Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

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TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITOS HUMANOS V. 01 N 3

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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direitos Humanos, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

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TAUÃ LIMA VERDAN

RANGEL

COMPÊNDIO DE ENSAIOS

JURÍDICOS: TEMAS DE

DIREITOS HUMANOS

V.

01

N

3

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COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:

TEMAS DE DIREITOS HUMANOS

(V. 01, N. 03)

Capa: Salvador Dalí, A Face da Guerra (1940-1941).

ISBN: 978-1516825516

Editoração, padronização e formatação de texto

Tauã Lima Verdan Rangel

Projeto Gráfico e capa

Tauã Lima Verdan Rangel

Conteúdo, citações e referências bibliográficas

O autor

É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui

apresentados. Reprodução dos textos autorizada

mediante citação da fonte.

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A P R E S E N T A Ç Ã O

Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por

meio de ―doutrinas‖, que constituem o pensamento de

pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em

trabalhar, academicamente, determinados assuntos.

Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo

dogmático. É possível, à luz da tradicional visão

empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual

não se incluem somente as instituições legais, as ordens

legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados

tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das

mencionadas instituições, ordens e decisões,

materializando, comumente, uma ―meta direito‖. No

Direito, a construção do conhecimento advém da

interpretação de leis e as pessoas autorizadas a

interpretar as leis são os juristas.

Contudo, o alvorecer acadêmico que é

presenciado pelos Operadores do Direito, que se

debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a

conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando

as experiências empíricas e o contorno regional como

elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.

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Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento

jurídico como algo dogmático, buscando conferir

molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos

científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios

Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade

interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e

inquietações produzida durante a formação acadêmica do

autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática

de Direitos Humanos, o presente busca trazer para o

debate uma série de assuntos contemporâneos e que

reclamam maiores reflexões.

Boa leitura!

Tauã Lima Verdan Rangel

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5

S U M Á R I O

Os Princípios de Yogyakarta e os Direitos Humanos: uma

análise sobre a construção dos direitos humanos em

relação à orientação sexual e identidade de gênero ........... 06

O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado

como materialização dos Direitos Humanos de

Solidariedade: Explicitação ao art. 225 da Constituição

Federal ................................................................................. 57

O acesso ao saneamento básico alçado à condição de

Direitos Humanos: Um horizonte de novos direitos

sociais ................................................................................... 103

Ponderações à Declaração dos Direitos Sexuais da

Associação Mundial para a Saúde Sexual: breve painel

ao alargamento dos Direitos Humanos .............................. 143

Ponderações à Lei Orgânica de Segurança Alimentar e

Nutricional (Lei nº 11.346/2006): o alargamento do rol

dos Direitos Humanos no Território Nacional ................... 188

Ponderações ao Desenvolvimento como Direito Humano:

o alargamento advindo da Declaração da ONU de 1986 ... 234

Comentários ao reconhecimento do direito à internet

como Direitos Humanos: primeiros apontamentos ............ 277

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6

OS PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA E OS

DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE

SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS EM RELAÇÃO À

ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE

DE GÊNERO

Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,

acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram

azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.

Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de

uma construção paulatina, consistindo em uma

afirmação e consolidação em determinado período

histórico da humanidade. Quadra evidenciar que

sobredita construção não se encontra finalizada, ao

avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos

está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira

substancial, pela difusão das informações propiciada

pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o

florescimento de novos direitos, alargando, com bastante

substância a rubrica dos temas associados aos direitos

humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de

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7

liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda

dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos

bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

introduzidos no constitucionalismo das distintas formas

do Estado social, depois que germinaram por ora de

ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo

teor de humanismo e universalidade, os direitos de

terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século

XX enquanto direitos que não se destinam

especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

especificamente.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. Diversidade

Sexual. Identidade de Gênero.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao

Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2

Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da

Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de

Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de

Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:

Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos

Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira

Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos

Direitos de Solidariedade; 6 Os Princípios de Yogyakarta

e os Direitos Humanos: Uma Análise sobre a Construção

dos Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e

Identidade de Gênero

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8

1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:

PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE

MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA

Em sede de comentários inaugurais, ao se

dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em

debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,

enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço

doutrinário e técnico, assim como as pujantes

ramificações que a integra, reclama uma interpretação

alicerçada nos múltiplos peculiares característicos

modificadores que passaram a influir em sua

estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os

aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que

não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

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9

uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os

valores adotados pela coletividade, tal como os

proeminentes cenários apresentados com a evolução da

sociedade, passam a figurar como elementos que

influenciam a confecção e aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear

como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o

brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e

cristalina a relação de interdependência que esse binômio

mantém‖1. Deste modo, com clareza solar, denota-se que

há uma interação consolidada na mútua dependência, já

que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante

processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus

Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados

de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está

1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 out.

2013.

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10

assentado em assegurar que inexista a difusão da prática

da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer

ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem

valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião

(―Olho por olho, dente por dente‖), bem como para evitar

que se robusteça um cenário caótico no seio da

coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o

cenário pátrio, é possível evidenciar que com a

promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como

maciço axioma de sustentação do Ordenamento

Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos

complexos anseios e múltiplas necessidades que

influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,

há que se citar o voto magistral voto proferido pelo

Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o

direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não

envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à

realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o

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11

seu fascínio, a sua beleza”2. Como bem pontuado, o

fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante

e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente

do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 07 out. 2013.

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princípios em face da legislação‖3. Destarte, a partir de

uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o

ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à

valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,

por conseguinte, o arcabouço normativo passando a

figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e

interpretação do conteúdo das leis.

2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE

MODERNA

Ao ter como substrato de edificação as

ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de

maneira maciça, acerca da evolução dos direitos

humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

direitos humanos decorrem de uma construção

paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação

em determinado período histórico da humanidade. ―A

3 VERDAN, 2009, s.p.

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evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana

também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou

construídos todos de uma vez, mas sim conforme a

própria experiência da vida humana em sociedade‖4,

como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

evidenciar que sobredita construção não se encontra

finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à

conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,

fomentado, de maneira substancial, pela difusão das

informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

os quais permitem o florescimento de novos direitos,

alargando, com bastante substância a rubrica dos temas

associados aos direitos humanos.

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

análise histórica sobre a construção dos direitos

humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio

antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram

difundidos instrumentos que objetivavam a proteção

individual em relação ao Estado. ―O Código de

4 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,

um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,

fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.

Acesso em 07 out. 2013.

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Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação

a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de

Moraes5. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia

Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na

Babilônia) foi a primeira codificação a

relatar os direitos comuns aos homens e a

mencionar leis de proteção aos mais fracos.

O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais

de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

Código de Hamurabi, já fazia constar alguns

Direitos Humanos, tais como o direito à

vida, à família, à honra, à dignidade,

proteção especial aos órfãos e aos mais

fracos. O Código de Hamurabi também

limitava o poder por um monarca absoluto.

Nas disposições finais do Código, fez constar

que aos súditos era proporcionada moradia,

justiça, habitação adequada, segurança

contra os perturbadores, saúde e paz6.

5 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da

Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 6 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

perspectiva social do trabalho. Disponível em:

<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 07 out. 2013, p.

01.

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15

Ainda nesta toada, nas polis gregas,

notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,

também, a edificação e o reconhecimento de direitos

basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a

liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é

observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um

direito natural, superior ao direito positivo, ―pela

distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo

da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela

própria natureza humana‖7, consoante evidenciam

Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos

escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,

exclusivamente, aos cidadãos homens8, cuja acepção, na

visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que

surgem os primeiros resquícios do que passou a ser

chamado Direito Natural, através da ideia de que os

homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à

sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e

7 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 8 MORAES, 2011, p. 06.

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fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

nascessem com vida‖9.

O período medieval, por sua vez, foi

caracterizado pela maciça descentralização política, isto

é, a coexistência de múltiplos centros de poder,

influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas

atividade comercial. Subsiste, neste período, o

esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,

no medievo, estava dividida em três estamentos, quais

sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada

na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à

proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de

trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade

Média, apesar da organização feudal e da rígida

separação de classes, com a consequente relação de

subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos

documentos jurídicos reconheciam a existência dos

9 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história

da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:

<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 07 out. 2013.

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direitos humanos‖10, tendo como traço característico a

limitação do poder estatal.

Neste período, é observável a difusão de

documentos escritos reconhecendo direitos a

determinados estamentos, mormente por meio de forais

ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à

região em que vigiam. Dentre estes documentos, é

possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,

em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões

exercidas pelos barões em razão do aumento de exações

fiscais para financiar a estruturação de campanhas

bélicas, como bem explicita Comparato11. A Carta de

João sem Terra acampou uma série de restrições ao

poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,

proporcionalidade entre a pena e o delito12, devido

10 MORAES, 2011, p. 06. 11 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos

Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

72. 12 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta

(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 01 abr. 2013: ―Um homem livre será punido por um

pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

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processo legal13, acesso à Justiça14, liberdade de

locomoção15 e livre entrada e saída do país16.

Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

outros documentos, com clara feição humanista, foram

crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um

vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e

nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo

juramento de homens honestos do distrito‖. 13 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta

(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 01 abr. 2013: ―Nenhum homem livre será capturado ou

aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da

lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,

nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento

legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 14 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou

retardaremos direito ou justiça‖. 15 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do

nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto

espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e

pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser

tratados como acima dito‖. 16 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,

entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra

como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E

se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão

capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja

sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do

nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra

contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo

no nosso país‖.

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promulgados, dentre os quais é possível mencionar o

Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao

poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a

proibição de detenções arbitrárias17, reafirmando, deste

modo, os princípios estruturadores do devido processo

legal18. Com efeito, o diploma em comento foi

confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o

monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e

liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os

quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,

ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado

com o fortalecimento e afirmação das instituições

parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo

17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos

Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 18 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de

Direito (1.628). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 01 abr. 2013:

―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,

empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou

detido por qualquer das formas acima indicadas‖.

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desmedido passa a ceder diante das imposições

democráticas que floresciam.

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a

liberdade através de um documento escrito que seria

encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,

apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando

solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

considerada como axioma inspirador para maciça parte

dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem

enfoca Comparato19. Enfim, diversos foram os

documentos surgidos no velho continente que trouxeram

o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

marcos de uma transição entre o autoritarismo e o

absolutismo estatal para uma época de reconhecimento

dos direitos humanos fundamentais20.

As treze colônias inglesas, instaladas no

recém-descoberto continente americano, em busca de

liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

19 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 20 MORAES, 2011, p. 08-09.

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social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram

elaborados diversos textos que objetivavam definir os

direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é

possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,

de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer

direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

detentor21, e trouxe certas particularidades como a

liberdade de impressa22, por exemplo. Como bem destaca

Comparato23, a Declaração de Direitos do Bom Povo da

Virgínia afirmava que os seres humanos são livres e

independentes, possuindo direitos inatos, tais como a

vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

segurança, registrando o início do nascimento dos

direitos humanos na história24. ―Basicamente, a

21 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out. 2013: ―Que

todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;

que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em

qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 22 Ibid.: ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da

liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por

governos despóticos‖. 23 COMPARATO, 2003, p. 49. 24 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

Page 22: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

22

Declaração se preocupa com a estrutura de um governo

democrático, com um sistema de limitação de poderes‖25,

como bem anota José Afonso da Silva.

Diferente dos textos ingleses, que, até aquele

momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a

superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a

ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.

Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados

Unidos da América. Inicialmente, o documento não

mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo

menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em

abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da

Federação, desde que constasse, no texto constitucional,

a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out. 2013: ―Que

todos os homens são, por natureza, igualmente livres e

independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando

entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo

privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da

liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

buscar e obter felicidade e segurança‖. 25 SILVA, 2004, p.155.

Page 23: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

23

fundamentais26. Assim, surgiram as primeiras dez

emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

propriedade, segurança, resistência à opressão,

associação política, princípio da legalidade, princípio da

reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio

da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da

livre manifestação do pensamento27.

3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS

DE LIBERDADE

No século XVIII, é verificável a instalação de

um momento de crise no continente europeu, porquanto a

classe burguesa que emergia, com grande poderio

econômico, não participava da vida pública, pois

inexistia, por parte dos governantes, a observância dos

direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,

apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada

26 SILVA, 2004, p.155. 27 MORAES, 2003, p. 28.

Page 24: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

24

mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

meio da tributação, eram obrigados a sustentar os

privilégios das minorias que detinham o poder. Com

efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na

órbita política28. O mesmo ocorria com a população pobre,

que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros

urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios

sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe

sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta

gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas

subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

contenda contra os detentores do poder, protestos e

aclamações públicas tomaram conta da França.

Em meados de 1789, em meio a um cenário

caótico de insatisfação por parte das classes sociais

exploradas, notadamente para manterem os interesses

dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,

que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

28 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.

2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

Page 25: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

25

tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos

Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do

Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque

regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

seu povo, foi tida com abstrata29 e, por isso,

universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa

possuía três características: intelectualismo,

mundialismo e individualismo.

A primeira pressupunha que as garantias de

direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da

população era obra e graça do intelecto humano; a

segunda característica referia-se ao alcance dos direitos

conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o

povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por

derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu

caráter, iminentemente individual, não se preocupando

com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades

associativas ou de reunião. No bojo da declaração,

emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados

29 SILVA, 2004, p. 157.

Page 26: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

26

os corolários e cânones da liberdade30, da igualdade, da

propriedade, da legalidade e as demais garantias

individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em

comento consagrou os princípios fundantes do direito

penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da

legalidade31, da reserva legal32 e anterioridade em

matéria penal, da presunção de inocência33, tal como

liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento34.

30 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 07 out. 2013: ―Art.

2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a

liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 31 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não

prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de

cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos

outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes

limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 32 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por

força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

legalmente aplicada‖. 33 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser

declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor

desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei‖. 34 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,

incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não

perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre

comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos

direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

Page 27: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

27

Os direitos de primeira dimensão

compreendem os direitos de liberdade, tal como os

direitos civis e políticos, estando acampados em sua

rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não

discriminação racial, propriedade privada, privacidade e

sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo

em decorrência de perseguições políticas, bem como as

liberdades de culto, crença, consciência, opinião,

expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,

residência, participação política, diretamente ou por meio

de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos

de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade‖35, aspecto este que

passa a ser característico da dimensão em comento. Com

realce, são direitos de resistência ou de oposição perante

o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele

das relações individuais e sociais.

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta

liberdade nos termos previstos na lei‖. 35 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

Page 28: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

28

4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA

DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO

SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE

IGUALDADE

Com o advento da Revolução Industrial, é

verificável no continente europeu, precipuamente, a

instalação de um cenário pautado na exploração do

proletariado. O contingente de trabalhadores não estava

restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo

crianças, os quais eram expostos a condições

degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase

nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se

que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram

submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,

unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal

absteve-se de se imiscuir na economia e, com o

beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa

explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo

seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e

procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa

essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a

Page 29: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

29

maioria36. A massa de trabalhadores e desempregados

vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os

burgueses ostentavam desmedida opulência.

Na vereda rumo à conquista dos direitos

fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns

textos de grande relevância, os quais combatiam a

exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É

possível citar, em um primeiro momento, como

proeminente documento elaborado durante este período,

a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de

1848, que apresentou uma ampliação em termos de

direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos

humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como

direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a

liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos

desempregados‖37. Posteriormente, em 1917, a

Constituição Mexicana38, refletindo os ideários

decorrentes da consolidação dos direitos de segunda

36 COTRIM, 2010, p. 160. 37 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na

valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,

Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 07 out. 2013. 38 MORAES, 2011, p. 11.

Page 30: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

30

dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais

com maciça tendência social, a exemplo da limitação da

carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos

contratos de trabalho, além de estabelecer a

obrigatoriedade da educação primária básica, bem como

gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.

A Constituição Alemã de Weimar, datada de

1919, trouxe grandes avanços nos direitos

socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao

trabalho, à liberdade de associação, melhores condições

de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social

para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho

e para a proteção à maternidade. Além dos direitos

sociais expressamente insculpidos, a Constituição de

Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à

defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente

―ao instituir que o Império procuraria obter uma

regulamentação internacional da situação jurídica dos

trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe

operária da humanidade, um mínimo de direitos

sociais‖39, tal como estabelecer que os operários e

39 SANTOS, 2003, s.p.

Page 31: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

31

empregados seriam chamados a colaborar com os

patrões, na regulamentação dos salários e das condições

de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças

produtivas.

No campo socialista, destaca-se a Constituição

do Povo Trabalhador e Explorado40, elaborada pela

antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía

ideias revolucionárias e propagandistas, pois não

enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais

como a abolição da propriedade privada, o confisco dos

bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada

pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras

inovações na relação laboral. Dentre as inovações

introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,

magistratura do trabalho, possibilidade de contratos

coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de

retribuição financeira em relação ao trabalho,

remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do

repouso semanal remunerado, previsão de férias após um

ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de

40 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

Page 32: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

32

dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de

previdência, assistência, educação e instrução sociais41.

Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu

da apatia e envolveu-se nas relações de natureza

econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos

fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o

Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem

como fito primordial assegurar aos indivíduos que o

integram as condições materiais tidas por seus

defensores como imprescindíveis para que, desta feita,

possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira

geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de

exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,

mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se

diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente

estatal alheio à vida da sociedade e que, por

consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os

direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra

o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias

remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde

e o bem-estar individual e da família, à educação, à

41 SANTOS, 2003, s.p.

Page 33: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

33

propriedade intelectual, bem como as liberdades de

escolha profissional e de sindicalização.

Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os

direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,

culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou

de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das

distintas formas do Estado social, depois que

germinaram por ora de ideologia e da reflexão

antiliberal‖42. Os direitos alcançados pela rubrica em

comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário

da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos

humanos fundamentais rumo às sendas da História é

paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos

fundamentais apresenta uma ampla capacidade de

incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou

problemas do arbítrio governamental, com as liberdades

públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com

os direitos econômicos e sociais‖43, como bem evidencia

Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

42 BONAVIDES, 2007, p. 564. 43 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.

Page 34: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

34

5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE

SOLIDARIEDADE

Conforme fora visto no tópico anterior, os

direitos humanos originaram-se ao longo da História e

permanecem em constante evolução, haja vista o

surgimento de novos interesses e carências da sociedade.

Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles

Bobbio44, os consideram direitos históricos, sendo

divididos, tradicionalmente, em três gerações ou

dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como

fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem

como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à

saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à

autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do

consumidor, além de outros direitos considerados como

difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e

universalidade, os direitos de terceira geração tendem a

cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que

44 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1997, p. 03.

Page 35: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

35

não se destinam especificamente à proteção dos interesses

de um indivíduo, de um grupo‖45 ou mesmo de um Ente

Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são

considerados como difusos, porquanto não têm titular

individual, sendo que o liame entre os seus vários

titulares decorre de mera circunstância factual. Com o

escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações

vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento

explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

45 BONAVIDES, 2007, p. 569.

Page 36: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

36

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível46.

46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 07 out. 2013.

Page 37: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

37

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos

de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o

que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer

restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-

se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas

ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem

natureza essencialmente transindividual, porquanto não

possuem destinatários especificados, como os de primeira

e segunda geração, abrangendo a coletividade como um

todo‖47. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou

coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,

ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento

estão vinculados a valores de fraternidade ou

solidariedade, sendo traduzidos de um ideal

intergeracional, que liga as gerações presentes às

futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida

destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,

percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a

abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a

valorização destes é de extrema relevância. ―Têm

47 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito

Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

Page 38: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

38

primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num

momento expressivo de sua afirmação como valor

supremo em termos de existencialidade concreta‖48. A

respeito do assunto, Motta e Barchet49 ensinam que os

direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à

degradação das liberdades, à deterioração dos direitos

fundamentais em virtude do uso prejudicial das

modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica

vigente entre as diferentes nações.

6 OS PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA E OS

DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE SOBRE A

CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM

RELAÇÃO À ORIENTAÇÃO SEXUAL E

IDENTIDADE DE GÊNERO

48 BONAVIDES, 2007, p. 569. 49 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens

básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a

deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso

nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e

econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais

realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o

reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a

humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há

como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções

também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira

geração.[...]‖

Page 39: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

39

Neste cenário de profunda valoração do ser

humano, colocando em realce à sua proeminência na

condição de indivíduo e a eterna busca pela felicidade e

realização pessoal, imperioso faz-se dispensar uma

abordagem acerca do aspecto humanístico dos Princípios

de Yogyakarta, responsável por traçar cânones e

preceitos acerca da aplicação da Legislação Internacional

de Direitos Humanos em relação à orientação sexual e

identidade de gênero. Em que pese o diploma em

comento não ter sido resultante de esforços comuns entre

Estados, mas sim decorrente da conjunção de empenhos

entre humanistas, salta aos olhos que a densidade de

direitos sobre qual são edificados os princípios,

notadamente quando se utiliza como filtro de análise a

moldura garantística do Estado Brasileiro, é objeto de

grande destaque. É verificável que os corolários em

comento tratam de um amplo espectro de normas

dotadas de proeminente essência de direitos humanos e

de sua aplicação a questões de orientação sexual e

identidade gênero. O reconhecimento da validade do

diploma em comento já restou assentado pelo Supremo

Page 40: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

40

Tribunal Federal, sendo possível trazer a lume o

seguinte aresto:

Ementa: União Civil entre pessoas do

mesmo sexo - Alta relevância social e

jurídico-constitucional da questão

pertinente às uniões homoafetivas -

Legitimidade Constitucional do

reconhecimento e qualificação da união

estável homoafetiva como entidade familiar:

Posição consagrada na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal (ADPF 132/RJ e

ADI 4.277/DF) – O afeto tem valor jurídico

impregnado de Natureza Constitucional: A

valorização desse novo paradigma como

núcleo conformador do conceito de família –

O direito à busca da felicidade, verdadeiro

postulado constitucional implícito e

expressão de uma ideia-força que deriva do

princípio da essencial dignidade da pessoa

humana – Alguns precedentes do Supremo

Tribunal Federal e da Suprema Corte

Americana sobre o direito fundamental à

busca pela felicidade – Princípios de

Yogyakarta (2006): direito de qualquer

pessoa de constituir família, independente

de sua orientação sexual ou identidade de

gênero – Direito do companheiro, na união

estável homoafetiva, à percepção do

benefício da pensão por morte de seu

parceiro, desde que observados os requisitos

do art. 1.723 do Código Civil – O art. 226,

§3º, da Lei Fundamental constitui típica

norma de inclusão – A função

contramajoritária do Supremo Tribunal

Federal no Estado Democrático de Direito –

A proteção das minorias analisada na

Page 41: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

41

perspectiva de uma concepção material de

democracia constitucional – O dever

constitucional do Estado de impedir (e, até

mesmo, de punir) ―qualquer discriminação

atentatória dos direitos e liberdades

fundamentais‖ (CF, art. 5º, XLI) – A força

normativa dos princípios constitucionais e o

fortalecimento da Jurisdição Constitucional:

elementos que compõem o marco

doutrinário que confere suporte teórico ao

neoconstitucionalismo – Recurso de Agravo

improvido. Ninguém pode ser privado de

seus direitos em razão de sua orientação

sexual. Ninguém, absolutamente ninguém,

pode ser privado de direitos nem sofrer

quaisquer restrições de ordem jurídica por

motivo de sua orientação sexual. Os

homossexuais, por tal razão, têm direito de

receber a igual proteção tanto das leis

quanto do sistema político-jurídico

instituído pela Constituição da República,

mostrando-se arbitrário e inaceitável

qualquer estatuto que puna, que exclua, que

discrimine, que fomente a intolerância, que

estimule o desrespeito e que desiguale as

pessoas em razão de sua orientação sexual.

Reconhecimento e qualificação da união

homoafetiva como entidade família. - O

Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em

valiosa hermenêutica construtiva e

invocando princípios essenciais (como os da

dignidade da pessoa humana, da liberdade,

da autodeterminação, da igualdade, do

pluralismo, da intimidade, da não

discriminação e da busca da felicidade) -

reconhece assistir, a qualquer pessoa, o

direito fundamental à orientação sexual,

havendo proclamado, por isso mesmo, a

plena legitimidade ético-jurídica da união

homoafetiva como entidade familiar,

Page 42: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

42

atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro

estatuto de cidadania, em ordem a permitir

que se extraiam, em favor de parceiros

homossexuais, relevantes consequências no

plano do Direito, notadamente no campo

previdenciário, e, também, na esfera das

relações sociais e familiares. - A extensão,

às uniões homoafetivas, do mesmo regime

jurídico aplicável à união estável entre

pessoas de gênero distinto justifica-se e

legitima-se pela direta incidência, dentre

outros, dos princípios constitucionais da

igualdade, da liberdade, da dignidade, da

segurança jurídica e do postulado

constitucional implícito que consagra o

direito à busca da felicidade, os quais

configuram, numa estrita dimensão que

privilegia o sentido de inclusão decorrente

da própria Constituição da República (art.

1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos

autônomos e suficientes aptos a conferir

suporte legitimador à qualificação das

conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo

como espécie do gênero entidade familiar. -

Toda pessoa tem o direito fundamental de

constituir família, independentemente de

sua orientação sexual ou de identidade de

gênero. A família resultante da união

homoafetiva não pode sofrer discriminação,

cabendo-lhe os mesmos direitos,

prerrogativas, benefícios e obrigações que se

mostrem acessíveis a parceiros de sexo

distinto que integrem uniões heteroafetivas.

[...] (Supremo Tribunal Federal – Segunda

Turma/ RE 477.554 AgR/ Relator Ministro

Celso de Mello/ Julgado em 16.08.2011/

Publicado no DJe-164/ Divulgado em

25.08.2011/ Publicado em 26.08.2011).

(destaque nosso)

Page 43: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

43

A consagração da constituição e

reconhecimento de uniões afetivas por pessoas do mesmo

sexo, a exemplo do aresto apresentado, substancializa a

íntima relação entre o direito à diversidade de gênero e o

direito à orientação sexual como acampado pelo processo

histórico de construção dos direitos humanos. Ora, tal

fato decorre da premissa que as balizas históricas sobre

as quais o processo de construção, renovação e

alargamento dos direitos humanos deu-se vedam à

discriminação associada ao pleno gozo de todos os

direitos humanos civis, culturais, econômicos, políticos e

socais, sendo que o respeito pelos direitos sexuais,

orientação sexual e identidade de gênero é parte

essencial da promoção da igualdade entre homem e

mulher. Desta feita, salta aos olhos, ainda que traços

culturais e tradicionais sejam fomentados à promoção do

preconceito e resistência quanto à liberdade de gênero e o

reconhecimento à constituição de uniões afetivas entre

pessoas do mesmo sexo, incumbe ao Estado adotar

medidas que ambicionem eliminar os preconceitos e

costumes, alicerçados na ideia de inferioridade ou

superioridade de um determinado sexo. De igual modo,

deve-se buscar erradicar os papeis estereotipados de

Page 44: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

44

homens e mulheres, em especial devido ao

reconhecimento do direito dos indivíduos decidirem, de

maneira livre e sem qualquer embaraço, sobre as

questões relacionadas à sua sexualidade, inclusive no

que toca à saúde sexual e reprodutiva, sem que haja

submissão à coerção, discriminação ou violência

institucionalizada ou fomentada pelo Estado.

Ao alinhar o escopo da declaração em comento

a men legis contida na Carta de 1988, salta aos olhos que

todos os indivíduos têm direito à liberdade de gênero e

autodeterminação sexual, devendo, imperiosamente,

receber igual proteção das leis e do sistema político-

jurídico, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer

estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que

fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que

desiguale as pessoas em decorrência de sua orientação

sexual. Os Princípios de Yogyakarta, impregnados pelos

direitos humanos sexuais, consagram o direito à

igualdade e à não discriminação, explicitando que ―todas

as pessoas têm o direito de desfrutar de todos os direitos

humanos livres de discriminação por sua orientação

sexual ou identidade de gênero. Todos e todas têm direito

à igualdade perante à lei e à proteção da lei sem qualquer

Page 45: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

45

discriminação, seja ou não também afetado o gozo de

outro direito humano‖50.

Ora, o ideário em destaque, mais do que

simples propalação retórica, traduz o reconhecimento,

que decorre do quadro das liberdades públicas,

consistentes na premissa que o Estado não pode adotar

medidas nem formular prescrições normativas que

provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a

exclusão jurídica de grupos que constituem a comunhão

nacional, adotando como núcleo sensível do discurso a

intolerância a diversidade de gênero ou a orientação

sexual multifacetada dos indivíduos. Neste aspecto, o

princípio terceiro do documento em análise propugna,

com clareza solar, que ―toda pessoa tem o direito de ser

reconhecida, em qualquer lugar, como pessoa perante a

lei. As pessoas de orientações sexuais e identidades de

gênero diversas devem gozar de capacidade jurídica em

todos os aspectos da vida‖51.

Nesta linha de exposição, ao viabilizar a plena

realização dos valores da liberdade, da igualdade e da

50 PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br>. Acesso 07 set. 2013. 51 Ibid.

Page 46: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

46

não discriminação, os quais afiguram como axiomas

essenciais à configuração de uma sociedade

verdadeiramente democrática, conferindo concreção,

desse modo, ao princípio da igualdade, notadamente

quando assegura o respeito à liberdade pessoal e à

autonomia individual, dispensando primazia à dignidade

da pessoa humana, desvencilhando-se de paradigmas

históricos, culturais e sociais, tal como removendo

obstáculos e barreiras que embaraçavam a busca pela

felicidade e a realização como indivíduo. Neste

sedimento, a República Federativa do Brasil, ao

estruturar a Constituição Cidadã, concedeu,

expressamente, relevo ao princípio da dignidade da

pessoa humana, sendo colocada sob a epígrafe ―dos

princípios fundamentais‖, sendo positivado no inciso III

do artigo 1º. Com avulte, o aludido preceito passou a

gozar de status de pilar estruturante do Estado

Democrático de Direito, tornando como fundamento para

todos os demais direitos.

Nesta trilha, também, há que se enfatizar que

o Estado é responsável pelo desenvolvimento da

convivência humana em uma sociedade norteada por

caracteres pautados na liberdade e solidariedade, cuja

Page 47: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

47

regulamentação fica a encargo de diplomas legais justos,

no qual a população reste devidamente representada, de

maneira adequada, participando e influenciando de modo

ativo na estruturação social e política. Ademais, é

permitida, inda, a convivência de pensamentos opostos e

conflitantes, sendo possível sua expressão de modo

público, sem que subsista qualquer censura ou mesmo

resistência por parte do Ente Estatal. Verifica-se que a

principal incumbência do Estado Democrático de Direito,

em harmonia com o ventilado pelo dogma da dignidade

da pessoa humana, está jungido na promoção de políticas

que visem à eliminação das disparidades sociais e os

desequilíbrios econômicos regionais, o que clama a

perseguição de um ideário de justiça social, ínsito em um

sistema pautado na democratização daqueles que detém

o poder. Ademais, não se pode olvidar que ―não é

permitido admitir, em nenhuma situação, que qualquer

direito viole ou restrinja a dignidade da pessoa

humana‖52, tal ideário decorre da proeminência que

52 RENON, Maria Cristina. O Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana e sua relação com a convivência familiar e o

direito ao afeto. 232f. Dissertação (Mestre em Direito) –

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.

Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br>. Acesso em set. 2013, p.

Page 48: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

48

torna o preceito em comento em patamar intocável e, se

porventura houver conflito com outro valor

constitucional, aquele há sempre que prevalecer.

Frise-se, por carecido, que a dignidade da

pessoa humana, em razão da promulgação da Carta de

1988, passou a se apresentar como fundamento da

República, sendo que todos os sustentáculos descansam

sobre o compromisso de potencializar a dignidade da

pessoa humana, fortalecido, de maneira determinante,

como ponto de confluência do ser humano. Com o intuito

de garantir a existência do indivíduo, insta realçar que a

inviolabilidade de sua vida, tal como de sua dignidade, se

faz proeminente, sob pena de não haver razão para a

existência dos demais direitos. Neste diapasão, cuida

colocar em saliência que a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 consagrou a vida humana

como valor supremo, dispensando-lhe aspecto de

inviolabilidade. Ora, neste quadrante, é possível trazer à

colação o quarto princípio de Yogyakarta que descreve

que ―toda pessoa tem o direito à vida. Ninguém deve ser

arbitrariamente privado da vida, inclusive nas

19.

Page 49: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

49

circunstâncias referidas à orientação sexual ou

identidade de gênero‖ 53.

Evidenciar se faz necessário que o princípio da

dignidade da pessoa humana não é visto como um

direito, já que antecede o próprio Ordenamento Jurídico,

mas sim um atributo inerente a todo ser humano,

destacado de qualquer requisito ou condição, não

encontrando qualquer obstáculo ou ponto limítrofe em

razão da nacionalidade, gênero, etnia, credo ou posição

social. Nesse viés, o aludido bastião se apresenta como o

maciço núcleo em torno do gravitam todos os direitos

alocados sob a epígrafe ―fundamentais‖, que se

encontram agasalhados no artigo 5º da Constituição

Cidadã. Ao se perfilhar à umbilical relação mantida

entre a dignidade da pessoa humana e os direitos

fundamentais, pode-se tanger dois aspectos basais. O

primeiro se apresente como uma ação negativa, ou

passiva, por parte do Ente Estatal, a fim de evitar

agressões ou lesões; já a positiva, ou ativa, está atrelada

ao ―sentido de promover ações concretas que, além de

evitar agressões, criem condições efetivas de vida digna a

53 PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br>. Acesso 07 set. 2013.

Page 50: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

50

todos‖54.

Comparato alça a dignidade da pessoa humana

a um valor supremo, eis que ―se o direito é uma criação

humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o

criou. O que significa que esse fundamento não é outro,

senão o próprio homem, considerando em sua dignidade

substância da pessoa‖55, sendo que as especificações

individuais e grupais são sempre secundárias. A própria

estruturação do Ordenamento Jurídico e a existência do

Estado, conforme as ponderações aventadas, só se

justificam se erguerem como axioma maciço a dignidade

da pessoa humana, dispensando esforços para

concretizarem tal dogma. Mister se faz pontuar que o ser

humano sempre foi dotado de dignidade, todavia, nem

sempre foi (re)conhecida por ele. O mesmo ocorre com o

sucedâneo dos direitos fundamentais do homem que,

preexistem à sua valoração, os descobre e passa a

54 BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana e o Novo Direito Civil. Breves

Reflexões. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano

VII, nº 08, p. 229-267, junho de 2006. Disponível em:

<http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08>. Acesso em 07

set. 2013, p. 236. 55 COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos

humanos. In: Direito Constitucional. José Janguiê Bezerra Diniz

(coordenador). 1 ed. Brasília: Editora Consulex, 1998, p. 176.

Page 51: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

51

dispensar proteção, variando em decorrência do contexto

e da evolução histórico-social e moral que condiciona o

gênero humano. Não se pode perder de vista o corolário

em comento é a síntese substantiva que oferta sentido

axiológico à Constituição da República Federativa do

Brasil de 198856, determinando, conseguintemente, os

parâmetros hermenêuticos de compreensão.

A densidade jurídica do princípio da dignidade

da pessoa humana no sistema constitucional há de ser,

deste modo, máxima, afigurando-se, inclusive, como um

corolário supremo no trono da hierarquia das normas. A

interpretação conferida pelo corolário em comento não é

para ser procedida à margem da realidade. Ao reverso,

alcançar a integralidade da ambição contida no bojo da

dignidade da pessoa humana é elemento da norma, de

modo que interpretações corretas são incompatíveis com

teorização alimentada em idealismo que não as conforme

como fundamento. Atentando-se para o princípio

supramencionado como estandarte, o intérprete deverá

observar para o objeto de compreensão como realidade

em cujo contexto a interpretação se encontra inserta. Ao

56 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 set. 2013.

Page 52: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

52

lado disso, nenhum outro dogma é mais valioso para

assegurar a unidade material da Constituição senão o

corolário em testilha. Como bem salientou Sarlet, ―um

Estado que não reconheça e garanta essa Dignidade não

possui Constituição‖57. Ora, considerando os valores e

ideários por ele abarcados, não se pode perder de vista

que as normas, na visão garantística consagrada no

Ordenamento Brasileiro, reclamam uma interpretação

em conformidade com o preceito em destaque. É possível

salientar, diante do painel pintado, que os Princípios de

Yogyakarta, em um cenário nacional que prima pela

busca da realização do indivíduo considerado em suas

plurais e complexas capacidades configura verdadeiro

marco de construção dos direitos humanos sexuais,

repaginando e desdobrando direitos clássicos

consagrados em concatenação com a contemporaneidade.

REFERÊNCIAS:

ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos

Humanos na perspectiva social do trabalho.

57 SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da pessoa humana e

direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2 ed.

Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2002, p. 83.

Page 53: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

53

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BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. O Princípio

da Dignidade da Pessoa Humana e o Novo Direito Civil.

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54

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica

dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora

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Page 56: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

56

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TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no

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Acesso em 07 out. 2013.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,

Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:

<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 07 out. 2013.

Page 57: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

57

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE

ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

COMO MATERIALIZAÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS DE

SOLIDARIEDADE: EXPLICITAÇÃO AO

ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,

acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram

azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.

Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de

uma construção paulatina, consistindo em uma

afirmação e consolidação em determinado período

histórico da humanidade. Quadra evidenciar que

sobredita construção não se encontra finalizada, ao

avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos

está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira

substancial, pela difusão das informações propiciada

pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o

florescimento de novos direitos, alargando, com bastante

substância a rubrica dos temas associados aos direitos

humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de

Page 58: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

58

liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda

dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos

bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

introduzidos no constitucionalismo das distintas formas

do Estado social, depois que germinaram por ora de

ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo

teor de humanismo e universalidade, os direitos de

terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século

XX enquanto direitos que não se destinam

especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

especificamente.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. Terceira

Dimensão. Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao

Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2

Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da

Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de

Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de

Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:

Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos

Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira

Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos

Direitos de Solidariedade; 6 O Direito ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado como materialização dos

Direitos Humanos de Solidariedade: Explicitação ao Art.

225 da Constituição Federal

Page 59: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

59

1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:

PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE

MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA

Em sede de comentários inaugurais, ao se

dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em

debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,

enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço

doutrinário e técnico, assim como as pujantes

ramificações que a integra, reclama uma interpretação

alicerçada nos múltiplos peculiares característicos

modificadores que passaram a influir em sua

estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os

aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que

não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

Page 60: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

60

uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os

valores adotados pela coletividade, tal como os

proeminentes cenários apresentados com a evolução da

sociedade, passam a figurar como elementos que

influenciam a confecção e aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear

como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o

brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e

cristalina a relação de interdependência que esse binômio

mantém‖58. Deste modo, com clareza solar, denota-se que

há uma interação consolidada na mútua dependência, já

que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante

processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus

Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados

de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está

58 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 26 abr.

2015.

Page 61: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

61

assentado em assegurar que inexista a difusão da prática

da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer

ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem

valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião

(―Olho por olho, dente por dente‖), bem como para evitar

que se robusteça um cenário caótico no seio da

coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o

cenário pátrio, é possível evidenciar que com a

promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como

maciço axioma de sustentação do Ordenamento

Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos

complexos anseios e múltiplas necessidades que

influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,

há que se citar o voto magistral voto proferido pelo

Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o

direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não

envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à

realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o

Page 62: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

62

seu fascínio, a sua beleza”59. Como bem pontuado, o

fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante

e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente

do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 26 abr. 2015.

Page 63: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

63

princípios em face da legislação‖60. Destarte, a partir de

uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o

ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à

valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,

por conseguinte, o arcabouço normativo passando a

figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e

interpretação do conteúdo das leis.

2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE

MODERNA

Ao ter como substrato de edificação as

ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de

maneira maciça, acerca da evolução dos direitos

humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

direitos humanos decorrem de uma construção

paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação

em determinado período histórico da humanidade. ―A

60 VERDAN, 2009, s.p.

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64

evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana

também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou

construídos todos de uma vez, mas sim conforme a

própria experiência da vida humana em sociedade‖61,

como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

evidenciar que sobredita construção não se encontra

finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à

conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,

fomentado, de maneira substancial, pela difusão das

informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

os quais permitem o florescimento de novos direitos,

alargando, com bastante substância a rubrica dos temas

associados aos direitos humanos.

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

análise histórica sobre a construção dos direitos

humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio

antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram

difundidos instrumentos que objetivavam a proteção

individual em relação ao Estado. ―O Código de

61 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,

um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,

fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.

Acesso em 26 abr. 2015.

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65

Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação

a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de

Moraes62. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia

Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na

Babilônia) foi a primeira codificação a

relatar os direitos comuns aos homens e a

mencionar leis de proteção aos mais fracos.

O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais

de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

Código de Hamurabi, já fazia constar alguns

Direitos Humanos, tais como o direito à

vida, à família, à honra, à dignidade,

proteção especial aos órfãos e aos mais

fracos. O Código de Hamurabi também

limitava o poder por um monarca absoluto.

Nas disposições finais do Código, fez constar

que aos súditos era proporcionada moradia,

justiça, habitação adequada, segurança

contra os perturbadores, saúde e paz63.

62 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da

Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 63 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

perspectiva social do trabalho. Disponível em:

<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 26 abr. 2015, p.

01.

Page 66: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

66

Ainda nesta toada, nas polis gregas,

notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,

também, a edificação e o reconhecimento de direitos

basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a

liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é

observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um

direito natural, superior ao direito positivo, ―pela

distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo

da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela

própria natureza humana‖64, consoante evidenciam

Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos

escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,

exclusivamente, aos cidadãos homens65, cuja acepção, na

visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que

surgem os primeiros resquícios do que passou a ser

chamado Direito Natural, através da ideia de que os

homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à

sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e

64 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 65 MORAES, 2011, p. 06.

Page 67: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

67

fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

nascessem com vida‖66.

O período medieval, por sua vez, foi

caracterizado pela maciça descentralização política, isto

é, a coexistência de múltiplos centros de poder,

influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas

atividade comercial. Subsiste, neste período, o

esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,

no medievo, estava dividida em três estamentos, quais

sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada

na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à

proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de

trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade

Média, apesar da organização feudal e da rígida

separação de classes, com a consequente relação de

subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos

documentos jurídicos reconheciam a existência dos

66 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à

história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:

<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 26 abr. 2015.

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68

direitos humanos‖67, tendo como traço característico a

limitação do poder estatal.

Neste período, é observável a difusão de

documentos escritos reconhecendo direitos a

determinados estamentos, mormente por meio de forais

ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à

região em que vigiam. Dentre estes documentos, é

possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,

em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões

exercidas pelos barões em razão do aumento de exações

fiscais para financiar a estruturação de campanhas

bélicas, como bem explicita Comparato68. A Carta de

João sem Terra acampou uma série de restrições ao

poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,

proporcionalidade entre a pena e o delito69, devido

67 MORAES, 2011, p. 06. 68 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos

Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

72. 69 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta

(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 26 abr. 2015: ―Um homem livre será punido por um

pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

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69

processo legal70, acesso à Justiça71, liberdade de

locomoção72 e livre entrada e saída do país73.

Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

outros documentos, com clara feição humanista, foram

crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um

vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e

nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo

juramento de homens honestos do distrito‖. 70 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta

(1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 26 abr. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou

aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da

lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,

nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento

legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 71 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou

retardaremos direito ou justiça‖. 72 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do

nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto

espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e

pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser

tratados como acima dito‖. 73 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,

entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra

como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E

se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão

capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja

sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do

nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra

contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo

no nosso país‖.

Page 70: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

70

promulgados, dentre os quais é possível mencionar o

Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao

poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a

proibição de detenções arbitrárias74, reafirmando, deste

modo, os princípios estruturadores do devido processo

legal75. Com efeito, o diploma em comento foi

confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o

monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e

liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os

quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,

ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado

com o fortalecimento e afirmação das instituições

parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo

74 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos

Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 75 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de

Direito (1.628). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr. 2015:

―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,

empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou

detido por qualquer das formas acima indicadas‖.

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71

desmedido passa a ceder diante das imposições

democráticas que floresciam.

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a

liberdade através de um documento escrito que seria

encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,

apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando

solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

considerada como axioma inspirador para maciça parte

dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem

enfoca Comparato76. Enfim, diversos foram os

documentos surgidos no velho continente que trouxeram

o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

marcos de uma transição entre o autoritarismo e o

absolutismo estatal para uma época de reconhecimento

dos direitos humanos fundamentais77.

As treze colônias inglesas, instaladas no

recém-descoberto continente americano, em busca de

liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

76 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 77 MORAES, 2011, p. 08-09.

Page 72: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

72

social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram

elaborados diversos textos que objetivavam definir os

direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é

possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,

de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer

direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

detentor78, e trouxe certas particularidades como a

liberdade de impressa79, por exemplo. Como bem destaca

Comparato80, a Declaração de Direitos do Bom Povo da

Virgínia afirmava que os seres humanos são livres e

independentes, possuindo direitos inatos, tais como a

vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

segurança, registrando o início do nascimento dos

direitos humanos na história81. ―Basicamente, a

78 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr. 2015: ―Que

todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;

que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em

qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 79 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da

liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por

governos despóticos‖. 80 COMPARATO, 2003, p. 49. 81 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

Page 73: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

73

Declaração se preocupa com a estrutura de um governo

democrático, com um sistema de limitação de poderes‖82,

como bem anota José Afonso da Silva.

Diferente dos textos ingleses, que, até aquele

momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a

superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a

ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.

Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados

Unidos da América. Inicialmente, o documento não

mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo

menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em

abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da

Federação, desde que constasse, no texto constitucional,

a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr. 2015: ―Que

todos os homens são, por natureza, igualmente livres e

independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando

entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo

privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da

liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

buscar e obter felicidade e segurança‖. 82 SILVA, 2004, p.155.

Page 74: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

74

fundamentais83. Assim, surgiram as primeiras dez

emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

propriedade, segurança, resistência à opressão,

associação política, princípio da legalidade, princípio da

reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio

da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da

livre manifestação do pensamento84.

3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS

DE LIBERDADE

No século XVIII, é verificável a instalação de

um momento de crise no continente europeu, porquanto a

classe burguesa que emergia, com grande poderio

econômico, não participava da vida pública, pois

inexistia, por parte dos governantes, a observância dos

direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,

apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada

83 SILVA, 2004, p.155. 84 MORAES, 2003, p. 28.

Page 75: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

75

mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

meio da tributação, eram obrigados a sustentar os

privilégios das minorias que detinham o poder. Com

efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na

órbita política85. O mesmo ocorria com a população pobre,

que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros

urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios

sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe

sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta

gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas

subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

contenda contra os detentores do poder, protestos e

aclamações públicas tomaram conta da França.

Em meados de 1789, em meio a um cenário

caótico de insatisfação por parte das classes sociais

exploradas, notadamente para manterem os interesses

dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,

que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

85 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.

2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

Page 76: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

76

tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos

Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do

Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque

regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

seu povo, foi tida com abstrata86 e, por isso,

universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa

possuía três características: intelectualismo,

mundialismo e individualismo.

A primeira pressupunha que as garantias de

direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da

população era obra e graça do intelecto humano; a

segunda característica referia-se ao alcance dos direitos

conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o

povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por

derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu

caráter, iminentemente individual, não se preocupando

com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades

associativas ou de reunião. No bojo da declaração,

emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados

86 SILVA, 2004, p. 157.

Page 77: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

77

os corolários e cânones da liberdade87, da igualdade, da

propriedade, da legalidade e as demais garantias

individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em

comento consagrou os princípios fundantes do direito

penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da

legalidade88, da reserva legal89 e anterioridade em

matéria penal, da presunção de inocência90, tal como

liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento91.

87 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 26 abr. 2015: ―Art.

2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a

liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 88 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não

prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de

cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos

outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes

limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 89 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por

força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

legalmente aplicada‖. 90 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser

declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor

desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei‖. 91 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,

incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não

perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre

comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos

direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

Page 78: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

78

Os direitos de primeira dimensão

compreendem os direitos de liberdade, tal como os

direitos civis e políticos, estando acampados em sua

rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não

discriminação racial, propriedade privada, privacidade e

sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo

em decorrência de perseguições políticas, bem como as

liberdades de culto, crença, consciência, opinião,

expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,

residência, participação política, diretamente ou por meio

de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos

de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade‖92, aspecto este que

passa a ser característico da dimensão em comento. Com

realce, são direitos de resistência ou de oposição perante

o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele

das relações individuais e sociais.

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta

liberdade nos termos previstos na lei‖. 92 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

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79

4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA

DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO

SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE

IGUALDADE

Com o advento da Revolução Industrial, é

verificável no continente europeu, precipuamente, a

instalação de um cenário pautado na exploração do

proletariado. O contingente de trabalhadores não estava

restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo

crianças, os quais eram expostos a condições

degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase

nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se

que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram

submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,

unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal

absteve-se de se imiscuir na economia e, com o

beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa

explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo

seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e

procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa

essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a

Page 80: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

80

maioria93. A massa de trabalhadores e desempregados

vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os

burgueses ostentavam desmedida opulência.

Na vereda rumo à conquista dos direitos

fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns

textos de grande relevância, os quais combatiam a

exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É

possível citar, em um primeiro momento, como

proeminente documento elaborado durante este período,

a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de

1848, que apresentou uma ampliação em termos de

direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos

humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como

direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a

liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos

desempregados‖94. Posteriormente, em 1917, a

Constituição Mexicana95, refletindo os ideários

decorrentes da consolidação dos direitos de segunda

93 COTRIM, 2010, p. 160. 94 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na

valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,

Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 26 abr. 2015. 95 MORAES, 2011, p. 11.

Page 81: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

81

dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais

com maciça tendência social, a exemplo da limitação da

carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos

contratos de trabalho, além de estabelecer a

obrigatoriedade da educação primária básica, bem como

gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.

A Constituição Alemã de Weimar, datada de

1919, trouxe grandes avanços nos direitos

socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao

trabalho, à liberdade de associação, melhores condições

de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social

para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho

e para a proteção à maternidade. Além dos direitos

sociais expressamente insculpidos, a Constituição de

Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à

defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente

―ao instituir que o Império procuraria obter uma

regulamentação internacional da situação jurídica dos

trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe

operária da humanidade, um mínimo de direitos

sociais‖96, tal como estabelecer que os operários e

96 SANTOS, 2003, s.p.

Page 82: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

82

empregados seriam chamados a colaborar com os

patrões, na regulamentação dos salários e das condições

de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças

produtivas.

No campo socialista, destaca-se a Constituição

do Povo Trabalhador e Explorado97, elaborada pela

antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía

ideias revolucionárias e propagandistas, pois não

enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais

como a abolição da propriedade privada, o confisco dos

bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada

pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras

inovações na relação laboral. Dentre as inovações

introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,

magistratura do trabalho, possibilidade de contratos

coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de

retribuição financeira em relação ao trabalho,

remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do

repouso semanal remunerado, previsão de férias após um

ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de

97 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

Page 83: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

83

dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de

previdência, assistência, educação e instrução sociais98.

Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu

da apatia e envolveu-se nas relações de natureza

econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos

fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o

Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem

como fito primordial assegurar aos indivíduos que o

integram as condições materiais tidas por seus

defensores como imprescindíveis para que, desta feita,

possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira

geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de

exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,

mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se

diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente

estatal alheio à vida da sociedade e que, por

consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os

direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra

o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias

remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde

e o bem-estar individual e da família, à educação, à

98 SANTOS, 2003, s.p.

Page 84: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

84

propriedade intelectual, bem como as liberdades de

escolha profissional e de sindicalização.

Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os

direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,

culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou

de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das

distintas formas do Estado social, depois que

germinaram por ora de ideologia e da reflexão

antiliberal‖99. Os direitos alcançados pela rubrica em

comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário

da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos

humanos fundamentais rumo às sendas da História é

paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos

fundamentais apresenta uma ampla capacidade de

incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou

problemas do arbítrio governamental, com as liberdades

públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com

os direitos econômicos e sociais‖100, como bem evidencia

Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

99 BONAVIDES, 2007, p. 564. 100 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.

Page 85: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

85

5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE

SOLIDARIEDADE

Conforme fora visto no tópico anterior, os

direitos humanos originaram-se ao longo da História e

permanecem em constante evolução, haja vista o

surgimento de novos interesses e carências da sociedade.

Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles

Bobbio101, os consideram direitos históricos, sendo

divididos, tradicionalmente, em três gerações ou

dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como

fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem

como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à

saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à

autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do

consumidor, além de outros direitos considerados como

difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e

universalidade, os direitos de terceira geração tendem a

cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que

101 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1997, p. 03.

Page 86: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

86

não se destinam especificamente à proteção dos interesses

de um indivíduo, de um grupo‖102 ou mesmo de um Ente

Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são

considerados como difusos, porquanto não têm titular

individual, sendo que o liame entre os seus vários

titulares decorre de mera circunstância factual. Com o

escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações

vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento

explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

102 BONAVIDES, 2007, p. 569.

Page 87: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

87

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível103.

103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 abr. 2015.

Page 88: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

88

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos

de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o

que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer

restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-

se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas

ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem

natureza essencialmente transindividual, porquanto não

possuem destinatários especificados, como os de primeira

e segunda geração, abrangendo a coletividade como um

todo‖104. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou

coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,

ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento

estão vinculados a valores de fraternidade ou

solidariedade, sendo traduzidos de um ideal

intergeracional, que liga as gerações presentes às

futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida

destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,

percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a

abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a

valorização destes é de extrema relevância. ―Têm

104 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito

Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

Page 89: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

89

primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num

momento expressivo de sua afirmação como valor

supremo em termos de existencialidade concreta‖105. A

respeito do assunto, Motta e Barchet106 ensinam que os

direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à

degradação das liberdades, à deterioração dos direitos

fundamentais em virtude do uso prejudicial das

modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica

vigente entre as diferentes nações.

6 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE

ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO

MATERIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

DE SOLIDARIEDADE: EXPLICITAÇÃO AO ART.

225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

105 BONAVIDES, 2007, p. 569. 106 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens

básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a

deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso

nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e

econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais

realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o

reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a

humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há

como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções

também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira

geração.[...]‖

Page 90: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

90

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981107,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-

ambiente como ―a interação do conjunto de elementos

naturais, artificiais e culturais que propiciem o

107 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 abr. 2015.

Page 91: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

91

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas‖108.

Fiorillo109, ao tecer comentários acerca da

acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque

que tal tema se assenta em um ideário jurídico

indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis,

promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é

possível colocar em evidência que o meio ambiente

encontra íntima e umbilical relação com os componentes

que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível

relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao

apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°.

4.029/AM, salientou que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

108 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 20. 109 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 92: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

92

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal110.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

110 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 26 abr.

2015.

Page 93: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

93

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. ―Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente‖111.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal112 está abalizado em quatro

pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto,

dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura

o substrato de edificação da ramificação ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

111 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 112 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 abr. 2015: ―Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações‖.

Page 94: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

94

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar

a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ,

destacou, com bastante pertinência, que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

Page 95: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

95

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade113.

O termo ―todos‖, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

113 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 abr. 2015.

Page 96: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

96

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

Page 97: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

97

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

Page 98: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

98

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

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Page 99: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

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Page 103: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

103

O ACESSO AO SANEAMENTO BÁSICO

ALÇADO À CONDIÇÃO DE DIREITOS

HUMANOS: UM HORIZONTE DE NOVOS

DIREITOS SOCIAIS

Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,

acerca da evolução dos direitos humanos, os quais

deram azo ao manancial de direitos e garantias

fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos

humanos decorrem de uma construção paulatina,

consistindo em uma afirmação e consolidação em

determinado período histórico da humanidade.

Quadra evidenciar que sobredita construção não se

encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva

rumo à conquista de direitos está em pleno

desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial,

pela difusão das informações propiciada pelos atuais

meios de tecnologia, os quais permitem o

florescimento de novos direitos, alargando, com

bastante substância a rubrica dos temas associados

aos direitos humanos. Os direitos de primeira geração

ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo,

Page 104: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

104

são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades

ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade. Os

direitos de segunda dimensão são os direitos sociais,

culturais e econômicos bem como os direitos coletivos

ou de coletividades, introduzidos no

constitucionalismo das distintas formas do Estado

social, depois que germinaram por ora de ideologia e

da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo teor de

humanismo e universalidade, os direitos de terceira

geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX

enquanto direitos que não se destinam

especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

especificamente.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. Acesso a

Saneamento Ambiental. Novos Horizontes. Direitos

Sociais.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações

ao Característico de Mutabilidade da Ciência

Jurídica; 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve

Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna; 3

Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A

Consolidação dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos

Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais

como substrato de edificação dos Direitos de

Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira Dimensão:

A valoração dos aspectos transindividuais dos Direitos

de Solidariedade; 6 O Acesso ao Saneamento Básico

alçado à condição de Direitos Humanos: Um

Horizonte de Novos Direitos Sociais

Page 105: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

105

1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:

PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE

MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA

Em sede de comentários inaugurais, ao se

dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em

debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,

enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço

doutrinário e técnico, assim como as pujantes

ramificações que a integra, reclama uma interpretação

alicerçada nos múltiplos peculiares característicos

modificadores que passaram a influir em sua

estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os

aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que

não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

Page 106: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

106

uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os

valores adotados pela coletividade, tal como os

proeminentes cenários apresentados com a evolução da

sociedade, passam a figurar como elementos que

influenciam a confecção e aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear

como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o

brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e

cristalina a relação de interdependência que esse binômio

mantém‖114. Deste modo, com clareza solar, denota-se

que há uma interação consolidada na mútua

dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas

no constante processo de evolução da sociedade, com o

fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não

fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total

descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua

vez, apresenta estrutural dependência das regras

consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo

114 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 jan.

2015.

Page 107: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

107

fundamental está assentado em assegurar que inexista a

difusão da prática da vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas

quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da

Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem

como para evitar que se robusteça um cenário caótico no

seio da coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o

cenário pátrio, é possível evidenciar que com a

promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como

maciço axioma de sustentação do Ordenamento

Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos

complexos anseios e múltiplas necessidades que

influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,

há que se citar o voto magistral voto proferido pelo

Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o

direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não

envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à

realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o

Page 108: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

108

seu fascínio, a sua beleza”115. Como bem pontuado, o

fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante

e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente

do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 16 jan. 2015.

Page 109: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

109

princípios em face da legislação‖116. Destarte, a partir de

uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o

ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à

valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,

por conseguinte, o arcabouço normativo passando a

figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e

interpretação do conteúdo das leis.

2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE

MODERNA

Ao ter como substrato de edificação as

ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de

maneira maciça, acerca da evolução dos direitos

humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

direitos humanos decorrem de uma construção

paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação

em determinado período histórico da humanidade. ―A

116 VERDAN, 2009, s.p.

Page 110: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

110

evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana

também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou

construídos todos de uma vez, mas sim conforme a

própria experiência da vida humana em sociedade‖117,

como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

evidenciar que sobredita construção não se encontra

finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à

conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,

fomentado, de maneira substancial, pela difusão das

informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

os quais permitem o florescimento de novos direitos,

alargando, com bastante substância a rubrica dos temas

associados aos direitos humanos.

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

análise histórica sobre a construção dos direitos

humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio

antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram

difundidos instrumentos que objetivavam a proteção

individual em relação ao Estado. ―O Código de

117 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,

um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,

fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.

Acesso em 16 jan. 2015.

Page 111: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

111

Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação

a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de

Moraes118. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia

Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na

Babilônia) foi a primeira codificação a

relatar os direitos comuns aos homens e a

mencionar leis de proteção aos mais fracos.

O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais

de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

Código de Hamurabi, já fazia constar alguns

Direitos Humanos, tais como o direito à

vida, à família, à honra, à dignidade,

proteção especial aos órfãos e aos mais

fracos. O Código de Hamurabi também

limitava o poder por um monarca absoluto.

Nas disposições finais do Código, fez constar

que aos súditos era proporcionada moradia,

justiça, habitação adequada, segurança

contra os perturbadores, saúde e paz119.

118 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da

Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 119 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

perspectiva social do trabalho. Disponível em:

<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 16 jan. 2015, p.

01.

Page 112: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

112

Ainda nesta toada, nas polis gregas,

notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,

também, a edificação e o reconhecimento de direitos

basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a

liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é

observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um

direito natural, superior ao direito positivo, ―pela

distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo

da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela

própria natureza humana‖120, consoante evidenciam

Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos

escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,

exclusivamente, aos cidadãos homens121, cuja acepção, na

visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que

surgem os primeiros resquícios do que passou a ser

chamado Direito Natural, através da ideia de que os

homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à

sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e

120 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 121 MORAES, 2011, p. 06.

Page 113: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

113

fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

nascessem com vida‖122.

O período medieval, por sua vez, foi

caracterizado pela maciça descentralização política, isto

é, a coexistência de múltiplos centros de poder,

influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas

atividade comercial. Subsiste, neste período, o

esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,

no medievo, estava dividida em três estamentos, quais

sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada

na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à

proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de

trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade

Média, apesar da organização feudal e da rígida

separação de classes, com a consequente relação de

subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos

documentos jurídicos reconheciam a existência dos

122 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à

história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:

<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 16 jan. 2015.

Page 114: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

114

direitos humanos‖123, tendo como traço característico a

limitação do poder estatal.

Neste período, é observável a difusão de

documentos escritos reconhecendo direitos a

determinados estamentos, mormente por meio de forais

ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à

região em que vigiam. Dentre estes documentos, é

possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,

em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões

exercidas pelos barões em razão do aumento de exações

fiscais para financiar a estruturação de campanhas

bélicas, como bem explicita Comparato124. A Carta de

João sem Terra acampou uma série de restrições ao

poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,

proporcionalidade entre a pena e o delito125, devido

123 MORAES, 2011, p. 06. 124 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos

Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

72. 125 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 16 jan. 2015: ―Um homem livre será punido por um

pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

Page 115: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

115

processo legal126, acesso à Justiça127, liberdade de

locomoção128 e livre entrada e saída do país129.

Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

outros documentos, com clara feição humanista, foram

crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um

vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e

nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo

juramento de homens honestos do distrito‖. 126 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 16 jan. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou

aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da

lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,

nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento

legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 127 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou

retardaremos direito ou justiça‖. 128 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do

nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto

espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e

pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser

tratados como acima dito‖. 129 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,

entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra

como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E

se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão

capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja

sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do

nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra

contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo

no nosso país‖.

Page 116: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

116

promulgados, dentre os quais é possível mencionar o

Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao

poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a

proibição de detenções arbitrárias130, reafirmando, deste

modo, os princípios estruturadores do devido processo

legal131. Com efeito, o diploma em comento foi

confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o

monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e

liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os

quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,

ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado

com o fortalecimento e afirmação das instituições

parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo

130 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos

Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 131 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de

Direito (1.628). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan. 2015:

―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,

empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou

detido por qualquer das formas acima indicadas‖.

Page 117: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

117

desmedido passa a ceder diante das imposições

democráticas que floresciam.

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a

liberdade através de um documento escrito que seria

encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,

apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando

solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

considerada como axioma inspirador para maciça parte

dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem

enfoca Comparato132. Enfim, diversos foram os

documentos surgidos no velho continente que trouxeram

o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

marcos de uma transição entre o autoritarismo e o

absolutismo estatal para uma época de reconhecimento

dos direitos humanos fundamentais133.

As treze colônias inglesas, instaladas no

recém-descoberto continente americano, em busca de

liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

132 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 133 MORAES, 2011, p. 08-09.

Page 118: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

118

social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram

elaborados diversos textos que objetivavam definir os

direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é

possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,

de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer

direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

detentor134, e trouxe certas particularidades como a

liberdade de impressa135, por exemplo. Como bem

destaca Comparato136, a Declaração de Direitos do Bom

Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são

livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais

como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

segurança, registrando o início do nascimento dos

direitos humanos na história137. ―Basicamente, a

134 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan. 2015: ―Que

todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;

que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em

qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 135 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes

da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por

governos despóticos‖. 136 COMPARATO, 2003, p. 49. 137 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

Page 119: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

119

Declaração se preocupa com a estrutura de um governo

democrático, com um sistema de limitação de poderes‖138,

como bem anota José Afonso da Silva.

Diferente dos textos ingleses, que, até aquele

momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a

superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a

ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.

Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados

Unidos da América. Inicialmente, o documento não

mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo

menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em

abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da

Federação, desde que constasse, no texto constitucional,

a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan. 2015: ―Que

todos os homens são, por natureza, igualmente livres e

independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando

entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo

privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da

liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

buscar e obter felicidade e segurança‖. 138 SILVA, 2004, p.155.

Page 120: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

120

fundamentais139. Assim, surgiram as primeiras dez

emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

propriedade, segurança, resistência à opressão,

associação política, princípio da legalidade, princípio da

reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio

da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da

livre manifestação do pensamento140.

3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS

DE LIBERDADE

No século XVIII, é verificável a instalação de

um momento de crise no continente europeu, porquanto a

classe burguesa que emergia, com grande poderio

econômico, não participava da vida pública, pois

inexistia, por parte dos governantes, a observância dos

direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,

apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada

139 SILVA, 2004, p.155. 140 MORAES, 2003, p. 28.

Page 121: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

121

mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

meio da tributação, eram obrigados a sustentar os

privilégios das minorias que detinham o poder. Com

efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na

órbita política141. O mesmo ocorria com a população

pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos

centros urbanos, explorada em fábricas, morava em

subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco

que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que

esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas

subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

contenda contra os detentores do poder, protestos e

aclamações públicas tomaram conta da França.

Em meados de 1789, em meio a um cenário

caótico de insatisfação por parte das classes sociais

exploradas, notadamente para manterem os interesses

dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,

que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

141 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.

2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

Page 122: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

122

tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos

Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do

Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque

regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

seu povo, foi tida com abstrata142 e, por isso,

universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa

possuía três características: intelectualismo,

mundialismo e individualismo.

A primeira pressupunha que as garantias de

direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da

população era obra e graça do intelecto humano; a

segunda característica referia-se ao alcance dos direitos

conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o

povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por

derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu

caráter, iminentemente individual, não se preocupando

com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades

associativas ou de reunião. No bojo da declaração,

emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados

142 SILVA, 2004, p. 157.

Page 123: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

123

os corolários e cânones da liberdade143, da igualdade, da

propriedade, da legalidade e as demais garantias

individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em

comento consagrou os princípios fundantes do direito

penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da

legalidade144, da reserva legal145 e anterioridade em

matéria penal, da presunção de inocência146, tal como

liberdade religiosa e livre manifestação de

pensamento147.

143 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 16 jan. 2015: ―Art.

2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a

liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 144 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não

prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de

cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos

outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes

limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 145 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por

força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

legalmente aplicada‖. 146 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser

declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor

desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei‖. 147 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,

incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não

perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre

comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos

Page 124: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

124

Os direitos de primeira dimensão

compreendem os direitos de liberdade, tal como os

direitos civis e políticos, estando acampados em sua

rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não

discriminação racial, propriedade privada, privacidade e

sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo

em decorrência de perseguições políticas, bem como as

liberdades de culto, crença, consciência, opinião,

expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,

residência, participação política, diretamente ou por meio

de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos

de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade‖148, aspecto este que

passa a ser característico da dimensão em comento. Com

realce, são direitos de resistência ou de oposição perante

o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele

das relações individuais e sociais.

direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta

liberdade nos termos previstos na lei‖. 148 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

Page 125: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

125

4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA

DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO

SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE

IGUALDADE

Com o advento da Revolução Industrial, é

verificável no continente europeu, precipuamente, a

instalação de um cenário pautado na exploração do

proletariado. O contingente de trabalhadores não estava

restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo

crianças, os quais eram expostos a condições

degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase

nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se

que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram

submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,

unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal

absteve-se de se imiscuir na economia e, com o

beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa

explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo

seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e

procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa

essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a

Page 126: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

126

maioria149. A massa de trabalhadores e desempregados

vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os

burgueses ostentavam desmedida opulência.

Na vereda rumo à conquista dos direitos

fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns

textos de grande relevância, os quais combatiam a

exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É

possível citar, em um primeiro momento, como

proeminente documento elaborado durante este período,

a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de

1848, que apresentou uma ampliação em termos de

direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos

humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como

direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a

liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos

desempregados‖150. Posteriormente, em 1917, a

Constituição Mexicana151, refletindo os ideários

decorrentes da consolidação dos direitos de segunda

149 COTRIM, 2010, p. 160. 150 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na

valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,

Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 16 jan. 2015. 151 MORAES, 2011, p. 11.

Page 127: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

127

dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais

com maciça tendência social, a exemplo da limitação da

carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos

contratos de trabalho, além de estabelecer a

obrigatoriedade da educação primária básica, bem como

gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.

A Constituição Alemã de Weimar, datada de

1919, trouxe grandes avanços nos direitos

socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao

trabalho, à liberdade de associação, melhores condições

de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social

para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho

e para a proteção à maternidade. Além dos direitos

sociais expressamente insculpidos, a Constituição de

Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à

defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente

―ao instituir que o Império procuraria obter uma

regulamentação internacional da situação jurídica dos

trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe

operária da humanidade, um mínimo de direitos

sociais‖152, tal como estabelecer que os operários e

152 SANTOS, 2003, s.p.

Page 128: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

128

empregados seriam chamados a colaborar com os

patrões, na regulamentação dos salários e das condições

de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças

produtivas.

No campo socialista, destaca-se a Constituição

do Povo Trabalhador e Explorado153, elaborada pela

antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía

ideias revolucionárias e propagandistas, pois não

enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais

como a abolição da propriedade privada, o confisco dos

bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada

pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras

inovações na relação laboral. Dentre as inovações

introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,

magistratura do trabalho, possibilidade de contratos

coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de

retribuição financeira em relação ao trabalho,

remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do

repouso semanal remunerado, previsão de férias após um

ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de

153 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

Page 129: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

129

dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de

previdência, assistência, educação e instrução sociais154.

Nota-se, dessa maneira, que, aos poucos, o

Estado saiu da apatia e envolveu-se nas relações de

natureza econômica, a fim de garantir a efetivação dos

direitos fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim,

o Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja,

tem como fito primordial assegurar aos indivíduos que o

integram as condições materiais tidas por seus

defensores como imprescindíveis para que, desta feita,

possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira

geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de

exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,

mediante critérios de justiça distributiva. Ao lado do

exposto, opondo-se diretamente a posição de Estado

liberal, isto é, o ente estatal alheio à vida da sociedade e

que, por consequência, não intervinha na sociedade.

Incluem os direitos a segurança social, ao trabalho e

proteção contra o desemprego, ao repouso e ao lazer,

incluindo férias remuneradas, a um padrão de vida que

assegure a saúde e o bem-estar individual e da família, à

154 SANTOS, 2003, s.p.

Page 130: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

130

educação, à propriedade intelectual, bem como as

liberdades de escolha profissional e de sindicalização.

Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os

direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,

culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou

de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das

distintas formas do Estado social, depois que

germinaram por ora de ideologia e da reflexão

antiliberal‖155. Os direitos alcançados pela rubrica em

comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário

da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos

humanos fundamentais rumo às sendas da História é

paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos

fundamentais apresenta uma ampla capacidade de

incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou

problemas do arbítrio governamental, com as liberdades

públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com

os direitos econômicos e sociais‖156, como bem evidencia

Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

155 BONAVIDES, 2007, p. 564. 156 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.

Page 131: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

131

5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE

SOLIDARIEDADE

Conforme fora visto no tópico anterior, os

direitos humanos originaram-se ao longo da História e

permanecem em constante evolução, haja vista o

surgimento de novos interesses e carências da sociedade.

Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles

Bobbio157, os consideram direitos históricos, sendo

divididos, tradicionalmente, em três gerações ou

dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como

fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem

como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à

saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à

autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do

consumidor, além de outros direitos considerados como

difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e

universalidade, os direitos de terceira geração tendem a

cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que

157 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1997, p. 03.

Page 132: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

132

não se destinam especificamente à proteção dos interesses

de um indivíduo, de um grupo‖158 ou mesmo de um Ente

Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são

considerados como difusos, porquanto não têm titular

individual, sendo que o liame entre os seus vários

titulares decorre de mera circunstância factual. Com o

escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações

vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento

explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

158 BONAVIDES, 2007, p. 569.

Page 133: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

133

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível159.

159 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.

Page 134: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

134

Nesta feita, importa acrescentar que os

direitos de terceira dimensão possuem caráter

transindividual, o que os faz abranger a toda a

coletividade, sem quaisquer restrições a grupos

específicos. Neste sentido, pautaram-se Motta e Motta e

Barchet, ao afirmarem, em suas ponderações, que ―os

direitos de terceira geração possuem natureza

essencialmente transindividual, porquanto não possuem

destinatários especificados, como os de primeira e

segunda geração, abrangendo a coletividade como um

todo‖160. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou

coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,

ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento

estão vinculados a valores de fraternidade ou

solidariedade, sendo traduzidos de um ideal

intergeracional, que liga as gerações presentes às

futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida

destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,

percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a

abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a

160 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito

Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

Page 135: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

135

valorização destes é de extrema relevância. ―Têm

primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num

momento expressivo de sua afirmação como valor

supremo em termos de existencialidade concreta‖161. A

respeito do assunto, Motta e Barchet162 ensinam que os

direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à

degradação das liberdades, à deterioração dos direitos

fundamentais em virtude do uso prejudicial das

modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica

vigente entre as diferentes nações.

6 O ACESSO AO SANEAMENTO BÁSICO ALÇADO

À CONDIÇÃO DE DIREITOS HUMANOS: UM

HORIZONTE DE NOVOS DIREITOS SOCIAIS

161 BONAVIDES, 2007, p. 569. 162 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens

básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a

deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso

nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e

econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais

realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o

reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a

humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há

como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções

também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira

geração.[...]‖

Page 136: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

136

É fato que o estabelecimento de uma legislação

nacional de resíduos sólidos encontra arrimo na premissa

alargada propiciada pelo princípio constitucional do meio

ambiente ecologicamente equilibrado, o qual incide,

inclusive, em sua materialização artificial, ou seja, no

ambiente humanamente edificado e modificado. Nesta

linha, a gestão dos resíduos sólidos, assim como dos

rejeitos passa a ter subsistema próprio que

imprescindivelmente reclama interpretação em face do

direito ao saneamento básico como garantia de bem-

estar assegurado aos habitantes das cidades, consagrado

expressamente na Constituição Federal163. De outro

ângulo, a legislação de regência dos resíduos sólidos

deve ser estruturada em uma política concreta de

desenvolvimento urbano por parte dos municípios,

buscando a promoção da dignidade da população urbana.

Consoante magistério apresentado por Celso Fiorillo,

―assim, as regras jurídicas que se aplicam aos resíduos

sólidos continuaram a ter gênese constitucional em face

163 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.

Page 137: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

137

da tutela jurídica do meio ambiente artificial‖164.

Em harmonia com o ideário edificado pelo

Texto Constitucional, alçando o meio ambiente

ecologicamente equilibrado à condição de elemento de

promoção da sadia qualidade de vida e, por

extensão, a dignidade da pessoa humana, é denotável

que a Política Nacional de Resíduos Sólidos está

condicionada aos princípios constitucionais do direito

ambiental brasileiro. Com efeito, a responsabilidade das

pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou

privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela

geração de resíduos sólidos e das que desenvolvam ações

atreladas à gestão integrada ou ao gerenciamento de

resíduos é, em regra, solidária e objetiva. Nesta

linha, a tábua principiológica constitucional sujeita,

também, as pessoas físicas ou jurídicas, de direito

público ou privado, responsáveis, direta ou

indiretamente, pela geração de resíduos sólidos, tal como

aquelas que desenvolvam ações relacionadas à gestão

integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos,

164 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 384.

Page 138: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

138

observando-se, imperiosamente, as disposições aplicáveis

ao direito criminal ambiental, detentor de arcabouço

jurídico próprio.

No mais, oportunamente, cuida pontuar que a

lei proíbe, ainda, de forma explícita, o lançamento de

resíduos sólidos ou rejeitos a céu aberto, isto é: os

denominados ―lixões‖, como também a fixação de

habitações temporárias ou permanentes nas áreas de

disposição final de resíduos ou de rejeitos, indicando, de

forma clara, a vedação de importação de resíduos sólidos

perigosos e rejeitos. Nesta perspectiva, cuida reconhecer

que o gerenciamento de resíduos sólidos e rejeitos, na

sistemática contemporânea, sobretudo buscando

instituir, em consonância com a preservação do meio

ambiente ecologicamente equilibrado e a promoção do

bem-estar dos habitantes das cidades, o estabelecimento

de condições fundamentais de existência e preservação

da saúde, sobretudo o direito ao saneamento ambiental,

conferindo dignidade, maiormente as populações

periféricas atingidas pela ausência de planejamento

urbano, despidas dos direitos essenciais de existência.

Verifica-se, destarte, que o acesso ao

Page 139: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

139

saneamento básico, na condição de direito fundamental,

integra o rol dos direitos humanos sociais, responsável

por desempenhar função eficaz para a realização da

dignidade da pessoa humana, justiça social, igualdade

formal e material, com o escopo de assegurar a

erradicação da pobreza e da promoção do bem-estar

social e ambiental de todos os cidadãos. É fundamental,

dessa sorte, reconhecer o direito ao saneamento básico e

integrá-lo ao rol dos direitos fundamentais sociais que

integram a garantia do mínimo existencial como

elemento constituinte da dignidade da pessoa humana,

considerando, sobremaneira, o acesso ao saneamento

como um direito essencial para o pleno desfrute da vida

humana.

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COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1

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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos

Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora

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FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São

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Page 143: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

143

PONDERAÇÕES À DECLARAÇÃO DOS

DIREITOSS SEXUAIS DA ASSOCIAÇÃO

MUNDIAL PARA A SAÚDE SEXUAL:

BREVE PAINEL AO ALARGAMENTO DOS

DIREITOS HUMANOS

Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,

acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram

azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.

Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de

uma construção paulatina, consistindo em uma

afirmação e consolidação em determinado período

histórico da humanidade. Quadra evidenciar que

sobredita construção não se encontra finalizada, ao

avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos

está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira

substancial, pela difusão das informações propiciada

pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o

florescimento de novos direitos, alargando, com bastante

substância a rubrica dos temas associados aos direitos

humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de

liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Page 144: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

144

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda

dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos

bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

introduzidos no constitucionalismo das distintas formas

do Estado social, depois que germinaram por ora de

ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo

teor de humanismo e universalidade, os direitos de

terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século

XX enquanto direitos que não se destinam

especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

especificamente.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. Direitos Sexuais.

Solidariedade Transgeracional.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações

ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica;

2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto

da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos

de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de

Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:

Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos

Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira

Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais

dos Direitos de Solidariedade; 6 Ponderações à

Declaração dos Direitos Sexuais da Associação

Mundial para a Saúde Sexual: Breve Painel ao

alargamento dos Direitos Humanos

Page 145: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

145

1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:

PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE

MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA

Em sede de comentários inaugurais, ao se

dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em

debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,

enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço

doutrinário e técnico, assim como as pujantes

ramificações que a integra, reclama uma interpretação

alicerçada nos múltiplos peculiares característicos

modificadores que passaram a influir em sua

estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os

aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que

não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

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146

uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os

valores adotados pela coletividade, tal como os

proeminentes cenários apresentados com a evolução da

sociedade, passam a figurar como elementos que

influenciam a confecção e aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear

como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o

brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e

cristalina a relação de interdependência que esse binômio

mantém‖165. Deste modo, com clareza solar, denota-se

que há uma interação consolidada na mútua

dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas

no constante processo de evolução da sociedade, com o

fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não

fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total

descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua

vez, apresenta estrutural dependência das regras

consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo

165 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 20 jun.

2015.

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147

fundamental está assentado em assegurar que inexista a

difusão da prática da vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas

quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da

Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem

como para evitar que se robusteça um cenário caótico no

seio da coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o

cenário pátrio, é possível evidenciar que com a

promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como

maciço axioma de sustentação do Ordenamento

Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos

complexos anseios e múltiplas necessidades que

influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,

há que se citar o voto magistral voto proferido pelo

Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o

direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não

envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à

realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o

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148

seu fascínio, a sua beleza”166. Como bem pontuado, o

fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante

e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente

do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

166 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 20 jun. 2015.

Page 149: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

149

princípios em face da legislação‖167. Destarte, a partir de

uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o

ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à

valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,

por conseguinte, o arcabouço normativo passando a

figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e

interpretação do conteúdo das leis.

2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE

MODERNA

Ao ter como substrato de edificação as

ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de

maneira maciça, acerca da evolução dos direitos

humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

direitos humanos decorrem de uma construção

paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação

em determinado período histórico da humanidade. ―A

167 VERDAN, 2009, s.p.

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150

evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana

também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou

construídos todos de uma vez, mas sim conforme a

própria experiência da vida humana em sociedade‖168,

como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

evidenciar que sobredita construção não se encontra

finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à

conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,

fomentado, de maneira substancial, pela difusão das

informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

os quais permitem o florescimento de novos direitos,

alargando, com bastante substância a rubrica dos temas

associados aos direitos humanos.

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

análise histórica sobre a construção dos direitos

humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio

antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram

difundidos instrumentos que objetivavam a proteção

individual em relação ao Estado. ―O Código de

168 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,

um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,

fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.

Acesso em 20 jun. 2015.

Page 151: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

151

Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação

a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de

Moraes169. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia

Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na

Babilônia) foi a primeira codificação a

relatar os direitos comuns aos homens e a

mencionar leis de proteção aos mais fracos.

O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais

de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

Código de Hamurabi, já fazia constar alguns

Direitos Humanos, tais como o direito à

vida, à família, à honra, à dignidade,

proteção especial aos órfãos e aos mais

fracos. O Código de Hamurabi também

limitava o poder por um monarca absoluto.

Nas disposições finais do Código, fez constar

que aos súditos era proporcionada moradia,

justiça, habitação adequada, segurança

contra os perturbadores, saúde e paz170.

169 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da

Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 170 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

perspectiva social do trabalho. Disponível em:

<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 20 jun. 2015, p.

01.

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152

Ainda nesta toada, nas polis gregas,

notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,

também, a edificação e o reconhecimento de direitos

basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a

liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é

observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um

direito natural, superior ao direito positivo, ―pela

distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo

da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela

própria natureza humana‖171, consoante evidenciam

Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos

escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,

exclusivamente, aos cidadãos homens172, cuja acepção, na

visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que

surgem os primeiros resquícios do que passou a ser

chamado Direito Natural, através da ideia de que os

homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à

sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e

171 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 172 MORAES, 2011, p. 06.

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153

fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

nascessem com vida‖173.

O período medieval, por sua vez, foi

caracterizado pela maciça descentralização política, isto

é, a coexistência de múltiplos centros de poder,

influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas

atividade comercial. Subsiste, neste período, o

esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,

no medievo, estava dividida em três estamentos, quais

sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada

na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à

proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de

trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade

Média, apesar da organização feudal e da rígida

separação de classes, com a consequente relação de

subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos

documentos jurídicos reconheciam a existência dos

173 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à

história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:

<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 20 jun. 2015.

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154

direitos humanos‖174, tendo como traço característico a

limitação do poder estatal.

Neste período, é observável a difusão de

documentos escritos reconhecendo direitos a

determinados estamentos, mormente por meio de forais

ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à

região em que vigiam. Dentre estes documentos, é

possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,

em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões

exercidas pelos barões em razão do aumento de exações

fiscais para financiar a estruturação de campanhas

bélicas, como bem explicita Comparato175. A Carta de

João sem Terra acampou uma série de restrições ao

poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,

proporcionalidade entre a pena e o delito176, devido

174 MORAES, 2011, p. 06. 175 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos

Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

72. 176 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 20 jun. 2015: ―Um homem livre será punido por um

pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

Page 155: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

155

processo legal177, acesso à Justiça178, liberdade de

locomoção179 e livre entrada e saída do país180.

Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

outros documentos, com clara feição humanista, foram

crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um

vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e

nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo

juramento de homens honestos do distrito‖. 177 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 20 jun. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou

aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da

lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,

nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento

legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 178 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou

retardaremos direito ou justiça‖. 179 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do

nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto

espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e

pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser

tratados como acima dito‖. 180 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,

entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra

como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E

se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão

capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja

sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do

nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra

contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo

no nosso país‖.

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156

promulgados, dentre os quais é possível mencionar o

Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao

poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a

proibição de detenções arbitrárias181, reafirmando, deste

modo, os princípios estruturadores do devido processo

legal182. Com efeito, o diploma em comento foi

confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o

monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e

liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os

quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,

ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado

com o fortalecimento e afirmação das instituições

parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo

181 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos

Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 182 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de

Direito (1.628). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015:

―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,

empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou

detido por qualquer das formas acima indicadas‖.

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157

desmedido passa a ceder diante das imposições

democráticas que floresciam.

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a

liberdade através de um documento escrito que seria

encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,

apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando

solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

considerada como axioma inspirador para maciça parte

dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem

enfoca Comparato183. Enfim, diversos foram os

documentos surgidos no velho continente que trouxeram

o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

marcos de uma transição entre o autoritarismo e o

absolutismo estatal para uma época de reconhecimento

dos direitos humanos fundamentais184.

As treze colônias inglesas, instaladas no

recém-descoberto continente americano, em busca de

liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

183 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 184 MORAES, 2011, p. 08-09.

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158

social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram

elaborados diversos textos que objetivavam definir os

direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é

possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,

de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer

direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

detentor185, e trouxe certas particularidades como a

liberdade de impressa186, por exemplo. Como bem

destaca Comparato187, a Declaração de Direitos do Bom

Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são

livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais

como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

segurança, registrando o início do nascimento dos

direitos humanos na história188. ―Basicamente, a

185 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Que

todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;

que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em

qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 186 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes

da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por

governos despóticos‖. 187 COMPARATO, 2003, p. 49. 188 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

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159

Declaração se preocupa com a estrutura de um governo

democrático, com um sistema de limitação de poderes‖189,

como bem anota José Afonso da Silva.

Diferente dos textos ingleses, que, até aquele

momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a

superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a

ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.

Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados

Unidos da América. Inicialmente, o documento não

mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo

menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em

abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da

Federação, desde que constasse, no texto constitucional,

a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Que

todos os homens são, por natureza, igualmente livres e

independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando

entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo

privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da

liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

buscar e obter felicidade e segurança‖. 189 SILVA, 2004, p.155.

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160

fundamentais. Assim, surgiram as primeiras dez

emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

propriedade, segurança, resistência à opressão,

associação política, princípio da legalidade, princípio da

reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio

da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da

livre manifestação do pensamento190.

3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS

DE LIBERDADE

No século XVIII, é verificável a instalação de

um momento de crise no continente europeu, porquanto a

classe burguesa que emergia, com grande poderio

econômico, não participava da vida pública, pois

inexistia, por parte dos governantes, a observância dos

direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,

apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada

190 MORAES, 2003, p. 28.

Page 161: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

161

mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

meio da tributação, eram obrigados a sustentar os

privilégios das minorias que detinham o poder. Com

efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na

órbita política191. O mesmo ocorria com a população

pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos

centros urbanos, explorada em fábricas, morava em

subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco

que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que

esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas

subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

contenda contra os detentores do poder, protestos e

aclamações públicas tomaram conta da França.

Em meados de 1789, em meio a um cenário

caótico de insatisfação por parte das classes sociais

exploradas, notadamente para manterem os interesses

dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,

que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

191 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.

2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

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162

tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos

Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do

Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque

regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

seu povo, foi tida com abstrata192 e, por isso,

universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa

possuía três características: intelectualismo,

mundialismo e individualismo.

A primeira pressupunha que as garantias de

direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da

população era obra e graça do intelecto humano; a

segunda característica referia-se ao alcance dos direitos

conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o

povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por

derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu

caráter, iminentemente individual, não se preocupando

com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades

associativas ou de reunião. No bojo da declaração,

emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados

192 SILVA, 2004, p. 157.

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163

os corolários e cânones da liberdade193, da igualdade, da

propriedade, da legalidade e as demais garantias

individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em

comento consagrou os princípios fundantes do direito

penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da

legalidade194, da reserva legal195 e anterioridade em

matéria penal, da presunção de inocência196, tal como

liberdade religiosa e livre manifestação de

pensamento197.

193 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Art.

2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a

liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 194 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não

prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de

cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos

outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes

limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 195 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por

força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

legalmente aplicada‖. 196 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser

declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor

desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei‖. 197 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,

incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não

perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre

comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos

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164

Os direitos de primeira dimensão

compreendem os direitos de liberdade, tal como os

direitos civis e políticos, estando acampados em sua

rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não

discriminação racial, propriedade privada, privacidade e

sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo

em decorrência de perseguições políticas, bem como as

liberdades de culto, crença, consciência, opinião,

expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,

residência, participação política, diretamente ou por meio

de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos

de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade‖198, aspecto este que

passa a ser característico da dimensão em comento. Com

realce, são direitos de resistência ou de oposição perante

o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele

das relações individuais e sociais.

direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta

liberdade nos termos previstos na lei‖. 198 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

Page 165: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

165

4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA

DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO

SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE

IGUALDADE

Com o advento da Revolução Industrial, é

verificável no continente europeu, precipuamente, a

instalação de um cenário pautado na exploração do

proletariado. O contingente de trabalhadores não estava

restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo

crianças, os quais eram expostos a condições

degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase

nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se

que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram

submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,

unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal

absteve-se de se imiscuir na economia e, com o

beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa

explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo

seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e

procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa

essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a

Page 166: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

166

maioria199. A massa de trabalhadores e desempregados

vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os

burgueses ostentavam desmedida opulência.

Na vereda rumo à conquista dos direitos

fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns

textos de grande relevância, os quais combatiam a

exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É

possível citar, em um primeiro momento, como

proeminente documento elaborado durante este período,

a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de

1848, que apresentou uma ampliação em termos de

direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos

humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como

direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a

liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos

desempregados‖200. Posteriormente, em 1917, a

Constituição Mexicana201, refletindo os ideários

decorrentes da consolidação dos direitos de segunda

199 COTRIM, 2010, p. 160. 200 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na

valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,

Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 20 jun. 2015. 201 MORAES, 2011, p. 11.

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167

dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais

com maciça tendência social, a exemplo da limitação da

carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos

contratos de trabalho, além de estabelecer a

obrigatoriedade da educação primária básica, bem como

gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.

A Constituição Alemã de Weimar, datada de

1919, trouxe grandes avanços nos direitos

socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao

trabalho, à liberdade de associação, melhores condições

de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social

para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho

e para a proteção à maternidade. Além dos direitos

sociais expressamente insculpidos, a Constituição de

Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à

defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente

―ao instituir que o Império procuraria obter uma

regulamentação internacional da situação jurídica dos

trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe

operária da humanidade, um mínimo de direitos

sociais‖202, tal como estabelecer que os operários e

202 SANTOS, 2003, s.p.

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168

empregados seriam chamados a colaborar com os

patrões, na regulamentação dos salários e das condições

de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças

produtivas.

No campo socialista, destaca-se a Constituição

do Povo Trabalhador e Explorado203, elaborada pela

antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía

ideias revolucionárias e propagandistas, pois não

enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais

como a abolição da propriedade privada, o confisco dos

bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada

pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras

inovações na relação laboral. Dentre as inovações

introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,

magistratura do trabalho, possibilidade de contratos

coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de

retribuição financeira em relação ao trabalho,

remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do

repouso semanal remunerado, previsão de férias após um

ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de

203 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

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169

dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de

previdência, assistência, educação e instrução sociais204.

Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu

da apatia e envolveu-se nas relações de natureza

econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos

fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o

Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem

como fito primordial assegurar aos indivíduos que o

integram as condições materiais tidas por seus

defensores como imprescindíveis para que, desta feita,

possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira

geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de

exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,

mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se

diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente

estatal alheio à vida da sociedade e que, por

consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os

direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra

o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias

remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde

e o bem-estar individual e da família, à educação, à

204 SANTOS, 2003, s.p.

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170

propriedade intelectual, bem como as liberdades de

escolha profissional e de sindicalização.

Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os

direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,

culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou

de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das

distintas formas do Estado social, depois que

germinaram por ora de ideologia e da reflexão

antiliberal‖205. Os direitos alcançados pela rubrica em

comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário

da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos

humanos fundamentais rumo às sendas da História é

paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos

fundamentais apresenta uma ampla capacidade de

incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou

problemas do arbítrio governamental, com as liberdades

públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com

os direitos econômicos e sociais‖206, como bem evidencia

Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

205 BONAVIDES, 2007, p. 564. 206 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.

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171

5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE

SOLIDARIEDADE

Conforme fora visto no tópico anterior, os

direitos humanos originaram-se ao longo da História e

permanecem em constante evolução, haja vista o

surgimento de novos interesses e carências da sociedade.

Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles

Bobbio207, os consideram direitos históricos, sendo

divididos, tradicionalmente, em três gerações ou

dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como

fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem

como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à

saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à

autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do

consumidor, além de outros direitos considerados como

difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e

universalidade, os direitos de terceira geração tendem a

cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que

207 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1997, p. 03.

Page 172: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

172

não se destinam especificamente à proteção dos interesses

de um indivíduo, de um grupo‖208 ou mesmo de um Ente

Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são

considerados como difusos, porquanto não têm titular

individual, sendo que o liame entre os seus vários

titulares decorre de mera circunstância factual. Com o

escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações

vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento

explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

208 BONAVIDES, 2007, p. 569.

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173

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível209.

209 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 20 jun. 2015.

Page 174: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

174

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos

de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o

que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer

restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-

se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas

ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem

natureza essencialmente transindividual, porquanto não

possuem destinatários especificados, como os de primeira

e segunda geração, abrangendo a coletividade como um

todo‖210. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou

coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,

ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento

estão vinculados a valores de fraternidade ou

solidariedade, sendo traduzidos de um ideal

intergeracional, que liga as gerações presentes às

futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida

destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,

percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a

abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a

valorização destes é de extrema relevância. ―Têm

210 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito

Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

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175

primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num

momento expressivo de sua afirmação como valor

supremo em termos de existencialidade concreta‖211. A

respeito do assunto, Motta e Barchet212 ensinam que os

direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à

degradação das liberdades, à deterioração dos direitos

fundamentais em virtude do uso prejudicial das

modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica

vigente entre as diferentes nações.

6 PONDERAÇÕES À DECLARAÇÃO DOS

DIREITOS SEXUAIS DA ASSOCIAÇÃO MUNDIAL

PARA A SAÚDE SEXUAL: BREVE PAINEL AO

ALARGAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS

211 BONAVIDES, 2007, p. 569. 212 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens

básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a

deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso

nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e

econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais

realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o

reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a

humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há

como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções

também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira

geração.[...]‖

Page 176: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

176

Em um primeiro momento, a Declaração dos

Direitos Sexuais da Associação Mundial para a Saúde

Sexual estabelece os direitos sexuais são baseados nos

direitos humanos universais que já são reconhecidos em

documentos de direitos humanos domésticos e

internacionais, em Constituições Nacionais e leis, em

padrões e princípios de direitos humanos, e em

conhecimento científico relacionados à sexualidade

humana e saúde sexual. Por seu turno, a sexualidade é

um aspecto central do ser humano em toda a vida e

abrange sexo, identidade e papeis de gênero, orientação

sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. A

sexualidade é experienciada e expressada em

pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes,

valores, comportamentos, práticas, papeis e

relacionamentos. Embora a sexualidade possa incluir

todas essas dimensões, nem todas elas são sempre

expressadas ou sentidas. Sexualidade é influenciada pela

interação de fatores biológicos, sociais, econômicos,

políticos, culturais, legais, históricos, religiosos e

espirituais. No mais, a saúde sexual é um estado de bem

estar físico, emocional, mental e social relacionado à

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177

sexualidade; não é meramente a ausência de doença,

disfunção ou enfermidade. Saúde sexual requer uma

abordagem positiva e respeitosa para com a sexualidade

e relacionamentos sexuais, bem como a possibilidade de

ter experiências sexuais prazerosas e seguras, livres de

coerção, discriminação ou violência.

Mais que isso, a igualdade e não descriminação

são fundamentais à proteção e promoção de todos os

direitos humanos e incluem a proibição de quaisquer

distinções, exclusões ou restrições com base em raça,

etnia, cor, sexo, linguagem, religião, opinião política ou

outra qualquer, origem social ou regional, características,

status de nascimento ou outro qualquer, inclusive

deficiências, idade, nacionalidade, estado civil ou

familiar, orientação sexual e identidade de gênero,

estado de saúde, local de residência e situação econômica

ou social. Nesta linha, há que reconhecer, ainda, que a

orientação sexual, identidade de gênero, expressões de

gênero e características físicas de cada indivíduo

requerem a proteção dos direitos humanos. Ao lado disso,

todos os tipos de violência, perseguição, descriminação,

exclusão e estigma, são violações dos direitos humanos e

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178

afetam o bem estar do indivíduo, famílias e comunidades.

Os direitos sexuais protegem os direitos de todas as

pessoas na plena realização e expressão de sua

sexualidade, usufruindo de sua saúde sexual, desde que

respeitados os direitos do próximo.

O direito à igualdade e a não descriminação,

como integrante dos direitos sexuais, preconiza que todos

têm o direito de usufruir dos direitos sexuais definidos

na declaração em comento, sem distinção de qualquer

tipo, seja raça, etnia, cor, sexo, linguagem, religião,

opinião política ou outra qualquer, origem social ou

regional, local de residência, características, nascimento,

deficiência, idade, nacionalidade, estado civil ou familiar,

orientação sexual, identidade e expressão de gênero,

estado de saúde, situação econômica, social ou outra

qualquer. Por sua vez, o direito à vida, à liberdade e à

segurança pessoal estão estruturados na premissa que

todos têm o direito à vida, liberdade e segurança, que não

podem ser ameaçadas, limitadas ou removidas

arbitrariamente por motivos relacionados à sexualidade.

Estes incluem: orientação sexual, comportamentos e

práticas sexuais consensuais, identidade e expressões de

Page 179: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

179

gênero, bem como acessar ou ofertar serviços

relacionados à saúde sexual e reprodutiva.

No que compete ao direito à autonomia e à

integridade corporal, cuida reconhecer que todos têm o

direito de controlar e decidir livremente sobre questões

relativas à sua sexualidade e seus corpos. Isto inclui a

escolha de comportamentos sexuais, práticas, parceiros e

relacionamentos, desde que respeitados os direitos do

próximo. A tomada de decisões livre e informada, requer

consentimento livre e informado antes de quaisquer

testes, intervenções, terapias, cirurgias ou pesquisas de

natureza sexual. O direito de estar isento de tortura,

tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante

preconiza que todos devem estar isentos de tortura,

tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante

em razão de sua sexualidade, incluindo: praticas

tradicionais nocivas; esterilização, contracepção ou

aborto forçado; e outras formas de tortura, tratamentos

cruéis, desumanos ou degradantes praticados por razões

relacionadas ao sexo, gênero, orientação sexual,

identidade e expressão de gênero, ou característica física

de alguém. Neste mote, o direito de estar isento de todas

Page 180: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

180

as formas de violência ou coerção. Todos deverão estar

isentos de violência e coerção relacionadas à sexualidade,

incluindo: Estupro, abuso ou, perseguição sexual,

―bullying‖, exploração sexual e escravidão, trafico com

propósito de exploração sexual, teste de virgindade ou

violência cometida devido à prática sexual real ou

presumida, orientação sexual, identidade e expressão de

gênero ou qualquer característica física.

Em relação ao direito à privacidade, a declaração

estabelece que todos têm o direito à privacidade

relacionada à sexualidade, vida sexual e escolhas

inerentes ao seu próprio corpo, relações e práticas

sexuais consensuais, sem interferência ou intrusão

arbitrária. Isto inclui o direito de controlar a divulgação

de informação relacionada à sua sexualidade pessoal a

outrem. Por sua vez, o direito ao mais alto padrão de

saúde atingível, inclusive de saúde sexual; com a

possibilidade de experiências sexuais prazerosas,

satisfatórias e seguras compreende que todos têm o

direito ao mais alto padrão de saúde e bem estar

possíveis, relacionados à sexualidade, incluindo a

possibilidade de experiências sexuais prazerosas,

Page 181: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

181

satisfatórias e seguras. Isto requer a disponibilidade,

acessibilidade e aceitação de serviços de saúde

qualificados, bem como o acesso a condições que

influenciem e determinem a saúde, incluindo a saúde

sexual. Concernente ao direito de usufruir dos benefícios

do progresso científico e suas aplicações, todos têm o

direito de usufruir dos benefícios do progresso científico e

suas aplicações em relação à sexualidade e saúde sexual.

O direito à informação arvora que todos devem

ter acesso à informação cientificamente precisa e

esclarecedora sobre sexualidade, saúde sexual, e direitos

sexuais através de diversas fontes. Tal informação não

deve ser arbitrariamente censurada, retida ou

intencionalmente deturpada. Em alusão ao direito à

educação e o direito à educação sexual esclarecedora, a

declaração explicita que todos têm o direito à educação e

a uma educação sexual esclarecedora. Educação sexual

esclarecedora deve ser adequada à idade, cientificamente

acurada, culturalmente idônea, baseada nos direitos

humanos, na equidade de gêneros e ter uma abordagem

positiva quanto à sexualidade e o prazer. No tocante ao

direito de constituir, formalizar e dissolver casamento ou

Page 182: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

182

outros relacionamentos similares baseados em igualdade,

com consentimento livre e absoluto, a declaração

estabelece que todos têm o direito de escolher casar-se ou

não, bem como adentrar livre e consensualmente em

casamento, parceria ou outros relacionamentos

similares. Todas as pessoas são titulares de direitos

iguais na formação, durante e na dissolução de tais

relacionamentos sem descriminações de qualquer

espécie. Este direito inclui igualdade absoluta de direitos

frente a seguros sociais, previdenciários e outros

benefícios, independente da forma do relacionamento.

O direito a decidir sobre ter filhos, o número de

filhos e o espaço de tempo entre eles, além de ter

informações e meios para tal está alicerçado na premissa

que todos têm o direito de decidir ter ou não ter filhos, a

quantidade destes e o lapso de tempo entre cada criança.

O exercício desse direito requer acesso a condições que

influenciam e afetam a saúde e o bem-estar, incluindo

serviços de saúde sexual e reprodutiva relacionados à

gravidez, contracepção, fertilidade, interrupção da

gravidez e adoção. O direito à liberdade de pensamento,

opinião e expressão está fincado no ideário que todos têm

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183

o direito à liberdade de pensamento, opinião e expressão

relativos à sexualidade, bem como o direito à expressão

plena de sua própria sexualidade, por exemplo, na

aparência, comunicação e comportamento, desde que

devidamente respeitados os direitos dos outros. Ademais,

em menção ao direito à liberdade de associação e reunião

pacífica, os direitos sexuais desdobram-se na premissa

que todos têm o direito de organizar-se, associar-se,

reunir-se, manifestar-se pacificamente e advogar,

inclusive sobre sexualidade, saúde sexual, e direitos

sexuais.

Já no que toca ao direito de participação em vida

pública e política, todos têm o direito a um ambiente que

possibilite a participação ativa, livre e significativa em

contribuição a aspectos civis, econômicos, sociais,

culturais e políticos da vida humana a nível local,

regional, nacional ou internacional. Em especial, todos

têm o direito de participar no desenvolvimento e

implantação de políticas que determinem seu bem-estar,

incluindo sua sexualidade e saúde sexual. Por

derradeiro, o direito de acesso à justiça, reparação e

indenização. Todos têm o direito ao acesso à justiça,

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184

reparação e indenização por violações de seus direitos

sexuais. Isto requer medidas efetivas, adequadas e

acessíveis, assim como devidamente educativas,

legislativas, judiciais, entre outras. Reparação incluiu

retratação, indenização, reabilitação, satisfação e a

garantia de não repetição.

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VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de

Conflitos e Práticas Restaurativas. 2 ed., rev., atual.

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Page 188: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

188

PONDERAÇÕES À LEI ORGÂNICA DE

SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRI-

CIONAL (LEI Nº 11.346/2006): O ALARGA-

MENTO DO ROL DOS DIREITOS

HUMANOS NO TERRITÓRIO NACIONAL

Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,

acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram

azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.

Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de

uma construção paulatina, consistindo em uma

afirmação e consolidação em determinado período

histórico da humanidade. Quadra evidenciar que

sobredita construção não se encontra finalizada, ao

avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos

está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira

substancial, pela difusão das informações propiciada

pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o

florescimento de novos direitos, alargando, com bastante

substância a rubrica dos temas associados aos direitos

humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de

liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Page 189: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

189

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda

dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos

bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

introduzidos no constitucionalismo das distintas formas

do Estado social, depois que germinaram por ora de

ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo

teor de humanismo e universalidade, os direitos de

terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século

XX enquanto direitos que não se destinam

especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

especificamente.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. DHAA.

Segurança Alimentar e Nutricional.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao

Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2

Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da

Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de

Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de

Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:

Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos

Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira

Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos

Direitos de Solidariedade; 6 Ponderações à Lei Orgânica

de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº

11.346/2006): O Alargamento do rol dos Direitos

Humanos no Território Brasileiro

Page 190: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

190

1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:

PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE

MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA

Em sede de comentários inaugurais, ao se

dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em

debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,

enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço

doutrinário e técnico, assim como as pujantes

ramificações que a integra, reclama uma interpretação

alicerçada nos múltiplos peculiares característicos

modificadores que passaram a influir em sua

estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os

aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que

não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

Page 191: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

191

uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os

valores adotados pela coletividade, tal como os

proeminentes cenários apresentados com a evolução da

sociedade, passam a figurar como elementos que

influenciam a confecção e aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear

como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o

brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e

cristalina a relação de interdependência que esse binômio

mantém‖213. Deste modo, com clareza solar, denota-se

que há uma interação consolidada na mútua

dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas

no constante processo de evolução da sociedade, com o

fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não

fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total

descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua

vez, apresenta estrutural dependência das regras

consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo

213 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 30 mai.

2015.

Page 192: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

192

fundamental está assentado em assegurar que inexista a

difusão da prática da vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas

quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da

Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem

como para evitar que se robusteça um cenário caótico no

seio da coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o

cenário pátrio, é possível evidenciar que com a

promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como

maciço axioma de sustentação do Ordenamento

Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos

complexos anseios e múltiplas necessidades que

influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,

há que se citar o voto magistral voto proferido pelo

Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o

direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não

envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à

realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o

Page 193: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

193

seu fascínio, a sua beleza”214. Como bem pontuado, o

fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante

e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente

do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

214 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 30 mai. 2015.

Page 194: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

194

princípios em face da legislação‖215. Destarte, a partir de

uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o

ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à

valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,

por conseguinte, o arcabouço normativo passando a

figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e

interpretação do conteúdo das leis.

2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE

MODERNA

Ao ter como substrato de edificação as

ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de

maneira maciça, acerca da evolução dos direitos

humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

direitos humanos decorrem de uma construção

paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação

em determinado período histórico da humanidade. ―A

215 VERDAN, 2009, s.p.

Page 195: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

195

evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana

também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou

construídos todos de uma vez, mas sim conforme a

própria experiência da vida humana em sociedade‖216,

como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

evidenciar que sobredita construção não se encontra

finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à

conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,

fomentado, de maneira substancial, pela difusão das

informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

os quais permitem o florescimento de novos direitos,

alargando, com bastante substância a rubrica dos temas

associados aos direitos humanos.

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

análise histórica sobre a construção dos direitos

humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio

antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram

difundidos instrumentos que objetivavam a proteção

individual em relação ao Estado. ―O Código de

216 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,

um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,

fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.

Acesso em 30 mai. 2015.

Page 196: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

196

Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação

a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de

Moraes217. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia

Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na

Babilônia) foi a primeira codificação a

relatar os direitos comuns aos homens e a

mencionar leis de proteção aos mais fracos.

O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais

de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

Código de Hamurabi, já fazia constar alguns

Direitos Humanos, tais como o direito à

vida, à família, à honra, à dignidade,

proteção especial aos órfãos e aos mais

fracos. O Código de Hamurabi também

limitava o poder por um monarca absoluto.

Nas disposições finais do Código, fez constar

que aos súditos era proporcionada moradia,

justiça, habitação adequada, segurança

contra os perturbadores, saúde e paz218.

217 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da

Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 218 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

perspectiva social do trabalho. Disponível em:

<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 30 mai. 2015, p.

01.

Page 197: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

197

Ainda nesta toada, nas polis gregas,

notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,

também, a edificação e o reconhecimento de direitos

basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a

liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é

observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um

direito natural, superior ao direito positivo, ―pela

distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo

da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela

própria natureza humana‖219, consoante evidenciam

Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos

escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,

exclusivamente, aos cidadãos homens220, cuja acepção, na

visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que

surgem os primeiros resquícios do que passou a ser

chamado Direito Natural, através da ideia de que os

homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à

sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e

219 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 220 MORAES, 2011, p. 06.

Page 198: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

198

fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

nascessem com vida‖221.

O período medieval, por sua vez, foi

caracterizado pela maciça descentralização política, isto

é, a coexistência de múltiplos centros de poder,

influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas

atividade comercial. Subsiste, neste período, o

esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,

no medievo, estava dividida em três estamentos, quais

sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada

na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à

proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de

trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade

Média, apesar da organização feudal e da rígida

separação de classes, com a consequente relação de

subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos

documentos jurídicos reconheciam a existência dos

221 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à

história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:

<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 30 mai. 2015.

Page 199: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

199

direitos humanos‖222, tendo como traço característico a

limitação do poder estatal.

Neste período, é observável a difusão de

documentos escritos reconhecendo direitos a

determinados estamentos, mormente por meio de forais

ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à

região em que vigiam. Dentre estes documentos, é

possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,

em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões

exercidas pelos barões em razão do aumento de exações

fiscais para financiar a estruturação de campanhas

bélicas, como bem explicita Comparato223. A Carta de

João sem Terra acampou uma série de restrições ao

poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,

proporcionalidade entre a pena e o delito224, devido

222 MORAES, 2011, p. 06. 223 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos

Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

72. 224 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 30 mai. 2015: ―Um homem livre será punido por um

pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

Page 200: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

200

processo legal225, acesso à Justiça226, liberdade de

locomoção227 e livre entrada e saída do país228.

Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

outros documentos, com clara feição humanista, foram

crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um

vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e

nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo

juramento de homens honestos do distrito‖. 225 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 30 mai. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou

aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da

lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,

nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento

legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 226 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou

retardaremos direito ou justiça‖. 227 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do

nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto

espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e

pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser

tratados como acima dito‖. 228 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,

entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra

como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E

se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão

capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja

sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do

nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra

contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo

no nosso país‖.

Page 201: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

201

promulgados, dentre os quais é possível mencionar o

Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao

poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a

proibição de detenções arbitrárias229, reafirmando, deste

modo, os princípios estruturadores do devido processo

legal230. Com efeito, o diploma em comento foi

confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o

monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e

liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os

quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,

ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado

com o fortalecimento e afirmação das instituições

parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo

229 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos

Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 230 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de

Direito (1.628). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30 mai. 2015:

―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,

empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou

detido por qualquer das formas acima indicadas‖.

Page 202: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

202

desmedido passa a ceder diante das imposições

democráticas que floresciam.

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a

liberdade através de um documento escrito que seria

encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,

apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando

solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

considerada como axioma inspirador para maciça parte

dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem

enfoca Comparato231. Enfim, diversos foram os

documentos surgidos no velho continente que trouxeram

o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

marcos de uma transição entre o autoritarismo e o

absolutismo estatal para uma época de reconhecimento

dos direitos humanos fundamentais232.

As treze colônias inglesas, instaladas no

recém-descoberto continente americano, em busca de

liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

231 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 232 MORAES, 2011, p. 08-09.

Page 203: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

203

social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram

elaborados diversos textos que objetivavam definir os

direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é

possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,

de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer

direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

detentor233, e trouxe certas particularidades como a

liberdade de impressa234, por exemplo. Como bem

destaca Comparato235, a Declaração de Direitos do Bom

Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são

livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais

como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

segurança, registrando o início do nascimento dos

direitos humanos na história236. ―Basicamente, a

233 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30 mai. 2015:

―Que todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele

procede; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores

e, em qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 234 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes

da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por

governos despóticos‖. 235 COMPARATO, 2003, p. 49. 236 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

Page 204: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

204

Declaração se preocupa com a estrutura de um governo

democrático, com um sistema de limitação de poderes‖237,

como bem anota José Afonso da Silva.

Diferente dos textos ingleses, que, até aquele

momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a

superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a

ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.

Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados

Unidos da América. Inicialmente, o documento não

mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo

menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em

abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da

Federação, desde que constasse, no texto constitucional,

a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30 mai. 2015:

―Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e

independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando

entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo

privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da

liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

buscar e obter felicidade e segurança‖. 237 SILVA, 2004, p.155.

Page 205: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

205

fundamentais238. Assim, surgiram as primeiras dez

emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

propriedade, segurança, resistência à opressão,

associação política, princípio da legalidade, princípio da

reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio

da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da

livre manifestação do pensamento239.

3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS

DE LIBERDADE

No século XVIII, é verificável a instalação de

um momento de crise no continente europeu, porquanto a

classe burguesa que emergia, com grande poderio

econômico, não participava da vida pública, pois

inexistia, por parte dos governantes, a observância dos

direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,

apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada

238 SILVA, 2004, p.155. 239 MORAES, 2003, p. 28.

Page 206: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

206

mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

meio da tributação, eram obrigados a sustentar os

privilégios das minorias que detinham o poder. Com

efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na

órbita política240. O mesmo ocorria com a população

pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos

centros urbanos, explorada em fábricas, morava em

subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco

que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que

esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas

subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

contenda contra os detentores do poder, protestos e

aclamações públicas tomaram conta da França.

Em meados de 1789, em meio a um cenário

caótico de insatisfação por parte das classes sociais

exploradas, notadamente para manterem os interesses

dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,

que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

240 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.

2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

Page 207: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

207

tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos

Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do

Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque

regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

seu povo, foi tida com abstrata241 e, por isso,

universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa

possuía três características: intelectualismo,

mundialismo e individualismo.

A primeira pressupunha que as garantias de

direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da

população era obra e graça do intelecto humano; a

segunda característica referia-se ao alcance dos direitos

conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o

povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por

derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu

caráter, iminentemente individual, não se preocupando

com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades

associativas ou de reunião. No bojo da declaração,

emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados

241 SILVA, 2004, p. 157.

Page 208: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

208

os corolários e cânones da liberdade242, da igualdade, da

propriedade, da legalidade e as demais garantias

individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em

comento consagrou os princípios fundantes do direito

penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da

legalidade243, da reserva legal244 e anterioridade em

matéria penal, da presunção de inocência245, tal como

liberdade religiosa e livre manifestação de

pensamento246.

242 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 30 mai. 2015:

―Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a

liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 243 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não

prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de

cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos

outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes

limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 244 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por

força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

legalmente aplicada‖. 245 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser

declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor

desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei‖. 246 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,

incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não

perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre

comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos

Page 209: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

209

Os direitos de primeira dimensão

compreendem os direitos de liberdade, tal como os

direitos civis e políticos, estando acampados em sua

rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não

discriminação racial, propriedade privada, privacidade e

sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo

em decorrência de perseguições políticas, bem como as

liberdades de culto, crença, consciência, opinião,

expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,

residência, participação política, diretamente ou por meio

de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos

de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade‖247, aspecto este que

passa a ser característico da dimensão em comento. Com

realce, são direitos de resistência ou de oposição perante

o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele

das relações individuais e sociais.

direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta

liberdade nos termos previstos na lei‖. 247 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

Page 210: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

210

4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA

DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO

SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE

IGUALDADE

Com o advento da Revolução Industrial, é

verificável no continente europeu, precipuamente, a

instalação de um cenário pautado na exploração do

proletariado. O contingente de trabalhadores não estava

restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo

crianças, os quais eram expostos a condições

degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase

nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se

que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram

submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,

unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal

absteve-se de se imiscuir na economia e, com o

beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa

explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo

seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e

procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa

essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a

Page 211: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

211

maioria248. A massa de trabalhadores e desempregados

vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os

burgueses ostentavam desmedida opulência.

Na vereda rumo à conquista dos direitos

fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns

textos de grande relevância, os quais combatiam a

exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É

possível citar, em um primeiro momento, como

proeminente documento elaborado durante este período,

a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de

1848, que apresentou uma ampliação em termos de

direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos

humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como

direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a

liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos

desempregados‖249. Posteriormente, em 1917, a

Constituição Mexicana250, refletindo os ideários

decorrentes da consolidação dos direitos de segunda

248 COTRIM, 2010, p. 160. 249 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na

valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,

Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 30 mai. 2015. 250 MORAES, 2011, p. 11.

Page 212: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

212

dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais

com maciça tendência social, a exemplo da limitação da

carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos

contratos de trabalho, além de estabelecer a

obrigatoriedade da educação primária básica, bem como

gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.

A Constituição Alemã de Weimar, datada de

1919, trouxe grandes avanços nos direitos

socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao

trabalho, à liberdade de associação, melhores condições

de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social

para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho

e para a proteção à maternidade. Além dos direitos

sociais expressamente insculpidos, a Constituição de

Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à

defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente

―ao instituir que o Império procuraria obter uma

regulamentação internacional da situação jurídica dos

trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe

operária da humanidade, um mínimo de direitos

sociais‖251, tal como estabelecer que os operários e

251 SANTOS, 2003, s.p.

Page 213: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

213

empregados seriam chamados a colaborar com os

patrões, na regulamentação dos salários e das condições

de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças

produtivas.

No campo socialista, destaca-se a Constituição

do Povo Trabalhador e Explorado252, elaborada pela

antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía

ideias revolucionárias e propagandistas, pois não

enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais

como a abolição da propriedade privada, o confisco dos

bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada

pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras

inovações na relação laboral. Dentre as inovações

introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,

magistratura do trabalho, possibilidade de contratos

coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de

retribuição financeira em relação ao trabalho,

remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do

repouso semanal remunerado, previsão de férias após um

ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de

252 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

Page 214: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

214

dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de

previdência, assistência, educação e instrução sociais253.

Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu

da apatia e envolveu-se nas relações de natureza

econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos

fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o

Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem

como fito primordial assegurar aos indivíduos que o

integram as condições materiais tidas por seus

defensores como imprescindíveis para que, desta feita,

possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira

geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de

exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,

mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se

diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente

estatal alheio à vida da sociedade e que, por

consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os

direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra

o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias

remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde

e o bem-estar individual e da família, à educação, à

253 SANTOS, 2003, s.p.

Page 215: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

215

propriedade intelectual, bem como as liberdades de

escolha profissional e de sindicalização.

Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os

direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,

culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou

de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das

distintas formas do Estado social, depois que

germinaram por ora de ideologia e da reflexão

antiliberal‖254. Os direitos alcançados pela rubrica em

comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário

da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos

humanos fundamentais rumo às sendas da História é

paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos

fundamentais apresenta uma ampla capacidade de

incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou

problemas do arbítrio governamental, com as liberdades

públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com

os direitos econômicos e sociais‖255, como bem evidencia

Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

254 BONAVIDES, 2007, p. 564. 255 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.

Page 216: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

216

5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE

SOLIDARIEDADE

Conforme fora visto no tópico anterior, os

direitos humanos originaram-se ao longo da História e

permanecem em constante evolução, haja vista o

surgimento de novos interesses e carências da sociedade.

Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles

Bobbio256, os consideram direitos históricos, sendo

divididos, tradicionalmente, em três gerações ou

dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como

fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem

como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à

saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à

autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do

consumidor, além de outros direitos considerados como

difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e

universalidade, os direitos de terceira geração tendem a

cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que

256 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1997, p. 03.

Page 217: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

217

não se destinam especificamente à proteção dos interesses

de um indivíduo, de um grupo‖257 ou mesmo de um Ente

Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são

considerados como difusos, porquanto não têm titular

individual, sendo que o liame entre os seus vários

titulares decorre de mera circunstância factual. Com o

escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações

vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento

explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

257 BONAVIDES, 2007, p. 569.

Page 218: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

218

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível258.

258 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 30 mai. 2015.

Page 219: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

219

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos

de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o

que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer

restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-

se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas

ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem

natureza essencialmente transindividual, porquanto não

possuem destinatários especificados, como os de primeira

e segunda geração, abrangendo a coletividade como um

todo‖259. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou

coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,

ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento

estão vinculados a valores de fraternidade ou

solidariedade, sendo traduzidos de um ideal

intergeracional, que liga as gerações presentes às

futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida

destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,

percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a

abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a

valorização destes é de extrema relevância. ―Têm

259 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito

Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

Page 220: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

220

primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num

momento expressivo de sua afirmação como valor

supremo em termos de existencialidade concreta‖260. A

respeito do assunto, Motta e Barchet261 ensinam que os

direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à

degradação das liberdades, à deterioração dos direitos

fundamentais em virtude do uso prejudicial das

modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica

vigente entre as diferentes nações.

6 PONDERAÇÕES À LEI ORGÂNICA DE

SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (LEI

Nº 11.346/2006): O ALARGAMENTO DO ROL DOS

DIREITOS HUMANOS NO TERRITÓRIO

BRASILEIRO

260 BONAVIDES, 2007, p. 569. 261 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens

básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a

deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso

nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e

econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais

realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o

reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a

humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há

como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções

também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira

geração.[...]‖

Page 221: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

221

Em uma primeira plana, a Lei nº 11.346, de 15

de setembro de 2006262, que cria o Sistema Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas

em assegurar o direito humano à alimentação adequada

e dá outras providências, foi responsável por,

expressamente, alargar o rol de direitos humanos no

território nacional, alçando, para tanto, o direito à

alimentação adequada como direito fundamental,

imprescindível ao desenvolvimento humano e à

materialização do superprincípio da dignidade da pessoa

humana. Nesse sentido, o artigo 2º esclarece que a

alimentação adequada é direito fundamental do ser

humano, inerente à dignidade da pessoa humana e

indispensável à realização dos direitos consagrados na

Constituição Federal, devendo o poder público adotar as

políticas e ações que se façam necessárias para promover

e garantir a segurança alimentar e nutricional da

população. A adoção dessas políticas e ações deverá levar

262 BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o

Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN

com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e

dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em 30 mai. 2015.

Page 222: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

222

em conta as dimensões ambientais, culturais,

econômicas, regionais e sociais. É dever do poder público

respeitar, proteger, promover, prover, informar,

monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito

humano à alimentação adequada, bem como garantir os

mecanismos para sua exigibilidade.

A segurança alimentar e nutricional consiste

na realização do direito de todos ao acesso regular e

permanente a alimentos de qualidade, em quantidade

suficiente, sem comprometer o acesso a outras

necessidades essenciais, tendo como base práticas

alimentares promotoras de saúde que respeitem a

diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural,

econômica e socialmente sustentáveis. A segurança

alimentar e nutricional abrange: I – a ampliação das

condições de acesso aos alimentos por meio da produção,

em especial da agricultura tradicional e familiar, do

processamento, da industrialização, da comercialização,

incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento

e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem

como da geração de emprego e da redistribuição da

renda; II – a conservação da biodiversidade e a utilização

Page 223: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

223

sustentável dos recursos; III – a promoção da saúde, da

nutrição e da alimentação da população, incluindo-se

grupos populacionais específicos e populações em

situação de vulnerabilidade social; IV – a garantia da

qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica

dos alimentos, bem como seu aproveitamento,

estimulando práticas alimentares e estilos de vida

saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e

cultural da população; V – a produção de conhecimento e

o acesso à informação; e VI – a implementação de

políticas públicas e estratégias sustentáveis e

participativas de produção, comercialização e consumo de

alimentos, respeitando-se as múltiplas características

culturais do País.

A consecução do direito humano à alimentação

adequada e da segurança alimentar e nutricional requer

o respeito à soberania, que confere aos países a primazia

de suas decisões sobre a produção e o consumo de

alimentos. O Estado brasileiro deve empenhar-se na

promoção de cooperação técnica com países estrangeiros,

contribuindo assim para a realização do direito humano

à alimentação adequada no plano internacional. A

Page 224: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

224

consecução do direito humano à alimentação adequada e

da segurança alimentar e nutricional da população far-

se-á por meio do SISAN, integrado por um conjunto de

órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios e pelas instituições privadas,

com ou sem fins lucrativos, afetas à segurança alimentar

e nutricional e que manifestem interesse em integrar o

Sistema, respeitada a legislação aplicável. A participação

no SISAN de que trata o artigo 7º263 deverá obedecer aos

princípios e diretrizes do Sistema e será definida a partir

de critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA e pela

Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e

Nutricional, a ser criada em ato do Poder Executivo

Federal. Os órgãos responsáveis pela definição dos

critérios de que trata o § 1o do artigo 7º poderão

estabelecer requisitos distintos e específicos para os

setores público e privado.

263 BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o

Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN

com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e

dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em 30 mai. 2015.

Page 225: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

225

Os órgãos e entidades públicos ou privados que

integram o SISAN o farão em caráter interdependente,

assegurada a autonomia dos seus processos decisórios. O

dever do poder público não exclui a responsabilidade das

entidades da sociedade civil integrantes do SISAN. O

SISAN reger-se-á pelos seguintes princípios: I –

universalidade e equidade no acesso à alimentação

adequada, sem qualquer espécie de discriminação; II –

preservação da autonomia e respeito à dignidade das

pessoas; III – participação social na formulação,

execução, acompanhamento, monitoramento e controle

das políticas e dos planos de segurança alimentar e

nutricional em todas as esferas de governo; e IV –

transparência dos programas, das ações e dos recursos

públicos e privados e dos critérios para sua concessão. Ao

lado disso, o SISAN tem como base as seguintes

diretrizes: I – promoção da intersetorialidade das

políticas, programas e ações governamentais e não-

governamentais; II – descentralização das ações e

articulação, em regime de colaboração, entre as esferas

de governo; III – monitoramento da situação alimentar e

nutricional, visando a subsidiar o ciclo de gestão das

Page 226: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

226

políticas para a área nas diferentes esferas de governo;

IV – conjugação de medidas diretas e imediatas de

garantia de acesso à alimentação adequada, com ações

que ampliem a capacidade de subsistência autônoma da

população; V – articulação entre orçamento e gestão; e VI

– estímulo ao desenvolvimento de pesquisas e à

capacitação de recursos humanos.

O SISAN tem por objetivos formular e

implementar políticas e planos de segurança alimentar e

nutricional, estimular a integração dos esforços entre

governo e sociedade civil, bem como promover o

acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da

segurança alimentar e nutricional do País. Integram o

SISAN: I – a Conferência Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional, instância responsável pela

indicação ao CONSEA das diretrizes e prioridades da

Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar,

bem como pela avaliação do SISAN; II – o CONSEA,

órgão de assessoramento imediato ao Presidente da

República, responsável pelas seguintes atribuições: a)

convocar a Conferência Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional, com periodicidade não superior

Page 227: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

227

a 4 (quatro) anos, bem como definir seus parâmetros de

composição, organização e funcionamento, por meio de

regulamento próprio; b) propor ao Poder Executivo

Federal, considerando as deliberações da Conferência

Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, as

diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional

de Segurança Alimentar e Nutricional, incluindo-se

requisitos orçamentários para sua consecução; c)

articular, acompanhar e monitorar, em regime de

colaboração com os demais integrantes do Sistema, a

implementação e a convergência de ações inerentes à

Política e ao Plano Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional; d) definir, em regime de colaboração com a

Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e

Nutricional, os critérios e procedimentos de adesão ao

SISAN; e) instituir mecanismos permanentes de

articulação com órgãos e entidades congêneres de

segurança alimentar e nutricional nos Estados, no

Distrito Federal e nos Municípios, com a finalidade de

promover o diálogo e a convergência das ações que

integram o SISAN; f) mobilizar e apoiar entidades da

Page 228: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

228

sociedade civil na discussão e na implementação de ações

públicas de segurança alimentar e nutricional.

Integra, ainda, o SISAN: III – a Câmara

Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional,

integrada por Ministros de Estado e Secretários

Especiais responsáveis pelas pastas afetas à consecução

da segurança alimentar e nutricional, com as seguintes

atribuições, dentre outras: a) elaborar, a partir das

diretrizes emanadas do CONSEA, a Política e o Plano

Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,

indicando diretrizes, metas, fontes de recursos e

instrumentos de acompanhamento, monitoramento e

avaliação de sua implementação; b) coordenar a

execução da Política e do Plano; c) articular as políticas e

planos de suas congêneres estaduais e do Distrito

Federal; IV – os órgãos e entidades de segurança

alimentar e nutricional da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios; e V – as instituições

privadas, com ou sem fins lucrativos, que manifestem

interesse na adesão e que respeitem os critérios,

princípios e diretrizes do SISAN. A Conferência Nacional

de Segurança Alimentar e Nutricional será precedida de

Page 229: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

229

conferências estaduais, distrital e municipais, que

deverão ser convocadas e organizadas pelos órgãos e

entidades congêneres nos Estados, no Distrito Federal e

nos Municípios, nas quais serão escolhidos os delegados à

Conferência Nacional.

O CONSEA será composto a partir dos

seguintes critérios: I – 1/3 (um terço) de representantes

governamentais constituído pelos Ministros de Estado e

Secretários Especiais responsáveis pelas pastas afetas à

consecução da segurança alimentar e nutricional; II – 2/3

(dois terços) de representantes da sociedade civil

escolhidos a partir de critérios de indicação aprovados na

Conferência Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional; e III – observadores, incluindo-se

representantes dos conselhos de âmbito federal afins, de

organismos internacionais e do Ministério Público

Federal. O CONSEA será presidido por um de seus

integrantes, representante da sociedade civil, indicado

pelo plenário do colegiado, na forma do regulamento, e

designado pelo Presidente da República. A atuação dos

conselheiros, efetivos e suplentes, no CONSEA, será

Page 230: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

230

considerada serviço de relevante interesse público e não

remunerada.

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Page 234: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

234

PONDERAÇÕES AO DESENVOLVI-

MENTO COMO DIREITO HUMANO: O

ALARGAMENTO ADVINDO DA

DECLARAÇÃO DA ONU DE 1986

Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,

acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram

azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.

Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de

uma construção paulatina, consistindo em uma

afirmação e consolidação em determinado período

histórico da humanidade. Quadra evidenciar que

sobredita construção não se encontra finalizada, ao

avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos

está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira

substancial, pela difusão das informações propiciada

pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o

florescimento de novos direitos, alargando, com bastante

substância a rubrica dos temas associados aos direitos

humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de

liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda

Page 235: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

235

dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos

bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

introduzidos no constitucionalismo das distintas formas

do Estado social, depois que germinaram por ora de

ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo

teor de humanismo e universalidade, os direitos de

terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século

XX enquanto direitos que não se destinam

especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

especificamente.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. Direito ao

Desenvolvimento. Declaração de 1986.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações

ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica;

2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto

da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos

de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de

Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:

Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos

Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira

Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais

dos Direitos de Solidariedade; 6 Ponderações ao

Desenvolvimento como Direito Humano: O

Alargamento advindo da Declaração da ONU de 1986

Page 236: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

236

1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:

PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE

MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA

Em sede de comentários inaugurais, ao se

dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em

debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,

enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço

doutrinário e técnico, assim como as pujantes

ramificações que a integra, reclama uma interpretação

alicerçada nos múltiplos peculiares característicos

modificadores que passaram a influir em sua

estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os

aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que

não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

Page 237: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

237

uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os

valores adotados pela coletividade, tal como os

proeminentes cenários apresentados com a evolução da

sociedade, passam a figurar como elementos que

influenciam a confecção e aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear

como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o

brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e

cristalina a relação de interdependência que esse binômio

mantém‖264. Deste modo, com clareza solar, denota-se

que há uma interação consolidada na mútua

dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas

no constante processo de evolução da sociedade, com o

fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não

fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total

descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua

vez, apresenta estrutural dependência das regras

consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo

264 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 20 jun.

2015.

Page 238: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

238

fundamental está assentado em assegurar que inexista a

difusão da prática da vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas

quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da

Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem

como para evitar que se robusteça um cenário caótico no

seio da coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o

cenário pátrio, é possível evidenciar que com a

promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como

maciço axioma de sustentação do Ordenamento

Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos

complexos anseios e múltiplas necessidades que

influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,

há que se citar o voto magistral voto proferido pelo

Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o

direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não

envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à

realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o

Page 239: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

239

seu fascínio, a sua beleza”265. Como bem pontuado, o

fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante

e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente

do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

265 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 20 jun. 2015.

Page 240: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

240

princípios em face da legislação‖266. Destarte, a partir de

uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o

ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à

valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,

por conseguinte, o arcabouço normativo passando a

figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e

interpretação do conteúdo das leis.

2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE

MODERNA

Ao ter como substrato de edificação as

ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de

maneira maciça, acerca da evolução dos direitos

humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

direitos humanos decorrem de uma construção

paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação

em determinado período histórico da humanidade. ―A

266 VERDAN, 2009, s.p.

Page 241: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

241

evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana

também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou

construídos todos de uma vez, mas sim conforme a

própria experiência da vida humana em sociedade‖267,

como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

evidenciar que sobredita construção não se encontra

finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à

conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,

fomentado, de maneira substancial, pela difusão das

informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

os quais permitem o florescimento de novos direitos,

alargando, com bastante substância a rubrica dos temas

associados aos direitos humanos.

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

análise histórica sobre a construção dos direitos

humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio

antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram

difundidos instrumentos que objetivavam a proteção

individual em relação ao Estado. ―O Código de

267 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,

um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,

fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.

Acesso em 20 jun. 2015.

Page 242: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

242

Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação

a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de

Moraes268. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia

Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na

Babilônia) foi a primeira codificação a

relatar os direitos comuns aos homens e a

mencionar leis de proteção aos mais fracos.

O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais

de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

Código de Hamurabi, já fazia constar alguns

Direitos Humanos, tais como o direito à

vida, à família, à honra, à dignidade,

proteção especial aos órfãos e aos mais

fracos. O Código de Hamurabi também

limitava o poder por um monarca absoluto.

Nas disposições finais do Código, fez constar

que aos súditos era proporcionada moradia,

justiça, habitação adequada, segurança

contra os perturbadores, saúde e paz269.

268 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da

Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 269 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

perspectiva social do trabalho. Disponível em:

<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 20 jun. 2015, p.

01.

Page 243: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

243

Ainda nesta toada, nas polis gregas,

notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,

também, a edificação e o reconhecimento de direitos

basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a

liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é

observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um

direito natural, superior ao direito positivo, ―pela

distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo

da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela

própria natureza humana‖270, consoante evidenciam

Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos

escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,

exclusivamente, aos cidadãos homens271, cuja acepção, na

visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que

surgem os primeiros resquícios do que passou a ser

chamado Direito Natural, através da ideia de que os

homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à

sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e

270 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 271 MORAES, 2011, p. 06.

Page 244: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

244

fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

nascessem com vida‖272.

O período medieval, por sua vez, foi

caracterizado pela maciça descentralização política, isto

é, a coexistência de múltiplos centros de poder,

influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas

atividade comercial. Subsiste, neste período, o

esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,

no medievo, estava dividida em três estamentos, quais

sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada

na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à

proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de

trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade

Média, apesar da organização feudal e da rígida

separação de classes, com a consequente relação de

subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos

documentos jurídicos reconheciam a existência dos

272 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à

história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:

<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 20 jun. 2015.

Page 245: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

245

direitos humanos‖273, tendo como traço característico a

limitação do poder estatal.

Neste período, é observável a difusão de

documentos escritos reconhecendo direitos a

determinados estamentos, mormente por meio de forais

ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à

região em que vigiam. Dentre estes documentos, é

possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,

em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões

exercidas pelos barões em razão do aumento de exações

fiscais para financiar a estruturação de campanhas

bélicas, como bem explicita Comparato274. A Carta de

João sem Terra acampou uma série de restrições ao

poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,

proporcionalidade entre a pena e o delito275, devido

273 MORAES, 2011, p. 06. 274 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos

Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

72. 275 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 20 jun. 2015: ―Um homem livre será punido por um

pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

Page 246: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

246

processo legal276, acesso à Justiça277, liberdade de

locomoção278 e livre entrada e saída do país279.

Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

outros documentos, com clara feição humanista, foram

crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um

vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e

nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo

juramento de homens honestos do distrito‖. 276 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 20 jun. 2015: ―Nenhum homem livre será capturado ou

aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da

lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele,

nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento

legítimo dos seus pares ou pela lei do país‖. 277 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou

retardaremos direito ou justiça‖. 278 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do

nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto

espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e

pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser

tratados como acima dito‖. 279 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,

entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra

como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E

se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão

capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja

sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do

nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra

contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo

no nosso país‖.

Page 247: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

247

promulgados, dentre os quais é possível mencionar o

Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao

poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a

proibição de detenções arbitrárias280, reafirmando, deste

modo, os princípios estruturadores do devido processo

legal281. Com efeito, o diploma em comento foi

confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o

monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e

liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os

quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,

ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado

com o fortalecimento e afirmação das instituições

parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo

280 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos

Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 281 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de

Direito (1.628). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015:

―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,

empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou

detido por qualquer das formas acima indicadas‖.

Page 248: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

248

desmedido passa a ceder diante das imposições

democráticas que floresciam.

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a

liberdade através de um documento escrito que seria

encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,

apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando

solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

considerada como axioma inspirador para maciça parte

dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem

enfoca Comparato282. Enfim, diversos foram os

documentos surgidos no velho continente que trouxeram

o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

marcos de uma transição entre o autoritarismo e o

absolutismo estatal para uma época de reconhecimento

dos direitos humanos fundamentais283.

As treze colônias inglesas, instaladas no

recém-descoberto continente americano, em busca de

liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

282 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 283 MORAES, 2011, p. 08-09.

Page 249: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

249

social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram

elaborados diversos textos que objetivavam definir os

direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é

possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,

de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer

direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

detentor284, e trouxe certas particularidades como a

liberdade de impressa285, por exemplo. Como bem

destaca Comparato286, a Declaração de Direitos do Bom

Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são

livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais

como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

segurança, registrando o início do nascimento dos

direitos humanos na história287. ―Basicamente, a

284 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Que

todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;

que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em

qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 285 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes

da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por

governos despóticos‖. 286 COMPARATO, 2003, p. 49. 287 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

Page 250: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

250

Declaração se preocupa com a estrutura de um governo

democrático, com um sistema de limitação de poderes‖288,

como bem anota José Afonso da Silva.

Diferente dos textos ingleses, que, até aquele

momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a

superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a

ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.

Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados

Unidos da América. Inicialmente, o documento não

mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo

menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em

abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da

Federação, desde que constasse, no texto constitucional,

a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Que

todos os homens são, por natureza, igualmente livres e

independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando

entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo

privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da

liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

buscar e obter felicidade e segurança‖. 288 SILVA, 2004, p.155.

Page 251: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

251

fundamentais. Assim, surgiram as primeiras dez

emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

propriedade, segurança, resistência à opressão,

associação política, princípio da legalidade, princípio da

reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio

da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da

livre manifestação do pensamento289.

3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS

DE LIBERDADE

No século XVIII, é verificável a instalação de

um momento de crise no continente europeu, porquanto a

classe burguesa que emergia, com grande poderio

econômico, não participava da vida pública, pois

inexistia, por parte dos governantes, a observância dos

direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,

apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada

289 MORAES, 2003, p. 28.

Page 252: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

252

mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

meio da tributação, eram obrigados a sustentar os

privilégios das minorias que detinham o poder. Com

efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na

órbita política290. O mesmo ocorria com a população

pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos

centros urbanos, explorada em fábricas, morava em

subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco

que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que

esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas

subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

contenda contra os detentores do poder, protestos e

aclamações públicas tomaram conta da França.

Em meados de 1789, em meio a um cenário

caótico de insatisfação por parte das classes sociais

exploradas, notadamente para manterem os interesses

dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,

que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

290 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.

2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

Page 253: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

253

tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos

Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do

Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque

regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

seu povo, foi tida com abstrata291 e, por isso,

universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa

possuía três características: intelectualismo,

mundialismo e individualismo.

A primeira pressupunha que as garantias de

direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da

população era obra e graça do intelecto humano; a

segunda característica referia-se ao alcance dos direitos

conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o

povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por

derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu

caráter, iminentemente individual, não se preocupando

com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades

associativas ou de reunião. No bojo da declaração,

emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados

291 SILVA, 2004, p. 157.

Page 254: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

254

os corolários e cânones da liberdade292, da igualdade, da

propriedade, da legalidade e as demais garantias

individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em

comento consagrou os princípios fundantes do direito

penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da

legalidade293, da reserva legal294 e anterioridade em

matéria penal, da presunção de inocência295, tal como

liberdade religiosa e livre manifestação de

pensamento296.

292 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 20 jun. 2015: ―Art.

2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a

liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 293 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não

prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de

cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos

outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes

limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 294 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por

força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

legalmente aplicada‖. 295 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser

declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor

desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei‖. 296 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,

incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não

perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre

comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos

Page 255: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

255

Os direitos de primeira dimensão

compreendem os direitos de liberdade, tal como os

direitos civis e políticos, estando acampados em sua

rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não

discriminação racial, propriedade privada, privacidade e

sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo

em decorrência de perseguições políticas, bem como as

liberdades de culto, crença, consciência, opinião,

expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,

residência, participação política, diretamente ou por meio

de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos

de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade‖297, aspecto este que

passa a ser característico da dimensão em comento. Com

realce, são direitos de resistência ou de oposição perante

o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele

das relações individuais e sociais.

direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta

liberdade nos termos previstos na lei‖. 297 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

Page 256: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

256

4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA

DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO

SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE

IGUALDADE

Com o advento da Revolução Industrial, é

verificável no continente europeu, precipuamente, a

instalação de um cenário pautado na exploração do

proletariado. O contingente de trabalhadores não estava

restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo

crianças, os quais eram expostos a condições

degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase

nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se

que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram

submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,

unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal

absteve-se de se imiscuir na economia e, com o

beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa

explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo

seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e

procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa

essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a

Page 257: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

257

maioria298. A massa de trabalhadores e desempregados

vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os

burgueses ostentavam desmedida opulência.

Na vereda rumo à conquista dos direitos

fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns

textos de grande relevância, os quais combatiam a

exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É

possível citar, em um primeiro momento, como

proeminente documento elaborado durante este período,

a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de

1848, que apresentou uma ampliação em termos de

direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos

humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como

direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a

liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos

desempregados‖299. Posteriormente, em 1917, a

Constituição Mexicana300, refletindo os ideários

decorrentes da consolidação dos direitos de segunda

298 COTRIM, 2010, p. 160. 299 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na

valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,

Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 20 jun. 2015. 300 MORAES, 2011, p. 11.

Page 258: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

258

dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais

com maciça tendência social, a exemplo da limitação da

carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos

contratos de trabalho, além de estabelecer a

obrigatoriedade da educação primária básica, bem como

gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.

A Constituição Alemã de Weimar, datada de

1919, trouxe grandes avanços nos direitos

socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao

trabalho, à liberdade de associação, melhores condições

de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social

para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho

e para a proteção à maternidade. Além dos direitos

sociais expressamente insculpidos, a Constituição de

Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à

defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente

―ao instituir que o Império procuraria obter uma

regulamentação internacional da situação jurídica dos

trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe

operária da humanidade, um mínimo de direitos

sociais‖301, tal como estabelecer que os operários e

301 SANTOS, 2003, s.p.

Page 259: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

259

empregados seriam chamados a colaborar com os

patrões, na regulamentação dos salários e das condições

de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças

produtivas.

No campo socialista, destaca-se a Constituição

do Povo Trabalhador e Explorado302, elaborada pela

antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía

ideias revolucionárias e propagandistas, pois não

enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais

como a abolição da propriedade privada, o confisco dos

bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada

pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras

inovações na relação laboral. Dentre as inovações

introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,

magistratura do trabalho, possibilidade de contratos

coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de

retribuição financeira em relação ao trabalho,

remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do

repouso semanal remunerado, previsão de férias após um

ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de

302 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

Page 260: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

260

dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de

previdência, assistência, educação e instrução sociais303.

Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu

da apatia e envolveu-se nas relações de natureza

econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos

fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o

Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem

como fito primordial assegurar aos indivíduos que o

integram as condições materiais tidas por seus

defensores como imprescindíveis para que, desta feita,

possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira

geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de

exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,

mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se

diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente

estatal alheio à vida da sociedade e que, por

consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os

direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra

o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias

remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde

e o bem-estar individual e da família, à educação, à

303 SANTOS, 2003, s.p.

Page 261: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

261

propriedade intelectual, bem como as liberdades de

escolha profissional e de sindicalização.

Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os

direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,

culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou

de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das

distintas formas do Estado social, depois que

germinaram por ora de ideologia e da reflexão

antiliberal‖304. Os direitos alcançados pela rubrica em

comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário

da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos

humanos fundamentais rumo às sendas da História é

paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos

fundamentais apresenta uma ampla capacidade de

incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou

problemas do arbítrio governamental, com as liberdades

públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com

os direitos econômicos e sociais‖305, como bem evidencia

Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

304 BONAVIDES, 2007, p. 564. 305 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.

Page 262: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

262

5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE

SOLIDARIEDADE

Conforme fora visto no tópico anterior, os

direitos humanos originaram-se ao longo da História e

permanecem em constante evolução, haja vista o

surgimento de novos interesses e carências da sociedade.

Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles

Bobbio306, os consideram direitos históricos, sendo

divididos, tradicionalmente, em três gerações ou

dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como

fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem

como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à

saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à

autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do

consumidor, além de outros direitos considerados como

difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e

universalidade, os direitos de terceira geração tendem a

cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que

306 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1997, p. 03.

Page 263: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

263

não se destinam especificamente à proteção dos interesses

de um indivíduo, de um grupo‖307 ou mesmo de um Ente

Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são

considerados como difusos, porquanto não têm titular

individual, sendo que o liame entre os seus vários

titulares decorre de mera circunstância factual. Com o

escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações

vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento

explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

307 BONAVIDES, 2007, p. 569.

Page 264: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

264

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível308.

308 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 20 jun. 2015.

Page 265: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

265

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos

de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o

que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer

restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-

se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas

ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem

natureza essencialmente transindividual, porquanto não

possuem destinatários especificados, como os de primeira

e segunda geração, abrangendo a coletividade como um

todo‖309. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou

coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,

ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento

estão vinculados a valores de fraternidade ou

solidariedade, sendo traduzidos de um ideal

intergeracional, que liga as gerações presentes às

futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida

destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,

percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a

abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a

valorização destes é de extrema relevância. ―Têm

309 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito

Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

Page 266: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

266

primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num

momento expressivo de sua afirmação como valor

supremo em termos de existencialidade concreta‖310. A

respeito do assunto, Motta e Barchet311 ensinam que os

direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à

degradação das liberdades, à deterioração dos direitos

fundamentais em virtude do uso prejudicial das

modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica

vigente entre as diferentes nações.

6 PONDERAÇÕES AO DESENVOLVIMENTO

COMO DIREITO HUMANO: O ALARGAMENTO

ADVINDO DA DECLARAÇÃO DA ONU DE 1986

310 BONAVIDES, 2007, p. 569. 311 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens

básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a

deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso

nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e

econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais

realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o

reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a

humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há

como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções

também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira

geração.[...]‖

Page 267: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

267

Em um primeiro momento, ao reconhecer que o

desenvolvimento é um processo econômico, social,

cultural e político abrangente, que visa ao constante

incremento do bem-estar de toda a população e de todos

os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e

significativa no desenvolvimento e na distribuição justa

dos benefícios daí resultantes. Igualmente, ao considerar

que que sob as disposições da Declaração Universal dos

Direitos Humanos todos têm direito a uma ordem social e

internacional em que os direitos e as liberdades

consagrados nesta Declaração possam ser plenamente

realizados. Recordando, ainda, os importantes acordos,

convenções, resoluções, recomendações e outros

instrumentos das Nações Unidas e de suas agências

especializadas relativos ao desenvolvimento integral do

ser humano, ao progresso econômico e social e

desenvolvimento de todos os povos, inclusive os

instrumentos relativos à descolonização, à prevenção de

discriminação, ao respeito e observância dos direitos

humanos e das liberdades fundamentais, à manutenção

da paz e segurança internacionais e maior promoção das

Page 268: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

268

relações amistosas e cooperação entre os Estados de

acordo com a Carta.

Ao reafirmar que existe uma relação íntima entre

desarmamento e desenvolvimento e que o progresso no

campo do desarmamento promoveria consideravelmente

o progresso no campo do desenvolvimento, e que os

recursos liberados pelas medidas de desarmamento

deveriam dedicar-se ao desenvolvimento econômico e

social e ao bem-estar de todos os povos e, em particular,

daqueles dos países em desenvolvimento. No mais, ao

reconhecer que a pessoa humana é o sujeito central do

processo de desenvolvimento e que essa política de

desenvolvimento deveria assim fazer do ser humano o

principal participante e beneficiário do desenvolvimento.

Ora, o direito ao desenvolvimento é um direito humano

inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os

povos estão habilitados a participar do desenvolvimento

econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e

dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e

liberdades fundamentais possam ser plenamente

realizados.

Page 269: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

269

Neste sentido, o direito humano ao

desenvolvimento também implica a plena realização do

direito dos povos de autodeterminação que inclui, sujeito

às disposições relevantes de ambos os Pactos

Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de

seu direito inalienável de soberania plena sobre todas as

sua riquezas e recursos naturais. Em seu artigo 2º, a

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento

estabelece que a pessoa humana é o sujeito central do

desenvolvimento e deveria ser participante ativo e

beneficiário do direito ao desenvolvimento. Ao lado disso,

todos os seres humanos têm responsabilidade pelo

desenvolvimento, individual e coletivamente, levando-se

em conta a necessidade de pleno respeito aos seus

direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como

seus deveres para com a comunidade, que sozinhos

podem assegurar a realização livre e completa do ser

humano e deveriam por isso promover e proteger uma

ordem política, social e econômica apropriada para o

desenvolvimento. Por derradeiro, o dispositivo em

comento assinala que os Estados têm o direito e o dever

de formular políticas nacionais adequadas para o

Page 270: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

270

desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento

do bem-estar de toda a população e de todos os

indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e

significativa e no desenvolvimento e na distribuição

equitativa dos benefícios daí resultantes.

No artigo 3º, a Declaração de 1986 comina que os

Estados têm a responsabilidade primária pela criação

das condições nacionais e internacionais favoráveis à

realização do direito ao desenvolvimento. A realização do

direito ao desenvolvimento requer pleno respeito aos

princípios do direito internacional, relativos às relações

amistosas de cooperação entre os Estados, em

conformidade com a Carta das Nações Unidas. Os

Estados têm o dever de cooperar uns com os outros para

assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao

desenvolvimento. Os Estados deveriam realizar seus

direitos e cumprir suas obrigações, de modo tal a

promover uma nova ordem econômica internacional,

baseada na igualdade soberana, interdependência,

interesse mútuo e cooperação entre todos os Estados,

assim como a encorajar a observância e a realização dos

direitos humanos.

Page 271: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

271

O dispositivo subsequente afirma que os Estados

têm o dever de, individual e coletivamente, tomar

medidas para formular as políticas internacionais de

desenvolvimento, com vistas a facilitar a plena realização

do direito ao desenvolvimento. É necessária ação

permanente para promover um desenvolvimento mais

rápido dos países em desenvolvimento. Como

complemento dos esforços dos países em

desenvolvimento, uma cooperação internacional efetiva é

essencial para prover esses países de meios e facilidades

apropriados para incrementar seu amplo

desenvolvimento. No mais, o artigo 5º especifica que os

Estados tomarão medidas firmes para eliminar as

violações maciças e flagrantes dos direitos humanos dos

povos e dos seres humanos afetados por situações tais

como as resultantes do apartheid, de todas as formas de

racismo e discriminação racial, colonialismo, dominação

estrangeira e ocupação, agressão, interferência

estrangeira e ameaças contra a soberania nacional,

unidade nacional e integridade territorial, ameaças de

guerra e recusas de reconhecimento do direito

fundamental dos povos à autodeterminação.

Page 272: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

272

Todos os Estados devem cooperar, com vistas a

promover, encorajar e fortalecer o respeito universal pela

observância de todos os direitos humanos e liberdades

fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo,

língua ou religião. Todos os direitos humanos e

liberdades fundamentais são indivisíveis e

interdependentes; atenção igual e consideração urgente

devem ser dadas à implementação, promoção e proteção

dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e

culturais. Os Estados devem tomar providências para

eliminar os obstáculos ao desenvolvimento resultantes da

falha na observância dos direitos civis e políticos, assim

como dos direitos econômicos, sociais e culturais. Mais

que isso, todos os Estados devem promover o

estabelecimento, a manutenção e o fortalecimento da paz

e segurança internacionais e, para este fim, deveriam

fazer o máximo para alcançar o desarmamento geral e

completo do efetivo controle internacional, assim como

assegurar que os recursos liberados por medidas efetivas

de desarmamento sejam usados para o desenvolvimento

amplo, em particular o dos países em via de

desenvolvimento.

Page 273: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

273

A declaração estabelece que todos Estados devem

tomar, em nível nacional, todas as medidas necessárias

para a realização do direito ao desenvolvimento e devem

assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para

todos, no acesso aos recursos básicos, educação, serviços

de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição

equitativa da renda. Medidas efetivas devem ser

tomadas para assegurar que as mulheres tenham um

papel ativo no processo de desenvolvimento. Reformas

econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas

com vistas à erradicação de todas as injustiças sociais.

Os Estados devem encorajar a participação popular em

todas as esferas, como um fator importante no

desenvolvimento e na plena realização de todos os

direitos humanos. Todos os aspectos dos direito ao

desenvolvimento estabelecidos na Declaração são

indivisíveis e interdependentes, e cada um deles deve ser

considerado no contexto do todo. Os Estados deverão

tomar medidas para assegurar o pleno exercício e

fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento,

incluindo a formulação, adoção e implementação de

Page 274: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

274

políticas, medidas legislativas e outras, em níveis

nacional e internacional.

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Page 277: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

277

COMENTÁRIOS AO RECONHECIMENTO

DO DIREITO À INTERNET COMO

DIREITOS HUMANOS: PRIMEIROS

APONTAMENTOS

Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça,

acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram

azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.

Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de

uma construção paulatina, consistindo em uma

afirmação e consolidação em determinado período

histórico da humanidade. Quadra evidenciar que

sobredita construção não se encontra finalizada, ao

avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos

está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira

substancial, pela difusão das informações propiciada

pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o

florescimento de novos direitos, alargando, com bastante

substância a rubrica dos temas associados aos direitos

humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de

liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda

Page 278: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

278

dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos

bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

introduzidos no constitucionalismo das distintas formas

do Estado social, depois que germinaram por ora de

ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo

teor de humanismo e universalidade, os direitos de

terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século

XX enquanto direitos que não se destinam

especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

especificamente.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. Acesso à Internet.

Privacidade.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao

Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2

Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da

Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de

Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de

Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão:

Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos

Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira

Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos

Direitos de Solidariedade; 6 Comentários ao

reconhecimento do Direito à Internet como Direitos

Humanos: Primeiros Apontamentos

Page 279: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

279

1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS:

PONDERAÇÕES AO CARACTERÍSTICO DE

MUTABILIDADE DA CIÊNCIA JURÍDICA

Em sede de comentários inaugurais, ao se

dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em

debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica,

enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço

doutrinário e técnico, assim como as pujantes

ramificações que a integra, reclama uma interpretação

alicerçada nos múltiplos peculiares característicos

modificadores que passaram a influir em sua

estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os

aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que

não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

Page 280: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

280

uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os

valores adotados pela coletividade, tal como os

proeminentes cenários apresentados com a evolução da

sociedade, passam a figurar como elementos que

influenciam a confecção e aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear

como pavilhão de interpretação o ―prisma de avaliação o

brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e

cristalina a relação de interdependência que esse binômio

mantém‖312. Deste modo, com clareza solar, denota-se

que há uma interação consolidada na mútua

dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas

no constante processo de evolução da sociedade, com o

fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não

fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total

descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua

vez, apresenta estrutural dependência das regras

consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo

312 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 02 jul.

2015.

Page 281: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

281

fundamental está assentado em assegurar que inexista a

difusão da prática da vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas

quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da

Lei de Talião (―Olho por olho, dente por dente‖), bem

como para evitar que se robusteça um cenário caótico no

seio da coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o

cenário pátrio, é possível evidenciar que com a

promulgação da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como

maciço axioma de sustentação do Ordenamento

Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos

complexos anseios e múltiplas necessidades que

influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso,

há que se citar o voto magistral voto proferido pelo

Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, ―o

direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não

envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à

realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o

Page 282: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

282

seu fascínio, a sua beleza”313. Como bem pontuado, o

fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante

e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente

do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, ―esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

313 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 02 jul. 2015.

Page 283: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

283

princípios em face da legislação‖314. Destarte, a partir de

uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o

ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à

valoração da robusta tábua principiológica que Direito e,

por conseguinte, o arcabouço normativo passando a

figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e

interpretação do conteúdo das leis.

2 PRELÚDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA À IDADE

MODERNA

Ao ter como substrato de edificação as

ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de

maneira maciça, acerca da evolução dos direitos

humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

direitos humanos decorrem de uma construção

paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação

em determinado período histórico da humanidade. ―A

314 VERDAN, 2009, s.p.

Page 284: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

284

evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana

também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou

construídos todos de uma vez, mas sim conforme a

própria experiência da vida humana em sociedade‖315,

como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

evidenciar que sobredita construção não se encontra

finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à

conquista de direitos está em pleno desenvolvimento,

fomentado, de maneira substancial, pela difusão das

informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

os quais permitem o florescimento de novos direitos,

alargando, com bastante substância a rubrica dos temas

associados aos direitos humanos.

Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

análise histórica sobre a construção dos direitos

humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio

antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram

difundidos instrumentos que objetivavam a proteção

individual em relação ao Estado. ―O Código de

315 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos,

um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61,

fev. 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>.

Acesso em 02 jul. 2015.

Page 285: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

285

Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação

a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

relação aos governantes‖, como bem afiança Alexandre de

Moraes316. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia

Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na

Babilônia) foi a primeira codificação a

relatar os direitos comuns aos homens e a

mencionar leis de proteção aos mais fracos.

O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), há mais

de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

Código de Hamurabi, já fazia constar alguns

Direitos Humanos, tais como o direito à

vida, à família, à honra, à dignidade,

proteção especial aos órfãos e aos mais

fracos. O Código de Hamurabi também

limitava o poder por um monarca absoluto.

Nas disposições finais do Código, fez constar

que aos súditos era proporcionada moradia,

justiça, habitação adequada, segurança

contra os perturbadores, saúde e paz317.

316 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da

Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 317 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

perspectiva social do trabalho. Disponível em:

<http://www.faculdade.pioxii-es.com.br>. Acesso em 02 jul. 2015, p.

01.

Page 286: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

286

Ainda nesta toada, nas polis gregas,

notadamente na cidade-Estado de Atenas, é verificável,

também, a edificação e o reconhecimento de direitos

basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a

liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é

observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um

direito natural, superior ao direito positivo, ―pela

distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo

da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

de distinguir entre o que é justo e o que é injusto pela

própria natureza humana‖318, consoante evidenciam

Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos

escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados,

exclusivamente, aos cidadãos homens319, cuja acepção, na

visão adotada, excluía aqueles. ―É na Grécia antiga que

surgem os primeiros resquícios do que passou a ser

chamado Direito Natural, através da ideia de que os

homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à

sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e

318 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 319 MORAES, 2011, p. 06.

Page 287: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

287

fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

nascessem com vida‖320.

O período medieval, por sua vez, foi

caracterizado pela maciça descentralização política, isto

é, a coexistência de múltiplos centros de poder,

influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas

atividade comercial. Subsiste, neste período, o

esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade,

no medievo, estava dividida em três estamentos, quais

sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada

na oração e pregação; os nobres, a quem incumbiam à

proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de

trabalhar para o sustento de todos. ―Durante a Idade

Média, apesar da organização feudal e da rígida

separação de classes, com a consequente relação de

subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos

documentos jurídicos reconheciam a existência dos

320 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à

história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em:

<http://jusvi.com/pecas/34357>. Acesso em 02 jul. 2015.

Page 288: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

288

direitos humanos‖321, tendo como traço característico a

limitação do poder estatal.

Neste período, é observável a difusão de

documentos escritos reconhecendo direitos a

determinados estamentos, mormente por meio de forais

ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à

região em que vigiam. Dentre estes documentos, é

possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra,

em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões

exercidas pelos barões em razão do aumento de exações

fiscais para financiar a estruturação de campanhas

bélicas, como bem explicita Comparato322. A Carta de

João sem Terra acampou uma série de restrições ao

poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,

proporcionalidade entre a pena e o delito323, devido

321 MORAES, 2011, p. 06. 322 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos

Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

72. 323 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna

Carta (1.215). Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>.

Acesso em 02 jul. 2015: ―Um homem livre será punido por um

pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

Page 289: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

289

processo legal324, acesso à Justiça325, liberdade de

locomoção326 e livre entrada e saída do país327.

Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

outros documentos, com clara feição humanista, foram

promulgados, dentre os quais é possível mencionar o

crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um

vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e

nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo

juramento de homens honestos do distrito‖. 324 Ibid. ―Nenhum homem livre será capturado ou aprisionado, ou

desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou

de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele, nem enviaremos

ninguém contra ele, excepto pelo julgamento legítimo dos seus pares

ou pela lei do país‖. 325 Ibid. ―A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou

retardaremos direito ou justiça‖. 326 Ibid. ―Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do

nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto

espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e

pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser

tratados como acima dito‖. 327 Ibid. ―Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,

entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra

como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E

se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão

capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja

sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do

nosso país são tratados, se foram encontrados no país em guerra

contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo

no nosso país‖.

Page 290: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

290

Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao

poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a

proibição de detenções arbitrárias328, reafirmando, deste

modo, os princípios estruturadores do devido processo

legal329. Com efeito, o diploma em comento foi

confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o

monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e

liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os

quais não eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar,

ainda, que o texto de 1.215 só passou a ser observado

com o fortalecimento e afirmação das instituições

parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo

328 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos

Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 329 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de

Direito (1.628). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul. 2015:

―ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva,

empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou

detido por qualquer das formas acima indicadas‖.

Page 291: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

291

desmedido passa a ceder diante das imposições

democráticas que floresciam.

Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a

liberdade através de um documento escrito que seria

encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

concederia a liberdade provisória, ficando o acusado,

apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando

solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

considerada como axioma inspirador para maciça parte

dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem

enfoca Comparato330. Enfim, diversos foram os

documentos surgidos no velho continente que trouxeram

o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

marcos de uma transição entre o autoritarismo e o

absolutismo estatal para uma época de reconhecimento

dos direitos humanos fundamentais331.

As treze colônias inglesas, instaladas no

recém-descoberto continente americano, em busca de

liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

330 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 331 MORAES, 2011, p. 08-09.

Page 292: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

292

social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram

elaborados diversos textos que objetivavam definir os

direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é

possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,

de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer

direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

detentor332, e trouxe certas particularidades como a

liberdade de impressa333, por exemplo. Como bem

destaca Comparato334, a Declaração de Direitos do Bom

Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são

livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais

como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

segurança, registrando o início do nascimento dos

direitos humanos na história335. ―Basicamente, a

332 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul. 2015: ―Que

todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;

que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em

qualquer momento, perante ele responsáveis‖. 333 Ibid. ―Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes

da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por

governos despóticos‖. 334 COMPARATO, 2003, p. 49. 335 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em:

Page 293: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

293

Declaração se preocupa com a estrutura de um governo

democrático, com um sistema de limitação de poderes‖336,

como bem anota José Afonso da Silva.

Diferente dos textos ingleses, que, até aquele

momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a

superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a

ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia.

Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados

Unidos da América. Inicialmente, o documento não

mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo

menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em

abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da

Federação, desde que constasse, no texto constitucional,

a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul. 2015: ―Que

todos os homens são, por natureza, igualmente livres e

independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando

entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo

privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da

liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

buscar e obter felicidade e segurança‖. 336 SILVA, 2004, p.155.

Page 294: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

294

fundamentais. Assim, surgiram as primeiras dez

emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

propriedade, segurança, resistência à opressão,

associação política, princípio da legalidade, princípio da

reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio

da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da

livre manifestação do pensamento337.

3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

DIMENSÃO: A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS

DE LIBERDADE

No século XVIII, é verificável a instalação de

um momento de crise no continente europeu, porquanto a

classe burguesa que emergia, com grande poderio

econômico, não participava da vida pública, pois

inexistia, por parte dos governantes, a observância dos

direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso,

apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada

337 MORAES, 2003, p. 28.

Page 295: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

295

mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

meio da tributação, eram obrigados a sustentar os

privilégios das minorias que detinham o poder. Com

efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na

órbita política338. O mesmo ocorria com a população

pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos

centros urbanos, explorada em fábricas, morava em

subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco

que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que

esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas

subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

contenda contra os detentores do poder, protestos e

aclamações públicas tomaram conta da França.

Em meados de 1789, em meio a um cenário

caótico de insatisfação por parte das classes sociais

exploradas, notadamente para manterem os interesses

dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa,

que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

338 COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.

2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

Page 296: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

296

tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos

Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do

Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque

regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

seu povo, foi tida com abstrata339 e, por isso,

universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa

possuía três características: intelectualismo,

mundialismo e individualismo.

A primeira pressupunha que as garantias de

direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da

população era obra e graça do intelecto humano; a

segunda característica referia-se ao alcance dos direitos

conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o

povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por

derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu

caráter, iminentemente individual, não se preocupando

com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades

associativas ou de reunião. No bojo da declaração,

emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados

339 SILVA, 2004, p. 157.

Page 297: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

297

os corolários e cânones da liberdade340, da igualdade, da

propriedade, da legalidade e as demais garantias

individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em

comento consagrou os princípios fundantes do direito

penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da

legalidade341, da reserva legal342 e anterioridade em

matéria penal, da presunção de inocência343, tal como

liberdade religiosa e livre manifestação de

pensamento344.

340 SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração

dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em 02 jul. 2015: ―Art.

2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a

liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão‖. 341 Ibid. ―Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não

prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de

cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos

outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes

limites apenas podem ser determinados pela lei‖. 342 Ibid. ―Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por

força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

legalmente aplicada‖. 343 Ibid. ―Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser

declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor

desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente

reprimido pela lei‖. 344 Ibid. ―Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,

incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não

perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre

comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos

Page 298: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

298

Os direitos de primeira dimensão

compreendem os direitos de liberdade, tal como os

direitos civis e políticos, estando acampados em sua

rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não

discriminação racial, propriedade privada, privacidade e

sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo

em decorrência de perseguições políticas, bem como as

liberdades de culto, crença, consciência, opinião,

expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção,

residência, participação política, diretamente ou por meio

de eleições. ―Os direitos de primeira geração ou direitos

de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao

Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

pessoa e ostentam subjetividade‖345, aspecto este que

passa a ser característico da dimensão em comento. Com

realce, são direitos de resistência ou de oposição perante

o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele

das relações individuais e sociais.

direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta

liberdade nos termos previstos na lei‖. 345 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

Page 299: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

299

4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA

DIMENSÃO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO

SUBSTRATO DE EDIFICAÇÃO DOS DIREITOS DE

IGUALDADE

Com o advento da Revolução Industrial, é

verificável no continente europeu, precipuamente, a

instalação de um cenário pautado na exploração do

proletariado. O contingente de trabalhadores não estava

restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo

crianças, os quais eram expostos a condições

degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase

nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se

que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram

submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas,

unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal

absteve-se de se imiscuir na economia e, com o

beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa

explorar e ―coisificar‖ a massa trabalhadora, reduzindo

seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e

procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa

essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a

Page 300: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

300

maioria346. A massa de trabalhadores e desempregados

vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os

burgueses ostentavam desmedida opulência.

Na vereda rumo à conquista dos direitos

fundamentais, econômicos e sociais, surgiram alguns

textos de grande relevância, os quais combatiam a

exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É

possível citar, em um primeiro momento, como

proeminente documento elaborado durante este período,

a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de

1848, que apresentou uma ampliação em termos de

direitos humanos fundamentais. ―Além dos direitos

humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como

direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a

liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos

desempregados‖347. Posteriormente, em 1917, a

Constituição Mexicana348, refletindo os ideários

decorrentes da consolidação dos direitos de segunda

346 COTRIM, 2010, p. 160. 347 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na

valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,

Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 02 jul. 2015. 348 MORAES, 2011, p. 11.

Page 301: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

301

dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais

com maciça tendência social, a exemplo da limitação da

carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos

contratos de trabalho, além de estabelecer a

obrigatoriedade da educação primária básica, bem como

gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.

A Constituição Alemã de Weimar, datada de

1919, trouxe grandes avanços nos direitos

socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao

trabalho, à liberdade de associação, melhores condições

de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social

para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho

e para a proteção à maternidade. Além dos direitos

sociais expressamente insculpidos, a Constituição de

Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à

defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente

―ao instituir que o Império procuraria obter uma

regulamentação internacional da situação jurídica dos

trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe

operária da humanidade, um mínimo de direitos

sociais‖349, tal como estabelecer que os operários e

349 SANTOS, 2003, s.p.

Page 302: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

302

empregados seriam chamados a colaborar com os

patrões, na regulamentação dos salários e das condições

de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças

produtivas.

No campo socialista, destaca-se a Constituição

do Povo Trabalhador e Explorado350, elaborada pela

antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía

ideias revolucionárias e propagandistas, pois não

enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais

como a abolição da propriedade privada, o confisco dos

bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada

pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras

inovações na relação laboral. Dentre as inovações

introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical,

magistratura do trabalho, possibilidade de contratos

coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de

retribuição financeira em relação ao trabalho,

remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do

repouso semanal remunerado, previsão de férias após um

ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de

350 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

Page 303: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

303

dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de

previdência, assistência, educação e instrução sociais351.

Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu

da apatia e envolveu-se nas relações de natureza

econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos

fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o

Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem

como fito primordial assegurar aos indivíduos que o

integram as condições materiais tidas por seus

defensores como imprescindíveis para que, desta feita,

possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira

geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de

exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social,

mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se

diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente

estatal alheio à vida da sociedade e que, por

consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os

direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra

o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias

remuneradas, a um padrão de vida que assegure a saúde

e o bem-estar individual e da família, à educação, à

351 SANTOS, 2003, s.p.

Page 304: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

304

propriedade intelectual, bem como as liberdades de

escolha profissional e de sindicalização.

Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os

direitos de segunda dimensão ―são os direitos sociais,

culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou

de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das

distintas formas do Estado social, depois que

germinaram por ora de ideologia e da reflexão

antiliberal‖352. Os direitos alcançados pela rubrica em

comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário

da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos

humanos fundamentais rumo às sendas da História é

paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos

fundamentais apresenta uma ampla capacidade de

incorporar desafios. ―Sua primeira geração enfrentou

problemas do arbítrio governamental, com as liberdades

públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com

os direitos econômicos e sociais‖353, como bem evidencia

Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

352 BONAVIDES, 2007, p. 564. 353 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.

Page 305: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

305

5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

DIMENSÃO: A VALORAÇÃO DOS ASPECTOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE

SOLIDARIEDADE

Conforme fora visto no tópico anterior, os

direitos humanos originaram-se ao longo da História e

permanecem em constante evolução, haja vista o

surgimento de novos interesses e carências da sociedade.

Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles

Bobbio354, os consideram direitos históricos, sendo

divididos, tradicionalmente, em três gerações ou

dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como

fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem

como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à

saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à

autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do

consumidor, além de outros direitos considerados como

difusos. ―Dotados de altíssimo teor de humanismo e

universalidade, os direitos de terceira geração tendem a

cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que

354 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora

Campus, 1997, p. 03.

Page 306: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

306

não se destinam especificamente à proteção dos interesses

de um indivíduo, de um grupo‖355 ou mesmo de um Ente

Estatal especificamente.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são

considerados como difusos, porquanto não têm titular

individual, sendo que o liame entre os seus vários

titulares decorre de mera circunstância factual. Com o

escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações

vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento

explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

355 BONAVIDES, 2007, p. 569.

Page 307: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

307

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível356.

356 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 02 jul. 2015.

Page 308: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

308

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos

de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o

que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer

restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-

se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas

ponderações, que ―os direitos de terceira geração possuem

natureza essencialmente transindividual, porquanto não

possuem destinatários especificados, como os de primeira

e segunda geração, abrangendo a coletividade como um

todo‖357. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou

coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou,

ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento

estão vinculados a valores de fraternidade ou

solidariedade, sendo traduzidos de um ideal

intergeracional, que liga as gerações presentes às

futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida

destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores,

percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a

abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a

valorização destes é de extrema relevância. ―Têm

357 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito

Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

Page 309: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

309

primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num

momento expressivo de sua afirmação como valor

supremo em termos de existencialidade concreta‖358. A

respeito do assunto, Motta e Barchet359 ensinam que os

direitos de terceira dimensão surgiram como ―soluções‖ à

degradação das liberdades, à deterioração dos direitos

fundamentais em virtude do uso prejudicial das

modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica

vigente entre as diferentes nações.

6 COMENTÁRIOS AO RECONHECIMENTO DO

DIREITO À INTERNET COMO DIREITOS

HUMANOS: PRIMEIROS APONTAMENTOS

358 BONAVIDES, 2007, p. 569. 359 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. ―[...] Duas são as origens

básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a

deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso

nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e

econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais

realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o

reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência – a

humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há

como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções

também globais. Tais ―soluções‖ são os direitos de terceira

geração.[...]‖

Page 310: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos - V. 1, n. 3

310

Em um primeiro momento, cuida reconhecer que

a Organização das Nações Unidas, no ano de 2011,

emitiu o relatório sobre promoção e proteção do direito à

liberdade de opinião e expressão. No documento ora

mencionado, a instituição coloca em destaque que

desconectar pessoas da internet materializa um crime e

uma violação dos direitos humanos, porquanto obstar o

acesso à informação, pela web, infringe o artigo 19, §3º,

do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,

adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembleia

Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966360.

Consoante a instituição apontou, todo cidadão possui

direito à liberdade de expressão e de acesso à informação

por qualquer tipo de veículo, incluindo-se, obviamente, a

internet.

360 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional

dos Direitos Civis e Políticos. Adotado pela Resolução n. 2.200 A

(XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro

de 1966. Disponível em: <http://www.oas.org>. Acesso em 02 jul.

2015. Artigo 19 [omissis] §3. O exercício de direito previsto no § 2 do

presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais.

Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que

devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se

façam necessárias para: 1. assegurar o respeito dos direitos e da

reputação das demais pessoas; 2. proteger a segurança nacional, a

ordem, a saúde ou a moral públicas.

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311

O parágrafo 3 até considera a hipótese de

aqueles que tiverem transgredido algum

tipo de lei, envolvendo meios de

comunicação, possam sofrer restrições

específicas. No entanto, não totais e apenas

se as transgressões colocarem em risco os

direitos e reputações de outras pessoas ou a

segurança nacional. A produção do

relatório, feita pelo Conselho de Direitos

Humanos da ONU e o site Mashable, foi

motivada por novas leis aprovadas na

França e na Inglaterra que excluem da

Internet pessoas consideradas como

infratoras de direitos autorais361.

Ora, a expressão ―acesso à internet‖ compreende

dois aspectos tidos como indissociáveis, a saber: o acesso

ao conteúdo que nela é inserido e a existência e

disponibilidade da infraestrutura e das tecnologias de

informação e comunicação indispensáveis, tais como

cabos, modems, computadores e programas com o escopo

de assegurar o pleno acesso à internet. ―Hodiernamente,

devido à importância atribuída à internet, seu acesso e

utilização passaram a gerar discussões em outro

patamar, inserindo-se na gama de direitos de opinião e

expressão, internacionalmente reconhecidos por vários

361 ONU declara acesso à internet como direito humano. Portal

UOL, 08 jun. 2011. Disponível em:

<http://portal.aprendiz.uol.com.br/content/nefrojoswo.mmp>. Acesso

em 02 jul. 2015, s.p.

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312

Estados soberanos‖362. É oportuno explicitar que o

documento explica que alguns países já bloqueiam

conteúdos específicos na rede para seus cidadãos. Em

algumas situações, os denominados infratores foram

excluídos totalmente do acesso à internet. Contudo,

segundo a ONU, não importa qual a conduta delituosa

cometida, quer seja violação a direitos autorais, quer seja

ofensa a direitos intelectuais, todo ser humano, ainda,

deve ter o direito de continuar com acesso à informação e

à internet. Ao lado disso, cuida explicitar que ―por meio

do relatório, a ONU pede aos países que revejam suas

leis contra pessoas que tiverem cometidos violações de

direitos autorais ou intelectuais e as punições adotadas,

para que elas não contrariem as diretrizes divulgadas no

documento da organização‖363.

362 MARCON, João Paulo Falavinha. O acesso à internet como

um direito humano fundamental, perante as legislações

internacional e brasileira. Disponível em:

<http://mundorama.net/2013/03/07/o-acesso-a-internet-como-um-

direito-humano-fundamental-perante-as-legislacoes-internacional-e-

brasileira-por-joao-paulo-falavinha-marcon/>. Acesso em 02 jul.

2015, s.p. 363 ONU declara acesso à internet como direito humano. Portal

UOL, 08 jun. 2011. Disponível em:

<http://portal.aprendiz.uol.com.br/content/nefrojoswo.mmp>. Acesso

em 02 jul. 2015, s.p.

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313

O texto do acordo não foi fácil de finalizar,

dado que China e Cuba — dois países onde

a liberdade na Internet é limitada pelos

respectivos regimes — se mostraram

reticentes a aceitar esta deliberação, apesar

de se terem finalmente aceitado uma

resolução que reconhece o ―carácter global e

aberto da Internet como motor para

acelerar o progresso rumo ao

desenvolvimento‖364.

O relatório da ONU destaca que nenhum

Estado pode interromper o acesso à Internet, nem mesmo

em situações de crises políticas, sejam internas ou

externas. A web tem sido utilizada para a livre expressão

da sociedade a favor ou contra determinados assuntos.

Um fato de grande manifestação popular via web que

ganhou repercussão mundial ocorreu em 2009, durante

as eleições no Irã, quando o presidente Mahmud

Ahmadinejad foi considerado reeleito. No período, os

meios de notícias foram proibidos de trabalhar no país.

Então, as denúncias de repressão aos eleitores favoráveis

ao opositor Mir Hussein Mousavi e de fraude nas eleições

364 NAÇÕES Unidas reconhecem a liberdade de expressão na

internet como um direito. P3: Portal eletrônico. Disponível em:

<http://p3.publico.pt/actualidade/media/3689/nacoes-unidas-

reconhecem-liberdade-de-expressao-na-internet-como-um-direito#>.

Acesso em 02 jul. 2015, s.p.

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314

passaram a surgir na Internet365. Verifica-se, portanto,

que o reconhecimento do acesso à internet, por parte do

cidadão, e sua vinculação como mecanismo apto à

promoção da informação e liberdade de expressão

materializa importante documento que confere àquele os

contornos de contemporâneo direito humano, advindo da

evolução das tecnologias e a globalização da difusão das

informações.

Denota-se, assim, que a ―internet acabou por

se tornar instrumento fundamental por meio dos qual

indivíduos podem exercer seus direitos de liberdade de

expressão e opinião‖366, conforme previsto no artigo 19 da

Declaração Universal dos Direitos do Homem e na

Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Os aludidos documentos internacionais, ao lado de

outros, dispõem que todas as pessoas têm direito a expor

365 ONU declara acesso à internet como direito humano. Portal

UOL, 08 jun. 2011. Disponível em:

<http://portal.aprendiz.uol.com.br/content/nefrojoswo.mmp>. Acesso

em 02 jul. 2015, s.p. 366 MARCON, João Paulo Falavinha. O acesso à internet como

um direito humano fundamental, perante as legislações

internacional e brasileira. Disponível em:

<http://mundorama.net/2013/03/07/o-acesso-a-internet-como-um-

direito-humano-fundamental-perante-as-legislacoes-internacional-e-

brasileira-por-joao-paulo-falavinha-marcon/>. Acesso em 02 jul.

2015, s.p.

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315

suas opiniões sem interferência, bem como direito à

liberdade de expressão, o qual abarca a prerrogativa de

procurar, receber e disseminar informações e ideias de

toda sorte, salvo proibições previamente previstas pelos

órgãos competentes e legítimos367. Assim, o arcabouço de

direitos humanos, previstos em normas internacionais,

mostra-se aplicável a novas tecnologias de comunicação e

informação (TIC´s), como a internet.

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