Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

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Ana Lucia Mariz Rodrigues A CRIANÇA COM TDAH TEM CAPACIDADE DE APRENDER? Rio de Janeiro 2004

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Ana Lucia Mariz Rodrigues

A CRIANÇA COM TDAH TEM CAPACIDADE DE

APRENDER?

Rio de Janeiro

2004

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

A CRIANÇA COM TDAH TEM CAPACIDADE DE

APRENDER?

OBJETIVOS:

Mostrar através de estudos sobre este tema, que

uma criança portadora do Transtorno de Déficit de

Atenção ou Hiperatividade, tem condições de

aprender a ler e a escrever. Objetiva-se listar

atitudes e formas de como o professor ou

psicopedagogo em sua sala de aula ou no

consultório, pode lidar com as dificuldades dos

alunos.

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AGRADECIMETOS

A Deus, que me ensina a cada dia que devo respeitar a

diversidade das diferenças dentro do meu trabalho. Ao meu

marido, que sempre me incentiva ao aperfeiçoamento da

minha carreira profissional. Aos meus pais, que sempre

estiveram por perto para me ajudar e me incentivar em todos

os momentos de minha vida. À minha irmã, que tanto amo.

À Alessandra, pela amizade. Aos meus alunos que fazem do

meu trabalho uma eterna aventura em busca de novos

saberes. À direção dos Batutinhas, que me ajudou a realizar

o meu sonho: fazer uma pós-graduação.

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DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia ao meu marido Márcio, que tanto

colaborou e me ajudou para a confecção e o

aperfeiçoamento desse trabalho. Também dedico aos meus

alunos, pela maneira doce e pura que me ensinam a cada

dia a ter respeito à individualidade e ao ritmo de cada um.

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RESUMO

As reflexões acerca do transtorno de Déficit de Atenção, o TDAH, de crianças

em idade escolar de alfabetização são importantes pelo modo com que veremos

as diferentes atitudes que o professor deverá tomar frente a cada aluno.

O psicólogo Piaget preocupou-se com vários aspectos do conhecimento

dando ênfase ao desenvolvimento cognitivo. A principal preocupação dele foi com

o “sujeito epistêmico”, isto é, o estudo dos processos mentais desde a infância até

a idade adulta.

O presente estudo tem como objetivo refletir sobre a escuta do

desenvolvimento cognitivo no tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção,

exemplificando um caso específico.

A definição do TDAH e suas principais características são necessárias para

tornar o estudo relevante no meio acadêmico. As possíveis causas e o manejo do

tratamento também serão citados ao longo do trabalho.

A reflexão de um caso específico, mostrando a história familiar,

preocupação da escola e sentimentos da criança em questão, nos fará repensar

em algumas estratégias metodológicas e uma mudança de olhar e atitudes em

sala diante da diversidade da apresentação do transtorno.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada se destina a apoiar o trabalho dos professores

quanto ao modo de lidar com crianças com o Transtorno de Déficit de Atenção,

TDAH, em sala de aula.

O professor poderá rever os conceitos de Piaget quanto ao

desenvolvimento cognitivo e reflexões acerca do tema e o estudo construtivista de

ensino-aprendizagem focalizado nos tempos atuais.

A definição do TDAH e suas principais características são necessárias para

tornar o estudo relevante no meio acadêmico. As possíveis causas e o manejo do

tratamento também serão citados ao longo do trabalho e o professor poderá guiar

o seu dia-a-dia a partir das dicas em como ajudar estas crianças.

A proposta desta monografia é mostrar que um aluno com TDAH tem

capacidades cognitivas de aprendizagem em idade escolar da alfabetização.

Basta acreditar nas suas capacidades e investir em ações que o auxiliem.

Ao final da monografia, é apresentado um caso de uma criança que entrou

numa classe de alfabetização fadada ao fracasso e saiu ao final do ano, vitoriosa.

Lendo, escrevendo, compreendendo o mundo que estava a sua volta.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I 10

CAPÍTULO II 19

CAPÍTULO III 26

CAPÍTULO IV 33

CAPÍTULO V 40

CONCLUSÃO 50

BIBLIOGRAFIA 52

ÍNDICE 53

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INTRODUÇÃO Veremos neste trabalho algumas reflexões acerca do transtorno de Déficit

de Atenção, o TDAH, de crianças em idade escolar de alfabetização que

apresentam este transtorno e como o professor deverá lidar com isso. O mais

importante neste momento é garantir ao professor e ao psicopedagogo que eles

podem auxiliar a escola e principalmente a criança portadora do TDAH nos

diferentes níveis cognitivos dentro da Educação Infantil.

A relevância deste trabalho se dará em função do grande número de

crianças portadoras do transtorno nas classes de alfabetização. É a escola,

indubitavelmente, a principal responsável pelo grande número de crianças

encaminhadas ao consultório por problemas de aprendizagem. Assim, é

extremamente importante que a Psicopedagogia dê a sua contribuição à escola,

seja no sentido de promover a aprendizagem ou mesmo tratar de transtornos

como o do déficit de atenção.

O objetivo deste trabalho tem como linha mestra repensar as estratégias

metodológicas para que o especialista possa auxiliar no tratamento e no

desenvolvimento cognitivo das crianças portadoras do transtorno de déficit de

atenção. Os procedimentos básicos da ação psicopedagógica são abordados do

ponto de vista da prática, enfatizando o como e o por que fazer na escola.

As crianças precisam de um tempo diferenciado para aprender? Qual a

atitude do especialista alfabetizador no dia-a-dia da criança em sala de aula? Uma

criança com o transtorno de déficit de atenção é capaz de se alfabetizar? Estas

são algumas das questões que pretendo estar colocando para encontrar as

soluções desejadas.

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A pesquisa se dará especificamente pelo estudo do desenvolvimento

cognitivo da criança até a sua alfabetização e do acompanhamento realizado em

uma criança com TDAH.

Os conceitos foram delimitados no que dizem respeito ao desenvolvimento

cognitivo para a faixa etária tratada nesta pesquisa. Por fim algumas conclusões

sobre o atendimento realizado com uma criança portadora deste transtorno e a

sua prática psicopedagógica analisando a sua função no âmbito escolar aliado ao

tratamento de uma criança com TDAH. Tal reflexão se torna importante, uma vez

que o compromisso do psicopedagogo é com a transformação da nossa realidade

escolar e da superação dos obstáculos encontrados na prática do professor com

crianças portadoras de TDAH.

“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”.

Guimarães Rosa

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CAPÍTULO I

Desenvolvimento Cognitivo

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MODELO PIAGETIANO

Jean Piaget foi um psicólogo suíço, nascido em 1896 e falecido em 1980,

cujos trabalhos são mundialmente conhecidos. Começou estudando zoologia e

seus interesses depois se voltaram para a lógica, a psicologia e a teoria do

conhecimento. Por mais de quarenta anos realizou pesquisas com crianças,

visando não somente conhecer melhor a infância para aperfeiçoar os métodos

educacionais, mas também para compreender o homem. Usando a observação

direta, sistemática e cuidadosa de crianças (incluindo aí os seus três filhos), ele

chegou a uma teoria que revolucionou nossa compreensão do desenvolvimento

intelectual. Essa teoria explica o desenvolvimento mental do ser humano no

campo do pensamento, da linguagem e da afetividade. Jean Piaget é considerado,

na Psicologia, a primeira autoridade em desenvolvimento cognitivo.

Piaget preocupou-se com vários aspectos do conhecimento dando ênfase

principal ao estudo da natureza do desenvolvimento de todo conhecimento – em

todas as disciplinas e em toda a história intelectual da humanidade - como

também e principalmente no desenvolvimento intelectual da criança.

A preocupação principal de Piaget foi o “sujeito epistêmico” (Gruber e

Vonèche, 1977), isto é, o estudo dos processos do pensamento presentes desde a

infância inicial até a idade adulta.

Piaget apresentou uma visão interacionista. Mostrou a criança e o homem

num processo ativo de contínua interação, procurando entender quais os

mecanismos mentais que o sujeito usa nas diferentes etapas da vida para poder

entender o mundo. Para Piaget, a adaptação à realidade externa depende

basicamente do conhecimento.

Piaget sustenta a idéia de que as estruturas operatórias da inteligência em

formação manifestam-se no conhecimento da lógica, espaço, tempo, causalidade,

moralidade, brinquedo, linguagem e matemática.

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Piaget preocupou-se em elaborar uma posição filosófica, a epistemologia

genética. Ele procurou estudar cientificamente quais os processos que o indivíduo

usa para conhecer a realidade. A preocupação central de Piaget dirige-se à

elaboração de uma teoria do conhecimento, que possa explicar como o organismo

conhece o mundo.

Chiarottino (1984, p.32-33), referindo-se aos estudos de Jean Piaget,

descreve-nos a hipótese deste cientista de que assim como existem estruturas

específicas para cada função no organismo, da mesma forma existiriam estruturas

específicas para o ato de conhecer que produziriam o conhecimento necessário e

universal, sempre buscado pelos filósofos. Essas estruturas, ainda por hipótese,

teriam uma gênese, isto é, não apareceriam prontas no organismo. Esta gênese

justificaria a ausência de lógica no raciocínio das crianças, na primeira infância,

em contraste com a lógica do raciocínio adulto.

A autora segue em sua exposição destacando que, para Piaget, as

estruturas não são inatas, o que existe no genoma é um conjunto de

possibilidades próprias a nossa espécie no que se refere a essas estruturas; tais

possibilidades se atualizam ou não em unção da solicitação do meio.

Piaget admite três tipos de estruturas orgânicas: as programadas no

genoma (como, por exemplo, as estruturas do aparelho digestivo e reprodutor), as

parcialmente programadas (como as do sistema nervoso) e as não-programadas,

que seriam as estruturas mentais. Assim, os grupos humanos teriam diferentes

níveis de construção endógena em relação a estas estruturas, dependendo da

ação “solicitadora” ou “solicitante” do meio.

Com efeito, é pelas trocas do organismo com o meio, ou seja, através da

ação adaptativa que ocorre a construção orgânica das estruturas mentais:

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“O ser humano, segundo Piaget, nasce com a possibilidade

de, em contato com o meio, construir seus esquemas de

ação e de coordená-los em sistemas. Ao se construírem em

nível exógeno esses esquemas dão origem a uma

transformação em nível endógeno ou neuronal que permitirá

novas concepções de estímulos do meio. A esses, o

organismo” responderá “, construindo outros esquemas de

ação, provocando, concomitantemente, novas

transformações, em nível neuronal, que se constituirão nas

estruturas mentais”.(CHIAROTTINO, 1974, p.67).

Piaget propôs, antes de qualquer coisa, que o desenvolvimento cognitivo se

realiza em estágios ou períodos. Isso significa que a natureza e a caracterização

da inteligência mudam significativamente com o passar do tempo. Podemos dizer,

que a determinadas faixas etárias correspondem determinados tipos de aquisições

mentais e de organização destas aquisições que condicionam a atuação da

criança em seu ambiente. A criança irá, pois, à medida que amadurece física e

psicologicamente, que é estimulada pelo ambiente físico e social, construindo sua

inteligência.

Em linhas gerais, Piaget esquematiza o desenvolvimento intelectual nos

seguintes estágios: sensório motor (0 a 2 anos); pré-operacional (2 a 6 anos); de

operações concretas (7 a 11 anos); de operações formais (12 anos em diante). As

idades atribuídas ao aparecimento dos estágios não são rígidas, havendo grande

variação individual.

1.1 – Sensório Motor (0 a 2 anos).

Neste estágio inicial, a atividade intelectual é da natureza sensorial e

motora: a criança percebe o ambiente e age sobre ele.

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Piaget enfatiza a importância da estimulação ambiental como essencial ao

desenvolvimento. Podemos atribuir a sua influência o reconhecimento, por parte

dos psicológicos, da importância de que o bebê, desde os primeiros dias de vida,

receba estimulação visual, auditiva, tátil, tenha uma variedade de objetos para

manipular, de possibilidades para se movimentar etc. Isto resulta, na prática, numa

mudança de atitudes em relação à maneira de lidar com os bebês.

No primeiro mês de vida, a criança exerce os reflexos presentes no

nascimento; depois passa a coordenar reflexos e reações. Os movimentos das

mãos passam a coordenar-se com os movimentos dos olhos.

Mais tarde, pode repetir intencionalmente as reações que produzem

resultados interessantes.

Após um ano de vida, parece também ser capaz de inventar meios para

atingir seus objetivos.

1.2 – Pré-operacional (2 a 6 anos).

O principal progresso deste período em relação ao sensório-motor, é o

desenvolvimento da capacidade simbólica. A criança começa a usar símbolos

mentais – imagens ou palavras – que representam objetos que não estão

presentes.

Nessa época há uma verdadeira explosão lingüística. A criança que aos 2

anos possuía vocabulário de aproximadamente 270 palavras, por volta dos 3 anos

já fala cerca de 1000 palavras; provavelmente compreende outras 2000 ou 3000 e

já forma sentenças bastante complexas.

Piaget notou várias características do pensamento infantil nesta fase:

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Egocentrismo – É definido como a capacidade de se colocar no ponto de

vista de outro. Na teoria de Piaget, egocentrismo não é um termo pejorativo, é um

modo característico de pensamento. De modo geral, as crianças pequenas (4 ou 5

anos) são incapazes de aceitar o ponto de vista de outra pessoa, quando diferente

do dela.

Centralização – Geralmente, a criança consegue perceber apenas um dos

aspectos de um objeto ou acontecimento. Ela não relaciona entre si os diferentes

aspectos ou dimensões de uma situação. Isto é, Piaget diz que a criança, antes

dos 7 anos, focaliza apenas uma dimensão do estímulo, centralizando-se nela e

sendo incapaz de levar em conta mais de uma dimensão ao mesmo tempo.

Animismo – A criança atribui vida aos objetos. Nesse estágio, as crianças

supõem que os objetos são vivos e capazes de sentir, que as pedras (e mesmo as

montanhas) crescem, que os animais entendem nossa fala e também podem falar,

e assim, por diante.

Realismo Nominal – É outro modo característico de a criança pequena

pensar. Ela pensa que o nome faz parte do objeto, que é uma propriedade do

objeto que ele representa. Alguns estudiosos notaram que a criança bilíngüe

parece adquirir bem antes que as outras a distinção entre o objeto e a palavra que

o designa, por ter desde cedo a experiência de que um objeto chama-se de

determinada forma em uma língua, mas de outra forma em outra.

Classificação – Colocando diante de crianças pequenas, entre dois e quatro

anos, um grupo de formas geométricas de plástico, de várias cores, e pedindo-

lhes que “coloquem juntas as coisas que se parecem”, elas não usam um critério

definido para fazer a tarefa. Parece que agrupam as coisas ao acaso, pois não

têm uma concepção real de princípios abstratos que orientam a classificação.

Após os 5 anos de idade, porém, elas conseguem agrupar os objetos com base no

tamanho, na forma ou na cor.

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Inclusão de classe – Embora, após os 5 anos, a criança já consiga

classificar os objetos, ela ainda não pode lidar com “inclusão de classe”. Piaget

nota que a criança tem dificuldade em entender que uma coisa possa pertencer,

ao mesmo tempo, a duas classes.

Seriação – Crianças pequenas não são capazes de lidar com problemas de

ordenação ou de seriação, conforme Piaget.

Num dos estudos, as crianças recebiam dez varas, diferentes apenas

quanto ao tamanho. A criança devia escolher a vara menor. Depois disso, ouvia a

seguinte instrução: “Agora, tente colocar primeiro a menor, depois uma um pouco

maior, depois outra só um pouco maior e assim por diante”. Muitas crianças de 4

anos não conseguiram resolver satisfatoriamente esse problema. Algumas delas

fizeram ordenações casuais, outras ordenaram algumas varas, mas não todas.

Crianças um pouco mais velhas já acertam problemas simples de seriação.

1.3 – Operações concretas (7 a 11 anos).

Nesse período, as operações mentais da criança ocorrem em resposta a

objetos e situações reais. A criança usa a lógica e raciocínio de modo elementar,

mas somente os aplica na manipulação de objetos concretos.

Nas tarefas de classificação, nota-se que ela já pode separar objetos com

base em algumas características, tais como: forma, cor ou tamanho.

Nas tarefas de inclusão de classe, a criança tem uma noção mais avançada

de classes, em sentido abstrato. Compreende as relações entre classe e

subclasses, reconhecendo que um objeto pode pertencer a duas delas

simultaneamente.

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Nesse estágio, a criança começa a compreender termos de relação: maior,

menor, direita, esquerda, mais alto, mais largo etc.

No entanto, a criança ainda não pensa em termo abstratos, nem raciocina a

respeito de preposições verbais ou hipotéticas. Assim, experimenta dificuldade

com os problemas verbais.

Piaget diz que, antes da idade de 11 ou 12 anos, as operações da inteligência

infantil são unicamente concretas, isto é, só referem a objetos tangíveis,

suscetíveis de serem manipulados. Se se pede às crianças para raciocinarem

sobre hipóteses simples, sobre enunciados puramente verbais dos problemas,

logo fracassam. Por exemplo: crianças de 8 a 10 anos sentem dificuldade de

responder uma pergunta feita por escrito, como esta: “Edite é mais alta que

Suzana; Edite é mais baixa que Lília. Quem é a mais alta das três?”.

É por esse motivo, que, na escola, sentem dificuldade de resolver problemas

de aritmética, embora eles dependam de operações bem conhecidas. Se

manipulassem os objetos, raciocinariam sem obstáculos; mas os mesmos

raciocínios, sob forma de enunciados verbais, isto é, no plano da linguagem,

tornam-se muito mais difíceis, já que ligados a simples hipótese sem realidade

efetiva.

1.4 – Operações Formais (12 em diante).

Nessa fase, o pensamento já não depende tanto da percepção ou da

manipulação de objetos concretos. As operações lógicas serão realizadas entre

idéias, expressas numa linguagem qualquer (palavras ou símbolos), sem

necessidade da percepção e da manipulação da realidade. Quando se faz a

pergunta sobre a altura das três meninas, enunciando-a apenas verbalmente, na

verdade, se colocam, em abstrato, três personagens fictícios. Para o pensamento,

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tais personagens são apenas simples hipóteses. É sobre estas que se pede que

raciocinem.

O pensamento formal é, portanto, hipotético-dedutivo, isto é, capaz de

deduzir as conclusões de puras hipóteses e não somente através de observação

real.

O adolescente pode considerar hipóteses que talvez sejam ou não

verdadeiras e examinar o que resultará se essas hipóteses forem verdadeiras. Ele

pode acompanhar a forma de um argumento, embora ignore seu conteúdo

concreto. É desta última característica que as operações formais recebem o nome.

Concluindo: um adolescente raciocina cientificamente, formulando

hipóteses e comprovando-as, na realidade ou em pensamento. Enquanto o

pensamento de uma criança mais nova envolve apenas objetos concretos, o

adolescente já pode imaginar possibilidades. Quando tem por volta dos 15 anos, o

adolescente resolve problemas analisando-os logicamente e formulando hipóteses

a respeito de resultados possíveis, a respeito do que poderia ocorrer.

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CAPÍTULO II

A concepção construtivista da aprendizagem escolar e

do ensino

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CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA

A teoria de Piaget sobre como as crianças aprendem valores morais é

fundamentalmente diferente de outras teorias tradicionais e do senso comum.

Na visão tradicional, acredita-se que a criança adquira os valores morais

internalizando-os a partir do meio ambiente.

De acordo com Piaget, as crianças adquirem valores morais não por

internalizá-los ou absorvê-los de fora, mas por construí-los interiormente, através

da interação com o meio ambiente. Por exemplo, ninguém ensina às crianças que

é pior dizer uma mentira a um adulto do que a uma outra criança. No entanto,

crianças mais novas constroem esta crença a partir do que lhes dizem.

2.1 – Os professores e a concepção construtivista.

Segundo Solé:

“Dizer que ensinar é difícil, que os professores têm diante de

si uma complexa e árdua tarefa, que não se restringe

apenas ao aspecto formativo no âmbito da sala de aula, mas

que inclui aspectos de gestão e de manejo de relações

humanas no contexto da escola, seria arriscar que venham a

nos considerar, no mínimo, pouco originais. Muito bem:

corremos esse risco. Porque só a partir de uma breve

análise daquilo que essa complexidade envolve, das

questões que coloca e dos requisitos a serem observados

pelas respostas que exige, parece-nos possível oferecer

uma visão ajustada daquilo que cabe esperar de um

referencial explicativo dos processos de ensino e

aprendizagem”. (SOLÉ, 1998, p.9)

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Foi dito várias vezes que a concepção construtivista não é, em sentido

estrito, uma teoria, mas um referencial explicativo que, partindo da consideração

social e socializadora da educação escolar, integra contribuições diversas cujo

denominador comum é constituído por um acordo em torno dos princípios

construtivistas.

A concepção construtivista não é um livro de receitas, mas um conjunto

articulado de princípios em que é possível diagnosticar, julgar e tomar decisões

fundamentais sobre o ensino. Nesse sentido, pode cumprir a função que

geralmente tem sido atribuída aos “pensamentos psicopedagógicos” dos

professores, às teorias mais ou menos explícitas, claras e coerentes por meio das

quais podem processar a informação presente nas situações educativas que

administram, para adequá-las às metas que perseguem.

Assim, parece que precisamos de teorias que forneçam instrumentos de

análise e reflexão sobre a prática, sobre como se aprende e como se ensina;

teorias que podem e devem enriquecer-se infinitamente com contribuições acerca

do como influem, nessa aprendizagem e no ensino, as diferentes variáveis que

interferem (diferentes tipos de conteúdo, formas de agrupamento diversificadas,

características da disciplina, contextos culturais contrastantes etc.), mas que

possam funcionar como catalisador geral de algumas perguntas básicas que todos

nós professores nos colocamos:

“Como meus alunos aprendem? Por que aprendem quando

aprendem? Por que, às vezes, não conseguem aprender,

pelo menos no grau que eu tinha me proposto? Que

posso/devo fazer para que aprendam? Aprender é repetir? É

construir conhecimento? E tantas perguntas mais”.(COLL,

1998, p.12)

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As teorias, nossos marcos referenciais, se mostrarão adequadas na medida

em que possam dar alguma explicação sobre as interrogações às quais aludíamos

e sobre muitas outras que possam ampliar a lista, mas também na medida em que

essa explicação permita articular as diversas respostas em um referencial

coerente, tanto em nível interno como externo.

2.1.1 – Os professores e a escola.

As teorias que necessitamos devem integrar como elemento estruturador a

dimensão social do ensino à qual aludimos, no duplo sentido de que a educação

escolar é um projeto social que se corporifica e se desenvolve em uma instituição

também social. Isso acarreta várias conseqüências.

Por um lado, obriga a fazer uma “leitura social” de fenômeno que, como a

aprendizagem, têm sido freqüentemente analisados a partir de uma dimensão

individual, pessoal. E por isso a consideração dos conteúdos de aprendizagem

(como produtos sociais, culturais), do professor (como agente mediador entre

indivíduo e sociedade) e do aluno (como aprendiz social) deve ser

convenientemente matizada e levada em conta em cada caso.

Por outro lado, exige explicar o impacto dessas práticas educativas de

natureza social no crescimento das pessoas; o desenvolvimento humano, como

afirmaram numerosos autores (Vigostsky, 1979; Bronfenbrener, 1987), é um

desenvolvimento cultural, contextualizado. Nossos atuais conhecimentos nos

levam a aceitar, com Bruner que:

“(...) dizer que uma teoria do desenvolvimento é

independente da cultura não é uma informação incorreta,

mas absurda”. (BRUNER, 1988, P.14)

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Em outras palavras, precisamos de teorias que permitam explicar como tudo

isso acontece na escola, e que não ignorem seu caráter de instituição, de

organização estruturada a serviço de determinados fins, dotada de uma estrutura

e integrada por um conjunto de pessoas cuja atividade deve permitir seu

funcionamento adequado. Com isso podemos afirmar que a complexidade da

tarefa do professor não se reduz àquilo que envolve sua função formadora em

relação aos alunos sob sua responsabilidade; na medida em que é um elemento

de uma organização, o professor costuma ter responsabilidade em tarefas

relacionadas com a gestão, que requerem habilidades específicas.

Em síntese, na concepção construtivista, assume-se que na escola os alunos

aprendem e se desenvolvem na medida em que podem construir significados

adequados em torno de conteúdos que configuram o currículo escolar. Essa

construção inclui a contribuição ativa e global do aluno, sua disponibilidade e

conhecimentos prévios no âmbito de uma situação interativa, na qual o professor

age como guia e mediador entre a criança e a cultura, e dessa mediação - que

adota formas muito diversas, como o exige a diversidade de circunstâncias e de

alunos – depende em grande parte o aprendizado realizado. Este, por último, não

limita sua incidência às capacidades cognitivas, entre outras coisas porque os

conteúdos da aprendizagem, amplamente entendidos, afetam todas as

capacidades: repercute no desenvolvimento global do aluno.

2.2 – A psicopedagogia como aliada nas questões dos

problemas de aprendizagem.

Pesquisando a literatura sobre o tema, pode verificar segundo Bossa que:

“A preocupação com os problemas de aprendizagem teve

origem na Europa, ainda no século XVIII. Neste século

médicos psiquiatras e filósofos do iluminismo deram origem

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ao legado que orientou a prática psicopedagógica até bem

recentemente. Uma prática resultante de uma visão

organicista dos problemas de aprendizagem”. (BOSSA,

2002, p.9)

Em um dos trabalhos de Itard, médico-educador que no século XVIII já se

ocupava dos problemas de aprendizagem, aparece a seguinte afirmação:

“O ensino pode e deve ser planejado e esclarecido pela

medicina moderna, que é de todas as ciências naturais a que

pode cooperar mais intensamente no aperfeiçoamento da

espécie humana, apreciando as anomalias orgânicas e

intelectuais de cada indivíduo, e determinado por conseguinte

o que a educação será capaz de fazer por ele e o que dele

pode esperar a sociedade”. (ITARD, 1801, p.193)

Essa crença que perdurou até fins da década de 70 norteou os

procedimentos psicopedagógicos imprimindo na avaliação psicopedagógica o

caráter de medida das faltas, ou seja, a avaliação como identificação dos

déficits, orientando um plano de intervenção com vistas a suprir tais

deficiências.

Como afirma a autora Bossa:

“A prática psicopedagógica é um lugar privilegiado para se

observar as relações entre estruturas cognitiva e simbólica (O

símbolo tem sido estudo de diversas áreas do conhecimento

humano Cassirer, Sassure, Piaget e especialmente os autores

da psicanálise Freud, Melanie Klein, Lacan, ocuparam-se do

estudo do símbolo na prática clínica) ao nível de

desejo”.(BOSSA, 2002, p.7)

Page 25: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

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Não há mais dúvidas sobre a necessidade das teorias que dão conta das

estruturas cognitivas e afetivas conhecerem-se mutuamente. A esse respeito

pode-se dizer que o desconhecimento dessas pode estar mais ligado a cisão

constitutiva do sujeito entre conhecimento e desejo do que na pertinência das

teorias para abordar o ser humano de forma integrada. A psicopedagogia

vem constituindo seu corpo teórico na articulação da psicanálise e psicologia

genética. Articulação que fica evidente quando se trata de observar os

problemas de aprendizagem, pilar da teoria psicopedagógica. Assim como

Freud parte da patologia, o estudo da histeria, e constrói a teoria

psicanalítica, os psicopedagogos têm construído sua teoria a partir do estudo

dos problemas de aprendizagem. “E a clínica tem se constituído em eficiente

laboratório da teoria”. (OLIVEIRA, 2002, p.8)

Piaget já apontava nessa direção quando, na conferência proferida em

sessão plenária da Sociedade Americana de Psicanálise, sob o título

“Inconsciente Afetivo e Inconsciente Cognitivo”, nos dizia que, embora tivesse

se ocupado durante 50 anos dos estudos sobre a inteligência, estava

persuadido que chegaria o dia em que a psicologia das funções cognitivas e

a psicanálise seriam obrigadas a se fundir numa teoria geral que melhoraria

as duas, corrigindo uma a outra.

Vale a pena lembrar que quanto maior o espaço destinado ao orgânico,

menor o que resta para o psicológico. Desta feita, é fácil compreender o

prolongado período no qual se explicou o problema de aprendizagem através

de causas orgânicas. Apenas como ilustração, lembra Bossa, “por quantos

anos se atribuiu o problema de aprendizagem à chamada Disfunção Cerebral

Mínima?”.

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CAPÍTULO III

Questões sobre o TDAH

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TDAH

O Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade é um problema de

saúde mental caracterizado principalmente por desatenção, agitação e

impulsividade. Este transtorno pode levar a criança a dificuldades emocionais, de

relacionamento familiar e social, além de acarretar baixo desempenho escolar.

Faz-se necessário uma pequena evolução histórica do TDAH para um

melhor entendimento dos sintomas. As crianças com o humor instável em idade

escolar, só começaram a ser descritas e analisadas no início do século XX. Estas

eram incapazes de manter a atenção e concentração nas tarefas acadêmicas.

Segundo A. R. Melo, os estudos nos primeiros quarenta anos do século XX,

encontravam-se numa díade no que concerne ao esclarecimento etiológico e

delineamento da instabilidade. Descreve a autora que:

“As questões que se coloca dizem respeito a uma dualidade entre: (1) a

existência de um sintoma de origem constitucional ou apenas de um conjunto de

sintomas reunidos que não passam de uma caracterização de outras patologias já

definidas; (2) a instabilidade encarada como um distúrbio caracaterial ou

psicomotor; (3) a origem ser, sobretudo afetivo-emocional ou de maturidade

motora”. (MELO, 1989, P.74)

Nas décadas de setenta e oitenta, mantendo a linha européia de estudos, a

investigação francesa acabou por atribuir a instabilidade infantil a uma ocorrência

precoce do processo de separação mãe/bebê, remetendo-se, portanto, ao campo

da psicanálise.

Contudo, outra abordagem a se considerar é a anglo-saxônica que se

fundamenta primordialmente pela neurologia; onde a hipercinesia ocorre como

uma síndrome decorrente de uma lesão cerebral.

Page 28: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

28

Durante algum tempo esta correlação foi reforçada pela implementação do

uso de medicamentos que, diminuíam os estados de hiperatividade e aumentavam

os níveis de atenção.

Já nas décadas de quarenta e cinqüenta, começaram a surgir referências

de casos em que os medicamentos não atuavam de maneira favorável; portanto

houve a necessidade do abandono da proposição organicista como único

esclarecimento.

Nos anos seguintes, autores ingleses passaram a referir-se a esta

dificuldade como Síndrome Hipercinética, em casos de lesão orgânica

comprovada, caracterizando-se por: impulsividade, excesso de movimentos,

dificuldades de sustentar atenção e dificuldades em respeitar regras. Já os norte-

americanos a chamaram de Hiperatividade e apesar de concordarem com a

maioria das características citadas substituem as dificuldades de respeitar regras

pelo atraso escolar e ainda consideram-na, apresentando diferentes maneiras de

expressar-se comportamentalmente.

Melo (1989) conclui então, que:

“O estudo da instabilidade privilegia o indivíduo como ser

psicossocial em relação ao mundo, ao passo que o estudo

da Hipercinesia ou Hiperatividade privilegia aspectos

neuropediátricos, isto é, o organismo e a sua estrutura

psicofisiológica” (MELO, 1989, p.89)

3.1 – Hereditariedade.

Alguns estudos realizados com famílias de crianças portadoras de TDAH

têm indicado significativa participação de um componente genético. Foi detectado

Page 29: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

29

que 25% dos familiares em primeiro grau destas crianças também têm o

transtorno. E, estudos com gêmeos demonstraram que tendo um deles a

confirmação do diagnóstico de TDAH, a chance do outro também apresentar o

transtorno é de 80 a 90 por cento.

Assim, parece-nos que o fator da hereditariedade explica a variedade

de comportamentos impulsivos e hiperativos. Entretanto, o que se afirma é que

muito provavelmente o que é herdado é uma vulnerabilidade para o transtorno e

não o transtorno em si.

Durante a gravidez ou mesmo no parto, algumas complicações podem

sugerir maior probabilidade das crianças virem a manifestar os sintomas de TDAH

sem, contudo isto querer indicar uma relação de causa e efeito.

3.1.2 - Estudos Cerebrais.

As investigações científicas têm a cada dia indicado com mais afinco a

presença da disfunção em uma área do cérebro conhecida como orbital frontal em

adolescentes e crianças portadoras de TDAH. Esta região é situada na parte da

frente do cérebro e, é uma das regiões mais desenvolvidas em seres humanos

sendo responsável pela inibição do comportamento, pela atenção sustentada, pelo

autocontrole e pelo planejamento para o futuro.

A grande maioria das pesquisas, também demonstram que existem

alterações no funcionamento dos neurotransmissores que tem a função de

transmitir informações entre um neurônio e outro, permitindo a ligação entre uma

área e outra do cérebro.

Os neurotransmissores deficitários em portadores do TDAH são

basicamente a dopamina e a noradrenalina. Assim sendo, a medicação que tem

se mostrado eficaz para a melhora dos sintomas apresentados é o “metilfenidato”

Page 30: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

30

(Ritalina). Pela grande interligação das áreas cerebrais, é pouco provável que

apenas a redução de uma ou duas substâncias cerebrais possa dar conta de

todos os sintomas do TDAH.

Apesar de ainda saber-se muito pouco sobre as causas deste transtorno as

investigações permanecem e os estudos têm avançado a cada dia.

3.1.3 - Fatores Ambientais

Algumas teorias indicam que problemas familiares poderiam ser os grandes

causadores do TDAH, principalmente em famílias que adotam um sistema de

educação mais permissiva. Porém, o que se verificou é que isto pode ser

conseqüência e não causa; comportamentos como: alto grau de discórdia conjugal

e funcionamento caótico podem exacerbar características do TDAH e até fazer

com que surjam sintomas de TOD (Transtorno Opositivo Desafiador) ou um

comportamento agressivo, sem, no entanto ser o transtorno propriamente dito.

O ambiente e a conquista das habilidades motoras e cognitivas agem sobre

o desenvolvimento das habilidades adaptativas. Contudo, pelos estudos

neurobiológicos analisados quanto mais forte for a carga genética, menor a

importância dos desencadeadores ambientais.

CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO PARA O TDAH, SEGUNDO O

DSM-4

A – Relacionar em (1) ou (2)

(1) Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram por

pelo menos seis meses, em grau desadaptativo no curso do desenvolvimento.

Page 31: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

31

Freqüentemente demonstra dificuldade de prestar atenção a detalhes ou

por descuidos comete erros em atividades escolares ou de trabalho;

Geralmente tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou

atividades lúdicas;

Freqüentemente parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra;

Tem freqüentemente dificuldades em seguir as instruções e não termina

suas tarefas escolares, domésticas ou profissionais (estas dificuldades não são

devidas a comportamento de oposição ou incapacidade de compreender

instruções);

Freqüentemente apresenta dificuldades para organizar tarefas e atividades;

Evita geralmente tarefas que exijam esforço mental constante;

Perde com freqüência materiais necessários ao trabalho escolar ou a outras

atividades afins;

Distrai-se facilmente por estímulos externos;

Com freqüência, demonstra-se esquecida nas atividades diárias.

(2) Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por

pelo menos seis meses, em grau desadaptativo no curso do desenvolvimento.

3.2- Hiperatividade

Com freqüência agita as mãos ou os pés ou se contorce no assento;

Freqüentemente levanta-se durante a aula, ou em outras situações em que

é necessário ficar sentada;

Freqüentemente corre e sobe nas coisas em situações inapropriadas;

Freqüentemente tem dificuldade em brincar sossegadamente;

Freqüentemente movimenta-se em demasia, parecendo estar ligada à

tomada elétrica;

Freqüentemente fala em excesso.

Page 32: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

32

3.2.1 - Impulsividade

Freqüentemente precipita-se, respondendo antes de as perguntas terem

sido completadas;

Freqüentemente apresenta dificuldade em esperar a sua vez;

Freqüentemente interrompe os outros;

B - Início dos sintomas anterior à idade de sete anos.

C - Sintomas presentes em dois ou mais ambientes.

D - Significativa evidência de desadaptação na vida social, acadêmica ou

ocupacional.

E - Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um

Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno

Psicótico e não são melhor explicados por outro transtorno mental.

Page 33: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

33

CAPÍTULO IV

Como ajudar as crianças com TDAH?

Page 34: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

34

COMO AJUDAR AS CRIANÇAS COM TRANSTORNO DE DÉFICIT

DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE?

As intervenções representam um grande passo para minimizar o aspecto

negativo que o TDAH traz à vida da criança, dos pais e dos seus professores.

Quando o transtorno não é tratado pode associar-se a experiências negativas de

ordem social, pessoal, familiar e escolar, permanecendo durante a adolescência e

vida adulta.

Nesse caso deve-se frisar que este transtorno exige intervenções múltiplas.

Na maioria das vezes, é necessária a combinação de várias das seguintes

intervenções:

• Esclarecimento familiar sobre o TDAH

• Intervenção psicoterápica

• Intervenção psicopedagógica

• Uso de medicação

É fundamental para a família que sejam corrigidas as noções erradas e

“rótulos” como os de preguiçoso e/ou burro em relação ao tratamento do TDAH. É

necessário que a família possa ventilar as suas angústias e as suas dúvidas sobre

os vários aspectos deste transtorno.

As crianças com este transtorno necessitam, na maioria das vezes, de

algum tipo de acompanhamento psicoterápico. A decisão do tipo de intervenção a

ser feita com a criança é do profissional de saúde mental que estiver a atendendo.

Cerca de 25 a 30% das crianças com TDAH apresentam problemas de

aprendizagem secundários ou associados ao transtorno. Nesses casos, a

intervenção psicopedagógica é fundamental. Tal reconstrução deve ser feita por

um profissional especializado (psicopedagogo ou fonoaudiólogo), pois o

Page 35: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

35

tratamento sintomatológico não resolve as seqüelas de aprendizagem que ficaram

para trás. Às vezes, é necessário um acompanhamento pedagógico, feito pelo

professor, que ajude a prevenir novas lacunas na aprendizagem.

“Vários estudos cuidadosos demonstram claramente que

mais de 70% das crianças com o Transtorno apresentam

melhoras significativas dos sintomas de desatenção, de

hiperatividade e/ou de impulsividade na escola e em casa

com o uso correto de remédios...” (ROHDE, 1999, P.66).

Aquelas crianças com sintomas leves e com boas capacidades cognitivas

podem necessitar apenas de intervenções psicoterápicas e estratégias de manejo

cognitivo-comportamentais em casa e na escola. Entretanto, a grande maioria

apresenta prejuízos significativos na sua vida em função dos sintomas; são

candidatas claras ao uso de remédios.

DICAS PARA ADMINISTRAÇÃO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO

EM SALA DE AULA

Os professores sabem o que muitos profissionais não sabem: não existe

apenas uma única síndrome do TDAH, mas muitas; que raramente ocorre de uma

forma “pura” mas, ao contrário, normalmente apresenta-se ligada a muitos outros

problemas como dificuldade de aprendizado ou mau humor; que TDAH muda

conforme o clima, é inconstante e imprevisível; e que o tratamento para TDAH, a

respeito de ser claramente esclarecido em vários livros, representa dura missão

de trabalho e devoção.

Antes de tudo, tenha certeza de que o que você está lidando é TDAH.

Page 36: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

36

As sugestões a seguir visam o professor na sala de aula para crianças de

qualquer idade. Algumas sugestões vão ser evidentemente mais adequadas às

crianças menores, outras às mais velhas, mas, em termos de estrutura, educação

e encorajamento, são pertinentes a qualquer um.

Definitivamente não é tarefa dos professores diagnosticar o TDAH, mas

você pode e deve questionar. Especificamente tenha certeza de que alguém tenha

testado a audição e a visão da criança recentemente e tenha a certeza também de

que outros problemas médicos tenham sido resolvidos. Tenha certeza de que uma

avaliação adequada foi feita. Continue questionando até que se sinta convencido.

A responsabilidade disso tudo é dos pais e não dos professores, mas o professor

pode contribuir para o processo.

Prepare-se para suportar. Ser uma professora na sala de aula onde há

duas ou três crianças com TDAH pode ser extremamente cansativo. Tenha

certeza de que você pode ter o apoio da escola e dos pais.

Conheça seus limites. Não tenha medo de pedir ajuda. Você, como

professor, não pode querer ser uma especialista em TDAH. Você deve sentir-se

confortável em pedir ajuda quando achar necessário.

Pergunte à criança o que pode ajudar. Estas crianças são sempre muito

intuitivas. Elas sabem dizer a forma mais fácil de aprender, se você perguntar.

Elas ficam normalmente temerosas em oferecer informação voluntariamente

porque isto pode ser algo muito ousado ou extravagante. Mas tente o sentar

sozinho com a criança e perguntar a ela como ela pode aprender melhor. O

melhor especialista para dizer como a criança aprende é a própria criança. É

assustadora a freqüência com que suas opiniões são ignoradas ou não são

solicitadas. Além do mais, especialmente com crianças mais velhas, tenha certeza

de que ela entende o que é TDAH. Isso vai ajudar muito a vocês dois.

Page 37: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

37

Lembre-se da parte emocional do aprendizado. Estas crianças necessitam

de um apoio especial para encontrar prazer na sala de aula. Domínio ao invés de

falhas e frustrações. Excitação ao invés de tédio e medo. É essencial prestar

atenção às emoções envolvidas no processo de aprendizagem.

Estabeleça regras. Tenha-as por escrito e fáceis de serem lidas. As

crianças se sentirão seguras sabendo o que esperado delas.

Repita as diretrizes. Escreva as diretrizes. Fae das diretrizes. Repita as

diretrizes. Pessoas com TDAH necessitam ouvir as coisas mais de uma vez.

Olhe sempre nos olhos. Você pode “trazer de volta” uma criança com TDAH

através dos olhos nos olhos. Faça isto sempre. Um olhar pode tirar uma criança

do seu devaneio ou dar-lhe liberdade para fazer uma pergunta ou apenas dar-lhe

segurança silenciosamente.

Na sala de aula coloque a criança sentada próxima de onde você fica a

maior parte do tempo. Isso ajuda a evitar a distração que prejudica tanto estas

crianças.

Estabeleça limites, fronteiras. Isto deve ser devagar e com calma, não de

modo punitivo. Faça isto consistentemente, previamente, imediatamente e

honestamente. Não seja complicado, falando sem parar. Estas discussões longas

são apenas diversão. Seja firme.

Preveja o máximo que puder. Coloque o plano no quadro ou na mesa da

criança. Fale dele freqüentemente. Se você for alterá-lo, faça muitos avisos e

prepare a criança. Alterações e mudanças sem aviso prévio são muito difíceis

para estas crianças. Elas perdem a noção das coisas. Tenha um cuidado especial

e prepare as mudanças com a maior antecedência possível. Avise o que vai

acontecer e repita os avisos na medida em que a hora for se aproximando.

Page 38: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

38

Elimine ou reduza a freqüência dos testes de tempo. Não há grande valor

educacional nos testes de tempo e eles definitivamente não possibilitam às

crianças com TDAH mostrarem o que sabem.

Monitore o progresso freqüentemente. Crianças com TDAH se beneficiam

enormemente com o requente retorno do seu resultado. Isso ajuda a mantê-lo na

linha, possibilita a ele saber o que é esperado e se ele está atingindo as suas

metas, e pode ser muito encorajador.

Divida as grandes tarefas em tarefas menores. Esta é uma das mais

importantes técnicas de ensino das crianças com TDAH. Grandes tarefas abafam

rapidamente as crianças e elas recuam a uma resposta emocional do tipo eu

nunca vou ser capaz de fazer isto. Através da divisão de tarefas em tarefas mais

simples a criança foge da sensação de abafado. Em geral estas crianças podem

fazer muito mais do que elas pensam. Com as crianças menores isto pode ajudar

muito a evitar acessos de fúria pela frustração antecipada.

Permita-se brincar, divertir. Seja extravagante, não seja normal. Faça do

seu dia uma novidade. Crianças com TDAH adoram novidades. Elas respondem

às novidades com entusiasmo. Isto ajuda a manter a atenção - tanto a delas

quanto a sua. Estas crianças são cheias de vida, elas adoram brincar.

Esforce-se e não se dê por satisfeito, tanto quanto puder. Estas crianças

convivem com o fracasso, e precisam de tudo de positivo que você puder oferecer.

O fracasso não pode ser superenfatizado: estas crianças precisam e se

beneficiam com os elogios. Elas adoram o encorajamento. Elas absorvem e

crescem com isto. E sem isto elas retrocedem e murcham. Freqüentemente o

mais devastador aspecto do TDAH não é o déficit de atenção propriamente dito e

sim o prejuízo à auto estima. Então, alimente estas crianças com encorajamento e

elogios.

Page 39: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

39

Simplifique as instruções. Simplifique as opções. Simplifique a

programação. O palavreado mais simples será mais facilmente compreendido.

Use uma linguagem colorida. Assim como as cores, a linguagem colorida prende a

atenção.

Fique atento à integração. Estas crianças precisam se sentir enturmadas,

integradas. Tão logo se sintam enturmadas, se sentirão motivadas e ficarão mais

sintonizadas.

Elogios, firmeza, aprovação, encorajamento e suprimento de sentimentos

positivos são palavras chave para lidar com uma criança com TDAH.

Esteja sempre atento às dicas do momento. Estas crianças são muito mais

talentosas e artísticas do que parecem. Elas são cheias de criatividade, alegria,

espontaneidade e bom humor. Elas são generosas de espírito e felizes em poder

ajudar alguém. Elas normalmente têm algo especial que engrandece qualquer

coisa em que estão envolvidas.

Seja como um maestro: tenha a atenção da orquestra antes de começar.

Lembre-se de que no meio do barulho existe uma sinfonia, uma sinfonia

que precisa ser escrita.

Page 40: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

40

CAPÍTULO V

Um estudo de caso

Page 41: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

41

O CASO MARCOS

Marcos (nome fictício), aluno da classe de alfabetização em uma escola

regular, localizada na zona sul da cidade, responsável por atender uma clientela

sócio econômica alta, irmão gêmeo de Juliana. Vem apresentando ao longo do

seu desenvolvimento características específicas de uma criança portadora de

TDAH.

5.1 – Histórico Escolar

5.1.1. Ano de 2002

No ano de 2002, no mês de agosto, Marcos, 5 anos, saiu da turma que

estava do turno da manhã e ingressou numa turma de crianças com cinco anos do

turno da tarde. Segundo a professora da classe anterior, Marcos era muito ansioso

e parecia ficar angustiado frente aos desafios apresentados. Era comum realizar

as tarefas ao lado da professora com sucesso e nunca se concentrava nas

atividades individuais.

Foi muito bem recebido por todos de nossa turma e, com muita curiosidade,

foi logo querendo aprender os nomes de seus novos colegas de turma... Muito

falante e incansável em suas colocações nas rodinhas iniciais, chamou a atenção

de todos, inclusive a minha, quanto a sua admiração e curiosidade sobre o mundo

animal... Quando falávamos em bicho, era só perguntar para o nosso “expert”.

Desta maneira, foi aos poucos se relacionando com todos da turma, embora

estranhasse algumas atitudes e hábitos que as crianças do Infantil 5 já estavam

acostumadas a seguir.

Logo no início do dia, perdíamos um bom tempo esperando-o para se

sentar na rodinha, pois levava muito tempo com os afazeres habituais como: tirar

a agenda e guardar no local combinado, pendurar a mochila sem tropeçar ou até

Page 42: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

42

mesmo passar entre as mesas sem derrubar o que estava em sua frente. Atitudes

como essa destoavam da turma, e, fizeram com que Marcos fosse aos poucos

percebendo que a rotina do grupo já estava estabelecida e que então deveria se

esforçar para garantir seu espaço de colega e aprendiz dentro da sala de aula.

A adaptação ao turno da tarde não foi fácil, para este pequeno, que tinha

ânsia em saber e aprender tudo o que era falado e apresentado. No entanto, com

força de vontade e principalmente com a ajuda dos amigos da turma, ele estava

bem mais centrado em suas tarefas. Passado seis meses, Marcos movimenta-se

sem muitas acrobacias e confusões em sala de aula, com uma postura de

estudante que quer crescer e aprender coisas novas. Marcos vinha se esforçando

a cada dia para se adequar às regras e combinados feitos com ele pessoalmente.

A parceria com os amigos para auxiliá-lo nos momentos mais confusos, se

deu de maneira espontânea e por ser uma criança muito cativante e especial,

acabou conquistando a todos da turma. Sucesso mesmo ele fez foi com as

meninas. Todas elas chegavam a pedir para sentar ao seu lado para poder dar

aquela mãozinha quando sentia necessidade.

No início do dia, no pátio, demonstrava um pouco de insatisfação e sempre

me perguntava se já estava na hora de subir para sala, seu lugar preferido.

Chegando em sala, já seguia a rotina com mais tranqüilidade e sentava-se na

rodinha, ansioso para poder contar suas novidades ou fazer alguma observação

sobre o tema tratado. Marcos era uma criança muito esperta e perspicaz. Gostava

de ser desafiado no grupo e não sossegava enquanto não resolvia um desafio.

Recusava ajuda quando a oferecia e ficava satisfeito ao ver que conseguia

resolver sozinho.

Durante a execução de suas tarefas, Marcos se atrapalhava com o estojo e

estava sempre perdendo seu material. Ficava chateado e vinha ao meu encontro

me pedindo ajuda. Depois de seis meses em minha companhia, já conseguia se

Page 43: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

43

organizar melhor no espaço da mesa e gostava de caprichar em seus trabalhos.

Ficava muito chateado e, às vezes, chegava a chorar, quando o tempo não era

suficiente para o término de seu desenho, por exemplo. Adorava desenhar e

ficava concentrado por muito tempo até chegar ao fim sem ser interrompido. Ainda

precisava ser lembrado de pedir “por favor” ou, “me empresta o pilot de sua

mesa”. Muitas vezes, saía em busca do material que precisava e esquecia de

pedir ao amigo que estava usando.

Daquele menino do início do semestre que necessitava de quase duas

folhas só para escrever seu nome, não se via nem sombra! Já no final do ano,

suas letras estavam pequenas e recebia os parabéns várias vezes por dia. Nesses

momentos, Marcos ficava todo envergonhado reconhecendo o próprio progresso e

dizia: “Eu melhorei, né?”.

Após os seis meses nesta turma, ainda precisava de incentivo para

discriminar os sons das palavras quando fazíamos alguma brincadeira com rimas.

Como trocava fonemas ao falar, sentia dificuldade em reconhecer as respectivas

letras e sons pedidos na brincadeira.

Muito criativo, inventava textos mirabolantes, mas necessitava de uma

ajuda individual para escrever as histórias que inventava. Por não nomear ainda

todas as letras do alfabeto, sentia dificuldade ao escrever as palavras de um

ditado, por exemplo. Ficava cansado e logo colocava qualquer letra, geralmente

as de seu nome para preencher o espaço do papel. Quando pedia para ler,

percebia que estava faltando alguma coisa e continuava preenchendo com mais

algumas letras até que para cada sílaba falada, correspondesse uma letra escrita.

Marcos vem progredindo em suas hipóteses sobre a escrita de palavras.

Ao longo do semestre, muitas vezes se recusou a ler qualquer palavra

trabalhada no projeto pedagógico da escola. Dizia não saber e nem tampouco se

esforçava para tentar. Chegou ao final do ano, mais seguro de si um pouco, já se

Page 44: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

44

arriscava a descobrir o que estava escrito, observando a letra inicial e às vezes

pelo som das outras letras conseguia ler a palavra. Ficava muito satisfeito consigo

mesmo e abria um lindo sorriso demonstrando tamanha felicidade.

Passados seis meses na turma, Marcos apresentou grandes progressos no

que diz respeito ao desenvolvimento cognitivo. A sistematização da Alfabetização

no ano seguinte encontrará Marcos ainda no início de um longo processo da

escrita e da leitura.

5.1.2 – Ano de 2003 – 1º semestre

Marcos internalizou rapidamente todas as regras e combinados feitos com a

turma desde o início do semestre do ano de 2003. Chegava à sala com tanta

animação que custava um pouco a seguir os passos estabelecidos para o começo

das atividades em sala. Demorava a tirar a agenda e o caderno, esquecia o estojo

na mochila, derrubava a pasta com tudo no chão, tropeçava na cadeira e

geralmente era o último a sentar-se no lugar. Precisava ser estimulado a controlar

sua movimentação corporal e ficava aborrecido quando não conseguia organizar-

se de uma maneira mais adequada. Depois que guardava todo o seu material,

sentava-se e aguardava a confecção do calendário, o sorteio dos ajudantes e a

chamada feita por um aluno da sala. Ficava saltitante quando era o sorteado para

ser o ajudante do trem.

Muito curioso e falante, gosta de questionar tudo e tem sempre algo novo

para contar sobre o assunto que está sendo discutido. Respeita as diferentes

opiniões do grupo e sustenta a sua quando é diferente da de algum colega,

principalmente nos trabalhos de grupo.

No que diz respeito à Linguagem Marcos demonstrava interesse e

curiosidade, procurava ser preciso e caprichoso em tudo o que fazia. Perguntava,

questionava, comparava e tirava suas próprias conclusões a partir da análise que

fazia da língua escrita. Não sossegava enquanto não descobria a grafia correta

Page 45: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

45

das palavras. Ficou muito confortado quando conheceu um livrinho muito especial

chamado “Aurélio”. Sempre que necessita dele, me pedia para consultá-lo.

Ficava tão empenhado em fazer tudo na mais perfeita harmonia, embora,

na maioria das vezes, tamanha preocupação se tornava empecilho para que

pudesse dar tudo de si na tarefa estipulada. Ficava tão preocupado com os

detalhes, como por exemplo: o traçado correto de uma letra, a palavra adequada

para aquele contexto; que acabava perdendo o tempo deixando de finalizar o

dever. Isso o deixava muito aborrecido, a ponto, às vezes de desistir e não voltar a

fazer o que estava fazendo.

Marcos tinha ótimas idéias para escrever suas histórias, e antes mesmo de

colocá-las no papel, preferia pensar e refletir sobre o tema escolhido para então

realizar a produção de seu texto. Quando o tema era livre, Marcos vibrava e

escolhia rapidinho sobre qual animal iria escrever. Nessas horas, costumava ser

muito exigente consigo mesmo e se culpava por qualquer erro ou deslize

enquanto elaborava sua história. Procurava pedir para que se acalmasse para que

pudesse colocar no papel, tudo o que viesse à sua cabecinha.

Durante as rodas de leitura quando solicitado a ler em voz alta, dizia não

saber ler na letra apresentada. Na mesma hora era estimulado e incentivado a

mostrar à turma do que era capaz. Desta maneira, mostrava o grande potencial

que tinha de leitor que veio adquirindo a partir dos trabalhos que envolviam a

fluência e a competência na arte de ler. Vibrava e ficava todo sorridente com os

elogios feitos pela sua leitura pela turma!

Passado seis meses, Já distinguia os portadores de texto explorados

naquele semestre e adorava colocar em seqüência as histórias em quadrinhos.

Criava diálogos entre os personagens, inventava novos personagens e produzia

pequenos textos a partir de uma história em quadrinhos. Suas histórias eram

Page 46: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

46

criativas e bem humoradas, apenas precisa ser lembrado de não esquecer os

espaços entre as palavras e o ponto final ao terminar as frases.

Ao final do primeiro semestre do ano de 2003, tive uma reunião com os pais

e disse que todo o esforço empreendido por eles, pelos profissionais envolvidos

com Marcos e principalmente por ele mesmo, valeu a pena. Marcos chegou ao

final do semestre lendo tudo o que lhe era apresentado e fazendo uso da escrita

para registrar suas criativas idéias. Mereceu muitos aplausos!

5.1.3 – Ano de 2003 – 2º semestre

Continuando o trabalho com o Marcos, pude acompanhar o fechamento do

trabalho iniciado antes no ano da alfabetização. Vejamos o que aconteceu:

Sua vontade em acertar e o desejo em aprender foram as duas virtudes

marcantes e presentes durante a caminhada de Marcos no ano da alfabetização.

Ele chegou ao final da corrida como VENCEDOR! Independente do tempo, dos

deslizes, das dificuldades e dos tropeços, tenho a certeza de que valeu à pena!

Valeu à pena porque ele agora sabe da grandiosidade de seu potencial como

aluno, escritor, leitor e principalmente investigador para os assuntos que dizem

respeito ao saber. A sua competência e a sua força de vontade fizeram dele um

menino capaz, seguro e pronto para os desafios que virão pela frente com o seu

ingresso no Ensino Fundamental.

Iniciou o segundo semestre demonstrando interesse em ficar por dentro dos

detalhes, queria tudo bem explicado e não deixava passar nada em branco.

Buscava respostas para todas as suas dúvidas perguntando, analisando,

procurando informações em livros e ficava chateado quando não as encontra em

tempo hábil. Nessas horas, precisava ser acalmado para que tivesse paciência,

pois tudo era esclarecido na medida certa e na hora certa.

Page 47: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

47

A autonomia nem sempre era a sua maior companhia nos momentos da

escrita, mas sempre que precisava corria para saber a escrita correta das

palavras, para certificar-se da pontuação adequada ou mesmo para garantir se

estava no caminho certo de sua produção. Poucas foram as vezes que se negou a

escrever textos; quando isso acontecia dizia não ter afinidade com o tema e

acabava não produzindo. Isso o deixava um pouco incomodado, mas logo

inventava alguma outra atividade para fazer enquanto seus colegas o faziam.

Marcos dedicou suas forças para a leitura na letra script e chegou ao final do

ano conseguindo ler na letra cursiva. Seu progresso foi tão grande que se tornou o

líder da turma e era requisitado para comandar e chefiar as brincadeiras coletivas.

Marcos chegou ao final do ano, lendo, escrevendo, ou seja, alfabetizado.

5.2 – História Familiar

Marcos, gêmeo de Juliana (nome fictício), nasceu de parto a termo e teve

seu desenvolvimento psicomotor dentro dos padrões pré-estabelecidos. Começou

a falar sem atraso, porém sempre apresentou linguagem infantilizada e troca de

fonemas. Aos quatro anos e meio por indicação da escola, a família procurou uma

fonoaudióloga que após avaliação iniciou o tratamento duas vezes por semana

durante uma hora.

Seus pais, principalmente sua mãe desejou enormemente a gravidez,

submentendo-se inclusive a fertilização artificial para realizar este desejo. O pai,

muito mais velho que a mãe, já tinha quatro filhas de um casamento anterior e sua

decisão em ter mais filhos foi além de fazer a vontade da esposa, a esperança de

gerar um filho homem.

Assim que Marcos e Juliana nasceram todos os olhares da família se

voltaram para Marcos, que imediatamente tornou-se o príncipe da casa.

Page 48: Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão

48

Desde muito cedo, já demonstrava alguns interesses, como cuidar de

animais, fazia de tudo para chamar atenção de sua mãe, quase sempre utilizando

meios como: chorar ou bater os pés quando não conseguia o que queria.

5.3 - Indicações

A escola, depois de algumas reuniões com a equipe e pais resolveu fazer

as seguintes indicações terapêuticas: primeiramente, definiu pela manutenção da

fonoaudióloga e a entrada de uma professora particular para ajudar na confecção

dos deveres de casa e tentar repor de alguma forma aquilo que estava defasado

na sua aprendizagem; a seguir se faria uma avaliação neurológica e uma

psicológica. Estes profissionais trabalhariam em conjunto em prol de sua

alfabetização.

5.4 - Aulas Particulares

A professora encarregada de dar-lhe apoio na confecção das tarefas de

casa, elogiava sua força de vontade e se surpreendia a cada novo desafio

alcançado.

Ela Iniciou as aulas confeccionando os deveres de casa com ele, que a

cada dia foram se tornando mais complexos. Para tudo Marcos dizia não saber,

até mesmo para as coisas mais simples como o que mais gostava de comer ou

brincar. A professora percebeu que deveria criar um laço afetivo forte com ele

antes de qualquer coisa para depois sim trabalhar o seu desenvolvimento

cognitivo.

Jogos e brincadeiras foram realizados e, muita dramatização lúdica

envolvendo toda a sua rede de relações escolares e familiares.

Marcos começou a se interessar pelas tarefas que trazia e o trabalho teve

como objetivo o reconhecimento de sons iniciais e finais das palavras. A

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discriminação auditiva foi o pontapé inicial para ajudá-lo a começar a representar

os fonemas graficamente.

Marcos aos poucos foi se libertando do “não sei” e apenas para a

professora respondia com afinco ou pelo menos tentava fazer articulações sobre

os conceitos trabalhados. Dia após dia isto foi se expandindo e, a professora da

turma e a fonoaudióloga começaram a ter também pequenos sinais de que estava

evoluindo no que dizia respeito ao seu desenvolvimento cognitivo.

Após avaliação neurológica, foi diagnosticado com Transtorno do Déficit de

Atenção / Hiperatividade (TDAH) e iniciou o uso da medicação adequada. Logo,

percebemos uma mudança no que se refere à atenção e a confecção de suas

produções. Suas oscilações de humor permaneceriam e talvez pudesse voltar a

se esconder diante da dificuldade em aprender - ou mesmo se recusando a fazê-

lo.

O trabalho continuou e começou a se interessar por bingo de letras,

confecção de textos e interpretação oral de histórias. Gostava de ver a professora

lendo e já dava mostras de que a qualquer momento se aventuraria neste

universo. Acompanhava com o dedinho as palavras e já tentava juntar os fonemas

para uma possível leitura.

Passados alguns meses, Marcos já lia palavras com fonemas simples e

buscava livros com textos pequenos para praticar a leitura oral. Chegou ao final

das aulas, lendo e escrevendo.

Todo o esforço da Escola, Família e é claro, fundamentalmente dele

mesmo, propiciou uma mudança de postura diante da vida, o que foi muito positivo

para a sua aprendizagem.

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CONCLUSÃO

Após abordar a visão de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo e a

definição do Transtorno de Déficit de Atenção ou Hiperatividade, foi preciso

estudar e apresentar o caso de uma criança para provar que mesmo

apresentando sintomas que atrapalhem o processo de aquisição de

conhecimentos, tais crianças são capazes de se alfabetizar.

Contudo a criança portadora de TDAH possui características peculiares que

precisam ser avaliadas e exigem dos pais uma postura diferente no que diz

respeito ao próprio crescimento e ao desenvolvimento cognitivo. É fundamental

que esta criança desfrute de uma relação família e escola saudável e

emocionalmente positiva.

Observa-se que o processo de crescimento é difícil. São inúmeros os

obstáculos a serem ultrapassados. E, é o ambiente escolar/familiar que irá

oferecer a confiabilidade necessária ao seu desenvolvimento cognitivo.

Piaget em seus testes e com suas constatações propõe que o professor

seja alguém que estimule o saber a partir do desequilíbrio, dando suporte para

que se restabeleça novamente. Isso se dá no construtivismo, onde o professor

não é o soberano do saber, mas, o responsável por estimular a busca de novos

conhecimentos com significados para o aluno.

Ora, então sendo o TDAH um transtorno que invade a vida da criança,

impondo-lhe características e atitudes que se sobrepõe ao seu próprio querer, é

interessante pensar que é causador de sofrimento para a criança na escola. A

impulsividade, desatenção e agitação motora não prejudicam só o aprendizado,

mas todas as relações estabelecidas por ela. E como a escola pode ajudar neste

sentido?

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A maioria dos estudos atuais sobre o TDAH nos informa que sua causa

ainda é inatingível apesar de já haverem muitas indicações. Sabe-se, porém que o

sucesso do tratamento tem sido o uso da medicação correta e a mudança no

comportamento de quem é próximo à criança, podendo ser este o grande achado

da Ciência. Negociações, períodos de exigências curtos em relação à atenção,

estimular a aprendizagem através do prazer etc... São algumas estratégias que

facilitam o relacionamento e o desenvolvimento cognitivo desta criança portadora

de TDAH.

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BIBLIOGRAFIA KLEIN, Melanie. Contribuições à psicanálise. SP: Mestre Jou, 1996. _____________. Psicanálise da criança. SP: Mestre Jou, 1969. LEDOUX, Michel H. Introdução a obra de Françoise Dolto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990. FADIMAN, James e FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. SP: Copyright, 1979. DAVIDOFF, Linda L.Introdução à Psicologia. SP: Copyright, 1980. ROHDE, Luis Augusto P. e BENCZIK, Edyleine B. P. Transtono de Déficit de Atenção. Porto Alegre: Artmed, 1999. BARROS, Juliana Monteiro Gramático. Jogo Infantil e Hiperatividade. RJ: Sprint, 2002. RAPPAPORT, Clara Regina e FIORI, Wagner da Rocha e HERZBERG, Eliana Teoria do Desenvolvimento - Conceitos Fundamentais. Volumes 1, 2, 3 SP: EPU, 1982. BOSSA, Nádia A. e OLIVEIRA, Vera Barros de Avaliação Psicopedagógica da criança de zero a seis anos. Petrópolis: Vozes, 2002. BOSSA, Nadia A. A psicopedagogia no Brasil – contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. TIBA, Içami. Quem ama educa. São Paulo: Gente, 2002.

FREIRE, Paulo. Disciplina na escola: Autoridade versus Autoritarismo. São Paulo:

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VYGOTSKY, L. A. Luria. Linguagem, desenvolvimento, aprendizagem. Ed. Scone BRASIL, Luis Alberto dos Santos. Experiências pedagógicas Piaget. RJ: Ed. Forense-Universitária, 1979. COLL, César. O construtivismo na sala de aula. SP: Editora Ática, 1998. BARROS, Célia. Pontos da psicologia do desenvolvimento. SP: Editora Ática, 1988.

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LERNER, Delia. Ler e escrever na escola, o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. FERREIRO, Emilia e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. SP: Editora Ática,2002.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I 10 MODELO PIAGETIANO 11

1.1 - Sensório Motor 13 1.2 - Pré-operacional 14 1.3 - Operações concretas 16 1.4 - Operações formais 17 CAPÍTULO II 19 CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA 20 2.1 – Os professores e a concepção construtivista 20 2.1.1 – Os professores e a escola 22 2.2 – A Psicopedagogia como aliada nas questões dos problemas de aprendizagem 23 CAPÍTULO III 26 TDAH 27 HEREDITARIEDADE 28 ESTUDOS CEREBRAIS 29 FATORES AMBIENTAIS 30 CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO PARA O TDAH, SEGUNDO O DSM-4 30 CAPÍTULO IV 33 COMO AJUDAR AS CRIANÇAS COM TDAH? 34 DICAS PARA ADMINISTRAÇÃO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO EM SALA DE AULA 35 CAPÍTULO V 40 O CASO MARCOS 41 5.1 – Histórico Escolar 41 5.1.1 – Ano de 2002 41 5.1.2 – Ano de 2003 – 1º semestre 44 5.1.3 – Ano de 2003 – 2º semestre 46 5.2 – HISTÓRIA FAMILIAR 47 5.3 – INDICAÇÕES 48 5.4 – AULAS PARTICULARES 48 CONCLUSÃO 50 BIBLIOGRAFIA 52

ÍNDICE 54

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