COMO UMA MAÇA...

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COM UMA MAÇÃ CÉZANNE QUERIA REVOLUCIONAR PARIS! E NÓS NA SOARES? «Estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica.» (Eça de Queirós, 1872) «Separar a liberdade da justiça significa separar a cultura e o trabalho, o que constitui o pecado social por excelência» (François Mauriac) Andamos todos neste mundo para fazermos alguma coisa de digno e de verdadeiramente importante. Sabemos, no entanto, que muito do nosso tempo, muitas das nossas capacidades são consumidas em gestos repetitivos, em acções monótonas e triviais, em comportamentos irreflectidos e inconscientes que nada (nos) dizem…E no entanto o nosso tempo é friamente desafiante para todos, qualquer que seja a nossa idade, a nossa função ou papel na escola e na sociedade. Sabemos que vivemos numa sociedade profundamente desigual, que uns têm condições económicas e sociais para fazerem a sua vida diária, sem cuidados intensivos, sem terem que contar as moedas escuras no fundo do bolso. Não significa que andem a esbanjar, “estoirando” o que possuem e o que não possuem, embora isso exista mesmo nos tempos que correm. Mas outros, de entre nós, vivem o seu dia olhando o vazio, cheios de sobressaltos, engolindo em seco, esperando do céu uma indicação que tarda ou se esconde atrás das nuvens…A crise dói a muitos, aos desempregados, aos sub-empregados, àqueles que viram, de súbito, as suas condições de vida escorregar para o inimaginável, com endividamentos, com contas e mais contas para pagar… Mas nós sabemos também que ninguém é feliz sozinho e que não se pode fechar os olhares ao que se passa à nossa volta, mesmo que não seja necessário reparar nesses infelizes que, cada fim de tarde, deambulam pela cidade, remexendo nos caixotes do lixo, à procura de “inutilidades”, de sabe-se lá o quê, para guardar em sacos mais ou menos imundos…Há muita gente que sobrevive, discretamente, em silêncio forçado, num stress amargo, as suas frustrações primárias, numa resignação quase religiosa que afecta a sua dignidade sem a destruir, mas que corrói por dentro. Devagar e lentamente. Produzindo depressões, doenças do foro psíquico, com danos

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Texto sobre a solidariedade necessária.

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  • COM UMA MA CZANNE QUERIA REVOLUCIONAR PARIS! E NS NA SOARES?

    Estamos num estado comparvel somente Grcia: mesma pobreza, mesma indignidade poltica, mesma trapalhada econmica. (Ea de Queirs, 1872)

    Separar a liberdade da justia significa separar a cultura e o

    trabalho, o que constitui o pecado social por excelncia (Franois Mauriac)

    Andamos todos neste mundo para fazermos alguma coisa de digno e de

    verdadeiramente importante. Sabemos, no entanto, que muito do nosso tempo, muitas das nossas capacidades so consumidas em gestos repetitivos, em aces montonas e triviais, em comportamentos irreflectidos e inconscientes que nada (nos) dizemE no entanto o nosso tempo friamente desafiante para todos, qualquer que seja a nossa idade, a nossa funo ou papel na escola e na sociedade.

    Sabemos que vivemos numa sociedade profundamente desigual, que uns tm

    condies econmicas e sociais para fazerem a sua vida diria, sem cuidados intensivos, sem terem que contar as moedas escuras no fundo do bolso. No significa que andem a esbanjar, estoirando o que possuem e o que no possuem, embora isso exista mesmo nos tempos que correm. Mas outros, de entre ns, vivem o seu dia olhando o vazio, cheios de sobressaltos, engolindo em seco, esperando do cu uma indicao que tarda ou se esconde atrs das nuvensA crise di a muitos, aos desempregados, aos sub-empregados, queles que viram, de sbito, as suas condies

    de vida escorregar para o inimaginvel, com endividamentos, com contas e mais contas para pagar Mas ns sabemos tambm que ningum feliz sozinho e que no se pode

    fechar os olhares ao que se passa nossa volta, mesmo que no seja necessrio reparar nesses infelizes que, cada fim de tarde, deambulam pela cidade, remexendo nos caixotes do lixo, procura de inutilidades, de sabe-se l o qu, para guardar em sacos mais ou menos imundosH muita gente que sobrevive, discretamente, em silncio forado, num stress amargo, as suas frustraes primrias, numa resignao quase religiosa que afecta a sua dignidade sem a destruir, mas que corri por dentro.

    Devagar e lentamente. Produzindo depresses, doenas do foro psquico, com danos

  • visveis no organismo, mas tambm nos comportamentos interpessoais, tornando as

    relaes familiares difceis ou mesmo impraticveis, degradando-as e degenerando-as. Este quadro negro no resulta de qualquer viso tendencialmente pessimista, dominada pelos alarmismos quotidianos que os mdia nos debitam, velocidade da luz, potenciando uma viso do mundo to derrotista e desestruturante da

    personalidade das pessoas (e em particular dos espritos jovens, daqueles que tm obrigao gentica de sonhar, de ter iluses, de construir um quadro de referncias positivas que lhes permita crescer para um futuro possvel e vivvel, igual ou pelo

    menos diferente do daquelas geraes que ficaram marcadas pelo tempo das guerras, das ameaas paz e segurana mundiais como foi o caso da nossa gerao que tambm teve uma tal experincia com a Guerra Colonial e com a chamada Guerra

    Fria Precisamos de muitas lufadas de ar fresco de iniciativas, de ideias criativas e criadoras que reinventem a solidariedade, que faam germinar uma verdadeira paixo

    pelo campo social, que potenciem um novo humanismo, tenha ele a face que tiver: cristo ou budista, comunista ou reformista, manico ou beato! Porque o mais decisivo sempre reinventar, com urgncia e plenitude, a dignidade da Pessoa

    Humana presente e acabada em cada um de ns, em carne e osso, determinada pelo vcio de viver, de assim o diria Ortega y Gasset viver bem, tarefa sempre inacabada e incumprida. Para tal, estamos carenciados de iniciativas, de modalidades

    concretas de experimentar a nossa abertura aos outros, a comear pelos membros da nossa comunidade escolar: com um sorriso, com uma bolacha, com uma ma! Vamos pr mos obra e construir uma Soares muito mais solidria? Em breve vamos bater-

    vos porta! Jos Melo (do Grupo de Coeso Social da EASR)

    P.S.- Tocaram, neste preciso momento, minha porta. Fui abrir. Era um amigo e vizinho transmontano que me trazia do Nordeste os frutos da poca que costuma

    repartir: uvas, figos, tomates, marmelos e castanhas. Uma saca bem recheada de mimos do campo. Como bonito um gesto solidrio assim que as nossas gentes inventaram na noite dos tempos agrrios! pocas felizes em que ser e ter no andavam em luta como hoje