38 estrat©gias para vencer qualquer debate - A arte de ter raz£o

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38ESTRATÉGIAS

PARAVENCERQUALQUERDEBATE

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ARTHURSCHOPENHAUER

38Estratégiasparavencer

qualquerdebateAartedeterrazão

TraduçãoCamilaWerner

ComintroduçãodeKarlOttoErdmann

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Sumário

Rosto

Introdução

Dialéticaerística

Abasedetodadialética

As38estratégias

1-Generalizeasafirmaçõesdoseuoponente

2-Homonímia—Mudeossignificadosdaspalavras-chavedooponente

3-Confundaaargumentação

4-Prepareocaminho,masoculteaconclusão

5-Useaspremissasdoseuoponentecontraele

6-Mudeaspalavrasdooponenteparaconfundi-lo

7-Façaooponenteconcordardeformaindireta

8-Desestabilizeooponente

9-Disfarceseuobjetivofinal

10-Useapsicologiadanegação

11-Tomeumconceitogeralparaocasoparticular

12-Usosutildosvocábulos—renomeieasmesmaspalavras

13-Apresenteumasegundaopçãoinaceitável

14-Acuandoostímidos

15-Utilizeparadoxos—parasituaçõesdifíceis

16-Desqualifiqueoargumentodooutro

17-Façousodaduplainterpretação

18-Mudeocurso;interrompaantesdaperdacerta.

19-Desfoque;depoisencontreumabrecha

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20-Nãoarrisquenumjogoganho

21-Useasmesmasarmas

22-Reduzaaforçadoargumentoprincipal

23-Provoqueooponente

24-Torneaalegaçãodooutroinconsistente

25-Useaexceçãoparadestruiratese

26-Reforceumaspectonooponente;depoisdestruaoseuvalor.

27-Deixeoseuoponentedesequilibrado

28-Ganheasimpatiadaaudiênciaeridicularizeoadversário

29-Nãoseimporteemfugirdoassuntoseestiverapontodeperder

30-Aposteemcredenciaiseacueatodos

31-Compliqueodiscursodeseuoponente

32-“Cole”umsentidoruimnaalegaçãodooutro

33-Invalideateoriapelaprática

34-Encontreeexploreopontofraco

35-Mostreaoseuoponentequeestálutandocontraosprópriosinteresses

36-Confundaeassusteooponentecompalavrascomplicadas

37-Destruaateseboapelaprovafrágil

38-Comoúltimorecurso,partaparaoataquepessoal.

Apêndices

Oautor

Créditos

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Introdução

KARLOTTOERDMANN

MÉTODOSETRUQUESNAARTEDAARGUMENTAÇÃO

DizEleonora,napeçadeGoethe,TorquatoTasso:Escutocomprazeradiscussãodossábios:Quandosobreasforças,quenopeitodohomemSemovem de maneira tão amigável e terrível, Os lábios do orador semovimentamcomgraça.

Istoéinconfundível.Aquifalaumouvinteorientadopuramentepelaestética,quenãoseinteressatantopeloconteúdo,massimpelasformas,modoserecursospsicológicosdeumadiscussãodialéticaentreoradoresbrilhantes.Estetasdessetipodesfrutamdeumadiscussãocomosefosseum verdadeiro duelo medieval; não questionam o propósito dadiscussão,seesteouaquelerepresentaumaboacausa;queremapenassedivertir com a força e a agilidade dos combatentes. No entanto, talposição só pode sermantida em raras ocasiões, não apenas porque asdisputas entre espíritos cultos, que cruzam espadas intelectuais e“movimentam os lábios com graça”, não são espetáculos exatamentecomuns; mas porque é impossível para a maioria considerar disputasdiscursivas como ummero jogo. Em especial as que são definidas deforma ética e dependem da vitória da justiça e da verdade deixamprovavelmente uma impressão dolorosa da maioria dos debates. Échocantever comque frequência ter razão e ficar coma razãonão são

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equivalentes;queovencedordeumadiscussãonãoéoqueestádoladodaverdadeedarazão,massimoqueémaisespirituosoesabelutardemaneiramaiságil.Persuasãoemotiva,espirituosidadeeironia,aparênciaconvincente e representar um papel autoritário triunfam sobre aperspicáciaeoconhecimento.Equantasvezesaquelequeésutil,honestoe crítico é violentado de maneira dialética por gritos brutais einescrupulosos!Muitos vão— assim como Fausto— renunciar a umadiscussão no meio do caminho: Eu lhe peço — assim como meuspulmões—Quemquerficarcomarazãoetemapenasumalíngua,fiquecomela.

Evamos,estoucansadodafalação;Entãovocêtemrazão,principalmenteporquedevocedê-la.

Como em qualquer disputa, em uma discussão o que está em açãonãoéodesejopelaverdade,masodesejopelopoder.Eoserhumano,quenãoéumserespecialmentenobre, revelaseu ladomaissombrio:avaidade e a hipocrisia triunfam. Desafiar uma convicção soa comodesvalorizarapersonalidade;umarefutaçãoé consideradaacusaçãodeinferioridadeintelectual.Portanto,cadaumseagarradesesperadamenteàssuasafirmações;mesmoaquelesqueduvidamdalegitimidadedesuacausa, fazem todos os esforços para, pelo menos, parecer vitoriosos.Assimatacammuitasvezesdemaneiraintencional,eoutrastantasvezesde forma parcial ou completamente passional com todos os tipos detruquese subterfúgiosdialéticos.Eeles sãonumerososevariados,masrepetem-se por toda parte: nas conversas diárias e nas polêmicas dosjornais,emdebatesparlamentareseemprocessosjudiciais;eatémesmoem discussões acadêmicas, deparamos hoje com os mesmos truques esubterfúgiosutilizadosháséculos.

*

Doismil anos atrás,Aristóteles já acrescentava aos seusTópicos um

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apêndicesobreas“faláciasdossofistas”:umlivrohojepoucopalatávelcujosexemplossãoinsuportavelmentebanaisepodematéparecerbobos.Quem deve mergulhar a sério nesses casos de “diérese”, como aafirmaçãodequeumnúmeropode ser tantoparquanto ímparporquedoismaistrêséigualacinco;quemdevesedeixarenganarporfalácias,porexemplo,dequeduaspalavrasescritasdamesmaformadevemsertratadas como sinônimas embora possam ser diferenciadas quandopronunciadas por entonações diferentes? Ou por contestações infantiscomo “o negro é preto e branco ao mesmo tempo”— ou seja, tem amaioriadapelenegra,masbrancoseestivermosfocadosnosdentes,etc.Ao mesmo tempo, quem entender o princípio do mecanismo dessasestratégiaseconseguirtirarconclusõesdoscasosmaiscomplicadosserávisto com admiração, pois compreende os numerosos casos deAristótelesquerealmentetêmavercomasfaláciaseaindasãousadosatodomomentoenãosãofáceisdeidentificarnodiaadia.Noentanto,oautor as coloca na forma mais simples possível e, provavelmente demaneira intencional, as ilustra pormeio dos exemplos bastante óbvios,paratornaracontestaçãocontundente.Estadivisãoaristotélicapovooueamplioualógicamedieval.Oensinodas“falácias”,pelasquaissepodemcompreender os sofismas utilizados normalmente, desempenhou umgrande papel nos antigos livros de lógica até o século XIX. Emparte, avelha terminologia escolástica ainda é usada hoje pelos estudiosos;alguns termosaté fazemparteda linguagemcotidianados intelectuais,como “petitio principii”, “ignoratio elenchi” ou o formal “post hoc, ergopropterhoc”.

Outros foramcompletamenteesquecidosousubstituídospor termoscomuns e modernos. Quando, por exemplo, alguém amplia umaafirmaçãoválidaapenassobcertascondições;quandoeleconcluiqueovinhoénocivoporcausadosefeitosnocivosdoconsumoimoderadodevinho, os antigos lógicos chamariam isso de uma “fallacia um dicto

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secundumquidaddictumsimpliciter”,enquantohoje sediriaapenasuma“generalizaçãonãoconfiável”ouuma“confusãoentreprecisãorelativaeabsoluta”.Mas, emcasos complicadosededifícil compreensão, termostécnicoscurtosestãoausentesporcompleto,eporissoédifícilimpedirasfaláciasdoadversáriodeformaclaraeconcisanodecorrerdeumdebateacalorado.

Seria uma empreitada muito útil substituir a sabedoria acadêmicaempoeiradaeornamentadaporumatécnicadedebateverdadeiramentemoderna. Em certo momento, Schopenhauer quis fazer isso, como eleexplicaemseuensaio“Sobrealógicaedialética”nosegundovolumedeseuParerga e Paralipomena; mas depois desistiu porque achou “que talexame detalhado e minucioso dos atalhos e truques que a naturezahumana comum usa para esconder suas deficiências”— já não era—apropriado. O material inédito que ele coletou foi publicado porFrauenstädt em uma obra póstuma chamada de “erística”, isto é, umadoutrina do debate. Neste trabalho está contido a “base da dialética”introdutória que trata das doutrinas lógicas comunsda afirmação e darefutação pormeio de “estratagemas”. Eles podem ser considerados oinício de uma reunião de textos. Estão encadeados aleatoriamente, emparte, equivalentes, emparte, subordinados; e emalguns são idênticos;ao lado de erros básicos de raciocínio encontram-se engodos esubterfúgiosespeciais,que,comseusataquesàlógica,podempareceratéforadepropósito.Porexemplo,quandoele“aconselha”umoponenteaprovocar a raiva do inimigo, pois com raiva ele é incapaz de julgarcorretamente. O meio para deixá-lo com raiva é ser explicitamenteinjustocomele,achincalhando-oeatésendoinsolente.

Aparentemente, Schopenhauer fez alguns registros desses, como elechama,“estratagemas” segundoexperiênciaspessoais.Épossível sentircomoovelhosenhorficacomraivaenãosecansadedesabafarcomseuhumor sombrio sobre a vaidade, a obstinação e a desonestidade que

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acompanhamainjustiçaeaincompetênciadossereshumanos.Aliás,aerísticacontémalgunstruquesquesãoapenasretóricaenada

têmavercomailusãodialética.Porexemplo,aestratégia25:umgolpebrilhante do retorsio argumenti (argumento contrário) — quando oargumento que o oponente quer usar contra o inimigo pode parecerinicialmenteumaatenuante.Porexemplo,elediz“éumacriança,deve-se dar um desconto”. Para depois completar: “Mesmo por ser umacriança,devemospuni-laparaqueelanãoinsistaemhábitosruins”.

É lamentável que Schopenhauer não tenha concluído sua “erística”como pretendia. A utilidade prática de tais técnicas de debate éinconfundível.Qualquerumqueselembre,tambémdemaneiraabstrata,dasmúltiplasporémrecorrentesfaláciasedominedeterminadostermostécnicos, e também conheça todos sofismas do outro, está mais bemequipadoparaadisputadoqueaquelequesebaseiaexclusivamenteemseus bons motivos. É como um oficial que estudou táticas e conhecemuito bem todos os todos os estratagemas, as estratégias. Ele tem asparadasobrigatóriasnasmãoseprontososexemploscruciaiscontraosdesviosdos inimigosparaseremusadossemmuitosrodeios.Écomumdesdenharopalavreadoacadêmico,maséclaroquesuaformaçãológicatevealgummérito:quandoemumadiscussãoumoradorexclamavaparaooutroqueaquiloerauma“fallaciacausaeutnoncausae”ouuma“petitioprincipii”, o outro se sentia compreendido, e os ouvintes tinham umaorientaçãoesabiamondeprocuraropontofracodoargumento.Sehojenãosediscutissedemaneiratãosemsentidoouinfrutíferaemreuniõespolíticas, noparlamento ouno congresso, se não se falassedemaneiratãovãunsdosoutros,estarcomarazãonãosesobreporiatantasvezes,comgritosdeobjeção,aterarazão,seestivessempresentesmaispessoasconhecedorasdadialética,queprestassematençãonatécnicadodebate,definissem rapidamente todas as falácias, subterfúgios e truques dooradoreopunissem.

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As construções a seguir não têm a intenção de ser uma coleçãocompletadetodosostruquescomunsusadosemdiscussões.Selecioneioquemepareceumaistípico.Amaioriadosprincipaissofismasestánumadessascategorias:elesexploramasimperfeiçõesnaturaiseinevitáveisdainteligência e da transferência de conhecimento humanas. Eles tratamessencialmentedos seguintes fenômenos: 1. Inadequaçãoda linguagemdopontodevistalógico.Goethediz:“Assimquefala,apessoajácomeçaadivagar.”

2. Conflito entre o universal e o particular: os perigos da generalização, esquematização e

tipificação;ascontradiçõeseasimperfeiçõesdaindução.

3.Ofatodequenossasprincipaisconvicçõesbaseiam-seemvalorese,portanto,estãoligadas

àideiadecertoeerrado.

4.O fenômeno inevitáveldequecadaexperiênciaprópriasedáaomesmotempoqueados

outros,edequeninguémpodeprescindirdasautoridades.

5. A tendência erradicável de todas as pessoas ao pensamento absoluto, enquanto nossos

valores,conceitoseconhecimentossãorelativos.

Esses fatosestão,evidentemente, interligadosdeváriasmaneiras,demodo que uma distinção clara é quase impossível. Quase todas asfaláciaspodemserobservadasdediferentespontosdevista,ealgumassurgemdaligaçãoentredoisoumaistruques.

Nos pontos de vista especificados não se enquadram comentáriossobre artifícios legítimos, a saber, os subterfúgios e truques acimamencionados nada têm a ver com a lógica, especialmente os ignoratioelenchi propositais, que descrevo como a “perversão da questão”; e,finalmente, as falácias propriamente ditas são violações das regras dosilogismo.

Nota do editor: Estratagema e estratégia são sinônimos. O primeiro utilizado em assuntos

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dialéticoseacadêmicos,ooutroemassuntosrelacionadosaoambientetrivialecorporativo.Adotamosentãoasegundaacepção,cujousosetornoumaiscomumemnossosdias.

Karl Otto Erdmann (1858 – 1931) foi um reconhecido estudioso da filosofia e respeitadolinguistaalemãonaviradadoséculopassado.Autordeinúmerasobras,textoseestudosnaárea

da semântica, dentre elas,Die Bedeutung desWortes, 1910O significado das palavras – Ensaio nafronteiradapsicologiadalinguagemedalógica.

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DIALÉTICAERÍSTICAAartedeterrazão

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A DIALÉTICA ERÍSTICA é a arte de discutir, e mais especificamente dediscutirdemodoaterrazão,istoé,perfasetnefas[pormeioslícitosouilícitos].Épossívelterrazãoobjetivaemrelaçãoaoassuntoemsie,aindaassim,aosolhosdosobservadores,eàsvezesaospróprios,nãoterrazão.Quando,porexemplo,ooponente recusaminhasevidências, isso servecomo refutação da afirmação em si, para a qual é possível dar outrasevidências;nessecaso,naturalmente,arelaçãoéinversaparaooponente:ele temrazão, semtê-lademaneiraobjetiva.Assim,averdadeobjetivadeumaargumentaçãoesuaaceitaçãopelooponenteepeloouvintesãocoisasdiferentes.(Alógicatemavercomoconteúdodaargumentaçãoeadialética tem a ver como convencimentodosdemais.)De onde vemisso? Do componente altamente perverso da natureza humana. Se nãofosse isso, se fôssemos completamente honestos, então em todo debateteríamos a intenção de exigir que a verdade fosse mostrada, sem nospreocuparsenossaopiniãoouadooutroéqueestavacorreta:issoseriaabsolutamente indiferente, ou pelo menos algo completamentesecundário. Mas a natureza humana torna esta a questão central. Avaidadecongênita,queé sensívelemespecialemrelaçãoàs faculdadesintelectuais, não quer reconhecer estar errada, e que o oponente tenharazão. Pela lógica, cada um deveria apenas se esforçar para emitiropiniõesverdadeiras,sólidas,paraoqueseriaprecisoprimeiropensaredepois falar. Mas à vaidade congênita, se juntam a verborragia damaioriaeadoentiadesonestidadedohomem.Falamantesdepensar,edepoispercebemquesuaafirmaçãoera falsaouquenão tinhamrazão;

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ainda assim, atuam de modo a parecer o contrário. O interesse pelaverdade,quedeveriaseroúnicomotivodaproposiçãodeafirmações,étotalmentesubstituídopelointeressedavaidade:averdadedeveparecerfalsaeofalsodeveparecerverdadeiro.

Entretanto, essa mesma desonestidade, essa persistência em umaafirmação que já nos parece errada, ainda tem uma desculpa: muitasvezes, começamos plenamente convencidos da verdade de nossaafirmação,masoargumentodooponenteparecearrasador.Seabrirmosmãodanossadeumavez,talvezdescubramosmaistardequetínhamosrazão: nossa evidência estava errada, mas mesmo assim podia existiruma correta. O argumento que nos salvaria não nos ocorreu logo deimediato. Portanto, vemo-nos diante da máxima: mesmo quando oargumento contrário parece certo e persuasivo, ainda devemos lutarcontraelenaesperançadequeessacertezasejaapenasaparente,edequeainda nos ocorra um argumento durante a discussão que arrase comtodos os outros, ou um que confirme nossa posição de outramaneira.Desse modo, mesmo sem nos darmos conta conscientemente do fato,somosimpelidosàdesonestidadeduranteadiscussão.Nessecontexto,afragilidade de nossa compreensão e a perversidade de nossa vontadecolaborammutuamente.Issoquerdizerquequemdiscute,viaderegra,nãolutapelaverdade,masporsuasafirmações,eageproaraetfocis[porinteressepessoal]eperfasetnefas[pormeioslícitosouilícitos],jáquenãoépossívelfazerdeoutromodo,comofoidemonstrado.

Portanto,emgeralcadaumquerimporsuaafirmação,mesmoqueelapareça por um momento falsa ou duvidosa. Até certo ponto, todohomem está armado de tal procedimento com sua própria esperteza emaldade: issoseaprendecomaexperiênciadiáriacomasdiscussões,eassimcadaumpassaatersuadialéticanaturalesualógicanatural.Noentanto, ninguémvaimuito alémquando se trata da lógica. Pensar oufazersuposiçõescontráriasàsleisdalógicanãoéfácil:opiniõeserradas

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são frequentes e silogismos errados, muito raros. Também não é fácildemonstrar carência numa lógica natural; por outro lado, existemuitagentecomdeficiênciasnadialéticanatural:esseéumtalentodistribuídodemaneiradesigual(omesmoacontececomacapacidadederaciocínioecomaracionalidade,queédistribuídademaneiramuitodesigual).Porisso, é muito comum as pessoas se confundirem com argumentaçõesaparentes e se deixarem refutar quando na verdade têm razão, ou ocontrário. E quando se saem vitoriosas de uma discussão, não raroatribuem isso menos à certeza de sua verdade sobre os fatos, mas àcapacidade de raciocínio na construção de suas frases, à esperteza e àdestrezacomquesedefenderam.Aqui,comoemtodososoutroscasos,os dons inatos são osmelhores; no entanto,muito pode ser feito paratornar alguémmestre dessa arte por meio da prática e da análise dastáticas que podem ser usadas para derrotar um oponente, ou paracombater as táticas que ele usa para o mesmo fim. Mesmo quando alógicanãotemnenhumautilidaderealouprática,adialéticacertamentetem. Parece-me que Aristóteles elaborou sua própria lógica (analítica)principalmente como base e preparação para sua dialética, e ela era acoisa mais importante para ele. A lógica se ocupa com a forma dasafirmações,adialética,deseusignificadooumatéria,doconteúdo:éporisso que se deve contemplar primeiro a forma de todas as afirmaçõesantesdeanalisarseuconteúdo.

*

Aristótelesnãodeterminaoobjetivodadialéticade forma tão exataquanto eu: ele a indica como finalidade principal da discussão, e aomesmotempotambémcomoadescobertadaverdade(Tópicos,I,2).Maistarde,eledizoutravezque,dopontodevistafilosófico,“Lidamoscomas argumentações de acordo com sua verdade; e a dialética parte do

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ponto de sua credibilidade ou de acordo com a aprovação dos outros(δοξα)” (Tópicos, I, 12). O filósofo tem consciência de que a verdade deumaafirmaçãodeve serdistinguida e separadadamaneira comoela éapresentada eda aprovaçãoque recebe;mas elenão fazumadistinçãomuitoclaraentreessesdoisaspectosdaquestão,entãoreservaadialéticaapenasparaconvencerosouvintes.Algumasdas regrasqueelemuitasvezescriaparaadialéticanaverdadepertencemàlógica;eporissomeparecequeelenãoofereceuumasoluçãoadequadaparaoproblema.

*

NosTópicos,Aristótelesabordouaelaboraçãodadialéticademaneiramuitometódicaesistemáticacomsuamenteextremamentecientífica,eisso merece admiração. Mas como acredito que o objetivo devesse sepautardemodomaisprático,istonãofoiamplamentealcançado.Depoisde analisar conceitos, ideias e conclusões segundo a forma pura emAnalíticos,eleparteparaoconteúdo,doqualelesólidacomosconceitos:pois é nele que está o conteúdo. Argumentos e conclusões são apenassimplesformas:osconceitossãoseuconteúdo.Seucaminhoéoseguinte:toda discussão parte de uma tese ou problema (eles se diferenciamapenasnaforma)eentãoargumentações,quedevemservirpararesolvê-la.Issosempretemavercomarelaçãoentreosconceitos.Essasrelaçõessão quatro. Procura-se em um conceito por: 1. sua definição; 2. seugênero;3.suaparticularidade,característicaconsiderável,proprium,idion;ou 4. seu accidens, isto é, uma qualidade, tanto faz se particular eexclusiva ou não, em resumo, um predicado. O problema de cadadiscussãoestásemprerelacionadoàumadessasquatrorelações.Essaéabasede todaadialética.Nosoito livros,eleapresenta todasas relaçõesque os conceitos podem ter com aquelas quatro considerações eapresentaasregrasparacadarelaçãopossível;comoumconceitodevese

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relacionarcomooutroparaserseuproprium,accidens,genus,definitumoudefinição;quaiserrossetornarãomaiscomunsdeocorrer,etudooquesedeve observar quando se estabelece, quando se conecta, umadessasquatrorelações(κατασκεναζειν),eoquesedevefazerparadesestabilizá-laseéooponentequemaexpõe(ανασκευαζειν).Aoestabelecimentodecadaumadessasregrasedarelaçãoentreclassesdeconceitoseledáonomede topos (locus) e oferece 382 topos— em sua obra Tópicos. Entre elesainda estão algumas regras gerais, principalmente da discussão, queapesardelongasnãosãoexaustivas.

Otopos,portanto,nãoécompletamentematerial,nãocobreumobjetodeterminado,ouconceito:pelocontrário,elesempretemavercomumarelação com toda a classe de conceitos, que podem ser incontáveis seexaminadosemrelaçãoàsquatroconsideraçõesmencionadasacima,quese verificam em toda discussão. E essas considerações apresentam asclasses secundárias. A análise ainda é aqui sempre formal, por assimdizer, mesmo que não de todo formal quanto na lógica, que se ocupacompletamentecomoconteúdodoconceito,masdemaneiraformal.ElacitacomooconteúdodoconceitoAdeveserelacionarcomodoconceitoB,paraqueesseestabelecimentosejareconhecidocomoseugenusouseuproprium(marco)ouseuaccidensousuadefinição,ousegundoasrubricassecundáriasdeoposiçãoαντικειμεον,causaeefeito,terefaltareassimpordiante—todadisputadevegiraremtornodetalrelação.Asregrasqueele cita apenas como topos são em sua maioria aquelas que estão nanaturezadarelaçãodosconceitos,daqualtodossãoconscientes,eaqualeleinsistequeooponenteacate,assimcomoocorrenalógica,sendomaisfácil observar essas regras ou perceber seu uso negligente em casosespeciais do que se lembrar do topos relacionado. Assim, a utilidadeprática dessa dialética não é grande. Ele diz coisasmuito simples, quepodemsercompreendidasapenaspelaobservaçãodapessoacomsensocomumsaudável.Exemplos:“Quandoogenusdeumacoisaédestacado,

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também se deve encontrar alguma species para esse genus; se isso nãoacontecer,entãoaafirmaçãoéerrada.Porexemplo,casoseafirmequeaalma tem movimento, então também deve se determinar que tipo demovimento é esse: voo, caminhada, crescimento, diminuição, etc. Semisso, então ela não tem nenhummovimento. Assim, quando nenhumaspecies pode ser atribuída, então também não há genus; este é o topos”.Esse topos servepara construiroudesconstruirumaargumentação.Éononotopos.E,aocontrário,quandoogenusnãoexiste,tambémnãoexistespecies: por exemplo, se diz que alguém falou mal de outra pessoa. Ecomprovamos que ela não havia falado nada, então ela não pode terfaladomal.Ondenãohágenus,nãopodehaverspecies.

Sob a rubrica da particularidade, proprium, o locus 215 afirma oseguinte:“Emprimeirolugar,pararefutar:quandoooponentecitaalgocomoparticularidadecomprovávelsópelossentidos,entãoacitaçãofoimalfeita:tudooqueforsensorialseráconsideradoincertoporpertencerunicamenteaoâmbitodossentidos.Quandosedizia,porexemplo,comoparticularidade do Sol o fato de ele ser a estrela mais brilhante queiluminaaTerra, issoestá incorreto.ComopordoSol,nãosabíamosseaindaeraquemmais iluminavaaTerra,poiseleestava foradoalcancedos sentidos. Em segundo lugar, para construir a assertiva: aparticularidade é citada corretamente quando se trata de algo que nãopode ser percebido pelos sentidos, ou quando puder ser reconhecidopelos sentidos e aplica-se a assertiva por necessidade. Por exemplo, écitada como particularidade de uma superfície o fato de ela ter sidoprimeiro pintada. Isso é uma característica sensorial, mas de um tipoperceptível o tempo todo, e portanto correta”. Com isso quis lhes daruma ideia do que é a dialética de Aristóteles. Ela não me parece teratingido seu objetivo: então experimentei outra coisa. Os Tópicos deCícerosãouma imitaçãoaristotélica feitadecabeça:muitosuperficialepobre.Cíceronão temnenhumconceitoclarodoqueéum toposequal

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seuobjetivo,portantodiztodotipodebesteiraexingenio[porconclusãoprópria] e equipa isso com muitos exemplos jurídicos. O que atransformanumadesuaspioresobras.

*

Paradefinirbemadialética,deve-se,independentementedaverdadeobjetiva(queécoisadalógica),observá-lasimplesmentecomoaartedeter razão, o que é o propósito, e será tão mais facilmente alcançadoquandorealmenteseestácomarazão.Masadialéticacomotaldeveseraprendida, para que possamos nos defender de ataques de todo tipo,especialmente contra os desonestos, e mesmo porque, como se podeatacaroqueooutroafirmasemsecontradizereprincipalmentesemserrefutado? Deve-se separar completamente a descoberta da verdadeobjetivadaartedetornarsuasafirmaçõesverdadeiras.Cadaumadessascoisasétarefadeumaπραγματεια[atividade]completamentediferente,éotrabalhodasfaculdadesdojulgamento,dopensamento,daexperiência,e para isso não há uma arte específica; mas a segunda é objetivo dadialética, a arte de tornar suas afirmações verdadeiras. Definiu-sedialéticacomoalógicadaaparência.Errado:assimelaseriaútilsóparadefenderafirmaçõesfalsas;masquandosetemrazão,tambéméprecisoadialética para vencer, e é preciso conhecer truques desonestos paraconseguirisso,dosquaisumémuitoutilizado:atacarooponentecomasmesmas armas. Por isso, na dialética, a verdade objetiva precisa serdeixadadeladoouvistacomoacidental;deve-sefocaremdefendersuasafirmações e em como destruir as do oponente. Segundo as regras, averdade objetiva não deve ser levada em consideração, porque namaioria dos casos não se sabe onde ela está. Muitas vezes a própriapessoa também não sabe se tem razão ou não, ela acredita nisso e seengana,enãoraroosdoisladosacreditamnisso;poisveritasestinputeo

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[A verdade está nas profundezas] (εν βυθῳ ἡ αληθεια, Demócrito). Emgeral,quandosurgeumadiscussão,todosacreditamteraverdadeaseulado; a seguir, os dois ficam em dúvida; no final, a verdade deve serdefinida e confirmada. A dialética não deve participar deste debate:assimcomoomestredeesgrimanãodevelevaremconsideraçãoquemtemrealmenterazãonadisputaquecausouoduelo—acertarerecuar,éissoqueinteressa,atémesmonadialética:elaéumaesgrimaintelectual,que só quando completamente compreendida pode ser apresentadacomodisciplinaindividual,poissedeterminamoscomometaaverdadeverdadeiramente objetiva, então voltamos à lógica simples. Se, pelocontrário,nosimpomosametadeutilizarafirmaçõesfalsas,entãotemosa sofística. E nos dois casos, parte-se do pressuposto que já sabemos oque é objetivamente certo e errado — mas é raro sabê-lo comantecedência. O verdadeiro conceito da dialética é o seguinte: umaesgrimamental para vencer uma disputa, apesar do nome erística sermaisapropriado.Omaiscertoseriadialéticaerística,dialecticaerística.Eelaémuitoútil,ehojeemdiaénegligenciadademaneirainjusta.

Nessesentido,adialéticadeveserapenasresumidaaumsistemaderegras e à representação de cada uma das naturezas inspiradas pelanatureza. Amaioria das pessoas se serve da dialética quando percebequeemumabrigaaverdadenemsempreficadoseulado,eaindaassimtentaficarcomarazão.Porissotambémseriamuitoinapropriado,casose quisesse levar em consideração na dialética científica a verdadeobjetivaesuapropostadeesclarecê-lasimplesmente,oquenãoacontecenadialética original e natural ao homem, cujo objetivo simplesmente éter razão. A dialética científica em nosso sentido tem como tarefaprincipal,porconsequência,levantareanalisarestratégiasdesonestasnadisputa: com isso pode-se, por meio do debate verdadeiro, tantoreconhecê-lascomonegá-las.Comissoeladevetercomoobjetivofinaleconfessoapenasterrazãoenãoteraverdadeobjetiva.

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Segundo todas as minhas pesquisas, nada foi alcançado dessamaneira. Este é, portanto, um campo ainda virgem. Para chegar a esseobjetivo, seria preciso aproveitar a experiência para observar como sedeve,nosdebatescasuais frequentes,aplicaresteouaqueleconceitodeumaououtraparte.Aoencontraros elementos comunsnas estratégiasrecorrentes,seriapossívelapresentarcertasestratégiasgeraisquepodemser úteis para uso próprio ou para se prevenir quando outros osutilizarem.

Oquevemaseguirdeveservistocomoumaprimeiratentativa.

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ABASEDETODAADIALÉTICA

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ANTESDETUDO,deve-seconsideraraessênciadetodaadiscussão,oquerealmente acontece nela. O oponente apresentou uma tese (ou nósmesmos,oquedánomesmo).Existemdoismodospararefutá-laedoiscaminhosaseguir.

Pelos modos: a) ad rem (foco na questão), b) ad hominem (foco nooponente):querdizer,mostramosqueaafirmaçãonãoconcordacomanaturezadacoisa,istoé,comaverdadeabsolutaobjetiva;oucomoutrasafirmações ou concessões do oponente, isto é, com a verdade relativasubjetiva. O últimomodo é apenas uma demonstração relativa e nadaacrescentaàverdadeobjetiva.

Pelosmétodos: a) direta, b) indireta. Nos primeiros, os ataques sãofeitos diretamente à tese em seus fundamentos; os indiretos a suasconsequências. Os diretos mostram que a tese não é verdadeira, osindiretosqueelanãopodeserverdadeira.

Nos diretos, podemos fazer duas coisas. Ou mostramos que osfundamentos da afirmação são falsos (nego majorem, minorem); ouadmitimososfundamentos,masmostramosqueaafirmaçãonãolevaàsconsequências(negoconsequentiam),assimatacamosasconsequências,ouaformadaconclusão.Paraasrefutações indiretas,utilizamosorecursodaapagogiaoudainstância.

a) Apagogia: aceitamos uma afirmação como verdadeira, e entãomostramos o que vem a seguir quando utilizamos outra propostareconhecidacomoverdadeira.Usamosasduascomopremissasparaummesmodesfecho,chegandoaumaconclusãoqueéclaramentefalsa,pois

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contradiz a natureza das coisas ou as outras afirmações do própriooponente; isto é, a conclusão é falsa ad rem ou ad hominem (Sócrates inHippiamaj.etalias).Portanto,aafirmaçãodenossooponentetambémerafalsa,poispremissasverdadeirassópodemserseguidasporconclusõesverdadeiras, apesar das falsas nem sempre serem seguidas porconclusões falsas. E, neste caso, podemos colocar a afirmaçãode nossooponentenumterrenofrágil.

b) A instância ou exemplo ao contrário (ενστασις, exemplum in

contrarium). Isso consiste na refutação da afirmação por meio dareferência direta a casos particulares que nela se incluem pela formacomosãoexpostos,masaosquaisnãoseaplicamepormeiodosquaisaafirmaçãosemostranecessariamentefalsa.

Esse é o esquema fundamental, o esqueleto de qualquer discussão,sua osteologia. Todo tipo de controvérsia pode ser reduzido a isso. Acontrovérsia inteira, no entanto, pode se dar da maneira descrita, ouapenas aparentemente se dar assim; e ela pode ser apoiada porargumentosgenuínosoufalsos.Epornãoserfácilestabeleceraverdadeem relação a esse assunto, os debates são tão longos e tão obstinados.Tambémnãopodemos,aosolicitaroargumento,separaraverdaderealda aparente, pois mesmo os que participam da disputa não têm deantemão certeza disso. Por isso descreverei os diversos truques ouestratégiassemobservarasquestõesdaverdadeobjetivaoudafalsidade;poisessaéumaquestãodaqualnãotemosnenhumacertezaequenãopode ser determinada de antemão. Além disso, em cada disputa oudiscussão sobre qualquer assunto devemos concordar em uma coisa; ecomisso,comoprincípio,devemosestardispostosajulgaroassuntoemquestão. Não podemos discutir com quem nega princípios: Contraneganten principia non est disputandum [Com alguém que contesta oprincípio,nãoháoquedebater].

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AS38ESTRATÉGIAS

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ESTRATÉGIA1GeneralizeasafirmaçõesdoseuoponenteCONSISTE EM LEVAR a afirmação do oponente além de sua fronteiranatural, tomá-la e interpretá-la da maneira mais ampla e generalistapossíveleexagerá-la;oupelocontrário,tomá-lanosentidomaisrestritopossível, fechá-la nos menores limites possíveis, porque quanto maisgeral se tornauma afirmação,mais ataques ela pode receber.Adefesaprecisafocarnaafirmaçãoexatadospunctioustatuscontroversiae.

EXEMPLO1.Digo:“AInglaterraéopaísmaisimportantenadramaturgia”.Ooponentetentouprocurarumainstantiaerespondeu:“Erasabidoqueela não conseguia ser bem-sucedida na música ou na ópera”. Eu ointerrompicomalembrançade“queamúsicanãopodeserclassificadacomoartedramática;elaincluiapenasatragédiaeacomédia”.Elesabiamuito bem disso e apenas tentou generalizar minhas afirmações, paraque elas se aplicassem a todas as representações teatrais e, porconsequência,àóperaeàmúsica,paratercertezadequemederrotaria.Poroutrolado,podem-sesalvarsuasprópriasafirmaçõesrestringindo-asa limites menores que os da nossa primeira intenção se a forma deexpressãoutilizadaéfavorável.

EXEMPLO2.Adiz:“Apazde1814trouxedevoltaa independênciaparatodososestadoshanseáticosalemães”.Bretrucaainstantiaincontrariumde que a cidade de Danzig perdeu a independência que ganhou deBonaparte com aquela paz. A defende-se assim: “Eu disse todas ascidades hanseáticas alemãs: Danzig era uma cidade hanseáticapolonesa”.EssaestratégiajáeraensinadaporAristótelesemTópicosVIII,

12,11.

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EXEMPLO3.LamarckemsuaPhilosophieZoologique(vol.1,p.203)negaqueos pólipos tenham qualquer sensibilidade, pois não têm nervos. Masagorasesabequeelespercebemalgumacoisa:quandovãoemdireçãoàluz, para a qual se direcionam ramo por ramo, e pegam suas presas.Dissoseconcluiuquenelesamassaneuralestádistribuídademaneirahomogêneaportodoocorpo,misturadaaeleporassimdizer.Portanto,o pólipo tem percepções evidentes sem ter um órgão sensorialindependente.ComoissorefutaahipótesedeLamarck,eleargumentademaneiradialética:“Entãotodasaspartesdocorpodospóliposdevemsercapazesde todo tipode sensação,assimcomodemovimento,vontade,pensamentos.Assimospóliposteriamemcadapartedocorpotodososórgãos de um animal completo: cadaponto poderia ver, cheirar, sentirsabor,ouviretc.E tambémacapacidadede julgamentos:cadapartículadeseucorposeriaumanimalcompleto,eoprópriopóliposeriasuperioraoserhumano,jáquecadapequenaparteteriatodasashabilidadesqueoserhumanosótemnotodo.Alémdisso,nãohaverianenhummotivopara não ampliar o que se afirma sobre os pólipos para os seresunicelulares,osseresmenoscompletosdetodos,efinalmentetambémàsplantas, que também são vivas, etc.”. Por meio da utilização de talestratégiadialética,umescritorsetrai,mostrandoquenofundosabequenão tem razão.Porque foiditoquea criatura inteira é sensível à luz, eportantoédenaturezanervosa,elechegouàconclusãodequeocorpointeiroécapazdepensar.

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ESTRATÉGIA2Homonímia—Mudeossignificadosdaspalavras-chavedooponenteUTILIZARAHOMONÍMIAparaestenderaafirmaçãoestabelecidaparaoque,comexceçãodasemelhançaentreaspalavras,tempoucoounadaavercomoassuntodiscutido;entãorefutá-lacomvigorparadaraimpressãodesequerefutouaafirmaçãooriginal.

Nota: sinônimos são duas palavras para o mesmo conceito:homônimossãodoisconceitos,quesãodescritoscomamesmapalavra.VejaAristóteles,Tópicos, I, 13. “Profundo”, “baixo” e “alto” são usadosoraparacorpos,oraparatons,esãohomônimos;“Íntegro”e“honesto”sãosinônimos.

Pode-se considerar esse estratégia como idêntico ao do sofisma exhomonymia:noentantoseosofismaéóbvio,nãoenganaráninguém.

OmnelumenpotestextinguiIntellectusestlumenIntellectuspotestextingui.

[Todaluzpodeserextinta.

Acompreensãoéumaluz.

Acompreensãopodeserextinta.]

Aqui logo se percebe que existemquatro termos: a lumen literal e alumen compreendidademaneira figurativa.Masemcasosmais sutis,osofisma consegue enganar, especialmente quandoos conceitos cobertospela mesma palavra estão relacionados entre si e tendem a sercombinados.

EXEMPLO1.

a)“Osenhoraindanãofoiiniciadonosmistériosdafilosofiakantiana.”b)“Ah,nãoquerosaberdemistérios”.

EXEMPLO 2. Eu acuso o princípioda honra, segundo o qual a pessoa se

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torna desonrada por meio de uma ofensa recebida que não pode serlimpaanãoserqueapessoarevidecomumaofensaaindamaior,oucomo sangue do oponente ou o seu. Defendo que a verdadeira honra nãoconsegue ser feridapeloque ela sofre,mas apenaspeloque se fazporela;entãotudopoderiaacontecercomtodos.Ooponentefazumataquediretoàfundamentação:elememostrademaneiratriunfantequeseumcomerciante é acusado falsamente de desonestidade, ou de falta decuidado em seus negócios, estarão atacando sua honra, que seriamaculadasimplesmenteporaquiloqueelesofre,equeeleapenaspoderestabelecê-lasepuniroupedirretrataçãoaoofensor.

Aqui,pormeiodeumhomônimo,eleendossadoistiposdehonra,ahonracivil,chamadatambémdebomnome,quepodeserferidapormeioda difamação, sob o conceito de honra cavalheiresca, ou chamada de“questãodehonra”e feridapormeiodas injúrias.Eporqueumataqueàprimeiranãopodepassardespercebido,massimser repelidopormeiode refutação pública, não se deve, com a mesma justificação, deixarpassar despercebido um ataque à segunda,mas este deve ser repelidopormeiodeinsultosmaioreseemduelo.Temosassimumamisturadeduas coisas bastante diferentes por meio dos homônimos da palavrahonra,oquedáorigemaumamutatiocontroversiae,mudançadopontodaargumentação.

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ESTRATÉGIA3ConfundaaargumentaçãoOUTRA ESTRATÉGIA é interpretar a afirmação estabelecida de maneirarelativa,κατα τι, comose tivesse sido feitademaneirageral e absoluta,ἁπλως,oupelomenosemumsentidocompletamentediferente,eentãorefutá-lapelosentidoqueofalantenãoquis.OexemplodeAristóteleséoseguinte:omouroénegro,entretantoosdentessãobrancos;assimeleénegroenãonegroaomesmotempo.Esseéumexemploinventado,queninguémlevariaasério:peguemosentãoumdaexperiênciareal.

EXEMPLO 1. Em uma conversa sobre filosofia assumo que defendo eprefiro o sistema dos quietistas. Logo depois vem a conversa sobreHegel, e eu afirmo que ele escreveu grandes besteiras, ou pelomenosmuitostrechosdeseusescritos,nosquaisHegelcolocouaspalavras,maso leitorprecisadarosentido.Ooponentenão tenta refutar issoadrem,mas se satisfaz ao estabelecer o argumentum ad hominem: “Eu tinhaacabado de defender os quietistas e também eles escreveram muitasbesteiras”.Admitiisso,mascorrigiaodizerquenãoelogioosquietistascomo filósofos ou escritores, isto é, não por causa de suas realizaçõesteóricas, mas somente como seres humanos, por causa de seus feitos,somentedopontodevistaprático.EquenocasodeHegel, entretanto,falávamosdeteorias.Assim,esquivei-medoataque.

Astrêsprimeirasestratégiasestãorelacionadosentresi.Elestêmemcomum o fato de que o oponente na verdade fala sobre uma coisadiferente do que foi afirmado. Então seria um ignoratio elenchi

[desconhecimento das contraevidências] permitir ser derrotado de talmaneira.Então, em todosos exemplos apresentados, oqueooponentediz éverdade,masparece estar emcontradição coma tesedemaneiraaparente e não real. Tudoo que apessoa que está sendo atacadadeve

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fazer é negar a validade de sua conclusão, isto é, a conclusão a que ooponentechega,eissoporquesuaafirmaçãoéverdadeiraeanossa,falsa.Dessamaneira,suarefutaçãoérefutadadiretamentepelanegaçãodesuaconclusão, per negotionem consequetiae. Outra estratégia é recusar-se aadmitirpremissasverdadeirasporcausadeumaconsequênciaprevista.Existem duas maneiras de derrotá-las e elas estão incorporadas nasestratégias4e5.

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ESTRATÉGIA4Prepareocaminho,masoculteaconclusãoQUANDOALGUÉMQUISERtirarumaconclusão,nãodevedeixarqueelasejaprevista,masdeve fazer comque aspremissas sejamadmitidasumaauma,semperceber,misturando-asaquiealiduranteasuafala;senãoooponente tentará todosos tiposdecontra-ataque.Ouquandoseestiveremdúvidaseooponentevaiadmiti-las,apresentaraspremissasdessaspremissas; criepré-silogismos e faça comqueaspremissasdediversosdelessejamadmitidasdemaneiradesordenada.Dessemodo,ojogoficaescondido até que se obtenham todas as admissões necessárias. EssasregrassãodadasporAristótelesemseusTópicos,VIII,1.

Estaestratégianãoprecisadeexemplos.

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ESTRATÉGIA5UseaspremissasdoseuoponentecontraeleTAMBÉMSEPODEUTILIZARcomoprovadeumaafirmaçãoverdadeiraoutraafirmaçãofalsaquandoooponentenãoqueradmitirasverdadeiras,sejaporqueelenãoentendesuaverdadeouporqueentendequeseaceita-las,a sua argumentação será aceita por todos. Nesse caso, tomam-se asafirmações falsas por si, mas verdadeiras ad hominen, e argumenta-seconformeamaneiradepensardooponente,exconcessis.Poisaverdadepodesurgirtambémdeafirmaçõesfalsas:aomesmotempoqueasfalsasnuncapodemsurgirdasverdadeiras.Mesmoassimépossívelrefutarasafirmações falsasdo opositorpormeiode outras afirmações falsas queele considera verdadeiras. Neste caso, temos de adaptar ao estilo depensamentodele. Por exemplo, se ele é seguidordeuma seita da qualnãoconjugamosdomesmopensamento,podemosusarasopiniõesdessaseitacontraele,comoprincípios.Aristóteles,Tópicos,VIII,9.

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ESTRATÉGIA6Mudeaspalavrasdooponenteparaconfundi-lo

FAZ-SEUMPETITIOPRINCIPIIvelado,noqualsepostulaoquesequertantorefutar.1.Soboutronome,porexemploemvezdehonra,boareputação;em vez de virgindade, virtude, e assim por diante. Ou com conceitosintercambiáveis:animaisdesanguevermelhoemvezdevertebrados.Ou2. Fazendo uma pressuposição geral sobre o ponto específico emdiscussão.Porexemplo,defenderainsegurançadamedicinaaopostulara insegurança de todos os conhecimentos humanos. 3. Se, vice-versa,duas afirmações resultam uma da outra, e uma precisa ser provada,deve-sepostularaoutra.4.Seumaafirmaçãogeralprecisaserprovada,deve-se fazer o oponente admitir todas as suas particularidades. Essaestratégiaéoopostodanúmero2.Aristóteles,Tópicos,VIII,11.OúltimocapítulodosTópicosdeAristótelesapresentaboasregrassobreoexercíciodadialética.

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ESTRATÉGIA7FaçaooponenteconcordardeformaindiretaQUANDOADISPUTAsedesenrolademaneiraumtantorigorosaeformalesedesejaclaramentechegaraumacordo,entãoquemfezasafirmaçõesequerprová-lasdeveagircontraooponente,colocando-lhequestõesparademonstrar a verdade a partir de suas conclusões. Esse métodoerotemático (tambémchamadodesocrático) foiespecialmenteutilizadopelosantigos.Omesmoseaplicaaestaestratégiaeaalgumasaseguir.(Todasadaptadaslivrementedocapítulo15deLiberdeelenchissophisticis,deAristóteles.)Aideiaéfazermuitasperguntasamplasdeumavezparaesconderoquesequerqueooponenteadmitae,alémdisso,apresentarrapidamenteo argumento resultantede suas admissões; assim,quemélentoparacompreendernãoconsegueacompanharcomexatidãoedeixapassarospossíveiserrosoufalhasnademonstração.

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ESTRATÉGIA8Desestabilizeooponente

AOPROVOCARRAIVAooponentesaiforadeseuequilíbrioeracionalidadeparajulgarcorretamenteeperceberaprópriavantagem.Épossívelfazê-lo ficar com raiva por meio de repetidas injustiças, de algum tipo detruqueepelainsolência.

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ESTRATÉGIA9

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Disfarceseuobjetivofinal

AS PERGUNTAS QUANDO não são feitas na ordem que levaria a umaconclusão possível podem levar a uma confusão muito grande. Ooponente não sabe aonde você quer chegar e não pode se precaver.Tambémépossívelusarsuasrespostaspara tirardiferentesconclusões,atécontrapô-las,deacordocomsuascaracterísticas.Istoestárelacionadoà estratégia número 4, segundo a qual se deve mascarar as própriasações.

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ESTRATÉGIA10Useapsicologiadanegação

QUANDO SE PERCEBE que o oponente nega de maneira proposital (einfantil) as afirmações cuja aprovação seria usada para a nossa frase,deve-seperguntaroopostodaoposiçãoutilizada,comoseestivéssemosansiosospor suaaprovação;oudeve-sepelomenosapresentar asduaspara escolha, para que ele então não perceba qual frase queremos quesejaaprovada.

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ESTRATÉGIA11Tomeumconceitogeralparaocasoparticular

FAZ-SEUMAINDUÇÃOeooponentecedeemcasosindividuais,pelosquaisela deve ser apoiada. Então não se deve perguntar a ele se tambémadmiteaverdadeemgeralquesurgedessescasos,massimintroduzi-ladepoiscomoestabelecidaereconhecida.Nessemeio-tempo,eleprópriovaipassaraacreditarqueaadmitiu,eissovaiacontecertambémcomosouvintes,porquevãoselembrardasdiversasperguntassobrecadacasoespecíficoevãosuporqueelasdevem,claro,teralcançadoseuobjetivo.

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ESTRATÉGIA12Usosutildosvocábulos—renomeieasmesmaspalavrasSE A DISCUSSÃO for sobre um conceito geral, que não tem um nomeespecífico e precisa ser descrito por meio de uma parábola, deve-seescolher a parábola que favorece nossa afirmação. Por exemplo,mencionam-se os nomes que descrevem os dois partidos políticos daEspanha:serviseliberais,nomesescolhidosobviamentepelosúltimos.Onome “protestantes” é escolhido por eles mesmos, assim como“evangélicos”,masapalavraheregefoiescolhidapeloscatólicos.Issoseaplica também aos nomes de coisas, no que faz mais sentido: porexemplo, o oponente propõe alguma alteração, então a chamamos de“subversão”,poisapalavratemconotaçãonegativa.Fazemosocontrárioquandonósmesmoséquefazemosasugestão.Noprimeirocaso,pode-sechamaracontraposiçãode“ordemexistente”,nosegundode“ordemopressora”.Oquepodeserchamadodemaneiraimparcialeinvoluntáriade “culto” ou “ensinamento público da fé” é chamado de “devoção”,“religiosidade”porumseguidor;ede“fanatismo”ou“superstição”porumoponente.Nofundo,esseéumpetitioprincipiiperfeito:oquealguémquer provar é afirmado no início da definição, da qual resulta umsimples julgamento analítico. O que alguém chama de “garantir asegurança de uma pessoa” ou “colocar sob custódia”, seu oponentechamade“prender”.Umoradormuitasvezesrevelasuaintençãopelosnomesquedáàscoisas.Umdiz“oclero”eooutrodiz“ospadres”.Detodosostruques,esseéomaisutilizado,demaneirainstintiva.Excessode fé = fanatismo; passo em falso ou caso amoroso = adultério;ambiguidade=obscenidade;desequilíbrioeconômico=bancarrota;pelainfluência e pela ligação = pela corrupção e pelo nepotismo;

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reconhecimentosincero=bompagamento.

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ESTRATÉGIA13Apresenteumasegundaopçãoinaceitável

PARA FAZER COM QUE o oponente aceite uma afirmação, deve-se dar acontráriatambémedeixá-loescolher;eessaafirmaçãocontráriadeveserarticuladamuitoclaramenteparaquenãosecontradigaeeleaceiteasuaafirmação,queéfeitademaneiraaparecerbastanteprovávelemrelaçãoa outra. Por exemplo: se o objetivo é fazê-lo admitir que alguém devefazer tudo o que o seu pai lhe diz; então perguntamos: “Deve-seobedeceroudesobedeceraospaisacimadetodasascoisas?”.Oucasoseafirme que uma coisa acontece com frequência, então perguntamos sepor frequente compreendemos poucos ou muitos casos; ele dirá“muitos”.Écomoquandoaosecolocarocinzapertodopreto,elepodeserchamadodebranco;equandoeleécolocadopertodobranco,podeserchamadodepreto.

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ESTRATÉGIA14AcuandoostímidosÉ UM GOLPE INSOLENTE a situação em que, depois de o oponente terrespondidoamuitasperguntassemqueasrespostasdessemobenefíciodeumaconclusãofavorávelqueseesperava,nósnosprecipitamosparaaconclusão desejada — apesar de ela não ser uma consequência daafirmação —, como se tivesse sido provada, e proclamá-la em tomtriunfante.Seooponenteétímidoouburro,esequematacaéatrevidoetem boa voz, pode-se conseguir ter razão. Isso pertence à fallacia noncausaeutcausae[ilusãopormeiodapressuposiçãodaprovasemaprova].

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ESTRATÉGIA15Utilizeparadoxos—parasituaçõesdifíceisQUANDO SE FAZ UMA afirmação paradoxal e achamos difícil prová-la,apresenta-se ao oponente uma afirmação correta para ele aceitar ourejeitar,mascujaverdadenãosejamuitopalpável,comosequiséssemostirar provas dela. Se ele recusar por suspeitar de um truque, então alevamosadabsurdumeganhamos;masseeleaceitá-la,entãoteremosditoalguma coisa inteligente e teremos de ver o que vai acontecer. Ouacrescentamos a estratégia anterior e assim garantimos que nossoparadoxosejacomprovado.Trata-sedeumainsolênciaimensa,masissoacontece por experiência, e existem pessoas que praticam tudo isso demaneirainstintiva.

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ESTRATÉGIA16DesqualifiqueoargumentodooutroARGUMENTA AD HOMINEN ou ex concessis. Diante de uma afirmação dooponente,deve-se tentarprocuraralguma inconsistência—mesmoquesejaapenasaparente—emrelaçãoaalgumaoutraafirmaçãoqueelefezouadmitiu,ou comosprincípiosda escolaouda crençaqueele tenhaelogiadoeaprovado,oucomasaçõesdequemapoiaamesmacrença,oudaquelesquedãoaelaumapoioapenasaparenteoufalso,oucomsuasprópriasaçõesoudesejodeação.Seeledefende,porexemplo,osuicídio,entãoexclame:“porqueentãovocênãoseenforca?”.Ouseeleafirma,por exemplo, vivendo em Berlim, que a cidade é um lugar muitodesagradávelparamorar,poderia lhedizer emseguida: “Porquevocênãovailogoemboranoprimeirotrem?”.Sempreépossívelusaressetipode truque, de desacreditar a crença do oponente contradizendo-o comsuasações.

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ESTRATÉGIA17Façousodaduplainterpretação

QUANDOOOPONENTEpressionacomumacontraevidência,podemosnossalvar por meio de uma diferenciação sutil, algo que não tínhamospensando antes. Este recurso pode ser utilizado quando a questãopermiteumoutrosignificadoouumaduplainterpretação.

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ESTRATÉGIA18Mudeocurso;interrompaantesdaperdacerta.

SEOBSERVAMOSqueooponenteiniciaumaargumentaçãocomaqualvainosderrotar,nãosedevedeixarqueelechegueasuaconclusão,ouseja,não se deve permitir que ele chegue ao fim. Deve-se interromper oandamentodadiscussãoemumbommomento,retirando-se,distraindo-ooulevandoadiscussãoparaoutraspessoas.Emresumo,realizarumamutatiocontroversiae.(Vejaaestratégia29.)

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ESTRATÉGIA19Desfoque;depoisencontreumabrecha

SE O OPONENTE nos desafiar de maneira expressa e fizer uma objeçãocontra algum ponto específico de nossa afirmação, contra o que nãotemosnadaadizer,entãoprecisamosutilizarageneralizaçãoedevolvero ataque da seguinte forma: Se somos chamados a dizer por quedeterminadahipótesedafísicanãopodeseraceita,devemosfalarsobreailusãodoconhecimentohumanoecitarváriosexemplos.

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ESTRATÉGIA20NãoarrisquenumjogoganhoQUANDOJÁHOUVERtestadoaspremissascomooponenteeeleasaceitou,não se deve buscar esta confirmação novamente, e sim apresentá-lascomo verdades absolutas. E mesmo que falte uma ou outra premissa,deve-se considerar que também estas foram admitidas, e partir para aconclusão.Oquenãodeixadeserumusodafallacianoncausaeutcausae.

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ESTRATÉGIA21

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Useasmesmasarmas

COM UM MERO ARGUMENTO aparente ou sofístico do oponente, podemosresolver isso por meio de uma discussão de sua estranheza esuperficialidade;mas émelhor responder a ele com contra-argumentosaparentes e sofísticos e assim acabar com ele. Disso depende não averdade, mas a vitória. Se ele dá, por exemplo, um argumentum adhominem, é suficiente invalidá-lo com um contra-argumento adhominem(exconcessis).E,emvezdeestabeleceroestadoverdadeirodaquestão,casoeleseapresente,optarporessecaminhocostumaencurtaradiscussão.

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ESTRATÉGIA22ReduzaaforçadoargumentoprincipalSEOOPONENTEexigequeseadmitaalgoqueédecorrenteexatamentedoponto emdiscussão, entãonos recusamosa fazê-looupermitirque elecontinue, declarando que aquilo é uma petitio principii (petição deprincípio), redundante e já está resolvido. Ele e os ouvintes perceberãoumaafirmaçãopróximadopontodediscussãocomosefosseidêntica,eassimvocêoprivarádeseumelhorargumento.

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ESTRATÉGIA23

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Provoqueooponente

ACONTRADIÇÃOeabrigaestimulamoexagerodasafirmações.Podemosestimular o oponente por meio da contradição e levar uma afirmaçãoalém dos seus próprios limites, afirmação essa que fora desses limitespodedeixardeserverdadeira.Equandorefutamosesseexageroécomose refutássemos sua frase original. Por outro lado, temos de tomarcuidadoparanãoser levadosporcontradiçõesaoexageroouaampliarsua própria afirmação. Muitas vezes, o próprio oponente procuradiretamenteampliarnossaafirmaçãoparaalémdoquepretendíamos.Éprecisoimpedi-lologoetrazê-lodevoltaaolimitedaafirmação:“Foioqueeudisseenadamais”.

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ESTRATÉGIA24Torneaalegaçãodooutroinconsistente

O OPONENTE faz uma afirmação, e por meio de falsas inferências edistorçõesde suas ideias, extraímosdelaoutras afirmaçõesque elanãocontém e que ele não quis dizer de jeito nenhum, oumelhor, que sãoabsurdas ou perigosas. Assim parece que a primeira afirmação deuorigema outras que são inconsistentes consigomesmas ou comalgumreconhecimento da verdade, então ela parece ser refutada de maneiraindireta.Aapagogiaéumanovautilizaçãodafallacianoncausaeutcausae.

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ESTRATÉGIA25Useaexceçãoparadestruiratese

ISSOTEMAVER comaapagogiapormeiodeuma instância exemplum in

contrarium.A επαγωγη, inductio, exige umagrande quantidadede casospara estabelecer uma afirmação universal. Mas a apagogia precisa deapenasumúnicocaso,aoqualnãoseaplicaaafirmação,paraderrubá-la.Esse é um método controverso conhecido como instância, ενστασιςexemplum in contrarium, instantia. Por exemplo, a sentença “todoruminantetemchifres”éderrubadapelaúnicainstânciadocamelo.

Ainstânciaéumcasodaaplicaçãodaverdadegeneralista,ealgonãouniversalmente verdadeiro é inserido em sua definição fundamental, oqueatornainválida.Entretanto,épossívelquehajaenganos,edevemosatentar para o seguinte em relação às instâncias que o oponente podecriar: 1. Se o exemplo é realmente verdadeiro, pois existem problemascujaúnica solução realéqueocasoemquestãonãosejaverdadeiro—porexemplo,muitosmilagres,históriasdefantasmaseassimpordiante;2. Se ele realmentepertenceao conceitodaverdadeassimapresentada,poisseapenasaparentapertencer,entãoaquestãodeveseré resolvidacom distinções precisas; 3. Se ele realmente contradiz a verdadeapresentada:muitasvezesissotambéméapenasaparente.

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ESTRATÉGIA26Reforceumaspectonooponente;depoisdestruaoseuvalor.

UMGOLPE BRILHANTE é o retorsio argumenti: quandoo argumentoque ooponente quer usar para si poderá sermais bemusado contra ele. Porexemplo, ele diz: “trata-se de uma criança, deve-se dar um desconto”.Retorsio:“Mesmoporserumacriança,devemospuni-la,paraqueelanãoinsistaemseushábitosruins”.

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ESTRATÉGIA27

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Deixeoseuoponentedesequilibrado

SE O OPONENTE fica bravo de maneira inesperada com um argumento,então deve-se insistir nele commais afinco, não simplesmente por serbomdeixá-locomraiva,masporquesesupõequeopontofracodeumalinhadepensamentofoiatingidoequenessepontoooponenteestámaisvulnerávelparaseratacado.

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ESTRATÉGIA28Ganheasimpatiadaaudiênciaeridicularizeoadversário

ESTEÉESPECIALMENTEaplicávelquandopessoascultasdiscutemdiantedeumaplateia leiga.Quandonãose temnenhumargumentumadremnemmesmoumadhominem,entãosefazumadauditores,istoé,umaobjeçãoinválida, cuja falta de validade apenas um especialista consegue ver: ooponente,mas não a plateia. E para ela, ele foi derrotado, em especialquando a objeção à afirmação dele é tratada como algo ridículo. Aspessoas estão prontas para rir e temos o riso como nosso aliado. Parademonstraranulidadedaobjeção,ooponenteprecisarianãosódeumalonga discussão como também retornar aos princípios da ciência ououtrosassuntos;eparaissoelenãoencontraouvintescomfacilidade.

Porexemplo,ooponentediz“naformaçãooriginaldessacordilheira,ogranitoeoutroselementosdesuacomposiçãoforamtransformadosemfluidopor causada alta temperatura—o calordeveria serde 250ºC, equando a massa se cristalizou foi coberta pelo mar”. Usamos oargumentumadauditores,dequenessatemperatura,naverdadequalquerumaacimade100ºC,omarjáteriafervidofaztempoesetransformadoemvapornoar.Osouvintesriem.Pararefutaraobjeção,eleprecisariademonstrar que o ponto de ebulição não depende apenas datemperatura,mastambémdapressãodaatmosfera,eaindaquecercademetade damassa domar tivesse se transformado em vapor, a pressão

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teria aumentado tanto que o volume restante não poderia ferver nemmesmo a 250ºC. Mas ele não alcançaria a plateia com uma explicaçãodessas,pois,antesdisso,eleteriadeexplicarfísicaanãofísicos.

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ESTRATÉGIA29NãoseimporteemfugirdoassuntoseestiverapontodeperderSE PERCEBEMOS que seremos golpeados, fazemos um desvio, isto é,começamosderepenteafalardealgocompletamentediferente,comosetivesse a ver com a questão discutida e fosse um argumento contra ooponente. Isso pode ser feito sem presunção quando o desvio tem, naverdade, alguma relação geral com a questão; mas pode ser tomadocomo uma insolência se não tem nada a ver com o assunto, e só élevantadoparaatacarooponente.

Por exemplo, eu elogio o fato de que naChina não há nobreza pornascimentoeoscargossãodistribuídosmedianteprovasdecapacidadeintelectual.Meuoponentedefendequeaerudiçãonãotornaumapessoamais competente para um cargo que a vantagem de um nascimentonobre (a qual admira). Discutimos e ele se sai mal. Assim ele faz umdesvio,dizendoquenaChinacidadãosdetodasasclasseserampunidoscombastões,oqueelerelacionacomograndeconsumodecháeacusaoschineses das duas coisas. Segui-lo nisso significaria ser levado a abrirmãodeumavitóriajáganha.

Odesvioé insolentequandooassuntoemquestãoécompletamenteabandonadoesuscita,porexemplo,objeçõescomo:“Sim,vocêacaboudeafirmarisso”eassimpordiante.Entãooargumentovaidealgummodoparao“ladopessoal”,dotipoqueserátratadonaúltimaseção.Arigor,esse é umponto intermediário entre o argumentum ad personam, que láserádiscutido,eoargumentumadhominem.

Essa estratégia é tão instintiva que pode ser vista em todas asdiscussões entre pessoas comuns. Se uma pessoa faz um comentáriopessoalcontraaoutra,esta,emvezderesponderpormeiodarefutação,

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deixacomoestá—comoseadmitisse—erespondefazendoalgumoutrotipodecomentáriosobreooponente.ElafazcomoCipião,queatacouoscartaginesesnãonaItália,masnaÁfrica.Naguerra,taldesviopodeserútil em determinados momentos. Em discussões, ele é ruim, pois ocomentáriopermanece,equemolhade foraescutaopiorquepodeserditoarespeitodasduaspartes.Estaéumaestratégiaquedeveserusadaapenasfautedemieux[nafaltadecoisamelhor].

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ESTRATÉGIA30AposteemcredenciaiseacueatodosOARGUMENTUMadverecundiam[sobreorespeitoaoargumentoutilizado].Em vez de motivos, utiliza-se a autoridade, conforme o grau deconhecimento do oponente. Unusquisque mavult credere quam judicare[todosirãopreferiracreditardoquejulgar],dizSêneca[Devitabeata,I,4];assimojogoémaisfácilquandosetemumaautoridadequeooponenterespeita. Por isso, quanto mais limitados forem seus conhecimentos ehabilidades,maioréonúmerodeautoridadesquepesamsobreele.Mas,seseusconhecimentosehabilidadesforemmuitos,daíserãopoucas;naverdade,quasenenhuma.Elepode, talvez,admitiraautoridadedeumprofissionalversadoemumaciência,umaarteouumofíciosobreoqualelepoucosabe;masmesmoassimolharácomsuspeitas.Poroutrolado,pessoas comuns têm profundo respeito por homens de todos os tipos.Elesnãosabemqueumhomemquefazdacoisaqueamasuaprofissãonão a exerce pela coisa em si, mas pelo dinheiro que recebe; ou, namaioria dos casos, é raro um homem que ensine uma disciplina aconheçabem,poissefosseumprofundoestudiosonãoteriatempoparaensinar. Mas existem muitas autoridades que gozam do respeito damultidão, e se vocênão tivernenhumaque seja adequada,podepegaruma que assim se pareça; ou você pode citar o que alguém disse emoutro sentido ou em outras circunstâncias. Os leigos têm um respeitopeculiar por um floreio em grego ou em latim. Também é possível, senecessário,nãosóforçaraimportânciadessasautoridades,masfalsificá-las, ou citar alguma coisa completamente inventada: a maioria daspessoasnãoestácomolivroporpertoetambémnãosaberiacomolidarcomeleseotivesse.Omelhorexemplodissoédadopelopárocofrancêsque,recusando-seaserobrigadoapavimentararuaemfrenteasuacasa

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comoosoutrosmoradores,citouumditadoquedisseserbíblico:paveantilli, ego non pavebo [todos podem tremer, eu não vou tremer]. Issoconvenceu os responsáveis pela cidade que confundiu a pronúncia emlatimcomoseusentidoemfrancês,paver,depavimentar.Preconceitosemgeraltambémsãoutilizadoscomoautoridade.AmaioriadaspessoaspensacomoAristóteles

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ESTRATÉGIA30AposteemcredenciaiseacueatodosOARGUMENTUMadverecundiam[sobreorespeitoaoargumentoutilizado].Em vez de motivos, utiliza-se a autoridade, conforme o grau deconhecimento do oponente. Unusquisque mavult credere quam judicare[todosirãopreferiracreditardoquejulgar],dizSêneca[Devitabeata,I,4];assimojogoémaisfácilquandosetemumaautoridadequeooponenterespeita. Por isso, quanto mais limitados forem seus conhecimentos ehabilidades,maioréonúmerodeautoridadesquepesamsobreele.Mas,seseusconhecimentosehabilidadesforemmuitos,daíserãopoucas;naverdade,quasenenhuma.Elepode, talvez,admitiraautoridadedeumprofissionalversadoemumaciência,umaarteouumofíciosobreoqualelepoucosabe;masmesmoassimolharácomsuspeitas.Poroutrolado,pessoas comuns têm profundo respeito por homens de todos os tipos.Elesnãosabemqueumhomemquefazdacoisaqueamasuaprofissãonão a exerce pela coisa em si, mas pelo dinheiro que recebe; ou, namaioria dos casos, é raro um homem que ensine uma disciplina aconheçabem,poissefosseumprofundoestudiosonãoteriatempoparaensinar. Mas existem muitas autoridades que gozam do respeito damultidão, e se vocênão tivernenhumaque seja adequada,podepegaruma que assim se pareça; ou você pode citar o que alguém disse emoutro sentido ou em outras circunstâncias. Os leigos têm um respeitopeculiar por um floreio em grego ou em latim. Também é possível, senecessário,nãosóforçaraimportânciadessasautoridades,masfalsificá-las, ou citar alguma coisa completamente inventada: a maioria daspessoasnãoestácomolivroporpertoetambémnãosaberiacomolidarcomeleseotivesse.Omelhorexemplodissoédadopelopárocofrancêsque,recusando-seaserobrigadoapavimentararuaemfrenteasuacasa

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comoosoutrosmoradores,citouumditadoquedisseserbíblico:paveantilli, ego non pavebo [todos podem tremer, eu não vou tremer]. Issoconvenceu os responsáveis pela cidade que confundiu a pronúncia emlatimcomoseusentidoemfrancês,paver,depavimentar.Preconceitosemgeraltambémsãoutilizadoscomoautoridade.Amaioriadaspessoaspensa como Aristóteles ἁ̔ μεν πολλοις δοκει ταυτα γε εινειφαμεν [o queparecemuito certo, dizemos que está certo]. Sim, não existe ideia, pormaisabsurdaqueseja,queaspessoasnãotomemcomosuascomtantafacilidadeetãologoseconvençamdequetalcoisaéadotadademaneirageral.O exemplo lhes influencia o pensamento e as ações. São ovelhasqueseguemopastoraondeelefor:paraelasémaisfácilmorrerdoquepensar.Émuitocuriosoqueauniversalidadedeumpensamento tenhatanto peso sobre as pessoas, é como se sua própria experiência lhesdissesse que sua aceitação é um processo sem questionamento e porimitação. Mas essa visão crítica não lhes diz nada, pois elas não têmpraticamente nenhum autoconhecimento. Apenas os mais sofisticadosestãocomPlatãoquandoeledizτοιςπολλοιςπολλαδοκει[Muitaspessoastêmmuitas ideias], istoé,os leigostêmmuitasbesteirasnacabeça,esequiséssemosdaratençãoaelas,teríamosmuitoquefazer.

Auniversalidadedeumaideia,parafalaraverdade,nãoprovanada,nemmesmo é motivo de probabilidade de sua validade. Aqueles quedefendem isso devem assumir que 1. A distância no tempo privaqualqueruniversalidadedesuaforçademonstrativa;sefosseocontrário,todososvelhoserrosqueumavezforamtomadosuniversalmentecomoverdadeiros seriam lembrados. Por exemplo, o sistema ptolomaicoprecisaria ser restabelecido, ou o catolicismo em todos os paísesprotestantes; 2. Que a distância espacial tem o mesmo efeito, senão auniversalidade respectiva de uma opinião entre os seguidores dobudismo,docristianismoedoislamismoosporiamemapuros.(SegundoBentham,Tactiquedesassembléeslégislatives,vol.II,p.76.)Oquesechama

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de pensamento universal, visto à luz, é o pensamento de duas ou trêspessoas; e seríamos convencidos disso se pudéssemos ver comorealmentesurgemessespensamentos.Descobriríamosentãoqueexistemduas ou três pessoas que a princípio os aceitaram, promoveram oudefenderam;equeforamtãoboasapontodeseconfiarqueostestarammuito bem. Então, convencidas de antemão de que estas tinhamcapacidade,algumasoutraspessoastambémaceitaramaopinião.Estas,porsuavez,receberamaconfiançademuitosoutros,cujapreguiçalhessugeriu que eramelhor acreditardeumavezdoque ter o trabalhodetestaraquestãoporsimesmas.Assim,diaapósdia,cresceonúmerodetaispreguiçososeseguidorescrédulos;entãologoaopiniãotemumbomnúmerodedefensores,eosseguidoresatribuemissoao fatodeque talopiniãosópoderiaserobtidapelaconvicçãodeseusargumentos.Osqueainda tivessemdúvidas eram compelidos a validar o que era admitidouniversalmente, para não passarem por cabeças-duras que resistem àsopiniões validadas pelamaioria, ou por pessoas rudes que querem sermais espertas que o resto do mundo. Agora, aderir, torna-se umaobrigação.Apartirdesteponto,ospoucosquesãocapazesde julgarsecalam.Equemseaventuraafalarécompletamenteincapazdeterideiaoujulgamentopróprios,simplesmenteecoamaopiniãoalheia;emesmoassimadefendemcomgrandezeloeignorância.Poisoqueelasodeiamnas pessoas que pensam de outra maneira não são as ideias que elasprofessam,mas a pressuposição de que querem julgar as coisas por simesmas, o que elas mesmas nunca fazem e disso são conscientes. Emresumo,poucosconseguempensar,mastodosqueremteropiniões—oquerestaanãoserpegá-lasprontasdosoutrosemvezdeformarassuaspróprias?Comoéissooqueacontece,qualovalordavozdecentenasdemilhões de pessoas? Tanto quanto um fato histórico presente emcentenasde relatos que comprovadamenteplagiaramuns aos outros, aopiniãopodeserrastreadaatéumaúnicafonte.(SegundoBayle,Pensées

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sur les Comètes, v. I, p. 10.) Dico ego, tu dicis, sed denique dixit et ille

Dictaqueposttoties,nilnisidictavides.

[Eu digo isso, você diz isso, e finalmente todos também dizem isso. Diz-se isso com tanta

frequênciaquenãosevênadaalémdoquefoidito.]

Mesmoassim,pode-seusaraopiniãouniversal comoautoridadenadiscussão com pessoas comuns. Pois em geral se vai descobrir quequando duas cabeças comuns brigam entre si, na maioria das vezesambas escolhem a arma da autoridade, e com isso atacam-semutuamente. Se alguém com cabeça melhor precisar lidar com eles,então é aconselhável que se esforce para usar essa arma e escolha asautoridadesdeacordocomapartefrágildooponente.Pois,exhypothesi,eleéinsensívelatodososargumentosracionaisassimcomoumSiegfriedcomchifresescondidos,mergulhadonamarédaincapacidadedepensaredejulgar.

Diantedeumtribunal,sóháadisputaentreautoridadeseafirmaçõesdeautoridade,querdizer,exercíciodojulgamentoconsisteemdescobrirque lei ou autoridade se aplica ao caso em questão. Há, no entanto,espaçosuficienteparaadialética;pois seocasoemquestãoea leinãocombinarem de verdade, podem, se necessário, serem distorcidos atépareceremcombinar,ouvice-versa.

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ESTRATÉGIA31CompliqueodiscursodeseuoponenteQUANDONÃOTIVERnadaparacontradizerosargumentosdefendidospelooponente,declare-seincompetentecomumtoquedeironia.“Oquevocêdizagoraultrapassameufracopoderdecompreensão:podeestarcerto;só que não consigo entender, e me contenho para expressar qualqueropiniãoarespeito.”Dessamaneiravocêinsinuaaospresentes,comquemvocê temboa reputação,queoque seuoponentedizébesteira.Assim,quandoaCríticadaRazãoPuradeKantfoipublicada,oumelhor,quandocomeçoua fazerbarulho,muitosprofessoresdevelhasescolasecléticasdeclararamnãocompreendê-la,naesperançaqueseufracassoresolvessea questão.Mas quando alguns seguidores da nova escolamostraram aeles que tinham razão e eles realmente é quemnão tinham entendido,elesficaramdemuitomauhumor.

Deve-seutilizarotruquesóquandosetemcertezadequeosouvinteso têm em melhor estima do que a seu oponente. Por exemplo, umprofessorcontraseusestudantes.Naverdade, issopertenceàestratégiaanterior:trata-sedeafirmardeformaparticularmentemaliciosaaprópriaautoridade emvezde apresentar argumentos.O contra-ataque é dizer:“Desculpe-me, deve ser fácil para você compreender isso com seupenetrante intelecto. E, a culpa é minha por conta da péssimaapresentaçãoquefizdoassunto”;econtinuaraesfregaracoisafacilitadanacaradooponentedemodoqueelecompreendaefiquebemclaroqueera tudo culpadele.Assimnos esquivamosdo ataque: ele quis apenasinsinuar que estávamos dizendo “besteira”, e nós provamos que ele é“ignorantenoassunto”.Tudocomamaiorgentileza.

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ESTRATÉGIA32“Cole”umsentidoruimnaalegaçãodooutro

SE SOMOS CONFRONTADOS com uma afirmação do oponente, há umcaminho curto para se livrar disso ou pelo menos torná-la suspeita,colocando-aemalgumacategoriaodiosa,mesmosealigaçãoforapenasaparenteouatésutil.Porexemplo,“Issoémaniqueísmo”,“arianismo”,“pelagianismo”, “idealismo”, “spinozismo”, “panteísmo”,“brownianismo”, “naturalismo”, “ateísmo”, “racionalismo”,“espiritualismo”, “misticismo”, e assim por diante. Com issopresumimosduascoisas:1.Quecadaafirmaçãorealmenteseidentificaoupelo menos se encaixa em cada categoria, então exclamamos: “Ah, jásabíamos!”; e2.Que sobessas categoriaspesamumaqualidade ruimenãocontêmnenhumapalavraválida.

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ESTRATÉGIA33Invalideateoriapelaprática“OQUEPODEESTARcertonateorianapráticaestáerrado.”Pormeiodessesofismaaceitam-seaspremissasmasnega-seaconclusão:emcontradiçãocom a regra a ratione ad rationatum valet consequentia [do motivo àconsequência,vigoraaconsequência].Essaafirmaçãobaseia-seemumaimpossibilidade:oqueemteoriaestácertodevevalertambémnaprática;se não valer, então existe um erro na teoria, alguma coisa não foipercebida e não foi levada em consideração, portanto isso está erradotambémnateoria.

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ESTRATÉGIA34Encontreeexploreopontofraco

QUANDOOOPONENTEnãodáumarespostaouinformaçãodiretaparaumaperguntaouargumento,masevade-sepormeiodeoutraperguntaoudeumarespostaindireta,oufazalgumaafirmaçãoquenãotemavercomaquestão,e,emgeral,tentamudardeassunto,issoéumsinal(mesmosemqueelesaiba)dequeencontramosumponto fraco:hácertosilênciodaparte dele. Portanto devemos insistir no ponto que propusemos e nãodeixarooponentefugirdele;mesmoquandoaindanãodescobrimosdequerealmentesetrataafraquezaqueencontramos.

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ESTRATÉGIA35MostreaoseuoponentequeestálutandocontraosprópriosinteressesEISUMAESTRATÉGIA que se forpossívelpôr emprática tornará todosasoutras desnecessárias. Em vez de agir sobre o intelecto por meio deargumentos,age-sesobreavontadedooponenteedosouvintescomosefossemmotivos; e se o oponente e os ouvintes têmomesmo interesse,logo serão conquistados por nossa opinião,mesmo que ela tenha sidotiradadomanicômio;emgeral,cincogramasdevontadepesammaisdoque cinquentaquilosde conhecimento e convicção.Éverdadeque issofunciona só em circunstâncias especiais. Se conseguíssemos que ooponentepercebessequeaopiniãodele,secomprovada,arruinariaseusinteresses, então ele abriria mão dela tão rápido como se estivessesegurandoferroquentesemquerer.Porexemplo,umclérigodefendeumdogmafilosófico:fazemosqueelevejaqueissocontradizindiretamenteumdogmafundamentaldesuaigreja,eelevaiabrirmãodele.

Umproprietáriode terras ressalta a superioridadedasmáquinasnaInglaterra,ondeumamáquinaavaporfazotrabalhodemuitaspessoas.Deve-se fazê-lo entender que assim que os carros forem puxados pormáquinasavapor,ovalordosnumerososcavalosdeseuharastambémdevecair—everemosoqueacontece.Nessescasos,todossentemcomoédurosancionarumalei injustaconsigomesmo:Quamtemere innosmet

legem sancimus iniquam [com que irresponsabilidade criamos uma leiinjustaconosco].

O mesmo acontece quando os ouvintes pertencem à mesma seita,sociedade, indústria, clube etc. que nós, mas não o oponente. Nãodevemos nunca permitir que a tese dele seja verdadeira. Assim quepercebermosqueelacontrariaosinteressesgeraisdosparticipantesdessa

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sociedade ou coisa parecida, todos os ouvintes acharão que osargumentosdooponente são fracoseabomináveis,pormaisexcelentesquesejam,eosnossos,apropriadosecorretos,aindaquetiradosdoar.Ocoro se pronunciará em voz alta a nosso favor, e o oponente sairá decampoenvergonhado.Namaioriadasvezes,osouvintesacreditarãotervotado segundo sua plena convicção. O que não é de nosso interessepareceabsurdoaointelectonamaioriadasvezes.Intellectusluminissicci

nonestrecipitinfusionemavoluntateetaffectibus.[Ointelectonãoéumaluzquequeimasemóleo,masquesealimentadaspaixões.]Estaestratégiapoderiaserdescritacomo“colheraárvorepelaraiz”,masécomumentechamadadeargumentumabutili.

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ESTRATÉGIA36ConfundaeassusteooponentecompalavrascomplicadasE ISSOSEBASEIAno fatodeque:GewöhnlichglaubtderMensch,wenner

nurWortehörtEsmüssesichdabeidochauchwasdenkenlassen.

[Normalmenteaspessoassóacreditamquandoouvempalavras.Alitambémdeveriahaveralgo

pararefletirarespeito.]Goethe,emFausto.

Quando ele secretamente tem consciência de suas fraquezas, entãoestá acostumadoaouvirmuitas coisasquenão entende e fingirqueasentende; pode-se então impressioná-lo com besteiras que parecemprofundas e eruditas, e que o destituam de sua audição, visão epensamento; e usar isso como a prova mais irrefutável do queafirmamos. É fato conhecido que alguns filósofos utilizaram essestruquescombrilhantesucessoatédiantedetodoopúblicoalemão.Mascomo isso é um exemplo odioso, queremos pegar um exemplo maisantigo deGoldsmith, emTheVicar ofWakefield: “Certo, Frank”, grita osenhorde terras, “euqueria sufocar comesta taça,masumaboamoçavalemais que todo o sacerdócio da Criação. Todos os seus décimos etruques não passam de uma fraude planejada, uma enganação dosdiabosepossoprovar.”“Eugostariaqueosenhorofizesse”,clamameufilhoMoisés,“eacredito”,continua,“queeudeveriaestaremcondiçõesde responder ao senhor.” “Excelente, meu senhor”, diz o senhor deterras,que semmaisdelongas solta fumaçaemsua cara episcaparaorestante da companhia, para nos preparar para uma piada: “Se vocêsestãodispostos aumadiscussão tranquila sobreo assunto, então estoupronto para aceitar o desafio. E primeiro: vocês são a favor de umtratamentoanalógicooudialógico?”.“Eusouafavordeumtratamento

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racional”,dizMoisés, todosatisfeitopor terencontradoapossibilidadedediscutir. “Ótimo”,disseo senhorde terras, “eantesde tudo,esperoeu,osenhornãovainegar,quetudooqueé,é:seosenhornãogarantirisso paramim, não posso prosseguir.” “Tudo bem”, respondeMoisés,“achoquepossogarantirisso,etiraromelhorproveito.”“Assimtambémespero”,replicouooutro,“osenhorvaigarantirqueumaparteémenorqueo todo.” “Tambémgaranto isso”,disseMoisés, “nadamais certo erazoável.” “Eu espero”, disse o senhor de terras, “que o senhor nãonegue que os três ângulos de um triângulo são iguais a dois ângulosretos.”“Nadapodesermaisclaro”,replicaooutroeolhaemvoltacomseu habitual ar de importância. “Muito bem”, diz o senhor de terras,falandomuitorápido,“aspremissasestãoentãodefinidas,prossigoparachamar a atenção, de que a concatenação das atuais existências, queprogrideemumaproporçãoduplaerecíproca, levanaturalmenteaumdialogismoproblemático, oque emcertograuprovaque a essênciadaespiritualidade se aplica ao segundo predicado.” “Pare, pare”, diz ooutro, “isso eu nego. O senhor acredita que posso me submeter demaneira obediente a tais proposições tão heterodoxas?” “O quê?”,respondeosenhordeterrascomoseestivessefurioso,“nãosesubmeter!Responda-me uma única pergunta clara. O senhor acredita queAristóteles tem razão quandodiz que os parentes estão relacionados?”“Semdúvida”, respondeooutro.“Se issoéassim,então”,dizosenhorde terras, “responda exatamente àminhapergunta: o senhor consideraminha pesquisa analítica da primeira parte do meu entimema(argumento) insuficiente secundum quoad ouquoadminus?Emediga osseusprincípios, eagoramesmo.”“Issoeupreciso recusar”,dizMoisés,“enãocompreendodireitooqueasuadiscussãoquerprovar;masseosenhor retornar a uma única e simples afirmação, posso lhe dar aresposta.”“Ah,meusenhor”,dizosenhordeterras,“souoseuhumildeservo;masperceboqueosenhorquerqueeuoequipecomargumentose

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compreensão de lambuja. Não, meu senhor, eu protesto, o senhor émuitodifícilparamim.”

IssodespertouumarisadaaltacontraopobreMoisés,queeraaúnicafigurainfelizdentreumgrupoderostossatisfeitos;eletambémnãodissemaisumasílabadurantetodoodivertimento.[Docapítulo7.]

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ESTRATÉGIA37Destruaateseboapelaprovafrágil(QUEDEVERIA serumadasprimeiras.)Quandoooponente também temrazãonaquestão,mas felizmente escolheumaevidência ruim, torna-sefácil para nós rebater essa evidência, e então estendemos isso para aquestão como um todo. Na verdade, isso se resume a trocar umargumentum ad hominem por um ad rem. Se não ocorrer a ele, ou aospresentes, nenhuma evidência correta, teremos ganho. Por exemplo,quando alguém apresenta uma evidência ontológica da existência deDeusquesejamuito fácilde refutar.Essaéamaneirapelaqualalgunsadvogadosruinsperdemumaboacausa:queremjustificaralgopormeiodeuma leiquenãoseaplicaàquiloquandoaadequadanão lhespassapelacabeça.

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38 ÚLTIMA ESTRATÉGIA COMO ÚLTIMO RECURSO, PARTA PARA O ATAQUE

PESSOAL.

QUANDOSEPERCEBEqueooponenteésuperiorequevamosnosdarmal,então devemos partir para o lado pessoal, ser ofensivos e rudes. Issosignificasairdoassuntodadiscussão(porquealio jogoestáperdido)eatacar de alguma maneira aquele com o qual se disputa é a últimaesperança. Isso pode ser chamado de argumentum ad personam emoposição ao argumentum ad hominem, que se afasta do assuntocompletamente objetivo para se ater ao que o oponente tenha dito ouadmitido em relação ao assunto. Mas ao ir para o lado pessoal,abandona-se o assunto completamente e os ataques são direcionados àpessoadooponente:apessoaentãoserásujeitaahumilhações,maldades,afrontasegrosseiras.Éumapelodaforçadamentesobreasvirtudesdocorpo,ousobreaanimalidade.Essetruqueémuitoapreciado,poispodee costuma ser usado por qualquer um. Agora a questão é: quais ostruques disponíveis para o oponente? Se ele usar os mesmos, isso setornará uma luta, um duelo ou processo de injúria. Estaríamos muitoenganadosemacharsuficientesimplesmentenãoirparaoladopessoal.Poisaomostraraalguémqueeleestáerradoe,portanto,julgaepensademaneira errada, o que é o caso em qualquer disputa dialética, você oenervamaisdoque seusar algumaexpressão rudeouum insulto.Porquê? Pois como diz Hobbes no capítulo 1 deDo Cidadão:Omnis animi

voluptas, omnisque alacritas in eo sita est, quod quis habeat, quibuscum

conferens se, possitmagnifice sentire de seipso [Todo oprazer intelectual e

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toda a felicidade se baseiam no fato de ter uma pessoa com quem secomparar e em relação a quem se sentir superior.] Nada supera asatisfaçãodaprópriavaidadeenenhummachucadodóimaisdoqueoataque a ela. (Daí surgem ditados como “a honra vale mais do que avida” e assim por diante.) Essa satisfação da vaidade consisteprincipalmentenacomparaçãodesicomooutro,emrelaçãoaqualquercoisa,masprincipalmenteemrelaçãoàsforçasintelectuais.Issoacontecedemaneira efetiva emuito intensa nas disputas.Daí a exasperaçãododerrotado, sem que lhe inflijam injustiças, e por isso ele se apega aosúltimosmeios,aestaúltimaestratégia,doqualnãosepodeescaparpormeio da simples gentileza da nossa parte. Termuito sangue frio podeajudaraqualquerum.Nestecaso,assimqueooponenteforparaoladopessoal,respondacomtranquilidade“issonãotemavercomoassunto”,e imediatamente colocar a conversanos trilhosnovamente, e continuarpara provar que ele está errado, sem dar atenção aos seus insultos—assim como Temístocles diz para Euribíades: παταξον μεν, ακουσον δε[bataemmim,masmeouça].Nãoétodomundoqueconseguefazerisso.

Porisso,aúnicaregracontráriaseguraéaquelaqueAristótelesjádeunoúltimocapítulodosTópicos:nãodiscutacomoprimeiroqueaparecer,massócomosconhecidosquesabemosquetêmconhecimentosuficientepara não dizer coisas absurdas que os envergonhariam; disputar comargumentos e não com afirmações de força e, finalmente, valorizar averdade,ouvirbonsargumentos comprazer,mesmoos saídosdabocadooponente, e ter integridade suficienteparapoder suportarnãoestarcom a razão quando a verdade estiver do outro lado. Por isso, dentrecentenasdepessoas raramenteexistemaisqueumacomquemvalhaapena discutir.Deixe o restante falar o que quiser, pois desipere est jurisgentium [a ignorânciaéumdireitodoserhumano];epensemosnoquedisseVoltaire:Lapaixvautencoremieuxquelavérité[Apazaindaémelhordoqueaverdade];eumditadoárabe:“Naárvoredosilênciocrescemos

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frutosdapaz”.No entanto, a discussão como atrito entre mentes muitas vezes é

necessáriaparaosdoislados,paraacorreçãodosprópriospensamentoseparaaproduçãodenovospontosdevista.Masasduaspartesdevemter formação e inteligência bastante equivalentes. Se um não tiver oprimeiro,elenãoentendenada,nãoestánomesmonível.Selhefaltarosegundo, a exacerbação resultanteo levaráàdesonestidadeeà astúcia,ouàgrosseria.

(1830)

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APÊNDICENotasdeSchopenhauer

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I

ALÓGICAEAdialética jáeramutilizadascomosinônimospelosantigos,apesar de λογιζεσθαι, “refletir”, “ponderar”, “avaliar”, e διαλεγεσθαι,“discutir” serem duas coisas muito diferentes. O nome dialética(διαλεκτικη,διαλεκτικηπραγματεια[confirmaçãodialética],διαλεκτικοςανηρ[homem dialético]) foi usado pela primeira vez, como nos informaDiógenesLaércio,porPlatão.DescobrimosquenoFedro,noSofista,enolivro VII daRepública, entre outros, para ele dialética significava o usofrequente da razão e a habilidade em seu exercício. Aristóteles usa ταδιαλεκτικα no mesmo sentido; mas deve ter usado (segundo LorendoValla),tambémnomesmosentido,λογικη(lógica).Encontramosemsuasobras λογικας δυσχερειας, isto é, argutias [dificuldades lógicas], προτασινλογικην [premissas lógicas], αποριαν λογικην [aporia lógica]. Portanto,διαλεκτικη [dialética] é mais antiga que λογικη [lógica]. Cícero eQuintilianousamdialéticaelógicanomesmosentido.CíceroemLucullo:Dialecticam inventam esse, veri et falsi quasi disceptatricem. [A dialética écomo a escolha entre as palavras verdadeiras e falsas]. Stoici enimjudicandiviasdiligenterpersecutisunt,eascientia,quamDialecticenappellant

[Os estoicos de fato seguiram cuidadosamente os métodos dosjulgamentos, com a ajuda de uma ciência que chamam de dialética],Cícero,Tópicos, capítulo 2.—Quintilian: itaque haec pars dialecticae, sive

illam disputatricem dicere malimus [daí vem essa parte da dialética ou,como eles preferem chamar, a arte da decisão]. O último parece sertambém o equivalente latino de διαλεκτικη [dialética]. (Pelo menos

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segundo Petri Rami dialectica, Audomari Talaei praelectionibus illustrata,

1569.) O uso de lógica e dialética como sinônimas perdurou na IdadeMédia e nos novos tempos, até hoje. No entanto, mais recentemente,principalmenteemKant,“dialética”foiusadacomfrequênciaemsentidopejorativo como “a arte sofista da disputa”, e o termo “lógica” erapreferido por ser mais inocente. No entanto, originalmente ambos osvocábulos têm omesmo significado e nos últimos anos voltaram a servistoscomosinônimos.

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II

É UMA PENA QUE “dialética” e “lógica” tenham sido usadas comosinônimosdesde aAntiguidade, e com isso não tenhomuita liberdadepara distinguir seus significados como gostaria, e para definir “lógica”(deλογιζεσθαι , “refletir”, “estimar”,deλογος, “palavra” e “razão”, quesão inseparáveis) como “a ciência das leis do pensamento, isto é, dométodo da razão” — e “dialética” (de διαλεγεσθαι, “discutir”: cadadiscussãocomunicafatosouopiniões,istoé,éhistóricaoudeliberativa)como “a arte de disputar” (palavra usada no sentido moderno).Obviamente,a lógicaentãoobservaumassuntodecaráterpuramenteapriori, definido sem a experiência, isto é, as leis do pensamento, oprocesso da razão ou o λογος (as leis) que a razão segue quandoabandonadaporsisóenãoéincomodada,comonocasodopensamentosolitáriodeum ser racional quenão édistraídodemaneira alguma.Adialéticaétambémtratadacomooencontrodedoisseresracionais,que,porseremracionais,devempensaremconjuntomas,assimquedeixamde concordar como dois relógios que marcam exatamente o mesmohorário, criam uma discussão ou uma disputa intelectual. Como serespuramente racionais, os dois indivíduos deveriam concordar. Suasdivergências surgem das diferenças, que são parte essencial daindividualidade; são,portanto, elementos empíricos.A lógica, a ciênciado pensamento, isto é, o processo da razão pura, poderia então sercompletamenteconstruídaapriori;eadialética,emgrandeparte,apenasa posteriori, a partir do conhecimento empírico das perturbações que o

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pensamentopurosofrediantedasdiferençasindividuaisnopensamentoconjunto de dois seres racionais e diante dos meios que cada um dosindivíduosutilizaparafazerseupensamentoindividualvalercomopuroeobjetivo.Então,éprópriodanaturezahumanaque,nopensamentoemconjunto,διαλεγεσθαι,istoé,aexpressãodeopiniões(excetoosdiscursoshistóricos),quandoApercebequeospensamentosdeBsobreomesmoassuntosedistanciamdosseus,elenãoreavaliaprimeiroseusprópriospensamentosparaencontraroserros,maspressupõequeoerroestejanopensamentoalheio.Ouseja,oserhumanoéarrogantepornatureza;eaconsequênciadessa característica é oque ensina adisciplinaquequerochamar de dialética, mas para evitar mal-entendidos, vou chamar de“dialética erística”. Assim, ela seria o estudo do comportamentoarrogantenaturaldoserhumano.

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OautorARTHURSCHOPENHAUER foiumfilósofoalemãodoséculoXIXdacorrenteirracionalista. Nasceu em Danzig, na Prussia, 22 de Fevereiro 1788 emorreuemFrankfurt,21deSetembro1860.

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Conviveu com diversos intelectuais que frequentavam sua casa emWeimar,centrodavidaculturalalemã,estabelecendoforteamizadecomGoethe.

Influencioualgunsdosmaioresartistasepensadoresdesuaépocaedasdécadas seguintes:deRichardWagner,na criaçãodaobraTristão eIsolda à Freud e Jung, pois a análise da repressão do pensamento deSchopenhauer serviu como base de fundamentação da teoriapsicanalítica.EatravessououtroscamposforadaFilosofia,eemtodososgêneros literários, dos contos e romances à poesia em autores comoTolstoi,ThomasMann,Borges,Tchekhov,T.S.Eliot,Rilke,MachadodeAssisemuitosoutros.

Deixou inúmeras obras importantes, dentre elas O Mundo como

vontadeerepresentação(1819)eParergaeParalipomena(1851).

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COPYRIGHT©FAROEDITORIAL,2014

DiretoreditorialPEDROALMEIDATraduçãoCAMILAWERNER

PreparaçãoMARCOSSALLES

RevisãoEDNAADORNO

IlustraçõesKLEBERRIBEIRO

CapaeprojetográficoOSMANEGARCIAFILHO

ISBN978-85-62409-10-3

1aediçãobrasileira:2014.Direitosdeediçãoemlínguaportuguesa,paraoBrasil,adquiridosporFaroEditorial

AlamedaMadeira,162–Sala1702Alphaville–Barueri–SP–BrasilCEP:06454-010–Tel.:+55114134-4444www.faroeditorial.com.br

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AHistóriaConcisadaLiteraturaAlemãOttoMariaCarpeaux

Goethe, Rilke, Schopenhauer, Kant, Thomas Mann, Kafka, Irmãos Grimm, Herman

Hesse, Schiller, Brecht, Nietzsche e tantos outros. A história da literatura domundo

pelosgrandesescritoresalemães.

“Emsuaexcelentehistóriadaliteraturaalemã(amelhorjáproduzidanoBrasil)Otto

Maria Carpeaux considera ‘Tonio Kroeger’ um texto-chave para a compreensão das

grandesnarrativasdeThomasMann.Semdúvidaéumapequenaobra-primaenoseu

traçado sutil e preciso, onde se generaliza toda uma experiência estética, cultural e

afetiva,tomacorpoumarealidadeessencial,alusivaecambiantecomoasasasdeuma

borboleta.”

“A importância desse livro tem sido confirmada pelo interesse público e pela

constância com que são usados em sala de aula oumencionados nosmestrados e

doutoradosdasnossasuniversidades.Suaqualidade,noentanto,aindanãopareceter

sido alvo de uma avaliação fina, à altura do seu padrão de exigência — capaz de

mostrar,porexemplo,o‘rigorclássico’dotalentodenarradordeOttoMaria.”

MODESTOCARONE–Escritorecríticoliterário*

“Só com hesitação aceitei a incumbência de escrever esta pequena história da

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literatura alemã. Pois o tamanho reduzido não permite dar um panorama

historicamentecompletonemaexposiçãodepontosdevistanovos.Noentanto…é

tão difícil encontrar uma utilizável e atualizada história da literatura alemã! (...) Em

Alemão,muitas obras sobre o assunto são desfiguradas por atitudes de sectarismo

ideológico. A consequência são preconceitos enraizados e tremendos erros de

valorizacãoque,comodogmas, são transmitidosde livropara livro,degerarãopara

geração.Aciêncialiteráriaalemãeacríticaalemãmodernajáretificaramesseserros.

Massóempoucoscasos(Hölderlin,GeorgBuechner)essasretificaçõesereabilitações

chegaramaoconhecimentodosleitoreslatino-americanos.

“OpresentelivrorefleteoestadodaciênciaecríticaliteráriasnaAlemanha.Oferecer

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Goethe,HölderlineRilke,deKleisteGeorgBuechner,deStifter,ThomasManneKafka,

poderáchegaraserummodestoserviçoprestadoàculturabrasileira.Éoquetentei

fazer,dentrodasminhaslimitações.”