)

Numregistoquevoltaaresvalarparaaliteratura,aediçãonº121,deAgostode

1948,quandoseassinalamosseteanosdepublicaçãocontínuadoAvante!,oexemplo

voltaaserusadoparaexaltaroórgãocentraldopartido,notextointitulado,“QUEM

VIVEESENTECONSEGUE”:

“Umcasaldevelhinhos.Ele,com80anos,vêmal.Acompanheira,com70

anos, copia à mão o Avante! Para o companheiro poder ler. Mas como

tambémjánãovêmuitobem,pedeaumcamaradaquelheexpliquecertas

passagensdosartigos,paraelapoderfazeracópia.Semcomentários.”

Senas páginas do jornal a exaltaçãoda importância doAvante! é frequente,

sobdiversas formas,na literaturaesteve tambémpresente,nomeadamentenaobra

de Soeiro Pereira Gomes, como ilustra a passagem conto “Refúgio Perdido”31de

Novembrode1948)dedicado“AocamaradaJoão(pseudónimodeDiasLourenço)que

inspirouesteconto”:“Jáosuor lheescorriapelasfaces;ossapatosapertavam-lheos

pés,comotenazes;eumadoragudafixara-se-lhenosquadris:mascerravaosdentes,

numadeterminaçãodetodooseuser.‘Nãolargareiamala!Hei-deentregarosjornais

queoscompanheirosmeconfiaram!’”(...)“Aconchegouaopescoçoagoladocasaco;a

malaserviu-lhedetravesseiro. ‘Ora,que lhe importavaafome?Entregariaos jornais

na hora do recurso; levava ao fim a sua tarefa. E um dia...uma certamanhã de sol

radioso...sim,desol...Ah!”

Além de correspondente e colaborador, o leitor do Avante! tem também a

responsabilidade de divulgar, não apenas o objecto jornal, mas o seu conteúdo, a

mensagemcomunista.NasegundaquinzenadeJaneirode1944,estábemexplicitaa

intençãodoAvante!depromoveraagitaçãodemassas:

“Camarada: Este Avante! que te foi parar àsmãos é precioso. Não o

destruas. Fá-lo chegar pelo processomelhor a outro trabalhador honesto ou

manda-lhepelocorreio.Oteudeveréfazerestudoparaajudaresamissãodo

31SoeiroPereiraGomes,ContosVermelhosEOutrosEscritos(EdiçõesAvante!,1979).

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nossoAvante!queéoúnicojornallivreeoguiadopovoportuguêsnasualuta

pelo Pão, pela Liberdade e pela Independência. Camarada: O Avante! não é

para lerumasóvez.Procura fixarosseusensinamentose faladelesaos teus

amigos e conhecidos, embora sem dizer onde os foste encontrar. Procura,

assim,tornar-teumintermediárioactivoentreoAvante!easmassas,entreo

Avante!EoPovo.Nãopoderás tu,no teusectordo trabalhoounatuaterra,

levarasmassasamovimentosdereivindicação?”

5.Críticasecorreções

5.1”Desleixo”

Ao falardiretamentecomos leitores,oAvante! torna-se tambémumveículo

deadvertênciaedecríticaaosmilitantes.Apardeumacampanhaparaaperiocidade

dapublicaçãopassar demensal paraquinzenal, a que correspondeumaumentodo

preçodecapa,bemcomoalteraçõesgráficasnosentidodareduçãodocabeçalho,o

que permite uma valorização do espaço útil no corpo do jornal para notícias, é

publicada,naediçãodeAbrilde1942,umaresoluçãodadireçãodopartidocriticando

“odesleixodosencarregadosdadifusão”doAvante!.

Posteriormente, as críticas passaram a ser mais políticas e integraram-se na

reorientaçãodo rumodopartido. Falamosdo iniciodos anos60, quandoCunhal, já

depois da fuga do forte de Peniche, se torna formalmente secretário-geral e

empreendealutacontra“odesviodedireita”,afastandoosdirigentese“corrigindo”a

linhapolíticaprotagonizadaporJúlioFogaça,baseadanateoriada“transiçãopacífica”.

Logono inícioda investidadeCunhal,oAvante!foiprotagonista,aotersidoalvode

ataque por não ter noticiado com o devido destaque a aparatosa fuga de Peniche.

ComorelataJoséPachecoPereira,aediçãodatadadeDezembro1959noticiavaafuga

de3deJaneironaprimeirapáginacomotítulo“Trezepresospolíticosreconquistama

liberdade”,semdestacaraimportânciadessespresosnoaparelhodopartido.Aedição

foi suspensa e acabaria por sair uma outra já datada de janeiro de 1960, na qual,

citandoumcomunicadodoSecretariadodeComitéCentral,seindividualiza,emtítulo,

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o nome de cada um dos treze fugitivos32. Esse número, do Avante!, datado de

dezembro de 1959, não existe digitalizado na página electrónica do PCP, onde está

disponívelacoleçãocompletadoAvante!clandestino.

5.2Autocrítica

AcorreçãodalinhaeditorialdoAvante!acompanhouocaminhopercorridona

orientaçãodopartido.Masnotava-sealgumaresistênciaaosnovostempos.Sinaldisso

estánaediçãodeJulhode1961,comapublicaçãonaprimeirapáginadeumanotada

ComissãoPolíticasobreasopçõeseditoraisexpressasno jornal:“AComissãoPolítica

do Comité Central Verifica que o Avante! não tem traduzido com suficiente rigor as

decisõesdosórgãoscentraisdoPartido(...)”.

A crítica incidia sobre a forma como haviam sido noticiadas as duas últimas

reuniõesdoCC,deDezembrode1960eMarçode1961,nasquaisforacontestadaa

tendência interna reputada de “anarco-liberal” e lançada a estratégia do

“levantamentonacional”comvistaaoderrubedofascismo.Anotaconclui:

“Estas e outras deficiências do Avante! resultam em certa medida da

desatenção de camaradas do corpo redactorial pelas directrizes e

recomendações do próprio Comité Central, da Comissão Política e do

Secretariado.ParaqueoAvante!possacumprirasuamissãoénecessário

que seja assegurada a direcção política do Avante! de forma a que

corresponde às directrizes do CC, da sua Comissão Política e do seu

Secretariado.Oestímuloaumamaior iniciativadocorporedactorialdeve

ser acompanhado de umamaior centralização da direcção política. Para

assegurar que isso seja feito, a Comissão Política e o Secretariado do CC

tomaráasnecessáriasmedidaspraticasdeorganizaçãoedequadros”.

Jáem1964,oAvante!voltaapublicarcríticasaosseustextos.Sobotítulo“Um

errodeorientação”,épublicadonaediçãoespecial sobreo1ºdeMaio,umtextono

32JoséPachecoPereira,ÁlvaroCunhal,UmaBiografiaPolítica,OSecretário-Geral(1960-1968)(Temase

Debates/CirculodeLeitores,2015)pp30-33.

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qualseassumeteremsidocometidos“algunserrosdeorientaçãoesquerdistas”,que

tiveram “expressão mais saliente nalguns documentos publicados, manifestos e

tarjetas”.O texto, que se reporta ao uso de explosivos nasmanifestações do 1º de

Maio,terminacomaauto-críticadojornal:”Estedesvioapareceumesmoreflectidono

Avante!,noartigodeMarçosobreo1ºdeMaio”.

Oepisódiorevelaaexistênciadadiscussãointernasobreaopçãodaviolência

como auto-defesa perante as cargas policiais. Citando o nº127 da III série d’ O

Militante,noqualseescreveque,“nafaseactualdaRevolução,asmanifestaçõesde

massas continuarão a caracterizar-se como manifestações essencialmente pacíficas,

tirando daí toda sua força face ao regime salazarista”, João Madeira interpreta a

autocrítica incluída nas páginas do Avante! como uma tentativa dos dirigentes do

partidode“reporaquestãodaviolêncianoseudevidolugar”.

Mas,emMaiode1965,ojornalvoltaaserobrigadoapublicarumtexto,desta

vezmuitocríticoaoseuprópriotrabalho:

“O Avante desde há muito não corresponde à responsabilidade do seu

papel. O Avante não traduz com correcção a linha política e táctica do

Partido, acusa frequentes vacilações políticas e desvios dessa linha, não

abordamuitosdosmais importantesproblemaspolíticosnacionais, falta-

lhecontinuidadedumpensamentopolítico,deixaescaparounãodestaca

muitosacontecimentosdamaiorimportância,nãovalorizadevidamenteas

lutasdemassas,nãoas integranaperspectivarevolucionárianemtiraas

suas experiências fundamentais. Esta constatação feita em Janeiro de

1965, na reunião do Comité Central, no seguimento de outras feitas nas

anteriores reuniõesdoCC, levamoComitéCentraladeclarar serurgente

fazerumarectificaçãoque,apesarealgunspassossignificativosjádados,

estálongedeseralcançada.(...)”.

AcríticasurgenasequênciadapreparaçãodoVICongresso,quese realizaria

emSetembronaUniãoSoviética,queaprovao“RumoàVitória”,orelatóriodeÁlvaro

Cunhal, no qual se aprofunda e consolida a estratégia de combate ao “desvio de

direita”.

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Com os exemplos acima citados, fica claro que o órgão oficial do PCP está

obrigado à sua autocrítica, à semelhança do que é exigido aos militantes. Afinal, o

Avante!vê-seasiprópriocomomembrodeumcolectivo,queédopartido.

Da análise da forma como olha para a sua função no quadro da militância

antifascista e como fala de si próprio e das condições em que é produzido, pode

sintetizar-se, como já foi referido anteriormente, que o Avante! se identifica e se

assumecomoumcorpovivo,quasehumanizado, fazendoparte integrantedessa tal

comunidade imaginada e sendo, simultaneamente, o elemento aglutinador que

transmiteaideiadepertençaaogrupoetornapossívelaprópriacomunidade.

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PARTEII—Ajustesdecontas

1.AreorganizaçãoeosdoisAvante!

1.1Críticaaos“confucionistas”

OAvante!estánocernedagrandemudançaorganizativadaestruturadoPCP,

comachamadareorganizaçãode1941,queseriaabasedopartidoqueviriaatornar-

sehegemóniconoconjuntodosmovimentosderesistênciaedeoposiçãoàditadura.

O órgão oficial do partido passa a ter publicação regular e é, como veremos neste

capítulo,simultaneamente,uminstrumentoestratégicodeconsolidaçãodanovafase

da vidadopartidoeumapeçaessencial nasdepurações ideológicasque irão sendo

executadasatéaofinaldaditadura,em1974.Aolongodesses33anos,sãováriose

diversamentedirecionadososajustesdecontas,internoseexternos,identificadosnos

textosanalisados.

Comareorganização,comoDawnLindaRabyacentua,amudançanopartidoé

profundaeevidenciaapreocupaçãoemcriarumaverdadeiraredeclandestina:“Nos

anos30ascélulasdoPartidoeramfrequentementeorganizadasporruasoubairrose

as reuniões realizavam-se igualmente em ruas ou praças; a partir de 1941

constituíram-se células de fábrica ou de empresa as reuniões eram limitadas ao

mínimo, preferindo-se os contactos individuais, que despertavam menos suspeitas.

Generalizou-seousodepseudónimoseosmembrosdascélulasnãopodiamsabero

verdadeiros nome, profissão ou morada do seu 'controleiro'. Os novos contactos

faziam-sesempreatravésdesanto-e-senhaeafaltadequalquercontactoprevistoera

imediatamente comunicada às hierarquias partidárias. A maioria dos documentos

eramemcódigoeosficheiros,comexcepçãodoComitéCentral,reduzidosomínimo;

aos funcionários era expressamente proibido frequentar cinemas, restaurante ou

outros locaisdediversão emuitasvezesviviamemcondiçõesdegrande isolamento,

exceptonosmomentosemqueseencontravamenvolvidosemaçõesdemassas”.33

33Dawn Linda Raby,A Resistência Antifascista Em Portugal: Comunistas, Democratas EMilitares EmOposiçãoaSalazar,1941-1974(Salamandra,1990),p.60.

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Anovaestruturaviriaadarfrutosrapidamenteequatroanosdepoisopartido

era já uma força incontornável naOposição. “Por volta de1945, o PCP surgia como

uma autêntica alternativa revolucionária, dominando o movimento de massas e

constituindoumasériaameaçaàsobrevivênciadofascismo:gozavaderespeitoentre

largoscírculos intelectuaisedasclassesmédias, sendoaomesmotempoclaramente

dominante nomovimento operário. Conservou a sua hegemonia até à revolução de

Abrilde1974,muitoemborativessepassadoporváriascrisesorgânicasem1949-51,

1958-60e1962-65,easuaposiçãocomolíderdoprocessorevolucionáriotivessesido

postaemcausasobretudoapartirde1958.”34

Houve, no entanto, resistência à mudança e a consequente luta pela

hegemoniaporpartedosnovosdirigentes.Nosprimeirosanosdapublicaçãoregular

doAvante!,osefeitosdareorganizaçãoestãobempatentesnaspáginasdojornal,com

ogrupovitoriosoacriticaro“grupelho”emviasdeservencido.

É,assim,numclimadeajustedecontasqueélançadaaVIsériedoAvante!,em

Agostode1941.Logonoprimeironúmero,épublicadoumcomunicadodoComité

Centralapôrospontosnosiis:

“Prevenção.AoteremconhecimentosdasaídadoAvante!,umgrupelhode

intelectuais corrompidos que foram escorraçados da direcção do P. por

seremosprincipaisresponsáveisdodescalabroaquetinhachegadoantes

da sua reorganização, resolveram enveredar pela provocação aberta e

clara fazendo sair alguns dias antes do órgão central do nosso Partido,

umasfolhascopiografadasaquederamotítulode‘Avante!’Quantomais

nãofosse,bastavaestaatitudeparaosdenunciarperanteostrabalhadores

portugueses como elementos confucionistas e saboteadores do trabalho

partidário. Por saberem que ‘Em Frente’ já nãomerecia a confiança dos

trabalhadores, e que o Avante! era ansiosamente esperado por todos os

anti-fascistas, este grupelho de provocadores resolveu estabelecer a

confusão nomeio revolucionário para assimmais facilmente ‘pescar nas

águas turvas’. (...) Aindanãonos chegouàsmãos esse falsoAvantemas

34Raby,p.51.

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33

consta-nos que nele se fazem afirmações destituídas de todo e qualquer

fundamento.Porexemplo:diz-sequeosactuaisdirigentesdoPartidonão

foramaceitespelopseudopartidodos provocadores. ÉABSOLUTAMENTE

FALSO!OS ACTUAIS DIRIGENTES E REORGANIZADORES DO P. NUNCA

QUISERAMNADACOMESSESELEMENTOS!SÓLHEFIZERAMSABERQUEOS

CONSIDERAVAM AFASTADOS DO P. E QUE OS TORNAVAM

INDIVIDULAMENTE RESPONSÁVEIS POR TODA E QUALQUER ACTIVIDADE

PROVOCATÓRIA DENTRO DO PARTIDO. Tiveram a ousadia de invocar o

nomededoisdosmaisprestigiososelementosdoPartido,BentoGonçalves

eJosédeSousa,paraseinculcaremcomomerecedoresdaconfiançadestes

elementos, que, estando presos, não podem publicamente denuncia-los

como provocadores e marcar-lhes o correctivo merecido. No próximo

número do Avante! desmascararemos mais detalhadamente a acção

provocatóriadesteselementoseas suas ligações comagentesao serviço

dapolícia.Poragoraqueremossomentepreveniraclasseoperáriaetodos

os revolucionários conscientes , contra os manejos confucionistas deste

grupelho, e dos perigos que poderão trazer para a liberdade dos que o

seguirem.”

Éreconhecidocomoessencialparaaafirmaçãodosreorganizadoresdopartido

aseparaçãodaságuasparalimitarosdanosnamilitânciacomunistadosdoisAvante!.

Comoselênonº2,deSetembrode1941:

“Do confuncionismo à provocação clara. (...)Um grupelho de pseudo-

intelectuaisescorraçadosdaorganização,pretendefazer-sepassarpeloP.

e publica umas folhas copiografadas a que deu o título do nosso órgão

central”.

ComoenquadraohistoriadorJoãoMadeira,“entre1941e1945,aexistênciade

doisPartidosComunistasemPortugal,fazcomqueumdeles,oqueserepresentavaa

continuidadeorganizativa,masqueviriaaserdesignadode“grupelhoprovocatório”

pelo grupo dos reorganizadores, editasse duas novas séries com um total de 20

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números.”35

É ainda Madeira quem cita António Dias Lourenço, para contar que “os

reorganizadores sabiam que os do velho partido ‘tinham escondido a aparelhagem

técnica numa casa e o partido organizou o assalto a essa casa e levou-se a

aparelhagem toda. Levou-se os tipos e os prelos, num táxi do Pires Jorge’. O que

permitiria assegurar a partir de Agosto de 1941 a publicação de uma VI série do

Avante!”36.

TambémohistoriadorJoséPachecoPereirasublinhaautilizaçãodotítulocomo

armadeambososladosdacontendainternanopartido,aolembrarque“aretomada

dapublicaçãopelaDirecçãodoAvante!emAgostode1941 formalizouadivisão.Os

‘reorganizadores’ tinham usado a questão do jornal do partido como instrumentos

paraisolar(Vascode)Carvalho,associando-ocomoEmFrente!.OAvante!,duramente

atingidopelasquedasdastipografiasde1938-39,nãosepublicavajáhámaisdeum

ano,eoseusubstitutoEmFrente!nuncaseimplantounoimagináriocomunista,pelo

carácter precário da sua redacção e periocidade irregular. Os ‘reorganizadores’

tomavamoabandonodotítuloAvante!comoumsintomademissionáriodaDirecção.

(...)ADirecção, conscientedequeo jornal era fontede controvérsia e sabendopelo

anúnciodoMilitantequeos ‘reorganizadores’ sepreparavampara editar oAvante!,

resolveantecipar-seepublicardenovoumjornalcomessetítulo.Assim,em1941,são

publicadosdoisAvante!distintoseumórgãoteóricodos‘reorganizadores’comonome

de Militante. A decisão de publicar ou republicar o Avante! não teve outro motivo

próximo que não fosse o combate pela legitimidade partidária. Não havia

inclusivamente,porpartedaDirecçãoumadecisãodeterminaroemFrente!edofazer

substituirpeloAvante!”.

Entre as críticas ao abandono do título Avante!, houve um assunto nunca

abordadonanovasérie,quefoiocomprometimentodeÁlvaroCunhalnolançamento

do“EmFrente”.OtemaétratadopeloshistoriadoresFernandoRosas,JoãoMadeira

e JoséPachecoPereira, ao salientaremaadesão tardiadeCunhalà linhavencedora

35JoãoManuelMartinsMadeira.,p.664.36Madeira,p.665.

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que,naprática, iria liderar.Rosassustentaque“Cunhalé inicialmentemarginalizado

nesteprocesso(atépelas ligaçõesquetiveraàdirecçãosobataque)eéchamadoao

Secretariado do PCP em 1942, altura em que Fogaça volta a ser preso e é preciso

encontraraalguémcomarcaboiçointelectualeteóricoparaosubstituirnastarefasde

direcção ideológica que desempenhava”. Essa chegada extemporânea não invalida,

comoacentuaRosas,queCunhalsetorne“rapidamenteoindiscutíveldirigentefáctico

doPCP”37.

Numa primeira fase, como refereMadeira, Cunhal, ao aderir só em 1941 ao

“novopartido”, terágerado“algumadesconfiançaemrelaçãoasi,dapartedosque

saíamdasprisões,poisCunhalpertenceraaumdosúltimossecretariadosdopartidoe

foraumdosmentoreseprincipaisredactoresdoEmFrente!.”38

JáPachecoPereiraaprofundaaligaçãodeCunhalàdireçãodoantigopartidoe

aonovojornaleescreverqueumadasprimeirasdecisõesdoSecretariadodoPCP”foi

asubstituiçãoprovisóriadoAvante!porumnovojornal,oEmFrente!.Foiemgrande

parte por iniciativa de sugestão de Álvaro Cunhal que este foi fundado. Cunhal

entendiaque,nãohavendocondiçõesparamontarumatipografia‘digna’paratiraro

Avante!, o órgãodopartidodeveria ter outronome.Havia, aliás, umprecedenteno

ano anterior, quando as dificuldades de fazer sair o Avante! levaram à edição do

NotíciasVermelhas.”39

EstacitaçãodePachecoPereirarevela,nãosóoenvolvimentodeCunhalna

publicaçãoquesubstituiuoAvante!,mas,acimadetudo,aconsciênciadodirigenteda

importânciadotítulo,quedeveriamanter-sesemamáculadasdivisõesinternasedas

fragilidadesorganizativaspelasquaisopartidopassava.Maisdoqueumórgãocentral

dopartido,oAvante!carregaumacargasimbólica,queviriaareforçar-seaolongode

todooperíododaclandestinidade.

Com a consolidação da linha da reorganização é reforçada a consciência da

37JoséNeves(coord.),ÁlvaroCunhal-Política,HistóriaEEstética(TintadaChina),p.45.38JoãoManuelMartinsMadeira,p.89.39JoséPachecoPereira,ÁlvaroCunhal,UmaBiografiaPolítica,«Daniel»,OJovemRevolucionário(1913-1941)(CírculodosLeitores,1999),p.435.

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necessidade de manter forte o órgão central do partido. Consequentemente, nas

investidas da ditadura contra o PCP, a importância doAvante! é reconhecida pelas

políciasaopontodetersidocriadoumjornaldestinadoacombate-lo.Umareferência

a esse periódico é feita por José Pacheco Pereira: “O Contra-Avante (1942) é uma

publicaçãodestinadaacontrariaracrescente influênciadoPCPedoAvante!através

deumsimulacrodeum jornalemtudosemelhanteaooriginal clandestino.Nosseus

primeirosnúmerosoaspectoeraaindadistinto,peloquenãosepodefalardeumfalso

Avante!, comoacontececomosexemplaresposterioresaonúmero3 (ou incluindoo

número 3, que não possuo na colecção). Os números 4 e 5 podem por isso ser

considerados falsosAvante!,comooutrosnúmerosquevieramaserpublicadosmais

tardeoupelaPIDEoupelaLegiãoPortuguesa.OcabeçalhodoContra-Avanteéuma

imitação do usado pelo Avante! da “reorganização” e é distinto do usado pelo

chamado“grupelho”que,namesmaaltura,reivindicavaalegitimidadededirecçãodo

PCP.O facto da cópia ser feita do cabeçalho da “reorganização” pode revelar o seu

maiorimpactonosmeiosoperários.Ojornaleraassinadoinicialmentepor“umgrupo

de operários” e mais tarde apresentava-se como “Órgão Central do Operariado

NacionalistaPortuguês”.Emborasedesconheçaquemoproduziu,épossívelqueasua

origemestejanaLegiãoPortuguesa.Nãoconheçonúmerosposterioresa1942.”40

1.2“Irradiação”dos“provocadores”

Logoem1941,surgemnotíciasdasexpulsões,designadaspor“irradiações”,um

termo cujo significado (irradiar=difundir) está nos antípodas de ser um sinónimodo

atodeexpulsar.Maisapropriadoseriaousodosubstantivo“erradicações”,masoerro

persistee,tantonoAvante!comonojornalOMilitante41,sãopublicadostextosque,

tendo“irradiações”notítulo,remetemparaasexpulsões.

Énonº3,deOutubrode1941queoAvante!nomeiaosmilitantesafastados

por“actividadedesagregadoraeprovocatória”:

“Irradiações. O Partido publica as irradiações dos seguintes indivíduos:

VascodeCarvalho(engenheirosauxiliar)sancionadoem1939porfaltade

40InEPHEMERA(BibliotecaearquivodeJoséPachecoPereira),10deJunhode2009.41OMilitante,nº11,sérieIII,consultadoemwww.pcp.pt/o-militante-clandestino.

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actividades revolucionárias; irradiado por actividade desagregadora e

provocatória. Cansado Gonçalves (eis estudante universitário sancionado

como desagregador em 1953; afastado e 1939 (?)por gastos indevidos e

faltadeconfiança:irradiadoporactividadedesagregadoraeprovocatória.

Sacavém (empregadobancário) irradiadoporactividadedesagregadorae

provocatória. Carlos (?) Portugal (arsenalista) afastado desde 1935;

irradiado por actividade desagregadora e provocatória. Fernando Correia

(engenheiroauxiliar) sancionadopelo seumaucomportamentonapolícia

em 1937; irradiado por actividade desagregadora e provocatória.

Prevenimos que alguns outros indivíduos que foram irradiados ou

afastadosdoP.emépocasdiversas,seencontrammaisoumenosligadosà

actividade destes indivíduos, cuja identidade em tempo oportuno

tornaremospública.”42

ComosublinhaJoãoMadeira,osmilitantesexpulsossão“nemmaisnemmenos

do que a direcção do velho partido”43, excluindo obviamente Álvaro Cunhal, cuja

participação num dos últimos secretariados anteriores à reorganização nunca é

mencionada.

Apurga, que se vai prolongarno tempo, criadimensões consideráveis e tem

amplaexpressãopública,comosepodelernonº5deDezembrode1941,sobotítulo

“AvisoImportante”:

“(...)Todo o camarada que depois de esclarecido sobre a verdadeira

situação do Partido continue a manter relações com esses indivíduos e

difundaofalsoAvante,fazconscientementeumatrabalhodesagregadore

provocatório e será considerado como tal. Comunicamos que se juntou

recentemente a este grupo o médico Vitor Hugo Velez Grilo que foi

irradiadodoPartidoem1935peloS.C.,comotrotskistaedesagregadore

que se pretende agora apresentar junto dos operários do Barreiro, como

reorganizador do P.(do seu partido) para assim dar largas à sua

42Ospontosdeinterrogaçãosãoparteintegrantedotextoimpresso.43JoãoManuelMartinsMadeira,p.90.

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incomensurávelvaidadeeespíritodechicana.(...)Porisso,todoocamarada

deveestaremguardacontraaacçãodessesmiseráveisdesmascarando-os

publicamenteondeactuem”.

Na mesma edição há ainda um outro pequeno, intitulado “À Organização”

reveladordoambientedesuspeita,boatoseperseguiçãoquesevivenopartido,com

estruturasaindanão“reorganizadas”.

“Tendo sido levantada, infundadamente, por um camarada do Local do

PortoasuspeitasobreoB.doD.,quantoàsuaactuação,temosainformar

que estes camaradas merecem a nossa íntima confiança e todos os

assuntosdaRegiãodevemsertratadoscomeles.”

OstextospublicadosnoAvante!,aousaremtermosidentificadoresconcretos,

revelam uma orientação política que visa apontar pessoalmente cada um dos

membroscomprometidoscomalinhaderrotada.Essanotadefulanizaçãodasnotícias

nãosurgeapenasnestafasedepurga.ElaéumaconstanteemtodaVIsérieanalisada

neste trabalho e é através dela que são denegridos os atos dos “provocadores” e

“traidores”eexaltadasasaçõesheroicaseexemplaresdos“filhosdopovo”.

1.3Contra“ogrupelhoprovocatório”

Ao longodo segundo semestrede 1942, tempodeuma intensa atividadeda

polícia política contra o PCP, é alimentada uma campanha, simultaneamente, de

defesadaorganizaçãoclandestinaedeataqueinternoaosvencidosdareorganização.

Na2ªquinzenadeSetembro,épublicadooseguinte“Avisoatodaaorganização”:

“Depois de uma inacção dalgunsmesses, chegou ao nosso conhecimento

queogrupoprovocatóriorecruscedeuasuaactividadenesteúltimosdias,

pois têm andado a abordar alguns elementos, seus antigos conhecidos,

para fazer parte da reorganização do ‘seu partido’.(...)O recrudescimento

dogrupelhoprovocatórioé,pois,umanovatentativaparaatingiroPartido

nos seus quadros. Para isso ele está mobilizando todos os elementos

corruptosquepassarampeloPartidoouquegravitaramàsuavoltaeque

lhepodemforneceralgunselementosparaasuaacção.Contraestanova

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investidadapolíciaatravésdogrupoprovocatório,deveestaremguarda

todooPartido,eparaimpõe-seasseguintesmedidas:

1º-Todaaacçãodoselementosprovocadoresedaspessoasligadasaeles

deveserimediatamentecomunicadaaosorganismoscentraisdoPartido.

2º - Nenhum elemento deve discutir fora da organização a que pertence

assuntosqueserelacionemcomavidadoPartido;todoaquelequeofizer

deveserimediatamenteirradiadodassuasfileiras;

3º - Todo o elemento que viva na legalidade e de que os elementos do

grupo provocatório tenham conhecimento da sua actividade, deve ser

afastadodessaactividade;

4º - A todos os elementos honestos nós devemos fazer chegar ao seu

conhecimento (tomandoasprecauçõesnecessárias)oqueaqui relatamos

paraseuinteiroesclarecimento,poiselespodem,devidoásuaignorância,

prestarserviçoaogrupo;

5º-Todooelementoquenãocumpraestasdisposiçõesdeveserafastado

doPartido.

Com uma vigilância e uma disciplina bolcheviques, nós conseguiremos

limparasfileirasdoPartido,detodososelementosvacilantesecorruptos,

couraçando-ocontraasnovasinvestidasdapolícia”.

Arelaçãodiretaentreaatividadedo“grupelho”eavagadeprisõesqueocorre

nesses meses é enfatizada bastas vezes pelos “reorganizadores” nas páginas do

Avante!.Naediçãodatadada2ªquinzenadeOutubro,pode ler-sena3ªpágina,um

textocomotítulo“Novaofensivapolicial”:

“A política lançou uma nova e violenta ofensiva contra o Partido,

procurando atingi-lo nos seus quadros militantes. O que tornou possível

estaofensiva?Quemdeuaconheceràpolíciaosnomesdalgunsmilitantes

doPartido?Essa foiuma tarefaque coubeaogrupelhodeprovocadores.

Emtodaapartefalavamnosnomesdoscamaradasdesimpatizantesque

eles julgavamestaremactividade.Ogrupelhofoiparaapolíciaumfonte

de informação acerca de camaradas do Partido. Dos camaradas agora

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presos,algunsforamperseguidospelapolíciaemresultadodasdenuncias

dogrupelho.

As prisões a que se refere o texto são as de Júlio Fogaça, Pires Jorge, Pedro

SoareseDalilaFonseca.

Jána2ªquinzenadeNovembro,édenunciadacomtodasasletrasaligação

àpolíciadeumdoselementosdo“grupelho”:

“SabinodaSilvaéumdoselementosactivosdodesintegradogrupelhode

provocadores (...) é um dos que mais intensamente espalha as calúnias

lançadas pelo grupelho contra o Partido e contra os camaradas do

Partido.(...)segundo informaçãoeboafonte,Sabino,em1932e1933,na

qualidadedepolíciaauxiliarnoRiodeJaneiro,fezpartedaBrigadaAuxiliar

da4ªDelegaciaderepressãoaocomunismo”.

Nocontextoda consolidaçãoda reorganização,na2ªquinzenadeNovembro

de 1943, o Avante! dá relevo aos trabalhos do III Congresso do PCP, o I ilegal e o

primeirodepoisdareorganização,quedecorreunessemês,noMontedoEstorileno

qual Álvaro Cunhal apresentou um informe, proclamando a vitória dos

reorganizadoressobreogrupelho.Nessaedição,podeler-seumrelatodaintervenção

do“camaradaDuarte”:

“(...)falou da forma como a reorganização foi feita, do afastamento doa

elementossuspeitosedaformaçãodogrupelhoanti-partidáriodeVascode

Carvalho no qual participaram elementos há muito escorraçados do

Partido,comoVelezGrilo,ArmandoMagalhães(Amaral)eoutrostraidores

eprovocadores.”

Comestecongressochegavatambémomomentoúltimodaclarificação.Como

expressaJoãoMadeira,“oIIICongressoaoproclamaravitóriadonovoPCPsobreodo

Grupelho,reforçava,tambémporessemeioedaformacomoofazia,alegitimaçãoda

novadirecçãoedonovopartido”44

A sanha persecutória sobre quem ficou rotulado de denunciante continua a

44Madeira,p.110.

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manifestar-seemcadaediçãodojornal.Sobotítulo“TRAIDORESEPROVOCADORES”,

nonº45,deDezembrode1943,oAvante!denunciapublicamentetrêselementosque

teriamprestadoinformaçõesàpolicia,masentreelesédestacadoVictorHugoVelez

Grilo,quepertenceuà“velha”direcçãodoPCP.Nanotícia/denúnciasãosublinhados

“algunsdosfactosmaisestacadosdasuabiografia”:

“Em1941,quandodaformaçãodogrupelhopolicialdeVascodeCarvalho

& C.ª, Velez Grilo participou na actividade provocatória do grupelho,

fazendo-se passar por “Secretário-Geral do Partido” e tendo um papel

activo na divulgação de calúnias contra os militantes da Direcção do

Partido, na luta contra a reorganização, na denúncia de camaradas

responsáveisquetiveramdepassaràilegalidadeeemtodososaspectosda

actividadeprovocatóriaepolicialdogrupelho”.

ApesardoIIICongressoterconsagradoosreorganizadorescomovitoriosos,a

perseguiçãopúblicaaosmembrosdo“grupelho”prosseguenaspáginasdoAvante!ao

longodetodaadécadade40eperdurapelosanos50.Apurgaédeterminanteparaos

novosdirigentesseafirmaremecriaremumaparelhoorganizativopartidárioeficazna

resistência. Como está impresso na 1ª quinzena de Julho de 1944: “Organizar é a

decisivatarefadomomentopresente”.

Naediçãoseguinte,anº58,umtextointitulado“Defendamosdospolíciasedos

provocadoresasmassaseopartido”voltaarelacionaraatividadedo“grupelho”com

aaçãodapolíciapolítica:

“A polícia de informações, impotente para impedir os movimentos

populares;impotentedesdehádoisanos,paraatingirosquadroscentraise

os serviços técnicos do partido, esforçando-se raivosamente para o

conseguir continuando , para isso a servir-se dos elementos doGrupelho

Provocatório, e a adoptar novos métodos de acção.(..)os elementos

provocadoresdestacam-senoauxílioàpolíciaena luta contraoPartido,

criando e desenvolvendo junto de alguns trabalhadores e anti-fascistas a

desconfiança no Partido, caluniando o Partido e os seusmilitantes, tudo

fazendo no sentido no sentido de que os trabalhadores e anti-fascistas

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tomem uma atitude de passividade em relação à luta contra o fascismo

(...)”

Na 2ª quinzena de Fevereiro de 1945, sob o mesmo título, “Polícias e

provocadores”, são denunciados agentes e informadores da PIDE, a par de antigos

militantes:

“Mário,barbeiro,forte,deóculos.Temduasbarbearias,umadasquaisna

RochadeCondedeÓbidos,nº102.Éumexploradordosseusempregados,

despedindoosmeios-oficiaisquando teriaqueos subirde categoria. Este

indivíduodizaosoperáriosdosEstaleirosquenãodevemfazergreves,que

estassóservemparafazeradesgraçadostrabalhadoreseincita-oscontra

‘aquelesquequeremrevolucionaropessoaldaempresa’.Esteprovocador

temíntimasligaçõescomomédicoVelezGrilo,doGrupelhoProvocatório”.

Outrodosalvosdos‘reorganizadores’foiJosédeSousa,antigodirigente,que,

preso no Tarrafal entrou em rota de divergência com Bento Gonçalves, também

encarceradonocampo.Sousa,queviriaaresistirà“reorganização”,aoladodeVelez

Grilo, acabaria por ser expulso do partido em 1942, tendo sido a crítica ao pacto

germano-soviético a causa próxima para o seu afastamento. João Madeira, cita a

circular do Secretariado do PCP, de Novembro de 1942, na qual é comunicada a

expulsão com o argumento de que José de Sousa, “fora do Partido, acusou os

dirigentes soviéticos de traição à classe operária por conduzirem uma política

fascista”45.

Quatroanosmaistarde,JosédeSousaadereaoPartidoSocialistaPortuguês,e

oAvante!, na 2ª quinzenadeAbril de 1946, aproveita a ocasião para lançar críticas

públicasaoex-militantecomunista:

“Chegaaonossoconhecimentoqueosr.JosédeSousa,queháumanosfoi

da direcção do nosso Partido, acaba de pedir a sua admissão ao Partido

Socialista Português. (...) O sr. J.S. foi expulso do Partido Comunista

Português em1942,quando se encontravanoCampodoTarrafal, poeaí

45Madeira,p.123.

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levaracaboumalutadesagregadoraedivisionistaeterformadoumgrupo

dissidentecontraoPartido”.

O texto termina com uma frase irónica: “Aos nossos amigos socialistas, (...),

desejamosqueconquistemumcompanheirofiel”.

O mês de Agosto de 1947 é o momento escolhido para o Avante! voltar a

criticaro “grupelho”.Fá-lo sobo título, “Agostode41-Agostode47”, celebrandoa

entradanosétimoanodepublicaçãoregulardojornal.

(...)“6anospassaramsobreareorganização,aomesmotempoquevemos

ocaminhoandandopelonossopartidoepeloseujornal,interessatambém

ver o caminho andado por aqueles que, enquanto no partido, foram uns

sabotadores e comodistas, que em 1940-41 tanto se opuseram à

reorganizaçãoeque,depois,nãosecansaramdecaluniarparajustificarem

a sua expulsão das fileiras do partido. Que é feito desses escorraçados?

José de Sousa, Grilo, Vasco de Carvalho, Ariosto Mesquita, Cansado

Gonçalves, etc, agindo sob a proteção da PIDE e aligados a agentes do

imperialismo estrangeiro na formação de uma ‘Partido Socialista legal’

(ondeinfelizmenteseencontramalgunsanti-fascistashonradoseiludidos)

que outra coisa não é senão a oposição inofensiva que o Governo de

Salazarseesforçaporcriar,comopassoparaadivisãodosdemocratase

aniquilamentoviolentodetodaaoposição.Hoje,comohá6anos,háque

continuar a dar combate aos derrotistas e divisionistas, agentes do

fascismonocampoanti-fascista”.

Embora já tivesse sido referenciado na edição de Abril-Maio de 1954, num

texto centradoemFernandoPiteira Santos46, já expulsodopartidona sequênciada

46“Adepuraçãoocorridaem1950-1951abrangianãosóaquelesquetinhamsidoacusadosdetraição,

como Manuel Domingues, mas também vários intelectuais que se dizia terem manifestadotendências“sociais-democratas”ou“titistas”.EnteestesestavamincluídosMárioSoareseFernandoPiteiraSantos.(…)ocasodePiteiraSantosémaisinteressante.ColegadeestudodeÁlvaroCunhal,entrouparaoPCPnoprincipiodadécadade40eem1943passouafazerpartedoComitéCentral.Entreoutrasfunçõesfoiencarregadodaorganizaçãodopartidonosmeiosmilitares(juntamentecomJoséMagro).(...) quando foi preso em Julho de 1945, Piteira Santos terá aparentemente fornecidoabundantes informações à PIDE. Em todo o caso já tinha sido demitido do CC por indisciplina ,embora se tivesse mantido no partido até 1950, ano em que foi expulso por novos actos deindisciplinanãoespecificados(...)”Raby,p.129.

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depuração dos anos 1950-51, “o provocador Dário Bastos” volta a ser alvo de um

“Alerta”,comomembrodo“grupelho”,emJaneirode1955:

“Todos os comunistas, simpatizantes e demais democratas e patriotas

devem estar em guarda contra a acção provocadora de Dário Bastos,

viajante de artigos de ferragens do Porto. (...) A verdade é que este

indivíduo foi escorraçado do Partido Comunista há longos anos como

provocador. Em 1940 esteve ligado ao grupelho provocatório do

Norte.(...)devemos estar alerta com este provocador escorraçando-o ali

ondeeleaparecer”.

1.4Oesquerdismo,oscorvoseasmoscas

Com os anos 60, o início da guerra colonial, os movimentos estudantis

autónomosdoPCPeoconflitosino-soviético,ascisõessãomarcadamenteideológicas

eirãodarorigemaumadivisãoprofundaàEsquerda.Porumlado,ogrupodeArgel,

noqual surgiráoembriãodoPartidoSocialista, fundadoem1973,poroutro lado,a

correntedeextrema-esquerdaque irádesaguaremdiversospartidosemovimentos

que se manterão ativos após o fim da ditadura. Internamente, no PCP, essas duas

linhassãotambémoquemarcaráoconflitocomoqualadireçãodeCunhaliráterde

seconfrontar,à luzdorumodomovimentocomunista internacional,repartidoentre

Moscovo e Pequim. Como sublinha o historiador José Pacheco Pereira, “o PCP foi

apanhadopeloconflitosino-soviéticonumamomentocríticodasuahistória:quando,

após a fuja de Peniche Álvaro Cunhal, este está a conduzir um processo ”de

rectificaçãopolíticacontraadirecçãodeJúlioFogaça.Nodebate internonoPCP,em

plenarevisãoda linhado ‘desviodedireita’,querepresentavasobmuitosaspectosa

linha de Krutchev após o XX Congresso aplicada a Portugal, a substância essa

rectificaçãocolocava,emteoria,oPCPeCunhalmaispróximosdasteseschinesasdo

quedasoviéticas.Cunhaltinhaassimque,aomesmotempoquecombatiaessalinha

emPortugalcomo‘desviodedireita’,aprová-lacomolinhadomovimentocomunista

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internacional”47. Ou seja, o novo rumo do partido passa por estabelecer uma linha

central de combate à direita e à esquerda. Como defende Miguel Cardina “Álvaro

Cunhal preocupou-senão só emoperara chamada«correcçãododesviodedireita»

como em neutralizar os «desvios de esquerda», que propunham acções armadas

contraoregime”48.Essealinhamentoaocentroédebatidonoâmbitodapreparação

doVCongresso,aolongodaqual,segundoJoãoMadeira,“hánalgumasintervenções

comoqueumapreocupação centrista, que se revelarádominante, segundoaqual o

desvio de direita identificado devia ser combatido,mas também qualquer desvio de

esquerda que se quisesse instalar no seu lugar, pois o sectarismo continuava vivo

dentrodopartido.”49

Nofinaldosanos60,anovaclarificação internanoPCPestáconcluída,como

está também consumada a expulsão do principal rosto do “esquerdismo”, Francisco

Martins Rodrigues, que, curiosamente, tinha contribuído de forma determinante na

aniquilaçãodo“desviodedireita”,protagonizadoporJúlioFogaça,

Comosíntese,Cardinaescreveque“FranciscoMartinsRodriguesfoiocondutor

fundamental dessa demarcação, centrada no papel da violência na transformação

social, nos contornos de uma política de alianças para o derrube do regime e no

alinhamentocomaChinanoconflitoqueentãoaopunhaàURSS.”50

OcasodeMartinsRodrigueséexemplardoheróiquepassaavilão.Nanotícia

da fuga de Peniche, é publicado, na primeira quinzena Janeiro de 1960, um

comunicado do Secretariado do Comité Central, na qual é exaltada “a coragem e a

abnegação” dos “valorosos combatentes de vanguarda”. Entre eles está Francisco

MartinsRodrigues.Naedição seguinte, que “rectifica”o tomdanotícia, destacando

ÁlvaroCunhalnotítulo,“OnossopovosaúdaalibertaçãodeÁlvaroCunhaledosseus

companheiros”,sãorelegadosparasegundoplanoosrestantesfugitivos,nãodeixando

margemparadúvidassobrequeméoheróimaior.

47JoséPachecoPereira,OUmDividiu-SeEmDois,ed.byAletheia,2008pp.127-128.48MiguelCardina, ‘MargemdeCertaManeira-OMaoísmoEmPortugal:1964-1974’ (Universidadede

Coimbra,2010)p.48.49Madeirap.284.50Cardina,p.6.

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Maistarde,onomedeFranciscoMartinsRodriguesseria“apagado”ouincluído

no grupo dos provocadores. Domingos Abrantes assume que os dissidentes “eram

provocadores” e que “alguns deles, tinhamumaproblemaacrescido, é que como se

tinham portadomal na PIDE, arranjavam justificações, em vez de assumirem o seu

mau comportamento. A pessoa que está a ser interrogada, falo por experiência

própria,nuncaperdeanoçãodeondeestá,podeestarmais cansado,mas sabeque

estáemfrenteàpolícia.”

A opinião manifestada por Domingos Abrantes direciona-se para Martins

Rodrigues,queem1966,vítimadatorturadosono,cedeunosinterrogatóriospoliciais.

(A questão de ‘falar na policia’ será desenvolvida no capítulo 3 da II parte deste

trabalho). “Não me lembro de pensar que estava a trair nem de esboçar qualquer

resistência.Respondiaàmedidaqueelemeperguntavaeadormeciacadainstante(...)

Nosquatrodiasseguintes,dormi16horaspordia;acordavaparacomer,passeavaum

poucopelogabineteevoltavaaadormecer.Estavaestupidificado,nãomelembrode

pensar nada, tinha só reacções animais; comer e dormir. Pelo quinto dia comecei a

tomarconsciênciadoquefizeraedorompimentototalcomaminhavidaanterior,mas

não o sentia como uma acto cometido por minha vontade, mas como uma coisa

horrorosaquemeacontecera.”51

Em concreto sobre FranciscoMartins Rodrigues,DominguesAbrantes fala de

um homem emilitante que conheceumuito bem, que “tinha uma inteligência rara

com um grau de cultura acima da média pra a origem dele, uma capacidade de

trabalhoexcepcional,mastinhaalgunsdesequilíbriospsíquicos.Ele,aliás,foivítimado

seuprópriocaminho,foipresoporquetinhadeitadoamãoaumprovocadore,depois,

tornou-se ele próprio um provocador. Foi seduzido pelo maoismo e pela ideia da

revoluçãojá.”

A depuração ideológica passava pelas páginas doAvante!, não só através da

publicaçãode textosqueemanavamdosórgãosdirigentesdopartido,mas também

atravésdecurtoscomentáriosdirigidostantoàdireitacomoàesquerda,decríticaa

posiçõesdeoutrasforçaspolíticasdaOposição.Exemplodessaexpressãoeditorialera

51FranciscoMartinsRodrigues,OsAnosDoSilêncio(Dinossauro/AbrenteEditora,2008)pp.72-73.

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uma coluna intitulada “Pontos Cardeais”, na qual surgiam críticas e comentários a

determinadasatitudesetomadasdeposiçãorelacionadascomooPCP.Eratambémo

tempo das “acções especiais”, às quais o PCP se tinha ”rendido” após anos de

discussãointernaedepoisdejáestaremematividadegruposradicaisqueapelavamà

lutaarmada.“Orecursoàlutaarmada,mesmocomamplitudeeformasrestritas,era

nosanossessentaumaquestãomuitopolémicanoPCP.”52.AafirmaçãodeRaimundo

Narciso, antigo militante comunista e um dos elementos da A.R.A. (Acção

RevolucionáriaArmada)fundamentaessedebatenocontextodaguerrafria,noqual

Moscovodesaconselhavaoenvolvimentodospartidoscomunistaseuropeusemlutas

armadas. Daí que Narciso considere que Cunhal “tratava a matéria de modo

cauteloso”e,emboraadecisãodasuacriaçãotenhasidotomadaem1964,aA.R.A.

inicia a sua fase operacional em 1970, “controlada politicamente pelo PCP”, mas

“autónomadopontoevistaorgânicoetantoquantopossívelestanquedaorganização

dopartido,paraevitarqueasprisõesnesteatingissemaquela”.53

Nessecontextoa rubrica“PontosCardeais” funcionacomoumbarómetrodo

debatesobreasdistintastácticasdelutacontraaditaduraentreasdiversasforçasda

Oposição. Na edição de Maio de 1972, pode ler-se um texto, intitulado “Um

comentário”,decríticaaoscríticosdeumaaçãodaA.R.A.

“A acção da ARA contra o quartel general da Iberland teve importante

significado político e grande repercussão internacional.(...) Houve porém

quemcomentasseofactodemaneiradiferente.’Osestragosinsignificantes

(diz esse comentário) foram imediatamente reparados (...) De quem é o

comentário? Da ‘Época fascista, dirão os leitores. Não acertaram. O

comentáriofoifeitonumboletimdosgolpistasdeArgel.(...)”

Otomusadonestecomentárioédecríticadiretaaosqueapoucaramaaçãoda

A.R.A.,masnamesmarubricadessaediçãoépublicadoumtextocujosdestinatários

são,tudoindica‘inimigosinternos’,“OsCorvos”:

52Narciso.p.18.53Narciso,p.19.

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“O corvo é um animal cobarde. Foge dos vivos e procura apossar-se dos

mortos.Sãomuitososcorvos.Corvosdemilitantesdesaparecidos,quenão

podem levantar-se das campas para os castigar! Corvos dos trabalhos e

sacrifíciosdaquelesqueodeiam!Éumanimalcobarde,ocorvo.”

Aindaem1972,masemJulho,alémdenovacríticaaquemcontestouaARA,

neste caso a RPAC (Resistência Popular Anti-Colonial), apelidada de (Rapazes

PortuguesesAnti-Comunistas),oalvoéo‘esquerdismo’.

“ALógica.Oaventureirismoesquerdistaestámostrandonomundoaoque

conduza sua lógica,quandopassadoverbalismoàacção.Nuns casos (e

são osmelhores), atentados terroristas que conduzem os seus autores à

rápidaderrotae liquidação física.Noutros casos,ousode refénsea sua

execução provocam a condenação e a repulsa das mais amplas massas.

Noutros ainda, confundindo-se combanditismo e loucura, execuções sem

sentido,comonorecentecasoregistadonoJapão.Aquelesqueassimagem

declararamser ‘revolucionários’.Desacreditam,nofimdecontas,acausa

porquedizembater-se.EmPortugal,atéagora,oesquerdismopoucovai

além de palavras exaltadas e campanhas de calúnias contras as forças

revolucionarias. Mas as concepções contêm o gérmen dessas tristes

históriasquecorremmundo.Combatemosoverbalismo.E,sealógicalevar

umdiasàpráticadeactosterroristas,queapenaspodemservirofascismo,

édesaberdeantemãoquetambémoscondenaremos”.

AsbateriasverbaisdoAvante!apontamtambémparaosopositoresdedireita,

para os que dentro do regime ditatorial defendem uma transição pacífica para a

democracia. Na edição de Setembro de 1973, lê-se um ataque à ala liberal do

marcelismo.

“Por quem? Os liberalizantes vêm do ventre fascista. Seria louvável que,

rompendo com o regime, contassem o que lá se passa. Afinal preferem

chamara à colaboração maoístas e desagregadores para que deem em

público versões caluniosas e pidescas do que se passa... na Oposição.

Afinal,senhores,porquemsoisecontraquemsois?”

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Mas sempre a condenação à linhamaoísta do comunismo está presente nas

páginas do jornal, com alertas para a profusão de siglas que podem confundir os

cidadãos com fraca formação política. Em Novembro de 1973, o seguinte texto é

ilustrativodessapreocupação,queviriaaaumentarnosprimeirosanosdademocracia.

OPCPdeixavadeseraúnicareferênciadocomunismointernacional:

“Siglas.Osgruposcomunistassãocomoasmoscas.Numerosasquandohá

lixo, deque se alimentam.De vida tão efémeraqueumdia compridode

verão chega para que nasçamemorrem”. (segue enumeração das siglas

porordemalfabética)(...)Felizmenteoalfabeto temletrasbastantespara

satisfazeraimaginaçãocriadoradesiglasdosrevolucionáriosdeopereta.”

2.Emtempodeguerra

2.1Os“quinta-colunistas”´

Em plena II Guerra Mundial, nas páginas do Avante! há uma denúncia

sistemática dos “inimigos do povo” (designação que, como veremos, é utilizada em

todos os casos de dissidência, de delação, de traição e de informadores da polícia)

com a publicação em quase todas as edições de uma rubrica intitulada “Quinta-

colunistas”. Emparalelo,háexposiçãopúblicadoscolaboracionistas.Na2ªquinzena

deJaneirode1943,lê-seumapeloconcretoàdenúncia:

“É necessário desmascarar todos os quinta-colunistas que produzem

paraoEixoeexportamparaoEixo.EnviaiosseusnomesaoAvante!,órgãode

combate pela liberdade independência. Envia notícias da actividade dos 5ª

colunistas”.

Em1944,na2ªquinzenade Janeiro, surge, sobumtítuloa todaa largurada

pág.2:”OAvante!desmascaraOSINIMIGOSDOPOVO”,umtextoquealargaouniverso

doepíteto:

“Quinta-colunistasque roubamosgénerosaopovoparaosenviaremaos

bandidosfascistasalemães;fascistasqueperseguemossimpatizantescom

a causa das Nações Unidas; espiões ao serviço da Alemanha hitleriana;

denunciantes dos trabalhadores nas fábricas e empresas; — estes são

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INIMIGOS DO POVO que o povo deve conhecer. É necessário em toda a

partedesmascará-los,dificultarosseusmanejos, tornar-lhespor todosos

meiosavidainsuportável.OAvante!continuaecontinuaráadesmascarar

peranteasmassaspopularestodososseusinimigos.Osseusnomesdevem

serfixadosparaahoradoajustedecontas”.

Na1ªquinzenadejunhode1944,emrodapé,lê-se:“Aproximam-seashorasos

combates decisivos. Neste momento, todo o alheamento é crime, toda a inércia é

cobardia.Todoocompromissocomofascismoétraição”.

Nestescasos,nosquaisadenúncianãose reportaaosmilitantescomunistas,

massimaoscolaboracionistascomaAlemanhanazi,oAvante!revela-senasuamissão

de órgão de informação mais amplo e não apenas de órgão central do PCP, ao

desmascarar, também, a política de “neutralidade” de Salazar, expondo os graves

problemaseconómicoseinstigandoouapoiandoaçõesderevoltacontraacarênciade

génerosalimentares.ComoescreveohistoriadorFernandoRosasparacaracterizaro

ambientesocialquesevivenosanosdeguerra:“Ossintomasdedescontentamentoe

reacção contra a falta de géneros, o desemprego e os salários baixos nas zonas de

predomínio dos assalariados rurais começam a verificar-se desde inícios de 1941,

crescendo de intensidade ao longo do ano. O mesmo se poderá dizer quanto aos

motins e aos ‘tumultos’ que, no Norte e no centro, se levantam para impedir a

requisiçãodegénerosouasapreensõesdeminério”.54

Embora seja impossível aplicar ao Avante! clandestino os parâmetros de

mediçãodeaudiênciasquehoje sãousados, o tipodenotícias relacionadas comas

guerras,tantoadeEspanhacomoaIIGuerraMundial,transmitemapercepçãodeque

ainfluênciadojornalextravasavaouniversodosmilitantes.Naanálisedastiragensda

imprensaclandestinadopartido,bemcomodaregularidadedasediçõeséprecisoter

emcontaascondiçõesdaorganizaçãoclandestinaemcadamomento.Comoenfatiza

JoãoMadeira55, a periocidade quinzenal é um dos sinais, não só de consciência da

54JoséMattoso(Dir.),HistóriadePortugal,7oVolume,OEstadoNovo(1926-1974)(CírculodeLeitores,

1994)p.363.55JoãoManuelMartinsMadeira,p.675.

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potencialinfluênciadojornal,mastambémdaconjunturapolíticainternaeexterna.

A funçãodo jornalnomomentohistóricoda IIGuerraMundiale tambémda

Guerra Civil de Espanha é realçada por Domingos Abrantes, quando defende que,

devidoàcensurapréviaqueaditaduraimpunhaàimprensa,“háumapartedanossa

história que só se encontra no Avante! O tempo da guerra é um período muito

importante”. Tal como o do período da guerra de Espanha, quando “houve um

processo no Porto, no qual forampresas 400 e tal pessoas, emgrande parte era só

porqueliamoAvante!eaexplicaçãoeraporquequeriamlernotíciassobreaguerra”.

Ascríticasaoscolaboracionistaseadenúnciadaatividadedeaçambarcadores

são“ferramentas”queopartidousa,atravésdoseuórgãocentral,paramuniciaros

militanteseatodososquetêmacessoaoAvante!paraalutacontraaosquenãoestão

doladocertodaguerra.

3.”Seforespreso,camarada”

3.1“NaPolícianãosefala”

Num estudo sobre as organizações clandestinas comunistas, José Pacheco

Pereira cita Erving Goffman e o seu conceito dos manicómios como “instituições

totais” para identificar no partido clandestino “muitos traços” dessa organização,

como“ocontroloadministrativosobreosseusmembros”56.

Em ambiente de clandestinidade, se o ideal ou a fé do militante tem de

permanecer fortepara resistir aosataques repressivosdopoder instituído,não será

menosnecessáriaaconsciênciadequesócomasobrevivênciadaestruturapartidária

serápossível lutarevencer.Paradigmáticodesteduploconceitoéo textodeÁlvaro

Cunhal,nasuaprimeiraversãode1947,“Seforespreso,camarada”,cairásobretiuma

granderesponsabilidadededefenderoteuPartido,osteuscamaradas,oteuideal”57.

Como ummanual de comportamento dosmilitantes nos interrogatórios policiais, o

opúsculo de Cunhal, que pormenoriza algumas das torturas a que os presos são

56JoséPachecoPereira,ASombra.EstudoSobreaClandestinidadeComunista(Gradiva,1993)p.66.57ÁlvaroCunhal,SeForesPresoCamarada(EditorialAvante,1947).

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sujeitos,terásidoinspiradopelocomportamentodeFranciscoMiguel,que,em1939,

foi “o primeiro militante que se recusou de todo não só fazer declarações, como

inclusive, numa fase inicial a assinar qualquer documento na polícia”58.Cunhal terá

ficado impressionadocomaatitudedeMiguel, comquemviriaapartilhara célebre

fugadacadeiado fortedePeniche,em1961.OnomedeFranciscoMiguelouChico

Miguel,umdoshistóricosmilitantesdoPCPquepassou21anosnascadeiasdoAljube,

CaxiasePeniche,alémdeterestadonocampodoTarrafal,mereceudoAvante!um

tratamentoespecial, como“abnegado filhodopovo”,ou“grandepatriota”ouainda

“herói do nosso povo”. Em linha com essa admiração de Cunhal e com o teor das

notíciasnoAvante!,amilitantedoPCPMargaridaTengarrinhaconsidera-o“oherói”.

“FranciscoMiguel,foiquemsuportouaestátuadurantemaistempo(31dias)efugiu

daprisãoquatrovezes.Quandofoiparaanossacasa[casaondeviviacomJoséDias

Coelho na clandestinidade] e viu a minha filha Guida, a mais nova, dentro de um

parqueparanóspodermos trabalhar, tirou-ade lá,dizendoquenãoconseguiavera

meninapresa.Eradeumagrandesensibilidade,comosepodevernosseuspoemas,o

que contrasta com o homem firme e duro que ele foi. Era extraordinário. Deu o

exemplo”.

AssumindocomoexemplarocomportamentodeFranciscoMiguel,otexto“Se

forespreso,camarada”,escritonasequênciadaanálisedosprocessospolíticosquelhe

foramfacultadospeloadvogadoManuelJoãodaPalmaCarlos,“foitalvezodocumento

quemaisafectouavidademuitosmilitantes,eodestino individualdosquadros,eo

quemaismoldou amentalidade da ética da clandestinidade e do radicalismos anti-

salazarista.Aenormeinfluênciadestetextoemtodaaoposiçãopermaneceuatéao25

de Abril. Foi um dos poucos textos de Cunhal que condicionou mesmo a extrema-

esquerda,queoutilizounumaediçãorevista,onde,noessencial,copiouaatitudedo

PCPfaceaoportenaprisão”.59

Eram tempos,osdosanosdaditadura, emque, comoosdescreveoescritor

MáriodeCarvalho, “omedo impregnava todoo relacionamento social.Medode ser

58JoséPachecoPereira,ÁlvaroCunhal,UmaBiografiaPolítica-«Duarte»,ODirigenteClandestino(1941-1949)(CírculodeLeitores,2001)p.686.

59Pereira,ÁlvaroCunhal,UmaBiografiaPolítica-«Duarte»,ODirigenteClandestino(1941-1949),p.684.

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preso,medodeperderoemprego,medodoostracismosocial,medodaperseguiçãoe

do isolamento,medodacalúnia,medododesfavorecimentooudapreterição.Medo

do superior, medo da polícia, medo do burocrata, medo do vizinho. O medo

engendravamaismedo.Eraumsufocoirrespirável.”60

EssemedoestavatambémpresentenointeriordoPCPeoespectrodaprisão,

como refere JoãoMadeira61, “pairava no quotidiano dosmilitantes e dos quadros”.

Era, por isso, essencial para a manutenção da máquina clandestina não ceder aos

torturadores,nãofalarnacadeia,nãopôremperigoarededaresistência,nãotrairos

camaradas,não feriropartido.Ouseja, terbomcomportamento, serumcomunista

exemplar.AindacitandoMadeira,asregrasparaobomcomportamentonacadeiasão

“um dos veios centrais da educação dosmilitantes comunistas, que precedemuitos

outrosaspectosdenaturezapolíticaou ideológica”.Daí a importânciado folhetoda

autoria de Cunhal, que teve diversas edições comalgumas atualizações nos termos,

quefaziarecairsobreosmilitantesaobrigaçãodobomportenaprisão.

MesmoparaquemnãotinhalidootextodeCunhal,osensinamentossobreo

bomportenacadeiachegavamsempreaosmilitantes.TestemunhadissoéJoséPedro

Soares62, um dos resistentes comunistas que só foi libertado com o 25 de Abril,

quandoseabriramasportasdofortedePeniche.JoséPedroSoares,presoem1971,

com 21 anos, foi sujeito a 33 dias e 33 noites de tortura do sono, embora com

interrupções e fala da sua firmezanos interrogatórios comoalgo resultantedeuma

“forçainteriorquenasceudoexemplotransmitidoporvelhoslutadores”.“Nuncatinha

60AnaAranhaeCarlosAdemar,NoLimiteDaDor(Ediçõesparsifal,2014),Posfácio,p.281.61Madeira,pp.746-747. 62JoséPedroSoares,nascidoem1950,operário,tipógrafoefoipresonoquartelnocampodetiroda

Carregueira,emJulhode1971.Antesdetersidolevadoatribunalmilitar,emMaiode1972edetersido condenado a três anos e meio de prisão e nove de perda de direitos políticos, foi sujeito aviolentas torturas durante os interrogatórios em Caxias. O seu caso e de um punhado de jovenspresosnamesmaalturafoiamplamentedivulgadonopaísenoexterior,chegandoaservisitadanacadeia pelos deputados da Ala Liberal, Sá Carneiro e Pinto Balsemão, que levaram à AssembleiaNacional,exigindouminquéritoàscondiçõesdedetenção,oqualnuncachegouarealizar-se.Numafase de fim de regime, isolado internacionalmente, o casomereceu posições públicas da AmnistiaInternacionalgraçasà intervençãodaComissãonacionaleSocorrosaosPresosPolíticosedevidoàestratégia de defesa do seu advogado, Manuel Correia Neves, que conseguiu reunir tomadas deposiçãopúblicasdeinúmerosjuristasestrangeirosdecondenaçãodastorturasaquefoisujeitoJoséPedroSoares.

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lido o texto de Cunhal ‘Se fores preso camarada’, mas sabia pelos camaradasmais

velhos da importância de resistir, de nunca guardar papéis, de não denunciar os

amigos,denãopôremcausaaorganizaçãoeopartido”.63

3.2“Máconduta”

AindaantesdeCunhalescrever“Seforespresocamarada”,noanode1946,a

“má conduta” é já a base argumentativa para mais um lote de expulsões. Como é

noticiadonoAvante!nº96,numtextoquedácontadeumaresoluçãodosecretariado

doPartidoquecolocaemparaleloasexpulsõesde“elementosque,peranteoinimigo,

semostraramindignosdepertenceremaoPartido”eas“condutasexemplares”,pode

ler-se:

“FranciscoInáciodaCosta(RaioX)foiexpulsocomotraidordoPartido,por

ter denunciado casas ilegais e camaradas, ter prestado inúmeras

declarações sobreo trabalhodoP. E caluniado torpementeoPeos seus

quadros.AlbanoAlves Simão (CarlosAlberto).AgostinhoMourão (Abílio),

Joaquim Roque (Ramos) foram igualmente expulsos por terem prestado

declaraçõessobremilitantesdoMovimentodeUnidadeNacional.”

Noanoseguinte,em1947,“assiste-seaumaimplacávelvagarepressivasobre

oPCP”64comdezenasdeprisões,entreosquaisadeFranciscoMiguel,membrodo

ComitéCentraleresponsávelpelaorganizaçãoaSul.Énasequênciadesterombona

direção do partido que, entre outros, é cooptado para suplente do Comité Central,

Mário Mesquita, “quadro experiente que já desempenhara funções dirigentes nas

JuventudesComunistasnosanos30”65.

Mas quatro anos depois, o partido sofre novo rombo, desta vez devido a

informaçõespassadasàpolíciaporMesquita.ÉassimqueoAvante!noticiaemAbril

de 1951, a sua expulsão do partido, citando um comunicado do Comité Central na

63EntrevistaaJoséPedroSoaresrealizadaa23deMaiode2017,emLisboa.Salvooutraanotação,todas

ascitaçõesatribuídasaJoséPedroSoaresresultamdestaentrevista64Madeira,p.165.65Madeira,p.575.

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sequênciadasua“repelenteemiseráveltraição”:“MárioMesquitatraidoraoserviço

dapolícia!” .Deacordocomo texto,emDezembrode1950,apósa suamulher ter

sidopresa,Mesquitafoivisitá-la,“entregando-seassimnasmãosdaPIDE”.

3.3“Indignidade,cobardiaetraição”

Ocontrapontoaoelogioaocumprimentodasregrasdebomcomportamento

era “o castigo e desprezo para os traidores”. Ou seja, pode ler-se na 4ª edição do

referido texto “Se fores preso camarada! que “aqueles que, esquecendo os seus

deveres de militantes, o seu nome e a sua honra de comunistas, prestam à polícia

declaraçõesqueservemo inimigoeprejudicamoPartidoeacausada libertaçãodo

nosso povo, não podem ser mais considerados como revolucionários sinceros e são

expulsosdasfileirasdoPartido.Aconsideração,amizadeecarinhoqueosrodeavaem

virtude da sua actuação política desaparecem, dando lugar ao desprezo dos seus

anteriores camaradas de luta, dos seus companheiros de trabalho e das próprias

pessoasque lhes sãoqueridas.O seunomepassaa serapontadocomosinónimode

indignidade,decobardia,detraição”.

Onãocumprimentodosdeveresfulcraisdeummilitantedeumaorganização

clandestinacomooPCP,duranteosanosdaditaduradeSalazareCaetano,constituiu

assim uma sombra a pairar sobre os comunistas e causou danos pessoais e nas

convicçõespolíticasdequemfalounos interrogatóriospoliciaisequefoidenunciado

publicamente.

O historiador Miguel Cardina na sua tese de doutoramento sobre os

movimentosmaoístasemPortugal,refere-seaosdanospsíquicoscausadospelaprisão

aos presos políticos a quem interessava vergar ideologicamente através da tortura

quer física quer emocional. “Numa investigação sobre as consequências clínicas dos

interrogatóriosdaPIDE/DGSlevadaacabologoaseguira1974,opsiquiatraAfonsode

Albuquerquetambémnotaraque,maisdoquefazerfalar,interessavaàpolíciapolítica

desapossaropresodasuaidentidadeesilenciá-lopormeiodatortura.Estainduziaao

silêncio na justa medida em que incitava à palavra: «falar» na PIDE, para além de

conceder provas passíveis de condenação em tribunal e de facilitar a perseguição e

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detençãodecompanheiros,significavacalarosujeitoqueseera”66.

Esse “calar o sujeito que se era” está presente na palavras de Joaquim

MonteiroMatias, advogadodemuitospresospolíticosque viria a ser presoquando

eramembrodaFAP(FrentedeAcçãoPopular):”(...)eu,oadvogadoquenadatemia,

era agora o recluso só e indefeso, impotente frente à fúria vingativa dos

torcionários(...) Já não era herói, temia o regresso inevitável e impiedoso à sala de

torturasdo3ºandardaPIDE”.67

Como o objectivo de prevenir fraquezas perante as polícias, durante os

interrogatórios, surgem no Avante! textos “didácticos” dirigidos os militantes para

quemaameaçadeprisãoéreal.Comoselêna1ªquinzenadeAbrilde1959,como

título“Napolícianãosefala”,háregistodealgumasdastorturas:

“’A polícia sabe tudo’, ‘não é possível resistir aosmétodos da polícia’, ‘a

políciajásabia’,eiscomoalgunspresospretendemjustificarasuafaltade

firmezaecoragemfaceaoinimigo.Algunsvãoaopontodefalaremdrogas

paraobrigara falar, etc. Sim,apolíciausa torturasdasmais refinadase

variadas, físicas (espancamentos, estátua, choques eléctricos, ruídos

estranhos com o propósito de enlouquecer, arrancar de unhas, etc) e

morais (isolamento, insultos, etc) mas não há drogas como não há

espancamentos, estátuaouqualqueroutra torturaquepossaobrigarum

homem ou uma mulher a falar, a fazer declarações à polícia, ou a

confirmar declarações desta, desde que esse homem ou mulher esteja

disposto a não fazê-lo, a defender a sua honra de patriota e a sua

honestidadeepessoaséria(...)”.

A questão do “falar na prisão” foi abordada pela jornalista, investigadora e

tambémantigapresapolítica,DianaAndringa,quepartiuparaarespostaàpergunta

inicialde JorgeSemprun68“porque razãoumapessoaseaguentaepor razãosenão

66Cardina,p.327.67JoaquimMonteiroMatias,MemóriadeTorturaEResistência (TemaseDebates/Circulode Leitores,

2013)p.127.68JorgeSemprun,ALongaViagem(Ambar,2002)pp174-179.

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aguentadiantedapolícia,duranteatortura”.Naconclusãodoseutrabalho,Andringa

acentua: “Tentarcompreenderoque levaunsatraíremeoutrosaresistiremfaz-nos

pensarqueestãoemjogoforçasmuitomaispoderosasdoquesimplesmentequererou

nãoresistir.E,compreendendoembora,nocontexto,osquecondenavamsemreservas

aquelesquecediamem interrogatórios–amaioriadasvezessemqueessacedência

fossemaisdoquemomentâneaesetransformasseem“colaboração”–parece-meque

valeapenapensarsenãohouve,doladoantifascista,algumaresponsabilidadenessas

cedências.(...)Etenhoacertezadequenãobastadizer‘Nãoprestesdeclarações’para

que não se fale, comoa tenho de que os que falamnão são, namaioria dos casos,

verdadeirostraidores”.69

Reveladordessa complexidadede casosedeestadospsíquicosdequemnão

resistiuéodepoimentodoantigopresopolíticoLuísMoita,dogrupodoschamados

católicos progressistas e sem quaisquer ligações ao PCP. “(...) incriminei terceiras

pessoas. Incluindo irmãos meus, o que foi particularmente penoso para mim. Mas,

digamos, numa situaçãodemuito pouco controlo psíquico. (...) aquilo [os efeitos da

tortura do sono] fez-me descer um degrau da consciência. Quer dizer, havia uma

despersonalização gradual (...) Digo muitas vezes que não sou herói nem traidor.

Agora,fraco,fui,seguramenteeissoéumacoisaque...bom,estánanossacondiçãoe,

provavelmente, nós não tínhamos suficiente preparação para encarar uma situação

daquelegénero”70.AindaMonteiroMatiastambémaindarefletesobreassequelasda

vivêncianaprisão:“Ospresos têmumatendênciaparase fechar,paranão falarmos

unscomosoutrossobreoquesepassou(...)Tenhoaimpressãodequenuncafaleicom

ninguém, com nenhum ex preso sobre o que se tinha passado, o que tinha dito ou

deixadodedizer(...)”71

Do outro lado da equação, do lado de quem foi vítima de traição, há um

sentimento ainda bem vivo de mágoa e de incompreensão em relação a quem

colaboroucomapolíciapolítica.

69DianaAndringa,‘“Falar”NaPolícia’,CaminhosDaMemória,2009.70AranhaandAdemar,p.252.71AranhaeAdemar,p.173.

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JoséPedroSoares,presocommaiscercadeumacentenadecamaradasdevido

à traiçãodeAugusto Lindolfo, que terá fornecido informaçãopormenorizada à PIDE

emtrocadaliberdade,realça,noentanto,adiferençaentresertraidorefraquejarnos

interrogatórios.“Umacoisaéfraquejareoutraétrair.Seidepessoasquefraquejaram

equeficarammarcadasparaorestodavida.Masaessesopartidonãotratoucomo

traidores.Os traidores colaboraram comaPIDEde forma continuada e em trocade

favores,entregandopartesimportantesdaorganização,destruindoligações.Segundo

julgo saber, o Lindolfo, depois de ser libertado voltou a dar novas informações à

polícia”.

AugustoLindolfoviriaaseralvodeumatentadoaquesobreviveu,emJaneiro

de1973.Aaçãonãofoireivindicada,masdeacordocomohistoriadorJoãoMadeira

“foiatribuídoàARA”72.JoséPedroSoaresadmitequepossatersidoobradealguém

vítimadatraição,mas,pessoalmente,dizquenadasabesobreoassuntonemsobreo

percursoposteriordotraidor.“Nãofiznadaparaoprocurar,ouvidizerquetinhaido

paraAngola.Admitoqueseo tivesseencontrado logoa seguira ter saídodaprisão

tinha-lhe batido...muito. A traição é imperdoável. Já a fraqueza é compreensível e

muitos camaradas sofrem ainda hoje por não terem resistido às torturas e

involuntariamente terem confirmado nomes ou revelado um ou outro pormenor da

organizaçãoemqueestavaminseridos,semnuncaseterembandeadoparaoladoda

polícia.Istonadatemavercomtraição.”

NaspáginasdoAvante!,noentanto,tudoeramaissimples:quemse“portava

mal”naprisão,mesmoqueosdanosnopartidonãofossemdemonta,nãoescapava

desertratadocomo“traidor”,“provocador”ou“bufo”e,alémdaexpulsão,eracertaa

denúnciapública.

Mas nem sempre essa linearidade era observada.Na análise em curso neste

trabalhoénotórioquenosanos70ejánofinaldadécadaanterior,aspreocupações

reveladas nos textos publicados no Avante! centram-se menos na denúncia de

traidoresoudaexaltaçãodeheróisdoqueacontecianos anos40e50.No final do

regime, dado o contexto internacional hostil à ditadura em particular devido à

72JoãoMadeira,HistóriaDoPCP(TintadaChina,2013)p.578.

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manutençãodaguerracolonialenarecusadeSalazar/Caetanoemabrirmãodoque

restava do império, o Avante! volta-se mais para fora, noticiando os ecos do

isolamento internacional do regime, as atrocidades cometidas pelas tropas

portuguesas nas colónias, bem como os avanços dos movimentos de libertação. O

noticiáriosobreavidainternadopaísedepartidorefletiaaestratégiadedenunciaro

logrodachamada“primaveramarcelista”queremtermoseconómicosquerpolíticos,

revelando exemplos dos problemas financeiros nacionais, do endurecimento da

censurasobreaImprensaeavagarepressivasobreosoposicionistas.Nessaestratégia

é tambémclaroocrescenteempenhoempublicar sinaisdacontestação internanas

Forças Armadas à guerra nas colónias. Exemplar dessa linha político-editorial é a

edição nº449 doAvante!, que exibe a toda a largura da primeira página o seguinte

título:“Urgepôrfimàguerracolonial”.Nabasedapágina,atodaalargura,vêem-se

duasfotografiasdesoldadosportuguesesenvolvidosnummassacreaumangolano.

Énestequadroqueo casoda traiçãodeAugusto Lindolfo nãoédenunciado

publicamentedoAvante!,depoisdetersidonoticiadocomdestaquena1ªpáginada

ediçãodeJulhode1971,asuaprisãonosseguintestermos,citandoumacomunicado

dacomissãoexecutivodoComitéCentral:

“A PIDE-DGS prendeu em fins de Maio o destacado militante comunista

AugustoLindolfo.Libertadoem1968,depoisdemaisdeseisanosdeduro

cativeiro nas cadeias fascistas, Augusto Lindolfo, tendo embora a saúde

bastante debilitada, retomou o seu posto de combate nas fileiras do

partidoda classe operária e no seuquadro clandestino.Augusto Lindolfo

estásertorturado.APIDE-DGSestáadescarregarsobreeleoseuódioao

partido Comunista, à classe operária, ao povo português. Ódio acrescido

pelosrecentesemagníficossucessosdalutapopular.OPartidoComunista

tem fortes razões para recear pela vida de Augusto Lindolfo. O Partido

Comunista Português chama a classe operária a agir prontamente em

defesadavidadeAugustoLindolfoeapelaparaasolidariedadeactivade

todososdemocrataseantifascistas”.

Nonúmeroseguinte,aindaLindolfoeraumherói.

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“SalvemosAugustoLindolfo!OcamaradaAugustoLindolfocontinuaaser

torturado nos antros da PIDE-DGS. Sua mulher foi também presa, nos

princípiosdeJunho,comumafilhinha,decercadedoisanos,queàdatada

nossaúltimainformaçãopermanecianacadeiadeCaxiasjuntamentecom

amãe.UrgeredobraraacçãoemdefesadocamaradaAugustoLindolfoe

dasuamulherefilha”.

A seguir, o seu nome desapareceu das edições do órgão central do PCP. A

campanha, nacional e internacional, pela denúncia dos métodos da polícia e pela

amnistiadospresospolíticos, aparda contestaçãoàguerra colonial edoapoioaos

movimentosdelibertaçãodascolónias,passou,comojáreferimos,aocuparapartede

leãodasediçõesdosúltimosanosdoAvante!clandestino.

3.4“Cuidadocomeles”

A denúncia pública de quem é suspeito de se ter portado mal nos

interrogatórios policiais oude ter passado a ser informador dapolícia política surge

publicadanoAvante!emtomdeaviso.Érecorrenteaexistênciadetítulosgenéricos

como“Cuidadocomeles”paradenunciarquemsefazpassarpeloquenãoé.

EmAgostode1948épublicadaumadenúnciaque ilustrabemanecessidade

deexporumcomportamentomoralmentecondenáveldeumantigomilitante.

“António Baptista, ex-prisioneiro do Tarrafal, não gostando muito de

trabalhar, arvorando-se de mártir, dizendo-se comunista, a extorquir

dinheiroaosdemocrataspor várias terrasdopaís,principalmente Lisboa,

PortoeBarreiro”.

Oexemploseguinte,datadeJulhode1949e,emboraotipodelinguagemseja

idêntico e o título continue a ser “Cuidado com eles”, configura uma situaçãomais

gravequesereveloudanosaparaaestruturaclandestinadopartido:

“Os democratas portugueses não devem esquecer o nome do

administradordeÁgueda, JoséSoaresFeio,queassaltouacasadonosso

camaradaMilitãoeaíprendeuLuísaRodriguesedenunciouàPIDEacasa

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doLuso,oquemotivouaprisãodosnossos camaradasCunhal,Militãoe

SofiaFerreira”.

Noano seguinte, em Julhode1950, é reveladaaindaoutro tipode situação,

envolvendodestavezumagenteinfiltrado,masotítulovoltaser“Cuidadocomele”:

“Há alguns anos veio de LourençoMarques para o Continente o agente

provocador CarlosAlberto Pais, que se havia introduzido noMUD Juvenil

onde provocou a prisão de dezenas de democratas. Como este individuo

tentapassar-seporboapessoadizendoquefoiexpulsodacolóniapelasua

actividadeanti-fascistaeassimiludirosdemocratas(...).”

Os avisos/denúncia surgem com uma ambivalência que permite revelar ao

conjunto dos leitores do Avante! os diversos tipos e mau comportamento dos

militantes e, simultaneamente, alertar para o perigo que determinados indivíduos

representamparaamanutençãodoaparelhopartidário.EmOutubrode1950,podem

ler-se dois textos elucidativos desta diversidade de objectivos. Um emana de um

“esclarecimento” do secretariado do Comité Central do partido e está redigidos nos

seguintestermos:

“Tendo chegado ao conhecimento da Direcção do Partido que algumas

pessoasaindaolhavamossenhoresMiguelRussel,SebastiãoViola,Silvino

Leitão e Edmundo Pedro como membros do Partido Comunista, vem

esclarecerquenadatêmdecomumcomopartidodoProletariado.”

O outro texto da mesma edição, intitulado “Desmascaremos um traidor”, é

maispormenorizadoeconstituiumbomexemplodaconfluênciadeobjetivosquese

pretendeatingir-explicarqualfoiocrimeesuaconsequênciaemostrarajustezado

castigoaplicado:

“OPartidoComunistaPortuguêsexpulsoudassuasfileirasJoaquimdaSilva

Couceiro, ex-operário vidreiro, e ainda hoje presidente do Sindicato dos

Vidreiros daMarinha Grande, pelas seguintes razões: Em primeiro lugar,

tendosidopreso,JoaquimdaSilvaCouceirodenunciouàpolíciaoutrosanti-

fascistas,entreosquaisAntónioLopesdeAlmeida,assassinadopelaPIDE

em1949.Emsegundolugar,Couceirosaiuemliberdadedevido:a)tersido

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napolíciaumdenunciante;b)àinterferênciadofascistaCastroFernandes,

à data subsecretário das Corporações; e c)depois de ter assumido

compromissoscomaPIDE.Este indivíduoque traiuoPartidoeaclassea

que pertenceu e que nele confiou nãomerece, portanto, a confiança dos

trabalhadoresedosportugueseshonrados.Umadastarefasfundamentais

dostrabalhadoresvidreirosdaMarinhaGrandeéexpulsarJoaquimdaSilva

Couceirodadirecçãodoseusindicato,comodevemserexpulsosdoseioda

classeoperária,todosostraidoreseagentesdoinimigo”.

Ocuidadoeratambémnecessáriocomosexemplosquevinhamdefora,atéde

Hollywood.CuriosaéanotíciadetectadanaediçãodeAgostode1948sobreoactor

norte-americanoGaryCooper,cujonomepassaráconstardo“índex”doAvante!.

“Há tempos apareceu em Portugal uma reprodução de um discurso

pretensamente comunista deste artista de cinema. Avisamos os nossos

leitores que esse pretenso discurso foi fabricado pelos fomentadores de

guerraamericanosparadesorientaremasmassasecriaremsimpatiaspelo

fascistaactivoqueéGaryCooper.Depondoultimamenteperanteacélebre

Comissão de Actividades Anti-Americanas, revelou-se um bufo da pior

espécie, denunciandomiseravelmente como comunistas os seus rivais no

ecran.MaisavisamosquenãoserãopublicadasnoAvante!rubricascomo

nomedessefascistaebufo.”

3.5“Provocadoresetraidores”

Amiúde no mesmo texto são denunciados militantes que traem os

companheiroseoutrospessoassobreasquaishásuspeitasdesereminformadoresou

mesmomembrosdaspolícias.Éumaamálgamapropiciadoradeumaconfusãoentre

quemfalavanaprisão,osinformadoresdapolíciaeosagentesdaPIDE.Aoabranger

sobomesmotítulocasosdiferentes,estasrubricasregularesnoAvante!colocamao

mesmo nível a polícia, quem colabora com ela e os que fraquejaram nos

interrogatórios sem que, no entanto, se tenhampassado para o outro lado ou cuja

fraquezanãosignificouumatraição.

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A questão da diferença entre trair e fraquejar, à qual já nos referimos ao

citarmos José Pedro Soares, atravessa todo o debate em torno do mau

comportamentonaprisão.Numdepoimentoprestadonaqualidadede antigopreso

político,ohistoriadorFernandoRosasestabelececlaramenteadistinçãoentrequem

traiuequemfraquejou.“Honraparaosqueresistiramegranderespeitoparaosque

nãoresistiram.Sãopessoasque,apesardetudo,nãodesistiramdassuasconvicções,

nãodesistiramdassuasescolhasearriscaram.Equemerecemonossorespeito.Sónão

merecerespeitoquemsebandeouparaoladodelá,quemtraiu,noverdadeirosentido

dotermo,quemsebandeouparaoinimigo,sedispôsvoluntariamenteapassarparao

outro ladopara trairasuagente.Essesnãomerecemrespeitonenhum.Aquelesque

lutaram e não se aguentaram, que lutaram e não conseguiram, merecem todo o

respeito”73.

Essa diferença existia ao nível interno, mas publicamente, nas páginas do

Avante!,comojásublinhámos,elanãoeraclaraeéreconhecidohojequehouvecasos

de injustiça na denúncia pública. Domingos Abrantes assume: “Houve casos de

injustiça,masonúmerodebufoseraenorme.Chegavaainformaçãodedeterminada

fábrica em que o porteiro era bufo, era dado como certo e emmuitos casos eram

mesmo(...)o perigo de pôr em causa a organização do partido era enorme. Por isso,

valiamaisagenteassumirqueé[bufo]doquepensarquenãoé,porqueasegurança

eratudo(...)Acimadetudoestavaasegurança.Épreferívelcometerumainjustiçado

que se pôr a segurança em perigo. É verdade que se pode arriscar pôr em causa a

honestidadeeobomnomedeumapessoa,mas,noutroscasos,pode-sepôremriscoa

própriavida,aorganização,tudo”.

AdenúncianoAvante!caracteriza-seporumalinguagemparticularmentedura

queMargaridaTengarrinhajustifica:”Algunscamaradasforammiseráveiseofactode

sedenunciarqueeratraidoreraimportanteecontinuoaacharisso.Numavidacomoa

quenós tínhamos,naclandestinidade,eravitalqueas traições fossempublicamente

denunciadas”. A militante comunista reconhece que houve casos em que a polícia

políticaengrandeciaasuaatuaçãopropagandeandoterconseguidovergarprisioneiros

73AranhaandAdemar,p.120.

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nosinterrogatórios,masassume:“MaisdoqueapropagandadaPIDE,osfactoséque

demonstraram as traições. Porque se um traidor conhece determinadas células e se

essascélulascaemnamãodaPIDE,nãoéaPIDEqueestáadisfarçar,foiotraidorque

denunciou. O traidor é descoberto pela sua própria traição.(...) E se não for

denunciado, o traidor pode continuar a fazer um péssimo trabalho junto dos

camaradasquenãosabemqueeleumtraidor.Quandootraidorpassaaserconhecido,

háumcorte,aPIDEdeixadeandaratrásdeleediminuioriscodeoutroscamaradas

serempresos.(...)quemassumiu,porseuhonra,aresponsabilidadedenãotrair,essa

pessoadevesofrercomotraidoroquejásabiaqueiriasofrerporisso”.

Umexemplodeexposiçãopúblicadeelementosdapolíciapolítica infiltrados

pode ler-se na primeira quinzena deDezembro de 1942, num texto que adverte os

leitoresparaos“PoliciaseProvocadores”:

“Participamos a todos os anti-fascistas e especialmente aos das

Construções Navais de que Carlos Paiva Mendes, serralheiro civil, que

trabalha nessa empresa, é uma agente policial e de distingue

particularmente na denuncia de operários, quando dos últimos

acontecimentos. Previnem-se igualmente os operários da Fábrica de

Cimentos Tejo que, segundo nos informam, o engenheiro Sousa Lobo é

polícia da P.V.D.E. O nº da sua ficha é o 81. Em Coruche, existe um

indivíduo, negociante de cortiça conhecido por sr. Silva, que é de Lamas

(Feira) e fazmuitas viagensa Lisboa. Esse ‘cavalheiro’ estáao serviçoda

políciadeinformações”.

Deoutrotipodetexto,comomesmopropósitodedenunciaragentespoliciais

ou informadores, é exemplo o publicado na segunda quinzena de Julho de 1942,

intitulado,“Aviso”:

“Prevenimos todos os anti-fascistas que o automóvel da marca Willis,

preto, com friso vermelho, que tem amatrícula LB-10-12, tripulado pelo

motoristaCasimiroRoqueeque fazpraçaemS. SebastiãodaPedreira,é

suspeito,poisomotoristaéumpolíciaeandaarmado”.

Sãousadosalgunselementosidentificadoresacessóriosdapessoaadenunciar,

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bemcomohábitosouproximidadesdeamizadeefamiliares.Éoquesepodelerna1ª

quinzenadeJulho,naqualháumtextodedenúnciadedois“esbirrosdofascismo”e

depessoasquelhessãopróximas:

“Francisco RebeloMesquita, director do ‘Notícias de Famalicão” e sócio-

gerente da Tipografia Aliança, também de Famalicão, é da polícia de

Informações.Suamulher,queé telefonista,namesmavila, fazserviçode

denúncias. João Arnaldo Rodrigues da FonsecaMaia, que vive no Porto,

desenvolve uma imensa actividade policial. Está para casar com uma

raparigachamadaHelenaGonçalves,quehápoucoeraaindaempregada

dacasaBial,comquemtambéménecessárioterprudência.”

Namesmaedição,umtextointitulado“Traidoresàclasseoperária”,érevelada

aatitudedeumantigoanarquista:

Quando das greves operárias de outubro-novembro (...) o antigo

anarquista Domingos Miguel, aproveitando a influência que exercia em

Almada,sabotouomovimentodasuafábrica,aconselhandoporinstigação

dopatronato,osseuscompanheirosdefábricaaretomaremotrabalho.(...)

Aoreferirmosestefactonãoofazemosparaferirosanarquistassinceros,

que lutam com as massas como dignos filhos da classe operária.

Desmascaramos este traidor este traidor à classe operária como temos

sempredesmascaradoostraidoresquepertencemaonossopartido.(...)”.

Maisdois“provocadores”sãoreveladospublicamentenaediçãoseguinte:

“Manuel Tavares, de 18 anos, baixo, de cabelo louro, encaracolado, é

políciadeinformaçõesefaztodososdiasopercursoPinheirodaBemposta-

Porto.AlfredoDiasdeCarvalho,chefedabrigadadebalanceiros,Alhandra,

entregoudoisoperáriosàpolícia”.

Adescriçãofísicadossuspeitosdeseremagentesouinformadoresdaspolícias

é recorrente nos avisos publicados no Avante!. Numa notícia inserta no nº42, da

segunda quinzena de Outubro de 1943, são enumerados os “sinais” de alguns dos

“políciaseprovocadores”.

Umoutro aviso curioso é o que se pode ler na 1ª quinzena e Novembro de

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1943:

“JoséGonçalvesdaLeonor,queemtemposfoimilitanteoperário,dedica-se

afazerviagenspelaprovíncia,dirigindo-seaanti-fascistas,burlando-osem

quantiamais oumenos elevadas, o que consegueumas vezes dizendo-se

perseguido político, outras vezes pedindo dinheiro para fins

revolucionários, outras vezes, ainda, afirmando sermembro do P.C., etc.

etc.”

NaprimeiraquinzenadeJulhode1944,vemosmaisumexemplodopormenor

aquechegaàdiscriçãofísicadeumindivíduoedasuavestimenta,chamadoGabriel

Gonçalves,acusadodeseragentedaP.V.D.E.:

(...)“Ébaixo,magro,aparentando20a25anos.Pelobranca,cabelo louro

muito claro, colarinhos engomados, com fato cinzento às riscas algumas

vezes, outras vezes de fato preto, sempre bem vestido. Fala muito bem

inglês. Faz serviço principalmente entre Espinho e Porto, e no Porto,

sobretudo no Café Imperial e na zona compreendida entre a Praça da

Liberdade e a do Marquês de Pombal. Mora na Pensão Minho, rua

FernandesTomaz.”

O mesmo tipo de linguagem é usado para expor publicamente os que

fraquejaramnaprisão.Eessadenúnciatantovaliaparaquemtinharesponsabilidades

no aparelho clandestino e, por consequência, as suas revelações à polícia política

representavam realmente um perigo para a segurança do partido e dos militantes,

comoparaquemselimitaaconfirmarnomesqueapolíciaatiravaparainterrogatório

enadasabiasobreonívelsuperiordaorganização.

Nonúmeroseguinte,deOutubrode1952,é reveladoraanotíciadoAvante!,

intitulada “Alerta contra os traidores e provocadores” na qual, em termos quase

idênticossedenunciatraidoresedissidentes.

“Joaquim Ventura, de Monchique e o dr. António de Sousa, ambos

residentes actualmente em Lisboa, são dois traidores da pior espécie.

JoaquimVentura,quedesertouda lutaepassoua terumavidasuspeita,

facilitou a sua prisão pela PIDE e entrou abertamente no caminho da

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traição.PostorapidamenteemliberdadepelaPIDE,passouaservi-lacomo

agente provocador. António de Sousa, que muita gente julga ser um

intelectual progressivo, é um reles burlão que se apoderou de bastante

dinheiro que se destinava à luta democrática. (...) Gabriel Pedro, Carlos

CarvalhoeAialasãotrêscaluniadoreseintriguistasdapiorespécie.Aialae

Gabriel Pedro acobertaram e defenderam até ao fim o miserável Mário

MesquitaeentraramnocaminhodaintrigaecalúniacontraaDirecçãodo

Partido e o saudoso secretário-geral Bento Gonçalves, não obstante este

ter sidoassassinadohá já10anos.CarlosCarvalhoparaacobertara sua

cobardia ante o agudizar da luta, escolheu o caminho da intriga e da

calúniaàDirecçãodoPartidoedeoutroscamaradas.

Toda esta gente acobertada por uma pseudo discordância com a

orientação do Partido, fazem um trabalho de desagregação e de

provocação, usando para tal da arma torpe da intriga e da calúnia. Esta

acção provocadora prejudica fundamentalmente a unidade dos

democratas,patriotaseamigosdapaznasua lutapelaDemocracia,pela

IndependênciaNacionale pelaPaz.TodososmembrosdoPartidodevem

escorraçar estes provocadores do seu convívio e desmascará-los

implacavelmente.AconselhamososdemocratassemPartidoaseguiresta

mesmaorientação.

Osquesentiremreceiodetomarumaposiçãofirmedevemrepararqueé

justamentenocontactocomespiõeseprovocadoresqueseenxovalhame

searriscamaoperigodeseveremenvolvidosemprovocaçõespreparadas

poreles.

Escorraçar do nosso convívio e desmascarar sem vacilações os traidores,

provocadoreseespiões,esteéocaminhojustoaseguir.”

3.6“Miseráveis”

Já sublinhámos que o substantivo “miserável” é uma das designações mais

usadas pelo Avante! para se referir a traidores, que nalguns casos são também

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dissidentes, incluídos todos também na categoria de “inimigos do povo”, como

tambémjáfizemosreferência.

Esses militantes caídos em desgraça e denunciados publicamente só podem

esperardesprezoporpartedopartidoedacomunidadeemqueestão inseridospor

viadascumplicidadescriadaspelaresistênciaàditadura.Exemplaréotextopublicado

emJunhode1959,intitulada“TrêsinimigosdoPovo”:

“OAvantedenunciahojetrêsmiseráveisque,bandeando-secomoinimigo

fascista, prestam serviço activo aos opressores do nosso povo. São eles,

José ouManuelMarinho, ex-empregadoda CUFdoBarreiro,Manuel de

DeusAmador,ex-empregadodaHeuser&Fernandes,doPoçodoBispo,e

Joaquim Malaquias, ex-operário corticeiro, de Santiago do Cacém. Estes

trêsmiseráveisdevemserexpelidosdoconvíviodetodaagentehonestae

votadosaodesprezoeaoisolamento.Entreeleseonossopovonadapode

haverdecomum”.

Aqui, o conceito de comunidade é alargado para “gente honesta”, encarado

como sinónimode “povo”.Ou seja, em relaçãoaos suspeitosde traição,nãobasta

bani-los da família comunista, é sugerido que sejam excluídos de todo o convívio

social. Dois números depois, em Setembro de 1959, um desses “inimigos do povo”

voltaa sernotícianoAvante!paraque fique claraeprovadaaeficáciadadenúncia

anterior.

“Asmassaspopulares repelemos traidores.O traidorManuelAmador foi

colocado pela PIDE como apontador na fábrica SIAM de Alhandra. Ao

terem conhecimento de quem era o novo apontador, quase todos os

operários da fábrica se dirigiram à gerência pedindo que o tal indivíduo

fosseexpulso.(...)eisumexemploquedeveserseguido”.

Oepítetode“miserável”surgeparaapodarmilitantesdopartido,cujatraição

acabaria por causar danos graves no aparelho clandestino. É o caso de JoséMiguel

(‘Lambanas’),queàépocadasuaprisão(presoa28deFevereirode1961elibertado

dois meses depois), era membro suplente do Comité Central, e que foi notícia na

primeiraquinzenadeJulhode1961:

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“(...) o miserável José Miguel, cuja permanência no partido era ainda

produto dos restos da tendência anarco-liberal denunciada e combatida

pelo Comité Central, traiu criminosamente o nosso Partido. Para melhor

atingirosseusfins,esteviltraidorprocurouinicialmenteenganaroPartido.

Porém,umavezpostoemliberdade,desmascarou-seaoactuaremaberta

econfessadacolaboraçãocomaPIDE.Atraiçãodestecanalhaéumcrime

contraonossopovoquelutaparaderrubarofascismo.OComitéCentral,

aoexpulsardas fileirasdoPartidoeste infametraidor,aponta-oa todoo

povo como um inimigo ao qual deve ser manifestado o maior desprezo

ondequerqueseencontre.”

AlémdestanotíciadoAvante!,umavezqueJoséMigueleraoperárioagrícola

deVilaNovadeSãoBento,noconcelhodeSerpa,ojornalOCamponês,nasuaedição

nº86, de Maio-Junho de 1961, denuncia a traição e apela ao “ódio sagrado dos

trabalhadores”. A 17 de Julho, José Miguel foi encontrado morto com três tiros à

queima-roupa. A execução de José Miguel, como, aliás, qualquer outra, não foi

assumidapeloPCP,mas.deacordocomumdocumentoapreendidoaBlanquiTeixeira,

citado por José Pacheco Pereira74, “a sua traição encontrou pela frente três balas

justiceirasdenãosabemosdequerevólvereaignomíniadesceuàcovacomele”.

A linguagem usada na denúncia pública dos traidores revela, como temos

notado, um apelo à condenação ao desprezo, ostracismo e até à vingança, mas a

questãodocastigoaaplicaraostraidoresnuncafoiclarificada.

A propósito de um outro dirigente, Rolando Verdial, cuja traição teve

consequênciasmais graves do que a de JoséMiguel, há relato75de uma reunião da

Frente Patriótica de Libertação Nacional, na qual Cunhal, mantendo-se contra a

eliminaçãofísicadetraidores,teráadmitindo:“emborasejambemmetidastrêsbalas

nocorpodos traidores”.OcasodeVerdialé interessante isolarporser reveladorde

diversosníveisdeprotagonismopúblico.

74Pereira,ÁlvaroCunhal,UmaBiografiaPolítica,OSecretário-Geral(1960-1968),p.54..75Pereira,ÁlvaroCunhal,UmaBiografiaPolítica,OSecretário-Geral(1960-1968)p.249.

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Em Novembro de 1960, Verdial começa por ser notícia através damorte da

mãe,queérelatadanoAvante!,emfunçãodasituaçãoemqueseencontravaofilho,

preso em Caxias. Os termos do texto são interessantes numa análise de conteúdo,

umavezqueapelamàemoção,numquadrodedicotomiaentreverdugoseherói:

“D. Emília Verdial, morte em consequência das perseguições às famílias

dos presos.D. Emília Verdial,mãe do democrataRolandoVerdial que há

longosanosaguardajulgamentonasprisõessalazaristas,veionodia6de

Outubro a Lisboa visitar o seu filho ao Forte de Caxias. Nessa Bastilha

salazarista não lhe foi permitida a visita por ter chegado algunsminutos

depoisdahora.Oscarcereirosnãoatenderamàsuaavançadaidade,não

tiveram em conta a dispendiosa e fatigante viagem que fizera nem se

sensibilizaram com a dor de umamãe que tem um filho encarcerado há

longos anos. No dia seguinte concederam a visita mas preparavam um

suplíciomaior:nãoconsentiramqueospaisseaproximassemdofilhonem

o beijasse e abraçassem. E assimmais umatentado contra a perseguida

família Verdial: passadas algumas horas e já no regresso ao Porto, D.

Emília Verdial não resistiu ao sofrimento que lhe infligiram chegando já

semvidaàsuaresidência.OscriminososdaPIDEnãoficaram,porém,por

aqui. Não autorizaram que Rolando Verdial, mesmo sob prisão, se

deslocasseaoPortoparafazerasderradeirasdespedidasasuamãe(...)”

RolandoVerdialseriaposteriormentepostoem liberdadeeé jáemFevereiro

de1963queoAvante!noticiaumanovadetenção,numa‘orelha’da1ªpágina,aolado

docabeçalho:

“Nanoite de 3 de Fevereiro umabrigadada PIDE prendeunuma rua de

LisboaRolandoVerdial,funcionáriodonossoPartido.Emdiasanterioresa

PIDEprenderaoutrosmilitantes comunistas do sector de Lisboa. Rolando

Verdial,queagoraépresopelaquartavez, jápassou8anosnas cadeias

salazaristasdeondeseevadiuporduasvezesem1957eem1961.Neste

momento, Rolando Verdial e os seus companheiros estão sofrendo as

torturas da PIDE. Defendamos a vida destes lutadores, prestando-lhes a

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nossasolidariedademoralematerialedirigindoprotestosàsededaPIDEe

aogoverno”.

Na edição seguinte, surge uma nova notícia, também na primeira página do

jornal. Desta feita, além de serem revelados novos pormenores sobre o aparato

público que levou à sua detenção, é avançado o nome do “traidor” que o terá

denunciadoàpolícia.

“No dia 3 de Fevereiro, foi preso numa rua de Lisboa Rolando Verdial,

entreguemiseravelmenteàPIDEpelotraidorPedroManuelSantos(...).As

vidas de Rolando Verdial e dos outros membros do Partido presos na

mesma altura, devem ser salvas. Que sejam enviados postais e feitos

centenas de telefonemas para a PIDE e M. do Interior, exigindo a

comunicabilidadeelibertaçãodeRolandoVerdialeseuscompanheiros.”

Mas três edições depois, na 2ª quinzena de Maio de 1963, nas páginas do

Avante!,RolandoVerdialdeixadeseroheróitraídoparapassaratraidor,numtexto

quetemcomotítulo“SalvemosFernandoBlanquieosseuscompanheiros”:

“OPartidoComunista,quenãopoupaesforçosnalutapeloderrubamento

daditaduraterroristadeSalazar,foiatingidopornovogolpepolicial.Num

ofensiva simultânea, as brigadas da PIDE, apoiadas pela PSP, assaltaram

numerosas casas na região de Lisboa e em Coimbra, fazendo diversas

prisões.(...listadepresos) OcomunicadodaPIDEmente!APIDEgaba-se

de,graçasàssuas‘investigações’terlocalizadoFernandoBlanquieosseus

companheiros, mas a verdade é que este golpe da PIDE se deve

inteiramenteàmiserável traiçãodeRolandoVerdial,queforapresoem3

deFevereiropassadoequeseaproveitoudaconfiançaqueganharanoseio

do Partido e do movimento anti-fascista para denunciar à PIDE os seus

antigos companheiros de luta.A traiçãodeRolandoVerdial confunde-se

inteiramentecomaescumalhadecriminososdaPIDEeomesmodestino

queosseuscúmplices.”

Aspalavrasdedenúnciadotraidorvãotornando-semaisacutilantes,àmedida

que os efeitos da traição são conhecidos na máquina clandestina. É assim em

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Setembrode1963,onomedeVerdialvoltaaserexpostopublicamente,nosseguintes

termos:

“(...)nodecorrerdetãoárduacomohonrosalutatêm-sereveladoosnomes

dosheróisemártiresdonossopovocujamemóriaperduraránamentee

coraçãodaclasseoperáriaedopovoportuguês.Masadurezadalutatem

revelado também os pusilânimes cobardes que não souberam enfrentar

dignamente o inimigo fascista ao serem presos pela PIDE, traindo assim,

todos os seus compromissos. Estão neste caso os dois indivíduos cujos

nomeshojeexpomosàexecraçãopública–RolandoVerdialeIsidroPaula.

Pelosseuportemiserávelestastraidorestransformaram-seemservidores

dosinimigosdaclasseoperáriaedopovoportuguêsfacilitandoaacçãoda

PIDEcontraoPartidoeoPovo”.

Sematenuantesnemcontemplações,Verdialéincluídonoroldosinimigosda

classeoperáriaperanteacomunidadedosleitoresdoAvante!,cujamaioria,dadasas

circunstâncias da clandestinidade, desconhece a real dimensão dos estragos que a

traiçãoprovocounoaparelhopartidário. Éohistoriador JoãoMadeiraque se refere

aos “efeitos devastadores das declarações prestadas na polícia por quadros

importantesdopartido–RolandoVerdialem1963,NunoÁlvaresPereira,em64-65,

FernandodeSousaem67eAugustoLindolfoem1971–nãosóprovocavamsucessivas

razias nas fileiras partidárias como alimentaram a reserva, a desconfiança e o

distanciamento”76. É o mesmo autor que revela serem difíceis de contabilizar “os

efeitosdirectoseindirectosdasdeclaraçõesprestadasporRolandoVerdialnapolícia,

em1963,comquempassouacolaborar,remuneradoeprotegido.Masessesefeitosna

MargemSul,naregiãodeLisboa,comoportodasaszonasporondepassouedeque

tinhaconhecimento,foramdevastadores.”77

Domingos Abrantes, que privou com Verdial na clandestinidade, comenta o

conteúdodasnotíciasdoAvante!,nasquaisumheróipassaavilãodeumaediçãopara

outra.“Éumfacto.SemetivessemditoqueoVerdialse iaportalmal,custava-mea

76Madeira,p.718.77Madeirap.786.

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acreditar,masaconteceu.Achoqueeletinhaumdesequilíbriopsicológico,masnunca

acheiqueele ia falar.Essasnotícias, tantoasqueexaltavamobomcomportamento

comoasquecriticavamomau,eramimportantescomoestímulo,comoexemplo”.

4.Heróis

4.1”Liberdadeparaospresos!”

Seháheróisnamilitânciacomunistacontraaditadura,noOlimpoestãoosque

naprisãodavamoexemplocomobomcomportamentonosinterrogatóriopoliciaise

napreparaçãodasfugas.Afugaeraumaconsequêncialógicadaprisão.Comoescreve

CarlosBrito,relatandoaospreparativosparaasuafugadacadeiadoAljubeemMaio

de 1957, “mal assentámos arraiais nas novas instalações, começamos a avaliar as

possibilidadesdefuga.Aocabodeumasemana,nãomais,decogitaçõesindividuaise

reflexõescolectivasarespostafoiafirmativa:haviacondiçõesdefuga”78.Nasegunda

quinzenade Junhode1957,oAvante!deudestaqueaessa fuga, como sempre fez,

exaltando-acomoatoheroicodequemparticipounela:

“Ganhandoforçaeaudácianasuafirmezadelutadores,jácomprovadaem

muitasacçõesdemocráticasperanteoinimigo,ocamaradaAméricoG.De

Sousa e os democratas Rolando Verdial e Carlos Brito conquistaram a

liberdadeatravésdeumacorajosafugadoAljubedeLisboa.(...)saudamos

todososcamaradasqueigualmenteediariamentelevantamnasprisõese

foradelasagloriosabandeiradoPartidoComunistaPortuguês”.

Entreosgrandesatosheroicos,afugadeÁlvaroCunhal integradonumgrupo

dedezpresosdacadeiadePenicheestáemprimeiro lugareocupaquasetodaa1ª

páginadaediçãodaprimeiraquinzenaJaneirode1960,sendoqueorestanteespaçoé

preenchidocomoutrasnotíciasrelacionadascomasituaçãodospresospolíticos.Uma

1ª página plena de heróis. Da notícia da grande fuga, vale a pena reproduzir uma

saudaçãodosevadidos,umaespéciedemanifestopolítico,querevelaaconsciênciado

78CarlosBrito,TempodeSubversãoPáginasVividasDaResistência(NelsondeMatos,2011),p.73.

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impacteaevasãonosmeiosoposicionistas,bemcomooalcancedoAvante!alémdos

militantes:

“Ao alcançarmos a liberdade e ao retomarmos o posto de combate,

suadamosantesdomaisonossoPartidoeoPovoPortuguês,afirmandoa

nossadeterminaçãodeosservircomoatéhojenalutapelainstauraçãoem

Portugal de um regime de liberdade e legalidade. Saudamos todos os

portugueses honrados, qualquer que seja a sua ideológica e crença

religiosa; saudamos todas as forças e correntes anti-salazaristas,

salientando a importância e a urgência da Unidade como condição

fundamental para a solução do problema político português. (...)Muitos

dedicados filhos do povo português continuam nas prisões fascistas,

sofrendo torturas e longos anos de prisão. A acção dos patriotas

portugueses apoiada pelos trabalhadores e democratas do mundo

conseguirálibertá-lostambém.”

Como já fizemos referência neste trabalho, é possível percepcionar que em

determinadosmomentospolíticos,oAvante!teráumamaiornotoriedade,atéporque

a imprensa legal estava sujeita ao regimede censuraprévia. Tantoo julgamentode

Cunhal,comoafugadePenichesãodoisdoscasosparadigmáticosdessesmomentos

susceptíveisdealargaraaudiênciadojornal.

Enquanto esteve preso, Cunhal nunca deixou de estar presente no órgão

central doPCP,ora comnotícias sobre asmedidasdeexceçãoaqueestava sujeito,

como na edição de Setembro de 1953, na qual surge uma fotografia (a única) a

acompanharo textona1ªpágina, ora emcampanhaspermanentes a exigirema sua

libertação. O julgamento de Álvaro Cunhal no tribunal plenário da Boa Hora, em

Lisboa, que decorreu entre 2 e 9 de Maio de 1950, foi notícia em duas edições

consecutivas,emJunhoeJulho.Noprimeironúmero,o148,érealçadona1ªpáginao

atoheroicodeCunhal:

“Depoisde15mesesdeprisão,praticamenteincomunicável,semquaisquer

meiosparaprepararasuadefesa,ÁlvaroCunhal,dirigentequeridodoPCP,

levado ilegalmente ao tribunal, fez deste uma tribuna, onde expôs e

defendeu publicamente com vigor a linha política e os objectivos do seu

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partido. Ao fazê-lo, ele sabia que, pra além do tribunal, o escutavam

atentamente todos os militantes do PCP, a classe operária, todos os

trabalhadores, todoopovo laboriosoeoprimidodePortugal. (...)Escrevei

por toda a parte, nos muros, nas estradas, nos comboios, em todos os

lugarespúblicosLIBERDADEPARAÁLVAROCUNHAL”.

Naediçãoseguinte,épublicadograndepartedotextodadefesaeCunhalvolta

aseroassuntoprincipalatodaalargurada1ªpágina:

“Enfrentando firme, corajosa e serenamente tribunal fascista onde o seu

‘julgamento’iaterlugar,ÁlvaroCunhal,dirigentequeridodoPCP,ergueu

ali a tribuna onde o acusado passou a acusador (...) E Álvaro Cunhal

termina:’...quesesentemosfascistasnobancodosréus,quesesentemo

bancodosréusosactuaisgovernantesdaNaçãoeoseuchefeSalazar’.”

E, tal como é prática habitual para os históricos dirigentes comunistas

internacionais,sãoassinaladosnoAvante!osaniversáriosdeCunhal.EmNovembrode

1953 pode ler-se na 1ª página: “Saudemos o 40º aniversário de Álvaro Cunhal

intensificandoalutapeladefesadasuavidaepelasualibertação.(...)Salvemosavida

preciosa de Álvaro Cunhal.” A notícia é completada com a publicação na íntegra da

saudaçãoenviadaaCunhalporJacquesDuclos,emnomedocomitécentraldoPartido

Comunista Francês, na época, o secretário-geral interino, devido a ausência por

doençadeMauriceThorez.

É sabida a preocupação posterior de Cunhal em combater o culto da

personalidade,masénotórioqueapartirdosanos40o seunomepassaa seruma

referênciaparaosmilitantes comunistase, gradualmente,alargaa sua influênciano

quadrointernacional.ComoohistoriadorJoséNevesescreveu,“àmedidaqueassumiu

papel de destaque no seio do PCP, Cunhal foi objecto de atenção e cuidado sempre

especiais. Entre os militantes anónimos, houve quem lhe dedicasse versos de

homenagemequemaosdescendentesdesseoseuprimeironome.”79Oautoracentua

tambémcomofoioregimedeSalazar/Caetanoqueomantevepresodurantequinze

anos,acontribuirparatornarafiguradoantigosecretário-geraldoPCPumexemplo,

79Neves(coord.),p.11.

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“ao tomarem-no como encarnação doMal, igualmente o investiram de um enorme

poder simbólico, que outros acabaram por reconduzir à figura de Cunhal enquanto

singularexemplo, senãosimplesmentedoBem,deumanoçãodeÉticaoudeMoral

sempreescritacommaiúscula.”80

Nodiscursodosmilitantes, revela-seuma tentativade contrariara tendência

para heroicizar a figura de Cunhal, ao arrepio do que se verificou no Avante!

clandestino,queocolocounopedestaldosheróis.Exemplaresdessatendênciasãoas

palavras de José Pedro Soares, que, admitindo ter sido pessoalmente com o seu

percursopolíticodecomportamentonaprisão,“umexemploparamuitos”,dizquede

ÁlvaroCunhal“sósabiaqueeraumartistaeescreviamuitobem”.Osseusheróiseram

Dias Lourenço, JoséMagro,Octávio Pato, Severiano Falcão,militantes exemplares e

maispróximosdasuaexperiênciapessoal.

JáparaMargaridaTengarrinha,queem1962,emMoscovo,foiumaespéciede

secretária de Cunhal, quando este estava a preparar o texto programático “Rumo à

Vitória”, “a exaltação de alguns heróis é compreensível porque eles servem-nos de

exemploefazempartedaeducaçãodosmaisnovos.Usarmosoexemplodavidadessa

genteparadefinirmosonossoprópriocaminho.”

NoAvante!,Cunhal,defacto,nãoestásozinho.Apardasfigurasincontestadas

dopartido,comoBentoGonçalves,cujoaniversáriodasuamorteésempreassinalado,

de JoséGregório, deMilitãoRibeiroou e FranciscoMiguel, só para citar alguns dos

maispresentes,aspáginasdojornalestãorecheadasdehistóriasexemplares.

EmJaneirode1963,“Umexemplo”énofemininoevemdoCouço.Depoisde

relatar com pormenores as torturas a que foi sujeita e indicando os nomes dos

agentesdapolíciapolíticaqueainterrogaram,otextosobreMariaCustódiaChibante,

doCouçoterminaassim:“(...)estevepresacincomesesemeiosemvisitasdafamília,

semlivrosnemjornais.Foirecebidanaterrapor400pessoasquealevaramacasa.(...)

Elavinhaalegreeconfiantedasuahonradezefirmeza”.

80Neves(coord.),p.12.

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Osexemplossãotambémrealçadospeladimensãodasuarepercussãoentreos

militantes.EmAbrilde1969,oAvante!publicaumacartadirigidaaCanaisRocha,que

seencontravapreso,assinadapormilitantesportuguesesebelgas,expressandoapoio

eadmiraçãoaosindicalistacomunista.Estetextoésingularporqueretrataaatenção

dada ao posicionamento dosmilitantes portugueses na emigração, uma vez que no

finaldadécadade60osemigrantesrepresentamumalfobreconsideráveldeoposição

àditadura.Nofinaldareproduçãodoconteúdodacarta,lê-se:

“Estacartatestemunhaoamploecodacondutafirmedoscomunistasante

o inimigo. Embora presos e torturados, os nossos heroicos camaradas

continuam,comoseuexemplo,adarcontribuiçãoefectivaàlutadopovo

português”.

CanaisRocha,falecidoem2014,marceneiroqueviriamaistardeasermestre

emHistória Contemporânea, foi elevado à categoria de herói,mas acabaria por ter

umaquedaabruptadessepedestal.LogoaseguiràRevoluçãode1974,osindicalista

comunista foi eleito, a 27 de Abril, em plenário de sindicatos, o primeiro secretário

geraldaCGTP-IN.Poucotempodepois,emAgostodessemesmoano,foisubstituídoe

expulsodoPCP,porterfraquejadoquandoestevepresopelasegundavezem1968.A

estruturadiretivadopartidosóterátidoconhecimentodafraquezadeCanaisRocha

peranteapolícia,depoisdo25deAbril. Foiesse facto, aliás,queagravoua sanção,

porque os militantes que eram presos tinham obrigatoriamente que relatar as

condiçõesdaprisãoeconteúdodosinterrogatórios.ComoDomingosAbrantesconta,

“aprimeiracoisaquesefaziaquandosechegavaàcadeia,depoisdosinterrogatórios,

erarelatarcomoéquefomospreso,comonosportámos,oqueapoliciasabiaenão

sabia, se tinhahavido tortura,que tortura”.EmrelaçãoaocasoparticulardeCanais

Rocha, JoséPedro Soares consideraqueoantigooperárioe sindicalista só terá sido

expulsodopartido“porqueomitiuterfraquejadoperanteapolícia,nãoporcausada

traição.”

A exaltação dos heróis é também feita através de textos não atribuídos

especificamenteaumdeterminadomilitantepreso.Temparalelismocomasimbologia

do “soldado desconhecido”, o que se pode ler em Setembro de 1959, sob o título

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“Mensagem de um Herói”, como se tratasse de um texto ficcionado destinado a

transmitirexemplosaseguirporquem(ainda)nãofoipreso:

“Dentre as centenas de patriotas caídos nas garras do inimigos, surgem

exemplos de luminoso heroísmo, enormes na sua simplicidade, que são

espelhodalutapatrióticadonossopovocontrasosopressoressalazaristas.

Publicamos a seguir o fragmento duma mensagem dum desses simples

heróisquesouberamdignificarasagradacausadopovo:‘Fuipresoelogo

no2ºdiafuichamadoàPIDEepuseram-me6diase6noitesseguidasde

estátua e sem me deixarem dormir, depois mandaram-se para um cela

ondemedeixaram10dias.Saidaestátuatodoinchadodosjoelhosatéaos

pésemaisalgumacoisa.Depoisde10diasdecelafuinovamenteparaa

estátua onde estive mais 3 dias e 3 noites. Querem que reconheça

fotografias.Mantenho-me firme emanter-me-ei sempre firme. Se algum

doscamaradasdaorganizaçãoforpreso,asalvaçãoseránãodizernada,

negartudo,nãosedeixemlevar.Elesdizemquesabemedãodadoscertos

comoprovasenãonosdeixamdormirdediaedenoite; chegamosaver

bichos,ochãoaandarparacimaeparabaixo,acabeçaocaegelada,mas

é uma grande alegria passar tudo isto e olhar para o futuro sem corar.

Neguemtudomesmocomprovas”.

Ainformaçãoqueoscomunistaspresospassavamparaoexterior,alémdeser

material de prova da conduta assumida perante a política e durante o tempo de

prisão,constituíaumelemento relevanteparaopartidoconstruirodiscursopolítico

deoposiçãoàditadura.EoAvante!clandestino,cujaredededistribuiçãoextravasaa

dosmilitantes, é o canal de divulgaçãomais eficaz, num quadro de censura prévia

sobre os órgãos de informação. O jornal torna-se essencial para manter os presos

comunistas informados sobre a vida interna do partido, do país e do mundo e,

simultaneamente, transmitir para o exterior informações sobre os maus tratos

infligidospelapolíciapolítica.Opequenoepoucoespesso jornalera introduzidonas

cadeiase,talcomocáfora,circulavademãoemmão.

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Paraqueainformaçãocirculassededentroparaforaedeforaparadentrodas

cadeias,hárelatosdeformasmuito imaginativasusadaspelospresoseporquemos

visitava.

No forte de Peniche, por exemplo, Carlos Brito conta que “no suporte de

madeiradeumchuveiro,mãoshabilidosas,pacientesepersistentestinhamescavado

uma bonita caixinha, com tampa e tudo, onde cabia um Avante! Clandestino, bem

dobradinho”81.

Semquererpormenorizarosprocedimentosseguidosnointeriordascadeiase

não aceitando esclarecer como chegava oAvante! àsmãos do presos, porque “por

principionãodevemosdivulgarporquepodeviraserprecisonovamente”,Domingos

Abrantesadmiteque“os‘avantes’(eosinformes,comoo‘RumoàVitória’)entraram

sempre e às vezes, como costumo dizer, à tonelada, passavam pelas mãos dos

carcereiros, escondidos em coisas que eles levavam para fora sem saberem o que

estavamafazer”.OAvante!entravanascadeiascomregularidadeesaíaainformação

sobre o que se passava lá dentro. Precisávamos de todas essa informação era

importanteparanosmanteremosapardoquesepassavanopaisenomundo”.

UmexemplodesseexpedienteestáexpostonoMuseudoAljube,comolembra

Abrantes. “Éuma camisa do Jaime Serra, onde ele escreveu informações que foram

levadasparafora.Atravésdasvisitaseraimpossívelporquenãohaviacontactodireto,

mas fabricavam-seobjetos sópara sepassar informaçãoeos ‘avantes’. Eraprecisos

sermosmuitoengenhososporqueserapanhadonacadeiacompropagandadavaum

processodeatividadessubversivasnacadeia”.

DomingosAbrantesnãoesqueceacontarumepisódiodoperigoquecorreuna

cadeiadePenicheporcausadoAvante!:“Umdiaapanheiumsusto.Estavanorecreio

etinhaummolho,umrolo,de‘avantes’nobolso,queeraparadeixaremdeterminado

sítioparaseremlevadosparaoutropavilhão.Adeterminadaaltura,oguardachamou-

meparamelevaraodiretorenãomedissequeeraparaumavisita.Quandoíamosà

visita,emboranãofossepossívelocontactofísico,osguardastinhamohábitodenos

revistarem.Sónocaminhoparaogabinetedodiretoréqueoguardamedissequeia

81CarlosBrito,CadeiaDoFortedePeniche,ComoFoiVivida(AletheiaEditores,2016)p.84.

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terumavisitadecincominutoscomaConceição[Matos,comquemviriaacasar-sena

prisão], que eu já não via há anos. Eu não tinha sido revistado à ida, mas seria

certamente à saída e fiquei tão preocupado que ainda hoje nemme lembro do que

dissemosumaooutronavisita.Fuielaborandoumaestratégiaeporsorte,oguarda

quemelevavaeraumtipogordocomumcorpodescomunal,quetinhadificuldadeem

andar, e eu era jovem. Logo que acabou a visita, arranquei a esticar o passo em

direçãoaopavilhãoeoguardasódizia,‘sr.Abrantesmaisdevagar!.´Tiveasortedea

portaestarabertaeeuatireioroloparaumpavilhãoqueestavadesativado.Depois,

foiprecisoarranjarumestratagemapararecuperaros ‘avantes’.Entãonós,quenão

trabalhávamos na cadeia, fomo-nos oferecer aos carcereiros para limpar aquele

pavilhão com o argumento de que estavamuito sujo e que cheiravamal. Eles nem

queriam acreditar na oferta e aceitaram. Lá fomos nós, uma vez sem exemplo,

munidosdevassouras,baldeseesfregonas,recuperaros‘avantes’.

Todoessefluxode informaçãodeforaparadentroededentroparaforados

estabelecimentosprisionaiseraorganizadoatravésdoaparelhodopartidonoexterior

eaorganizaçãointernadoscomunistasnacadeia.ComorelataAbrantes, “haviaum

aparelho da direção do partido, secreto, com pessoas de alta confiança que faziam

chegar o material e fizemos sair informação, por exemplo, de angolanos, que não

tinhamorganizaçãoexteriorparaosapoiar.Porexemplo,fizemossairinformaçãopara

oVaticanosobreoJoaquimPintodeAndrade”.

Comunistas que nunca estiveram presos também tiveram conhecimento do

tráfegodeinformaçãoentreointerioreoexteriordascadeias.ÉocasodeMargarida

Tengarrinha, cuja primeira tarefa como militante do partido, em 1952, foi a de

integrar uma comissão de apoio aos presos políticos, dirigida por Maria Machado.

“ÍamosaCaxias,falávamoscomasfamíliasàportadasprisõesparasaberdoscastigos

e dos problemas que pediam para ser resolvidos. Também passávamos informações

clandestinamente. Por exemplo, como eu era do Algarve, lembrei-me de usar uma

caixadesapatoscomestrelasdefigo,comumfundofalso,ondesemetiaoAvante!.As

informações saíam, por exemplo, nas roupas enviadas para lavar, através das

famílias”.

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Também José Pedro Soares recorda como fez chegar ao exterior da prisão

informações que viriam a chegar à Amnistia Internacional, por exemplo: “Consegui

passaraoMDM(MovimentoDemocráticodasMulheres)umainformaçãoescritaem

mortalhasdecigarrosquepasseiduranteumavisita”.

Sócomaexistênciadessefluxonoticiosopendularentreointerioreoexterior

das cadeias é que se justifica publicação no Avante! de mensagem dirigidas

diretamenteaospresospolíticos.Expressãomáximadessacomunicaçãodeforapara

dentro das cadeias está publicada em Março de 1961, uma edição integralmente

dedicadaao40ºaniversáriodoPCP.Naúltimapáginadojornallê-se:

“Saudaçãoaospesospolíticos” (...) souberamerguerbemaltoabandeira

do partido (...)Em especial para vocês, queridos camaradas que vos

entregasteiscompletamenteàviaeàactividadedopartidoesobrequemo

inimigodescarregaoseuódiomaisferoz”.

Depois de enumerarmais de duas dezenas de nomes de presos e de omitir

outras identificações “por motivos da sua própria defesa”, termina com uma

promessa: “Vós sois, camaradas, o orgulho do nosso Partido, que não esquecerá o

vossobeloexemplodededicaçãoefirmeza.OPartidonãopouparáesforçosparavos

arrancardasgarrasdoinimigo”.

Anãopublicaçãodenomesdealgunsdoscomunistaspresostem,defacto,a

vercomquestõesdesegurançaparaodetidoeparaopartido.ErapráticadoAvante!

nãopublicarnomesdedetidosqueaindaestivessemsujeitosainterrogatórios.Aregra

é confirmada por José Pedro Soares: “Antes de sermos julgados não eram

publicamenteidentificadoscomomilitantesdopartidoeerabemfeitoporquemuitos

denósnegávamosqueéramosdopartidoealgunsnãorevelávamosonossonomeà

polícia.Noquedizíamos,oumelhornoquenãodizíamos,procurávamosretirartodaa

cargainformativaqueaPIDEtinhaeaquerqueria”.

4.2“Inclinamosasnossasbandeiras”

Na constelação dos heróis, osmártires têmumbrilho especial no imaginário

comunista,queestábemvivonaspáginasdoAvante!.

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Voltandoadarcomoexemploaediçãonº298,ado40ºaniversáriodoPCP,um

dostextosqueojornalpublicachamaaatençãoparaosquemorreramnaresistência

àditaduranosseguintestermos:

“Em 40 anos de luta implacável,muitos comunistas já deram a sua vida

pela libertaçãodoPovo.Passandoaosmilharespelasprisões,suportando

os maiores sofrimentos, dando o melhor do seu esforço á luta, os

comunistasportuguesestêmsidoaguardaavançadadocombatecontrao

fascismo.Aopassaro40ºaniversáriodoPartido,recordemososnomesdos

camaradascaídosnaluta,orgulhodonossoPartidoedonossoPovo”.

ÀcabeçadalistadosmártiresestáBentoGonçalves,mortonoTarrafal,citado

noutrotextonamesmaedição,comoo“obreirodoPartido”,cujo“exemplocontinuaa

continuará sempre vivo no coração de todos os comunistas portugueses”. O texto

terminacomafrase:“Glóriaaosnossomártireseheróis!”.Curiosamente,ausenteda

históriadoPCPnoassinalar do40º aniversário estáonomede JoséCarlosRates, o

primeirosecretário-geral,queviriaaafastar-sedoideáriocomunista,aproximando-se

dabaseteóricadoEstadoNovo.

Poucotempodepoisdetersidoassinaladaessaefeméride,uma“mortesaiuà

rua”,comoadesignouJoséAfonsoaocelebrá-lanacanção,adoartistaplásticoJosé

Dias Coelho, assassinado na rua dos Lusíadas, em Lisboa, quando vivia na

clandestinidade. Um mártir que o Avante! homenageou num texto que viria a ser

redigido por Margarida Tengarrinha, a sua companheira, também a viver na

clandestinidadeeque termina comaspalavrasdopróprioDiasCoelhoescritaspara

homenagearMariaHelenaMagro,falecidanaclandestinidade.

“Não te dizemos adeus, camarada! As tuas mãos cerradas vão com as

nossasmãoscerradas.Atuavozvaicomasnossasvozescantarmaisaltoa

liberdadedonossoPovoe,sobaabandeiraonossoPartido,osteusolhos

hão-deolharcomosnossosolhosoPortugalfelizquenãoreviveste.”

O relato deMargarida Tengarrinhadomomento emque soubedamorte do

seu companheiro revela como as regras do partido na clandestinidade eram

humanamente frias, numa aparente contradição com a heroicidade e humanidade

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exaltadasnostextospublicadosnoAvante!sobreavidaealutadoscomunistas,nos

quaissesugereumrelacionamentofraterno.

“Só soube que o Zé [Dias Coelho] tinha morrido, já ele estava enterrado.

Vivíamosnumacasaclandestina,comaminhafilhamaisnovaecomoutracamarada.

Ele fazia ligações internacionais do partido na área da cultura e no dia 19 de

Dezembro,tinhasaídodecasaparaumareunião.Comonãovoltou,nemninguémme

fezchegarqualquerinformação,partidoprincípiodequetinhasidopreso.Nodia22

deDezembro,prepareiumsacocomroupadeleparaquelhefosseentreguenaprisão

e saí de casa para o encontro que estava marcado com o camarada que era

responsável por fazer a ligação entremime o secretariado do partido por causa da

redaçãodoAvante!.OencontroeranumaruanazonadeBelém.Quandoocamarada

apareceu,jáumpoucoatrasadoemrelaçãoàhoraprevista,disse-lhequeoZéestava

desaparecido e que suspeitava que tinha sido preso. Ele respondeu-me com estas

palavras: “Não foi preso, foi assassinado. Desmontas a casa e sais”. Antes de se ir

emboramarcouadatadareuniãoseguinte.Fiqueiali comosacodaroupanamão.

Andeiàsvoltaspelasruas,semsaberbemondeestava,meti-menumtáxiparavoltar

para casa, mas não consegui dizer a morada para onde queria ir. Era a zona do

Restelo,easmoradias tinham iluminaçõesdeNatale sóvia luzinhasapiscar.Ainda

hoje,nãosuportoiluminaçõesdeNatal.”

O camaradaque lhedeuanotícia foi FranciscoMartinsRodrigues,queerao

membro da direção do partido na comissão de redação doAvante! e era ele quem

faziaocontactocomMargaridaTengarrinha,enquantoredatoradojornal.Margarida

descreve-ocomoum“umbomcamarada,masumapessoamuitorígida,muitodura,

quenãorevelavagrandehumanidade”.Dizaindatercompreendidoaatitudedelepor

“medoepelanecessidadedeteralgunscuidadosporoZé[DiasCoelho]tersidomorto.

Nem fiquei magoada porque aquilo foi tão duro e todos vivíamosmomentosmuito

difíceis.Houvemuitasprisõesnaquelaépoca,emDezembrode1961.Ostirosdapolícia

corresponderam ao estado de desespero que foi transmitido aos pides por Salazar.

Maistardefiqueirevoltada.NareuniãoseguintedacomissãoderedaçãodoAvante!,

emJaneiro,eudisse‘quemfazanotíciasoueu’,etodaagenteaceitou.Oretratoem

linóleo,feitoapartirdefotografia,quesaiuna1ªpágina,équeeunãoconsegui.

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O testemunhodeMargarida Tengarrinha remete para uma complexa teia de

cumplicidadesedesentimentosqueaclandestinidadeforjou,ondeoAvante! foium

dosprotagonistas.

Na categoria de mártires foram integrados pelo Avante! comunistas que

morremdemortenaturalmasquepassaramlongosanosnaprisão,sofrendotorturas

ehumilhaçõesequesedestacaramcomoseucomportamentoexemplar.

“OnossopartidoeoAvante! inclinamassuasbandeirasanteamemória

honrada de uma heroína e saudosa camarada, exemplo de abnegação

revolucionária”.

Aheroína descrita na 2ª quinzena deOutubro de 1958 éMariaMachado, a

“obreiradoAvante!”queemboranãotenhamorridoàsmãosdapolícia,étratadacom

honras de mártir porque, como vimos na 1ª parte deste trabalho, foi presa com a

quedadeumadastipografiasclandestinasdopartido.

4.3”Umhomementreasestrelas”

São humanos, mas estão literalmente acima dos outros homens, os heróis

soviéticosque conquistaramoespaço.Numartigopublicadona revista LerHistória,

em 2016, o historiador José Neves, numa reflexão sobre a utopização damilitância

comunista, sublinhaque “talvez tenha sidona segundametadedo séculoXX, coma

corridaespacial,queoutopismotécnico-científicoassumiumaiorimportânciaentreos

comunistas. Nas décadas de 1950 e 1960, os feitos astronáuticos soviéticos foram

entusiasticamentevividosporcomunistasdetodoomundo”.Provadessautopiapode

ler-se na edição nº354, de Abril de 1965, do Avante!, num texto com o título que

ocupa todoo rodapédaúltimapágina, “Umhomementre as estrelas – Sensacional

vitóriacósmica”:

“Nodias18deMarço,aniversáriodagloriosaComunadeParis,ossábios

soviéticos tornavam possíveis os primeiros passos do homem entre as

estrelas.(...)GlóriaàCiênciasoviéticaeaos2Heróis!”.

Amortedograndeheróidocosmos,YuriGagárine,“intrépidocombatenteda

causa comunista”,merece destaque na 1ªpágina doAvante! deAbril de 1968: “Um

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profundopesartocouopovosoviético,oseuPartidoComunista,ogovernodaURSS,os

comunistaseostrabalhadoresdetodoomundo”.

ClaroqueGagárinefoinotíciaquandorealizouoprimeirovooscósmico,em12

de Abril de 1961 com o título é “O vôo cósmico de Yuri Gagárine mostra a

superioridadesoviética”.

Dois anos depois, “nova vitória cósmica da União Soviética” com a viagem

espacial de Valentina Tereskova, “uma comunista no espaço” que constitui “um

exemplobrilhante(...)queenchedesãoorgulhotodasasmulheresdomundo”.

ComparávelàconquistadoespaçosóaRevoluçãodeOutubro.Oumelhor,sóo

socialismonascidodarevoluçãode1917permitiuquefossemdadosessespassosem

pleno tempo de guerra fria.OAvante! reflete essa dimensão no 50º aniversário da

Revoluçãodedicando-lheumaediçãoespecial,comumafotodeLeninena1ªpáginae

sem qualquer destaque a Estaline. Brejnev era o líder e o estalinismo caíra em

desgraça.

Na edição seguinte, em que ainda é celebrada a “glória imortal aos

combatentesdaRevoluçãoSocialistadeOutubro”,surgeanotícia,discreta,napágina

5, da morte de “Ernesto Guevara herói da revolução cubana, morto pelos lacaios

bolivianosdo imperialismonorte-americano”.Comidênticodestaque,surgeanotícia

doscombatescontraaditaduradeSuharto,naIndonésia,comaexaltaçãodoexemplo

do coronel Utung, membro do Partido Comunista, ao ser executado: “Tombou,

cantandoestrofesdaInternacional,comumheroísmoexemplar”.

Além da expressão iconográfica de algumas das notícias relacionadas com a

exemplosdeexpoentesdocomunismoaonívelmundial,oAvante! reflete,acimade

tudo,aalinhamentodopartidoemtermosinternacionais.Édeanotar,nestecontexto,

uma das poucas referências à China comunista (se comparadas com profusão de

textos laudatórios da sociedade soviética e da Revolução de Outubro). Está

assinalado,aoaltoda1ªpáginadaediçãodeOutubrode1949,o10ºaniversárioda

revoluçãocomunistanaChina,incluindoumafotografiadeMaoTseTung:

“Avitóriada revoluçãopopularna imensaChina foi, depoisdavitóriada

GrandeRevoluçãoSocialistadeOutubro,naantigaRússia,umdosmaiores

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acontecimentos da história da Humanidade. A revolução chinesa não

somente libertou da opressão imperialista e da reacção semi-feudal a

naçãomais populosa domundo, como veio alterar a correlaçãomundial

das forças entre o campo socialista e o campo capitalista, numa sentido

favorávelaosocialismo”.

NavidadoPCP,osanos60vãoaprofundaraaproximaçãoàUniãoSoviéticae

aos seus mais fiéis aliados na Europa, como o PCF. É Fernando Rosas um os

historiadores que estabelece uma ligação direta entre a saída de Cunhal bem como

partedadireçãodopartidoparaoLesteeuropeueoalinhamentomaisclaroaoPCUS.

Dessealinhamento,oexemplomáximoéoapoioexpressopublicamenteáinvasãoda

Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia. “O PCP, apesar da particular

posição que sustenta no movimento comunista internacional, ou por isso mesmo,

rompe comaantiga tradiçãode relativa autonomia e torna-se umdosmais zelosos

defensoresdaortodoxiapró-soviética.(...)Emtroca,obtivera,desdeParisaMoscovo,

amaissólidaretaguardalogística,propagandística,detreinoeformaçãodequadros,

definanciamento,derecuoedesegurançadeligaçõesedeslocaçõesdequealguma

organizaçãoantifascista jamaisdispuseraemPortugalatéaoderrubedaditadura.O

PCPficariadefinitivamentepresoatalapoio,Atéhoje,nuncafoicapazdeorepensar

criticamente.”82.

Já José Pacheco Pereira83revela uma interpretação diferente,menos linear e

focando-se numa análisemais estratégica do pensamento de Cunhal em relação ao

quesignificariaoanode1968paraomovimentocomunistaeconsiderandoquetêm

sidomal compreendido o apoio à URSS na questão checa, bem como o excesso de

ortodoxiadoentãosecretário-geraldoPCP.Aorecusaraexistênciadeum“seguidismo

acrítico” o historiador defende que Cunhal “teve a percepção de que o movimento

comunistaestáemcrise”ea“umreceiodedebandada ideológicaepolítica,emque

paramanterosanéisseperdessemosdedos”.

82Neves(coord.),p.53.83Pereira,ÁlvaroCunhal,UmaBiografiaPolítica,OSecretário-Geral(1960-1968)pp.453-454.

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AtalausênciadereflexãocríticaaqueserefereRosasviriaaestarsubjacentea

cisõesnopartidoqueseverificaramaindanofinaldosanos60enadécadaseguinte,

quelevaramàcriaçãodemovimentosdeextrema-esquerdaealgumabalcanizaçãodo

PCP.Jáemplenademocracia,otemadoapoiodeCunhalà linhasoviéticaviriaaser

debatidoduranteagrandecriseinternanopartidoiniciadaem1989.

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PARTEIII—Asuperioridade(banal)doscomunistas

1.Alinguagembanal

1.1Oexemplomoral

Ao longo das primeiras duas partes do presente trabalho, tentoumostrar-se

comooAvante!clandestinoconstituiuuminstrumentoagregador,porumlado,ede

demarcaçãoideológica,poroutro,sempreatravésdeumalinguagemdeproximidade

comosleitores,constituídosnumacomunidadeque,mesmoextravasandoouniverso

dosmilitantes,sepretendiacoesanograndeobjectivopróximoqueeraodederrubar

aditadura.

Nestecapítulo,mantém-sealinhadeanálisedetextospublicados,masparase

aferircomoalinguagembanal/correntecumpreodesígnioestratégicodosdirigentes

doPCP.Paraaíchegar,parte-sedametodologiaseguidaporMichaelBillignoseulivro

“BanalNationalism”84,queanalisouostermosusadospelasediçõesdodia28deJunho

de 1993 dos jornais diários britânicos de maior circulação e detectou sinais de

nacionalismodoquotidiano, expressoemsímbolosque,de tãopresentes, passama

serbanais.EssediadaImprensabritânicaemestudofoiescolhidopornãoserumdia

de grandes acontecimentos políticos previsíveis, um dia banal, no qual a questão

nacionalnãoeradominantenodiscursopolítico,aocontráriodoquetinhaacontecido,

por exemplo, em 1982, durante a chamada guerra das Malvinas ou Falklands, o

conflito militar que entre o Reino Unido e a Argentina, quando o tradicional

distanciamentodos jornalistas britânicos foi posto à prova.Aodefinir o conceitode

nacionalismo banal, Billig convoca-nos para a investigação enquadrada na nova

históriaintelectualenoestudodalinguagempolíticacomrecursoàanálisedodiscurso

efémeroedifuso,produzidoporpensadoresconsideradosnãoclássicosoumarginais.

Éestequadroinvestigativodanovahistóriaque“permite”aanálisedasideiaspolíticas

também através de palavras que transitam por outros textos, de outros autores

divulgadosnoutrossuportesquenãoapenasosdospensadoresclássicoseditadosem

84Usadaaediçãoespanhola“NacionalismoBanal”,de2014,daeditoraCapitánSwing,comtraduçãode

RicardoGarciaPérez

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ensaios de referência. E se como filósofo JacquesRancière85foi abertoo lequedos

objectosdeestudo,porexemplo,comorecursoapanfletosparaelaborarumahistória

das ideias domovimento operário, em Billig, é na linguagem comum ou banal que

passa amensagem que vai dar consistência à interiorização popular de uma teoria

política,nocasoonacionalismo.

Noprimeiropontodestecapítulo,analisamosossinaislexicaisqueenformamo

padrãomoraldoscomunistasequeestãopatentesnostextospublicadosnoAvante!,

seguindoemlinguagemcorrente/banalateorizaçãoposteriordeÁlvaroCunhalsobre

Asuperioridademoraldoscomunistas.NessetextodeJaneirode1974,Cunhaltraçao

perfildocomunista,norelacionamentocomopartidoenaatuaçãoparaoexterior,na

sociedade. “A condutamoral dos comunistas não é um problema privado, que diga

apenas respeito a cada qual. Essa conduta tem repercussões na actividade e no

prestígio do Partido. Pertence também em certa medida ao Partido. A força do

exemplo, pelo seu extraordinário poder de convencimento e de atracção junto das

massas,éumdosgrandestrunfosdaacçãodoscomunistas”.

No mesmo texto, que estudaremos mais pormenorizadamente no final do

capítulo,Cunhalinsistenaimportânciadoexemplo,aoescreverque“asmassasestão

particularmenteatentasesãoparticularmentesensíveisaoexemplomoraldadopelos

seusmembros [do partido]. Exemplo de dedicação. Exemplo de combatividade e de

firmeza. E também exemplo de comportamento pessoal numa sentido mais largo:

exemplodedignidadeedeintransigênciaparacomasconcepçõesdamoralburguesa

e as práticas dela decorrentes. Se a vanguarda ajuíza das influências da moral

burguesasobreasmassas,asmassasjulgamporsuavezocomportamentomoralda

vanguarda.Oscomunistastêmdeagirdeformaapassarcomhonrataljulgamento”.

As edições do Avante! clandestino estão recheadas de artigos que contam

histórias exemplares de militantes de base e de trabalhadores “honrados” que

“honram”opartidoequecomasuacondutamoralsão“exemplosaseguir”.Muitas

vezes, publicadas nas páginas interiores, surgem pequenas notícias que falam de

85JacquesRancière,Omestre ignorante:cinco liçõessobreaemancipação intelectual (Pedago,2010).,AspalavrasdaHistória:ensaiodapoéticadosaber(UNIPOP,2014).,ANoiteDosProletários:ArquivosDoSonhoOperário(Antígona).

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comportamentosmoralmentedignosdeseremseguidosportodososquedeletomem

conhecimento.

O título usado nesses pequenos textos é, em regra, bem explícito do que se

pretende.Éo casodanotíciapublicadanaediçãonº283,deNovembrode1959,na

qual se relata a iniciativa de pôr a circular um texto abaixo-assinado de apoio a

JoaquimJoséDias,presopelapolíciapolítica:“Eisumexemploquedeveser seguido

pelosamigosecompanheirosdetrabalhodetodososhomenshonradosquejazemnas

prisõesdaPIDE,noAljube,emCaxiasouemPeniche.(...)”

ÉrecorrentequeotítulodoopúsculodeCunhal“Seforespresocamarada”seja

transcrito para encabeçar textos sobre exemplos de bom porte na cadeia. É o que

acontece na edição nº368, de Julho de 1966: “Se fores preso...tenhamos presente o

exemplodosnossoscamaradasqueseportaramcorajosamenteenadadeclararamà

policia.”

Os trabalhadores “honrados”, não necessariamente militantes, que são

transformados em exemplos, constituem, simultaneamente, o universo ao qual se

destinam os textos de exaltação de comportamento a seguir em caso de serem

apanhadosnasmalhasdapolícia.Osconstantesavisosparaquehaja“bom-porte”nos

interrogatóriosenascadeiasconfiguram,nãoapenasumaatitudepreventivaparaos

que,estandonaresistênciaàditadura,arriscamaprisão,mastambémummanualde

algumasdasregrascomqueseforjamosexemplosmorais.Vejamosumexemplode

texto,comotítulo“NaPIDEnãosefala”,publicadoemNovembrode1966:“NaPIDE

resiste-se corajosamente às torturas e suplícios, mas não se denunciam camaradas,

irmãos de luta. Esse é o exemplo de quantos em Portugal e no mundo servem os

interessedaclasseoperária”.

Oleitor/militanteaquemsedirigeestetextoédesafiado,comoseuexemplo,

a integrar-se num grupo com características especiais, ao nível mundial, digno de

serviredefenderosinteressesdopovoedostrabalhadores.

Oexemplomoralgeratambémumacumplicidadeemtornodosqueresistem,

dos que estão do lado certo da barricada política. De um lado está a polícia e os

tribunaisfascistasedooutroestãoosresistentese,emparticular,oscomunistas.Essa

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dicotomia, que é permanente no discurso político e nos textos informativos do

Avante!,estábemexpressanaprimeiraquinzenadeFevereirode1961,numacoluna

dapág.2,sobumtítuloqueenuncia,desdelogo,umadiretiva:“Oscomunistasperante

ostribunaisplenários”.

“(...)Vários comunistas têmsabidodefender corajosamenteo seuPartido,

desmascarar com vigor a política repressiva e anti-nacional de Salazar ,

denunciar o carácter arbitrário dos tribunais plenários, as torturas e os

maustratosdaPIDE.(...)MandadocalareexpulsodoTribunal,CarlosAboim

Inglês gritou para os seus verdugos: ’Não admito lições de moral deste

tribunal!Nãorecebo liçõesdemoraldumfascista!(...)Anteapolíciacomo

anteosjuízesvendidosdostribunaisfascistasoscomunistasmostramasua

heroicidadeevalentiaemdefesadoseuPartidoedacausa justaporque

lutam.”

Umavezmais,aquestãodoexemplomoralestápresentenamensagemqueé

transmitida a cada um dos leitores. Essa transmissão é susceptível de criar um

sentimentodepertença auma comunidade. É atravésda linguagembanal, repetida

uma e outra vez, como acentua Billig, que “estes episódios retóricos recordam-nos

continuamente que nós somos ‘nós’ e, ao fazê-lo, permitem-nos esquecer que nos

estão recordando issomesmo”86.Oautor refere-seà interiorizaçãodonacionalismo,

masomesmoprocessoanalíticosepodeaplicaràidentidademoraldoscomunistas.É

possívelseguirumcertoexercíciodetransportedeestruturadonacionalismoparao

militante. Embora no objecto desta dissertação os elementos linguísticos não se

possam incluir nosdeíticosqueBillig refere, há tambémnoAvante! a práticaqueo

autor identifica como utilização rotineira desses vocábulos “que aponta

continuamenteparaapátrianacionalcomoolugardosleitores”87,setranspusermoso

conceito de pátria sem fronteiras físicas para uma “comunidade imaginada” (de

comunistas), como Benedict Anderson 88 a concebeu. “Imaginada porque até os

86MichaelBillig,NacionalismoBanal(CapitánSwing),p.191.87Billig,p.29.88Anderson.

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membrosdamaispequenanaçãonuncaencontrarãoenuncaouvirãofalardamaioria

dos outrosmembros dessamesma nação,mas, ainda assim, namente de cada um

existe a imagem da sua comunhão.” 89 No caso do Avante!, essa identidade de

comunidadeécriadaatravésdatransmissãodeconceitosmorais,sempreaplicadosa

casos concretos e exemplares. A mensagem é passada, não apenas por textos de

elaboração teórica,mas tambématravés de relatos pessoais, revelando e exaltando

uma determinada conduta exemplar para que seja replicada por cada um dos que

pertencemouquerempertenceràcomunidade.

Cita-seaindaBilligaoanalisaropensamentodeAnderson,quandoesteautor

sugere que “o sentimento nacional é gerado pelo conhecimento de que, em toda a

nação,aspessoascumpremoritualdiáriodeleromesmoperiódico”.90

A analogia pode aplicar-se diretamente ao sentimento de pertença gerado

entre a comunidade de leitores doAvante! clandestino. Como já aprofundámos na

primeira parte desta dissertação, o jornal, além de potenciar essa ligação entre os

leitores,assume-secomoparteintegrantedessatalcomunidadeimaginada.

1.2Ódiopeloinimigo

O sentimento é aliado à razão quando se trata responder ao “inimigo”, a

ditadura de Salazar/Caetano, personificado na polícia política. Basta ler um texto

publicado na 1ª quinzena de Fevereiro de 1959 para se perceber o peso da carga

impostapelaspalavras.

“(...)OscrimesdeSalazardevemencontrarrepulsadetodososquetêmno

peitoumcoraçãosensívelehumano.(...)OAvante!denunciaasatrocidades

daPIDEepassaráapublicarosnomesdostorturadoreseassassinosqueas

praticamparaqueonossopovoosnãoesqueça(...).”

Otextoacimacitado,alémdeserumbomexemplodotomusadoparainstigar

o ódio, enquadra-se na referida dicotomia bem/mal, que distingue “fascistas e anti-

89Anderson,p.25.90Billig,p.211.

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fascistas”, ou os “torturadores e assassinos”, dos que têm “coração sensível e

humano”.Nestecasoos“bons”nãosãoapenasoscomunistas,mastodososquenão

aceitamequenãoesquecerãoasatrocidades.

OódioquetransparecenalgunstextosdoAvante!clandestinoestende-seaum

universo mais largo do que o inimigo político, abrangendo os concorrentes no

combate à ditadura, os dissidentes e os “miseráveis” traidores que tiveram “mau

comportamento” na polícia. Em relação a todos estes alvos, que são concretos e

identificados, a linguagem utilizada, ao fazer uma denúncia pública de atitudes

consideradasodiosas,transmiteaobrigaçãodeosostracizarerepelir.

Tambémnestecaso,umtextoéexemplificativoda linguagemusadaao longo

de todaaVI sériedoórgãocentraldoPCP.Naediçãonº333,deSetembrode1963,

doisantigosmilitantesdopartidosãoexpostos“àexecraçãopública”como“cobardes

traidores”, que “não souberam enfrentar dignamente o inimigo fascistas, ao serem

presospelaPIDE,traindo,assimtodososseuscompromissos”.

Textos carregados com uma terminologia susceptível de instigar ódio sobre

pessoasconcretassurgemacadaediçãodoAvante!comajustificaçãode,comoselê

em Outubro de 1971, “Apontar os miseráveis pelos seus nomes (...) julgamos ser

absolutamentenecessário”.

VoltandoaBilligeaofortalecimentodoconceitodenaçãoedonacionalismo

atravésdautilizaçãobanaldevocábuloscomo“nós”emoposiçãoa“eles”,paraocaso

emestudodestetrabalhoserápertinenteacentuarqueostextosdoAvante!,quando

se centram nos exemplos de homens honrados com corações sensíveis e atitude

abnegada, transmitem tambéma repulsa pelos outros, pelo inimigo ou pelos que o

servem,pelasuapráticadetraiçãooudecolaboração.

1.3Avingançaserve-sefria

Se o ódio é instilado, palavra a palavra, quando o tema é o inimigo ou os

traidores,avingançaéservidafrianasentrelinhasdotexto.Sãoemgrandenúmeroos

artigospublicadosnoAvante!clandestinonosquaissevaticinaeaconselhaocastigo

futurodecarrascosedetraidores.

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Em Dezembro de 1963, dois anos depois de José Dias Coelho ter sido

assassinado, surge um dos textos emblemáticos desse apelo ao ajuste de contas

futuro:

“Com a sua morte perdeu o Partido um destacado militantes e o nosso

povoumartistaprometedor.Seráessemesmopovoqueosaberávingarno

dia da liberdade. Os criminosos não escaparão ao ódio do povo, à sua

justiça”.

Não há uma teorização sobre a estratégia do partido para o futuro no que

respeita à responsabilização política ou criminal dos dirigentes da ditadura ou da

políciapolítica,maso textocitadodeixaclaroquea justiçaserá feitapelasmãosdo

povo.“QuandoemPortugalhouverliberdade,esteeoutroscrimesdofascismoserão

julgadoseseráfeitajustiça”.Frasescomoesta,publicadanaediçãonº202deJulhode

1955, recorrentes no Avante! clandestino estão carregadas de uma aparente

intencionalidadequeultrapassaoqueestá impresso, remetendoparao conceitode

QuentinSkinner91dequeotextotemdeserestudadoparaalémdotexto.

Nocasodanotíciacitada,queserefereaosassassinatosdeAlfredoDiniz(Alex)

edeFerreira Soaresumadécadaantes,para ládaspalavrasusadasestáo contexto

que de alguma forma determina a intencionalidade. Além da garantia de que os

criminosos não ficarão impunes, o texto transmite a certeza a quem o lê de que a

liberdadenãoéumamiragem,masumacerteza.

Podecitar-seaindaoutrotexto,publicadoemSetembrode1962.Depoisdeter

sidodenunciadoonomede“umprovocador”,anotíciaéconcluídacomumalertaem

formadeameaçaparaofuturo:

“Éprecisoqueesteeoutroscanalhassintamopesodoódiopopularpela

sua infame colaboração com a PIDE. Que os seus nomes não sejam

esquecidosparaqueamanhãsoframojustocastigo”.

Aqui, o apelo à justiça surge com laivos de ameaça de vingança para o

“amanhã”quandoaliberdadeforconquistada.

91Skinner.

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2.Obanaldeliberado

2.1Sentimentoeemoção

Em1985,nolivroOPartidocomParedesdeVidro,ÁlvaroCunhalteorizasobre

acondiçãodesercomunista,alargando-aaosentimento:“Sercomunistanãoéapenas

umaformadeagirpoliticamente.Éumaformadepensar,desentiredeviver”92.Nas

páginas Avante! clandestino é claro que à razão se alia a emoção. Há textos

exemplares, nos quais a exaltação do comportamento heroico de militantes é

lexicalmenteelaboradadeformaatransmitirumaenvolvênciaemocional.

AmortedeJoséGregóriofoinoticiadanaediçãodeJulhode1961,aoaltoda

1ª página, com fotografia, num texto onde as expressões usadas conduzem a uma

quase osmose de significados, que vão da exaltação da heroicidade e abnegação à

emoçãodosofrimento,passandopeloelogioàsolidariedadecomunistainternacional

eàcertezadequeaditaduraseráderrubada.

“NaChecoslováquiasocialistamorreuocamaradaJoséGregório(Alberto).

Deixou de pulsar o coração de um amado filho da classe operária

portuguesa,dumdosmaisabnegadoslutadorespelacausadosexplorados

e oprimidos, duma dos mais destacados obreiros do nosso Partido, dum

valorosocombatentepelacausadaindependêncianacional,dademocracia

e do socialismo. (...)Nunca pode frequentar a escola e ainda não tinha 8

anos quando iniciou a sua vida de operário vidreiro.(...)por se recusar

firmemente a dar quaisquer informações à polícia, foi barbaramente

espancadoduranteváriashorasconsecutivasporváriosfacínorasdaPIDE

até perder os sentidos. Homem de carácter íntegro e dotado de uma

extraordináriaforçadevontade,JoséGregórioéumexemploparatodosos

militantesdoPartido.ComojustamentedeclarouÁlvaroCunhal,Secretário-

GeraldonossoPartido,peranteotribunalqueocondenou, JoséGregório

pertenceuaonúmerosdoshomensquepossuemasupremavirtudequeé

92Cunhal,p.195.

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dedicaçãoilimitadaaonossopovoeànossaPátriaque‘sãooorgulhodo

Partido e do Povo’.(...) Numa elevada demonstração de fraterna

solidariedadeproletária,oPartidoComunistadaChecoslováquia,opovoe

osmédicos rodearam-nodetodoocarinhoe tudo fizeramparasalvarou

prolongarasuavida.(...)Onossopovoprestaráumdiaa JoséGregórioa

merecidahomenagem.(...)”

Aprosacitadafazumasíntesedodiscursopolíticoracionalcomoemocional,

referindo-seaummilitanteedirigenteconsideradoexemplar,masomesmotipode

linguagemdeafetoséusadaparacontarumahistóriasobrequemnãotem‘nome’no

partido.TemaestruturadeumafábulaoqueselênaediçãodeAbrilde1951,sobrea

recolhadeassinaturaspelapazepelodesarmamento,encimadocomo título “Uma

mulherdeLisboa”:

“Quando à porta de uma fábrica do Porto, duas operárias da fábrica

procuravam recolher assinaturas, as operárias da fábrica mostravam-se

receosas.Entãoumaoperáriadeavançadaidadegritou:Nãotenhammedo

deassinar!Éumacausajusta!Ponhamláomeunomeeodosmeusfilhos.

Eu tenho 2 netos e não os quero ver mortos. Logo em seguida foram

recolhidas41assinaturas”.

Entreosmuitostextosqueapelamàemoção,podecitar-seaindaumquefoi

publicadona2ªquinzenadeAbrilde1958.Paradenunciar“ummiserável”patrãoe

informadordaPIDE,usa-seumformatodehistóriainfantilcommoralnofim.

“DenunciadaporumtalHonrado,proprietáriodeumafábricadeconservas

de peixe em Olhão, onde trabalhava, foi presa no dia 12 de Março a

operária Olívia Lebre, mulher do operário corticeiro José Carlos que se

encontrahámesespresonasmasmorrasdaPIDE.AoperáriaOlíviaLebre

eraoamparodeduas filhinhasde tenra idadequeobandodaPIDEque

prendeu a sua mãe deixou abandonadas em Olhão. Povo de Olhão!

AmparaiasfilhasdaoperáriaOlíviaLebreedenunciaiportodooAlgarveo

miserávelqueadenunciou–oindustrialdeconservasHonrado.

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Destes exemplos pode partir-se para uma reflexão sobre a relação entre o

emocional e o racional no discurso político dos comunistas. É neste contexto que o

militanteexemplar,obommilitante,sóoénamedidaemquenasuapráticarevela

preocupaçãocomooutro,namedidaquenãopõeemperigoavidadeumcamarada

oudopartidoelutapelobem-estardopovo.

Essa relação com o outro, que é política, torna-se emocional quando é

adjetivadasegundopadrõeséticose/oumorais,transformandoomilitanteem“bom”

ou“mau”consoante,porexemplo,oseuporteperanteapolíciapolítica.

Ao analisar o pensamento de Espinosa, o neurocientista António Damásio

escreveexatamentesobrearelaçãodasemoçõescomaética,argumentandoquehá

umarelaçãoestreitaentreapráticadaaçãoindividualeasconsequênciasdesta.Em

síntese, a boa ação merece esse qualificativo se não provocar danos negativos a

outros.DaíqueDamásioconclua:“Espinosaquerdizerqueosistemaconstróiemcada

pessoaimperativoséticoscombasenapresençademecanismosdeautopreservação,

desdequeessapessoatenhaemmentearealidadesocialecultural.Paraalémdecada

si individual há os outros, como indivíduos ou como entidades sociais, e a

autopreservaçãodessesoutros,atravésdosseusprópriosapetiteseemoções,deveser

tomadaemconsideração”93.

A dimensão ética do comportamento emocional individual do militante

comunista está presente numa banalização moralizadora nos textos publicados no

Avante!, embora reflita a intencionalidade da teorização encontrada em mais uma

passagemdotexto“Asuperioridademoraldoscomunistas”,quandoCunhaldefineo

internacionalismo proletário “fonte criadora de conceitos, sentimentos e atitudes de

generosidade de colectivismo, de fraternidade entre os trabalhadores e os

comunistas(...)”.

2.2.Aheroicidade

93AntónioDamásio,AoEncontrodeEspinosa-AsEmoçõesSociaisEasNeurologiaDoSentir(Círculode

Leitores,2003),pp.151-152.

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A exaltação dos atos heroicos dos comunistas é permanente, quer sejam os

militantesportugueses,cujocomportamentonaprisãoenos interrogatóriospoliciais

é considerado “exemplar”, ou os membros de partidos-irmãos (em particular o

francês,noquadrodaIIGuerraMundial)ouaindaosprotagonistasdaconstruçãoda

URSS, além dos “pais” do socialismo e obreiros da Revolução de Outubro. São

realçados os “heróis” da conquista do espaço e podem incluir-se no conceito de

heroicidadeosresultadoseconómicosesociaisdasociedadesoviética,profusamente

divulgadosnaspáginasdoAvante!.OhistoriadorJoãoMadeirafaladeuma“espéciede

fé” para designar a forma como é encarado o regime de Moscovo, nascido da

Revolução de Outubro de 1917: “Os militantes eram assim educados na exaltação

reverencialdaURSS,cujoprocessodeassimilaçãotendia,nadificuldadedeinculcaro

detalhe das conquistas concretas da União Soviética, em fazer passar os princípios

propagandísticos da “pátria do socialismo” e da “superioridade do socialismo

soviético” uma espécie de paraíso na Terra, que tinha nos militantes defensores

incondicionaise indefectíveis.Estadevoçãotornava-seaindaumaespéciedeamparo

internacional em relação aos combates perseguidos nas condições difíceis e

asperamente vividas na base do partido. A fé na caminhada, da URSS como das

“democracias populares”, para o socialismo e para o comunismo era um estímulo

poderoso para reforçar convicções e entregas, tornando-se numa espécie de fé

revolucionária, de que os militantes comunistas portugueses se alimentavam e

acalentavam”94.

No plano interno, como sublinha Madeira, “os heróis e mártires comunistas

eram bandeiras de exemplo desfraldadas, encorpavam um imaginário colectivo de

coragem com que se argamassava a resistência e o combate quotidiano contra o

regime, feito de exemplos sempre presentes de um risco assumido, para que cada

militantepodiaserconvocadoemcadamomento,mobilizandoacoragemevencendo

omedo”95.

94JoãoManuelMartinsMadeira,p.760.95Madeira,p.768.

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Masaglorificaçãodosheróisnãopodeenãodeveserconfundidacomoculto

dapersonalidade,queCunhalseesforçou,empalavras,porcondenar,emparticular,

apósoestalinismo,numquadroemqueopróprioPCUStambémofez.Aliás,naedição

nº212, deAbril de 1956, oAvante! reproduz parte de uma síntese de umartigo do

Pravda,oórgãocentraldoPCUS(PartidoComunistadaUniãoSoviética)apropósitoXX

congresso,noqualselê:

“Nãopossuindomodéstiapessoal,Stalinenãosónãocortavaoslouvorese

elogiosquelhefaziam,comoosapoiavaeestimulavaportodososmeios.

Comotempo,estecultodapersonalidadefoitomandoaspectoscadavez

maisdeformadosecausousériosdanos.Compreende-sequesemelhantes

páticas de Staline significavamuma infracção dos princípios leninistas de

direcçãoecontradiziamoespíritodomarxismo-leninismo”.

Mas, se no plano teórico a diretiva era atacar o culto da personalidade, na

práticapolíticaedaescritacorrente/banaldostextospublicadosnoAvante!eramuito

ténueafronteiraentreessecultoeaglorificaçãodosheróisvivosdopartido,entreos

quaisCunhal sobressaía. São constantes apelos à libertaçãododirigentedopartido,

cujo nome “está dentro do coração de todos os trabalhadores portugueses e é

respeitadopelosdemocrataspelosdemocrataseanti-fascistasdonossopaís”,lê-sena

edição de Janeiro de 1956. Ainda namesma edição, surge o apelo para que sejam

feitasinscriçõesnasparedes,exigindoalibertaçãodeCunhal.

O fruto desse apelo surge de imediato, na edição de Fevereiro-Março desse

mesmoano,numanotíciaintitulada“Reforcemosmaisemaisalutapelalibertaçãode

ÁlvaroCunhal”,naqualsedácontadareceptividadeaosmanifestosdivulgadoseàs

inscriçõesfeitasemnumerosospontosdopaís:

“(...)Os manifestos foram por quase toda a parte lidos colectivamente,

comentados e aprovados calorosamente. Uma jovem católica algarvia

afirmou que não havia direito de se praticarem tais atrocidades. Nas

aldeiasalentejanas,oentusiasmofoienorme.Oscamponesesreuniram-se

paraouvirlerosmanifestosrepetidasvezes.Umavelhinhadizia.‘Eujáouvi

leràminhafilha,maselanãoasexplicabemeeutenhodeouviroutravez’.

Numrancho,oscamponesesqueestavama lerummanifesto,explicaram

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aomanageiroquemeraÁlvaroCunhaleaqueleacaboupordizer:Seeleé

comovocêsdizem,éjustoquesejapostoemliberdade!”

A mensagem política envolta numa linguagem corrente que transmite uma

proximidade emocional entre quem lê e quem “fala” na notícia é bem notória em

textos como este, não deixando dúvidas sobre a intencionalidade de glorificar um

herói.

2.3.Sercomunistaé...

Chegamosàessênciade ser comunista,depoisde ficardefinidoodentroeo

foradogrupodosqueinteressamaopartido.Aconstruçãodeumnúcleocoesocapaz

demanter a ação política permanente durante a clandestinidade foi possível com a

delimitação clara entre os que cabem e os que não cabem no conceito de ser

comunista.Passoapasso,númeroanúmerodoAvante!foisendodefinidaaessência

queconduziuàteorizaçãodo“sercomunistaé...”.

Érecorrenteautilizaçãodeadjetivosquedefinemos“verdadeiros”comunistas

como homens (havendo residualmente também casos exemplares de mulheres)

“abnegados”,“honestos”,“honrados”,“dedicados”àcausa,“patriotas”,“resistentes”

à ditadura, “corajosos” ou “fortes como rochedos”. Em suma, os “dignos filhos do

povo”.EmboranaspáginasdoAvante!o“sercomunista”passeemregistobanalizado,

por vezes sem uma carga ideológica explícita, há um enquadramento teórico do

conceitode“ser comunista”que resultadaassimilaçãodos textos teóricos.Palavras

como estas, detectadas em inúmeros títulos e textos do Avante! clandestino, são

susceptíveisdecriarumsentimentodeorgulhonapertençaaessegrupoespecial.

Umdostextosexemplaresparadefiniroperfildeumcomunista“verdadeiro”

estápublicadonaediçãodeJunhode1964:

“Na Polícia só fala quem quer... esta é a têmpera dos verdadeiros

comunistas, esta é a têmperade todos os homensquepõemahonradez e o

patriotismoacimadosinteressespessoais,quesabemserviroseupovoeuma

causa que não se compadece com cobardias ou charlatanices de qualquer

espécie”.

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Essahonradez, sempreassociadaaodespojamentopessoal,éum ingrediente

indispensável para um comunista manter a verticalidade. Como se lê em Junho de

1965, ainda e sempre sob um título imperativo, o texto, ao transmitir orientações

sobre o porte nos interrogatórios, define os contornos da personalidade do

“verdadeirocomunista”.

”Napolicianãosefala!Osverdadeiroscomunistasnãosevergamperante

oinimigo...quandoosentidodahonraedodeversãoautênticosenãopura

ficção, não hámaus tratos, métodos ou processos que obriguem a falar

quemnãooquerfazer,esteéocaminhodoscomunistas.”

O rumo que deve seguir o “verdadeiro comunista” é também indicado por

vozesquevêmdefora.Alémdeexistirem,comojá foiassinalado,numerosostextos

de exaltação das realizações socialistas e do percurso de membros dirigentes de

outrospartidoscomunistas,emparticularosoviético,ofrancêseoitaliano,detectam-

secasosdepublicaçãodeelogiosexternos.Aheroicidadedoscomunistasfrancesesna

Resistência durante a II Guerra Mundial é exemplar para os militantes do PCP. Ao

longo do período da guerra, o Avante! vai dando notícia dos avanços das tropas

soviéticas e, simultaneamente, divulgando apontamentos da ofensiva nazi sobre a

Europa e emparticular sobre a França. Na segunda quinzena de Agosto de 1942, o

Avante!publicaumtextodeglorificaçãodasvítimasdaresistênciafrancesa,exaltando

o caso do fuzilamento de Gabriel Pèri, redator do L’Humanité, o órgão central do

Partido Comunista Francês, considerado “glorioso filho do povo, que tinha sido

entreguepelostraidoresdeVichyàsautoridadesalemãs,quecevaramneleoseuódio

à França Revolucionária e imortal”. A glória a que se refere o texto extravasa a

dimensão do militante-mártir, dirigindo as loas para a França, “que combate os

invasores de Berlim e os seus lacaios de Vichy”. A notícia termina com o relato da

atitude exemplar de Péri na hora do fuzilamento: “Seguiu, levado em braços e

cantandoaInternacional,paradiantedopelotãohitleriano”.

ÉmuitonoPCFedoseuhistorialderesistênciaqueoscomunistasportugueses

vãobuscaroexemplo.ComoescreveuMauriceThorez,“avontadedelutardasmassas

populares é estimulada pela valentia dos nossos heróis e pelo semnúmero de actos

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heróicos dos militantes.”96Aliás, o antigo secretário-geral do PCF foi ele próprio um

herói, glorificadonoAvante!,nomeadamenteaopublicaranotíciada suamorte,na

ediçãodeAgostode1964.Nessanotícia,ilustradacomumafotodeThorez,cita-sea

mensagem de condolências assinada por Álvaro Cunhal, então no exílio: ”(..)O seu

exemplo constitui uma preciosa herança são só para os comunistas franceses como

tambémparaoscomunistasdetodosospaíses”.

EmMarço1968,destaca-seumtítulo,emrodapénaúltimapágina:“Homens

fortes como rochedos”. Uma frase atribuída ao título de um livro de um escritor

soviético(NaumMar)eéusadacomoexaltaçãodocomunistaportuguês:

“(...) é para nós um motivo de grande alegria, testemunho da

solidariedade dos povos soviéticos e dos seus intelectuais pela luta dos

comunistasedopovodePortugal”.

Esses “homens fortes como rochedos” são os verdadeiros comunistas,

exemplares,comotemosvistonoAvante!.Emtodasasedições,alinguagemusadana

generalidadedostextosremeteparaumacondutaexemplar,semprehumanizada.O

“verdadeiro comunista”nãoéumconceitoabstracto,um figura teórica retiradados

textos clássicos marxistas-leninistas, mas sim definido por uma linguagem do

quotidiano e sempre tendo como referência pessoas em concreto. Exemplificativa

dessaverificaçãoempíricaéa rubrica“Quemsãoos comunistas?”, incluídaemduas

ediçõesnoanode1961.

Podemosisolaroprimeirotextodessarubricaquefoieditadononº300eque

serefereaCândidaVentura,presanaépoca,queesteve,comFernandoPiteiraSantos,

na“reorganização”doPCP,partidodoqualviriaaafastar-se formalmenteem1976,

depoisdeumafastamentoideológicoquecomeçounofinaldosanos60.

“(...)Cândida Ventura revelou possuir, desde muito nova, um coração

abnegado,umafortepersonalidadeeumespírito inteligente(...)viveu17

anosna clandestinidadeéumaheroicaeabnegadamulherqueaonosso

PartidoeaonossoPovotemdadoomelhordasuavida(...)”.

96MauriceThorez,FilhoDoPovo(EditorialNoticias,1976)p.173.

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O texto, um dos poucos ilustrados com gravura, cuja autoria poderá ser

atribuída a José Dias Coelho, que na época, na clandestinidade, trabalhava para o

Avante! com Margarida Tengarrinha, é composto por adjetivos capazes de induzir

respeitoeadmiraçãodosleitoresporumamilitantecujoexemploéexaltadotambém

pela forma como se dedica ao partido e ao povo. Uma vez mais se assinala que a

linguagem corrente do texto da notícia contém uma mensagem doutrinária,

conceptual e estratégica. Tal como em muitos outros textos de exaltação das

qualidades dos comunistas, transmite o conceito de simbiose, umas vezes mais

explícita,outras,quasesubliminar,entreopartidoepovo/país.Ouseja,amensagem

é: quem não luta contra a ditadura, como os comunistas, em primeiro lugar, não é

patriota. Há nesse aglutinar de patriotismo e comunismo a expressão de uma

“identidade de interesses”, que, como assinala Billig, referindo ao nacionalismo, “os

nossos interesses são os interesses do mundo inteiro”97. No caso em estudo, os

interessesdoscomunistasconfundem-secomosinteressesdanação.Defora,estãoos

nãopatriotas,ostraidores.

Arelaçãoentreahonramilitanteeahonrapatrióticaestáexplícitanotextojá

citado,publicadononº274,da1ªquinzenadeAbrilde1959,intitulado“Napolícianão

sefala”:

“(...) não há drogas como não há espancamentos, estátua ou qualquer

outratorturaquepossaobrigarumhomemouumamulherafalar,afazer

declarações à política, ou a confirmar declarações desta, desde que esse

homemouessamulherestejadispostoafazê-lo,adefenderasuahonrade

patriotaea suahonestidadedepessoa séria (...)osque confiamnopovo

nãootraemedefendematéaofimasuacondiçãodehomensemulheres

patriotasehonrados”.

2.4A“superioridadecomunista”

97Billig,p.293.

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NaleituradoAvante!clandestinoquetemsidofeitanestetrabalho,chegamos

a um ponto da análise que nos permite identificar camadas difusas de ideias que

subjazememtextoscujosautoresnãoestãoidentificados,masqueseconjugamcoma

conceptualização teóricaqueÁlvaroCunhalviriaadeixarescrita.Podeconsiderar-se

que este estudo do não se afasta de uma concepção metodológica que pode

enquadrar-se na História Intelectual, ao definirem-se os redatores do jornal como

agentes da propagação de ideias — nem sempre lineares ou apresentadas como

doutrina—quemarcamdeterminadocontextohistórico.

A superioridademoral dos comunistas é uma dessas ideias que ganharam a

forma de tese nos escritos de dirigentes do partido,mas está também expressa na

linguagemcorrentedetectadanostextospublicadosnoAvante!clandestino.Aolongo

dosanosdeditadura,oórgãocentraldoPCPfoi forjando,na linguagemdasnoticias

sobreocomportamentodosmilitantesperanteapolícia,umpadrãomoralqueviriaa

ser teorizado por Álvaro Cunhal. Nas edições regulares do jornal consultadas, entre

1941 e 1974, não se detecta a existência da expressão “superioridade moral dos

comunistas”,masacadapasso,ouseja,emcadaumdos464númeroslidos,hásinais

lançadosparaaos leitores,deformamaisoumenosexplicita,quersejapelapositiva

quer seja, como contraponto, pela negativa. Pode dizer-se que há aqui uma

banalização de linguagem a que se refereMichael Billig na obra que temos vindo a

citar,susceptíveldedivulgaraideiadepertençaaumacomunidadeespecial,superior

pelosseusideaise,acimadetudo,peloseucomportamento.

Pretende-se neste capítulo, e neste ponto em particular, aferir como as

expressões usadas nas edições doAvante! clandestino induzem no leitor a ideia da

existênciadeumasuperioridademoraloudeumasupremaciacomunistaàqualesse

leitordeveaspirar,mesmoantesdeesseconceitoserassumidodeformadoutrinária

no texto de Cunhal ao qual já fizemos referência, A superioridade moral dos

comunistas.

Prosseguindoométododeanálise lexical seguidoporBillig, é imperiosauma

reflexão sobre os mecanismos lexicais usados. Está implícito na linguagem utilizada

que osmilitantes e a comunidademais alargada de leitores doAvante! clandestino

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pertencemaumgrupode“eleitos”quetemumamissão.Equeparaacumprirtemde

seguir,exemplarmente,asregrasestabelecidaspeladireçãodopartido.

ParaBillig a construção conceptual teóricapode resultar da interiorizaçãodo

uso (não) intencional de uma linguagem “banal”. Partindo da tese de que “o

nacionalismoestáentranhadonanossaconsciência”98,oautor,como jáacentuámos

anteriormente,chamaaatençãoparaautilizaçãocorrentedepalavrascomo“nós”ou

“aqui”emtextospublicadosnaImprensa.“Nãosãopalavrasquechamemàatenção,

mas desempenham uma missão importante no tema de empunhar a bandeira.

Dirigem-sea ‘nós’banalmenteusandoaprimeirapessoadoplural e situam-‘nos’na

pátriaenocentrodeummundodenações.”99

A análise de Billig centra-se na procura de um léxico “banal”, que passa

despercebido numa primeira leitura, mas que está carregado de bandeiras

nacionalistas. Os meios de comunicação de massas, que divulgam o discurso dos

políticos,“utilizammecanicamenteadeixisdaspequenaspalavras”100.

Essaspalavras,astais ‘nós’ou ‘aqui”,maisdoqueoseusignificadoconcreto,

remetemparaoespaçomentaldeconceitosdepertençaadeterminadacomunidade,

quetantopodeser“anação”,nocasodoestudodeBillig,como“opartido”,naanálise

de conteúdo do jornal Avante!. O nacionalismo, objecto de estudo do autor,

transporta-seaquiparaoconceitodemilitância,tendocomocentroocomportamento

domilitantecomunista.

Aqui, voltamos à sistemática construção da identidade comunista que se

observaemcadaediçãodaVIsériedoAvante!,naqualaheroicidadeéapresentada

comoanormalidadeaquesedeveaspirarnumquadroespecial,anormal,queéoda

resistência à ditadura e à repressão. Esses heróis são apresentados comomilitantes

“normais”, mas que pelo seu percurso político se tornam especiais, exemplares,

imprescindíveisparaa lutacontraosopressoressejavitoriosaabem,nãoapenasdo

partido,mas,acimadetudo,dopovoportuguês.

98MichaelBillig,NacionalismoBanal,p.31.99Billig,290.100Billig,p.290.

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Não é raro depararmos com expressões como, “Álvaro Cunhal faz falta ao

nossopovo”, insertanaediçãodeFevereiro-Marçode1956,numtextopublicadona

1ªpáginade apelo à lutapela libertaçãodeCunhal, entãopresonaPenitenciária de

Lisboa. O sublinhado do dirigente que “faz falta” ao povo imprime uma carga

conceptualnãolongeaimprescindibilidade.Poroutraspalavras,oscomunistase,em

particular,osdirigentesdopartidopertencemaumgrupoprotetordopovo.

Nesse mesmo número do órgão central do PCP, escreve-se sobre a fuga de

JaimeSerradacadeiadoFortedeCaxiasemtermosqueconfiguramumaheroicidade

foradocomum,superior.

“Numa fuga audaciosa, perseguido a pouca distância pelos tiros dos

sentinelas,JaimeSerraconseguiupelasegundavezconquistaraliberdade,

paravirocuparoseupostodevanguardanalutacontraoinimigodonosso

povo–ofascismosalazarista.Asuacoragem,asuadedicaçãoàcausado

povo,comprovadas jáváriasvezes,permitirammaisestavitóriadonosso

partido sobre os carrascos salazaristas, vitória que enche de alegria o

Partido,aclasseoperária,osdemocratasetodoopovo.”

Estanotíciapodeserlidacomoumasíntesedospontosqueexplanamosneste

capítulo.Afulanizaçãodoconteúdopermiteaoleitor interiorizarqueafugarelatada

nãoéumafugaqualquer,nãoéumaaçãofácil,éumatoheroicocometidocontrao

inimigodopovoporumhomemforadocomum,umverdadeirocomunista.

Atendamosaosqualificativosqueperpassampelotextoeaoqueelescontêm

decargaemotivaparaoleitor:Afugaé“audaciosa”;JaimeSerra,“perseguido”pelos

tiros,revela“coragem”,“dedicação”;conquistaaliberdadepelasegundaveznãoem

proveitopróprio,masparalutarcontrao“inimigo”,quetambémnãoépessoal,mas

sim o do “nosso povo”; a sua vitória é a “vitória do Partido sobre os carrascos”; e,

cerejanotopodobolo,“enchedealegriaoPartido,aclasseoperária,osdemocratase

todoopovo”.

Esta linguagem heroica e moralizadora enquadra-se no programa político e

estratégico que viria a ser explanado, mais tarde, por Cunhal em “A superioridade

moraldoscomunistas”.

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Naediçãoseguinte,tambémnaprimeirapágina,éaindaCunhaleaexigência

da sua libertação que motiva a publicação da seguinte frase, no final do texto:

“Salvemos a vida preciosa de Álvaro Cunhal, a vida de um dos mais dignos e

destacadosfilhosdonossopovo!”.

A par da exaltação das qualidades de algunsmilitantes, que induz a ideia da

construçãodeumasuperioridade,évincadapublicamentealigaçãoentreopartidoe

os seus dirigentes ao povo português, o que é uma das constantes nas edições do

Avante! clandestino. Há, como se pode perceber em praticamente todos os textos

publicadosqueremetemparaalutacontraaditadura,asimbiosedosdoisconceitos,o

daheroicidadenadefesadopartidoedosprincípios ideológicoseodopatriotismo,

pela defesa do povo, em nome do qual se desenvolve a luta dos comunistas. Sem

querer levarestareflexãoparaocampodoconceitodenacionalismoqueenformao

pensamentoepráticadoscomunistasportugueses,évisívelnostextosdoAvante!que

opartidosetornasinónimodepovo,nãoapenascomo“classesocial”,mastambém

como nação. O herói é aomesmo tempo superior nas qualidades e filho do povo,

entendidocomoumaentidademítica.

LidosalgunsexemplospublicadosnoAvante!clandestino,torna-seclaroquea

linguagem corrente utilizada não é inócua e a teorização posterior dos conceitos

transmitidos ‘banalmente’ vem comprovar que essa escrita está carregada de

conceitosteóricos.NoNacionalismoBanal,Billigdiscorresobreessepostuladoquando

cita Hannah Arendt ao afirmar que também na imprensa britânica que analisou “a

banalidadenãoésinónimodeinocuidade”101.Emboranãoexistaumaintencionalidade

conceptual oumesmo consciente, no caso em estudo neste trabalho, é cumprido o

objectivofinaldecriarumasuperioridademoral.

Mas, quando citamos Arendt para explorarmos a ideia de “banalidade” a

propósitodopresenteobjectodeestudo,talvezsejarelevanteatendermosaoquea

filósofa escrevenopós-escrito incluídona edição revista e aumentada (de 1964) do

seulivroEichmannemJerusalém,explorandooconceitodequeháumaausênciade

reflexãoideológicanapráticadomal.Arendtescreveque“oquefezdele[Eichmann]

101Billig,p.22.

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umdosmaiorescriminososdasuaépocafoiaausênciadopensamento–oquenãoé,

ealgumaforma,amesmacoisaqueestupidez”102.

Semconfundira“banalidadedomal”deArendtcomo“nacionalismobanal”de

Billig e, muito menos, estabelecer qualquer paralelismo na análise dos textos

publicados noAvante! clandestino, é possível refletir, com base no pensamento de

Arendt, na utilização pela imprensa comunista de uma linguagem corrente/banal

aparentemente desligada do sustentáculo teórico que a enforma. A base ideológica

estálá,emcadapalavra,masoleitor/militantenãoprecisaterumaformaçãoteórica,

ou“pensamento”,paraseguirnoseuquotidianodemilitanteasorientaçõesqueessas

tais palavras carregam. Do militante espera-se o cumprimento das tarefas

estabelecidaspelosdirigentesdopartido,seguindoumalinhadecondutaintrínsecaa

umaleituraaparentementedesprovidadepropósitoestratégico.Acresce,nocasoem

estudo,quea leituradoAvante! foibasilar, tantonotempodaditaduracomojáem

democracia, na formaçãodosmilitantes de base,muitos dos quais analfabetos, que

tomavam conhecimentos dos textos em leituras colectivas clandestinas. Como

exemplificouohistoriadorJoséNeves,aotomarcomoestudodecasoaexperiênciade

trêsirmãosmilitantesdoPCP,“aspráticasdeleituranãopassamtantopeloconsumo

dos clássicos, isto é pela doutrinação política, mas mais por processos variados e

dispersosdeleituradoromanceaojornal”103.Nomesmotrabalho,Nevessublinha,no

entanto, que se os canais que se poderiam designar por banais serão centrais na

alfabetização comunista dos militantes de base, o mesmo não se passa com os

dirigentes.“Aleituraéumindispensávellubrificanterevolucionárioqueoperaemdois

níveis. Num primeiro nível, os quadros do partido necessitam ler os clássicos para

encontraremformasdedirecçãopolíticaquesejamadequadas.Numsegundonível,a

literaturadopartido,sobaformadediferentessuportestextuais,emregraproduzida

por aqueles quadros, deve ser lida por uma comunidade de trabalhadores pensada

comoumcomunidadedeleitores.104”

102HannahArendt,EichmannEmJerusalém,UmaReportagemSobreaBanalidadeDoMal(Itaca),p.428.103DiogoRamadaCurto(dir)eJoséNeves,EstudosdeSociologiaDaLeitura-AlfabetizaçãoLeninista(OCasoDosIrmãosFigueiredo)(FundaçãoCalousteGulbenkian,2006)p.702.

104CurtoeNeves,p.678.

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Instadaafazerumareflexãosobresefoicultivada,nomeadamenteatravésdo

Avante!,a ideiadasuperioridademoraldoscomunistas,MargaridaTengarrinha,que

viveu na clandestinidade e nunca esteve presa, recusa a ideia de existir a noção de

supremacia,masadmite:“Háumasuperioridademoraldoscomunistas.Aexaltaçãode

alguns heróis é compreensível porque eles servem-nos de exemplo e fazemparte da

educação dos mais novos. Devemos usar o exemplo da vida dessa gente para

definirmosonossoprópriocaminho”.

Entre os que pertencem ao grupo dos quadros/heróis, é significativo que a

heroicidadeseja sinónimodedever, comosepodeatestarpelaopiniãomanifestada

porDomingosAbrantes, centradano conceitoda superioridade: “Nãoéheroísmo, é

umaquestãodedever.Hápessoasque foram torturadas,assassinadas,porquê?Por

princípios,porque tinhamvalores,porqueconsideravamquenão tinhamodireitode

salvarapeleafavordavidadeoutros.Háumconjuntodeprincípioséticosepolíticos

quesepõeacimadetudo.Háumasuperioridadedesde logoporteroptadoporessa

vida.Outrosnãoofizeram,quemofezforamoscomunistas.Háumamoralsuperior

doscomunistas,fomososúnicosduranteofascismocomaparelhoclandestino”.

O discurso de Domingos Abrantes remete novamente para Billig e para a

referidadicotomiadasupremaciaentre“nós”eos“outros”,quepodeseraplicadaà

teorizaçãoexpressanoopúsculoCunhal.

“A força do exemplo, pelo seu extraordinário poder de convencimento e de

atracção junto das massas, é um dos grandes trunfos da acção dos comunistas. O

militantesérioemodestoque,nasmaisdiversascondições,defendeinfatigavelmente

os interesses dos trabalhadores, o clandestino que suporta sem abrir boca cruéis

torturas,ocomunistasoldadoouguerrilheiroquedáavidaemdefesadoseupovo,o

herói do trabalho socialista, iluminam com os seus exemplos o caminho da luta,

alargamereforçamoprestígioeinfluênciadoPartido,atraemàssuasfileirasmuitos

novoscombatentes.”105

NesteexcertodateorizaçãodeCunhal,queterásidolidoporumaminoriade

militantes, está contida todaaprodução “banal” impressanaspáginasdoAvante! e

105ÁlvaroCunhal,ASuperioridadeMoralDosComunistas(EditorialAvante,1974),p.5.

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que chegou a uma comunidade muito alargada de militantes e de resistentes à

ditadura, em geral. Noutras passagens do texto é bem notória a importância que é

dadaaocomportamentomoral,reforçandosempreaforçaessencialdoexemplo:“As

massas não só aferem, pela sua experiência, a justeza da orientação política e das

palavras de ordem do Partido como estão particularmente atentas e são

particularmente sensíveis ao exemplo moral dado pelos seus membros. Exemplo de

dedicação. Exemplo de combatividade e firmeza. E também exemplo de

comportamento pessoal num sentido mais largo: exemplo de dignidade e da

intransigência para com as concepções da moral burguesa e as práticas dela

decorrentes.Seavanguardaajuízadasinfluênciasdamoralburguesasobreasmassas,

asmassas julgamporsuavezocomportamentomoraldavanguarda.Oscomunistas

têmdeagirdeformaapassarcomhonraumtaljulgamento.106

Ainda analisando as palavras do dirigente comunista à luz do que foi sendo

escrito no Avante! é visível, uma vez mais, uma consonância conceptual entre o

teórico e o banal. Depois de termos evidenciado notícias nas quais se dá conta de

“falhas” decondutadealgunsmilitantes,Cunhal sintetizao conceitododeverpara

comopartido,realçaaimportânciadadisciplinaedaauto-crítica,marcandodistância

da noção da infabilidade: ”Seria utopia pretender que os comunistas fossem seres

‘puros’ e isentos de faltas. (...) A revolução não se faz com seres ideais. Faz-se com

homens que sofrem influências morais negativas do capitalismo e dos variados e

omnipresentesmeioseacçãoespiritualdeixadospormiléniosdesociedadesdivididas

em classes antagónicas, nas quais a moral dominante era a moral das classes

dominantes, isto é, das classes exploradoras. Esta situação incontroversa não leva à

renúnciadotrabalhoeducativodoPartido,antesaumentaasuaresponsabilidade.O

Partido chama a si os melhores, os mais conscientes, os mais dedicados ao bem

comum.MastambémvêmaoPartido,quaisquersejamascondiçõesemqueactuam

(no poder, legal, clandestino), homens com falhas mais ou menos graves na sua

formação e na sua conduta.Utilizando a arma da crítica e da autocrítica, o Partido

ajuda os seus membros a superar debilidades e faltas e forja nas próprias fileiras

106Cunhal,ASuperioridadeMoralDosComunistas,p.6.

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lutadores infatigáveis, generosos, dedicados, pessoalmente isentos, corajosos, leais,

despretensiososesimples–homensemulherescapazesdeinspirar,peloseuexemplo,

os‘milagres’dequefalavaLenine.”107

Os comunistas são homens e não seres sobre-humanos, mas “não se

distinguem apenas pelos seus elevados objectivos e pela sua acção revolucionária.

Distinguem-se também pelos seus elevados princípios morais. (...) A moral dos

comunistasécontráriaesuperioràmoralburguesa”108.

Anosmais tarde, já emdemocracia e num contexto de divergências internas

quanto ao rumo do partido, em Agosto de 1985, Cunhal edita em livro um longo

ensaio“PartidocomParedesdeVidro”,noqualpretendeu,segundoassuaspróprias

palavras insertas no início do prefácio da 6ª edição, de Janeiro de 2002, “dar a

conhecer como nós, os comunistas portugueses, concebíamos, explicávamos, e

desejávamosonossopartido”.

Nesteensaio,Cunhaldeixaimplícitosconceitosquecolocamoscomunistas,em

particularosdirigentes,numpatamarsuperioraosdarestantepopulação,aoassumir

que “o reconhecimento da superioridade moral do partido é um dos mais sólidos

critériosdoêxitodasuaacçãocomovanguarda.Atransformaçãodadeterminaçãoe

doheroísmodevanguardanumfenómenodemassas,comoseverificounarevolução

portuguesa,éumdosmaissólidoscritériosetodasverdadeirasrevoluçõesedopapel

queneladesempenhaoPartido”.109

Cunhalafirma,porexemplo,serimportantenumcomunista,“foraasuaacção

revolucionária, sentir-se e gostar de sentir-se comoum ‘homemcomum’, comouma

‘mulhercomum’”110.Note-sequeodirigentedoPCPcolocaoscomunistasnumplano

distintodooutroscidadãos,aonãoafirmarqueumcomunistaéum“homemcomum”,

massimquedevesentir-seum“homemcomum”.

107Cunhal,ASuperioridadeMoralDosComunistas,p.6.108Cunhal,ASuperioridadeMoralDosComunistas,p.1.109Cunhal,OPartidoComParedesdeVidro,p.197.110Cunhal,OPartidoComParedesdeVidro,p.204.

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Mesmona clandestinidade,ouatépor causadela,omilitanteera impelidoa

agire sentirno relacionamento comosoutros cidadãos, como“homemcomum”,é

sempre a expressão usada por Cunhal ao estabelecer regras para os militantes e

dirigentes do partido. “Há camaradas que, namedida em que desenvolvem os seus

conhecimentosetêmmaisresponsabilidades,sefatigamaoouvirhomensemulheres

compreparaçãomuitoelementar,porvezescomgrandeatrasonaconsciênciapolítica.

Algumacoisafaltaadirigentesdeumpartidooperárioquandonãosabemapreciaro

convívio com as pessoas mais simples, mesmo as mais atrasadas, e não sabem

descobrirouencontrarnariquezadequalquersermotivobastanteparaaalegriado

convíviohumano”.111

Há, nestas passagens da orientação dada por Cunhal aos militantes, um

manifestosentidodesuperioridadedocomunistaemrelaçãoaos“maissimples”,ao

“homem comum”, numa teorização do conceito que está presente nos textos

publicadosnasediçõesdoAvante!clandestino.Peladescriçãodeatitudesexemplares,

quersejanocomportamentonaprisãoounavidaquotidianadelutacontraaditadura

em defesa dos trabalhadores, o órgão central do PCP foi forjando um pensamento

ético/moralquesóviriaasersintetizadoteoricamentemaistarde,jáemdemocracia.

Pode anotar-se que, no caso da transposição dos conceitos implícitos nos

textos publicados no Avante! para a teorização elaborada por Cunhal, há uma

correspondênciacomoqueBilligassinala,aoreferir-seaoprocessode“incrustaçãoda

nossaidentidadeatravésdasrotinasenavidasocial”.112Noentanto,aprecedênciado

banaléapenasaparente,umavezqueháumesteioideológicoquepossibilitaessatal

banalidade, que se vai entranhando nosmembros da tal comunidade imaginada de

Anderson. É o que, de alguma forma, sintetiza Cunhal na sua teorização sobre a

superioridademoral dos comunistas, datada de Janeiro de 1974, “os ideais políticos

influemnasrepresentaçõeseatitudespsicológicasetransplantam-separaosconceitos

moraisedestesparaasatitudesehábitosdeprocedimento”113.

111Cunhal,OPartidoComParedesdeVidro,p.204.112Billig,p.291.113Cunhal,ASuperioridadeMoralDosComunistas,p.2.

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Conclusão

Chegou-se à parte conclusiva deste trabalho commais do que uma resposta

paraapergunta inicial:“ComooAvante!tratouosseus?”oucomocontribuiuparaa

construção de uma identidade comunista. Partiu-se de uma questão que veio a

revelar-se limitadora ao longo da investigação. É que nem oAvante! clandestino se

podeconfinaraoestatutodeórgãocentraldoPartidoComunistaPortuguêsnemos

“seus”sãoapenasosmilitantescomunistas.

A análise das edições regulares do Avante! clandestino, entre 1941 e 1974,

revelaaexistênciaderegistoslinguísticosdiferentesparaosdiversostiposdeleitores

imaginados por quem escreve os textos publicados. São distintos os termos usados

paraentidadesdiferenciadas,asquais,noentanto,serevelamsemelhantesnamedida

emquepertencemàcomunidadeimaginadadosleitoresdoAvante!.Oórgãocentral

doPCPsuplantouamissãoaqueestavaobrigadopeladefiniçãodeLenine,queeraa

deser,simultaneamente,umorganizador,uminformadoreummobilizador,etornou-

se, como refereMargarida Tengarrinha (já citada anteriormente), “oúnicoórgãode

informaçãoquediziatodaaverdade,proibidapelacensuranosoutros jornais”.Uma

frase que remete para o lema “A verdade a que temos direito” do jornal o diário,

editado entre Janeiro de 1976 e Junho de 1990, propriedade da editorial Caminho,

ligadoaoPCP.Nocasodeodiário,averdadejánãoécondicionadapelacensura,mas,

na óptica dos comunistas, pelo noticiário que é ignorado pelos outros jornais, em

tempo de refluxo revolucionário e da consequente perda de influência do PCP na

Imprensa.

Comoficoureferenciadoaolongodestetrabalho,nasediçõesclandestinasdo

órgão central o PCP publicam-se textos diretamente dirigidos aos militantes

comunistas nos quais o pendor ideológico é mais claro, com uma linguagem de

proximidadeeempática,quersejaparalouvarcomportamentos,condenartraiçõese

fraquezas ou para orientar no caminho a seguir. É exaltada a heroicidade dos

“melhoresfilhosdoPovo”edenegridaaimagemdos“miseráveistraidores”,que,em

muitoscasos,nãosedistinguemdo“inimigo”.Oscomportamentosindividuaiseram

indicados como exemplares, tanto no bom como no mau sentido, sinalizando com

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sentidoobrigatórioocaminhoaseguir.

Aconstruçãodestestextosésusceptíveldecriarsentimentosdecomoçãoou

de ódio associados a comportamentos éticos, quer sejam militantes ou inimigos

políticos. O uso do “nós” em oposição ao “outro”, de que falaMichel Billig para o

nacionalismo, transporta-separaomilitanteeparaasuarelaçãocomosde fora,os

não militantes, edificando paulatinamente o conceito da superioridade moral dos

comunistas,teorizadoporÁlvaroCunhal.

Mas entre esse “nós” e os “outros” há, no Avante! e no partido, uma zona

cinzenta onde cabem os “homens honestos”. A adjetivação, de “honestos” é

recorrentemente usada nas páginas doAvante! para designar os nãomilitantes, os

anti-fascistasnãohostisaopartido.

O militante integra uma comunidade imaginada de leitores que constitui o

universoalargadodedestinatáriosdamensagemescrita.Estáexpressonoconteúdoe

naformadostextosqueoAvante!“fala”tambémparaosantifascistascomoumtodo,

quando apela à unidade das forças democráticas contra o salazarismo ou ainda

quando relata atrocidades da guerra colonial ou da violência da polícia política nos

interrogatórios e nas cadeias. São textos que induzem a construção de um projeto

político agregador de oposição à ditadura, mas que entram em contradição com

expressõesusadasbastasvezesdecondenaçãoaestratégiasdeoposiçãodiversasàs

seguidaspelopartido.Aprofusãodeartigosdotipoagregadordashostesantifascistas

é mais acentuada durante o período da II Guerra Mundial, seguindo a influência

estratégicadeFrentePopularfrancesa,nopodernofinaldosanos30,enacampanha

eleitoralparaaPresidênciadaRepública,em1958,noquadrodomovimentogerado

pelacandidaturadeHumbertoDelgado.

UmtipodeleitoressemprepresentecomodestinatáriodoAvante!clandestino

são os trabalhadores. As suas lutas são eleitas como motor da ação política dos

comunistase sãoprofusamentenoticiadasnaspáginasdo jornal. Emboranão tenha

sidoobjectodeestudopreferencialneste trabalho, a contestaçãodos trabalhadores

estáemprimeiroplanononoticiárioeéenquadradanacríticaàsopçõeseconómicas

do regime, às quais é proposta uma linha de rumo alternativa. A par das lutas

operárias e nos campos, que são centrais nas edições dos anos 40 e 50, na década

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seguintecomeçamasurgirnotíciasdefocosdecontestaçãoentreosestudantes,onde

oPCPperdeinfluênciaparaosnovosgrupospolíticosmaoístas,eemsectoresmenos

tradicionais, num sinal denovos temposque se adivinham, comoprincípio deuma

certa “democratização” no acesso ao ensino, decorrente de uma classe média

ascendenteecomo reforçodosector terciáriodaeconomia.AspáginasdoAvante!

espelham a resposta que o partido vai ter que dar a esses novos desafios na

construçãodeumapolíticaeconómicaalternativaaocapitalismoe,emparticular,ao

rumoseguidopeladitadura.Éocasodaslutasdosbancários,enfermeirosemédicos

quevãoassumiralgumaexpressãonoAvante! clandestino.EnquantooPCPalargaa

intervençãosocial,oseuórgãocentraltentaalcançarnovosleitoresimaginados.

Seacomunidadeimaginadadeleitorestemcomonúcleoosmilitantes,opovo

portuguêséouniversomaisalargadodedestinatáriosdamensagem,aoexprimir-se

em nome desse mesmo povo, exaltando os valores patrióticos, na denúncia da

carestia, emparticular,umavezmaisdurantea IIGuerraMundialou, jánoperíodo

marcelista,aocontestarideiadeumapossíveltransiçãodemocráticaoregime.Porser

clandestino,oAvante!,comoéassumidoporDomingosAbrantes,escapavaàcensura

préviaobrigatóriaparatodaaImprensaoquelhepermitianoticiartornar-seummeio

deinformaçãonãocondicionadopelaslimitaçõesàliberdadedeexpressão.

O Avante! clandestino, redigido, composto e impresso em condições muito

difíceis, perigosas para os militantes envolvidos e arriscadas para a máquina

partidária,foidistribuídoportodoopaísatravésdarededemilitantes,chegandopelo

correioamuitos“democratas”“honestos”eintroduzidonasprisõesdeformamassiva.

Tambémaí,ojornaleraumelementocentralnaligaçãoentreospresoseoexterior.

Para dentro passavam mensagem de solidariedade e de apoio à resistência, para

foram eram enviadas denúncias das condições nas cadeias e das torturas nos

interrogatóriospoliciais.Esemprequeerainterceptadopelapolíciapolítica,oAvante!,

alémdeserum focodepreocupaçãopeloque representavadeveículodedenúncia

dosprocessosutilizadosnascadeiasenosinterrogatóriosedeexaltaçãodaresistência

ospresos, tornava-se também fontede informaçõesparaosagentes.Daíque tenha

surgido como relevante saber se as notícias eram redigidas a pensar tambémnesse

grupodeleitoresespeciais.Sechegouahaverpublicaçãodenotíciasfictíciasoucom

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dadoserradosparainduzirapolíciaemlogrofoiaperguntaqueseimpôsnodecurso

da presente investigação. Domingos Abrantes garante não terem havido notícias

falsas,masassume:“Masumaoutracoisaerapublicaçãodenotíciasdistanciadasda

ocorrência dos factos — encontros, congresso, etc.— para dificultar o trabalho da

polícia.Porexemplo,sesetivessenoticiadonahoraarealizaçãodeumcongresso,e

dado o número de deslocações de militantes das suas regiões, seria mais fácil o

trabalhodepesquisadapolícia.”

O jornal Avante!, no seu período clandestino, está no centro da resistência

comunistaàditaduradeSalazar/Caetanooqueotransformanumelementovivo,logo

contraditório,queacompanhouahistóriadoPartidoComunistaPortuguês,noqueela

teve de construção de uma identidade comunista, ao fomentar exclusões e

sedimentando os alicerces teóricos. Tudo isso está nas páginas do periódico, numa

multiplicidade de registos, que vão da secura da notícia à fabulação, mas falando

semprediretamentecomotalleitorimaginado.

Mascomasrespostasencontradasnãosechegaaofimdeumestudoexaustivo

do conteúdo do Avante! clandestino. Esse pode seguir uma miríade de caminhos,

todoselesaindanãopercorridospelainvestigaçãoemHistória.Aolongodopercurso

queagora se finaliza, surgirambifurcaçõesquepoderiam levaraoutros caminhode

análise.Foiprecisoresistirparaqueoobjectodestetrabalho—odeanalisarcomoo

Avante!criouasuacomunidadedeleitoresecomofaloudelaeparaela—nãofosse

subvertido,masanota-seaquialgunsdospossíveisrumosparainvestigaçõesfuturas.

NarelaçãodoAvante!clandestinocomosmilitantescomunistaspoderáseguir-

se,emcontraponto,umalinhainvestigativadestinadaaavaliarocomoojornalfoilido

pelos seus leitores, com recurso a fontes documentais como memórias escritas e

entrevistas a pessoas que possam representar os diversos tipos que encaixam na

comunidade imaginadados leitoresdo jornal.Nopresente trabalhonão sedeixade

fazerreferênciaàimportânciaqueoperiódicotevenaconstruçãodeumaidentidade

comunista,constituindo-se,elepróprio,comoumorganismovivo,heroicoeexemplar

pelaresistênciaemtemposdeclandestinidadeerepressãopolicial.

Outrasdasviaspossíveiséaanálisedecomoosoutrosjornaise,emparticular

osmais ligadosaoregime,sereferiamaoAvante!.Emregra,osjornaisnacionaisde

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grande circulação, sujeitos a censura prévia, não farão referências a publicações

clandestinas,masemcertaimprensapanfletáriaepropagandísticadoregimealgumas

referênciasexistirão.Deparou-secomocasodojornalAlerta114,naediçãodatadade

Outubrode1944,ondeotítulo“ANaçãosobumdilúviodapropagandasubversiva”

encabeça um texto de crítica a jornais e jornalistas que se posicionam do lado dos

Aliados,ilustradocomareproduçãodepartedacapadoAvante!nº60,da2ªquinzena

deAgostodomesmoano.

Pela leituradoAvante!, fica clara aposiçãodo jornal sobre a açãopolicial.E

comoéqueapolíciapolíticaliaoAvante!?Umanovapergunta,umanovainvestigação

possívelcomalgunsobstáculosdemontaparaultrapassar, jáque,nestemomento,a

TorredoTombonãopermitequalquersistematizaçãosobreoAvante!,umavezqueo

arquivoaPIDE/DGSéessencialmenteonomástico.Assim,sóaconsultadeprocessos

individuais de militantes presos ou vigiados, dos milhares que estão arquivados no

ArquivoNacionalpoderáfornecerpistasparacontribuirparaesclareceressaquestão.

MuitoestáporinvestigaropapelqueaImprensaclandestinarepresentouna

resistênciaàditaduradeSalazareCaetano,massecomestetrabalhosobreoAvante!

foram identificadas algumas questões, talvez se contribua para que mais linhas de

investigaçãocomecemasurgirnumfuturopróximo.

114Ediçãoreproduzidaemhttps://ephemerajpp.com

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