COMPARATIVO DO DESGASTE POR DESLIZAMENTO DE...

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COMPARATIVO DO DESGASTE POR DESLIZAMENTO DE CAMADAS NITRETADAS A GÁS E EM BANHO DE SAL Débora Elyodora Cantadeiro 1 , M. M. Maru 2 , A. Sinatora 3 1 Aluna de graduação da FATEC-SP, e de Iniciação Científica da USP. 2 Aluna de Pós-Graduação (Doutorado) pela USP, responsável pelo aluno de Iniciação. 3 Prof. Orientador. Resumo Este trabalho consiste em estabelecer um comparativo do comportamento tribológico de aço carbono tratado superficialmente por dois tipos de nitretação, a gás e em banho de sal. Tais tratamentos são aplicados para aumentar a resistência ao desgaste de componentes mecânicos. As amostras nitretadas foram ensaiadas em um equipamento do tipo pino- contra-disco com movimento de deslizamento rotativo. Foram efetuadas análises das superfícies ensaiadas por microscopia óptica e do comportamento do coeficiente de atrito médio ao longo dos ensaios. Os resultados obtidos mostraram que todos os ensaios apresentaram transição do desgaste moderado para severo, com comportamentos similares do coeficiente de atrito médio ao longo do tempo, porém o nível do coeficiente de atrito médio do desgaste moderado do ensaio com material nitretado em banho de sal foi ligeiramente inferior. Quanto à proteção da superfície contra deformação plástica produzida no deslizamento, as amostras com tratamento de nitretação em banho de sal apresentaram menor quantidade de deformação plástica sub- superficial. Esses resultados foram indicativos de que a nitretação em banho de sal em aço carbono é tribologicamente superior comparada à nitretação a gás, para as condições de deslizamento utilizadas. Introdução A nitretação a gás e em banho de sal são tratamentos de superfície vastamente utilizados em componentes mecânicos que atuam em situações em que há necessidade de resistência ao desgaste, proporcionado principalmente pelo aumento da dureza superficial. Paralelo ao desenvolvimento de superfícies resistentes ao desgaste, é fundamental que haja compatibilidade com os níveis aceitáveis de atrito resultantes da interação dessas superfícies, de modo a se evitar uma diminuição da potência efetiva. A nitretação em banho de sal é indicada para vários tipos de material, incluindo aço carbono comum não ligado. Já a nitretação a gás só é recomendada para aços-liga, e considera-se que os aços carbono não ligados não são adequados para esse tipo de nitretação por haver formação uma camada extremamente quebradiça, com apenas um pequeno aumento da dureza superficial do material na zona de difusão do nitrogênio. Apesar disso, sabe-se que a prática da nitretação a gás em aço carbono é comum nas indústrias, principalmente na indústria automobilística. Objetivo Este trabalho tem como objetivo verificar o real desempenho do aço carbono nitretado a gás e em banho de sal, através de caracterização das diferenças do desgaste e atrito. Os resultados foram obtidos através de ensaios de desgaste em equipamento tipo pino-contra-disco sob condição severa de deslizamento. Materiais e Métodos As amostras de ensaio foram pinos de aço de baixo carbono SAE 1015, normalizado. O diâmetro das amostras foi de 8 mm com acabamento retificado na face de ensaio. Produziu-se um arredondamento da face de ensaio do pino com raio de 0,5 mm. Os pinos passaram por processos de nitretação denominados comercialmente de ciclo curto, e foram ensaiados pinos com dois tipos de nitretação: a gás (Ngás) e em banho de sal (Nsal). O material dos discos foi aço liga SAE 8640, temperado e revenido, e não nitretado, com acabamento de retífica. Para lubrificação dos ensaios foi utilizado lubrificante para motores Diesel, SAE 15W40. Para os ensaios de desgaste foi utilizada uma máquina pino-contra-disco. O dispositivo adotado está ilustrado na figura I. Antes de cada ensaio, foi gotejado 26 ml de lubrificante sobre o disco na trilha de deslizamento do pino, sob temperatura do disco de 100 0 C, mantida constante durante o ensaio. Os ensaios foram realizados em duas etapas, uma sob baixa carga (20 N) e baixa velocidade (30 rpm) por 2200 s. A segunda etapa foi de alta carga (aplicada a uma taxa de 2 N/s até atingir o máximo de 800 N) e alta velocidade (190 rpm). O raio da trilha do pino no disco foi de 25 mm.

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COMPARATIVO DO DESGASTE POR DESLIZAMENTO DE CAMADASNITRETADAS A GÁS E EM BANHO DE SAL

Débora Elyodora Cantadeiro1, M. M. Maru2, A. Sinatora3

1 Aluna de graduação da FATEC-SP, e de Iniciação Científica da USP.2 Aluna de Pós-Graduação (Doutorado) pela USP, responsável pelo aluno de Iniciação.3 Prof. Orientador.

Resumo

Este trabalho consiste em estabelecer umcomparativo do comportamento tribológico deaço carbono tratado superficialmente por doistipos de nitretação, a gás e em banho de sal. Taistratamentos são aplicados para aumentar aresistência ao desgaste de componentesmecânicos. As amostras nitretadas foramensaiadas em um equipamento do tipo pino-contra-disco com movimento de deslizamentorotativo. Foram efetuadas análises das superfíciesensaiadas por microscopia óptica e docomportamento do coeficiente de atrito médio aolongo dos ensaios. Os resultados obtidosmostraram que todos os ensaios apresentaramtransição do desgaste moderado para severo, comcomportamentos similares do coeficiente de atritomédio ao longo do tempo, porém o nível docoeficiente de atrito médio do desgaste moderadodo ensaio com material nitretado em banho de salfoi ligeiramente inferior. Quanto à proteção dasuperfície contra deformação plástica produzidano deslizamento, as amostras com tratamento denitretação em banho de sal apresentaram menorquantidade de deformação plástica sub-superficial. Esses resultados foram indicativos deque a nitretação em banho de sal em aço carbonoé tribologicamente superior comparada ànitretação a gás, para as condições dedeslizamento utilizadas.

Introdução

A nitretação a gás e em banho de sal sãotratamentos de superfície vastamente utilizadosem componentes mecânicos que atuam emsituações em que há necessidade de resistência aodesgaste, proporcionado principalmente peloaumento da dureza superficial. Paralelo aodesenvolvimento de superfícies resistentes aodesgaste, é fundamental que haja compatibilidadecom os níveis aceitáveis de atrito resultantes dainteração dessas superfícies, de modo a se evitaruma diminuição da potência efetiva.

A nitretação em banho de sal é indicadapara vários tipos de material, incluindo açocarbono comum não ligado. Já a nitretação a gássó é recomendada para aços-liga, e considera-seque os aços carbono não ligados não sãoadequados para esse tipo de nitretação por haverformação uma camada extremamente quebradiça,

com apenas um pequeno aumento da durezasuperficial do material na zona de difusão donitrogênio.

Apesar disso, sabe-se que a prática danitretação a gás em aço carbono é comum nasindústrias, principalmente na indústriaautomobilística.

Objetivo

Este trabalho tem como objetivoverificar o real desempenho do aço carbononitretado a gás e em banho de sal, através decaracterização das diferenças do desgaste e atrito.Os resultados foram obtidos através de ensaios dedesgaste em equipamento tipo pino-contra-discosob condição severa de deslizamento.

Materiais e Métodos

As amostras de ensaio foram pinos deaço de baixo carbono SAE 1015, normalizado. Odiâmetro das amostras foi de 8 mm comacabamento retificado na face de ensaio.Produziu-se um arredondamento da face de ensaiodo pino com raio de 0,5 mm. Os pinos passarampor processos de nitretação denominadoscomercialmente de ciclo curto, e foram ensaiadospinos com dois tipos de nitretação: a gás (Ngás) eem banho de sal (Nsal).

O material dos discos foi aço liga SAE8640, temperado e revenido, e não nitretado, comacabamento de retífica.

Para lubrificação dos ensaios foiutilizado lubrificante para motores Diesel, SAE15W40.

Para os ensaios de desgaste foi utilizadauma máquina pino-contra-disco. O dispositivoadotado está ilustrado na figura I.

Antes de cada ensaio, foi gotejado 26 mlde lubrificante sobre o disco na trilha dedeslizamento do pino, sob temperatura do discode 100 0C, mantida constante durante o ensaio.

Os ensaios foram realizados em duasetapas, uma sob baixa carga (20 N) e baixavelocidade (30 rpm) por 2200 s. A segunda etapafoi de alta carga (aplicada a uma taxa de 2 N/saté atingir o máximo de 800 N) e alta velocidade(190 rpm). O raio da trilha do pino no disco foide 25 mm.

Figura I - Equipamento pino-contra-discoutilizado ensaios de deslizamento.

A figura II mostra um gráfico dascondições de ensaio ao longo do tempo.

Figura II - Condições de carga, velocidade etemperatura ao longo do tempo

utilizadas nos ensaios de desgaste.

Repetiu-se o ensaio em vários pinos como mesmo tipo de tratamento, com três pinos Ngáse a mesma quantidade de pinos Nsal.

Para a análise dos resultados foramobservados o comportamento do coeficiente deatrito médio e foi realizada microscopia ópticadas amostras ensaiadas.

Resultados

A figura III mostra as superfícies dospinos Nsal e Ngas após os ensaios, obtidas pormicroscopia óptica.

Na figura IIIA nota-se material agregado,provavelmente resíduo proveniente do disco. Jána figura IIIB nota-se presença de materialseveramente deformado. Ambas as figurasmostram que houve ocorrência de danosuperficial severo, mais evidenciado na amostraNgas.

NSAL - 100x

NGÁS - 200x

Figura III - Superfície de desgaste dos pinos.A- amostra Nsal, B- amostra Ngas.

A figura IV mostra o comportamento docoeficiente de atrito ao longo do tempo. Ocoeficiente de atrito foi calculado dividindo-se aforça de atrito pela força normal. Esses valoresforam obtidos automaticamente pelo software damáquina.

Na figura IV nota-se que, sob desgastemoderado, o nível do coeficiente de atrito médiofoi ligeiramente maior no ensaio com amostraNgas, comparado ao observado no ensaio compino Nsal. Nota-se também da figura IV que ocomportamento do coeficiente de atrito ao longodo tempo foi similar nos dois ensaios, havendoocorrência de transição do desgaste. Essatransição foi relacionada à ocorrência de umapassagem do regime de desgaste moderado, ondehá baixo atrito e produção de superfícies lisas,para severo, com alto atrito e produção desuperfícies rugosas.

Ainda comparando-se os dois gráficos dafigura IV, nota-se que no ensaio com pino Ngás atransição do desgaste moderado para severoocorreu em tempo menor do que o Nsal, ou seja, aamostra Nsal resistiu mais tempo sob desgastemoderado até a transição para desgaste severo.

A figura V mostra as fotos obtidas pormicroscopia óptica da seção transversal dos pinosensaiados.

Figura IV - Gráficos de carga normal ecoeficiente de atrito em função do tempo

dos ensaios com pino Nsal e Ngás.

NSAL - 500x

NGÁS - 500x

Figura V - Seção transversal dos pinos,próximo às superfícies desgastadas.A- amostra Nsal, B- amostra Ngas.

Nessa figura nota-se a presença deelevada deformação plástica do material próximoà superfície ensaiada na direção do deslizamento.Observa-se que a deformação plástica foi maisacentuada no pino Ngás comparado à deformaçãoobservada no pino Nsal; logo, a camadasuperficial produzida no processo Nsal mostrou-

se mais resistente à deformação plástica.A figura VI apresenta os gráficos do

coeficiente de atrito em função do tempo deensaios que foram interrompidos imediatamenteapós a elevação súbita do coeficiente de atrito.

Figura VI - Gráficos de carga normal ecoeficiente de atrito em função do tempo dos

ensaioscom pino Nsal e Ngás. Ensaiosinterrompidos logo após a transição do

desgaste.

A figura VI mostra um comparativosemelhante aos gráficos da figura IV quanto aonível do coeficiente de atrito médio sob desgastemoderado e tempo até a transição do desgaste,confirmando o menor nível do coeficiente deatrito sob desgaste moderado e a resistência sobregime de desgaste moderado por tempo maiorresultante no ensaio com pino Nsal comparado aoensaio com pino Ngas.

A figura VII mostra as fotos obtidas pormicroscopia óptica da seção transversal dos pinosNsal e Ngas, próximo à superfície de ensaio.Nota-se que o nível de deformação plástica foimenor que o observado na figura III devido aomenor tempo sob condição de desgaste severo.

Na figura VIIA observa-se que ainda hápresença da camada branca produzida nanitretação na superfície de ensaio no pino Nsal, ehá ausência de deformação plástica na região sub-superficial. Já a figura VIIB mostra que o pinoNgas sofreu deformação plástica, e a camadabranca produzida no tratamento superficial foiquase toda removida, o que mostra que a camadaNsal foi mais aderente ao substrato na transiçãodo desgaste.

Coef. Atrito Carga

Coef. Atrito Carga

NSAL - 500x

Camadabranca

NGÁS - 500x

Figura VII - Seção transversal dos pinos,próximo às superfícies desgastadas. A- amostraNsal, B- amostra Ngas. Ensaios interrompidos

logo após a transição do desgaste.

Sumário

Foram realizados ensaios dedeslizamento de pinos de aço carbono SAE 1015nitretados a gás e em banho de sal através de umprocesso denominado comercialmente de ciclocurto, contra discos de aço carbono SAE 8640temperados e revenidos. As superfíciesproduzidas pelos dois tipos de nitretação foramcomparadas quanto ao desgaste e atrito através daanálise dos resultados produzidos nos ensaios.

As condições de deslizamento utilizadasforam consideradas severas, ou seja, poucalubrificação (6 gotas sobre a trilha de ensaio dodisco), alta carga (800 N), alta temperatura (100ºC) e alta velocidade (190 rpm).

O comportamento do coeficiente deatrito médio foi similar nos ensaios com ambos ostipos de pino sendo que todos os ensaiosresultaram em transição do regime de desgastemoderado para severo. A transição do regime dedesgaste foi relacionada à elevação súbita docoeficiente de atrito no ensaio.

No regime de desgaste moderado odeslizamento ocorreu sob baixo atrito comprodução de superfícies lisas; em regime severo, odeslizamento ocorreu sob alto atrito comprodução de superfícies rugosas. Os valores

aproximados do coeficiente de atrito médio foram0,1 para desgaste moderado e 0,4 para desgastesevero.

Notou-se que o nível do coeficiente deatrito médio foi ligeiramente menor nos ensaioscom pinos nitretados em banho de sal durante oregime de desgaste moderado. Além disso, notou-se que a duração dos ensaios sob desgastemoderado até a ocorrência da transição foiligeiramente maior com pinos nitretados embanho de sal. A microscopia óptica revelou quehouve intensa deformação plástica nas amostrasnitretadas a gás, o que não foi observado nasamostras nitretadas em banho de sal. Todas essasobservações seriam indicativas do melhordesempenho de superfícies tratadas por nitretaçãoem banho de sal, comparadas com superfíciesnitretadas a gás, sob as condições de ensaio dedeslizamento utilizadas.

Estão previstos para trabalhos futurosrealizar ensaios adicionais, bem como análisesmicroestruturais e de microdureza das camadas,visando fundamentar essas observações.

Bibliografia

1 Knerr, C.H., Rose, T.C., Filkowski, J.H.; GasNitriding, IN: ASM HANDBOOK, 10 ed.,vol. 04, pag. 387-409.

2 ASM Committee on Liquid Nitriding; LiquidNitriding, IN: ASM HANDBOOK, 10 ed., vol.04, pag. 410-419.